ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
1874/07.0TAFUN-A.S1
DATA DO ACÓRDÃO 11/16/2011
SECÇÃO 3ª SECÇÃO

RE
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR RAUL BORGES

DESCRITORES RECURSO DE REVISÃO
DUPLICAÇÃO DE PROCESSOS
INCONCILIABILIDADE DE DECISÕES
CASO JULGADO
NON BIS IN IDEM
APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
REGISTO CRIMINAL
SUMÁRIO

I - O fundamento de revisão previsto na al. c) do n.º 1 do art. 449.º do CPP importa a verificação cumulativa de dois pressupostos: por um lado, a inconciliabilidade entre os factos que serviram de fundamento à condenação e os dados como provados noutra sentença e, por outro lado, que dessa oposição resultem dúvidas graves sobre a justiça da condenação.
II -Como se decidiu no Ac. do STJ de 07-05-2009, Proc. n.º 1734/00.5TACBR-A.S1-3.ª, a inconciliabilidade tem de se traduzir em contradição, em conjunções de factos que se chocam, sejam por contradição física ou natural, seja pela desconformidade da ordem lógica entre relações factuais, de tal modo relevante para gerar incerteza sobre os fundamentos da condenação que faça gerar graves dúvidas sobre a respectiva justeza.
III - No caso concreto, ficou demonstrado o seguinte:
- no PCS n.º 18… o arguido, por sentença de 15-07-2008, transitada em julgado em 04-09-2008, foi condenado na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, em virtude de no dia 04-03-2007, pelas 07h08, conduzir no Largo António Nobre o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula 83…, sem ser titular de carta de condução;
- no PCS n.º 16… o arguido, por sentença de 10-04-2008, transitada em julgado em 05-05-2008, o arguido foi condenado na pena de 120 dias de prisão, substituída pela pena de prestação de 120 horas de trabalho a favor da comunidade, em virtude de, no dia 04-03-2007, pelas 07h05, conduzir no Largo António Nobre o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula 83…, sem ser titular de carta de condução.
IV - Os factos de um e de outro processo não, assim, são inconciliáveis, antagónicos, excludentes, um vez que o arguido foi condenado em dois processos distintos mas pelos mesmos factos e pelo mesmo crime. De facto, a conduta apreciada, a condução intitulada, o evento naturalístico é exactamente o mesmo, muito embora esteja presente a diferença de 3 minutos entre um e outro dos autos de notícia, a verdade é que respeita àquela concreta condução do dia 04-03-2007 levada a cabo pelo arguido.
V - O arguido mais do que ser julgado duas vezes, sofreu duas condenações, tendo ambas transitado em julgado. Nesta conformidade, cumpre concluir que não se verifica o fundamento de revisão de sentença previsto na al. c) do n.º 1 do art. 449.º do CPP.
VI - Na situação em apreço, estamos face a duas sentenças condenatórias do mesmo arguido pelo mesmo facto. Está-se perante uma segunda condenação por facto anteriormente julgado e sancionado.
VII - O art. 29.º, n.º 5, da CRP, ao estabelecer que «Ninguém pode ser julgado mais do que do que uma vez pela prática do mesmo crime» dá dignidade constitucional ao clássico princípio non bis in idem. Conforme referem Vital Moreira e Gomes Canotilho, in Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, pág. 49, este princípio, na dimensão de direito subjectivo fundamental, garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra actos estaduais violadores desse direito (direito de defesa negativo).
VIII - O reconhecimento da violação do princípio non bis in idem tem merecido, na prática dos tribunal, duas soluções: uma primeira, concedendo a revisão da decisão proferida em último lugar; uma outra, rejeitando o recurso de revisão e entendendo ser de aplicar ao caso a norma do artigo 675.º, n.º 1, do CPC, cumprindo-se tão só a decisão que transitou em julgado em primeiro lugar.
IX - Sobre as linhas de solução encontradas, pode dizer-se que a revisão supõe uma condenação injusta, resultante de certa decorrências especificadas na lei, e visa a sua eliminação pela emissão de uma nova sentença proferida pelo mesmo tribunal que proferiu a primeira (dirigindo contra um só caso julgado e não contra dois casos julgados). Por seu lado, a solução contida no art. 675.º, n.º 1, do CPC, supõe a existência de dois casos julgados (ou mais, por ventura) contraditórios e tem em vista eliminar a eficácia do segundo, mantendo-se de pé o caso julgado primeiramente formado e não havendo lugar a novo julgamento.
X - No caso dos autos, opta-se por denegar a pretendida revisão por falta de fundamento invocado ou outro, sendo de aplicar subsidiariamente, por força do art. 4.º do CPP, o disposto no art. 675.º, n.º 1, do CPC, cumprindo o arguido apenas a pena decretada em primeiro lugar. Efectivamente, a resposta contida em tal preceito tem em vista eliminar a eficácia do segundo caso julgado, mantendo-se apenas o caso julgado primeiramente formado.
XI - Declarada a primazia da primeira condenação transitada, haverá que proceder a rectificação do registo criminal, cancelando-se a segunda inscrição. Com efeito, eliminada a eficácia da segunda condenação, falece título de suporte ao registo, havendo que ordenar o respectivo cancelamento, sob pena de nada fazendo, subsistindo o registo da condenação tida por ineficaz, poder vir o mesmo a ser base, noutro plano, de novo erro judiciário.



DECISÃO TEXTO INTEGRAL

No âmbito do processo comum com intervenção de tribunal singular n.º 1874/07.0TAFUN, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca do Funchal, foi submetido a julgamento o arguido AA, que por sentença de 15 de Julho de 2008, transitada em julgado em 4 de Setembro de 2008, foi condenado pela autoria de um crime de condução sem habilitação legal, p. p. pelo artigo 3.º, n.º s 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03-01, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na execução pelo período de um ano.

O Ministério Público interpôs o presente recurso extraordinário de revisão, em 11-05-2011, com base nos fundamentos constantes de fls. 2 e 3, invocando violação do princípio ne bis in idem e alegando que, no âmbito do processo n.º 1612/06.4TAFUN, que correu termos no 3.º Juízo Criminal da Comarca do Funchal, por sentença proferida em 10 de Abril de 2008 e transitada em julgado em 5 de Maio de 2008, tinha sido o referido arguido já condenado pelos mesmos factos.

Termina com as seguintes conclusões:

1. Á excepção da hora, e com uma diferença de 3 (três minutos) os factos pelos quais o arguido foi condenado nas Sentenças proferidas no âmbito do processo n.º 1874/07.0TAFUN que correu termos no 2.º juízo criminal do Funchal e no âmbito do processo n.º 1612/06.4TAFUN, que correu termos no 3.º juízo criminal do Funchal, ambas transitadas em julgada, são exactamente os mesmos, pelo que se conclui ter o arguido sido julgado, e indevidamente condenado, duas vezes pela prática do mesmo facto em violação do princípio constitucional do ne bis in idem.

2. Deve ser concedido provimento ao recurso e revogada, na íntegra a douta sentença recorrida e ao invés deve ser proferida sentença de absolvição do arguido.

No provimento do recurso, pede a revogação da decisão recorrida, proferindo-se, em sua substituição, sentença de absolvição do arguido.

                                                           *****

Por despacho de 06-06-2011, constante de fls. 6 e 7, o Exmo. Juiz junto  do Tribunal “a quo” lavrou informação, nos termos do artigo 454.º do Código de Processo Penal, nos termos seguintes: 

«No entendimento deste Tribunal, o recurso é meritório, tendo sido, inclusivamente o subscritor deste despacho a, oportunamente, chamar a atenção do Ministério Público para o facto de existirem francas possibilidades de o arguido ter sido julgado e condenado duas vezes pelo mesmo facto, a segunda nestes autos e a primeira no P. C. S. n° 1612/06.4 TAFUN do 3o Juízo criminal deste Tribunal.

De facto, em ambos os processos está em causa o exercício da condução sem habilitação legal do mesmo veículo, no mesmo local e com apenas 3 minutos de intervalo: nestes autos pelas 7 horas e 8 minutos e nos do 3º juízo, pelas 7 horas e 5 minutos. Afigura-se que a intercepção e detenção do arguido pelas 7 horas e 5 minutos, com o decurso da necessária abordagem verbal, recolha de informação e elaboração de expediente implicaria um tal lapso de tempo que nunca permitiria ao arguido, apenas três minutos depois, já estar a cometer novamente este crime. O que se verificou, no entendimento do Tribunal, foi uma duplicação de autos de notícia, que deu origem a dois processos que correram em paralelo e, por sua vez, deram origem a duas condenações pelo mesmo facto. Esta constatação, como já se sublinhou supra, foi feita pelo próprio subscritor deste despacho, no âmbito de um terceiro processo que, um ano mais tarde, envolveu o mesmo arguido, designadamente o P. Sumário n° 240/09.7 PTFUN, deste mesmo juízo, onde, na respectiva sentença, na parte reservada à fundamentação da matéria de facto, se aprofundou a nossa argumentação sobre o encadeado de eventos que originou esta situação de bis in idem, constitucionalmente postergada, argumentação que aqui se dá por reproduzida, vistos os autos subirem instruídos com certidão desta referida sentença.

V.Exas Venerandos Conselheiros, no entanto, melhor decidirão.

Autue em apenso a estes autos o recurso do Ministério Público, este despacho e as certidões das três sentenças supra referidas, incluindo a deste processo também o autuado a fls. 2 a 10 e envie o processo ao Supremo Tribunal de Justiça».

 

       A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal de Justiça emitiu douto parecer, constante de fls. 57 e 58, onde considera não se mostrarem reunidos os fundamentos para considerar o caso “sub judice” abrangido pela previsão normativa do artigo 449.º, n.º 1, alínea c), do CPP.

       Fundamenta, dizendo: «O Supremo Tribunal de Justiça de há muito vem entendendo majoritariamente ser de negar a pretendida revisão e, antes, de aplicar a norma constante do artigo 675.°, n.º 1, do Código de Processo Civil, em situações, como a dos presente autos, em que se invoca, como fundamento do recurso extraordinário de revisão, a violação do princípio ne bis in idem.

       Revela-o o acórdão de 6 de Julho de 2006, proferido no processo n.º 2424/06, no qual o Supremo Tribunal de Justiça, acolhendo o aludido entendimento, cita variada e sua jurisprudência no mesmo referido sentido.

        Não divisamos fundamentos novos que justifiquem entendimento no sentido da admissibilidade de revisão em caso de violação do princípio ne bis in idem, tanto mais que os factos fundamento da condenação não são entre si inconciliáveis, são os mesmos, e por isso não se verifica também a necessária oposição, o que desde logo afasta a possibilidade de verificação dos requisitos previstos no invocado artigo 449.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal.

         Por outro lado, consideramos que o entendimento no sentido da admissibilidade de revisão em caso de violação do princípio ne bis in idem afrontaria a norma constante do artigo 29.º, n.º 5, da CRP, que veda a sujeição a julgamento mais do que uma vez pela prática do mesmo crime.

         Alem de que sempre seria, salvo o devido respeito, incongruente determinar-se a sujeição a um novo julgamento, como o impõe, nomeadamente, a norma do artigo 460.º do Código de Processo Penal, de pessoa relativamente à qual se sabia de antemão da forte probabilidade (para não dizer certeza) de, em anterior julgamento respeitante à decisão condenatória revista, ter havido já violação do princípio ne bis in idem. Dito de uma forma mais impressiva: Sujeite-se o condenado a novo julgamento, porque há forte probabilidade de a ele não poder sujeitar-se.

        Face ao acima exposto, deve ser negada a pretendida revisão».

            Colhidos os vistos, realizou-se a conferência a que alude o artigo 455.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

            Questão a resolver.
      O requerente fundamenta o pedido no conjunto normativo dos artigos 399.º, 401.º, n.º 1, alínea a), 449.º, n.º 1, alínea c), 450.º, n.º 1 e 451.º, todos do Código de Processo Penal.
      A questão a apreciar prende-se com a aferição da verificação do fundamento de admissibilidade da revisão de sentença previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, invocado pelo recorrente, que pretende se autorize a revisão da sentença proferida no processo principal, sustentando que os factos que serviram de fundamento à condenação são inconciliáveis com factos dados como provados noutro processo, do 3.º Juízo Criminal do Funchal, resultando da oposição graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Apreciando.

       Com o presente recurso pretende o recorrente se autorize a revisão da sentença condenatória, transitada em julgado, proferida no processo principal.
       Consiste a revisão num recurso extraordinário que visa a impugnação de uma sentença transitada em julgado e a obtenção de uma nova decisão, mediante a repetição do julgamento.
       O direito à revisão de sentença encontra consagração constitucional no art. 29.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual «os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos».
        Conforme escreveu Eduardo Correia (A Teoria do Concurso em Direito Criminal, Almedina, 1983, pág. 302) «o fundamento central do caso julgado radica-se numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito. Ainda mesmo com possível sacrifício da justiça material, quer-se assegurar através dele aos cidadãos a sua paz jurídica, quer-se afastar definitivamente o perigo de decisões contraditórias. Uma adesão à segurança com um eventual detrimento da verdade, eis assim o que está na base do instituto». (Em registo semelhante ver Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, pág. 7).
        Porém, como afirmou Luís Osório (Comentário ao Código de Processo Penal Português, Coimbra Editora, 1934, 6.º vol., pág. 402) «o princípio da res judicata pro veritate habetur é um princípio de utilidade e não de justiça e assim não pode impedir a revisão da sentença quando haja fortes elementos de convicção de que a decisão proferida não corresponde em matéria de facto à verdade histórica que o processo penal quer e precisa em todos os casos de alcançar».
       O legislador, «com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material» (M. Simas Santos / Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 2.ª ed., pág. 129), consagrou a possibilidade de revisão das sentenças penais, limitando a respectiva admissibilidade aos fundamentos taxativamente enunciados no art. 449.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
        Nos termos do citado preceito, na redacção anterior à Lei 48/2007, de 29 de Agosto:
«1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;
b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;
c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação».
      A Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, introduziu três novas alíneas ao n.º 1 do referido artigo 449.º, com a redacção seguinte:
«e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º;
f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;
g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça».

      Nas alíneas c) a g) é a justiça da condenação que pode ser questionada; o recurso incide sobre sentenças condenatórias, sendo interposto no interesse do condenado, é um recurso exclusivamente pro reo. As alíneas a) e b) prevêem situações em que é sobretudo o interesse comunitário que é posto em causa, sendo o recurso interposto no interesse da comunidade (eventualmente do condenado); é um recurso pro societate (acórdão de 09-12-2010, processo n.º 92/08.4GAEPS-A.S1-3.ª). 

      O recorrente invoca como fundamento da pretendida revisão a alínea c) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, sustentando que os factos que serviram de fundamento à condenação são inconciliáveis com factos dados como provados noutra sentença, resultando da oposição graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
      Havendo contradição entre os factos que serviram de fundamento à condenação e os dados como provados noutra sentença, a sentença criminal pode ser revista, se da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
      A oposição pode verificar-se entre a sentença criminal condenatória e qualquer outra sentença, seja ela absolutória ou condenatória, proferida em processo criminal ou noutro processo, só relevando os factos dados como provados na sentença criminal condenatória e os factos dados como provados noutra sentença. 

      Cumpre aferir se o caso presente integra o fundamento de revisão de sentença invocado.
      Da análise da citada alínea c) do n.º 1 do art. 449.º do Código de Processo Penal resulta que o fundamento de revisão em causa contém dois pressupostos, de verificação cumulativa: por um lado, a inconciliabilidade entre os factos que serviram de fundamento à condenação e os dados como provados noutra sentença e, por outro lado, que dessa oposição resultem dúvidas graves sobre a justiça da condenação.
      Analisando as sentenças proferidas nos dois processos, verifica-se que foram considerados provados factos que importam a prática de um mesmo crime.
      Os factos que serviram de fundamento à condenação na sentença revidenda são inconciliáveis com os dados como provados na sentença fundamento e dessa oposição resultam graves dúvidas sobre a justiça da condenação?
      Vejamos os contornos do fundamento em causa aportados pela jurisprudência.
      Conforme se extrai do acórdão do STJ de 29-05-2007, processo n.º 1230/07 - 3.ª - «a inconciliabilidade entre factos que tenham sido considerados na decisão revidenda e numa outra decisão tem de materializar-se numa contradição entre factos provados, como decorre claramente da proposição normativa – os factos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença –, e não entre factos provados e factos não provados (…). Deve ser negada a revisão de sentença, por não verificação dos pressupostos legais da inconciliabilidade entre decisões, se o recorrente, na motivação, tenta fazer um cotejo entre factos provados e não provados, e questionar a matéria de facto constante das decisões transitadas com fundamento na sua perspectiva da valoração da prova produzida e que fundamentou essa matéria fáctica, dela retirando ilações no sentido de ser inconciliável a mesma matéria fáctica questionada».
       Sobre o mesmo fundamento pronunciaram-se os acórdãos de:
31-01-2008, processo n.º 1497/07-5.ª – Caso de arguido preso em cumprimento de pena, que na sequência de saída precária prolongada não regressou ao EP; condenado por crime de evasão e revogada pelo TEP a saída precária prolongada. Considera-se não se estar perante factos inconciliáveis; os factos que serviram de fundamento à condenação não são inconciliáveis com os dados por provados na decisão do TEP, pelo contrário, os factos são os mesmos em ambas as decisões.
13-03-2008, processo n.º 688/08-5.ª – O Supremo Tribunal tem defendido que a “inconciliabilidade entre factos” que tenha sido considerada na decisão revidenda e numa outra decisão tem de materializar-se numa contradição entre factos provados, como decorre claramente da proposição normativa e não entre factos provados e factos não provados.
02-04-2008, processo n.º 3182/07-3.ª – O fundamento de revisão de sentença previsto na alínea c) contém dois pressupostos, de verificação cumulativa: por um lado, a inconciliabilidade entre os factos que serviram de fundamento à condenação e os dados como provados noutra sentença e, por outro lado, que dessa oposição resultem dúvidas graves sobre a justiça da condenação; no caso, a inconciliabilidade invocada pelo recorrente reportava-se, não à matéria de facto julgada provada na sentença revidenda, mas sim aos factos considerados não provados, bem como à fundamentação da decisão de facto, nas decisões proferidas posteriormente em outros três processos.
   08-05-2008, processos n.ºs 1122/08 e 1150/08, ambos da 5.ª secção e do mesmo relator – A inconciliabilidade de decisões que pode fundar a revisão tem de referir-se aos factos que fundamentam a condenação e os factos dados como provados em outra decisão, de forma a suscitar dúvida sobre a justiça da decisão, o que significa que é necessário que entre esses factos exista uma relação de exclusão, no sentido de que, se se tiverem por provados determinados factos numa outra sentença, não podem ser, ao mesmo tempo, verdadeiros os tidos por provados na sentença revidenda.
10-09-2008, processo n.º 2286/08-3.ª – Afastada a inconciliabilidade face a sentença estrangeira sem força executiva. 
6-11-2008, processo n.º 3178/08-5.ª – Afastando o fundamento da alínea c) e acolhendo a revisão com apoio na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP.
14-01-2009, processo n.º 3929/08-3.ª – Para os efeitos da alínea c) do n.º 1 do artigo 449.º, a inconciliabilidade dos factos que fundamentaram a condenação pressupõe necessariamente a existência de outra decisão sentenciadora, externa e alheia à instância processual onde foi proferida a decisão revidenda, processualmente autónoma, mas que colida factualmente, sem que seja possível conciliação, com a decisão revidenda.
07-05-2009, processo n.º 1734/00.5TACBR-A.S1-3.ª – O fundamento previsto na alínea c) do n.º 1 do art. 449.º consiste na existência de contradição, ou de inconciliabilidade, entre os factos que serviram de base à condenação e os factos dados como provados noutra sentença, resultando da oposição graves dúvidas sobre a condenação.  
     A inconciliabilidade tem de se traduzir em contradição, em conjunções de factos que se chocam, seja por contradição física ou natural, seja pela desconformidade da ordem da razão lógica entre relações factuais, de tal modo relevante para gerar incerteza sobre os fundamentos da condenação que faça gerar graves dúvidas sobre a respectiva justeza.
1-10-2009, processo n.º 26404.0PTPDL-A.S1-3.ª – No caso em que os crimes por que, nos termos da sentença revidenda, o arguido A respondeu e foi condenado no processo B, foram afinal, de acordo com a sentença fundamento, praticados por C, que se apresentou em juízo como sendo o primeiro, é evidente a inconciliabilidade das duas decisões, ambas transitadas em julgado, e para fundamentar muito sérias dúvidas sobre a justiça da condenação do cidadão A.
03-03-2010, processo n.º 2576/05.7TAPTM.A.S1-3.ª – O legislador ao aludir à inconciliabilidade entre factos impõe que entre os factos que serviram de fundamento à condenação e os dados como provados noutra sentença ocorra uma incompatibilidade, ou seja, um relação de exclusão, no sentido de que, se se tiverem por provados determinados factos numa outra sentença, não podem ser, ao mesmo tempo, verdadeiros os tidos por provados na sentença revidenda; não releva a oposição entre os factos provados na sentença criminal condenatória e os factos não provados “noutra sentença”.
08-04-2010, processo n.º 12749/04.4TDLSB-A.S1-5.ª – Duas sentenças são inconciliáveis quando a decisão de uma exclui a da outra, não podendo ambas subsistir simultaneamente na ordem jurídica. Não há, porém, inconciliabilidade se as duas sentenças não são incompatíveis e, de algum modo, se podem harmonizar.
10-12-2009, processo n.º 999/06.3GFSTB-A.S1-5.ª e de 23-09-2010, processo n.º 769/04.3POLSB-C.S1-5.ª – O fundamento de revisão a que alude a alínea c) do n.º 1 do artigo 449.º reclama primacialmente a oposição entre os factos dados por provados na sentença condenatória que relevaram para a verificação dos elementos constitutivos do tipo de crime e factos dados por provados noutra sentença, por só esses, por ser neles que se fundamenta a condenação, serem adequados a gerar dúvidas sérias sobre a justiça da condenação.
20-10-2010, processo n.º 1712/02.0TAEVR-A.S1-3.ª – Verificada a inconciliabilidade entre os factos que suportaram condenação por abuso de confiança e os factos constantes de decisão cível que analisou situação de leasing, afirmando a subsistência da relação contratual - autorizada a revisão.  

Vejamos o caso concreto.
     Analisando as sentenças proferidas nos dois processos, verifica-se que em ambas foram considerados provados factos que importam a prática de um crime de condução sem habilitação legal, sendo o arguido condenado no processo n.º 1874/07.0TAFUN, na pena de 8 meses de prisão suspensa na execução por um ano, e no processo n.º 1612/06.4TAFUN, na pena de 120 dias de prisão, substituída pela pena de prestação de 120 horas de trabalho a favor da comunidade.
     No âmbito dos dois processos onde foram proferidas a sentença revidenda e a sentença fundamento, foram dados como factos provados os seguintes:

I - Processo comum singular n.º 1874/07.0TAFUN (2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca do  Funchal - sentença de 15-07-2008, transitada em julgado em 04-09-2008 - fls. 19 a 23 verso e 63) 
FACTOS PROVADOS:
O arguido, no dia 4 de Março de 2007, pelas 7 horas e 8 minutos, não sendo titular de carta de condução, por a mesma lhe ter sido judicialmente cassada, conduziu o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ...-AA, no largo António nobre, via pública de trânsito de veículos motorizados desta cidade e comarca do Funchal.
O arguido agiu de forma livre, consciente e deliberada, bem sabendo que a sua conduta era proibida pela lei penal.

II - Processo comum singular n.º 1612/06.4TAFUN (3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca do Funchal - sentença de 10-04-2008, transitada  em julgado em 5-05-2008 - fls. 37 a 46).
FACTOS PROVADOS:
a) No dia 04 de Março de 2007, pelas 07h05, o arguido conduziu o veículo ligeiro de mercadorias, de matrícula ...-AA, no Largo ..., nesta cidade e comarca do Funchal.
b) Ao ser fiscalizado pela PSP, verificou-se que o mesmo não se encontrava legalmente habilitado com carta de condução.
c) Agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a descrita conduta é proibida e que circulava em desrespeito pelas regras de circulação rodoviária.
d) Confessou livre e espontaneamente todos os factos supra referidos.
     Estamos sem dúvida face a uma duplicação de processos no que respeita ao conhecimento do crime de condução de veículo sem habilitação legal cometido pelo arguido.
     A situação, de resto, foi detectada e explicada na sentença de 17-06-2009, proferida no processo sumário n.º 240/09.7PTFUN, do 2.º Juízo Criminal do Funchal (certidão de fls. 25 a 34 verso).
     No processo sumário n.º 78/07.6PTFUN, do 1.º Juízo Criminal do Funchal, por sentença de 05-03-2007, foi o arguido condenado por um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, por conduzir o mesmo veículo, no mesmo local, “no dia 04-03-2007, cerca das 07 horas e 08 minutos”, acusando uma TAS de 1,35 g/l (fls. 13 verso).
     Na fase de execução da pena acessória de proibição de conduzir então aplicada, foi constatado que o arguido não era detentor de carta de condução, tendo o M.º P.º ordenado extracção de certidão, que deu origem ao processo comum singular n.º 1874/07.0TAFUN.
     Entretanto, a PSP, porque o arguido não entregasse a carta que dissera ter em 4-03-2007, enviou ao M.º P.º um auto de notícia por condução sem habilitação legal, que veio dar origem ao processo comum singular n.º 1612/06.4TAFUN (sendo os factos de 2007 fica por perceber a razão do processo ser de 2006!) julgado e transitado em primeiro lugar.
     Já só após esse trânsito o arguido veio a ser julgado no outro processo, onde viria a confessar os factos integralmente e sem reservas…
   
     A factualidade considerada provada na sentença revidenda em nada se mostra conflituante ou contraditória com a factualidade considerada provada na sentença fundamento, não resultando do respectivo confronto a inconciliabilidade de qualquer facto que tenha servido de fundamento à condenação com outro facto considerado provado naquela decisão.
     No caso concreto, houve duplicação de processos, explicada pelo senhor juiz, que conduziu a duas condenações sobrepostas.
     O arguido foi condenado em ambos os processos pelos mesmos factos, pelo mesmo crime, os factos de um e outro processo não são inconciliáveis, antagónicos, excludentes.
    Sendo os factos os mesmos não se verifica inconciliabilidade entre eles.

    As decisões sobrepõem-se, incidindo sobre o mesmo facto, sobre uma identidade factual.
    A conduta apreciada, a condução intitulada, o evento naturalístico é exactamente o mesmo; muito embora esteja presente a diferença de três minutos entre um e outro dos autos de notícia, a verdade é que por aquela concreta condução no dia 4-03-2007, foram levantados, sucessivamente, três autos de notícia, coincidindo a hora - 7h 8m - no que respeita aos autos donde emergiram os processos n.º 78/07.6PTFUN (condução em estado de embriaguez) e n.º 1874/07.0TAFUN (o segundo sobre a mesma condução sem habilitação legal).
    Mas dúvidas não há de que se está a falar da mesma condução!
    A revisão dirige-se contra um caso julgado e não dois casos julgados.
    O arguido mais do que ser julgado duas vezes, sofreu duas condenações, tendo ambas transitado em julgado.
    Nesta conformidade, cumpre concluir que não se verifica, no caso presente, o fundamento de revisão de sentença previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal.

     Afastada a hipótese de revisão com fundamento na alínea c) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, vejamos como resolver o caso concreto de dupla condenação.
     Estamos face a duas sentenças condenatórias do mesmo arguido pelo mesmo facto.

     Está-se perante uma segunda condenação por facto anteriormente julgado e sancionado.
     O artigo 29.º, n.º 5, da CRP, ao estabelecer que “Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime” dá dignidade constitucional ao clássico princípio non bis in idem.
     O princípio, conforme Vital Moreira e Gomes Canotilho, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4.ª edição revista, pág. 49, na dimensão de direito subjectivo fundamental, garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra actos estaduais violadores deste direito (direito de defesa negativo).
     O direito a não ser julgado ou punido mais de uma vez está previsto igualmente no artigo 4.º do Protocolo n.º 7 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, dispondo o n.º 1 que ninguém pode ser penalmente julgado ou punido pelas jurisdições do mesmo Estado por motivo de uma infracção pela qual já foi absolvido ou condenado por sentença definitiva, em conformidade com a lei e o processo penal desse Estado.

     A dupla condenação pelos mesmos factos, com violação do princípio ne bis in idem, não deixando de ser uma situação estranha e anómala, que não deveria ter lugar, mas que ocorre, efectivamente na prática dos tribunais, tem merecido duas soluções, para obstar aos efeitos nefastos de tal situação.  
    Uma primeira, concedendo a revisão da decisão proferida em último lugar – acórdãos de 16-01-1963, BMJ n.º 123, pág. 443, de 06-01-1965, BMJ n.º 143, pág. 136 e de 1-06-1979, BMJ n.º 288, pág. 278 (em caso em que a decisão condenatória por transgressão foi proferida já depois do pagamento voluntário da multa).

    Do mesmo modo no acórdão de 6-01-1994, processo n.º 45324, que decidiu: Verifica-se a descoberta de novos meios de prova que, combinados com os que constam do processo, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação nele proferida (art. 449.º, n.º1, al. d) do CPP), quando se vem a saber que o arguido, condenado pela decisão revidenda, já havia sido condenado anteriormente pelos mesmos factos.
     Uma outra, rejeitando o recurso de revisão e entendendo ser de aplicar ao caso a norma do artigo 675.º, n.º 1, do CPC, cumprindo-se tão só a decisão que transitou em primeiro lugar.

     Estabelece o referido preceito: “Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumprir-se-á a que passou em julgado em primeiro lugar”.
     Assim foi decidido nos seguintes acórdãos:
9-07-1986, processo n.º 38464, BMJ n.º 359, pág. 549 – Em caso de dupla condenação pela mesma transgressão (condução de veículo automóvel sob a influência de bebidas alcoólicas, então prevista na Lei n.º 3/82), o M.º P.º requereu revisão, invocando descoberta de novos factos.
    O acórdão começa por distinguir os traços característicos dos dois remédios processuais possíveis, de harmonia com os distintos direitos fundamentais consagrados nos n.º s 5 e 6 do artigo 29.º da Constituição: proibição do duplo julgamento e reacção contra as condenações injustas.
    A revisão supõe uma condenação injusta, resultante de certas ocorrências especificadas na lei, e visa a sua eliminação pela emissão de uma nova sentença proferida pelo mesmo tribunal que proferiu a primeira sentença. E dirige-se contra um só caso julgado e não contra dois casos julgados.

    Por seu lado, a solução contida no artigo 675.º, n.º 1, do Código de Processo Civil supõe a existência de dois casos julgados (ou mais, porventura) contraditórios e tem em vista eliminar a eficácia do segundo, mantendo-se de pé o caso julgado primeiramente formado, não havendo lugar a novo julgamento.
    Decide-se: “a verificação de dois «casos julgados contraditórios, sucessivamente formados sobre os mesmos factos e com intervenção das mesmas partes», resolve-se por aplicação do disposto no artigo 675.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, cumprindo-se a decisão que transitou em julgado em primeiro lugar”.
    A solução do caso através desta norma do CPC depara com obstáculo digno de ponderação, que é ultrapassado desta forma:
    “É certo, por outro lado, que tal norma alude a «decisões contraditórias sobre a mesma pretensão…», e, no caso concreto, ambas as decisões são condenatórias.
    Crê-se, porém, que a contradição aludida deve referir-se não só ao sentido das decisões (condenação e absolvição), mas também aos próprios termos das condenações, abrangendo, por isso, os casos em que as decisões divergem quanto à medida das sanções concretamente decretadas. Em todos estes casos, as decisões não são coincidentes ou conciliáveis, mas divergentes, inconciliáveis ou contraditórias. É o que sucede no caso sub judice”.
    Conclui que a solução consistirá em simples declaração a fazer pelo tribunal no segundo processo de acordo com a citada norma, não se justificando, por não admissível, um recurso de revisão.

18-01-1989, processo n.º 39744, BMJ n.º 383, pág. 480 – As divergências entre decisões penais sobre cúmulos jurídicos respeitantes aos mesmos crimes por que foram condenados os mesmos réus remedeiam-se mediante aplicação do disposto no artigo 675.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 1.º, § único, do CPP, e não através do fundamento de revisão previsto no artigo 673.º, n.º 1, do CPP (seguindo o acórdão de 09-07-1986, defende que no sentido amplo da contrariedade das decisões se abrange a própria medida das penas cumuladas).
29-11-1989, processo n.º 40306, BMJ n.º 391, pág. 485 – No caso em apreciação estava em causa uma dupla condenação por uma única recusa a teste de alcoolemia, então prevista como transgressão à luz da Lei n.º 3/82, de 29-03, optando o acórdão pela solução de aplicação subsidiária do artigo 675.º do CPC, “que além de viável, tem a vantagem de se revestir de grande economia processual, bastando para o efeito despacho verificativo do caso julgado e determinando o cumprimento tão só da decisão primeiramente transitada”.
     O acórdão justifica a opção, seguindo de muito perto o consignado no supra citado acórdão de 09-07-1986.

16-10-1991, processo n.º 41871, BMJ n.º 410, pág. 618 e CJ1991, tomo 4, pág. 37 -        Segue orientação dos acórdãos de 9-07-1986 e de 18-01-1989.

11-03-1992, processo n.º 42.381, CJ1992, tomo 2, pág. 7 - Havendo duas condenações do arguido pelos mesmos factos, deve cumprir-se a que primeiramente transitou em julgado, não sendo por isso, caso de revisão de sentença.
23-11-1993, processo n.º 67936 - Opta  pela solução do acórdão de 27-11-1989 (BMJ 391/485), que segue de perto.
3-05-1995, processo n.º 46654, CJSTJ 1995, tomo 2, pág. 180 - Não é caso de recurso de revisão quando existem duas sentenças condenatórias do arguido sobre o mesmo crime.
     Nesta hipótese porque se trata de sentenças em oposição por coincidência, deve aplicar-se subsidiariamente o disposto no art. 675.º do CPC que dispõe que se deverá cumprir a que transitou em primeiro lugar.
     “ …Não está em causa a alínea c) do n.º 1, na justa medida em que os factos que serviram de fundamento à condenação proferida na sentença revidenda não são inconciliáveis com os factos que fundamentaram a condenação na sentença anterior proferida noutro processo. Se os factos são os mesmos é evidente que não se verifica inconciliabilidade entre eles. E está claro que a situação em apreço não serve às restantes hipóteses previstas no preceito processual referido”. 
     “É certo que este preceito (375.º) fala em duas decisões contraditórias e já vimos que, em substância, elas não o são. Trata-se de mera duplicação de sentenças.
     Mas pode entender-se que, por maioria de razão, aquele artigo do Código de Processo Civil é aplicável, já que, não o sendo em substância, as duas sentenças em oposição são formalmente contraditórias (contradição por coincidência, em função da regra ne bis in idem: uma pessoa não pode ser condenada duas vezes pelos mesmos factos, princípio com assento constitucional – artigo 29.ºn.º 5 da Constituição da República).
    Certo que a Constituição proíbe, em rigor, o duplo julgamento e não a dupla penalização, mas é evidente que a proibição do duplo julgamento pretende evitar tanto a condenação de alguém que já tenha sido definitivamente absolvido pela prática da infracção como a aplicação renovada de sanções jurídico-penais pela prática do mesmo crime (cf. neste sentido, Vital Moreira e Gomes Canotilho, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3.ª Ed., pág. 194)”.
     “O direito à revisão não se confunde com o princípio ne bis in idem; estando regulado no n.º 6 daquele preceito constitucional, obedecendo a pressupostos diferentes, “nas condições que a lei prever”. Ora, as condições que a lei prescreve, no caso o artigo 449.º do CPP, não contemplam, a específica situação dos presentes autos”.
    Cita acórdão de 24-02-1994, processo n.º 44354, que versou sobre uma questão semelhante à dos autos: duas condenações em processos diferentes, por transgressão, com base nos mesmos factos.
    Deste modo, ela deve ser regulada pelo artigo 675.º do CPC, subsidiariamente aplicável (cf. artigo 4.º do CPP)”.
    E nega revisão.
    A mesma solução é adoptada no acórdão de 01-06-2006, processo n.º 1936/06-5.ª (caso de duplicação de julgados; o mesmo arguido foi condenado em dois processos distintos pela prática do mesmo facto, ocorrido nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, por falta de licença de condução).

    E no acórdão de 06-07-2006, processo n.º 2424/06-5.ª – Adopta a mesma solução e afasta os fundamentos das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP.

    No caso concreto opta-se por denegar a pretendida revisão por falta do fundamento invocado ou outro, sendo de aplicar subsidiariamente, por força do artigo 4.º do CPP, o disposto no artigo 675.º, n.º 1, do CPC, cumprindo o arguido apenas a pena decretada em primeiro lugar.

    A solução contida em tal preceito tem em vista eliminar a eficácia do segundo caso julgado, mantendo-se apenas o caso julgado primeiramente formado.

    Declarada a primazia da primeira condenação transitada, haverá que proceder a rectificação do registo criminal, cancelando-se a segunda inscrição no registo criminal.

     Com efeito, eliminada a eficácia da segunda condenação, falece título de suporte ao registo, havendo que ordenar o respectivo cancelamento, sob pena de nada fazendo, subsistindo o registo da condenação tida por ineficaz, poder vir o mesmo a ser base, noutro plano, de novo erro judiciário.


    Concluindo.

     I – Ocorreu uma duplicação de processos, que conduziu a uma dupla condenação do mesmo arguido pelo mesmo facto.
    II – A situação não preenche o fundamento de revisão previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, uma vez que as decisões não são inconciliáveis.
    III – Contornando a verificada violação do princípio ne bis in idem, a solução será aplicar ao caso a norma do artigo 675.º, n.º 1, do CPC, cumprindo-se assim, e tão só, a decisão que transitou em primeiro lugar.
    IV – O que poderá ser concretizado por simples despacho no segundo processo n.º 1874/07.0TAFUN, com declaração de acordo com o preceituado no artigo 675.º, n.º 1, do CPC, determinando-se o cumprimento da sentença que primeiro transitou em julgado, in casu, a condenação proferida no processo n.º 1612/06.4TAFUN.
    V – Com a correspondente posterior harmonização da situação registral com a real. 
 

      Decisão

     Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em não conceder a revisão pedida pelo Ministério Público, por não verificação do fundamento invocado, devendo a questão ser resolvida através da aplicação do disposto no artigo 675.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

     Sem custas.

     Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do CPP.

     
Lisboa, 16 de Novembro de 2011

Raul Borges (Relator)
Henriques Gaspar
Pereira Madeira