ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
85/10.1TBVCD-F.P1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 11/03/2011
SECÇÃO 7ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA

DESCRITORES INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO
PASSIVO
PREJUÍZO
CREDOR
LEGISLAÇÃO NACIONAL CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS, ARTIGOS 14º, 235º 236º, 238º
JURISPRUDÊNCIA NACIONAL ACÓRDÃO DE 21 DE OUTUBRO DE 2010 DO SUPREMO TRIBUNAL (WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 3850/09.09TBVLG-D.P1.S1)


SUMÁRIO

1.É o interesse dos credores que é globalmente protegido pelo processo de insolvência; mas a possibilidade de exoneração do insolvente do pagamento do passivo que fique por pagar, seja no processo de insolvência, seja nos cinco anos posteriores ao seu encerramento (artigo 235º do Código), tem como objectivo específico a protecção do devedor.
2. Pretendeu-se, por esta via, permitir um fresh start às pessoas singulares que sejam declaradas insolventes, verificados determinados requisitos que as tornem, aos olhos da lei, merecedoras da liberação de débitos não pagos, fora dos limites apertados das regras da prescrição.
3. O prejuízo para os credores previsto na al. d) do nº 1 do artigo 238º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas não resulta automaticamente do atraso na apresentação à insolvência, mas abrange qualquer hipótese de redução da possibilidade de pagamento dos créditos, provocada por esse atraso, desde que concretamente apurada, em cada caso.
4. A ausência de culpa do devedor na criação ou no agravamento da situação de insolvência pode coexistir com o indeferimento do pedido de exoneração.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL


Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. Por sentença de 14 de Janeiro de 2010, a fls. 52, foi decretada a insolvência de AA e BB, na sequência de apresentação dos insolventes.
Em 12 de Julho seguinte, foi indeferido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, a fls. 44, com fundamento no disposto na al. d) do nº 1 do artigo 238º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Esta decisão foi confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto, no acórdão de 9 de Novembro de 2010, de fls. 97, nestes termos:

“(…) a exoneração do passivo restante não opera automaticamente nem se encontra dependente apenas da vontade manifestada nesse sentido pelo devedor, como decorre da leitura dos artigos 236º a 238º do CIRE. O nº 1 desta última norma prevê as situações em que o pedido de exoneração é liminarmente indeferido. No despacho recorrido considerou-se que estava preenchida a previsão contida na alínea d) do artigo 238º – (…).
(…) Os recorrentes exploravam uma embarcação de pesca, tendo interrompido essa actividade em 2006. Segundo os próprios alegam, essa interrupção resultou da crise no sector das pescas, aliada à falta de apoio e subsídios ao sector, ao aumento dos preços dos combustíveis e à diminuição do preço do pescado. Em finais de 2006 já se encontravam vencidas dívidas no montante de €80.949,06 (cfr. als. a), b) e d) do nº 9 dos factos acima enunciados). Com a embarcação parada e sem gerar receitas (nº 2 dos factos), era evidente, para qualquer pessoa medianamente avisada e conhecedora da vida, que não só não era possível satisfazer os créditos como estes aumentavam, por força da contagem dos juros. Acresce que, o barco, mesmo parado, implicava custos (nomeadamente de acostagem), além de sofrer desvalorização.
(…) Com dívida do apontado montante não indicia uma gestão medianamente prudente e avisada a paragem do barco e a total inactividade, porquanto tal atitude teria que provocar o avolumar das dívidas. A par deste crescimento das dívidas situa-se a diminuição do património. Tal situação acarretou prejuízos para os credores, uma vez que, com a diminuição do valor do barco, paralela ao crescimento das dívidas, diminuiu a garantia de recebimento integral dos seus créditos.
(…) Com a embarcação parada e sem qualquer fonte geradora de receitas, tornava-se evidente a inexistência de perspectiva séria da melhoria da situação económica dos ora recorrentes, consoante se escreveu na decisão impugnada (…).
Se o barco em 2006 valia – como sustentam os recorrentes – €250.000, e se já nesse ano tiveram que parar por falta de dinheiro para o combustível e para pagamento dos serviços de manutenção e de acostagem (segundo alegam no requerimento de insolvência), era elementar que a manutenção do barco, permanentemente acostado, apenas contribuiria para o avolumar das dívidas.
Alegam os recorrentes que a embarcação foi vendida, no âmbito da insolvência, “por valor superior a €120.000”. Não indicam o montante exacto. Ignora-se se tal corresponde à verdade. De qualquer modo, os créditos reconhecidos ascendem a €329.315,68 (nº 7 dos factos). Além do barco, indicaram com a petição (art. 24º, nº 1, al. e), do CIRE), como “bens próprios da requerente BB”, o quinhão hereditário da herança aberta por óbito de seus pais, do qual faz parte um prédio urbano destinado a habitação, composto de rés-do-chão, sótão e anexo para garagem, sito em Vila do Conde. Mas também indicaram que além da requerente existe outra herdeira, também filha dos inventariados, pelo que apenas se deverá atender a metade do valor deste prédio (cujo valor se ignora).
Do factualismo acima descrito podemos concluir que a situação de insolvência já se verificava mais de seis meses antes da data em que esta foi requerida; que a não apresentação à insolvência causou prejuízo aos credores (…); e que os ora recorrentes sabiam que a sua situação económica não apresentava perspectivas sérias de melhoria. Consequentemente, verificam-se os requisitos que, segundo a alínea d) do nº 1 do artigo 238º, conduzem ao indeferimento liminar. Foi nesse sentido a decisão recorrida, a qual se mantém na íntegra.”

2. AA e BB recorreram para o Supremo Tribunal da Justiça, invocando o nº 1 do artigo 14º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e a existência de contradição de julgados.
Nas alegações, formularam as seguintes conclusões:

“1 – O acórdão recorrido está em oposição com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto de 14 de Janeiro de 2010, no Pº nº 153/09 de S. João da Madeira, in site jusnet e ainda no acórdão do STJ de 21/10/2010 in site dgsi, no P. 3850/09.9TBVLG, sendo que não há acórdão de fixação de jurisprudência sobre a questão.
2- A questão decidenda é se ocorrem os pressupostos para o indeferimento liminar, concretamente o prejuízo para os credores decorrente de atraso do devedor na apresentação à insolvência, previsto como requisito pela al. d) do n° 1 do artigo 238° do CIRE.
3- O acórdão proferido nos presentes autos subscreve o entendimento de que a invocada ampliação do prejuízo para os credores, quer por contagem dos juros de mora, quer por atraso na liquidação do património e inerente desvalorização acrescida desse património corporiza o requisito ‘prejuízo’ a que alude o transcrito art. 238º nº 1 al. d) do CIRE.
4 – Pelo contrário, os acórdãos fundamento entendem que esse circunstancialismo, por si só, não corporiza o prejuízo a que alude o transcrito art. 238° n° 1 al d) do CIRE.
5- Verificada a situação excepcional prevista no art. 14° n° 1 do CIRE, in fine, deve a presente revista ser admitida e conhecida.
6- Atenta a ratio legis do instituto da exoneração do passivo restante, o prejuízo para os credores de que trata a al. d) do n° 1 do artigo 238° do CIRE é, antes, o que resulta do capital de dívidas contraídas pelo devedor em período posterior ao momento em que a sua insolvência está consolidada e/ou o que resulta de dissipação de património pelo devedor nesse mesmo período, reduzindo a garantia patrimonial dos credores.
7 - Esta interpretação é a que melhor respeita aquilo que o legislador pretendeu com a autonomização do requisito do prejuízo, no dispositivo da alínea d) do 238º em causa, atendendo ao princípio ínsito no nº 3 do artigo 9º do Código Civil, de que ‘na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados’.
8. Na verdade, e tal como entende o citado e tão recente acórdão deste STJ, se se entende que pelo facto de o devedor se atrasar a apresentar-se à insolvência resultavam automaticamente prejuízos para os credores, então não se compreendia por que razão o legislador autonomizou o requisito de prejuízo, só se compreendendo essa autonomização se este prejuízo não resultar automaticamente do atraso, mas sim de factos de onde se possa concluir que o devedor teve uma conduta ilícita, desonesta, pouco transparente e de má fé e que dessa conduta resultaram prejuízos para os credores.
9. De todo o modo, não é sequer correcta a afirmação que o atraso aumenta o prejuízo pelo vencimento de juros, pois os juros de mora contados após a declaração de insolvência são reconhecidos como créditos subordinados e os anteriormente são reconhecidos com o crédito.
10. Feita a subsunção dos factos ao direito, e tomando em conta também o que foi dado como provado nos autos de insolvência, no incidente de qualificação, de que se junta a sentença transitada, será de concluir a o casal dos insolvente pautou a sua actuação por uma conduta transparente, honesta, de boa fé, não tendo prejudicado os credores, nem aumentado o passivo, nem desbaratado o seu património.
11 – Os insolventes merecem a oportunidade de ‘começar de novo’ que o deferimento do seu pedido de exoneração do passivo restante constitui, propondo-se pagar aos seus credores pela liquidação do seu património, que está em curso, e o restante, durante cinco anos, para o que contribuirão com o seu rendimento disponível.
12 – O acórdão recorrido violou o disposto no artigo 238 nº 1 al. d) do CIRE, pela interpretação literal feita, tão distanciada da ratio do instituto e daquilo que, também por apelo ao elemento sistemático, se tem de considerar como sendo o sentido da norma pretendido pelo legislador, que foi o de, no âmbito da insolvência, para as pessoas singulares, permitir um recomeço da sua vida financeira ao devedor que tenha tido um comportamento pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé no que tange à sua situação económica.”

Contra-alegou o Ministério Público, concluindo
“A) Pela inadmissibilidade do recurso;
B) Ou, caso se entenda que o mesmo é, ainda assim, admissível, pela sua total improcedência”.

O recurso foi admitido (despacho de fls. 204)

3. Tendo o relator cessado funções no Supremo Tribunal da Justiça, o processo foi redistribuído e, na sequência do despacho da relatora de fls. 232, veio a ser proferido acórdão admitindo o recurso, como revista excepcional, nos termos da al. c) do nº 1 do artigo 721º-A do Código de Processo Civil, pela formação prevista no respectivo nº 3 (a fls. 236).

4. Vem provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido):

1. Os insolventes dedicavam-se à exploração da embarcação de pesca Henrique Cambola”
2. Nos exercícios de 2006 a 2008 foi nulo o volume de negócios referente a tal actividade.
3. Por força da suspensão da actividade, a referida embarcação de pesca perdeu o direito à licença necessária para exercer a actividade piscatória, que tem de ser emitida pela Direcção-Geral de Pescas.
4. Conforme admitiram os insolventes, no momento em que suspenderam sua actividade a embarcação de que eram proprietários tinha um valor comercial de cerca de €250.000,00, mas no decurso de 2009 o seu valor ascenderia apenas a cerca de €112.000,00, não conseguindo os insolventes custear as despesas de sua necessária manutenção.
5. No auto de apreensão junto aos presentes autos, no respectivo apenso, o Sr. Administrador fez constar que a embarcação se encontra em mau estado, tendo-lhe atribuído um valor de €10.000,00
6. Os insolventes têm como único rendimento o vencimento do insolvente AA que trabalha como motorista na sociedade... — Transporte Rodoviário de Mercadorias, Lda., na quantia mensal não inferior a €850,00.
7. [Foram] reclamados e reconhecidos [nos presentes autos] créditos sobre o insolvente no montante global de €329.315,68.
8. Aos insolventes é conhecida a propriedade de uma embarcação de pesca, dois veículos automóveis, e o quinhão hereditário da insolvente BB na herança aberta por óbito de CC.
9. Contra os insolventes foram instauradas e estavam pendentes à data de instauração dos presentes autos, as seguintes acções executivas:
a) Execução n.° 2113/06.6TBPVZ, que corre termos no 1º Juízo Cível do Tribunal de Vila do Conde, instaurada a 14/7/2006, em que é exequente Caixa Económica Montepio Geral, para cobrança do montante de €11.270,74 titulado por livrança vencida a 27/1/2005.
b) Execução n.° 2l15/06.2TBPVZ, que corre termos no 1° Juízo Cível do mesmo Tribunal, instaurada a 13/7/2006, em que é exequente Caixa Económica Montepio Geral, para cobrança do montante de €2.933,41 titulado por livrança vencida a 8/1/2005.
c) Execução n.° 3 149/06.2TBPVZ-A, que corre termos pelo 2° Juízo Cível do Tribunal de Vila do Conde, instaurada a 3/9/2007, em que é exequente Oficina de Serralharia Mecânica e Marítima, para cobrança do montante de €4.037,14 proveniente de transacção celebrada a 24/5/2007, homologada por sentença.
d) Execução n.° 122/07.7TNLSB, que corre termos pela Secção única do Tribunal Marítimo de Lisboa, instaurada a 17/4/2007, em que é exequente Docas Pescas Portos e Lotas, S.A., para cobrança do montante de €66.744,9 1, proveniente de confissão de dívida de 21/6/2005, venda de gasóleo no período compreendido entre 13/9/2005 e 21/10/2005 e de contrapartidas de licenciamento de armazém de aprestos no período compreendido entre 3/10/2005 e 1/10/2006, na sequência do que foi emitida letra de câmbio com vencimento a 10/10/2006.
e) Execução n.° 66/08.5YYPRT, que corre termos na 2 Secção do 1° Juízo dos Juízos de Execução do Porto, instaurada a 27/12/2007, em que é exequente Caixa de Crédito Agrícola Mutuo da Área Metropolitana do Porto, CRL, para cobrança do montante de €31.756,47 titulado por livrança vencida a 26/6/2007 e proveniente de mútuo celebrado em 16/7/2001.
f) Execução n.° 1116/08.OYYPRT, que corre termos no 1° Juízo Cível do Tribunal de Vila do Conde, instaurada a 13/212008, em que é exequente Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Área Metropolitana do Porto, CRL, para cobrança do montante de €117.631,69 titulado por escritura pública de mútuo celebrada a 1/3/2000.
g) Execução n.° 743/08.OTBPVZ-B, que corre termos no 3º Juízo do Tribunal de Vila do Conde, instaurada a 25/3/2008, em que é exequente DD, para cobrança do montante de €24.416,35 titulado por sentença condenatória.
10. Os insolventes não têm antecedentes criminais”.

Há ainda que ter em conta que ambas as instâncias entenderam que os recorrentes já se encontravam objectivamente em situação de insolvência “mais de seis meses antes da data em que esta foi requerida” (acórdão recorrido, fls. 105); e que, conforme resulta da certidão junta com as alegações, foi entretanto proferida sentença, transitada em julgado, no incidente de qualificação da insolvência, qualificando-a como fortuita.

5. Cumpre portanto conhecer do recurso, tendo em consideração o acórdão de fls. 236.
Está em causa saber se ficou ou não demonstrado nos autos o prejuízo para os credores, resultante de os recorrentes se não terem apresentado à insolvência nos seis meses posteriores “à verificação da situação de insolvência”, previsto na al. d) do nº 1 do artigo 238º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas como fundamento do indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.
Antes de mais cabe recordar que:
– Está fora de dúvida que é o interesse dos credores que é globalmente protegido pelo processo de insolvência, mas que a possibilidade de exoneração do insolvente do pagamento do passivo que fique por pagar, seja no processo de insolvência, seja nos cinco anos posteriores ao seu encerramento (artigo 235º do Código), introduzida na lei portuguesa pelo Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, tem como objectivo específico a protecção do devedor. Como tem sido observado, pretendeu-se, por esta via, permitir um fresh start às pessoas singulares que sejam declaradas insolventes, verificados determinados requisitos que as tornem, aos olhos da lei, merecedoras da liberação de débitos não pagos, fora dos limites apertados das regras da prescrição;
– Como se observou no acórdão de 21 de Outubro de 2010 deste Supremo Tribunal (www.dgsi.pt, proc. nº 3850/09.09TBVLG-D.P1.S1), citado pelos recorrentes, não se pode interpretar a citada al. d) do nº 1 do artigo 238º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas no sentido de que “pelo facto de o devedor se atrasar a apresentar-se à insolvência resultavam automaticamente prejuízos para os credores”, desde logo porque, “então não se compreendia por que razão o legislador autonomizou o requisito de prejuízo”; mas o acórdão recorrido não perfilhou manifestamente essa interpretação, que seria equivalente à de retirar do mero atraso (isto é, da ultrapassagem dos seis meses) na apresentação uma presunção de prejuízo. Diferentemente, o acórdão recorrido, tal como a decisão de fls. 44, investigou a ocorrência de prejuízos, não os presumiu;
– Se é exacto que a culpa do devedor na criação ou no agravamento da situação de insolvência impede o deferimento do pedido de exoneração ou conduz à cessação antecipada do correspondente procedimento (cfr. artigos 238º, nº 1, e) e 243º, nº 1, c) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), é igualmente certo que a ausência de culpa pode coexistir com o indeferimento.

6. Ambas as instâncias consideraram demonstrado que os recorrentes causaram prejuízo aos credores, por se terem apresentado à insolvência mais de seis meses depois de, objectivamente, se encontrarem nessa situação.
Os recorrentes afirmam que o acórdão recorrido seguiu o entendimento “de que a invocada ampliação de prejuízos para os credores, quer por contagem de juros de mora, quer por atraso na liquidação do património e inerente desvalorização acrescida desse património corporiza o requisito ‘prejuízo’” da al. d) do nº 1 do artigo 238º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Ora, segundo sustentam, só ocorre esse prejuízo quando, depois de estar consolidada a situação de insolvência, o devedor contraiu dívidas (de capital) ou dissipou património “em período posterior ao momento em que a sua insolvência está consolidada”, assim “reduzindo a garantia patrimonial dos credores”.
No entanto, o acórdão recorrido não retirou automaticamente do atraso na apresentação à insolvênciarepita-se, da ultrapassagem do prazo de seis meses sobre a insolvência de facto – e da consequente acumulação de juros de mora a conclusão de que esse atraso causou prejuízos aos credores; nem tão pouco afirmou ter havido automaticamente desvalorização do património dos recorrentes, apenas em consequência dessa demora.
Tal como a 1ª Instância, o acórdão recorrido analisou a situação concreta dos autos e concluiu que, no caso:
– Quando, em finais de 2006, os recorrentes interromperam a actividade de exploração da embarcação de que eram proprietários, já tinham dívidas vencidas no montante de € 80.949,06;
“Com a embarcação parada e sem qualquer fonte geradora de receitas”, e ainda com a perda da licença para o exercício da actividade de pesca, não só não se geravam receitas para satisfazer os créditos, “como estes aumentavam, por força da contagem dos juros. Acresce que o barco, mesmo parado, implicava custos” quer de acostagem, quer de manutenção, “além de sofrer desvalorização”;
– Paralelamente ao crescimento das dívidas, verificava-se “a diminuição do património”, resultante da “diminuição do valor do barco”: da conjugação destes dois factores resultaram “prejuízos para os credores, uma vez que (…) diminuiu a garantia de recebimento integral dos seus créditos”.
Os recorrentes discordam de que se deva alcançar esta conclusão, dando assim por preenchido o requisito do “prejuízo (…) para os credores”, constante da citada al. b) do bº 1 do artigo 238º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Mas sem razão. Tal prejuízo deve entender-se como abrangendo qualquer hipótese de redução da possibilidade de pagamento dos créditos, provocada pelo atraso na apresentação à insolvência, desde que concretamente apurada, em cada caso.
Em primeiro lugar, porque é o que resulta da letra da lei, que liga causalmente o prejuízo ao atraso na apresentação, por referência ao prazo de seis meses. Restringir a sua aplicação às hipóteses em que o devedor contraiu novas dívidas ou dissipou o património significa encontrar outra causa do prejuízo.
Em segundo lugar, porque não resulta da ratio do instituto da exoneração do passivo restante que se deva adoptar a interpretação defendida pelos recorrentes: a consideração equilibrada do interesse dos credores – protegidos pelo processo de insolvência, como se disse – e dos devedores – que o regime da exoneração beneficia – obriga a exigir como condição deste benefício uma actuação que também objectivamente tenha acautelado os interesses daqueles, traduzida numa apresentação à insolvência em tempo oportuno. Não é suficiente que o devedor não tenha dissipado o património, contraído “mais e mais dívidas”, andado a “meter para o bolso”, para usar as expressões constantes das alegações dos recorrentes; basta recordar que o pedido de exoneração pode ser indeferido mesmo que a insolvência seja apenas fortuita, como se disse já (cfr. as causas de insolvência culposa, constantes do nº 1 do artigo 186º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), para concluir pela incorrecção desta restrição.

7. Nestes termos, nega-se provimento à revista.
Custas pela massa insolvente, nos termos do disposto no artigo 304º do CIRE.

Supremo Tribunal de Justiça, 3 de Novembro de 2011
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Lopes do Rego
Orlando Afonso