ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
595/10.0GFLLE.S1
DATA DO ACÓRDÃO 12/21/2011
SECÇÃO 3ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL RECURSO PENAL
DECISÃO PROVIDO EM PARTE
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR RAUL BORGES

DESCRITORES ROUBO AGRAVADO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
BEM JURÍDICO TUTELADO
CULPA
ILICITUDE
CRIMINALIDADE VIOLENTA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
CONFISSÃO
ARREPENDIMENTO
ANTECEDENTES CRIMINAIS

SUMÁRIO

I - A intervenção do STJ em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”.
II - Sendo uma das finalidades das penas, segundo o art. 40.º do CP, na versão da 3.ª alteração, introduzida pelo DL 48/95, de 15-03, a tutela dos bens jurídicos, definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que, necessariamente, ter em atenção o bem jurídico tutelado no crime de roubo, que se enquadra na categoria dos crimes contra o património e mais especificamente, dos crimes contra a propriedade.
III - No caso concreto, a ilicitude dos factos é elevada, pois a conduta foi dirigida contra bens de carácter pessoal e patrimonial. Em função do fim do agente, o roubo é um crime contra a propriedade, assumindo, no entanto, outros contornos para além desta vertente; estando em causa valores patrimoniais, está também em jogo na fattispecie a liberdade e segurança das pessoas, assumindo o elemento pessoal particular relevo, com a violação de direitos de personalidade.
IV - Da caracterização específica do crime de roubo deriva que há que ter em conta, em cada caso concreto, a extensão da lesão, o grau de lesividade, das duas componentes presentes no preenchimento do tipo legal. No que respeita às consequências do roubo, como crime de resultado que é, há que distinguir as duas vertentes que o integram.
V - O valor patrimonial da coisa móvel alheia, como o da coisa roubada, ou apropriada em sede de crime de roubo, não pode deixar, obviamente, de ter alguma influência na determinação da medida da pena, embora neste caso possa ser neutralizada pelo grau da violência ou da ameaça exercida pelo agente contra a vítima.
VI - O valor do bem subtraído, sendo circunstância que faz parte dos tipos de crimes de furto e de roubo (essencial ou implícito), integrando-os, entra directamente na previsão do n.º 1 do art. 71.º do CP, ou seja, deve ser analisada ao nível da culpa do agente e das exigências de prevenção, mas também da al. a) do n.º 2 do mesmo preceito, no que toca ao grau de ilicitude do facto.
VII - No caso presente, na vertente da lesão patrimonial, atento o valor apropriado – € 620 – assumiu a conduta da arguida uma dimensão económica sem grande relevo.
VIII - No que se refere à vertente ofensa de bens pessoais, há que ter em atenção o modo como o elemento violência se concretizou. Quanto ao modo de execução, a recorrente agiu mediante contacto directo com a vítima, batendo-lhe com violência com pau de vassoura na cabeça, fazendo-a sangrar, ficando o agredido com sangue nos olhos e de seguida, com uma navalha, vibrou vários golpes na zona do abdómen e braço direito da vítima.
IX - Das agressões resultaram, para além do sangramento e dores, feridas perfurantes na zona abdominal, diversas feridas no couro cabeludo e braço direito, para além das lesões traumáticas determinativas de 30 dias de doença e 20 deles com afectação grave para a capacidade de trabalho, tendo a arguida abandonado a vítima, deixando-o entregue à sua sorte. A vítima tinha quase 67 anos de idade e a arguida 32 anos de idade. A actuação da arguida teve lugar entrando na residência do ofendido sem autorização, violando o domicílio deste, deixando-o a sangrar num lugar isolado – monte.
X - A ilicitude é elevada, tratando-se de delito que integra o conceito de “criminalidade especialmente violenta”, definido no art. 1.º, al. l), do CPP.
XI - O dolo é directo.
XII - As razões e necessidade de prevenção geral positiva ou de integração – que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação ou mesmo reforço da norma jurídica violada, dando corpo à vertente da protecção de bens jurídicos, finalidade primeira da punição – são muito elevadas, fazendo-se especialmente sentir neste tipo de crime gerador de grande e forte sentimento de insegurança na população, sendo o roubo delito altamente reprovável na comunidade e elevado o grau de alarme social que a prática deste tipo de actuações criminosas vem causando, com repercussões altamente negativas também em sede de prevenção geral, justificando resposta punitiva firme, impondo-se assegurar a confiança da comunidade na validade das normas jurídicas.
XIII - A arguida não confessou os factos praticados, nem demonstrou arrependimento. Regista quatro condenações anteriores por crime de condução sem habilitação legal, sendo as três primeiras em pena de multa e a última em pena de 4 meses de prisão, suspensa na execução por 1 ano.
XIV - Deverá atender-se às necessidades de prevenção especial (ou de socialização exercida sobre o delinquente), as quais, sendo elevadas, têm em vista uma contribuição para a reinserção social da arguida e avaliam-se em função da necessidade de prevenção da reincidência, tratando-se de considerar a personalidade da arguida no contexto dos efeitos previsíveis da pena sobre o seu comportamento futuro, de forma a que molde com a pena a sua vida futura, dúvidas não havendo de que a recorrente carece de socialização, tendo-se em vista a prevenção da reincidência.
XV - Ponderados todos os factores assinalados, dentro da moldura abstracta da pena cabida ao crime de roubo agravado – 3 a 15 anos de prisão – afigura-se ser a pena aplicada (9 anos de prisão) algo excessiva, reduzindo-se a mesma para 8 anos de prisão.



DECISÃO TEXTO INTEGRAL



         No âmbito do processo comum com intervenção de tribunal colectivo n.º 595/10.0GFLLE, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Loulé, integrante do Círculo Judicial de Loulé, foi submetida a julgamento a arguida AA, natural de São Pedro, Faro, nascida a 4-10-1977, solteira, residente em ..., em Faro (sic), e após detenção em 19-08-2010, actualmente sujeita a prisão preventiva, a partir de 20-08-2010 - fls. 421, e despacho designativo de dia para  julgamento de fls. 471/2 - no Estabelecimento Prisional Regional de Odemira.
        Era-lhe imputada, de acordo com a acusação constante de fls. 421 a 427, a prática, em autoria material, e na forma consumada, de:

- Um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º s 1 e 2, alíneas a) e b), com referência ao artigo 204.º, n.º 1, alínea f) e n.º 2, alínea f), do Código Penal; e

- Um crime de omissão de auxílio, p. e p. pelo artigo 200.º, n.º s 1 e 2, do Código Penal.

                                                                                   

        Realizado o julgamento em 14-03-2011, conforme acta de audiência de discussão e julgamento de fls. 509 a 512, por acórdão do Colectivo competente, datado de 30 de Março de 2011, constante de fls. 515 a 530, e depositado no mesmo dia (fls. 531), foi deliberado:

I - Absolver a arguida da prática de um crime de omissão de auxílio, p. e p. nos termos do artigo 200.º, n.º s 1 e 2, do Código Penal;

II - Condenar a arguida pela prática, como autora material de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelos artigos 210.º, n.º s 1 e 2, alínea b), conjugado com o artigo 204.º, n.º 2, alínea f), do Código Penal, na pena de 9 (nove) anos de prisão.

          Inconformada com o assim decidido, a condenada interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, conforme, claramente, resulta de fls. 561, e em original a fls. 568, apresentando a motivação de fls. 562 a 567, e no original, de fls. 569 a 574, apresentando as seguintes conclusões (em transcrição integral, incluindo os realces):

I - Discorda a arguida da medida concreta da pena que lhe foi aplicada.

II - A recorrente não prestou declarações quanto aos factos e ao contrário do que a lei escreve, que o silêncio não a pode prejudicar, aplicou-se neste caso mas à contrário.

III - Tal como se pode verificar na medida da pena aplicada à recorrente, por esta ter-se remetido ao silêncio sendo um direito que lhe assiste, apesar de se ter feito prova em julgamento quanto aos factos de que vinha indiciada mas com dúvidas quanto às circunstâncias como ocorreram os factos, tendo como base as declarações do ofendido, conforme se verifica nos factos provados no douto acórdão, que no entender da defesa as circunstancias que levaram ao resultado dos factos não foram totalmente descobertas nas declarações prestadas e dadas como credíveis principalmente as do ofendido, e assim lhe foi aplicado uma pena bastante pesada e severa.

IV - Como prova da excessividade em relação aos factos provados temos a aplicação pelo tribunal "a quo" de uma pena 9 anos de prisão aplicada a uma arguida, que apenas tem como antecedentes criminais 4 crimes de condução sem habilitação legal, ora assim sendo são crimes de natureza diversa ao do caso em apreço, logo quanto ao tipo de crime que a ora recorrente vem agora recorrer a mesma não tem qualquer antecedente da mesma natureza.

V - A recorrente entende ser justa e adequada a aplicação de pena inferior à aplicada.

VI - Sendo proporcional ao caso em apreço a aplicação quanto ao crime de roubo de uma pena dentro dos limites mínimos, dentro dos 4 anos e 6 meses de prisão.

VII - A pena a aplicar-se nunca deve ser superior a 4 anos e 6 meses de prisão, pelo atrás exposto nas motivações, até porque a recorrente é primária no âmbito de crimes desta natureza, e está inserido laboralmente e tem perspectivas para o futuro e apoio familiar, e das circunstâncias do ilícito.

VIII - Pena esta que deverá ser aplicada, e sendo-o, deverá ser suspensa na sua execução mediante regime de prova, uma vez que existe uma situação de prognose favorável que não se opõe à pedida medida de suspensão de execução, mas antes a aconselha e decidir-se a suspensão da execução da pena que vier a ser fixada em 5 anos, mediante regime de prova, cumprindo assim o disposto no art. 50º do CP.

IX - Ao fixar uma pena tão severa como aplicou de 9 anos de prisão, o Tribunal "a quo" violou os artigos 71.° do CP e 127.° do CPP;

X – Deverão ainda ter em atenção a medida da pena aplicada, o facto da recorrente ser primária em ilícitos desta natureza, tendo em conta os artigos 70º e 71º do Código Penal, sendo suficiente a aplicação de uma pena dentro dos limites mínimos previstos para satisfazer a necessidade de prevenção geral e especial, e permitir assim a futura reabilitação da arguida na sociedade.

         No provimento do recurso, pede a recorrente que o acórdão recorrido seja substituído por outro, que a condene pelo crime de roubo na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, assim suspendendo a sua execução, nos termos do artigo 50.º do Código Penal, por igual período, mediante regime de prova.

                                                         *************

        O Ministério Público no Círculo Judicial de Loulé respondeu à motivação de recurso, conforme fls. 579 a 583, dirigindo a sua resposta, certamente por lapso de endereço, face ao claríssimo destinatário do recurso interposto, aos “EX.MOS SENHORES DESEMBARGADORES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA”, nos termos que em síntese, seguem:  

          « (…) Ora decorre da factualidade provada que o crime foi cometido com particular violência. Perante a recusa do ofendido de lhe dar dinheiro, a arguida seguiu-o até à sua residência, onde entrou. Aí, utilizando um pau desferiu uma pancada violenta na cabeça do ofendido e, a seguir, com este já coberto de sangue, que lhe escorria para a face e o impedia de ver, espetou-lhe uma navalha por diversas vezes no abdómen.

         Com o ofendido prostrado na cama devido à elevada quantidade de sangue que estava a perder, a arguida retirou-lhe então do bolso uma carteira contendo pelo menos € 620.00 em notas abandonando a residência e o ofendido entregue à sua sorte.

         O ofendido sentiu dores, medo e pânico e receou pela sua vida.

         Foi socorrido pela sua patroa e conduzido de ambulância ao Hospital Distrital de faro, onde foi tratado.

         Sofreu em consequência directa e necessária da actuação da arguida, diversas feridas profundas na zona abdominal, para além de feridas no couro cabeludo e braço direito, que lhe determinaram 30 dias de doença, sendo 20 deles com afectação grave para a capacidade de trabalho, conforme prova pericial e documental produzida.

        É pois particularmente elevado o grau de ilicitude dos factos e a culpa da recorrente.

        No âmbito das circunstâncias elencadas no artigo 71º nº 2 do Código Penal, com valor atenuativo provou-se a sua integração social e profissional.

        Os antecedentes criminais da recorrente reportam-se a 4 condenações pela prática de crimes de condução de veículo sem habilitação legal, o último dos quais cometido em 19/06/2010.

        No contexto referido e considerada a moldura penal abstracta em causa, afigura-se genericamente bem doseada a pena aplicada è recorrente, sem que porém se descarte a possibilidade de ligeira redução para medida sempre no entanto, superior a 5 anos de prisão.

        Termos em que, se entende dever ser negado provimento ao recuso».

                                                                                 ********

             O recurso foi admitido, por despacho de fls. 585, datado de 09-06-2011, que, face ao proposto endereço originário – claramente constante de fls. 568 e 569! - certamente por mera distracção, mandou subir os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Évora, e observar o disposto no ofício-circular n.º 831 da Presidência do mesmo Tribunal (!).

             Por despacho do Exmo. Desembargador Relator, de 09-09-2011, constante de fls. 599, aliás, como não podia deixar de ser, atendendo à pena aplicada por acórdão final proferido por tribunal colectivo, e à circunstância de o recurso visar exclusivamente a medida da pena, ou seja, o reexame de matéria de direito, foi proferido despacho no sentido de não ser admissível, nos termos do artigo 432.º, n.º 2, do CPP, recurso prévio para a Relação, sendo o Tribunal da Relação de Évora incompetente para conhecer do recurso, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c) do CPP, sendo determinada a subida dos autos ao STJ.

                                                  ***********************

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal emitiu douto parecer, a fls. 605, em 04-10-2011 (pelas 18 H), dizendo apenas isto: “Concordamos com o entendimento defendido pelo Ministério Público na resposta de fls. 579 e ss.”, o que significa aceitar, fazer sua, uma resposta do M.º P.º, que dirigida foi aos Desembargadores do Tribunal da Relação de Évora - fls. 579.  

           Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a recorrente silenciou.

      Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal.

      Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

      Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal - acórdão do Plenário da Secção Criminal, de 19-10-1995, no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 298, de 28-12-1995 (e BMJ n.º 450, pág. 72), que fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito” e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP - é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.

                                                                      *******

      Questões a decidir

      Atento o teor das conclusões apresentadas pela recorrente, que traduzem as razões de divergência com o decidido, a única questão a apreciar é a da medida da pena. O recurso fundamenta-se apenas na sua discordância quanto à medida concreta da pena aplicada.

      Factos provados

1 - No dia 13 de Julho de 2010, cerca das 21 horas, a arguida dirigiu-se à residência do ofendido BB, nascido em 25 de Julho de 1943, sita num anexo do “...”, localizado na ... com intenção de o abordar e de fazer seus objectos do ofendido e, se necessário, com recurso à violência.

2 - A arguida dirigiu-se ao ofendido pedindo-lhe dinheiro.

3 - Tendo o ofendido recusado entregar-lhe qualquer montante pecuniário, a arguida seguiu o seu trajecto para o interior da casa e insistia em lhe pedir dinheiro.

4 - O ofendido continuou a recusar e disse-lhe para sair da propriedade.

5 - O ofendido entrou, então, dentro de sua casa (anexo do ...).

6 - De seguida e após o ofendido entrar em casa e quando este se encontrava de costas para a porta, a arguida empunhou um pau em madeira com 111,2cm de comprimento, que se encontrava à entrada da residência (cabo de vassoura), entrou na residência do ofendido apesar de saber que não tinha autorização para tal e disse novamente ao ofendido que queria dinheiro, sendo que, de imediato a arguida desferiu uma violenta pancada na cabeça do ofendido com o dito pau.

7 - Em consequência directa da pancada, o ofendido começou de imediato a ter fortes dores e a sangrar abundantemente, tendo o sangue escorrido para a face, cobrindo-lhe os olhos e impedindo-o de ver.

8 - Seguidamente, a arguida empunhou uma navalha com 8,1 cm de lâmina e 9,5 cm de cabo de madeira, a qual se encontrava em cima da mesa, e espetou-a, várias vezes, na zona do abdómen do ofendido, assim como no braço direito daquele, junto ao ombro.

9 - Devido à elevada quantidade de sangue que estava a perder, o ofendido caiu prostrado para cima da cama, tendo a arguida retirado uma pequena carteira de cabedal castanho do bolso traseiro do ofendido.

10 - A carteira continha, pelo menos, €620,00 em notas emitidas pelo Banco Central Europeu, que a arguida fez seus.

11 - De seguida e na posse desse dinheiro a arguida abandonou a residência e deixou o ofendido abandonado à sua sorte, não lhe prestando qualquer assistência, apesar dos ferimentos graves que lhe tinha perpetrado.

12 - O ofendido sentiu dores, medo e pânico, tendo, inclusive, receado pela própria vida, vindo a ser socorrido pela sua patroa, a qual providenciou por chamar uma ambulância que o transportou ao Hospital de Faro, onde recebeu tratamentos e curativos.

13 - Em consequência directa e necessária dos factos praticados pela arguida, supra mencionados, o ofendido sofreu, além do sangramento e das dores, várias feridas perfurantes na zona abdominal e diversas feridas no couro cabeludo e no braço direito.

14 - Em consequência dos factos supra descritos, a vitima ficou com lesões traumáticas constituídas por “cicatriz recente de 2 cms com sinais de sutura com pontos cirúrgicos da face antero-externa do terço médio do braço direito…cicatriz de 15 cms com sinais de sutura com pontos cirúrgicos da média abdominal supra-umbilical (laparotomia mediana cirúrgica)…cicatriz recente de 1,5 cms com sinais de sutura com pontos cirúrgicos da parede abdominal antero-externa e inferior da região para-umbilical esquerda…três cicatrizes de 1,5 cms a 2 cms, com sinais de sutura com pontos cirúrgicos da face antero-externa esquerda do abdómen dispostas em linha oblíqua desde o hipocôndrio esquerdo até ao terço médio da região do flanco esquerdo…”, o que lhe determinou 30 dias de doença, sendo 20 deles com afectação grave para a capacidade de trabalho.

15 - Da conduta da arguida resultou, em concreto, perigo para a vida do ofendido.

16 - A arguida agiu com o propósito concretizado de fazer seus os bens e valores que o ofendido tinha consigo, sabendo que lhe não pertenciam e que estava a agir contra a vontade do legítimo proprietário, o que conseguiu através da violência, da agressão física e do uso de arma branca, adequadas a anular qualquer resistência por parte do ofendido à subtracção.

17 - A arguida quis, mediante o seu comportamento, apropriar-se de bens alheios, como efectivamente se apropriou.

18 - A arguida sabia que não tinha autorização para entrar e permanecer na residência do ofendido.

19 - A arguida sabia que existia necessidade premente de prestar auxílio ao ofendido, atento o estado em que este se encontrava, por si criado, não existindo mais ninguém nas proximidades que pudesse socorrê-lo e ainda assim decidiu abandonar o mesmo nas circunstâncias supra descritas.

20 - A arguida agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Mais se provou que:

21 - A arguida integrou um agregado familiar de baixos recursos socioeconómicos, sendo a mais nova de uma fratria de 5 irmãos, com dinâmica familiar caracterizada pela afectividade e união entre os seus membros.

22 - Iniciou a escolaridade na idade adequada, tendo abandonado os estudos aos 12 anos, quando frequentava o 7º ano em virtude do falecimento do progenitor e verificando-se incapacidade financeira para a sua continuidade.

23 - Iniciou actividade laboral no ramo da hotelaria, como ajudante de cozinha e mais tarde, aos 16 anos, foi trabalhar para um restaurante como empregada de mesa e balcão; posteriormente desenvolveu actividade como repositora de supermercado.

24 - Manteve uma união de facto durante cerca de 7 anos.

25 - À data dos factos a arguida residia sozinha em Estoi e encontrava-se a desenvolver actividade em estação de abastecimento de combustíveis.

26 - No Estabelecimento Prisional a arguida tem mantido conduta ajustada, sem registo de incidentes disciplinares nem manifestações de conflituosidade; dispôs, no exterior, de apoio de sua progenitora, irmão e futura cunhada.

27 - No certificado do registo criminal da arguida consta que a mesma foi condenada:

27.1. Em 24/01/2003, no processo 3/03.3PTFAR do 1º Juízo Criminal do Tribunal de Faro pela prática, em 7/01/2003, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal na pena de 69 dias de multa à taxa diária de €5;

27. 2. Em 19/10/2005, no processo 170/05.1PTFAR do 1º Juízo Criminal do Tribunal de Faro pela prática, em 5/10/2005, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €4;

27. 3. Em 20/02/2006, no processo 45/04.1PCFAR do 1º Juízo Criminal do Tribunal de Faro pela prática, em 2/01/2004, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal na pena de 130 dias de multa à taxa diária de €5;

27. 4. Em 22/07/2010, no processo 433/10.4GTABF do 1º Juízo Criminal do Tribunal de Loulé pela prática, em 19/06/2010, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal na pena de 4 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano.

    Na motivação da decisão de facto, consta o seguinte:
     «A arguida, validamente, remeteu-se ao silêncio.

     No entanto, atento o depoimento seguro e credível de BB, relacionado com os dados seguros e objectivos constante dos autos (fotografias ao local, exames médicos, auto de inspecção judiciária e recolha de vestígios biológicos da arguida no local), resultou clara a prova da identificação da arguida como autora dos factos, da identificação dos bens subtraídos, seus valores e forma como tudo decorreu (sendo, aqui, relevante a forma como depôs a testemunha que encontra total apoio nos dados objectivos constantes dos autos – embora nem todos os pormenores constantes da acusação se tenham provado, pois nem o ofendido os referiu)».

         Medida da pena

         A única questão a decidir no presente recurso é a da concreta medida da pena aplicada à arguida pelo crime de roubo agravado.

         A moldura abstracta da pena cabida ao roubo agravado por que a recorrente foi condenada situa-se entre os 3 e os 15 anos de prisão.

        Dentro desta moldura funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, designadamente:

- O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

- A intensidade do dolo ou da negligência;

- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

- As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

- A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

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     No domínio da versão originária do Código Penal de 1982, alguma jurisprudência, dizendo basear-se em posição do Professor Eduardo Correia (Actas das Sessões, pág. 20), segundo a qual o procedimento normal e correcto dos juízes na determinação da pena concreta, em face do novo Código, seria o de utilizar, como ponto de partida, a média entre os limites mínimo e máximo da pena correspondente, em abstracto, ao crime, adoptou tal orientação, considerando-se em seguida as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depusessem a favor do agente ou contra ele, sendo exemplos de tal posição os acórdãos de 13-07-1983, BMJ n.º 329, pág. 396; de 15-02-1984, BMJ n.º 334, pág. 274; de 26-04-1984, BMJ n.º 336, pág. 331; de 19-12-1984, BMJ n.º 342, pág. 233; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 19-12-1994, BMJ n.º 342, pág. 233; de 10-01-1987, processo n.º 38627 – 3.ª, Tribuna da Justiça, n.º 26; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 11-05-1988, processo n.º 39401 – 3.ª, Tribuna da Justiça, n.ºs 41/42.

      Manifestou-se contra esta interpretação Figueiredo Dias em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, § 277, págs. 210/211.

      A refutação de tal critério foi feita por Carmona da Mota, in Tribuna da Justiça, n.º 6, Junho 1985, págs. 8/9 e Alfredo Gaspar, em anotação ao acórdão de 02-05-1985, in Tribuna da Justiça, n.º 7, págs. 11 e 13, dando-se conta, em ambos os casos, de que o primeiro aresto em que se verificou uma inflexão na jurisprudência foi o acórdão da Relação de Coimbra de 09-11-1983, in Colectânea de Jurisprudência 1983, tomo 5, pág. 73.

      Posteriormente, e ainda antes de 1995, partindo da ideia de que a culpa é a medida que a pena não pode ultrapassar nem mesmo lançando apelo às necessidades de prevenção, mesmo que acentuadas, começou a considerar-se não ser correcto partir-se dum ponto médio dos limites da moldura penal para a agravação ou atenuação consoante o peso relativo das respectivas circunstâncias, como vinha sendo entendido, salientando-se que a determinação da medida da pena não depende de critérios aritméticos. Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16-12-1986, BMJ n.º 362, pág. 359; de 25-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 255; de 22-02-1989, BMJ n.º 384, pág. 552; de 09-06-1993, BMJ n.º 428, pág. 284; de 22-06-1994, processo n.º 46701, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 255. E no acórdão de 27-02-1991, in A. J., n.º 15/16, pág. 9 (citado no acórdão de 15-02-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 216), decidiu-se que na fixação concreta da pena não deve partir-se da média entre os limites mínimo e máximo da pena abstracta. A determinação concreta há-de resultar de a adaptar a cada caso concreto, liberdade que o julgador deve usar com prudência e equilíbrio, dentro dos cânones jurisprudenciais e da experiência, no exercício do que verdadeiramente é a arte de julgar.

      Anteriormente, não manifestando preocupações de adesão à pena média, pronunciaram-se, v. g.,  os acórdãos de 21-06-1989, BMJ n.º 388, pág. 245 e de  17-10-1991, BMJ n.º 410, pág. 360.

     Hans Heinrich Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1194, diz: “o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena”.

    Definindo o papel que cabe à culpa na determinação concreta da pena, nos termos da teoria da margem de liberdade (Claus Roxin, Culpabilidade y Prevención en Derecho Penal, págs. 94 -113) é ele o seguinte: a pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa), limites esses que são determinados em função da culpa do agente e aí intervindo dentro desses limites os outros fins das penas (as exigências da prevenção geral e da prevenção especial).

          A partir de 1 de Outubro de 1995 foram alterados os dados do problema, passando a pena a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena.

      A terceira alteração ao Código Penal operada pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro seguinte, proclamou a necessidade, proporcionalidade e adequação como princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental, introduzindo a inovação, com feição pragmática e utilitária, constante do artigo 40º, ao consagrar que a finalidade a prosseguir com as penas e medidas de segurança é «a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», ou seja, a reinserção social do agente do crime, o seu retorno ao tecido social lesado.

      Com esta reformulação do Código Penal, como se explica no preâmbulo do diploma, não prescindiu o legislador de oferecer aos tribunais critérios seguros e objectivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa, dispondo o n.º 2 que «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa».

      Em consonância com estes princípios dispõe o artigo 71.º, n.º 1, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”; o n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o n.º 3, que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, injunção com concretização adjectiva no artigo 375.º, n.º 1 do CPP, ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada. (Em sede de processo decisório, a regulamentação respeitante à determinação da pena tem tratamento autónomo relativamente à questão da determinação da culpabilidade, sendo esta tratada no artigo 368.º, e aquela prevista no artigo 369.º, com eventual apelo aos artigos 370.º e 371.º do CPP).

     Figueiredo Dias, em Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, no tema Fundamento, Sentido e Finalidades da Pena Criminal, págs. 65 a 111, diz que o legislador de 1995 assumiu, precipitando no artigo 40.º do Código Penal, os princípios ínsitos no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, (princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso) e o percurso doutrinário, resumindo assim a teoria penal defendida:

1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial.

2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa.

3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.

4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.

       No dizer de Fernanda Palma, in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, 1998, AAFDL, pág. 25 «a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial».

       Américo Taipa de Carvalho, em Prevenção, Culpa e Pena, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 322, afirma resultar do actual artigo 40.º que o fundamento legitimador da aplicação de uma pena é a prevenção, geral e especial, e que a culpa do infractor apenas desempenha o (importante) papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite máximo da pena a aplicar por maiores que sejam as exigências sociais de prevenção.

       Está subjacente ao artigo 40.º uma concepção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa.

       Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão o juiz serve-se do critério global contido no referido artigo 71.º do Código Penal (preceito que a alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, deixou intocado, como de resto aconteceu com o citado artigo 40.º), estando vinculado aos módulos - critérios de escolha da pena constantes do preceito.

       Como se refere no acórdão de 28-09-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 173, na dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71.º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

      Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.

      O referido dever jurídico-substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo - total no caso dos tribunais de relação, limitado às «questões de direito» no caso do STJ, ou mesmo das relações quando se tenha renunciado ao recurso em matéria de facto – da decisão sobre a determinação da pena.

       Estando a cognoscibilidade em recurso de revista limitada a matéria de direito, coloca-se a questão da controlabilidade da determinação da pena nesta sede.

       Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, págs. 217/8, defende que a questão da determinação da espécie e da medida da sanção criminal redunda numa verdadeira questão de direito.

       Segundo Maria João Antunes, em Consequências Jurídicas do Crime, Lições 2007-2008, págs. 19 e 20, no procedimento de determinação da pena trata-se de autêntica aplicação do direito – na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, por imposição do artigo 71.º, n.º 3, do CP. Consequentemente, há uma autonomização do processo de determinação da pena em sede processual penal (artigos 369.º, 370.º e 371.º do CPP) e a possibilidade de controlo da decisão sobre a determinação da pena em sede de recurso, ainda que este seja apenas de revista.

       Figueiredo Dias em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, págs. 196/7, § 255, após dar conta de que se revela uma tendência para alargar os limites em que a questão da determinação da pena é susceptível de revista, afirma estarem todos de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Defende ainda estar plenamente sujeita a revista a questão do limite ou da moldura da culpa, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e relativamente à determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, esta será controlável no caso de violação das regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.

       Ainda de acordo com o mesmo Professor, nas Lições ao 5.º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1998, págs. 279 e seguintes: «Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida (sentido estrito ou de «determinação concreta») da pena.

      As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

      Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena».

     Anabela Miranda Rodrigues em “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 147 e ss., como proposta de solução defende que a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e que será definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

      Adianta que “é o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – protecção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada - que justifica que se fale  de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exacta, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (óptima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que  considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral”.

      Apresenta três proposições em jeito de conclusões e da seguinte forma sintética:

“Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas”.

    E finaliza, afirmando: “É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente”.

      Uma síntese destas posições sobre os fins das penas foi feita no acórdão de 10-04-1996, processo n.º 12/96, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 168, nos seguintes termos: “O modelo de determinação da medida da pena no sistema jurídico-penal português comete à culpa a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, mas disso já cuidou, em primeira mão, o legislador, quando estabeleceu a moldura punitiva. Acontece, porém, que outras exigências concorrem naquele modelo: a prevenção geral (dita de integração) que tem por função fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite é dado, no máximo, pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e, no mínimo, fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Cabe à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro dessa função, rectius, moldura de prevenção que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares) de advertência ou de segurança”.

      Ainda do mesmo relator, e a propósito de caso de tráfico de estupefacientes, diz-se no acórdão de 08-10-1997, processo n.º 356/97-3.ª, in Sumários de Acórdãos, Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, volume II, págs. 133/4: «As “exigências de prevenção” variam em função do tipo de criminalidade de que se trata. Na criminalidade relacionada com o tráfico de estupefacientes, com todo o seu cortejo de lesão de bens jurídicos muito relevantes, a carecerem de adequada protecção pelo direito penal - além do efeito propulsor de outras formas de criminalidade, nomeadamente contra as pessoas e contra o património, a que, a justo título, se tem chamado de “flagelo social”  - são de considerar as particulares exigências de prevenção, tanto geral como especial».

     Uma outra formulação, em síntese, na esteira de Figueiredo Dias, “As consequências jurídicas do crime 1993”, § 301 e ss., é a que consta dos acórdãos do STJ de 17-09-1997, processo n.º 624/97; de 01-10-1997, processo n.º 673/97; de 08-10-1997, processo n.º 874/97; de 15-10-1997, processo n.º 589/97, sendo os três últimos publicados in Sumários de Acórdãos do Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, Outubro de 1997, II volume, págs. 125, 134 e 145, e de 20-05-1998, processo n.º 370/98, este publicado na CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 205 e no BMJ n.º 477, pág. 124, todos da 3.ª Secção e do mesmo relator, nos seguintes termos: “A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.

     Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime, e, em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal”. No sentido deste último segmento, ver do mesmo relator, os acórdãos de 08-10-1997, processo n.º 976/97 e de 17-12-1997, processo n.º 1186/97, in Sumários de Acórdãos, n.º 14, pág. 132 e n.º s 15/16, Novembro/Dezembro 1997, pág. 214.   

       A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”- cfr. acórdãos de  09-11-2000, processo n.º 2693/00-5.ª; de 23-11-2000, processo n.º 2766/00 – 5.ª; de 30-11-2000, processo n.º 2808/00-5.ª; de 28-06-2001, processos n.ºs 1674/01-5.ª, 1169/01-5.ª e 1552/01-5.ª; de 30-08-2001, processo n.º 2806/01-5.ª; de 15-11-2001, processo n.º 2622/01 – 5.ª; de 06-12-2001, processo n.º 3340/01-5.ª; de 17-01-2002, processo 2132/01-5.ª; de 09-05-2002, processo n.º 628/02-5.ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193; de 16-05-2002, processo n.º 585/02 – 5.ª; de 23-05-2002, processo n.º 1205/02 – 5.ª; de 26-09-2002, processo n.º 2360/02 – 5.ª; de 14-11-2002, processo n.º 3316/02 – 5.ª; de 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208; de 11-12-2003, processo n.º 3399/03 – 5.ª; de 04-03-2004, processo n.º 456/04 – 5.ª, in CJSTJ 2004, tomo1, pág. 220; de 11-11-2004, processo n.º 3182/04 – 5.ª; de 23-06-2005, processo n.º 2047/05 - 5.ª; de 12-07-2005, processo n.º 2521/05 – 5.ª; de 03-11-2005, processo n.º 2993/05 - 5ª; de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, págs. 229 e 235; de 29-03-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 225; de 15-11-2006, processo n.º 2555/06 – 3.ª; de 14-02-2007, processo n.º 249/07 – 3.ª; de 08-03-2007, processo n.º 4590/06 – 5.ª; de 12-04-2007, processo n.º 1228/07 – 5.ª; de 19-04-2007, processo n.º 445/07 – 5.ª; de 10-05-2007, processo n.º 1500/07 – 5.ª; de 14-06-2007, processo n.º 1580/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 220; de 04-07-2007, processo n.º 1775/07 – 3.ª; de 05-07-2007, processo n.º 1766/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 242; de 17-10-2007, processo n.º 3321/07 – 3.ª; de 10-01-2008, processo n.º 907/07 – 5.ª; de 16-01-2008, processo n.º 4571/07 – 3.ª; de 20-02-2008, processos n.ºs 4639/07 – 3.ª e 4832/07-3.ª; de 05-03-2008, processo n.º 437/08 – 3.ª; de 02-04-2008, processo n.º 4730/07 – 3.ª; de 03-04-2008, processo n.º 3228/07 – 5.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1491/07 – 5.ª e processo n.º 999/08-3.ª; de 17-04-2008, processos n.ºs 677/08 e 1013/08, ambos desta secção; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07 – 3.ª; de 21-05-2008, processos n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5.ª secção; de 29-05-2008, processo n.º 1001/08 – 5.ª; de 03-09-2008, no processo n.º 3982/07-3.ª; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08 – 3.ª; de 08-10-2008, nos processos n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3.ª secção; de 15-10-2008, processo n.º 1964/08 – 3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08-3.ª; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 484/09-3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8523/06.1TDLSB-3.ª; de 1-10-2009, processo n.º 185/06.2SULSB.L1.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 220/02.3GCSJM.P1.S1-3.ª; de 03-12-2009, processo n.º 136/08.0TBBGC.P1.S1-3.ª; de 28-04-2010, processo n.º 126/07.0PCPRT.S1-3.ª.

      Na determinação da medida concreta da pena deve o Tribunal, em conformidade com o disposto no artigo 71.°, n.º 2, do Código Penal, atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, abstendo-se no entanto de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido.

      O limite mínimo da pena a aplicar é assim determinado pelas razões de prevenção geral que no caso se façam sentir; o limite máximo pela culpa do agente revelada no facto; e servindo as razões de prevenção especial para encontrar, dentro daqueles limites, o quantum de pena a aplicar – cfr. Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Editorial Notícias, págs. 227 e ss..

     Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem perder de vista a culpa do agente, ou como diz o acórdão de 22-09-2004, processo n.º 1636/04-3.ª, in ASTJ, n.º 83: “a pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível”.

      Ou, como expressivamente se diz no acórdão deste STJ de 16-01-2008, processo n.º 4565/07 - 3.ª: «A norma do art. 40.º do CP condensa em três proposições fundamentais o programa político-criminal sobre a função e os fins das penas: a) protecção de bens jurídicos; b) a socialização do agente do crime; c) constituir a culpa o limite da pena mas não o seu fundamento.

       O modelo do C P é de prevenção: a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do art. 40.º determina, por isso, que os critérios do art. 71.º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição.

       O modelo de prevenção acolhido – porque de protecção de bens jurídicos – estabelece que a pena deve ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva, e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

      Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.

       Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.»

        Revertendo ao caso concreto.

                 Neste particular, ter-se-ão em conta as concretizações dos critérios legais estabelecidas pela decisão de primeira instância, que teve em vista os parâmetros legais a observar, e que recolheu os elementos necessários e suficientes para o efeito.
      O acórdão recorrido, de fls. 526 a 528, sob a rubrica «5. Escolha e medida da pena», justificou a medida da pena nestes termos:
De acordo com o disposto no artigo 210º, nº 2, do Código Penal, a moldura penal abstracta a ter em conta para o crime de roubo agravado é de pena de prisão de 3 a 15 anos”. (…).
 “no que respeita à prevenção geral, é urgente, por um lado que se tome consciência que cada violação do direito – nomeadamente ao nível dos crimes ligados à utilização de armas e contra as pessoas – abala a consciência geral dos valores ou bens jurídicos que com a incriminação se visa proteger. E que por isso, a pena servirá para garantir a estabilidade social e reforçar a consciência social na vigência dos valores existentes”.

     (…) “Numa apreciação geral, importa ter presente que, a nível da prevenção geral, as actuações como as descritas são causadoras de um elevado nível de insegurança.

     Atender-se-á ao grau de ilicitude dos factos e à culpa da arguida (não se podendo olvidar os valores em causa, o grau de violência utilizado e os efeitos no corpo e saúde do ofendido).

    As exigências de prevenção especial denotam alguma intensidade.

   Assim, tudo visto e ponderado, fixa-se a medida concreta da pena em 9 (nove) anos de prisão”.

         Sendo uma das finalidades das penas, segundo o artigo 40.º do Código Penal, na versão da terceira alteração, introduzida pelo Decreto Lei n.º 48/95, de 15-03, a tutela dos bens jurídicos, definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que, necessariamente, ter em atenção o bem jurídico tutelado no tipo legal ora em causa.

             O crime de roubo enquadra-se na categoria dos crimes contra o património e mais especificamente, dos crimes contra a propriedade.

          A ilicitude dos factos é elevada, pois a conduta foi dirigida contra bens de carácter pessoal e patrimonial.

          Na sistematização do Código Penal, o crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, enquadra-se na categoria dos crimes contra o património (Título II, do Livro II - Parte especial), e mais especificamente, dos crimes contra a propriedade (Capítulo II – artigos 203.º a 216.º).

Em função do fim do agente, o roubo é um crime contra a propriedade, assumindo, no entanto, outros contornos para além desta vertente; estando em causa valores patrimoniais, está também em jogo na fattispecie a liberdade e segurança das pessoas, assumindo o elemento pessoal particular relevo, com a violação de direitos de personalidade.

Como refere Conceição Cunha, no Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, pág. 160, a ofensa aos bens pessoais surge como meio de lesão dos bens patrimoniais, sendo o furto o crime – fim do roubo.

Nesta análise importará reter que o crime de roubo é um crime complexo, (porque, segundo Luís Osório de Oliveira Batista, contém um crime contra a liberdade e um crime contra o património), de natureza mista, pluriofensivo, em que os valores jurídicos em apreço e tutelados são de ordem patrimonial – direito de propriedade e de detenção de coisas móveis alheias – e abrangendo sobretudo bens jurídicos de ordem eminentemente pessoal – que merecendo protecção ao nível da incriminação, entre outros, no que ao caso importa, através do crime de roubo, merecem tutela a nível constitucional – artigos 24.º, 25.º, 27.º, 64.º da Constituição da República – e da lei civil, no reconhecimento dos direitos de personalidade – artigo 70.º do Código Civil –, como o direito à liberdade individual de decisão e acção, à própria liberdade de movimentos, à segurança (com as componentes do direito à tranquilidade e ao sossego), o direito à saúde, à integridade física e mesmo a própria vida alheia – acórdãos do STJ, de 30-11-1983, BMJ, n.º 331, pág. 345; de 15-11-1989, BMJ, n.º 391, pág. 239; de 04-04-1991, BMJ, n.º 406, pág. 335; de 04-02-1993, BMJ, n.º 424, pág. 369; de 15-02-1995 (dois), CJSTJ1995, Tomo 1, págs. 205 e 216; de 18-05-2006, processo n.º 1411/06-3.ª,CJSTJ 2006, Tomo 2, pág. 185, após afirmar o carácter complexivo e pluriofensivo, afirma: “Trata-se de um crime de processo típico, na medida em que o iter criminis, está expressis et appertis verbis, definido na descrição dos processos de subtracção: violência contra a pessoa, ameaça com perigo iminente para a vida ou integridade física ou colocação da vítima na impossibilidade de resistir”; de 24-05-2006, processo n.º 1049/06 – 3.ª; de 25-10-2006, processo n.º 3042/06 – 3.ª; de 24-01-2007, processo n.º 4066/06-3.ª; de 12-09-2007, processo n.º 2702/07; de 03-10-2007, processo n.º 2576/07-3.ª, in CJSTJ 2007, Tomo 3, pág. 198; de 13-12-2007, processo n.º 3210/07-3.ª; de 17-04-2008, processo n.º 1013/08 – 3.ª; de 16-10-2008, processo 221/08-5.ª; de 26-11-2008, processo n.º 3548/08-3.ª, em que se define o roubo como crime complexo e estruturalmente um furto qualificado, como infracção complexa em que coexistem afectados bens pessoais, como meio de execução, e patrimoniais, como realização da finalidade do agente; de 27-01-2009, processo n.º 3853/08-3.ª; de 07-04-2010, processo n.º 113/04.0GFLLE.E1.S1-3.ª; de 12-05-2010 processo n.º 51/08.7JBLSB.S1-5.ª; de 09-06-2010, processo n.º 493/07.5PRLSB.S1-3.ª.

Segundo Miguel Caeiro, in BMJ n.º 18, pág. 15, versando sobre o tipo base/definição do artigo 432.º, do Código Penal de 1886 «… O roubo, por ser um crime complexo, não deixa de reproduzir integralmente os tipos legais que o formam. Nem da unificação deste resulta para o tipo complexo outra autonomia que não seja a respeitante à punição. Portanto, no artigo 432.º, encontra-se reproduzido o tipo legal do artigo 421.º, exceptuando o modo de execução».

E acrescentava: «Seja pessoal ou patrimonial o elemento predominante do roubo, não se vê razão para a menor diversidade de conceitos sobre a situação jurídica do agente perante a coisa subtraída, embora esta seja por violências ou ameaças contra as pessoas…».   

Então o artigo 421.º reportava-se ao crime de furto e o modo de execução do roubo, segundo a descrição legal, consistia em a subtracção de coisa alheia se cometer com violência ou ameaça contra as pessoas.

Nesta perspectiva, no plano da jurisprudência, há que ter em consideração os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, versando sobre os tipos legais do artigo 306.º do Código Penal de 1982 e 210.º do Código Penal de 1995, ou seja, os acórdãos  de 22-04-1993, BMJ n.º 426, pág. 250; de 21-05-2008, processo n.º 1221/08-3.ª; de 19-03-2009, processo n.º 381/09-3.ª; de 29-04-2009, processo n.º 939/07.2PYLSB.S1-3.ª; de 04-02-2010, processo n.º 1244/06.7PBVIS.C1.S1-3.ª; de 27-05-2010, processo n.º 474/09.4PSLSB.L1.S1-3.ª (O crime de roubo constitui um crime de resultado, que pressupõe a produção de um resultado como consequência da actividade do agente: a subtracção de coisa alheia com constrangimento para bens jurídicos pessoais); de 30-06-2010, processo n.º 99/09.4GGSNT:S1-3.ª; de 20-10-2010, processo n.º 845/09.6JDLSB-3.ª, de 10-11-2010, processo n.º 145/10.9JAPRT-3.ª; de 23-02-2011, processo n.º 50/10.1PDAMD.S1; de 31-03-2011, processo n.º 169/09.8SYLSB.S1; de 13-04-2011, processo n.º 918/09.5JAPRT.P1.S1

Para José António Barreiros, Crimes contra o património, Universidade Lusíada, 1996, pág. 85, o roubo constitui categoria típica autónoma, a comungar de características de furto e de extorsão, sendo sui generis o tipo face a eventualidade do duplo modo alternativo de comissão.

Da caracterização específica do crime de roubo deriva que há que ter em conta, em cada caso concreto, a extensão da lesão, o grau de lesividade, das duas componentes presentes no preenchimento do tipo legal.

No que respeita às consequências do roubo, como crime de resultado que é, há que distinguir as duas vertentes que o integram.

O valor patrimonial da coisa móvel alheia (elemento implícito do tipo legal de crime de furto, segundo Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, §§ 26 e 56, a págs. 33 e 44), como o da coisa roubada, ou apropriada em sede de crime de roubo, não pode deixar, obviamente, de ter alguma influência na determinação da medida da pena, embora neste caso possa ser neutralizada pelo grau da violência ou da ameaça exercida pelo agente contra a vítima.

Ora, o valor do bem subtraído, sendo circunstância que faz parte dos tipos de crimes de furto e de roubo (essencial ou implícito), integrando-os, entra directamente na previsão do n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, ou seja, deve ser analisada ao nível da culpa do agente e das exigências de prevenção, mas também da alínea a) do n.º 2, do mesmo preceito, no que toca ao grau de ilicitude do facto.   

Sendo a propriedade de coisa móvel alheia o bem jurídico protegido com a incriminação do furto e pretendendo-se com a punição do crime de roubo, para além do mais, também a tutela da propriedade, será variável a intensidade da agressão ao património do visado e daí o legislador distinguir entre o valor diminuto, o elevado e o consideravelmente elevado - artigo 202.º, alíneas a), b) e c) e artigo 204.º, n.º 1, alínea a), n.º 2, alínea a) e n.º 4, distinção que releva sobretudo no crime de roubo qualificado, por força do disposto no artigo 210.º, n.º 2, alínea b), como os anteriores do Código Penal, mas que fora do quadro de qualificação do crime, de agravação da moldura penal cabível, terá reflexos na medida da pena.

       O valor patrimonial da coisa móvel alheia apropriada em sede de crime de roubo, não pode deixar, obviamente, de ser tomada em atenção.

      Para a determinação da exacta dimensão da vertente patrimonial, importa, recorrendo aos critérios legais, definir o valor da unidade conta, já que constitui o elemento de referência na matéria para efeitos de integração dos valores definidos no artigo 202.º do Código Penal.

Ora, tendo os factos em apreciação sido praticados em 13-07-2010, a unidade de conta (UC) era então de € 105.

         Daí que, no caso concreto, tenhamos como valor padrão o de € 105 para a situação de roubo verificada nos autos. 

Para estes efeitos, considerando a data da prática dos factos ora em apreciação, retira-se que valor diminuto será o correspondente a montante até 105,00 €, valor elevado, o que ultrapasse 5.250,00 € e valor consideravelmente elevado, o que ultrapassar o montante de 21.000,00 €.

       A este respeito, cfr. acórdãos por nós relatados, de 23-02-2011, processo n.º 250/10.1PDAMD.S1 e de 31-03-2011, processo n.º 169/09.9SYLSB.

       Conclui-se assim que na vertente da lesão patrimonial, atento o valor apropriado - € 620,00 - , assumiu a conduta da arguida uma dimensão económica sem grande relevo. 

              Vejamos agora a vertente ofensa de bens pessoais.

          Neste particular da vertente da colisão do vector pessoal com violação de direitos de personalidade, como o direito à saúde e integridade física da vítima, há que ter em atenção o modo como o elemento violência se concretizou.                

       Quanto ao modo de execução, a recorrente agiu mediante contacto directo com a vítima, batendo-lhe com violência com um pau de vassoura de 111,2 cm de comprimento na cabeça, fazendo-o sangrar, ficando o agredido com sangue nos olhos e de seguida, com uma navalha com lâmina de 8,1 cm vibrou várias golpes na zona do abdómen e braço direito da vítima.

       Das agressões resultaram para além do sangramento e dores, feridas perfurantes na zona abdominal, diversas feridas no couro cabeludo e braço direito, para além das lesões traumáticas descritas no ponto 14 dos factos provados, determinativas de 30 dias de doença e 20 deles com afectação grave para a capacidade de trabalho, tendo a arguida abandonado a vítima, deixando-o entregue à sua sorte (factos provados 11 e 19).

        A vítima, porque nascida em 25-07-1943, à data dos factos, contava 66 anos de idade, a escassos doze dias de perfazer 67 anos de idade. 

        A arguida, nascida em 4-10-1977, tinha à data dos factos 32 anos de idade, podendo muito bem ser sua filha.

       Não fora a intervenção da patroa do ofendido, em circunstâncias não esclarecidas, e que mandou vir uma ambulância que conduziu o ofendido ao Hospital de Faro e o resultado poderia ser bem pior.

A actuação da arguida teve lugar entrando na residência do ofendido sem autorização, violando o domicílio deste, deixando-o a sangrar num lugar isolado - Monte.

            A ilicitude é elevada, tratando-se de delito que integra o conceito de “criminalidade especialmente violenta”, definido no artigo 1.º, alínea l), do CPP.

No caso em apreciação, a intensidade do dolo é a correspondente ao dolo directo.

As razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração -  que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação ou mesmo reforço da norma jurídica violada, dando corpo à vertente da protecção de bens jurídicos, finalidade primeira da punição - são muito elevadas, fazendo-se especialmente sentir neste tipo de crime  gerador de grande e forte sentimento de insegurança na população, sendo o roubo delito altamente reprovável na comunidade e elevado o grau de alarme social que a prática deste tipo de actuações criminosas vem causando, com repercussões altamente negativas também em sede de prevenção geral, justificando resposta punitiva firme, impondo-se assegurar a confiança da comunidade na validade das normas jurídicas, o  que de resto foi bem vincado na decisão recorrida.

            Neste segmento, em sede de prevenção, procura-se alcançar a neutralização dos efeitos negativos da prática do crime.

         Como expende Figueiredo Dias em O sistema sancionatório do Direito Penal Português inserto em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, pág. 815, “A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida”.   

Como se expressou o acórdão do STJ de 04-07-1996, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 225, com o recurso à prevenção geral procurou dar-se satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos. 

A arguida não confessou os factos praticados, nem demonstrou arrependimento.

De atender à idade da arguida à época dos factos, então com 32 anos, e às condições pessoais narradas nos factos provados.

No que respeita à intersecção da recorrente com o sistema de justiça punitivo, registam-se quatro condenações transitadas em julgado por crimes de condução sem habilitação legal, por factos cometidos entre 7-01-2003 e 19-06-2010, sendo as três primeiras em pena de multa e a última em pena de prisão de 4 meses, suspensa na execução por 1 ano (esta última infracção está em concurso real com a dos autos).

Deverá atender-se às necessidades de prevenção especial (ou de socialização exercida sobre o delinquente), as quais, sendo elevadas, têm em vista uma contribuição para a reinserção social da arguida e avaliam-se em função da necessidade de prevenção de reincidência, tratando-se de considerar a personalidade da arguida no contexto dos efeitos previsíveis da pena sobre o seu comportamento futuro, de forma a que molde com a pena a sua vida futura, dúvidas não havendo de que a recorrente carece de socialização, tendo-se em vista a prevenção de reincidência.

      Como refere Américo Taipa de Carvalho, a propósito de prevenção da reincidência, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 325, trata-se de dissuasão necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir.

       E no caso de infractores ocasionais, a ter de ser aplicada uma pena, é esta mensagem punitiva dissuasora o único sentido da prevenção especial.

         Ponderados todos os factores assinalados, afigura-se ser a pena aplicada algo excessiva, reduzindo-se a mesma para oito anos de prisão.

           Decisão

Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela arguida AA, reduzindo a pena aplicada para oito anos de prisão.

Sem custas.

Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

                                              Lisboa, 21 de Dezembro de 2011


Raul Borges (Relator)
Henriques Gaspar