ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
428/07.5TBFAF.G1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 10/20/2011
SECÇÃO 7ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA

DESCRITORES CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
INCAPACIDADE GERAL DE GANHO
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
DANO BIOLÓGICO
EQUIDADE
LEGISLAÇÃO NACIONAL CÓDIGO CIVIL, ARTIGOS 389º, 494º 562º E SEGS.
JURISPRUDÊNCIA NACIONAL ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DA JUSTIÇA, WWW.DGSI.PT, DE:
– 28 DE OUTUBRO DE 1999, PROC. Nº 99B717
– 2 DE FEVEREIRO DE 2002, PROC. Nº 01B985
– 25 DE JUNHO DE 2002, PROC. Nº 02A1321
– 27 DE NOVEMBRO DE 2003, PROC. Nº 03B3064
– 15 DE JANEIRO DE 2004, PROC. Nº 03B926
– 8 DE MARÇO DE 2007, PROC. Nº 06B4320
– DE 14 DE FEVEREIRO DE 2008, PROC. Nº 07B508
– 17 DE JUNHO DE 2008, PROC. Nº 08A1266
– 30 DE OUTUBRO DE 2008, PROC. Nº 07B2978
– 5 DE NOVEMBRO DE 2009, PROC. Nº 381-2002-S1
– 30 DE SETEMBRO DE 2010, PROC. Nº 935/06.7TBPTL.G1.S1
– 28 DE OUTUBRO DE 2010, PROC. Nº272/06.7TBMTR.P1.S1
– 7 DE JUNHO DE 2011, PROC. Nº 3042/06.9TBPNF.P1.S1


SUMÁRIO



1. Para efeitos de indemnização, devem ter-se em conta os danos futuros, desde que previsíveis (nº 2 do artigo 564º do Código Civil), sejam danos emergentes, sejam lucros cessantes (nº 1 do mesmo preceito); e o respectivo cálculo deve ter como critério primeiro a equidade, nos casos em que, como tipicamente sucede com os danos futuros, não é possível averiguar o seu “valor exacto” (nº 3 do artigo 566º do mesmo Código).
2. Os danos futuros decorrentes de uma lesão física não [se] reduzem à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental
3. Uma incapacidade permanente geral, compatível com o exercício da actividade profissional habitual mas exigindo esforços suplementares para a desenvolver, é causa de danos patrimoniais futuros, indemnizáveis nos termos dos artigos 562º e segs., do Código Civil, maxime dos artigos 564º e 566º;




DECISÃO TEXTO INTEGRAL


Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:

1. AA e BB instauraram uma acção contra ... Companhia de Seguros S.P.A. pedindo a sua condenação no pagamento de € 65.189,66 e de € 51.528,25, respectivamente, com juros contados desde a citação à taxa legal.
Para o efeito, e em síntese, alegaram ter sofrido danos resultantes de um acidente de viação provocado pelo condutor de um veículo automóvel segurado na ré, CC, ocorrido em 3 de Julho de 2005.
A ré contestou.
Pela sentença de fls. 248, a acção foi julgada parcialmente procedente. A Ré foi condenada a pagar à autora BB, a título de danos patrimoniais, a quantia de € 14.488,10 (€ 12.500,00 por dano futuros), e, por danos não patrimoniais, de € 6.000,00 e ao autor DD, de € 29.038,98 por danos patrimoniais (€ 28.000,00 por danos futuros) e de €10.000,00 por danos não patrimoniais; em todos os casos, com juros de mora, contados à taxa de 4% desde a data da sentença até ao efectivo e integral pagamento. Quanto ao mais, foi absolvida.
Ambas as partes recorreram; no entanto, pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de fls. 337, a sentença foi confirmada.
Apenas quanto ao ponto que interessa para o presente recurso, as instâncias consideraram expressamente, aliás na sequência da prova pericial efectuada (cfr. relatórios de fls. 189 e de fls.195, fundamentação do julgamento da matéria de facto de fls. 237 e factos provados com os nºs 20, 24 e 25, 36, 38 e 39), que a incapacidade permanente geral de que os autores ficaram afectados tinha repercussões na sua capacidade laboral, limitando-a. Como se escreveu no acórdão recorrido, “E, assim, com referência ao caso concreto, se conclui que, sempre será indemnizável, a título de dano de natureza patrimonial e futuro, o dano decorrente de IPG, de que ficaram a padecer os Autores, respectivamente, mesmo que não corresponda também a efectiva incapacidade para o trabalho, e perda ou redução da remuneração ou salário, sendo certo, em qualquer caso, que no caso sub judice se prova que o quadro clínico dos Autores decorrente das lesões que lhes foram provocadas pelo acidente tem repercussão na capacidade laboral do Autor (factos provados n.º38 e n.º39), e, implica esforço suplementar no exercício da actividade habitual da Autora (facto provado n.º 2).

2. A ré recorreu para o Supremo Tribunal da Justiça; o recurso, ao qual não são aplicáveis as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, foi admitido como revista, com efeito meramente devolutivo.
Nas alegações que apresentou, a ré Companhia de Seguros formulou as seguintes conclusões:

«I. O actual sistema de avaliação do dano corporal em Portugal, previsto no DL. 352/2007, de 23 de Outubro, mas mesmo já antes dele, desde os anos 80 do século XX, distingue, como conceitos autónomos, o de incapacidade geral e incapacidade laboral.
II. O sistema de avaliação do dano corporal em direito civil, previsto naquele diploma legal e na tabela publicada como seu anexo II, apenas identifica e quantifica a incapacidade geral, mas já não a incapacidade laboral, a que se refere apenas sob a rubrica de rebate profissional e de acordo com um quadro valorativo com quatro parâmetros.
III. A incapacidade geral, só por si, não é reveladora de qualquer dano de perda de ganho, nem de qualquer dano patrimonial futuro.
IV. Não basta a demonstração daquela para alegar e, muito menos, provar este último.
V. O rebate profissional, maxime quando conclua apenas pela necessidade de desenvolver esforços suplementares indicado num exame médico-legal de avaliação do dano em direito civil também não revela, só por si, um dano de perda de ganho, nem, muito menos, o quantifica.
VI. Não é legítimo usar a quantificação ali dada para uma incapacidade geral e equipará-la a uma incapacidade laboral, ponderando depois esta como se tivesse o grau daquela.
VII. Em função do actual estado da avaliação do dano corporal em direito civil e do diploma e tabela atrás referidos, para demonstrar um dano patrimonial futuro de perda de ganho incumbe ao lesado provar ou que ficou afectado com uma incapacidade permanente laboral/profissional, caso em que bastará a alegação e prova desta para demonstrar tal dano, ou então alegar e provar que ficou afectado de uma incapacidade permanente geral, que esta teve um rebate profissional e que este lhe irá provocar, no futuro, uma perda efectiva de ganho nos seus rendimentos laborais/profissionais.
VIII. Em face do explanado deverá entender-se que nos presentes autos não ficou provado que os recorridos irão sofrer qualquer dano futuro de perda de ganho ou rendimentos, pelo que ao admiti-lo o tribunal a quo fez, salvo o devido respeito, uma errada aplicação do disposto nos artºs 562° e ss do Código Civil, devendo, como tal, ser revogada a sentença recorrida na parte em que condenou a recorrente a ressarcir tal dano.
IX. Se, porém, assim se não entender deverá então a indemnização atribuída para indemnizar tal dano ser diminuída para, no máximo, metade do valor fixado, para bom cumprimento do artº 566° do Código Civil.
X. O tribunal a quo fez uma errada aplicação do disposto nos art.s 342° e 562° e ss do Código Civil, e no artº 2° do DL. 352/ 2007”.»

Não houve contra-alegações.

3. Vem provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido):

1) Cerca das 10h15 do dia 3 de Julho de 2005 ocorreu um acidente de viação, na Rua ..., no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-CG, propriedade de EE, conduzido por CC, e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-XL, propriedade da A. BB, e conduzido pelo seu marido, também A., AA (MFA).
2) O XL circulava na Rua ... em direcção à Igreja de ..., e o CG circulava em sentido contrário (MFA).
3) O XL circulava pela metade direita da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha (MFA).
4) O veículo CG é propriedade de EE e, na altura do acidente, circulava sob a sua direcção efectiva e no seu próprio interesse, conduzido por CC, a quem aquele havia cedido o seu uso (MFA).
5) No local do acidente não é permitido exceder a velocidade de 50km/h (MFA).
6) O condutor do CG circulava a uma velocidade não inferior a 80km/h (BI).
7) O condutor do CG, ao descrever uma curva para a sua esquerda, não conseguiu dominar o veículo, entrou em despiste, invadindo inopinada e bruscamente a metade esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha, onde foi embater violentamente no XL (MFA).
8) O XL, quando foi embatido pelo CG, já se encontrava praticamente imobilizado e encostado ao muro do lado direito, atento o seu sentido de marcha (BI).
9) O CG, depois de embater no XL, acabou por embater violentamente no muro do lado direito da via, atento o seu sentido de marcha, onde se imobilizou (MFA).
10) Na declaração amigável, o condutor do CG aceitou a culpa na produção do acidente (BI).
11) A R. já indemnizou a A. pelos danos sofridos no XL (MFA).
12) O A. nasceu em 1955/05/03 (MFA).
13) A A. nasceu em 1962/11/26 (MFA).
14) A A. mulher, em consequência do acidente, sofreu traumatismo torácico com dores na região anterior do esterno, região cervical, mão direita e escoriações na região anterior do esterno (BI).
15) Do local do acidente, a A. mulher foi imediatamente transportada para o Hospital de S. José, em Fafe, onde foi tratada e medicada, tendo-lhe sido dada alta hospitalar no mesmo dia (BI).
16) A A. teve alta definitiva dos serviços clínicos da R. em 26 de Setembro de 2005 (BI).
17) A A. esteve com incapacidade temporária profissional total desde 2005/07/03 até 2005/09/26, durante um período de 86 dias (BI).
18) A A. esteve novamente de baixa médica desde 8 de Agosto até 17 de Novembro de 2006 (BI).
19) A A. mulher, apesar dos tratamentos a que se submeteu, ficou a padecer de sequelas físicas, nomeadamente cervicalgias residuais que irradiam para os membros superiores e tórax; pequenas cicatrizes na região dorsal da mão, dor à pressão na região dorsal da mão, mais acentuada na quarta articulação metacarpo-falângica; ligeiro edema nos segundo e terceiro dedos da mão (BI).
20) …Sequelas essas que lhe determinam uma incapacidade permanente geral fixável em 10%, e que, apesar de serem compatíveis com o exercício da actividade habitual, implicam esforços suplementares (BI).
21) Em consequência das lesões resultantes do acidente, do período de recuperação funcional, do tipo de traumatismo e dos tratamentos efectuados, a A. mulher sofreu dores, sendo o quantum doloris fixável no grau 4 de 7 (BI).
22) A A., à data do acidente, era uma pessoa saudável e bem constituída (BI).
23) …Enérgica e trabalhadora (BI).
24) A A. explorava um estabelecimento de lavandaria (BI).
25) …E em virtude das sequelas de que ficou a padecer definitivamente tem imensa dificuldade em passar a ferro, lavar roupa à mão ou varrer (BI).
26) …Vendo-se obrigada a contratar uma senhora para a substituir no trabalho (BI).
27) O A. marido, em consequência do acidente, sofreu traumatismo torácico anterior (BI).
28) O A. marido recorreu ao Hospital de S. José, de Fafe, no dia seguinte ao do acidente, por apresentar dores no peito e dificuldade em respirar (BI).
29) Em 9 de Agosto de 2005 foram-lhe atribuídos 6 dias de baixa médica pelos serviços clínicos da G.N.R. (BI).
30) Em 17 de Agosto de 2005, os serviços clínicos da G.N.R. atribuíram-lhe mais 6 dias de baixa médica (BI).
31) …E em 23 de Agosto, o A. passou para os trabalhos moderados durante 15 dias (BI).
32) …Passando igualmente a ser tratado nos serviços clínicos da R. (BI).
33) O A. marido efectuou um TAC, que revelou fractura cominutiva do esterno (BI).
34) Desde 2006/06/27 até 2006/11/16 passou novamente para serviços moderados (BI).
35) Apesar dos tratamentos a que se submeteu, o A. marido ficou a padecer de sequelas físicas, nomeadamente cervicalgias residuais, com irradiação para os membros superiores; e toracalgias residuais, que se agravam com o tossir e com os esforços (BI).
36) Essas sequelas determinam-lhe uma incapacidade permanente geral fixável em 10%, e que, apesar de serem compatíveis com o exercício da actividade habitual, implicam esforços suplementares (BI).
37) Em consequência das lesões resultantes do acidente, do período de recuperação funcional, do tipo de traumatismo e dos tratamentos efectuados, o A. marido sofreu dores, sendo o quantum doloris fixável no grau 4 de 7 (BI).
38) O A. continua a sofrer dores intensas, que se agravam com as mudanças de tempo e com esforços acrescidos, e que lhe causam mal estar e incómodos (BI).
39) …Tem fortes limitações na sua actividade profissional de Agente da G.N.R. (BI).
40) …E tem dificuldade em carregar pesos (BI).
41) O A., à data do acidente, era uma pessoa saudável e bem constituída, enérgica e trabalhadora (BI).
42) Hoje, é uma pessoa limitada nos seus movimentos (BI).
43) …O que o prejudica na sua actividade profissional (BI).
44) …O que lhe causa desgosto (BI).
45) A A. mulher sofreu um período de incapacidade temporária profissional total desde 2005/07/03 até 2005/09/26 (BI).
46) Pelo menos durante o período referido em 45), a A. mulher viu-se brigada a contratar uma pessoa para a substituir na Lavandaria, a quem pagava a quantia de 4 € à hora, trabalhando oito horas por dia (BI).
47) A A. mulher gastou ainda 4,10 € em consultas médicas (BI).
48) A A. teve que se deslocar aos serviços clínicos por diversas vezes para sessões de fisioterapia e consultas médicas (BI).
49) O A. é Agente da G.N.R. (BI).
50) …E, à data do acidente, auferia um vencimento médio mensal de 1.430 € (BI).
51) …Acrescido do respectivo subsídio de férias e de Natal (BI).
52) O A., em consequência do acidente e das lesões sofridas, deixou de realizar pelo menos 10 gratificados relativos a Festas, ao valor de 46,76 € cada um, bem como pelo menos 7 suplementos de patrulha, ao valor de 56,28 € cada um (BI).
53) O A. gastou ainda as seguintes quantias:
a) 37,50 € em consultas médicas e exames radiológicos;
b) 129,92 € em medicamentos; e
c) 10 € na obtenção da participação da G.N.R. (BI).
54) O A. teve que se deslocar aos serviços clínicos da G.N.R., ao Hospital de Felgueiras e ao Hospital de Riba D´Ave diversas vezes para sessões de fisioterapia e consultas médicas (BI).
55) O proprietário do CG havia transferido a sua responsabilidade civil por danos causados com tal veículo para a R., através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º ... (MFA).

4. Resulta das conclusões das alegações, que delimitam o objecto do recurso (nº 3 do artigo 684º do Código Civil), que a recorrente entende não ter ficado provado “que os recorridos irão sofrer qualquer dano futuro de perda de ganho ou rendimentos”, e que, em consequência, deve ser revogado o acórdão recorrido na parte em que confirmou a decisão de condenação no pagamento da indemnização por danos patrimoniais futuros.
Segundo alega, apenas ficou provado que os autores sofreram “o dano da perda da disponibilidade do corpo para os normais afazeres do quotidiano, fixado por uma incapacidade permanente geral”; não se demonstrou qualquer “dano da perda da capacidade de trabalho e de ganho, fixado por uma incapacidade permanente para o trabalho ou por um rebate profissional” (ponto 1 das alegações, parte final).
Subsidiariamente, sustenta que a indemnização arbitrada para o efeito deve ser reduzida para metade.

5. Está pois apenas em causa a parcela da indemnização atribuída aos lesados a título de danos patrimoniais futuros, que a recorrente considera não ser devida por não ter ficado provada qualquer “perda da capacidade de trabalho e de ganho”.
No entanto, uma incapacidade permanente geral, compatível com o exercício da actividade profissional habitual mas exigindo esforços suplementares para a desenvolver, é causa de danos patrimoniais futuros, indemnizáveis nos termos dos artigos 562º e segs., do Código Civil, maxime dos artigos 564º e 566º.
Como se escreveu por exemplo no acórdão deste Supremo Tribunal de 30 de Outubro de 2008 (www.dgsi.pt, proc. nº 07B2978), citando outras decisões, «os danos futuros decorrentes de uma lesão física “não [se] reduzem à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física; (…) por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução. (…)” (cfr. também os acórdãos deste Supremo Tribunal de 28 de Outubro de 1999, proc. nº 99B717, e de 25 de Junho de 2002, proc. nº 02A1321, disponíveis em www.dgsi.pt).» No mesmo sentido, cfr., por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal da Justiça de 30 de Setembro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº 935/06.7TBPTL.G1.S1) ou de 7 de Junho de 2011 (www.dgsi.pt, proc. nº 3042/06.9TBPNF.P1.S1).
Ora, como é sabido, para efeitos de indemnização (por exemplo, pelos danos sofridos em consequência de um acidente de viação), devem ter-se em conta os danos futuros, desde que previsíveis (nº 2 do artigo 564º do Código Civil), sejam danos emergentes, sejam lucros cessantes (nº 1 do mesmo preceito); e o respectivo cálculo deve ter como critério primeiro a equidade, nos casos em que, como tipicamente sucede com os danos futuros, não é possível averiguar o seu “valor exacto” (nº 3 do artigo 566º do mesmo Código).
É claro que «o julgamento segundo a equidade tem de respeitar os “limites que [o tribunal] tiver por provados”.(…) Baseando-se em mera culpa a responsabilidade em que incorreu o causador do acidente e estando agora em causa a determinação do montante a pagar para ressarcimento de danos futuros, como aliás o Supremo Tribunal de Justiça tem repetidamente afirmado (cfr., a título de exemplo, os acórdãos de 28 de Outubro de 1999, proc. nº 99B717, de 2 de Fevereiro de 2002, proc. nº 01B985, de 25 de Junho de 2002, proc. nº 02A1321, de 27 de Novembro de 2003, proc. nº 03B3064, de 15 de Janeiro de 2004, proc. nº 03B926, de 8 de Março de 2007, proc. nº 06B4320 ou de 14 de Fevereiro de 2008, proc. nº 07B508, disponíveis em www.dgsi.pt), a equidade desempenha um papel corrector e de adequação da indemnização decretada às circunstâncias do caso, nomeadamente quando, como é frequente, os tribunais recorrem a “cálculos matemáticos e [a] tabelas financeiras” (expressão do acórdão de 27 de Novembro de 2003 acabado de citar). Esse recurso à equidade não afasta, todavia, a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível, naturalmente, com a devida atenção às circunstâncias do caso» (cfr. os já citados acórdãos de 30 de Outubro de 2008 e de 30 de Setembro de 2010, da mesma relatora, que se seguem e parcialmente se transcrevem, bem como os demais neles citados).
De qualquer modo, ficou provado que a capacidade laboral dos autores ficou afectada, como consequência do acidente.

6. Recorde-se:
– que a autora tinha 42 anos à data do acidente (ponto 13),
“explorava um estabelecimento de lavandaria” (ponto 24) e
– ficou a padecer definitivamente de uma incapacidade permanente geral de 10%, compatível com o exercício da sua actividade normal mas exigindo um esforço suplementar, nomeadamente no âmbito da actividade profissional,
– e a sofrer de sequelas (descritas no ponto 19) que lhe causam “imensa dificuldade em passar a ferro” e em “lavar roupa à mão” (ponto 25);
– que não se apurou quanto é que a autora auferia pelo trabalho desenvolvido; mas as instâncias recorreram ao valor do salário mínimo para calcular a indemnização, o que se revela adequado no caso;
– o autor, agente da G.N.R , tinha 50 anos à data do acidente (ponto 12),
– ficou afectado também de uma incapacidade permanente geral de 10% e de “fortes limitações” no desempenho da sua actividade profissional específica (ponto 39), tornando-se numa “pessoa limitada nos seus movimentos” (ponto 42), “o que o prejudica na sua actividade profissional” (ponto 43);
– que a relevância da incapacidade não pode ser avaliada apenas com referência à vida activa provável dos lesados; antes se há de considerar também o período posterior à normal cessação de actividade laboral, com referência à esperança média de vida (no sentido de dever ser tida em conta a esperança de vida, e não apenas de vida activa, ver por exemplo o acórdão de 17 de Junho de 2008 (www.dgsi.pt, proc. nº 08A1266);
– que o regime geral de segurança social em vigor à data do acidente, em particular ao nº 1 do artigo 22º do Decreto-Lei nº 329/93, de 25 de Setembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 9/99, de 8 de Janeiro (neste ponto específico, mantido pelo Decreto-Lei nº 187/2007, de 16 de Fevereiro, que revogou aquele diploma), a idade “regra” da reforma era fixada em 65 anos;
– que a recorrente não contesta a fórmula de cálculo aplicada nas instâncias, que na verdade é adequada a servir de base de cálculo a uma indemnização que há-de ser corrigida segundo a equidade; a sua divergência em relação ao que vem decidido respeita a outros pontos, como se viu;
– que a indemnização a arbitrar deve ter como referência, como se escreveu no acórdão de 25 de Junho de 2002, deste Supremo Tribunal (www.dgsi.pt, proc. 02A1321) “um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir, mas que (o capital) se extinga no final do período provável de vida (12). Só assim se logra, na verdade, "reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (artigo 562º)”;
– que não há razões, relacionadas com o grau de culpa do lesante, ou outras, que ditem o abaixamento da quantia assim calculada.

7. A recorrente entende que, a manter-se a atribuição de uma indemnização, que a mesma deve ser “diminuída, para, no máximo, metade do valor fixado, para bom cumprimento do artº 566º do Código Civil”.
Mas esta alegação, aliás não desenvolvida, não procede.
Em primeiro lugar, porque não ocorre nenhuma das situações que, nos termos do disposto no artigo 494º do Código Civil, poderia conduzir a uma redução do montante indemnizatório adequado à reparação do dano (grau de culpabilidade do agente, situação económica do lesante e do lesado e demais circunstâncias do caso).
Em segundo lugar, porque se trata de uma indemnização fixada segundo a equidade, de acordo com o já citado nº 3 do artigo 566º do Código Civil e, como o Supremo Tribunal da Justiça observou em outras ocasiões (cfr., por exemplo, o acórdão de 28 de Outubro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº272/06.7TBMTR.P1.S1, em parte por remissão para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 381-2002-S1), “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito»”; se o Supremo Tribunal da Justiça é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não lhe “compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio»”.
Tendo especialmente em conta o que se refere nos pontos 5. e 6., conclui-se que não se encontram razões para diminuir a indemnização arbitrada pelas instâncias, no caso concreto.

8. A concluir, resta observar o seguinte:
– Não é aplicável ao caso o regime previsto no Decreto-Lei nº 352/2007, de 23 de Outubro. Note-se que as perícias referidas na fundamentação da decisão de facto (cujos relatórios se encontram a fls. 189 e 195) foram efectuadas antes da sua entrada em vigor (cfr. respectivos artigos 6º, nº 1, c) e 7º);
– Independentemente disso, a fixação do grau de incapacidade é apenas um dos elementos a considerar no cálculo de uma indemnização por danos futuros; a equidade é o critério determinante da respectiva fixação. Acresce que a prova pericial é livremente apreciada pelo julgador (artigo 389º do Código Civil).

9. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.

Supremo Tribunal de Justiça, 20 de Outubro de 2011

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Lopes do Rego
Orlando Afonso