ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
184-A/1999.P1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 10/20/2011
SECÇÃO 1ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL AGRAVO
DECISÃO NEGADO PROVIMENTO
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR MOREIRA ALVES

DESCRITORES RENDA VITALÍCIA
RENDA PERPÉTUA
INVENTÁRIO
DIREITO DE ACRESCER
TRANSMISSÃO
SUCESSÃO

SUMÁRIO
I - A renda vitalícia pode ser convencionada por uma ou mais vidas (art. 1241.º do CC), o que significa, ao contrário do que ocorre com a renda perpétua (regulada nos arts. 1231.º e 1237.º do CC), que a lei estabelece um limite temporal à sua duração, limite esse que obviamente corresponde à vida (ou duas vidas) do(s) beneficiário(s).

II - A lei permite expressamente não só a renda vitalícia sucessiva (caso de duas vidas – art. 1240.º do CC), como a renda conjunta, que abrange e beneficia duas ou mais pessoas simultaneamente, caso em quem falecendo algum dos beneficiários, a sua parte ou quota acresce à dos outros – art. 1241.º do CC.

III - O direito de acrescer, estabelecido supletivamente no art. 1241.º do CC, nada tem a ver com o direito de acrescer existente no âmbito do direito sucessório (cf. art. 2301.º do CC). Não é um direito de crédito que faça parte da herança do co-titular falecido, exactamente porque é um direito que ingressa logo na titularidade do credor sobrevivo.

IV - Na renda vitalícia não se pretende criar um direito patrimonial sem limite temporal, cuja duração ultrapassa os limites da existência do titular originário, transmissível, por isso, nos termos gerais, por sucessão legal ou testamentária. O que se pretende é criar contratualmente um benefício a favor de pessoa ou pessoas concretamente identificadas no título, onde está presente o intuitus personae
.
V - O contrato de renda vitalícia tanto pode ter natureza onerosa como natureza gratuita, conforme a renda tenha carácter de um correspectivo da alienação da coisa ou direito, ou simples encargo modal imposto numa atribuição gratuita, como a doação.

VI - Do disposto nos arts. 1240.º e 1241.º resulta a intransmissibilidade por via sucessória do direito do beneficiário à renda vitalícia.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL

Relatório

Nos autos de inventário que correram termos no tribunal Judicial da Comarca de Amarante para partilha da herança aberta por óbito de

AA e em que é cabeça de casal

BB,

vieram os interessados

CC e

DD, deduzir incidente de partilha adicional.

Pretendem que seja relacionado e partilhado o crédito no montante de 120.000,00€ de capital e de 600,00 € de juros anuais, desde 1995, que a herança tem sobre a sociedade S... – Sociedade de Construções, Ld.ª.

Alegam que apenas em 29/12/09 tiveram conhecimento que aquele crédito subsistia à data da morte da autora da herança.

Notificado do incidente, o cabeça de casal veio deduzir oposição, alegando, em resumo, que a quantia em questão resulta de um contrato de renda vitalícia que ele e a falecida esposa celebraram com a referida sociedade “S... – Sociedade de Construções Ld.ª”.

Consequentemente, a relação jurídica assim constituída, não é transmissível por via sucessória, daí que a cabeça de casal não tenha relacionado tal crédito, nem tinha de relacioná-lo, pois não era um activo da herança.

Deve, pois, ser julgado improcedente o incidente.

Foram inquiridas as testemunhas arroladas pelos interessados.

De seguida, foi proferida decisão que julgou procedente o incidente e, em consequência, condenou o cabeça de casal a relacionar o crédito de capital de 120.000,00 € e os juros, no valor de 600,00 € cada ano, desde 1995, por forma a que se possa proceder à partilha adicional.

Inconformado, recorreu o cabeça de casal.

Apreciado o agravo, a Relação decidiu:

“Do exposto se conclui que a renda vitalícia conjunta estabelecida a favor da inventariada e do cabeça de casal, no contrato celebrado em 12/2/93, não é transmissível por via sucessória: falecida a inventariada, a sua parte acresceu à do cabeça de casal que, assim, legitimamente, a continuou e continuará a receber até à sua morte.

Como tal, não tinha a renda de ser relacionada no inventário – não tendo, pois, o cabeça de casal omitido o relacionamento de qualquer crédito da herança.

Por todas as razões expostas, há que conceder provimento ao agravo e, revogando-se a decisão recorrida, indeferir o pedido de partilha adicional formulado pelos agravados”.

É desta decisão que recorrem, agora (de agravo), os interessados CC e DD.

Conclusões

Apresentadas tempestivas alegações formularam os agravantes as seguintes conclusões:

Conclusões do Recurso

                   .....................................segue fotocópias ...................

Os Factos

A Relação fixou a seguinte matéria de facto.

FACTOS PROVADOS

A matéria de facto provada é, pois, a seguinte:

1) Aquando do decurso do inventário, foi acusada a falta de relacionação de um crédito que a herança teria sobre a sociedade comercial S... - Sociedade de Construções, Lda.

2) Ouvido o cabeça de casal, negou este a relacionação de tal bem.

3) Por escritura pública outorgada em 12.02.93, no 5o Cartório Notarial do Porto, EE e mulher FF e S... - Sociedade de Construções, Lda, como 1ºs outorgantes, e BB (o ora cabeça-de-casal) e mulher AA (a ora inventariada), como 2°s outorgantes, celebraram um contrato denominado de "Renda Vitalícia e Hipoteca", nos termos do qual os segundos entregaram aos primeiros a quantia de 30.000.00Q$00 e aqueles se" obrigaram a pagar a estes, a partir da data da escritura, a renda anual de 3.000.000$00, em duodécimos mensais de 250.000$00, até ao último dia do mês a que respeitar.

4) Nos termos do mesmo contrato, os primeiros outorgantes obrigaram-se a pagar ao cabeça-de-casal e à inventariada, a partir do primeiro ano de vigência da renda e a título de juros, uma quantia anual de 120.000$00, dividida em duodécimos de 10.000$00, que acrescerá sucessivamente à renda fixada no ano anterior.

5) Como garantia do bom pagamento da renda fixada, os outorgantes EE e mulher FF constituíram hipoteca a favor do cabeça-de-casal e da inventariada do bem imóvel descrito na cláusula 3ª do contrato.

6) Com fundamento na escritura pública acima referida, o cabeça-de-casal instaurou contra os referidos EE e mulher FF e contra a sociedade S...... a execução comum que corre termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras com o n° 1320/09.4TBFLG para pagamento da quantia € 243.423,48, alegadamente em dívida desde Outubro de 2007.

7) O cabeça-de-casal periodicamente percebia e continuou a perceber as quantias decorrentes do contrato referido em 3) e 4).

8) Pelo menos em 11.11.09, os interessados tiveram conhecimento dos factos referidos em 3) a 7).

Fundamentação

Como se vê das conclusões, os recorrentes subdividam a sua alegação em dois pontos, em relação aos quais manifestam a sua discordância com o acórdão recorrido.

Por um lado, impugnam a interpretação jurídica das respostas à matéria de facto  por outro, a subsunção jurídica dos factos apurados.

1ª Questão

Quanto à 1ª questão, insurgem-se os recorrentes contra o acórdão por ter considerado não escritas as conclusões que se verteram na fundamentação de facto da decisão.

Na verdade, o acórdão considerou não escrita a parte da decisão de facto em que se deu como provado que, à data da morte da autora da sucessão, subsistia um crédito e que o cabeça de casal omitiu a relacionação de tal crédito no inventário, isto, porque, tal matéria, se traduz num juízo conclusivo sem as premissas que ao mesmo conduzem e o suportam.

Ora, entendem os recorrentes, que ao dar-se como provado um crédito, estar-se-á perante um conceito “comum” ou “vulgar”, que significa “ter a haver algo”, pelo que se estará ainda a responder a factos, e por isso, não se “extravasa da materialidade”.

Todavia, parece evidente, que dar-se como provado que subsistia um crédito da herança (ainda que com o sentido pretendido pelos recorrentes) que o cabeça de casal omitiu, é pura e simplesmente conclusivo, visto ter-se omitido o facto constitutivo desse crédito.

Nesta medida, não merece censura o acórdão.

Mas, sobretudo, não se entende o alcance do recurso, nesta parte, quanto é certo que o acórdão aceitou que os factos necessários ao conhecimento do mérito do incidente foram alegados por força da remissão que os requerentes (ora recorrentes) fizeram para os documentos juntos aos autos, designadamente, para o documento de onde consta o facto constitutivo do alegado crédito, e por isso, reformulando a matéria de facto, que fixou, considerou provados os factos dos quais se inferirá se existe ou não um crédito da herança, e, existindo o crédito, se inferirá também que o cabeça de casal omitiu a sua relacionação.

Quer dizer, a factualidade fixada pela Relação, assente em documentos juntos aos autos, é mais do que suficiente para a decisão da questão suscitada no incidente e no recurso, pelo que, se nos afigura completamente inútil a questão suscitada, já que, ou se confirma o acórdão recorrido e, obviamente, não existindo crédito da herança, o cabeça de casal não omitiu a sua relacionação, ou se revoga o acórdão, e passa a subsistir integralmente a decisão de 1ª instância.

Não interessa, por conseguinte, perder mais tempo com tão anódina questão.

2ª Questão

Vejamos, agora, a questão que verdadeiramente interessa, e que se traduz em saber se a renda vitalícia auferida pela inventariada e pelo cabeça de casal deve ser relacionada por se tratar de um crédito da herança.

Sabemos, de facto, que por escritura pública, outorgada em 12/2/93 (cof. fls. 54/57), entre a S... – Sociedade de Construção Ld.ª (representada pelos sócios-gerentes EE e GG) e BB (aqui o cabeça de casal) e esposa AA (inventariada) foi celebrado um contrato, que as partes designaram de “Renda Vitalícia e Hipoteca” (esta, dada pelos outorgantes EE e esposa, FF, que, quanto à garantia, intervieram em seu nome próprio), nos termos do qual, os 2ºs outorgantes (o cabeça de casal e a inventariada) entregraram à dita Sociedade, a quantia de 30.000.000$00, obrigando-se esta a pagar àqueles, até à morte do último deles e a partir da data da escritura, a renda anual de 3.000.000$00, em duodécimos mensais de 250.000$00, vencível, cada um deles, no último dia do mês a que respeitar.

Ainda nos termos do contrato, a sociedade obrigou-se a pagar aos agora cabeça de casal e inventariada, a partir do 1º ano de vigência da renda e a título de juros, uma quantia anual de 120.000$00, dividida em duodécimos de 10.000$00, que acrescerão, sucessivamente, à renda.

Ora, segundo o Art.º 1238º do CC., “contrato de renda vitalícia é aquele em que uma pessoa aliena em favor de outra certa soma em dinheiro, ou qualquer outra coisa móvel ou imóvel, ou um direito, e a segunda se obriga a pagar certa quantia em dinheiro ou outra coisa fungível durante a vida do alienante ou de terceiro”.

Tal renda pode ser convencionada por uma ou duas vidas (Art. 1241º do CC.), o que significa, ao contrário do que ocorre com a renda perpétua (regulada nos Art.ºs 1231º a 1237º do CC.), que a lei estabelece um limite temporal à duração da renda vitalícia, limite esse que obviamente corresponde à vida (ou duas vidas do beneficiário(s).

Portanto, o benefício (a prestação da renda) extingue-se por morte do beneficiário.

Daí o carácter aleatório deste tipo contratual.

Assim, como ensinam A. Varela e P.de Lima (CC. anotado – nota ao Art.º 1240º –) “não há desarmonia entre a doutrina do Art.º 1240º e a da admissibilidade da renda perpétua. No primeiro caso, os beneficiários são indicados no próprio título de constituição do direito; no segundo, a devolução da renda, por morte do beneficiário, fica sujeita às regras gerais do direito sucessório e da liberdade testamentária, sem qualquer limite que imprima natureza vincular à instituição”.

Logo se vê, pois, aqui, uma primeira nota a apontar para a intransmissibilidade por via sucessória da renda vitalícia (e para a transmissibilidade, por essa via, da renda perpétua).

Por outro lado, permite a lei expressamente, não só a renda vitalícia sucessiva (caso de duas vidas – Art.º 1240º –) como a renda conjunta, que abrange e beneficia duas ou mais pessoas simultaneamente, caso em que, falecendo algum dos beneficiários, a sua parte ou quota acresce à dos outros.

É o que resulta do Art.º 1241º que determina “no silêncio do contrato, sendo dois ou mais os beneficiários da renda, e falecendo algum deles, a sua parte acresce à dos outros”.

É claro que o direito de acrescer, estabelecido suplativamente pelo art.º 1241º, nada tem a ver com o direito de acrescer existente no âmbito do direito sucessório.

Como referem os mestres citados ( nota ao Art.º 1240º ) “... a expressão direito de acrescer não tem, no domínio da renda, o significado que tem em matéria sucessória (cof. Art. 2.301). Não se procura atribuir uma quota vaga, que deveria pertencer a quem não pôde ou não quis aceitá-la, mas uma quota que já pertenceu a um dos contitulares do direito. A lei, em vez de considerar extinta pro parte a renda, atribui a quota do titular falecido aos restantes sujeitos activos do crédito”.

Esta é uma segunda nota caracterizadora da renda vitalícia, que claramente indica a sua intransmissibilidade por via sucessória (ao contrário do que se passa com a renda perpétua).

É que, na renda vitalícia, não se pretende criar um direito patrimonial sem limite temporal, cuja duração ultrapassa os limites da existência do titular originário, transmissível, por isso, nos termos gerais, por sucessão legal ou testamentária.

Aqui, o que se visa, é criar contratualmente um benefício a favor de pessoa ou pessoas concretamente identificados no título, onde está presente o “intuitus personae”.

Portanto, no que respeita à renda vitalícia, trata-se de um direito pessoal insusceptível de ser transmitido por via sucessória.

E, sendo conjunta a renda, o direito de acrescer de que goza o titular sobrevivo (se ele não for afastado por vontade das partes), é um direito que a lei directamente lhe atribui em função da sua posição de sujeito activo do crédito.

Consequentemente, a parte acrescida, entra, por força da lei e do contrato, na esfera jurídica do co-titular do crédito, sem intervenção das regras sucessórias, como parece evidente. Daí a sua intransmissibilidade sucessória.

Quer dizer que a parte acrescida não é um direito de crédito que faça parte da herança do co-titular falecido, exactamente porque é um direito que ingressa logo na titularidade do credor sobrevivo.

Na caracterização do contrato de renda vitalícia, resta acrescentar que esta, tanto pode ter natureza onerosa, como gratuita, conforme a renda tenha o carácter de um correspectivo da alienação da coisa ou direito, ou simples encargo modal imposto numa atribuição gratuita, como a doação.

Concluímos, assim, tal como o acórdão recorrido, que, do disposto nos Art.ºs 1240º e 1241º do CC., resulta a intransmissibilidade por via sucessória do direito do beneficiário à renda vitalícia.

Este direito, extingue-se com a sua morte, e, no caso de renda conjunta, o direito de acrescer de que goza o beneficiário sobrevivo, constituiu um direito que radica na sua esfera jurídica por força da sua posição contratual de titular activo do crédito.

No sentido da referida intransmissibilidade vejam-se os autores citados no acórdão recorrido.

- Gomes da Silva – Direito das Sucessões – 1978 – 62 e

- Capelo de Sousa – Lições de Direito das Sucessões I – 2ª ed. – 281.

Regressando ao caso concreto, não haverá dúvidas de que o contrato celebrado entre a S..., como adquirente (da quantia de 30.000.000$00) e o cabeça de casal e esposa, ora inventariada (como alienantes), foi um típico contrato de renda vitalícia como resulta claramente do texto contratual (independentemente do “nomen júris” que as partes lhe atribuam, no caso, aliás, em conformidade com a sua verdadeira natureza), sem necessidade de qualquer esforço interpretativo, tão claro é o seu conteúdo.

Trata-se de um contrato oneroso, visto que a renda que a adquirente se obrigou a pagar aos alienantes corresponde, exactamente, ao correspectivo (à contra-prestação) da alienação da coisa (no caso dinheiro).

Consequentemente, falecida a co-titular da renda estabelecida conjuntamente, a sua parte ou quota, acresce à do beneficiário sobrevivo, directamente, por força da lei e do contrato, sem intervenção alguma das regras sucessórias, que não são, para o caso, chamados à colação.

Tal acréscimo, constitui um direito próprio e pessoal do beneficiário sobrevivo, que entrou na sua esfera jurídica em consequência da sua posição contratual de titular activo do crédito.

Por isso, não constitui uma quota vaga, um direito que se integre no património da herança do co-titular falecido, razão porque não constitui um crédito que deva ser partilhado entre os seus sucessores.

Como refere F. Alves dos Santos “... nos contratos de renda vitalícia com direito de acrescer (art.º 1241º do C.C.), o encabeçamento da renda num só dos beneficiários em virtude da morte do outro não representa facto sujeito ao imposto sucessório. É certo que o sobrevivo recebe mais bens a partir dessa altura sem que a esse aumento corresponda directa contrapartida, Mas recebe-os pelo exercício de um direito que adquiriu por título oneroso, já que, justamente, o direito de acrescer é uma cláusula (expressa ou tácita) do contrato de renda vitalícia. Não há, portanto, liberalidade ou ampliação de liberalidade anterior.

(cfr. – Sisa e Imposto sobre Sucessões e Doações – 2º Supl. – 51).

O que se deixa dito responde já, em geral, à argumentação contida nas alegações e conclusões.

Convém, no entanto, precisar alguns pontos.

Desde logo se dirá que não pode equiparar-se o contrato de renda vitalícia a um contrato de seguro de vida, que surge, com a natureza de contrato a favor de terceiro, fisionomia, que, no caso concreto, o contrato de renda vitalícia seguramente não tem.

Se a inventariada tivesse feito um contrato de seguro de vida, em que o beneficiário fosse o aqui cabeça de casal, o direito deste só nasceria com a morte da tomadora.

Haveria, sem dúvida, uma atribuição gratuita a terceiro, mas esta atribuição, é bom referi-lo, não sai do património do de cujus, mas do património da seguradora. Por isso, essa atribuição não se rege pelos princípios da sucessão por morte, não entrando na partilha para o cálculo do valor total da herança, nem está sujeita a redução por violação da legítima.

Porém, os prémios é que, uma vez pagos pelo tomador falecido, podem ser considerados como uma doação indirecta e, como tal, o beneficiário que concorra à partilha, se estiver sujeito à colação, pode ter de conferir o seu valor, ou, em todo o caso, este deve ser atendido para determinar o valor da legítima.

Nada disto se passa com a renda vitalícia em questão.

A renda é a contra-prestação (o correlativo) devida pela alienação da coisa e surge como um direito de crédito na esfera jurídica dos alienantes logo após a celebração do contrato, como, aliás, dele consta, sem que nenhum deles seja terceiro, antes são eles próprios, contratantes.

Não há, por conseguinte, qualquer analogia entre as duas situações jurídicas referidas, ao contrário do que pretendem os recorrentes.

Por outro lado, apesar de o capital alienado ser bem comum do casal, não há, no caso,  nenhuma liberalidade da inventariada para com o marido, contitular da renda.

Do investimento conjunto do capital, auferiram o cabeça de casal e a inventariada (esta enquanto foi viva) a respectiva contrapartida, nenhum deles saindo beneficiado, gratuitamente, em relação ao outro.

Da mesma forma, não constitui qualquer liberalidade da falecida, o facto de o cabeça de casal ter beneficiado do direito de acrescer nos termos do Art.º 1241º do CC. como resulta de tudo quanto atrás se deixou dito e que não vamos repetir.

Portanto, sendo certo que, como dizem os recorrentes, “o cabeça de casal recebeu exclusivamente o valor da renda”, mesmo após a morte da inventariada, a verdade é que o recebeu como direito próprio seu, que lhe adveio por causa da sua posição contratual de credor activo sobrevivo, sendo, por isso, irrelevante, que o beneficiário da renda seja também herdeiro legitimário da inventariada.

Por conseguinte, não há qualquer atribuição a título gratuito em favor de um herdeiro legitimário pelo que, ao contrário do alegado, não fica inquinada a igualdade da partilha.

Não há, pois (de resto nunca haveria, visto o cabeça de casal não ser descendente da inventariada – Art. 2104º do CC – ), lugar à colação, nem o valor das rendas recebidas pelo cabeça de casal (ou metade desse valor) tem de ser imputado para cálculo do valor a partilhar, ou para qualquer outro fim relacionado com a partilha do património da inventariada.

Não tem sentido falar-se em negócio fraudulento, em relação àquele que foi realizado, em estrita conformidade com a lei e produziu os efeitos que esta expressamente determina.

Improcedem todas as conclusões do recurso.

Decisão

Termos em que negam provimento ao agravo, confirmando o acórdão recorrdio.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 20/10/2011.

Moreira Alves (Relator)

Alves Velho

Paulo de Sá