ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
2634/06.0TBPTM.E1.SI
DATA DO ACÓRDÃO 09/15/2011
SECÇÃO 7ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO CONCEDIDA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR SÉRGIO POÇAS

DESCRITORES DIREITO À HONRA
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
LIBERDADE DE INFORMAÇÃO
LIBERDADE DE IMPRENSA
MEIO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
CONFLITO DE DIREITOS
CONFLITO DE INTERESSES

SUMÁRIO
I - Numa sociedade livre, democrática e plural, a existência duma opinião pública atenta e esclarecida é essencial à vitalidade da democracia, sendo verdade que para a formação de tal opinião pública a liberdade de expressão e de informação constitui elemento nuclear.
II - O direito à honra, ao bom nome e reputação constitui igualmente suporte essencial de uma sociedade livre e democrática.
III - De acordo com o disposto nos arts 18.º, 25.º, 26.º, 37.º e 38.º da CRP, em abstracto, não deve estabelecer-se uma qualquer relação de hierarquia entre o direito de liberdade de expressão e o direito à honra e ao bom nome.
IV - Quando o exercício do direito de informar, maxime pelos órgãos da comunicação social, e o direito à honra, ao bom nome do visado pela notícia conflituem, deve prevalecer em cada caso o interesse que se mostre de maior relevo, salvaguardando o núcleo essencial de cada um dos direitos em presença.
V - Numa sociedade livre e democrática há um inquestionável interesse legítimo na notícia que revela a existência de uma investigação no Ministério Público sobre eventuais práticas de natureza penal num serviço público por responsável público.
VI - Há interesse público legítimo na notícia que dá conta de eventual irregular exercício de funções por parte de médico que na qualidade de agente de um instituto público, entre outras actividades, certifica o óbito das pessoas.
VII - Se um jornal revela existência da investigação criminal relativa a determinado cidadão deve noticiar o seu encerramento, designadamente quando não é formulada acusação e o processo é arquivado.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1. Relatório

AA, intentou contra BB., SA., detentora do Jornal de Notícias, e CC, SA., acção declarativa com processo ordinário, pedindo a condenação solidária destas no pagamento da quantia de € 550.000,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.

Como fundamento alegou ser médica, tendo exercido funções, para além do mais, no Instituto de Medicina Legal de Portimão. A Ré CC transmitiu, no noticiário das 20 horas do dia 1.02.2006, uma entrevista que a Autora, alheia às suas intenções, lhe concedera no mesmo dia, sobre a subscrição de certificados de óbito em branco, com comentários em que a Autora era associada a uma rede de agenciamento de inumação de cadáveres por parte de agentes funerários, com corrupção dos serviços do Instituto de Medicina Legal.

Na edição do Jornal de Notícias do dia seguinte, 2.02.2006 e em dias subsequentes, a Ré BB. publicou uma notícia intitulada "cheques em branco para agentes funerários", onde transcrevia uma entrevista a que a Autora havia respondido ingenuamente, insinuando que participaria num "negócio de morte" assinando certificados de óbito em branco para serem utilizados por agentes funerários para conseguirem contratos para a inumação de cadáveres. Tais notícias, caluniosas, pelo alarde e escândalo que causaram, originaram processos disciplinares movidos à Autora pela Ordem dos Médicos e pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, denegriram-lhe a imagem e causaram prejuízos à sua personalidade moral e profissional. Em consequência das referidas notícias, o INML revogou o contrato de avença que com ela mantinha no Gabinete Médico-Legal de Portimão, no montante de cerca de € 2.500,00 mensais e que, seguramente, duraria mais 15 anos, causando-lhe, assim, um prejuízo de € 250.000,00. Tais notícias, denegrindo-lhe a imagem, prejudicaram o exercício da sua carreira profissional, causando-lhe um prejuízo de perdas de clientela, superior a € 20.000,00 por ano, pelo que, considerando que poderá exercer a sua profissão em regime livre para além dos 65 anos, o prejuízo ascende a, pelo menos, € 250.000,00. A sua personalidade moral e profissional foi vilipendiada e ultrajada, causando-lhe danos não patrimoniais que avaliou em € 50.000,00.

A Ré BB. contestou, pugnando pela sua absolvição e pela condenação da A. como litigante de má-fé, alegando ser alheia ao contrato da Autora com o INML, que não tem legitimidade para peticionar perda de clientes, que não alegou factos que permitam concluir pela existência de danos, até porque os que noticiou eram já do conhecimento público por terem sido divulgados antes da chegada do Jornal de Notícias às bancas. A notícia em causa refere, exclusivamente, uma investigação contra a Autora e outro médico, acusando os mesmos de terem assinado certidões de óbito em que constava a causa da morte, sem mais elementos, designadamente, os respeitantes à identificação do falecido. A publicação em causa não pretendeu pôr em causa o bom nome e reputação da Autora, enquando-se a notícia nos limites do exercício efectivo do direito à informação e liberdade de imprensa, inexistindo fundamento para a indemnização peticionada, muito menos nos valores peticionados. Os factos publicados são verdadeiros e, por isso, a sua divulgação é lícita e já tinham sido noticiados pela CC em data anterior.

Também a Ré CC contestou, tendo invocado a inconstitucionalidade da forma processual usada pela Autora, por ser o processo penal o adequado, nos termos do art. 36° da Lei de Imprensa e a incompetência absoluta dos tribunais cíveis. Alegou ainda que a notícia em causa apenas dá conta, de forma objectiva e precisa, dos factos denunciados às autoridades judiciais competentes e sob investigação. O esquema era entre funcionários administrativos do hospital de Portimão, os serviços de bombeiros e as agências funerárias, de forma a possibilitar a angariação, por estas, de clientes através de informação privilegiada que lhes era cedida a troco de compensação monetária. Nem a A nem qualquer outro médico foram associados a este esquema de corrupção ou a qualquer outra actividade não lícita, sendo o único objectivo da notícia informar o público sobre factos relacionados com os meandros do dito esquema e porque a este teriam sido associadas certidões de óbito emitidas pelo Gabinete Médico-Legal de Portimão, tendo pelo menos uma delas sido assinada pela Autora, tal facto motivou a entrevista à Autora para explicar como tal seria possível, mas sem nunca lhe imputar qualquer comportamento suspeito ou ilícito, constituindo a notícia apenas um esclarecimento da que já circulava em diferentes meios de comunicação. Os jornalistas envolvidos tinham plena confiança na veracidade de todos os factos que noticiaram e com a notícia apenas se deu conta, de forma objectiva e precisa, dos factos sob investigação, não se tecendo qualquer consideração nem se imputando à Autora qualquer acto ou suspeita de acto ilícito. Sendo a matéria em causa de inegável interesse público e jornalístico, insere-se no direito, constitucionalmente garantido, de liberdade de imprensa, não tendo daí resultado qualquer desprestígio para a personalidade ou actividade profissional da Autora.

Saneado o processo, foram as invocadas excepções julgadas improcedentes e, seleccionados os factos assentes e organizada a base instrutória, procedeu-se a julgamento, vindo a ser proferida sentença na qual se julgou a acção parcialmente procedente, sendo as Rés condenadas a pagarem, solidariamente, à A. a quantia de 77.000,00 € (setenta e sete mil euros), sendo 27.000,00 € (vinte e sete mil euros) a título de danos patrimoniais e 50.000,00 € (cinquenta mil euros) a título de danos não patrimoniais.

Inconformadas com esta decisão, interpuseram as Rés recursos para o Tribunal da Relação que concedeu parcial provimento aos recursos.

Ainda inconformadas, recorrem as rés para o STJ

Conclui a ré BB.:

A. A responsabilidade assacada à Recorrente pelo acórdão recorrido, enquanto responsabilidade civil, pressupõe a verificação de todos os requisitos legais gerais ínsitos no regime do art. 483º do CC: o facto voluntário do agente, a ilicitude, a culpa (dolo ou negligência), o dano e o nexo de causalidade.

B. A matéria de facto provada mostra ao Tribunal que os factos narrados na notícia são totalmente verdadeiros, na dupla vertente em que foram noticiados pela Recorrente: a de que a médica do Gabinete Médico-Legal elaborou mesmo certificados de óbito "em branco" (pelo menos os três referenciados) e que estava indiciada uma participação da A. na participação de um conjunto de médicos em esquema de favorecimento/corrupção desmantelado em Agosto pelo Departamento de Investigação Criminal de Portimão da PJ relativo a agências funerárias.

C. Tratam-se de factos relevantes do ponto de vista do interesse público na sua exposição pública, tanto mais que dizem respeito ao modo de desempenho de uma função pública (a de médica legista do Gabinete Médico-Legal), paga com dinheiro dos contribuintes.

D. Estando provada esta factualidade, não se entende, nem se aceita, que a sentença recorrida afirme, naquilo que pode relevar para efeitos de exceptio veritatis, que a verdade dos factos apenas ocorreu no que diz respeito à existência de três certificados de óbito "naquelas condições", sendo tudo o mais meros "palpites da jornalista" ou "mescla" de palpites com factos.

E. A jornalista nada mesclou. Nem narrou meras suspeitas, palpites e impressões como se de factos se tratasse. Para que a sentença recorrida pudesse legitimamente afirmar a ocorrência deste tipo de jornalismo (menor), teria que não ter considerado provado o que se provou e consta da matéria de facto.

F. É que os autos demonstram que ao tempo em que a notícia foi publicada a) existia mesmo uma investigação criminal em curso às agências funerárias, bombeiros e médicos envolvidos, b) por alegados actos de corrupção e favorecimento c) onde a autora estava a ser investigada, d) por suspeita de "ter assinado certidões de óbito sem examinar os cadáveres" e) e de "favorecimento de algumas agências [funerárias]" f) e que "a jornalista envolvida (...) confirmou que existia uma investigação criminal em curso que associava a existência dos certificados de óbito a um esquema de corrupção"

G. A narrada investigação criminal, a sindicância nesse processo crime dos actos da autora, à luz de suspeita de favorecimento de agências funerárias e como suspeita de passar certificados de óbito sem examinar os cadáveres não eram virtuais, nem são, como afirma o tribunal recorrido, meras "convicções, suspeitas, impressões, palpites, conclusões de jornalista", narrados "como se de factos se tratasse".

H. Por outro lado, é evidentemente lícita e jornalisticamente adequada a revelação noticiosa de que os actos da autora se encontram em investigação sob a perspectiva de investigação criminal às certidões de óbito "em branco" no contexto das relações em investigação das redes das agências funerárias, onde estes actos da autora se encontravam em investigação.

I. Ademais, a sentença recorrida faz um juízo de mérito sobre o interesse público da revelação dos factos que é absolutamente erróneo, pois que é falso que "o interesse jornalístico apenas existe ao fazer-se a amalgama. (...) A notícia, o chamariz, é precisamente a inclusão do facto como mais uma peça do esquema de corrupção desmantelado..."

J. Surgindo a acção estruturada com base na responsabilidade civil dos RR., por acto ilícito, por lesão de bens da personalidade da A, como a sua honra, bom nome, alegando a A. danos não patrimoniais decorrentes de tal lesão, a sentença recorrida afirma verificar-se o primeiro dos pressupostos da responsabilidade civil aquilíana - o acto ilícito - descurando os supra referidos aspectos relativos à sua concreta justificação e licitude, portanto, à sua não verificação.

L. Uma vez que ficou demonstrado nos autos a justificação da ilicitude da ofensa, fica prejudicada a consideração da sentença recorrida de que se verifica, em sede dos pressupostos da responsabilidade civil, a ilicitude.

M. Não se verificando a existência de um acto ilícito, o que este Tribunal de recurso deverá declarar, foi violado o regime do artigo 486° do CC

N. Por outro lado, ainda que assim não fosse, sempre teria de se considerar também não verificado um outro pressuposto da responsabilidade civil que é a existência de culpa.

O. Estando demonstrado que os RR noticiaram factos verdadeiros, na convicção de que o eram, e que agiram com diligência devida, observando genericamente as regras deontológicas da profissão, incluindo assegurar à visada o direito ao contraditório, com uma notícia redigida em termos razoáveis, contidos, e não especulativos, sem o recurso a passagens fantasiosas, e de forma absolutamente moderada, está afastada a possibilidade de considerar provado ter ocorrido qualquer possível representação pelos RR. da realização do acto efectivamente ilícito - como a previsibilidade daquele - e igualmente uma tal ausência de representação, não encontraria a sua causa na falta do cuidado daquela jornalista.

P. Isto é, não havendo representação subjectiva do acto ilícito, nem sequer sendo suposto que devesse ter ocorrido por não ser exigível à jornalista que tivesse previsto que poderia lesar os direitos da autora, não existe conduta dolosa ou negligente vislumbrável na actuação da jornalista.

Q. Atenta a particular configuração da culpa em sede de responsabilidade civil, a verificação da causa de justificação da licitude releva, assim, em sede de exclusão da culpa. E, portanto, na não verificação ao caso deste outro pressuposto da responsabilidade civil.

R. Por outro lado, ainda que assim não fosse, sempre no caso dos autos haveria que considerar não resultar da matéria de facto provada a verificação de danos morais a ressarcir na dimensão assinalada na decisão recorrida ou nos termos em que a decisão recorrida fundamenta a condenação.

S. A sentença recorrida objectivou a lesão e extravasou a matéria de facto provada naquilo que para o tribunal poderia medianamente decorrer da divulgação dos factos para uma pessoa comum, quando a responsabilidade civil é subjectiva neste sentido de que só são ressarcíveis os danos concretamente experimentados pelo lesado e não também hipotéticos danos que o comum das pessoas sofreria se colocados no seu lugar ou danos não alegados.

T. A lesão é aferida em concreto, face ao que foi sofrido pelo lesado, e não em abstracto, como faz a sentença recorrida, e uma vez que considerou o que outros, ou um homem médio, poderia experimentar como "ofensivo da honra, dignidade e identidade da Autora, pondo em causa a imagem a que tem direito", quando nem sequer a autora alegou ter a sua honra, dignidade ou identidade beliscadas.

U. A decisão recorrida parte, aliás, do pressuposto de ter existido uma afirmação na notícia de que a autora estava ligada ao esquema de corrupção, o que não é verdade, pois que a notícia narra simplesmente que a existência do processo criminal.

V. Se o Tribunal recorrido tivesse procedido a uma análise cuidada, teria verificado que ponderou os danos morais e calculou a indemnização em função da consideração de ter ocorrido "ofensa da honra, dignidade e identidade da Autora, pondo em causa a imagem da autora, a que tem direito" quando a autora apenas lhe peticionou o que foi vertido no quesito 18: "a honestidade da autora foi fortemente afectada pelas noticiais, assim como longos anos de estudo e dedicação à profissão".

X. Ora a honestidade da autora, e os seus longos anos de estudo e dedicação, como únicos direitos de natureza pessoal que ficaram provados como tangidos pelas afirmações da jornalistas são realidades (direitos) substancialmente menos extensos, e diferentes, da honra, dignidade, identidade e imagem que a sentença considerou tangidos e responsáveis pela decretada indemnização.

Z. Dito de outro modo. O Tribunal sentenciou a existência de danos morais por ofensa à honra, dignidade, identidade e imagem da autora, e considerou-os para o cálculo da indemnização, e indemnizou-os em conformidade, quando a autora apenas lhe peticionou uma indemnização relativa a lesões à sua honestidade, e os e os longos anos de estudo e dedicação.

AA.   Há, evidentemente, excesso de pronúncia, sendo nula a sentença porque condenou em objecto diverso do pedido (art. 668.º, n.º 1, al. e), do CPC), resultando esta nulidade da violação da regra constante do art. 661º, do n.º 1, sobre os limites da condenação.

AB. Em matéria de nexo de causalidade, o tribunal omitiu conhecer a questão que lhe foi colocada relacionada com o facto de na data em que o JN foi publicado (2.2.2006)

a) já haver ter sido divulgado pela televisão (dia 1.2.2006) e por outros órgãos de informação, os factos em causa

b) e divulgada por outros ainda quando da divulgação da investigação do MP à autora (em data não apurada na matéria de facto, e, assim, quando a A. experimentou os tais danos morais "a honestidade da autora foi fortemente afectada pelas noticiais, assim como longos anos de estudo e dedicação à profissão", todos esses danos já se haviam produzido em grande extensão sem que a Recorrente BB nada tivesse feito por isso.

AC. Apenas com manifesto atropelo de elementares regras de nexo de causalidade adequada se pode dizer que a Ré BB causou os danos morais invocados relativos a lesões anteriores à data do seu jornal.

AD. É impossível processualmente assacar à Recorrente BB. os danos morais sentenciados que ocorreram em data anterior a 2.2.2006, sendo que esses danos ocorreram mesmo, pois que a sentença recorrida deu provada aquela dupla realidade e a considerou fundamento da sentença.

AE. Porque produzidos em diferentes ocasiões e datas, sem concurso da Ré BB., tinha a A. o ónus processual de narrar factos de onde o tribunal pudesse conhecer o que cabe a cada interveniente. Não fez.

Ubi commoda, ubi incommoda.

AF. Se foi noticiada, como afirmado em 30 da matéria de facto provada, a investigação criminal de que a Autora foi alvo, e se não existe qualquer alegação/prova de que a Ré BB participou nesses factos, só com evidente atropelo das regras sobre a autoria e nexo de causalidade se pode concluir que a Ré BB deva indemnizar aquilo que a Autora sofreu em termos morais decorrente apenas do facto de ela, autora, se ter colocado na situação de suspeita/arguida no próprio processo em decorrência de realmente ter emitido certidões de óbito em branco e do que então foi notícia para si, seu círculo social e profissional.

AG. Em qualquer caso, todos os factos estão cobertos pelo direito à informação e já eram conhecidos do público antes da chegada do Jornal de Notícias às bancas.

AH. O JN apenas deu conta da existência de uma investigação sobre a Recorrida de acusações existentes contra a mesma, das quais resultava que teria assinado certidões de óbito em que constava a causa da morte, mas não constavam quaisquer demais elementos, designadamente os relativos à identificação do falecido, naquilo que se denominou de "certificados de óbito em branco".

AI. Em momento nenhum da notícia é utilizada a expressão "polvo" ou algo parecido para traduzir o narrado, e, por isso, mal se compreende que o douto Tribunal recorrido o faça, quando até reconhece que «na notícia não se imputa directamente à A. a prática de actos de corrupção.»

AJ. 0 Tribunal recorrido faz uma interpretação avantia lettre da notícia quando diz que o JN faz uma "ligação directa ao esquema de corrupção".

AL. A conduta da Recorrente não é ilícita, porque a notícia do JN não imputa à Recorrida actos de corrupção.

AM. A informação colhida pela jornalista ia nesse sentido e "teve acesso a três certificados de óbito naquelas condições".

AN. A notícia é verdadeira, porque os factos noticiados correspondem à realidade dos factos sob investigação, uma investigação sobre acusações existentes contra a A. por ter assinado certidões de óbito em branco.

AO. A Recorrida foi investigada criminalmente por esta matéria, foi alvo de procedimento disciplinar da Ordem dos Médicos sobre esta matéria e viu determinada a não renovação do contrato de prestação de serviços celebrado com o INML com fundamento nesta matéria e nos seus actos, no que, aliás, foi fortemente censurada.

AP. A jornalista não noticiou "convicções, suspeitas, impressões, palpites, conclusões do jornalista, como se de factos se tratasse", referindo na notícia que se trata de informação colhida junto das fontes contactadas.

AQ. A conduta do JN é lícita e justificada, não se "mesclando" a existência dos certificados de óbito em branco com o esquema de corrupção, nem se fazendo qualquer "amalgama".

AR. Um facto está ligado ao outro, mas essa ligação decorre do próprio processo-crime que investigou o tema e a A. É na investigação criminal do processo que se associava a existência de certificados de óbito a um esquema de corrupção. E nele foi a A. constituída Arguida exactamente por causa destes factos, e não por outros.

AS. A peça jornalística foi publicada no exercício do direito de informar, decorrente de uma investigação, devidamente fundamentada, conduzida por uma jornalista que acreditava na veracidade dos factos noticiados.

AT. Há interesse público na divulgação dos factos, uma vez que se trata de assunto relacionado com o exercício de funções públicas e de máxima responsabilidade, sendo a notícia redigida em termos razoáveis, contidos, não especulativos, de forma moderada e não ofensiva.

AU. Inexiste animus injuriandi do jornal da Recorrente, o que é confirmado pelo cumprimento das regras deontológicas aplicáveis in casu, em especial a recolha e publicação pelo JN da versão dos factos da Recorrida e, portanto, com contraditório.

AV. O sigilo profissional é um direito constitucional, que abrange as pessoas que prestaram informações, e que, de outra maneira, não confiariam nos jornais para o fazer.

AX. A exceptio verítatis impedia a condenação da Recorrente em sede de responsabilidade civil como vem sendo entendimento da nossa jurisprudência.

AZ. O que defende o Tribunal recorrido é que o jornalista tivesse um grau de certeza equiparável ao grau de certeza necessário para proferir uma sentença de condenação, daí que fale de "veredictos".

BA. O douto Acórdão a quo violou os artigos 483ºe e 484º,nº2 do CC, dado que a notícia foi escrita dentro dos limites do exercício da liberdade de expressão e de informação, inexistindo culpa e ilicitude.

BB. O que se faz no Acórdão a quo é afirmar um primado (inconstitucional e ilegal) do direito ao bom nome e reputação sobre o direito à liberdade de expressão e de informação.

BC. A notícia tem por objecto actos públicos e não da vida privada da Recorrida, praticados por alguém no exercício da sua profissão, e por causa dela, fora de qualquer enquadramento de reserva, o que o Acórdão recorrido não valorou.

BD. A imagem da Recorrida manteve-se intocada após a publicação de qualquer das notícias, continuando a exercer funções clínicas no Hospital Particular do Barlavento Algarvio e a visitar doentes privados em hotéis onde se desloca.

BE. O Tribunal não podia objectivar os danos morais putativamente sofridos pela Recorrida, pelo que violou o previsto no art. 483º n.º 1 e 496º, n.º 1 do CC.

BF. E violou o disposto no artigo 563º do CC, já que face à divulgação pública da história e à pendência de processos disciplinares e criminais contra a Recorrida, quaisquer putativos danos seriam da responsabilidade da própria e de terceiros, que não (exclusivamente) do JN e da CC.

BG. O valor da indemnização também é excessivo e desadequado face às circunstâncias e à realidade jurisprudencial corrente em Portugal.

BH. O Tribunal recorrido presume "ser elevada a capacidade económica das Rés", porque não tem factos que o suportem.

BI. Também podia presumir (o que é verdade) que a crise financeira e económica que atingiu o tecido empresarial nacional, vem depauperando a tesouraria das empresas de comunicação social, sobretudo a escrita, como é o caso da Recorrente.

BJ. Há um divórcio dos leitores da comunicação social escrita, cada vez menos pessoas comprando jornais que vêm sendo substituídos pela internet.

BL. Não nos parece que "sentira honestidade e dedicação à profissão afectadas pelas notícias" e "ficar com a imagem posta em causa" seja merecedor de uma indemnização de 50 MIL EUROS (DEZ MIL CONTOS).

BM. Basta confronta o valor fixado com as quantias indemnizatórias geralmente atribuídas pela nossa jurisprudência a um dano de indubitável maior valor como o "dano de morte" (que oscila entre os €10.000 e os €50.000,00).

BN. Deve-se mesmo comparar o dano moral de morte com o dano moral por (alegada) ofensa ao bom nome.

BO. Ao ter mantido nesta parte a decisão de primeira instância, violou o Tribunal recorrido o art. 496º, ns 1 do CC e, portanto, deverá ser revogada.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. deve o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências, designadamente a anulação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que, constatando a violação de lei substantiva e de processo, absolva a Ré BB do pedido.

Assim se fazendo Justiça.

Concluiu a Ré CC:

A) A Recorrente não se conforma com o douto Acórdão recorrido porque está sustentado numa conclusão que não tem apoio na matéria de facto dada como provada e que contraria as respostas dadas aos quesitos da base instrutória, faz uma errada interpretação e aplicação do disposto nos art.°s 8.°, 16.°, 18.°, 25.°, 26.°, 37.° e 38.° da Constituição da República Portuguesa, do art.°19.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem, do art.º 19.° do Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos e o art.°10.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e porque faz uma errada interpretação e aplicação do disposto nos art.°s 335.°, 342, n.° 1, 483.°, 484.° , 487° , 494°, 496. e 563° do Código Civil, e do n.° 3, do art.°659 do CPC.

B) Entendem os RR. não ter tido, de forma alguma, qualquer conduta passível de censura jurisdicional no que diz respeito às reportagens em análise nos presentes autos.

C) Os factos apurados e dados como provados, a sua apreciação e valoração não possibilitam, nem fundamentam a decisão efectuada pelo douto Acórdão recorrido

D) O Acórdão sob recurso ao invés de concluir perante os factos provados no processo, conclui que, ao arrepio e em contradição com estes que existiu uma imputação à A. de factos criminosos, em concreto, que a R. imputou à A. a prática de corrupção.

E) Compulsados os autos, não se descortina que a R. tenha imputado à A. qualquer facto criminoso, muito menos de corrupção.

F) A notícia da R. nunca refere que a A. participou em qualquer esquema de corrupção ou a acusa de tais práticas.

G) Nada nos factos provados nos remete para a existência de uma imputação de corrupção à A., pelo contrário, tendo sido levada essa matéria à base instrutória mereceu sempre resposta negativa.

H) Se a A. não logrou provar, de tal tendo o ónus, art. 342º/1 CC, que essa imputação existiu, não pode o Acórdão, ex oficio, decidir que aquele facto se encontra assente.

I) Ao fazê-lo violou no disposto no n.° 3, do art.°659°, do CPC, e o n.° 1, do art.º 342, do CC, e condenou a R. quando a matéria de facto provada nos autos é insuficiente para se concluir pela existência de uma imputação de corrupção à A.

J) A jornalista responsável pelas reportagens actuou apenas de acordo com as regras da sua profissão, nomeadamente com o disposto no Código Deontológico do Jornalista.

K) A R.. encontrava-se no pleno direito da liberdade de imprensa e não decorre dos autos que tenham sido excedidos os limites que têm vindo a ser definidos para o exercício de tal liberdade.

L) A Liberdade de Imprensa está constitucionalmente consagrada como modalidade especial de liberdade de expressão (art° 37° e 38° de C.R.P.) fazendo parte dos Direitos Fundamentais a que é aplicável o regime específico dos artigos 17° e 18° da C.R.P., sendo ainda tributária da liberdade de opinião e expressão constante da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 10.12.1948 para a qual remete a nossa Constituição (art° 16° n° 2°), e constando também do art° 10° da Convenção Europeia dos Direitos de Homem, em vigor em Portugal.

M) Entre os direitos consagrados nos art.°s. 26° e 37° da CRP, não é possível estabelecer qualquer relação de hierarquia, pois, ambos revestem idêntica dignidade constitucional, a avaliar quer pela respectiva inserção sistemática, no capítulo da Lei Fundamental dedicado aos "Direitos, liberdades e garantias pessoais", quer pela sua submissão ao regime especial de protecção conferido pelo art.º 18° da CRP.

N) Compete ao julgador ponderar os valores e interesses envolvidos, avaliando a eventual medida da restrição, em face da necessidade prática de aplicar os dois direitos em conflito, definindo qual o que deverá ceder no caso concreto de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no art.°18º, n.° 2 da CRP.

O) É o que para este efeito o dispõe o art.° 335º do CC, que concede ao interprete um critério para a resolução prática do conflito de direitos.

P) A liberdade de expressão faz parte do património histórico da humanidade e encontra-se plasmada em textos internacionais que fazem parte integrante do nosso sistema jurídico, à luz do disposto no art. 80º, n.° 2 da CRP.

Q) Não foram ultrapassados os critérios materiais ou limites imanentes do direito/dever de informar e a liberdade de imprensa, não gerando a notícia qualquer forma de responsabilidade, designadamente responsabilidade civil.

R) A douta sentença faz uma errada interpretação e aplicação do disposto nos art.°s 483.°, 484.°, 487°, 496° e 497° do Código Civil.

S) Encontrando-se a actuação da ora R. enquadrada no exercício de um direito - o direito de informar - cujos limites não foram excedidos, não se pode preencher o pressuposto da ilicitude, conditio sine qua non da responsabilidade civil e consequente dever de indemnizar invocado pelo A.

T) É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor ou autores da lesão, sendo que a culpa é apreciada pela diligência de um bom pai de família, ou seja, de um homem médio, em face das circunstâncias do caso (cf. artigos 483, 484 e 487 do Código Civil).

U) A R. não tinha que provar a inexistência de culpa, era sobre a autora que incidia o ónus da prova da culpa dos RR, e essa prova não foi feita.

V) Não sendo ilícita nem culposa a conduta dos RR. afastada fica a responsabilidade civil extracontratual de todos os RR., pois sem esses pressupostos inexiste obrigação de indemnizar.

W) A notícia é verdadeira.

X) Não existe qualquer imputação de corrupção à autora.

Y) Não foi noticiado qualquer envolvimento pessoal da R. em actos de corrupção e, portanto, o contraditório efectuado pela jornalista não teria de o abranger.

2) Não se sabe qual a proveniência do certificado obtido pela jornalista, pelo que não se pode qualificar essa proveniência de suspeita

AA) Havia interesse público no conhecimento da matéria, pois estava em causa a actuação de uma entidade pública administrativa, sobre quem recai, entre outros, o dever de agir com imparcialidade e com observância do interesse público e das regras legais.

BB) Era patente a relevância social da matéria publicada e neste contexto, afigura-se como legítimo o exercício do direito à liberdade de expressão e informação, consagrado no art.° 37.° da Constituição.

CC) A sua actuação foi fortemente censurada pelo INML, que refere expressamente no documento referido no ponto 24 dos factos assentes que a actuação da A. é eticamente criticável.

DD) Ainda que se verificasse o requisito da ilicitude seria discutível o dever de indemnizar a título de danos não patrimoniais.

EE) Nos termos do artigo 496° do C. Civil, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, em montante a fixar equitativamente pelo tribunal, tendo em conta as circunstâncias referidas no artigo 494° do CC.

FF) O dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.

GG) Ter-se  o A.,   sentido  ofendido,   nada  nos  diz  quanto  à  dimensão  da correspondente    turbação    ou    sofrimento    psicológico    porventura    padecidos, designadamente no que respeita à sua intensidade e persistência.

HH) Não estando verificada a existência de danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, soçobra qualquer pretensão indemnizatória por aquele título formulada pelo A. com a necessária improcedência da acção.

II) O douto Acórdão sob recurso, ao não tomar em consideração as circunstâncias do caso, atribuindo uma avultada indemnização de €.50.000,00, violou o disposto no art. 494°, e n.° 3, do art. 496°, do CC.

JJ) Pois, ignora que, em grande medida, as notícias foram despoletadas por um comportamento menos próprio da A. e que era violador das normas legais e da legis artis.

KK) Premiando um comportamento violador das regras legais e da profissão e dando guarida e justificação a uma posição que o próprio INML qualifica de “eticamente criticável”

LL) Não pode também proceder a douta decisão de que a responsabilidade das RR é solidária nos termos do disposto no art. 497°, do CC.

MM) Nos factos provados não existe qualquer facto que aponte no sentido da igualdade de responsabilidades entre as RR., nem tal foi alegado pela A.

NN) E as condutas das RR. são absolutamente autónomas e individualizáveis, não se podendo afirmar que constituem uma mesma acção ou comportamento.

00) Sendo o impacto e o alcance dos órgãos de comunicação social em concreto diferentes, não estando apurada qual a sua particular importância e contribuição para a verificação dos alegados danos.

PP) Caso assim se  não  entenda,   sem   conceder,   Deve  o  montante da indemnização fixado na Sentença recorrida ser reduzido, atento o disposto no art. 494° do Código Civil.

Houve contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Sem prejuízo do conhecimento oficioso que em determinadas situações se impõe ao tribunal, o objecto e âmbito do recurso são dados pelas conclusões extraídas das alegações (artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC).

Nas conclusões, o recorrente deve - de forma clara e sintética, mas completa – resumir os fundamentos de facto e de direito do recurso interposto. 

Face ao exposto e às conclusões formuladas importa resolver:   

1. Recurso do Jornal Notícias:

a) se a Relação conheceu de questão que não podia conhecer (da ofensa à honra e dignidade);

b) se a Relação  não conheceu de questão que devia (do facto da notícia já ter sido dada anteriormente por outros órgãos de comunicação social) ;

d) se a recorrente praticou acto ilícito e  actuou com culpa;

e) se se verificam os pressupostos para ser arbitrada  indemnização por danos não patrimoniais;

f) se a indemnização arbitrada é excessiva;

g) se as recorrentes podiam ser condenadas solidariamente.

2.Recurso da CC

a) se a recorrente praticou um acto  é ilícito e se actuou com  culpa;

b) se a recorrente podia  ser condenada solidariamente com a recorrente BB. no pagamento da  indemnização;

c) se o montante da indemnização arbitrado é excessivo.

II. Fundamentação

II.I. De Facto

As instâncias deram como provados os factos seguintes:

1. A Autora nasceu em 26/2/1956;

2. A Autora é médica no Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio com a especialidade de medicina interna;

3. A autora dirigia o Gabinete Médico-Legal de Portimão o que ocorreu até 31/03/2006:

4. Em tal veste competia à Autora emitir certificados de óbito de pessoas falecidas presentes ao Instituto de Medicina Legal de Portimão;

5. No dia 1/2/2006 A Ré CC entrevistou a Autora sobre a subscrição de certificados de óbito;

6. O assunto em questão vinha sendo investigado pela jornalista há já algum tempo;

7. Um dos certificados subscrito pela Autora era identificado com causa de morte "desconhecida".

8. A Jornalista da CC solicitou uma entrevista com a Autora para que esta pudesse explicar como tal seria possível:

9. A entrevista foi emitida nesse dia no noticiário das 20h00m, no âmbito da notícia que constitui o conteúdo do DVD junto aos autos:

10. A notícia foi introduzida no noticiário pelo jornalista PP, voz e imagem, com o seguinte teor:

"O já chamado negócio da morte está a provocar em Portimão as mais variadas reacções e denúncias sobre o suposto esquema de corrupção com agências funerárias locais".

11. Noutro passo da notícia, enquanto é transmitida a imagem de dois certificados de óbito sem identificação do falecido, com voz da jornalista DD é feita a seguinte afirmação:

"Mas há mais. Documentos a que a CC teve acesso indiciam o alegado envolvimento de, pelo menos, dois médicos. São certificados de óbito, estão assinados e pode ler-se a causa da morte, mas o principal, a identificação da falecida é propositadamente deixado em branco. Os documentos estariam no Gabinete Médico-Legal de Portimão para serem alegadamente utilizados por agentes funerários".

12. A finalizar a notícia, novamente com voz e imagem do jornalista PP, são feitas as seguintes afirmações:

"A perita do gabinete médico-legal de Portimão que assina um dos certificados de óbito a que a CC teve acesso já reagiu: admite a possibilidade de ter assinado o documento sem que nele constasse a identificação do falecido – a médica diz no entanto que alguém, terá agido de má-fé e retirado da sua secretária o certificado sem que estivesse totalmente preenchido".

13. A notícia segue com a resposta da Autora a questão colocada por jornalista, questão cujo teor não é transmitido, transmitindo-se a sua imagem tendo ao lado a placa do gabinete médico-legal e as suas declarações com o seguinte teor:

"Não vejo razão possível para isso, passo certificados de óbito no Hospital do Barlavento Algarvio, no Gabinete Médico-Legal, no Hospital Particular, e não vejo, a não ser que alguém pudesse de má-fé ter pegado num certificado de óbito que eu estava a acabar de assinar, como é evidente as minhas secretárias estão sempre cheias de papéis, mas é muito difícil que pudesse ter acontecido uma coisa dessas, só vejo alguma má-fé, porem acolá a causa de morte quando eu estava a tratar do certificado de óbito, mas acho muito, muito, improvável, muito improvável".

14. A divulgação da notícia pela CC foi precedida de investigação por parte de uma jornalista que recorreu a fontes que não foram divulgadas.

15. A jornalista envolvida acreditava na veracidade dos factos que noticiou tendo confirmado que existia uma investigação criminal em curso que associava a existência de certificados de óbito a um esquema de corrupção.

16. Os factos de que a notícia em causa dá conta já haviam sido denunciados às entidades competentes e foram os mesmos considerados de interesse jornalístico pela CC e seus profissionais, que tudo fizeram para os divulgar perante a opinião pública.

17. A Ré G......de N...... SA publicou na sua edição de 2/2/2006 uma notícia intitulada "cheques em branco para agentes funerários" onde transcrevia uma entrevista com a Autora.

18. O JN ouviu a versão da A. dos factos.

19. A notícia referida em 17, foi publicada com o conteúdo constante de fls. 70 que se transcreve:

INVESTIGACÃO – JN acedeu a certificados de óbito em que constava apenas a causa da morte e não a identificação do falecido – Documentos eram assinados por dois médicos, em Portimão.

"Cheques em branco" para agentes funerários DD

Imagine um certificado de óbito, assinado por um médico, em que conste a causa da morte, mas todos os dados relativos à identificação do falecido estão por preencher. Documentos deste tipo, a que JN teve acesso, estavam alegadamente no Gabinete Médico-Legal de Portimão, funcionando como uma espécie de "cheques em branco" passados a agentes funerários.

"Acidente vascular cerebral" ou "causa desconhecida" são algumas das causas de morte que constam dos certificados, assinados por dois clínicos o que poderá indiciar a participação dos médicos num alegado esquema de corrupção desmantelado em Agosto do ano passado pelo Departamento de Investigação Criminal de Portimão da Polícia Judiciária (PJ).

Desde essa altura quatro pessoas foram detidas e mais de dez constituídas arguidas, entre agentes funerários e funcionários hospitalares. A investigação ainda não está concluída e fonte próxima do processo admitiu, ao JN mais detenções e novos arguidos, entre eles médicos, polícias e bombeiros.

AA, médica do Gabinete Médico-Legal de Portimão, que assina alguns dos certificados de óbito em branco – que não constam do processo que está a ser investigado pela PJ – não põe em causa a existência dos documentos, "Acho estranho. A não ser que alguém de má-fé tenha pegado num certificado que eu estava a acabar de assinar. Já me aconteceu muitas vezes começar pelo fim – pela assinatura e só depois preencher o restante", justifica. Rejeitou ter ligações a funerárias e assegurou que o contacto que manteve com os agentes "foi sempre profissional",

Outra das assinaturas que constam em alguns documentos é de um ortopedista que não exerce funções no Gabinete Médico-Legal desde Julho de 2005. Foi suspenso pelo Instituto Nacional de Medicina Legal (INML) por supostas irregularidades numa autópsia.

Fonte do INML, mostrou-se surpreendida com a existência de certificados de óbito sem identificação dos cadáveres, uma situação que classificou de "no mínimo, irregular". Admitiu instaurar um processo de averiguações para apurar eventuais responsabilidades da perita em causa que tem um contrato de avença com o Instituto.

20. Em números subsequentes voltou o Jornal de Notícias à notícia.

21. Face ao alarmismo provocado pelas notícias, na sequência de uma participação apresentada pelo Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos que deu início a um processo disciplinar instaurado pela Ordem dos Médicos, a Autora foi convidada a pronunciar-se sobre o teor das notícias publicadas na imprensa que constituem fls. 258, 259 e 260.

22. Conforme informação prestada pelo INML a solicitação deste Tribunal – que constitui fls 292 dos autos – na sequência das notícias que vieram a público no dia 1/2/2006 no noticiário da CC, bem como no Jornal de Notícias do dia 2/2/2006 sob o título cheques em branco para agentes funerários, o Conselho Directivo, em sessão de 2/2/2006, deliberou suspender, com carácter imediato e até à decisão definitiva a proferir, a Drª EE do desempenho de qualquer actividade no GML de Portimão, e deliberou ainda notificar a referida médica da intenção da rescisão do contrato de prestação de serviços, tendo-lhe sido concedido o prazo de 10 dias úteis para alegar o que tivesse por conveniente, conforme ofício n° 293/SD de 14/2/2006 e, após, apreciação das alegações apresentadas pela médica em questão e por deliberação do Conselho Directivo, em sessão de 13/2/2006, o referido contrato de prestação de serviços não foi renovado e, deste modo, a Drª EE cessou a actividade no Instituto em 31 de Março de 2006.

23. Do ofício 293/SD de 14/2/2006 que o INML dirigiu à Autora, que constitui fls. 294 e 295 dos autos, cujo teor se reproduz, consta o seguinte:

Assunto: Notificação da intenção de rescindir o contrato – audiência prévia

…ficando, assim V. Exa. notificada nos termos e para os eleitos do disposto nos artigos 100º e 101º do Código de Procedimento Administrativo, que o Conselho Directivo do Instituto de Medicina Legal, em reunião de 2/2/2006, proferiu a deliberação do seguinte teor, na qual se manifesta a intenção de rescindir o contrato de prestação de serviços, na modalidade de avença, celebrado pelo prazo de 1 ano contado a partir de 01.04.2005:

O Conselho Directivo analisou a situação relacionada com as notícias que vieram a público, ontem, 01.02.2006, no noticiário da “CC” e, hoje, na edição do "Jornal de Notícias" sob o título "cheques em branco para agentes funerários", em que se dá conta da existência de certificados de óbito, assinados por médicos, onde consta a "causa da morte, mas todos os dados relativos à identificação do falecido estão por preencher".

Considerando que aquela notícia, mostrando a imagem de um certificado de óbito nas referidas condições, menciona mesmo o nome de "AA, médica do Gabinete Médico-Legal (GML) de Portimão, que assina alguns certificados de óbito em branco", a qual não afasta, pelas suas declarações aí transcritas, a eventualidade de tal haver sucedido, embora apresente justificações para o efeito.

Considerando que o caso em concreto, ainda que possa, como se supõe, não decorrer directamente da prestação de serviços periciais no GML de Portimão, pela referida médica, colide gravemente coma a postura ética que deve presidir à prestação de serviços médicos e, muito particularmente, de serviços médico-legais.

Delibera o Conselho Directivo, por unanimidade, no uso da competência subdelegada por Sua Excelência o Secretário de Estado Adjunto e da Justiça na alínea d) do nº 1 do Despacho nº 12432/2005 (2" Série) publicado no Diário da República – II Série, de 06.06.2005 e, e nos termos e para os efeitos dos artigos 100º e 101º do Código de Procedimento Administrativo:

a) manifestar a intenção de rescindir o contrato de prestação de serviços, na modalidade de avença, celebrado com a Sra. Dra. AA para produzir efeitos a partir de 10.04.2005, pelo prazo de 1 ano, renovável, até ao limite de 3 anos.

b) Suspender, com carácter imediato e até à decisão definitiva a proferir, a Sra. Dra. AA do desempenho de qualquer actividade no GML de Portimão.

Notifique-se a Sr. Dra. AA do conteúdo da presente deliberação e que dispõe do prazo de 10 dias úteis, para, querendo, dizer o que se lhe oferecer...

Como resulta da referida deliberação V. Exa. fica suspensa do desempenho de qualquer actividade no GML de Portimão com carácter imediato e até à decisão final a proferir.

24. O INML optou por não renovar o contrato de prestação de serviços sob a forma de avença celebrado com a Autora em 28/3/2005 pelas razões constantes de fls. 213 a 215, cujo teor se reproduz:

Assunto: Notificação da decisão final após audiência prévia

Na sequência dos nossos ofícios ...de 03.02.2006 e... de 14/2/2006, e apreciadas as alegações produzidas notifica-se a decisão final tomada por deliberação de 13/2/2006 do Conselho Directivo do Instituto Nacional de Medicina Legal, do seguinte teor e do qual decorre que o contrato de avença celebrado com v. Exa. cessa em 31.03. 2006:

"O conselho Directivo apreciou as alegações oferecidas pela Dra. AA, subscritas pelo seu ilustre mandatário, com entrada em 2 do corrente mês de Março, relativamente à intenção de rescisão do contrato de prestação de serviços, na modalidade de avença, proferida por deliberação de 02.02.2006, a qual foi devidamente notificada pelo oficio... de 14.02.2006.

Por unanimidade o Conselho Directivo delibera o seguinte:

1. Como questão prévia, importa dizer que, contrariamente ao que a Dra. AA refere no ponto 1º das alegações, não foi intenção deste Conselho Directivo aplicar-lhe uma "sanção", já que inexistindo no caso concreto uma relação jurídica de emprego de carácter subordinado jamais poderia ser desencadeado procedimento visando a adopção de qualquer medida de natureza punitiva.

2. Como foi dito na deliberação de 02.02.2006 a intenção de rescisão do contrato assentou nas notícias vindas a público no dia 01.02.2006 dando conta da existência de certificados de óbito assinados por médicos, onde consta a "causa da morte", mas todos os dados relativos à identificação do falecido estão por preencher, sendo mesmo mencionado o nome da médica do Gabinete Médico-Legal de Portimão, "AA (…) que assina alguns dos certificados de óbito em branco ".

Mais foi considerado o facto de atentas as declarações da identificada médica transcritas nas notícias em apreço, não ser afastada a eventualidade de tal haver sucedido.

3. Essas razões motivadoras da intenção manifestada não foram postas em crise pela argumentação aduzida nas alegações da Dra. AA, a qual, após apontar o "carácter sensacionalista" das notícias publicadas (ponto 2º) faz referências quanto ao "valor de certificado de óbito" que não teria o impresso exibido na notícia (pontos 5° e 6°) ao facto dos serviços do GML não lhe fornecerem um local de trabalho seguro para poder trabalhar, ou, "nomeadamente conservar quaisquer papéis que se encontre a preencher (pontos 8° e 9°) a não se encontrar demonstrado que entrou o referido impresso em circulação (…) ou mesmo se ele realmente existe (ponto 10º) e à especulação da comunicação social com desonestidade e desvelo dos princípios que regem a actividade de jornalistas, com o facto de o impresso não se encontrar totalmente preenchido (ponto 11°).

4. Relativamente a essas alegações emende-se que elas não contribuem para abalar os motivos que constituíram o suporte da intenção de rescisão notificada.

No domínio da deliberação definitiva a proferir mostram-se irrelevantes os juízos sobre o carácter especulativo, sensacionalista e os princípios orientadores da actividade de jornalista, como não vêm a propósito as considerações relativas ao facto de não estarmos perante um verdadeiro certificado de óbito ou à falta de condições do GML de Portimão.

5. O que efectivamente esteve na base da intenção de rescisão foi a eventualidade de existirem modelos de certificados de óbito assinados e nas condições noticiadas pela comunicação social, ou seja, com a indicação de causa da morte mas sem a mínima indicação relativa à identificação do respectivo cadáver.

6. O que é defendido pela Dra. AA nos pontos 12º a 14º, manifesta um manifesto desrespeito pelas legis artis, designadamente aquelas que exigem que o perito médico responsável pela realização de uma perícia tanatológica se muna de toda a informação disponível incluindo o conhecimento concreto da identificação do falecido caso esta exista.

7. As razões invocadas nos pontos 15° a 18° das alegações são insusceptíveis de, minimamente, justificarem a conduta de um qualquer médico que assine um ou mais impressos de certificado de óbito, onde apenas escreva a causa da morte, ainda por cima quando se reconhece que o local de trabalho não é seguro e se coloca mesmo a possibilidade de, por isso, haver o furto de tais impressos (ver ponto 7° das alegações).

8. Como decorre da deliberação deste Conselho de 02.02.2006, assinar certificados de óbito (ou os respectivos impressos) apenas com a menção da causa da morte e sem quaisquer outros dados identificativos relevantes, colide com a postura ética exigível a qualquer médico exerce a sua actividade nos serviços médico-legais.

A mera admissão de que tal possa suceder com as insólitas justificações que a Dra AA apresenta nas suas alegações é, por si só, uma posição eticamente criticável.

9. Não estando em causa a produção de prova relativamente a qualquer actividade invocada nas alegações torna-se inútil – e por isso se dispensa – a audição das testemunhas apresentadas aliás sem a mínima referência aos factos sobre os quais se iriam pronunciar.

Pelo exposto, o Conselho Directivo delibera, por unanimidade, no uso da competência subdelegada por Sua Excelência o Secretário de Estado Adjunto e da Justiça na alínea d) do n° 1 do Despacho nº 12432/2005 (2ª Série) publicado no Diário da República II Série, nº 108, de 06.06.2005, não renovar o contrato de prestação de serviços, sob a forma de avença, celebrado pelo prazo de um ano, em 28.03.2005, para produzir efeitos a partir de 1 de Abril de 2005 com a Dra. AA (ver cláusula 2ª do respectivo contrato).

Notifique-se a Dra. AA do conteúdo da presente deliberação, com a indicação de que o seu contrato de avença cessa em 31 de Março de 2006.

Comunique-se ainda esta deliberação ao director da Delegação de Lisboa do INML e ao Coordenador do GML de Portimão

25. Em 12/1/2006 o Sr. Conservador do Registo Civil de Portimão tinha dirigido ao Sr. Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio, EPE, o ofício cuja cópia certificada constitui fls. 308 a 309 dos autos, com o seguinte teor:

Venho pelo presente informar e solicitar a V. Exª o seguinte:

Como é do V/ conhecimento, os assentos de óbito são lavrados nas Conservatórias do Registo civil do local do falecimento.

De acordo com o art. 194º, nº 1 do Código do registo Civil, "a declaração (de óbito) deve ser confirmada pela apresentação do certificado de óbito, passado gratuitamente pelo médico que o houver verificado em impresso de modelo fornecido pelos competentes serviços de saúde, ou na falta de impressos em papel comum;

Estes certificados têm requisitos exigidos pela lei.

Assim, nos termos do art. 196º nº 1 do referido Código "O certificado de óbito, além de conter a assinatura do médico que o subscrever, deve indicar o número da sua cédula profissional."

É meu entendimento, salvo melhor opinião, que nos termos legais, os certificados de óbito devem ser integralmente subscritos e assinados pelo médico que verificar o óbito.

Os certificados que têm chegado a esta Conservatória, não cumprem, em meu entender, os requisitos legais exigidos.

As irregularidades mais frequentes são as seguintes:

1ª A identificação do falecido (itens 1 a 15) e os itens 16 a 20, vem escritos com letra diferente relativamente à parte onde é inscrita a causa da morte notando-se que a caligrafia é de diferentes pessoas;

2ª Ainda na situação anteriormente descrita, as diferentes partes do certificado de óbito, vêm, por vezes, escritas por canetas de cor diferente.

3ª Falta de preenchimento de todos os itens;

4ª Escrito por letra que não é de imprensa, contrariando o que consta do modelo do certificado de óbito da Direcção-Geral de Saúde: "certificado a preencher pelo médico responsável pela informação em letra de imprensa".

Pelo exposto, venho muito respeitosamente, informar V. Exª que a partir de agora, analisarei os certificados, com maior rigor, aceitando-os ou devolvendo-os, consoante cumpram ou não os requisitos legais, com consequências indesejáveis para os familiares, que entendo, merecerem toda a nossa consideração e respeito, num momento tão doloroso. Pelo que, solicito os bons ofícios de V., Exª no sentido de informar e sensibilizar os colaboradores da instituição à qual V. Exª preside, para a necessidade do máximo rigor, no preenchimento do certificado de óbito.

Relativamente a este assunto, fui a informar a Exª Srª Presidente da Mesa da Assembleia Distrital da Ordem dos Médicos do Algarve, por ofício datado de 11 de Janeiro de 2006. Agradecendo a V. Exª a atenção que possa dispensar sobre este assunto, aproveito para V/ endereçar as melhores felicitações e o maior sucesso nas funções que vos estão confiadas.

O Conservador Interino".

26. O referido ofício que constitui fls. 308 a 309 dos autos foi acompanhado de vários documentos, respeitantes a regras de preenchimento dos certificados de óbito, e de 9 certificados de óbito que constituem fls. 319 a 327 dos autos.

27. Dos 9 certificados de óbito, que exibem as irregularidades apontadas no ofício,

- o de fls. 319, datado de 22/11/2005, é subscrito pela médica Srª Drª EE, com indicação de morada profissional na Urbanização Vila Rosa;

- o de fls. 320, datado de 17/11/2005, é subscrito pelo médico Sr. Dr. FF, com indicação de morada profissional no Hospital Particular do Algarve;

- o de fls. 321, datado de 11/11/2005, é subscrito pelo médico Sr. Dr. GG, com indicação de morada profissional no Hospital do Barlavento Algarvio;

- o de fls. 322, datado de 7/11/2005, é subscrito pelo médico Sr. Dr.HH, com indicação de morada profissional em Mediarade,  Avª D. ............ em Portimão:

- o de fls. 323, datado de 30/10/2005, é subscrito pelo médico, Sr. Dr. II, com indicação de morada profissional em Lar........., Aldeia São José........, Mexilhoeira Grande;

- o de fls. 324, datado de 24/10/2005, é subscrito pelo médico Sr. Dr. JJ com indicação de morada profissional no Gabinete Médico-Legal (GML) de Portimão;

- o de fls. 325, datado de 26/10/2005, é subscrito pelo médico Sr. Dr. KK com indicação de morada profissional no Gabinete Médico-Legal (GML) de Portimão;

- o de fls. 326, datado de 8/11/2005, é subscrito pela médica Srª Drª EE com indicação de morada profissional Gabinete Médico-Legal (GML) de Portimão;

- o de fls. 327, datado de 3/11/2005, é subscrito pela médica Srª Drª EE com indicação de morada profissional no Hospital do Barlavento de Portimão.

28. Os factos divulgados pela Ré BB. SA já eram conhecidos do público antes da chegada do Jornal de Notícias às bancas.

29. A jornalista que redigiu a notícia estava convencida de que os factos eram verdadeiros, por ter tido acesso aos certificados de óbito.

30. A Autora foi alvo de um inquérito nos serviços do Ministério Público de Portimão, investigação essa que foi noticiada, encontrando-se o respectivo processo a correr termos neste Tribunal sob o n° 835/04.5 TAPTM.

31. Foi ordenada a detenção de várias pessoas no âmbito do processo de inquérito supra referido.

32. Nesse processo de inquérito, do despacho de 23/1/2006 do Sr. Procurador da República, que constitui fls. 372 destes autos, na parte respeitante às denúncias contra a Autora, constava relativamente à denúncia apresentada por LL, quando a fls. 89 foi interrogada como arguida :

"5.2.9. que a Drª EE, Médica legista do GML de Portimão favorece algumas agências designadamente a "Barlavento", transmitindo-lhes os nomes dos cadáveres e dos respectivos familiares – um caso terá ocorrido no Hospital Particular do Alvor, tendo sido ali aberto inquérito acerca dos factos –

e relativamente à denúncia apresentada por QQ quando foi inquirido como testemunha a fls. 411 –

"tem conhecimento que Drª EE terá assinado certidões de óbito sem examinar os cadáveres que faleciam nas suas residências".

33. E em 4. do mesmo despacho era sintetizado relativamente à actividade da Autora a seguinte matéria a investigar:

4.1. confirmação da denúncia de também prestar informações às agências:

4.2. confirmação da alegação de ler assinado certificados de óbito sem ver os cadáveres".

34. Noutro passo, a fls. 1247 do mesmo despacho, que constitui tls. 371 a 395 destes autos, constava:

-No que se refere aos factos que envolvem a Drª EE, médica legista do GML de Portimão, se é certo que os factos referidos acerca da mesma referidos apenas constituem suspeitas, haverá que investigá-los de forma exaustiva, por forma ao seu completo esclarecimento;

Assim haverá que, desde logo, confirmar a alegação de pelo menos, uma vez prestado informações privilegiadas a uma agência funerária, o que teria sucedido num caso ocorrido no Hospital Particular lendo sido aberto inquérito interno acerca da matéria. Deverá ser solicitada cópia desse inquérito e, com base, no mesmo serem inquiridos os intervenientes e – se assim se justificar – interrogada a denunciada como arguida.

Também a matéria referente a ter assinado certificados de óbito sem ter visto os cadáveres deverá ser melhor investigada, ligando este aspecto ao facto de numa busca terem sido encontrados tais certificados em branco (deverá a mesma esclarecer se os usa e porquê) Cumprirá esclarecer se costuma e a que título receber quantias das agências para se deslocar a casa dos falecidos.

35. Em 4/1/2007, o Sr. Procurador da República junto dos serviços do Ministério Público de Portimão, remeteu à Ordem dos Médicos certidão do despacho final proferido no Inquérito 835/04.5TAPTM, que é de arquivamento relativamente à Autora, que se encontra junto a fls. 277 a 273, do seguinte teor:

"5.2.9 Quanto à referência efectuada pela arguida LL de que a Drª EE, Médica Legista do GML de Portimão favorecia algumas agências, designadamente, a "Barlavento", transmitindo-lhes os nomes dos cadáveres e dos respectivos familiares, sendo que um caso terá ocorrido no Hospital Particular do Alvor, tendo sido ali aberto inquérito acerca dos factos:

A actividade da Drª EE, médica no GML de Portimão, não foi apenas referida por esta arguida, pois que depois desta primeira denúncia, outros elementos foram carreados para os autos no sentido de que a mesma teria eventualmente tido comportamentos menos próprios, alguns deles merecedores de censura penal.

Assim, também QQ, quando inquirido a fls. 411, referiu ser do seu conhecimento (do tempo em que trabalhou em diversas agências funerárias) que aquela médica aporia assinaturas em certidões de óbito sem examinar os cadáveres, quando os falecimentos ocorriam em casa.

No decurso das intercepções telefónicas efectuadas no âmbito dos autos, um elemento da agência funerária "Malha" recebeu chamada telefónica de um indivíduo seu conhecido que lhe pediu o contacto telefónico da Drª EE, sendo que tal agente funerário forneceu os números de telemóvel e de casa daquela médica.

A fls. 949 e 950 consta uma listagem (apreendida na busca à agência funerária "Coelho"), na qual o nome da Drª EE surge várias vezes, com referência a quantias que tudo indica serem em euros – duas vezes 25 e uma 50 (neste último caso com a menção "deve um óbito").

O funcionário de tal agência C...., NN , quando interrogado a fls. 952, referiu, quanto àquela listagem, que consistia a mesma em pagamentos por si efectuados em Agosto de 2004 (relação que seria para apresentar ao seu patrão), sendo que relativamente à Drª EE se reportariam as rubricas a "certificados de óbito de doentes desta que a mesma se deslocava a certificar, evitando demoras na remoção do cadáver".

A fls. 1298 mostra-se junta notícia publicada no Jornal de Noticias de 2.2.2006. na qual se refere a existência no GML de Portimão, de certificados de óbito preenchidos apenas com a causa de morte e com a assinatura do médico, alguns deles assinados pela Drª EE, a qual àquele jornal teria afirmado que achava estranha aquela situação, "a não ser que alguém de má-fé tenha pegado nalgum certificado que eu estava a acabar de assinar. Já me aconteceu muitas vezes começar pelo fim – pela assinatura – e só depois preencher o restante". Negou então qualquer intervenção no esquema de corrupção em causa.

A 1350 foi inquirida OO, jornalista do Jornal de notícias e da CC autora da notícia atrás mencionada, a qual referiu ter obtido em Janeiro de 2006 certificados de óbito "em branco" assinados pela Drª EE e pelo Dr. MM escudando-se no sigilo profissional para não revelar quem lhos entregou, mas referindo ter sido informada que era comum "estarem à disposição" das funerárias estes certificados no GML de Portimão, funerárias que depois preencheriam tais certificados com os nomes dos falecidos.

Os certificados em causa mostram-se juntos no Apenso XI, a fls. 8 (assinado pelo Dr. MM, com a menção 'acidente vascular cerebral' como causa da morte) e a fls. 10 pela EE (com a menção 'causa desconhecida').

Nesse mesmo apenso consta documentação entregue pelo Exmº Conservador do Registo Civil de Portimão, referente a irregularidades detectadas naquela Conservatória no que se refere ao preenchimento daqueles certificados de óbito (cópia da comunicação efectuada em 11.1.2006 à Ordem dos Médicos), consistentes basicamente no facto de se verificar estarem preenchidos por diversas pessoas (identificação do falecido é escrita por pessoa diferente daquela que menciona a causa da morte), quando o deveriam ser integralmente pelo médico que verificou o óbito.

Interrogada como arguida, face aos elementos atrás mencionados, a EE veio a fls. 1443 referir que foi Coordenadora do GML durante dois anos tendo cessado a sua actividade em 31.3.2006, data em que não foi renovado o seu contrato.

Concretamente no que se refere aos certificados de óbito, referiu ter chegado a preencher tais certificados com 'causa desconhecida' quando aguardava a identificação dos falecidos ou quando ia verificar essa mesma identificação dos falecidos. Daqui admitir o desaparecimento de tais documentos, porquanto os mesmos ficavam na sua secretária e o seu posto de trabalho poder ser facilmente acedido por inúmeras pessoas. Concretamente no que se refere ao certificado de óbito "em branco" junto aos autos referiu não ter o mesmo qualquer "valor económico", porquanto sendo indicada causa desconhecida, sempre teria o óbito que ser comunicado ao Ministério Público para se pronunciar acerca da necessidade ou desnecessidade de realização de autópsia.

Negou alguma vez ter entregue tal tipo de certificado "em branco" a agentes funerários, a troco de gratificações ou qualquer outro tipo de benesse, nunca tendo, sequer, sido nesse sentido aliciada por agentes de funerárias.

Quanto ao Hospital Particular de Alvor, referiu não ter conhecimento de qualquer inquérito interno contra si instaurado.

Acabou por admitir que por vezes as agências funerárias lhe pedem para se deslocar a casa de falecidos, não se cobrando de qualquer quantia a não ser ao abrigo da lei. Referiu ter, apenas uma vez, e como contrapartida pelo pagamento de despesas de gasolina, cobrado a quantia de €20 à família de um falecido a casa do qual se deslocou.

A fls. 1486 foi junta informação prestada pelo Hospital Particular, na qual consta que não existe qualquer documentação nem ocorrência que prove qualquer caso de emissão indevida ou irregular de certidões de óbito no HPA pela EE, acrescentando-se ainda que naquele Hospital não são aceites certidões de óbito 'meio preenchidas', só tendo os processos seguimento administrativo depois do integral preenchimento daquelas.

Face a estes elementos haverá que apurar se se mostram reunidos indícios da prática pela médica em causa, de alguma factualidade prevista na lei como tendo relevância criminal. Desde já se adianta que a resposta nos parece negativa, muito embora – até por via das declarações prestadas pela EE – não possa deixar de se entender que a sua postura não será totalmente correcta (mesmo que a mesma se deva a uma forma de tentar acelerar processos).

Com efeito, basicamente está aqui em causa saber se existem indícios suficientes que nos possam levar a concluir que aquela médica, quando desempenhava funções no Gabinete Médico-Legal de Portimão, 'extravasou' as suas competências beneficiando – mediante contrapartidas ilícitas – alguma ou algumas agências funerárias.

(Aqui se incluindo a emissão de certificados de óbito "em branco" que segundo o que é a dado passo mencionado, "estariam à disposição" das agências funerárias).

Uma coisa se pode desde já dizer – que o referido por LL quanto à existência de um inquérito interno aberto no Hospital Particular de Alvor acerca de irregularidades na emissão daquele tipo de certificado, não corresponde à verdade, tendo em conta o que o mesmo HPA nos referiu e a que atrás se fez referência.

Também no que se refere aos certificados de óbito em branco, mais concretamente no que se refere àquele que se mostra apreendido nos autos, certo é também que o referido pela arguida quanto ao seu valor – mencionando-se no mesmo 'causa desconhecida' certo é que não possibilitaria a imediata realização do funeral porquanto nesses casos necessária seria a comunicação ao Ministério Público por forma a que fosse ou não determinada a realização de autópsia.

E, ainda no que se refere a estes certificados, à falta de qualquer prova quanto ao modo como foram surgir na mão de terceiros (e depois, na mão da jornalista), terá de se admitir como possível o referido pela arguida – terem sido subtraídos do seu local de trabalho.

Claro que se estranha a forma de preenchimento dos certificados o começar pela assinatura e causa de morte...mas essa estranheza, por maior que seja, não consegue consolidar a dedução de uma acusação, nomeadamente pela prática de qualquer crime de falsificação.

E certo é também que não existe qualquer depoimento, quer de agentes funerários quer de qualquer familiar de falecido, que refira ter-lhe sido exigido qualquer pagamento por parte da EE (esta é a única que refere ter uma vez pedido compensação 'para a gasolina gasta numa deslocação'). Apenas um agente funerário refere – justificando uma folha em que o nome daquela aparece por três vezes – corresponderem aquelas menções a pagamentos efectuados à médica para se deslocar a casa de pessoas que haviam falecido. Claro está que, também quanto a este aspecto, se estranha o comportamento da médica em causa, prestando-se – a ser verdade o referido pelo agente funerário (e note-se que nem isso se mostra comprovado por qualquer outro testemunho) – aquela a ajudar as agências funerárias.

Só que mesmo a ser verdade ter recebido quantias pela deslocação, quer por parte dos agentes funerários, quer (como admite) por parte dos familiares de um falecido essa actividade não é de molde a configurar a prática de crime, nomeadamente de corrupção.

Na verdade, não estamos perante um caso de corrupção passiva para acto ilícito p. e p. no art. 372°, porquanto não se mostra que a arguida haja praticado, enquanto funcionária do GML um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo. Sendo o acto lícito também não se mostram preenchidos os requisitos que o art. 373º exige para a prática do respectivo crime – ter solicitado ou aceitado sem que lhe fosse devida, vantagem patrimonial para a realização de acto ou omissão, não contrário aos deveres do cargo. E isto porque o seu cargo como funcionária do GML não compreendia a deslocação a casa dos falecidos. Isto é, era actividade que saia fora daquela pela qual havia sido contratada pelo Estado. Era actividade que não lhe competia enquanto médica daquele GML, pelo que poderia solicitar pagamento como qualquer médico particular.

Claro está que mais uma vez acaba por existir uma certa "confusão" entre as funções no GML, e as funções que fora daquelas exercia e pelas quais terá recebido quantias monetárias (volta a lembrar-se que a própria arguida admite ter uma vez pedido quantitativo em dinheiro para compensar os gastos com a gasolina pela deslocação a casa de uma pessoa falecida) confusão que em nada prestigia quer o GML quer a própria arguida, que assim acaba por ficar com a fama de envolvida em actos de corrupção.

Mas isto como se referiu não basta para configurar a prática de ilícito de natureza criminal, pelo que os autos terão que ser, quanto a esta arguida, arquivados, sem prejuízo de ser remetida cópia deste despacho à Ordem dos Médicos para os efeitos que forem tidos por convenientes.

Assim sendo no que se refere à actividade da EE, determina-se o arquivamento dos autos (art. 2770, nº 2 do CPP).

Notifique a arguida (art. 277 nº 3 do CPP; com cópia deste despacho.

Para os efeitos tidos por convenientes remeta este despacho (ponto 5.2) à Ordem dos Médicos, através de ofício-confidencial ".

36. Quando as autoridades policiais procedem à remoção de cadáveres e os remetem ao gabinete médico-legal da área, comunicam aos serviços médicos os elementos de identificação do cadáver que apuraram.

37. Muitas vezes quando o perito médico faz a sua perícia ainda não dispõe da identificação do cadáver.

38. Daí que possa acontecer que quando o perito médico preenche o certificado de óbito por si apurado, não sabe a identificação do falecido ficando a aguardar que os serviços lhe informem os elementos de identificação apurados pelos serviços policiais.

39. Se nada for possível apurar o perito médico ou os serviços administrativos completam o certificado de óbito com a indicação "desconhecido".

40. O certificado de óbito a que a se referem as notícias em causa nos autos, junto por cópia e por ordem do Tribunal no decurso da audiência de julgamento pela testemunha jornalista DD a fls. 598, tem o n° 00000000, e constitui cópia do original.

41. A Autora sentiu a sua honestidade e dedicação à profissão afectadas pelas notícias.

42. O contrato da Autora com o Instituto de Medicina Legal, de prestação de serviços na modalidade de avença, celebrado em 28 de Março de 2005, previa na cláusula 2ª "(Prazo) o presente contrato tem a duração de um ano, tacitamente renovável por igual período de tempo até ao limite de 3 anos e produzirá efeitos a partir de 1 de Abril de 2005".

43. Em média a Autora recebia do desempenho da sua actividade no Gabinete Médico-Legal entre €2.000,00 a €2.500,00, por mês.

44. A Autora tinha a expectativa de continuar a desempenhar tal actividade.

45. A Autora é uma profissional conhecida e considerada como competente nos locais onde trabalha e pelos seus colegas de profissão.

46. A Autora beneficia de rendimentos de trabalho elevados.

47. As notícias em causa puseram em causa a imagem da Autora.

48. Através das notícias referidas o público em geral foi informado também sobre as certidões de óbito emitidas pelo Gabinete Médico-legal de Portimão.

49. A Autora pode exercer a sua profissão de médica, em regime livre, para além dos 65 anos.


II.II. Do Direito

1. Do direito de liberdade de expressão e informação e do direito à honra.

Como inequivocamente resulta do texto constitucional, artigos 37º e 38º, a liberdade de expressão e informação tem a natureza de direito fundamental.

Com idêntica clareza, a natureza de direito fundamental do direito à honra está consagrada nos artigos 25º e 26º do mesmo texto.

Resulta assim dos normativos citados e ainda do disposto no artigo 18º do mesmo diploma, não dever estabelecer-se em abstracto uma qualquer relação de hierarquia (ao contrário do que é dito pelas instâncias) entre aqueles dois direitos. Na verdade têm idêntica dignidade constitucional, igual valência normativa: nem o direito de informar é superior ao direito à honra nem este é superior àquele[1].

Com efeito, numa sociedade livre, democrática e plural, a existência duma opinião pública atenta e esclarecida é essencial à vitalidade da democracia, sendo verdade que para a formação de tal opinião pública a liberdade de expressão e de informação constitui elemento nuclear.

Mas se assim é e é, o direito à honra, ao bom nome e reputação constitui igualmente suporte essencial de uma sociedade livre e democrática.

De facto, se numa qualquer sociedade, em nome de um direito de liberdade de expressão e de informação fosse possível espezinhar de qualquer modo o direito à honra e bom nome, seguramente essa sociedade não seria uma sociedade livre e democrática, baseada na dignidade da pessoa humana.

Decorre do exposto que numa sociedade plural, não raras vezes, surge o conflito entre o exercício do direito de informar, maxime pelos órgãos da comunicação social, e o direito à honra, ao bom nome do visado pela notícia.

Sendo assim as coisas, a questão que se coloca, frequentemente, é: que fazer quando a notícia publicada ofende a honra, o bom nome de determinada pessoa, isto é, quando da situação emerge um conflito de direitos: o direito de informar por um lado e o direito à honra, ao bom nome pelo outro. 

A questão deve ser vista à luz do princípio de ponderação de interesses, buscando-se a harmonização possível.

Na análise serena e funda do caso concreto, e é sempre na análise do caso concreto, salvaguardando o núcleo essencial de cada um dos direitos em presença, deve prevalecer em cada caso o interesse que se mostre de maior relevo.

Assim face à notícia que objectivamente é ofensiva da honra e do bom nome de determinada pessoa, deve analisar-se desde logo se a notícia prossegue um interesse legítimo

Considerando-se que a informação prossegue um interesse legítimo (a ausência de interesse legítimo afasta de imediato o exercício do direito de informar), importa analisar se a concreta notícia é verdadeira ou se pelo menos objectivamente havia razões para a considerar como tal.

Concluindo-se pela afirmativa (se a notícia é falsa e não havia razões objectivas para a reputar como verdadeira, é manifesta a ilicitude da conduta e a ausência da causa de justificação), impõe-se verificar se a concreta notícia se mantém nos limites necessários e suficientes para o exercício do direito de informar com clareza e completude ou se pelo contrário, de modo desnecessário e desproporcionado, foram utilizados conteúdos e/ou formas que nada esclarecendo ou completando a informação, apenas denigrem o visado na sua honra ou bom nome.

Em conclusão: se da análise do caso concreto, resulta que a notícia é dada na prossecução de interesse legítimo e é verdadeira ou há razões objectivas para se considerar como tal, e embora ofensiva da honra ou reputação do visado, se mantém dentro dos limites informativos, isto é, se diz tudo o que era necessário a uma informação clara e isenta, mas só diz o que era necessário a tal desiderato, deve prevalecer o direito de informar; se, ao contrário, a notícia, embora no essencial verdadeira, de forma desadequada e desproporcionada relata factos ofensivos à honra do visado sem qualquer relevância para o esclarecimento do público, deve ter-se como injustificada a conduta.     

À luz do exposto, vejamos o caso.                                          

2. Do recurso da BB.

1 Da nulidade da al. e) do nº1do artigo 668ºdo CPC

A recorrente não tem razão, salvo o devido respeito.

Fundamentemos

Como se reconhecerá, o Tribunal não condenou em quantidade ou em objecto do diverso do pedido.

Foi formulado o pedido de indemnização por danos não patrimoniais e foi este pedido que foi apreciado e dentro do que foi pedido foi decidido.

A questão de como foi fixada a obrigação de indemnizar, dos factos julgados relevantes e do montante arbitrado é já questão de fundo que não cabe nos eventuais vícios formais da decisão. Ou seja, um eventual erro de julgamento no arbitramento da indemnização tem a ver com o mérito e não com o vício que nos ocupa.  

Assim improcede a alegada nulidade.

2. Se bem que de forma pouca clara (a norma não é sequer citada), aparentemente a recorrente invoca a omissão de pronúncia (al.d) do nº1 do artigo 668º do CPC).

(O Tribunal não teria tomado em atenção a circunstância dos factos da notícia terem sido noticiados em outros órgãos de comunicação social).

A recorrente não tem razão.

Como se reconhecerá, uma das questões colocadas e a dirimir pelo tribunal era o arbitramento da indemnização. 
Como se sabe, uma questão, no sentido que nos ocupa - a norma do artigo 668º, acima referida, deve aproximar-se do disposto no artigo 660º, nº 2[2], constitui um ponto controverso da lide a ser dirimido  pelo Tribunal e não as razões que fundamentem a resolução daquela  concreta controvérsia.
Exemplo: alegada pelo réu a caducidade do direito do autor, impõe-se ao tribunal decidir (resolver) esta questão. Como é normal, as partes aduzirão argumentos buscando uma decisão favorável. Como é evidente, esta argumentação deve ser tida em conta para a decisão da (questão) caducidade, mas não constitui a questão a resolver.
Parece assim indubitável que quando o tribunal, embora não esmiúce toda a argumentação das partes, resolve a concreta questão, não se pode falar em omissão de pronúncia[3] (sem discutir aqui a questão da in/suficiência da fundamentação que é outra coisa, como se sabe).

Concluindo: os factos, as razões e os argumentos aduzidos pelas partes relativamente à pretensão formulada devem ser tidos em conta pelo tribunal para aquilatar da ir/razoabilidade das questões colocadas pelo recorrente, mas sua análise não constitui no sentido previsto na norma acima referida uma
questão a resolver, como se reconhecerá.

Conhecer de eventual erro de julgamento na indemnização arbitrada, no que aí foi ou não tido em conta, é já uma questão de mérito.

Assim e pelas razões expostas, improcede a nulidade de omissão de pronúncia.   

3. Da i/licitude da conduta da recorrente   

Primeiramente os factos que importam.

A notícia:

 «Cheque em branco» para agentes funerários…

E certificados de óbito sem identificação funcionavam como espécie de cheques passados a agentes funerários

"Acidente vascular cerebral" ou "causa desconhecida" são algumas das causas de morte que constam dos certificados, assinados por dois clínicos o que poderá indiciar a participação dos médicos num alegado esquema  de corrupção desmantelado em Agosto do ano passado pelo Departamento de Investigação Criminal de Portimão da Polícia Judiciária (PJ).

Desde essa altura quatro pessoas foram detidas e mais de dez constituídas arguidas, entre agentes funerários e funcionários hospitalares. A investigação ainda não está concluída e fonte próxima do processo admitiu, ao JN mais detenções e novos arguidos, entre eles médicos, polícias e bombeiros.

AA, médica do Gabinete Médico-Legal de Portimão, que assina alguns dos certificados de óbito em branco – que não constam do processo que está a ser investigado pela PJ – não põe em causa a existência dos documentos, "Acho estranho. A não ser que alguém de má-fé tenha pegado num certificado que eu estava a acabar de assinar. Já me aconteceu muitas rezes começar pelo fim – pela assinatura e só depois preencher o restante", justifica. Rejeitou ter ligações a funerárias e assegurou que o contacto que manteve com os agentes "foi sempre profissional",

Outra das assinaturas que constam em alguns documentos é de um ortopedista que não exerce funções no Gabinete Médico-Legal desde Julho de 2005. Foi suspenso pelo Instituto Nacional de Medicina Legal (INML) por supostas irregularidades numa autópsia.

Fonte do INML, mostrou-se surpreendida com a existência de certificados de óbito sem identificação dos cadáveres, uma situação que classificou de "no mínimo, irregular". Admitiu instaurar um processo de averiguações para apurar eventuais responsabilidades da perita em causa que tem um contrato de avença com o Instituto».

 Em números subsequentes voltou o Jornal de Notícias à notícia;

Em primeiro lugar, cumpre assinalar que a notícia prosseguiu um inquestionável interesse público legítimo.

Na verdade, estando em causa o eventual irregular exercício de funções por parte de médico que, na qualidade de agente de um instituto público, entre outras coisas, certifica o óbito das pessoas, não parece que se possa duvidar que a informação prossegue um interesse legítimo, uma vez que é do interesse público que as anomalias no desempenho de tais funções sejam conhecidas e erradicadas, assim se contribuindo para a formação da confiança no público nessas instituições.

Sobre esta questão não há dissenso.

Isto dito, importa analisar se a notícia ofende a honra ou o bom nome e reputação da recorrida.

Dito com palavras claras: embora não havendo uma imputação directa da prática de infracção criminal, designadamente do crime de corrupção passiva, à autora, os factos, tal como são narrados, ainda que com subtis cuidados técnicos óbvios (poderá indiciar a participação dos médicos num alegado esquema de corrupção desmantelado em Agosto…), sublinhado nosso, são ofensivos da honra e do bom nome da autora.

Com efeito, qualquer cidadão ao ler notícia, e por força dela, ficaria a suspeitar da honestidade da recorrida no exercício da sua função pública.

Vejamos:

Como se sabe, a notícia deve ser analisada no seu todo, incluindo o título, e não em frases desgarradas.

Desde logo, o insinuante e dúbio título: «cheque em branco a funcionários das funerárias» Depois, no texto da notícia, a afirmação da possibilidade da participação de médicos no alegado esquema de corrupção e da existência duma investigação na PJ sobre tais factos. Finalmente a menção do nome da recorrida, na sua qualidade de médica do Gabinete Médico-Legal, como autora de certificados de óbito sem identificação.

Ora toda esta factualidade, analisada, no seu conjunto, indubitavelmente aponta a autora com sendo um dos médicos que poderá ter participado no alegado[4] esquema de corrupção com as agências funerárias.       

Como se reconhecerá, o lançamento em letra de forma, ainda que com resguardo técnico, de suspeita da prática de crime de corrupção constitui indubitavelmente uma ofensa à honra e ao bom nome do visado.

Mas a notícia, no essencial, é verdadeira.

Com efeito, em primeiro lugar, como resultou provado, existiam certificados de óbito assinados, um pelo menos pela autora, sem a identificação do falecido, e, na, verdade pendia uma investigação penal designadamente sobre as eventuais ligações de médicos do GML às agências funerárias, sendo verdade que no âmbito desse inquérito, a autora foi interrogada como arguida sobre a eventual prática de factos de natureza penal, nomeadamente do crime de corrupção, acabando, no entanto, o MP por arquivar com o fundamento previsto no nº 2 do artigo 277º do CPP. Importa dizer que este despacho de arquivamento na parte relevante faz parte da matéria de facto e deve ser devidamente ponderado, nomeadamente quanto ao âmbito da investigação.

Depois impõe-se ter presente - e ao contrário do sustentado na decisão recorrida – que a associação dos certificados de óbito assinados em branco a um esquema de corrupção era investigada no inquérito penal que decorria.

Na verdade, ficou provado (15º) que «a jornalista envolvida acreditava na veracidade dos factos que noticiou tendo confirmado que existia uma investigação criminal em curso que associava a existência de certificados de óbito a um esquema de corrupção», sublinhado nosso.

Tenha-se ainda presente que, embora se referindo à notícia da CC, mas os factos no essencial são os mesmos e a jornalista é a mesma, resultou provado (16º) que «os factos de que a notícia em causa dá conta já haviam sido denunciados às entidades competentes…» (sublinhado nosso).

Ou seja, e concluindo: de acordo com os factos provados, a associação daqueles factos não foi lançada pela notícia, mas já fazia parte do assunto da investigação penal que decorria, como foi confirmado pela jornalista.

Mantém-se a notícia nos limites do direito de informar?

A resposta é positiva.

Pese embora a ambiguidade desejada (mas não ilícita) do título, o facto é que a notícia se mantém dentro dos factos que ocorriam (fundamentalmente aquela concreta investigação penal que decorria) e não extravasa em imputações ou considerações desadequadas e desproporcionadas e desnecessariamente ofensivas do direito à honra e ao bom nome da recorrida.

Se bem analisamos, na decisão recorrida afirma-se a superioridade em abstracto do direito à honra sobre o direito de liberdade de expressão e informação.

Como acima se deixou, este entendimento não resulta do texto constitucional, da Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigos 16º e 29º), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (artigo 10º, nºs 1 e 2) nem da doutrina e da jurisprudência mais recente.

Sustenta-se ainda na decisão recorrida que a notícia só poderia ser dada depois de encerrada a investigação.

Este entendimento não se nos afigura correcto.   

Se a notícia na prossecução de um interesse público legítimo se limitar a dar conta da existência de uma investigação penal (que de facto existe) e não extravasar, designadamente em juízos condenatórios sobre os visados, está-se no exercício do direito de informar.

Na verdade, numa sociedade livre e democrática há um inquestionável interesse legítimo na notícia que revela a existência de uma investigação no MP sobre eventuais práticas de natureza penal num serviço público por responsável público.  

Importa é que a notícia se mantenha nos seus limites e não transforme a existência de uma investigação da PJ numa condenação.

Ou seja, em tais casos, a comunicação social deve actuar com especiais cuidados – nada está provado – de modo a não espezinhar irremediavelmente o princípio de presunção de inocência.

Deverá ser sempre uma notícia de que resulte claro que se averigua o que poderá ter acontecido ou não, e nunca uma notícia que dá como verificado aquilo que ainda se investiga.  

Mas seria totalmente castrador do direito de informação e contrário ai interesse público, nos termos acima tratados, se a existência de uma investigação penal sobre entidades públicas no exercício da função pública só pudesse ser noticiada após o seu encerramento.

Como se sabe o tempo da investigação na comunicação social é menor que o tempo da actividade judiciária e a notícia de uma investigação que decorre - dada nesses termos e só nesses termos  - pela própria natureza das coisas não exige a certeza dos factos.

Mas se assim é, igualmente é verdade que, num exercício de lealdade democrática, se determinado jornal revelou a existência da investigação criminal, deve noticiar o seu encerramento, designadamente quando não é formulada acusação e o processo é arquivado.

Assim sendo, como é, e concluindo, entende-se que a notícia se enquadra nos limites do direito de informar e ser informado, pelo que, pese embora a ofensa do direito à honra, a conduta mostra-se justificada.

Face ao exposto, uma vez que não existe obrigação de indemnizar (artigos 70º e 483º do CC) fica prejudicado o conhecimento das questões colocadas sobre a indemnização arbitrada.

2. Recurso da CC

Primeiramente os factos que importam:

10. A notícia foi introduzida no noticiário pelo jornalista PP, voz e imagem, com o seguinte teor:

"O já chamado negócio da morte está a provocar em Portimão as mais variadas reacções e denúncias sobre o suposto esquema de corrupção com agências funerárias locais".

11. Noutro passo da notícia, enquanto é transmitida a imagem de dois certificados de óbito sem identificação do falecido, com voz da jornalista DD é feita a seguinte afirmação:

"Mas há mais. Documentos a que a CC teve acesso indiciam o alegado envolvimento de, pelo menos, dois médicos. São certificados de óbito, estão assinados e pode ler-se a causa da morte, mas o principal, a identificação da falecida é propositadamente deixado em branco. Os documentos estariam no Gabinete Médico-Legal de Portimão para serem alegadamente utilizados por agentes funerários".

12. A finalizar a notícia, novamente com voz e imagem do jornalista PP, são feitas as seguintes afirmações:

"A perita do gabinete médico-legal de Portimão que assina um dos certificados de óbito a que a CC teve acesso já reagiu: admite a possibilidade de ter assinado o documento sem que nele constasse a identificação do falecido – a médica diz no entanto que alguém, terá agido de má-fé e retirado da sua secretária o certificado sem que estivesse totalmente preenchido".

13. A notícia segue com a resposta da Autora a questão colocada por jornalista, questão cujo teor não é transmitido, transmitindo-se a sua imagem tendo ao lado a placa do gabinete médico-legal e as suas declarações com o seguinte teor:

15.A jornalista envolvida acreditava na veracidade dos factos que noticiou tendo confirmado que existia uma investigação criminal em curso que associava a existência de certificados de óbito a um esquema de corrupção;

16. Os factos de que a notícia em causa dá conta já haviam sido denunciados às entidades competentes e foram os mesmos considerados de interesse jornalístico pela CC e seus profissionais, que tudo fizeram para os divulgar perante a opinião pública.

Vejamos:

Tenha-se em atenção o que foi dito sobre o recurso do Jornal Notícias que no essencial é valido para a apreciação do presente recurso.

Como se reconhecerá, a notícia da CC e do Jornal Notícias pouco diferem entre si, até porque a jornalista é a mesma e entre uma e outra notícia mediaram escassas horas.

Na verdade e pelas mesmas razões acima expostas, parece inquestionável o interesse público da notícia, que a mesma ofende a honra e bom nome da autora, que no essencial é verdadeira e que se mantém nos limites do exercício do direito de informar e ser informado.

Tal como atrás assinalámos, para a análise da questão importa ter, para além do mais, na devida atenção o que resultou provado nos pontos 15º e 16º que aqui vale nos mesmos termos.

Ou seja, de acordo com os factos provados (15º) a associação dos certificados de óbito assinados em branco a um esquema de corrupção não foi lançada pela notícia pela notícia da CC, mas fazia parte do assunto da investigação penal que decorria, sendo ainda verdade, como está provado (16º), os factos de que a notícia em causa dá conta já haviam sido denunciados às entidades competentes.

Uma consideração particular exige o advérbio «propositadamente» usado na notícia.  

Diz-se:

"Mas há mais. Documentos a que a CC teve acesso indiciam o alegado envolvimento de, pelo menos, dois médicos. São certificados de óbito, estão assinados e pode ler-se a causa da morte, mas o principal, a identificação da falecida é propositadamente deixado em branco. Os documentos estariam no Gabinete Médico-Legal de Portimão para serem alegadamente utilizados por agentes funerários" (sublinhado nosso).

Salvo o devido respeito por opinião em contrário, aquele advérbio, no contexto da notícia – a existência de uma investigação penal que associava os certificados de óbito em branco assinados por médico a um esquema de corrupção com as agências funerárias -   afigura-se ainda compatível com os factos que relata.

Na verdade, estando em causa a eventual prática um crime doloso (corrupção) a utilização do advérbio propositadamente surge como uma ilação ainda admissível.

Assim entende-se também aqui que a notícia dada pela recorrente se enqua LL nos limites do direito de informar e ser informado, pelo que, pese embora a ofensa do direito à honra, a conduta mostra-se cão justificada, no caso.

Tal como no recurso anterior e pelas mesmas razões fica prejudicado o conhecimento das questões colocadas sobre a indemnização arbitrada

Pelas razões expostas e tendo em atenção designadamente o disposto nos artigo 70º e 483º do CC os recursos serão julgados procedentes.

III. Decisão

Com os fundamentos expostos, concedem-se as revistas, revoga-se a decisão recorrida e julgando-se improcedente a acção, absolvem-se as recorrentes dos pedidos formulados.

Custas pela recorrida

Em Lisboa, 15  de Setembro de 2011


Sérgio Poças (Relator)
Granja da Fonseca
Silva Gonçalves

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[1] Este ponto, se bem analisamos, é pacífico na doutrina e na jurisprudência mais recente. Como escreve, designadamente Faria Costa in “Direito Penal de Comunicação – Alguns escritos”, pág. 55. «Os direitos que nesta precisa matéria são chamados a debate não podem, de modo algum, ser hierarquizados: o direito à honra e o direito de informação têm por isso igual valência normativa». Costa Andrade in “O Conflito entre a liberdade de imprensa e a tutela penal da personalidade”, pág. 45, escreve: «Em primeiro lugar, nada menos adequado do que a representação da liberdade de imprensa como um direito ou valor absoluto e, como tal, invariavelmente legitimada a impor-se e sobrepor-se a todos os direitos e valores. Este é, em definitivo, um atributo que a ordenação jurídica democrática não reconhece a qualquer direito. Em circunstâncias e sob pressupostos que caberá definir com a aproximação e o rigor possíveis, também a liberdade da imprensa terá, não raro, de ceder perante a salvaguarda de valores ou interesses pessoais…».
No mesmo sentido se pronunciam Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Volume I (2005). Em anotação ao artigo 37º, pág. 430, depois de analisarem a proibição de qualquer tipo ou forma de censura a que se refere o nº2 daquele preceito, escrevem: «Isto não significa, porém, que as liberdades de expressão e de informação não estejam sujeitas: a) A concordância prática com outros direitos, designadamente com os direitos pessoais (artigos 25º, nº1 e 26º) estabelecendo a lei garantias efectivas contra a dignidade humana de informações relativas às pessoas e às famílias (artigo 26º,nº2)…».
Por sua vez, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa, Anotada Volume1º,4ª Edição, quando analisam a compatibilização do direito ao bom nome e reputação com a liberdade de expressão e informação em anotação ao artigo 25º, pág. 466, escrevem: «No contexto constitucional português, os direitos em colisão devem considerar-se como princípio susceptíveis de ponderação ou balanceamento nos casos concretos, afastando-se qualquer ideia de supra ou infravaloração abstracta», sublinhado nosso.
Na Jurisprudência, entre muitos outros, os seguintes Acórdãos do STJ: de 10/07/2008, de 14/01/2010, de 27/01/2010,de 25/03/2010, de 30/06/2011 e de 06/07/2011, todos acessíveis na internet (dgsi). No acórdão de 30/06/2011, escreveu-se: «A Constituição da República tutela quer o direito à honra, quer o direito à liberdade de expressão, sem estabelecer hierarquia entre eles». No acórdão de 27/01/2010, exarou-se: «A definição dos limites do direito à liberdade de expressão por via da comunicação social, quando conflituem com outros direitos fundamentais e com igual dignidade, como o direito de qualquer pessoa à integridade moral e ao bom nome e reputação, obedece a determinados princípios consagrados na jurisprudência deste Tribunal, do TC, bem assim como do Tribunal dos Direitos do Homem e sempre dependendo das circunstâncias do caso» (sublinhado nosso).                
[2] Dispõe-se no nº 2 do artigo 660º: O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não deve ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.     
[3] Neste sentido, entre muitos outros, Acs. do STJ de 05/02/2004, Proc. 03B4375 e de 06/05/2004, Proc.  04B1409 (acessíveis na dgsi).
[4] Não raras vezes, a comunicação social refere o termo alegado sem aparente convicção. Na verdade, analisando a notícia, no seu todo, resulta que o que é relatado é dado como certo, como verificado, e não como meramente alegado, como devia. De facto, muitas vezes, o termo alegado surge apenas como uma vazia expressão de técnica defensiva, em total oposição ao conteúdo e forma da notícia.