ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
2018/07.3TBFAR.E1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 10/20/2011
SECÇÃO 7ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR SILVA GONÇALVES

DESCRITORES MURO COMUM
PRESUNÇÃO
FUNDAMENTO
ABUSO DE DIREITO

SUMÁRIO 1. A verdade presumida e descrita na lei (n.º 1 e 2 do art.º 1371.º do C.Civil) tão-só vale se não for provado que os muros ou paredes pertencem só a um dos proprietários dos edifícios ou prédios rústicos que eles dividem, designadamente porque foi o dono de um dos edifícios, prédio rústico, pátio ou quintal quem os construiu a sua expensas ou que, por título validamente expresso, os adquiriu fora da defendida comunhão;

2. Estas presunções (as mencionadas no n.º 1 e 2 do art.º 1371.º do C.Civil) são consecutivamente afastadas se ficarem comprovados os sinais relacionados no n.º 3 do art.º 1371.º do C.Civil.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA, residente na ..., ..., intentou no Tribunal Judicial de Faro (2º Juízo Cível) a presente acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, contra BB, residente na Rua ..., n.º …, em …, peticionando a condenação desta:

      a) a reconhecer o direito de propriedade da A. relativamente ao prédio urbano sito na Rua ..., nº …, em …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro, com o n.º … e inscrito na respectiva matriz predial do Serviço de Finanças de Faro sob o artigo 196;

      b) a restituir a área do quintal daquele prédio pertença da autora invadida pelo muro meeiro construído pela ré e actualmente aí existente;

      c) a demolir o actual muro meeiro e a construir um novo muro divisório e delimitador das duas propriedades que respeite as áreas originais;

      d) a pagar-lhe uma sanção pecuniária compulsória, nos termos do disposto no artigo 829.º-A, nº 1 a 3, do Código Civil, de valor não inferior a € 10,00 por cada dia a contar da citação, em que a Ré não promova o cumprimento do peticionado em b) e c) do pedido.

Como sustentáculo do peticionado alega em síntese:

É proprietária do prédio urbano descrito na CRP de Faro com o n.º … o qual confina com um prédio propriedade da ré, sendo que as duas propriedades são separadas por um muro meeiro que delimita também o seu quintal e a propriedade daquela.

Em Novembro de 2001 a ré procedeu à demolição do aludido muro meeiro, sem a sua autorização, construindo novo muro divisório, o qual tem uma espessura cerca de 50 cm inferior à espessura do muro que existia anteriormente, tendo sido deslocado para o interior da propriedade da autora cerca de meio metro, subtraindo ao quintal desta a área de 3,57 m2.

Citada a ré veio contestar, impugnando parcialmente os factos articulados pela autora defendendo que o muro em questão não é meeiro, e com a obra levada a cabo não subtraiu ao quintal da autora qualquer área.

Tramitado e julgado o processo em sede de 1.ª instância foi proferida sentença, que no que se refere ao seu dispositivo reza:

“Por tudo o exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência decido:

a) Condenar a Ré, BB, a reconhecer que a A. AA, é proprietária do prédio identificado no ponto 1. da matéria de facto, abstendo-se de quaisquer actos lesivos desse direito de propriedade;

b) - Absolver a Ré dos restantes pedidos formulados.

c) Condenar a A. nas custas, uma vez que o primeiro pedido que logrou vencimento, de reconhecimento da propriedade sobre o prédio identificado no ponto 1. da matéria de facto, não foi posto em causa pela R. (artigos 446.º, nºs 1 e 2, e 449.º, nº 1, do C.P.C.).”           


*

Discordando desta decisão, a autora dela interpôs recurso de apelação para a Relação de Évora que, por Acórdão datado de 23.03.2011 (cfr. fls. 270 a 286), julgou improcedente o recurso e, em consequência, confirmou a sentença recorrida.

   Novamente inconformada, recorreu para este Supremo Tribunal a autora, apresentando as seguintes conclusões:

A) Ao contrário do Douto Acórdão recorrido, a Recorrente considera que, em face dos factos provados, o artigo aplicável é o n.° 2 do artigo 1371.°, porque tal assim decorre a contrario da letra do n.° 5 do mesmo artigo, porquanto:

 1) Este n.° 5 não diz que a construção deve ser sustentada pela "formação composta pelo muro e parede da casa" (cfr. último parágrafo da página 14 do Acórdão recorrido), mas apenas pelo muro.

     2) Toda a largura de um muro incluirá necessariamente toda a largura ao longo do seu comprimento e se assim não fosse, o n. ° 5 do artigo 1371° do Código Civil não teria utilizado a expressão "em toda a", podendo apenas dizer "em largura".

3) A história comparada do n.°5 desse artigo 1371.° do Código Civil actual em relação ao Código Civil anterior (mencionada por Pires de Lima e A.Varela no seu Código Anotado) não é relevante precisamente porque esta alínea não tem aqui qualquer aplicação.

B) E também quanto à ratio do n.° 5 do artigo 1371.° do Código Civil, a mesma exclui do seu âmbito a situação do caso sub judice uma vez que, para que esta pudesse ser aplicada àquela disposição, teria que existir uma falta de interesse do prédio vizinho[1], isto é, da Recorrente.

C) A aqui Recorrente também tem interesse no muro em causa, porque foram os antepassados da Recorrente que o construíram de raiz (ponto 13), porque o prédio urbano da Recorrente também é composto por armazém e quintal (ponto 2) e porque ao demolir e reconstruir verificou-se uma alteração na espessura (pontos 10 e 14), o que suscitou dúvidas relativamente à forma como a redução da referida espessura foi distribuída entre os dois prédios urbanos.

D) Em face da realidade física existente, por existirem sinais exteriores contraditórios dos quais se podem extrair em simultâneo presunções de comunhão e de exclusividade da propriedade haverá que recorrer às regras gerais de prova.[2]

E) Salvo melhor opinião, as regras gerais de prova induzem à conclusão da meação do muro porquanto o muro anterior foi construído pelos familiares da Recorrente (Ponto 13), a Recorrida que unilateralmente o demoliu e reconstruiu (Ponto 8), o muro é composto em maior parte (9,17m) pela delimitação dos dois quintais e em menor parte (8,17m)[3] pela parede dos anteriores proprietários da casa da Recorrida (Ponto 9 em conjugação com a resposta ao quesito 5° da prova pericial de fls.122), a Recorrente também tem interesse no muro em causa (cfr. teor da alínea C) supra das presentes conclusões).

F) Uma vez o muro em causa qualificado como meeiro, daqui resultaria, em face dos pontos 10 e 14 da matéria provada, o seu emagrecimento e, em consequência, a necessidade de distribuição entre a Recorrente e a Recorrida das áreas remanescentes, o que, na pior das hipóteses, poderia ser mensurável em sede liquidação em execução de sentença.

G) Se foram os antepassados dos recorrentes que construíram o muro anteriormente existente e não ficou provado o contrário relativamente aos anteriores proprietários do prédio da Recorrida, resulta lógico que foram estes últimos que vieram a assentar posteriormente parte da sua habitação sobre o muro construído pelos antepassados da Recorrente, pelo que, não seria legitimo (abuso de direito - artigo 334° do Código Civil) vir, agora, invocar um suposto direito de propriedade exclusivo com base na prática de um acto unilateral da Recorrida e dos anteriores proprietários do seu prédio urbano, com a agravante de tal acto ter implicado alterações na espessura do dito muro.

Termina pedindo que o presente recurso seja julgado procedente e, em consequência, a sentença recorrida seja revogada.

     Não houve contra-alegações.

     Corridos os vistos legais cumpre decidir.

     As instâncias consideraram provados os factos seguintes:

     1. A Autora é proprietária do prédio urbano sito na Rua ..., n° …, S. …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro com o n.º … [A) da matéria assente].

     2. O referido prédio é composto de armazém e quintal [B) da matéria assente].

     3. Tal prédio encontra-se descrito na matriz predial sob o artigo 196, com a área de 290m2, sendo 240m2 relativos ao quintal [C) da matéria assente].

     4. A Ré é proprietária do prédio urbano sito na Rua ..., n° …, S. …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro com o nº … [D) da matéria assente].

     5. O referido prédio é composto de habitação e quintal [E) da matéria assente].

     6. Tal prédio encontra-se descrito na matriz predial sob o artigo 197, com a área de 105m2, sendo 42m2 relativos ao quintal [F) da matéria assente].

     7. O prédio da Autora confronta a norte com o prédio da Ré [G) da matéria assente].

     8. Em Novembro de 2001, a Ré realizou obras de reabilitação do prédio referido em 4. tendo demolido a estrutura que separava os dois prédios [H) da matéria assente].

     9. A delimitação que separava os prédios da A. e da R. era feita através de um muro que separava os dois quintais e noutra parte era constituída por parede dos anteriores proprietários da casa da Ré, que a separava do quintal da Autora [resposta aos pontos 1.º e 8.º da base instrutória].

     10. Esse muro tinha uma largura aproximada de 55 cm [resposta ao ponto 2.º da base instrutória].

     11. Era feito de uma mistura de cal, areia e pedra [resposta ao ponto 3.º da base instrutória].

     12. Esse muro tinha uma altura situada entre os 2,25 m e os 2,50 metros e o comprimento aproximado de 18 metros [resposta aos pontos 4.º e 5.º da base instrutória].

     13. E foi construído pelos familiares da Autora em data não concretamente apurada, mas há cerca de sessenta a cem anos [resposta ao ponto 6.º da base instrutória].

     14. O muro/parede que separa os quintais tem uma espessura de 24 centímetros [resposta ao ponto 9.º da base instrutória].

     A questão essencial posta no recurso é a de saber se é comum o muro que delimitava os prédios da autora e da ré.

     Discorrendo sobre a descrição posta no art.º 1371.º do C. Civil[4], conclui a recorrente que o muro em exame deve ser qualificado como comum.

           Vejamos, então, se lhe assiste razão.

     I. Estatui o n.º 1 do art.º 1371.º do C. Civil que a parede ou muro divisório entre dois edifícios presume-se comum em toda a sua altura, sendo os edifícios iguais, e até à altura do inferior, se o não forem.

     Logo a seguir, o n.º 2 deste mesmo preceito legal dispõe que os muros entre prédios rústicos, ou entre pátios ou quintais de prédios urbanos, presumem-se igualmente comuns, não havendo sinal em contrário.    

     A ratio deste normativo legal está assim justificada por António Carvalho Martins: [5] quando um muro divisório foi construído há poucos anos, é fácil provar quem é o seu proprietário. A simples circunstância de ser situado junto da extrema não prova, como já vimos, que ele seja comum. Há, porém, muros divi­sórios com idade de alguns séculos e pode tornar-se preciso, num dado momento, provar se certo muro é comum ou pertence exclusivamente ao proprietário do prédio situado a um dos lados. Por isso, o legislador estabeleceu uma série de presunções, baseadas em simples probabilidades, presunções que são, como sempre, excepções ao direito geral e, por isso, devem ser interpretadas restritivamente.

     Igualmente a esta presunção lhe é dado o devido relevo pelos Professores Pires de Lima e Antunes Varela para quem a presunção da comunhão assentará, em regra, no pressuposto de que o muro foi construído a expensas dos dois proprietários (ou seus antecessores), atento o interesse comum que ele serve.[6]

    Tratando-se de presunções legais - verificado certo facto, dá-se como provado um outro - e que admite a prova do contrário (presunção juris tantum), a sua relevância jurídico-factual desmerecerá se contra elas se vier a produzir prova diversa do que nelas se consigna; e, se assim acontecer, a comunhão assim delineada deixa de ter esse pormenorizado apoio e passa a partir daí a valer a prova que sobre essa particularizada realidade se faz.

     II. Pontificam as proposições incluídas no n.º 1 e 2 do art.º 1371.º do C.Civil especificadas presunções legais que determinam a compropriedade da parede ou do muro divisório entre dois edifícios e a compropriedade dos muros entre prédios rústicos, ou entre pátios e quintais de prédios urbanos.

     Inquietado com a solução a dar a este circunstancial, comum e usual dado de vivência em comunidade, o legislador toma o cuidado de retirar esta presunção de comunhão a determinados casos que tipifica e enumera no n.º 3 do art.º 1371.º do C.Civil: a existência de espigão em ladeira só para um lado; haver no muro, só de um lado, cachorros de pedra salientes encravados em toda a largura dele; e não estar o prédio contíguo igualmente murado pelos outros lados.

 

     Deste regime legal assim prenunciado havemos de condescender que dele resultam duas conclusões:

     1. A verdade assim presumida e descrita na lei tão-só vale se não for provado que os muros ou paredes pertencem só a um dos proprietários dos edifícios ou prédios rústicos que eles dividem, designadamente porque foi o dono de um dos edifícios, prédio rústico, pátio ou quintal quem os construiu a sua expensas ou que, por título validamente expresso, os adquiriu fora da defendida comunhão.

     2. Estas presunções (as mencionadas no n.º 1 e 2 do art.º 1371.º do C.Civil) são consecutivamente afastadas se ficarem comprovados os sinais relacionados no n.º 3 do art.º 1371.º do C.Civil.

    Com esta observação queremos dizer que a análise deste último dispositivo legal está inexoravelmente ligado ao que dispõem o seu n.º 1 e 2, ou seja, só se verifica a sua acuidade interpretativa no caso de, presumindo-se a comunhão, se mostrarem existentes os vestígios ditos no n.º 3 do art.º 1371.º do C.Civil.

    III. Com interesse para a decisão está comprovado:

          - Em Novembro de 2001 a Ré realizou obras de reabilitação do seu prédio tendo demolido a estrutura que separava os dois prédios.

          - A delimitação que separava os prédios da A. e da R. era feita, em parte através de um muro que separava os dois quintais e noutra parte era constituída por parede dos anteriores proprietários da casa da Ré, que a separava do quintal da Autora.

         - Esse muro tinha uma altura situada entre os 2,25 m e os 2,50 metros e o comprimento aproximado de 18 metros e foi construído pelos familiares da Autora em data não concretamente apurada, mas há cerca de sessenta a cem anos.

     Desta circunstancial factualidade podemos inferir o seguinte:

      - O muro que separava os dois quintais dos prédios da autor e da ré, que tinha uma altura situada entre os 2,25 m e os 2,50 metros e o comprimento aproximado de 18 metros e foi construído pelos familiares da Autora em data não concretamente apurada, mas há cerca de sessenta a cem anos, é propriedade exclusiva da autora recorrente.

     - A parede que separava a casa da ré do quintal da autora, porque é constituída por parede dos anteriores proprietários da casa da ré, é propriedade da demandada/recorrida, deste modo ficando concretizada a elisão da presunção de compropriedade da parte deste muro enunciada no n.º 2 do art.º 1371.º do C.Civil.

     Sendo assim, ao demolir o muro antigo e refazendo um novo muro de modo a interferir apenas na parede dos anteriores proprietários da sua casa, não detetamos conduta ilícita alguma na ação da recorrida.

     IV. Adiantando em seu proveito que foram os proprietários do prédio da recorrida quem vieram a assentar, posteriormente, parte da sua habitação sobre o muro construído pelos antepassados da recorrente, vem esta implorar que não é legítimo, abusando do seu direito, vir agora invocar o direito de propriedade exclusivo com base na prática de um acto unilateral da Recorrida e dos anteriores proprietários do seu prédio urbano, com a agravante de tal acto ter implicado alterações na espessura do dito muro.

Não assiste razão alguma à recorrente nesta anotação que faz.

    A figura do abuso do direito está na lei para tornar mais ético o nosso ordenamento jurídico, com vista a impedir a conjugação de forças antijurídicas que, por vezes, a imposição fria e rígida da lei possa levar a cabo, em confronto com o ideal de justiça que sempre deve andar, indissoluvelmente ligado, à aplicação do direito e dentro da máxima "perde o direito quem dele abusa" e em oposição ao velho adágio romano "qui suo jure utitur neminem laedit".
     O abuso do direito está consagrado na nossa lei - art.º 334.º do C.Civil que dispõe: - é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
     Na fórmula "manifesto excesso dos limites impostos pela boa-fé" vêm a doutrina e a jurisprudência incluindo os casos de inalegabilidade de nulidades formais, da chamada conduta contraditória ("venire contra factum proprium"), da “exceptio doli” (poder que uma pessoa tem de repelir a pretensão do autor, por este ter incorrido em dolo), da “suppressio” e da “surrectio” (o direito que não foi exercido em certas condições e durante certo lapso de tempo, não pode mais sê-lo: faz desaparecer um direito que não corresponda à efectividade social - “suppressio”; ou faz surgir um direito não existente antes, juridicamente, mas que, na efectividade social era tido como presente - “surrectio”) e a doutrina condensada na expressão “tu quoque”, genericamente definida como perante violações de normas, as possibilidades de sanção são limitadas para aquele que incorreu, ele próprio, na violação desses mesmos preceitos legais - a fórmula tu quoque traduz, com generalidade, o aflorar de uma regra pela qual a pessoa que viole uma norma jurídica não poderia sem abuso, exercer a situação jurídica que essa mesma norma lhe tivesse atribuído; está em jogo um vector axiológico intuitivo, expresso em brocardos como ”turpitudinem suam allegans non auditur” ou “equity must come with clean hands” (António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro; in Da Boa Fé no Direito Civil; pág. 837).

     Estando demonstrado que o muro que a ré demoliu, para aí implantar um novo, lhe pertence exclusivamente a ela e não havendo outras circunstâncias a ponderar que tolham o exercício deste individualizado direito, havemos de dizer que esta sua atitude merece a anuência do nosso direito positivo.

         Concluindo:

     1. Estatui o n.º 1 do art.º 1371.º do C. Civil que a parede ou muro divisório entre dois edifícios presume-se comum em toda a sua altura, sendo os edifícios iguais, e até à altura do inferior, se o não forem.

     Logo a seguir, o n.º 2 deste mesmo preceito legal dispõe que os muros entre prédios rústicos, ou entre pátios ou quintais de prédios urbanos, presumem-se igualmente comuns, não havendo sinal em contrário.

     2. Tratando-se de presunções legais - verificado certo facto, dá-se como provado um outro - e que admite a prova do contrário (presunção juris tantum), a sua relevância jurídico-factual desmerecerá se contra elas se vier a produzir prova diversa do que nelas se consigna; e, se assim acontecer, a comunhão assim delineada deixa de ter esse pormenorizado apoio e passa a partir daí a valer a prova que sobre essa particularizada realidade se faz.

     3. Ficando comprovado que a parede que separava a casa da ré do quintal da autora, porque é constituída por parede dos anteriores proprietários da casa da ré, é propriedade da demandada/recorrida, deste modo ficou concretizada a elisão da presunção da compropriedade da parte deste muro enunciada no n.º 2 do art.º 1371.º do C.Civil.

     Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.

                  Custas pela recorrente.

 Supremo Tribunal de Justiça, 20 de Outubro de 2011

Silva Gonçalves (Relator)

Pires da Rosa

Prazeres Beleza.

_________________________

[1] Código Civil Anotado. 1987. Vol. III. 2.ª edição revista e actualizada, último parágrafo da nota 7 da Página 249 e Henrique Mesquita. "Direitos Reais", 1967, pág.. 148

[2] Antunes Varela e Pires de Lima entendem que, em casos com sinais contraditórios, ter-se-á de se recorrer às regras gerais de prova para apurar a titularidade da propriedade do muro (cfr. Ponto 8 da página 249 do Vol. III do Código Civil Anotado. 2.ª Edição revista. Coimbra Editora. 1987)

[3] Cfr. reposta ao quesito 5.º do relatório pericial, a fls.122.
 
[4] Artigo 1371º (Presunção de compropriedade)

    1. A parede ou muro divisório entre dois edifícios presume-se comum em toda a sua altura, sendo os edifícios iguais, e até à altura do inferior, se o não forem.

    2. Os muros entre prédios rústicos, ou entre pátios e quintais de prédios urbanos, presumem-se igualmente comuns, não havendo sinal em contrário.

    3. São sinais que excluem a presunção de comunhão:

      a) A existência de espigão em ladeira só para um lado;

      b) Haver no muro, só de um lado, cachorros de pedra salientes encravados em toda a  largura dele;

      c) Não estar o prédio contíguo igualmente murado pelos outros lados.

   4. No caso da alínea a) do número anterior, presume-se que o muro pertence ao prédio para cujo lado se inclina a ladeira; nos outros casos, àquele de cujo lado se encontrem as construções ou sinais mencionados.

   5. Se o muro sustentar em toda a sua largura qualquer construção que esteja só de um dos lados, presume-se do mesmo modo que ele pertence exclusivamente ao dono da construção.

[5] In Paredes e Muros de Meação; pág. 41.
[6] In Código Civil Anotado; Volume III; pág. 246 (artigo 1371.º).