ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
17/09.0TELSB.L1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 12/15/2011
SECÇÃO 3.ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL RECURSO PENAL
DECISÃO PROVIDO EM PARTE
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR RAÚL BORGES

DESCRITORES TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES AGRAVADO
FALSIFICAÇÃO
DETENÇÃO ILEGAL DE ARMA
COACÇÃO GRAVE
TENTATIVA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
ACORDÃO DA RELAÇÃO
DUPLA CONFORME
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PENA PARCELAR
DIREITO AO RECURSO
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
MATÉRIA DE FACTO
VÍCIOS DO ART.º 410 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
REPETIÇÃO DE ARGUIÇÃO DE VÍCIOS
CONHECIMENTO OFICIOSO
IN DUBIO PRO REO
BANDO
FACTOS GENÉRICOS
CO-AUTORIA
CUMPLICIDADE
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
ILICITUDE
CULPA
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
PENA ÚNICA
IMAGEM GLOBAL DO FACTO

SUMÁRIO I - A alteração legislativa introduzida com a Lei 48/2007, de 29-08 tem um sentido restritivo, impondo uma maior restrição ao recurso, com novo paradigma, referindo a “pena aplicada” e não já a “pena aplicável”, quer no recurso directo, quer no recurso de acórdãos da Relação que confirmem decisão de 1.ª instância, circunscrevendo a admissibilidade de recurso das decisões da Relação confirmativas de condenações proferidas na 1.ª instância às que apliquem pena de prisão superior a 8 anos. Com efeito, à luz do art. 400.°, n.º 1, al. f), do CPP, na redacção actual, só é possível o recurso de decisão confirmatória no caso de a pena aplicada ser superior a 8 anos de prisão.

II - Face à redacção do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, actualmente em vigor, atenta a identidade – total – de decisão nas instâncias sobre as penas aplicadas a parte dos crimes imputados ao arguido nos autos, é indubitável que não são admissíveis os recursos em causa na parte respeitante à impugnabilidade de tais penas parcelares. Daí não decorre violação do direito de recurso, por estar assegurado um duplo grau de jurisdição e não se impor, aliás, um não previsto duplo grau de recurso.

III - Conforme estabelece o art. 379.°, n.º 1, al. c), 1.ª parte, do CPP, é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, sendo tal disposição correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso, por força do n.º 4 do art. 425.° do mesmo diploma.

IV - A omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Tais questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à apreciação do tribunal (art. 660.°, n.º 2, do CPC) e as que sejam de conhecimento oficioso, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.

V - Como uniformemente tem sido entendido no STJ, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que como tal tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os dissídios ou problemas concretos a decidir e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões, motivos, ou doutrinas expendidos pelos interessados na apresentação das respectivas posições, na defesa das teses em presença.

VI - A pronúncia cuja omissão determina a consequência prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP – a nulidade da sentença – deve incidir sobre problemas, os concretos problemas, as questões específicas sobre que é chamado a pronunciar-se o tribunal (o thema decidendum), e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos ou razões alegadas.

VII - A doutrina e jurisprudência distinguem entre questões e razões ou argumentos; a falta de apreciação das primeiras consubstancia a verificação da nulidade; o não conhecimento dos segundos, será irrelevante.

VIII - No caso em apreciação, sobre todos e cada um dos aspectos focados recaiu a atenção do acórdão recorrido, afrontando, analisando, como se referiu, de forma minuciosa, as questões propostas, emitindo a sua opinião, concluindo que a decisão recorrida não merecia censura. Em suma, tomou posição de forma expressa, com a qual obviamente o recorrente pode não concordar. O recorrente pode manifestar a sua discordância com o ponto de vista defendido pela Relação, mas uma coisa é discordar de uma posição assumida de forma expressa, patente, clara, e com ela não estar em consonância, outra coisa é, por se discordar da mesma, invocar que houve uma omissão de pronúncia.

IX - Não se verifica uma alteração substancial de factos quando o Tribunal comunica ao arguido a alteração de qualificação jurídica, face à não verificação do imputado crime de associação criminosa, passando o Colectivo a proceder a convolação para outra figura jurídica, que constitui um minus em relação à anterior.

X - Os recorrentes insurgem-se também contra a decisão da 1.ª instância, por discordarem da matéria de facto assente, pretendendo esgrimir argumentos no campo da matéria de facto, mas não podendo recorrer com tais fundamentos para o STJ, dado que ao Supremo compete apenas o reexame da matéria de direito. São totalmente irrelevantes as considerações que os recorrentes fazem no sentido de pretenderem discutir a prova feita no julgamento e de solicitarem que este Tribunal de recurso modifique tal prova e passe a aceitar como realidade aquilo que o interessado pretende corresponder ao sentido do que teria resultado do julgamento.

XI - A crítica ao julgamento de facto, a expressão de divergência do condenado/recorrente relativamente ao acervo fáctico que foi fixado e ao modo como o foi, ou seja, as considerações por si tecidas quanto à análise, avaliação, ponderação e valoração das provas feitas pelo Colectivo julgador, nos casos de recurso directo – e no caso presente, tendo a opção do Colectivo sido já debatida, reapreciada no acórdão em recurso, a merecer uma confirmação em que o juízo substitutivo não funcionou, no jeito de uma dupla conforme, em sede de fixação de matéria de facto – são de todo irrelevantes, de acordo com jurisprudência corrente há muito firmada, pois, ressalvada a hipótese de prova vinculada, legal ou tarifada, o STJ não pode considerá-las, sob pena de estar invadir o campo da apreciação da matéria de facto, que o Colectivo faz de harmonia com o art. 127.° do CPP.

XII - Os vícios do art. 410,°, n.º 2, do CPP, são vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tomam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei. Atenta a sua estrutura, referenciados que estão os vícios decisórios ao nível da fixação da facticidade relevante, pertinente e útil, para a conformação final e definitiva do thema probandum, definindo os contornos finais e definitivos do objecto proposto pela vinculação temática concreta do caso, com vista à solução do thema decidendum, não faz sentido assacar a existência de tais vícios ao acórdão ora recorrido, o que seria possível apenas e tão só num quadro em que a Relação fixasse factualidade em função de renovação da prova, o que não é o caso, para nos referirmos apenas à actuação da Relação em sede de recurso (tal possibilidade de sindicância em matéria de facto poderá ter lugar, obviamente, quando a Relação funcionar como 1.ª instância).

XIII - A questão que se coloca, no que respeita aos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável e do erro notório na apreciação da prova, para mais correspondendo a sua invocação a uma reedição da arguição feita no recurso anterior para a Relação, é a de saber se após uma primeira invocação dos vícios perante o Tribunal da Relação é possível o recorrente repetir a arguição desses vícios – necessariamente da decisão da l.ª instância – perante o STJ, ou se se opera a preclusão dessa possibilidade.

XIV - O STJ conhece oficiosamente dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, quando, num recurso restrito exclusivamente à matéria de direito, constate que, por força da inquinação da decisão recorrida por algum deles, não possa conhecer de direito sob o prisma das várias soluções jurídicas que se apresentem como plausíveis. No caso de recurso interposto de acórdão da Relação, como ora ocorre, porém, o recurso – agora puramente de revista – terá de visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria de direito, com exclusão dos eventuais vícios, processuais ou de facto, do julgamento da l.ª instância, admitindo-se que o Supremo se possa abster de conhecer do fundo da causa e ordenar o reenvio nos termos processualmente estabelecidos em certos casos.

XV - É que, mesmo nos recursos interpostos directamente deixou de ser possível recorrer-se com fundamento na existência de qualquer dos vícios constantes das três als. do n.º 2 do art. 410.º, o mesmo se passando com os recursos interpostos da Relação, sendo jurisprudência constante e pacífica do STJ que no recurso para este Tribunal das decisões finais do tribunal colectivo já apreciadas pelo Tribunal da Relação, está vedada a arguição dos vícios do artigo 410.°, n.º 2, do CPP, posto que se trata de matéria de facto, ou seja, de questão que se não contém nos poderes de cognição do STJ, o que significa que está fora do âmbito legal dos recursos a reedição dos vícios apontados à decisão de facto da l.ª instância, em tudo o que foi objecto de conhecimento/decisão pela Relação.

XVI - Todavia, a incursão no plano fáctico é ainda possível, não já face a questão colocada pelo interessado, mas por iniciativa própria do STJ. Só com o âmbito restrito consentido pelo art. 410.°, n.º 2, do CPP, com o incontornável pressuposto de que o vício há-de derivar do texto da decisão recorrida, e apenas dele, o STJ poderá avaliar da subsistência dos vícios da matéria de facto, o que é aplicável a recurso interposto de acórdão proferido pela Relação.

XVII - Relativamente à violação do princípio in dubio pro reo, importa acentuar que, dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, num caso em que, como o presente, o Tribunal da Relação se encontra no âmbito de um recurso da matéria de facto restrito aos vícios previstos no art. 410.°, n.º 2, do CPP, a mesma deve resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos referidos vícios. Ou seja, só ocorre quando, seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente – de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido – pela prova em que assenta a convicção.

XVIII - Esta possibilidade de abordagem de eventual violação do princípio será balizada pelos parâmetros de cognoscibilidade presentes numa indagação dos vícios decisórios, por um lado, com o consequente alargamento de possibilidade de incursão de exame no domínio fáctico, mas simultaneamente, como ali ocorre, operando de uma forma mitigada, restrita, que se cinge ao texto da decisão recorrida, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum. O que significa que, tal como ocorre na análise e exame de verificação dos vícios, quando se perspectiva indagação de eventual violação do princípio in dubio pro reo (em ambos os casos diversamente do que ocorre com a avaliação de nulidades da sentença), há que não esquecer que se está sempre perante um poder de sindicância de matéria fáctica, que é limitado, restrito, parcial, mitigado, exercido de forma indirecta, dentro do condicionalismo estabelecido pelo art. 410.° do CPP, em suma, que o horizonte cognitivo do STJ se circunscreve ao texto da decisão, não incidindo sobre o julgamento, isto é, que o objecto da apreciação será sempre a decisão e não o julgamento.

XIX - Conforme exposto no Ac. STJ de 07-01-2004, Proc. n.º 3213/03 - 3ª, “A noção de «bando», figura de pluralidade, de concertação e também de organização, situa-se, no plano da construção, entre as dimensões da comparticipação, em relação à qual se apresenta como um plus diferenciador, e a organização de nível e relevo que integre já o conceito, tipicamente relevante, de associação criminosa. A diferença qualitativa há-de situar-se essencialmente na dimensão organizativa e na predeterminação dos fins; só esta dimensão acrescenta ao «acordo ou juntamente com outros» um quid material de distinção. A actuação em «bando», ou como membro de «bando», significa necessariamente a existência de um sentimento de comunhão de fins, de pertença a uma pluralidade inorgânica diversa das individualidades, de especificidade de fins e objectivos determinados, diversos da simples conjugação ou soma de vontades individuais agregadas.

XX - Na jurisprudência do STJ a noção de «bando» visa todas as situações de pluralidade de agentes, actuando de forma voluntária, concertada e de colaboração mútua, com um princípio de estruturação de funções (estruturação incipiente), que, embora mais graves do que a mera comparticipação, não podem ser ainda consideradas associações criminosas, por não existir uma organização suficientemente caracterizada, com níveis e hierarquias e com uma relativa diversidade e especialização de funções de cada um dos membros ou aderentes. Considera-se necessário que «a actuação, em concreto, seja levada a efeito, ao menos por dois elementos». Hão-de, assim, ser relevantes a existência de um grupo de pessoas, o sentimento e a vontade de pertença, uma estruturação organizatória mínima na direcção e na divisão de tarefas, a permanência no tempo e a predeterminação de finalidades, a actuação conforme plano previamente elaborado e em conjugação de esforços, o conhecimento por todos da actividade de cada um, e a divisão entre elementos do grupo dos proventos obtidos com a actividade”.

XXI - Como vem sendo afirmado pela jurisprudência dominante deste STJ, as imputações genéricas, designadamente no domínio do tráfico de estupefacientes, sem qualquer especificação das condutas em que se concretizou o imputado comércio e do tempo e lugar em que tal aconteceu, por não serem passíveis de um efectivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado, não podem servir de suporte à qualificação da conduta do agente.

XXII - Os casos de comparticipação só são configuráveis mediante acordo prévio dos comparticipantes, que traçando um plano criminoso, visam pô-lo em prática. o co-autor executa o facto, toma parte directa na sua realização, por acordo ou juntamente com outro ou outros, ou determina outrem à prática do mesmo. A co-autoria é a execução colectiva do facto, comunitária, em que cada comparticipante quer causar o resultado como próprio, mas com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas. Na comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria são essenciais dois requisitos: uma decisão conjunta, tendo em vista a obtenção de um determinado resultado, e uma execução igualmente conjunta.

XXIII - Exige-se, assim, um elemento subjectivo e um outro objectivo. O primeiro exige uma decisão conjunta, podendo consistir num acordo, expresso ou tácito, ou, pelo menos, uma consciência de colaboração com carácter bilateral. O elemento objectivo consiste na participação na execução do facto criminoso, conjuntamente com outro ou outros, num exercício conjunto do domínio do facto, ou numa contribuição objectiva para a consumação do tipo legal visado.

XXIV - A jurisprudência tem procurado estabelecer as diferenças entre co-autoria e cumplicidade, como se vê, por exemplo, no Ac. STJ de 22-03-2001, Proc. n.º 473/01 – 5ª, in CJSTJ 2001, tomo 1, pág. 260, onde se refere que “tanto co-autor como cúmplice são auxiliatores; cada um a seu jeito, ajuda ou concorre para a produção do feito. Mas enquanto o primeiro assume um papel de primeiro plano, dominando a acção (já que esta é concebida e executada com o seu acordo – inicial ou subsequente, expresso ou tácito – e contribuição efectiva), o segundo é um interveniente secundário ou acidental: só intervém se o crime for executado ou tiver início de execução e, além disso, mesmo que não interviesse, aquele sempre teria lugar, porventura em circunstâncias algo distintas. A sua intervenção sendo, embora, concausa do concreto crime levado a cabo, não é causal da existência da acção, no sentido de que, sem ela, apesar de tudo, o facto sempre teria lugar, porventura em circunstâncias algo diversas. É neste sentido, um auxiliator simplex ou causam non dans; de tal modo que pode conceber-se autoria sem cumplicidade, mas não, esta sem aquela, o que mostra o carácter acessório da figura.

XXV - No caso concreto, entendendo-se estar perante um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, do DL 15/93, de 22-01, a penalidade prevista é de 4 a 12 anos de prisão, pelo que atendendo a que:
- como factor comum a todos os arguidos foi relevada na 1:ª instância e na Relação a presença de elevadas exigências de prevenção geral, que se fazem sentir neste tipo de criminalidade, a intensidade do grau de culpa, terem agido os arguidos com dolo directo, a quantidade do produto, elevadíssima, sendo também significativamente elevadas as necessidades de prevenção especial, dada a forma como os factos foram praticados, a ausência de arrependimento e a absoluta falta de consciencialização do desvalor jurídico-penal das suas condutas;
- o normativo incriminador do tráfico de estupefacientes tutela uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal – a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores – visando ainda a protecção da vida em sociedade, o bem-estar da sociedade, a saúde da comunidade (na medida em que o tráfico dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos), embora todos eles se possam reconduzir a um bem geral – a saúde pública – pressupondo apenas a perigosidade da acção para tais bens, não se exigindo a verificação concreta desse perigo;
- quanto ao modo de actuação dos recorrentes há a considerar que estamos perante uma actuação isolada, um único transporte de haxixe, que proveniente de Marrocos foi desembarcado no porto de Sesimbra no dia 14-10-2008;
- no que respeita à natureza e qualidade do produto estupefaciente em causa, trata-se de haxixe, substância considerada droga leve;
- será de atender ainda à elevadíssima quantidade de haxixe transportado – 6358 635,911 g, com os quais era possível preparar 10 264 226 doses individuais – o que releva para aferição de uma visão global do facto, pela perigosidade que envolve;
- o dolo dos arguidos recorrentes foi directo e intenso, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;
- no que tange a motivações das condutas tem-se por certo estar presente a obtenção de vantagem patrimonial de relevo;
- a culpa é acentuada e revelada pelo modo de actuação, na preparação e realização de um transporte transnacional;
- no que toca ao arguido B, como militar da GNR, tinha o especial dever de respeito para com as leis que estava obrigado a fazer respeitar;
sendo de estabelecer alguma diferença entre os graus de culpa dos arguidos A e B, por um lado, e por outro, dos arguidos C e D, entende-se como adequadas e proporcionais, as penas de 9 anos de prisão, para cada um dos arguidos A e B e de 6 anos e 6 meses de prisão para os arguidos C e D.

XXVI - Fazendo o cúmulo jurídico das penas aplicadas aos arguidos A e B, e procedendo ao mesmo, estando-se perante uma moldura penal de concurso no que toca ao primeiro de 9 anos a 9 anos e 8 meses de prisão, e quanto ao segundo de 6 anos e 6 meses a 8 anos e 2 meses, considerando a diversidade de bens jurídicos tutelados, a proximidade temporal das condutas em causa no que respeita ao arguido A, e algum distanciamento no que respeita ao arguido B, em cada um dos casos, tem-se por adequadas, equilibradas e proporcionais, as penas conjuntas de 9 anos e 4 meses de prisão para o arguido A e de 7 anos de prisão para o arguido B.

XXVII - Constitui jurisprudência uniforme a de que os recursos se destinam a reexaminar decisões proferidas por jurisdição inferior, visando apenas apurar a adequação e legalidade das decisões sob recurso, e não a obter decisões sobre questões novas, não colocadas perante aquelas jurisdições. O Tribunal Superior, visando apenas a reapreciação de questões colocadas anteriormente e não a apreciação de outras novas, não pode conhecer de argumentos ou fundamentos que não foram presentes ao tribunal de que se recorre.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL



No âmbito do processo comum com intervenção de Tribunal Colectivo n.º 17/09.0TELSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Sesimbra, integrante do Círculo Judicial de Almada, foram submetidos a julgamento, os seguintes arguidos:
1. AA, nascido em 06-03-1970, natural de Póvoa de M..., Tábua, divorciado, com residência no L... do P... de J..., n.º ..., ....º d.to, Frente, Tábua, actualmente preso, em cumprimento de pena.
2. BB, aliás, BBB, nascido em 10-09-1985, de nacionalidade Marroquina, solteiro, com residência em A... A... W..., I..., A..., Marrocos, actualmente preso, em cumprimento de pena.
3. CC, nascido em 03-03-1970, de nacionalidade Marroquina, solteiro, e com residência em I... El K..., L..., em Marrocos, actualmente preso, em cumprimento de pena.
4. DD, nascido em 25-05-1972, natural de Coimbra, casado, residente na Rua das E..., n.º ..., na Marinha Grande, actualmente em parte incerta, tendo sido emitidos mandados de captura em 28-03-2011, na sequência de infracção à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação sujeito a vigilância electrónica, que substituiu a de prisão preventiva, a partir de 26-09-2009.
5. EE, nascido em 21-02-1968, natural da freguesia de R..., concelho de Idanha-a-Nova, residente na Rua Q... da M..., n.º ..., .../..., ...°, A..., preso preventivamente, à ordem destes autos, no Estabelecimento Prisional de Évora - fls. 8354.
6. FF, nascido em 16-04-1973, natural de São Sebastião da Pedreira, Lisboa, com residência na A... ....º de M..., n.º ..., ...° E..., F..., sujeito a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, com sujeição a vigilância electrónica, que substituiu a de prisão preventiva, a partir de 18-07-2009.
7. GG, nascido em 25-05-1951, natural de Quarteira, residente no B... de S... M..., n.º ..., ....º D..., em Peniche.
8. HH, nascido em 07-08-1959, natural de Vila do Conde, residente na Rua de P..., ..., .../... dto., P... de V....
9. II, nascida em 15-05-1952, natural da freguesia de S. Sebastião da Pedreira, Lisboa, residente na A... A... S..., n.º ..., .../... E...., em Linda-a-Velha - Oeiras.

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Todos os arguidos vinham acusados (sendo os arguidos DD, EE e FF, ainda pela prática de outros crimes), da prática de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 28.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, sendo a conduta do arguido DD, pelos n.º s 1 e 3 de tal preceito, e a conduta dos restantes oito arguidos, pelo n.º 2 do mesmo artigo.
E, ainda, os arguidos AA, BBB, CC, DD, EE, FF e GG, ou seja, todos os arguidos (com excepção apenas de HH e de II), da prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. p. pelos artigo 21.º, n.º 1 e 24.º, alíneas c) e f), do mesmo Decreto-Lei.

Sendo este o traçado campo temático de referência, proposto pela acusação pública, enformador da vinculação temática proposta, presente e discutida no processo, o “tema probandum ”, com que teve de lidar o Colectivo julgador, por força dos resultados da produção de prova produzida no contexto, que terão ficado aquém das expectativas acusatórias, ocorreu uma mutação, ou alteração, meramente qualificativa, no panorama da incriminação, passando os arguidos, acusados da prática de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo artigos 21.º e 24.º, alíneas c) e f), do Decreto-Lei n.º 15/93, findo o julgamento, a sê-lo, igualmente (na expressão do Colectivo, também integradores de (…), e no sentido de acrescidamente, apenas em tese, em concepção em trânsito) de harmonia com a alínea j) do mesmo artigo 24.º.
Conforme a acta de julgamento (obviamente, acta de leitura de acórdão), de 18-05-2010, junta a fls. 8328/9, foi então proferido despacho do seguinte teor: “Após deliberação do Tribunal Colectivo, resultaram assentes factos que, não constituindo novos factos para efeitos processuais, são integradores pela parte dos arguidos que se mostram acusados pela prática do crime de tráfico de estupefacientes nos termos do disposto nos art.ºs 21.º e 24.º, al. c) e f) do D.L.15/93, também integradores da al. j) do mesmo artigo.
Assim, neste momento, comunica-se a alteração da qualificação jurídica à defesa”.
Consta da mesma acta que “Dada a palavra aos Mandatários dos arguidos, no uso da mesma declararam prescindir do prazo”.

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Por acórdão do Colectivo de Sesimbra, datado de 18 de Maio de 2010, constante de fls. 8215 a 8327, do 28.º volume, e depositado no dia seguinte, conforme fls. 8331, foi deliberado:
Julgar parcialmente procedente, por provada, a acusação, e, em consequência:
I – Absolver:
1 – Todos os arguidos da prática do crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 28.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01.
2 – Todos os arguidos da prática do crime de tráfico de estupefaciente agravado, p. e p. pelos artigos 21.º e 24.º, alíneas c) e f), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01.
3 – O arguido DD, da prática do crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, do Código Penal.
4 – O arguido EE, da prática do crime de corrupção passiva para acto ilícito, p. e p. pelo artigo 372.º, n.º 1, do Código Penal.
5 – O arguido FF, da prática do crime de ameaça.

II – Condenar, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de:
1 - O arguido AA - um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C, na pena de 6 anos de prisão.
2 - O arguido BBB - um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, por referência à Tabela I-C, na pena de 6 anos de prisão.
3 - O arguido CC - um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, por referência à Tabela I-C, na pena de 6 anos de prisão.
4 - O arguido DD:
4. 1 - um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. nos artigos 21.º e 24.º, alínea j), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C, na pena de 12 anos de prisão.
4. 2 - um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 e 3, do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão.
4. 3 – Efectuado o cúmulo jurídico de tais penas, foi aplicada a este arguido a pena única de 12 anos e 4 meses de prisão;
5 - O arguido EE - um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º e 24.º, alínea j), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C, na pena de 12 anos de prisão.
6 - O arguido FF:
6. 1 - um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º e 24.º, alínea j), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C, na pena de 9 anos de prisão;
6. 2 - um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, na pena de 14 meses de prisão;
6. 3 - um crime de coacção agravada, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 73.º, 154.º, n.º 1, e 155.º do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão.
6. 4 - Realizado o cúmulo jurídico das penas impostas a este arguido, foi aplicada a pena única de 10 anos de prisão.
7 - O arguido GG - um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. nos artigos 21.º e 24.º, alínea j), do Decreto -Lei n.º 15/93, de 22-01, por referência à Tabela I-C, na pena de 9 anos de prisão.

Foram declarados perdidos a favor do Estado: o produto estupefaciente (haxixe); as embarcações H... R..., C... F..., I... C... e todos os objectos aí apreendidos; a viatura ...-GO-...; as viaturas automóveis apreendidas ao arguido EE e DD; as chapas de matrícula da ...-GP-...; a arma de fogo e munições, para além da bolsa em que a mesma se encontrava; o GPS apreendido ao arguido DD; o dinheiro apreendido aos arguidos; os telemóveis apreendidos aos arguidos.

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Interpuseram, então, recursos para o Tribunal da Relação de Lisboa, os seis arguidos, FF (fls. 8448 a 8478), DD (fls. 8592 a 8636), CC (fls. 8638 a 8658), EE (fls. 8660 a 8706), GG (fls. 8480 a 8591, e em original, de fls. 8709 a 8823, do 30.º volume) e BBB (fls. 8837 a 8863), tendo o Ministério Público na primeira instância respondido aos mesmos, conforme fls. 9172 a 9202, do 31.º volume.
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Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20 de Dezembro de 2010, constante de fls. 9283 a 9427, do 32.º volume, foi deliberado negar provimento aos recursos, confirmando na sua plenitude a decisão recorrida.
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O arguido BBB pediu esclarecimento do acórdão da Relação e interpôs do mesmo recurso para o Tribunal Constitucional - fls. 9448 a 9451.
Por acórdão de 5 de Abril de 2011, fazendo fls. 9778 a 9783, o Tribunal da Relação de Lisboa indeferiu o pedido de esclarecimento.
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Os arguidos FF (de fls. 9452 a 9465), DD (de fls. 9466 a 9512), EE (de fls. 9513 a 9568) e GG (de fls. 9569 a 9633, e em original, de fls. 9636 a 9700 – 33.º volume), interpuseram recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, apresentando individualizadas motivações, que rematam com as seguintes conclusões:

O arguido FF
1.ª - Ao sufragar o entendimento perfilhado pela Decisão da 1.ª Instância, de que se está em face de uma situação de bando, subsumível no tipo de crime qualificado de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 24.º, alínea J) do Decreto-Lei N°. 15/93 de 22 de Janeiro, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, ora Recorrido, faz errada qualificação jurídica dos factos provados, contidos nos pontos 1, 2, 3, 55, 56, 75, 80, 81, 82, 83, 84 e 86 da matéria de Facto Assente.
2.ª - É que, todos os referidos factos, para além de encerrarem conclusões que abstraem, na sua globalidade, dos correspondentes factos concretos ou singulares que contribuíram para a sua expressão múltipla, apresentam contornos de considerável indeterminação: desde datas indeterminadas, nas anteriores a 14-10-2008, foram efectuados alguns transportes, de quantidades não apuradas de haxixe, desconhecendo-se com que outros intervenientes, não havendo elementos seguros de quantidades, dias;
3.ª - Esta indeterminação é reconhecida e admitida no Douto Acórdão Recorrido, tal como já o era no Douto Acórdão da 1ª. Instância.
4.ª - Ora, não pode razoavelmente um Arguido exercer o seu direito de defesa em relação a factos com um factor de indeterminação como o que aqui ocorre, pelo que a aceitação dos mesmos como factos constitui uma grave ofensa aos direitos constitucionais, previstos no Artigo 32°. da Constituição da República Portuguesa.
5.ª - Assim, os apontados factos têm de ser interpretados com todas as reservas ou limitações impostas, quer pelo direito de defesa, quer pelo princípio do acusatório, quer ainda pelos princípios da tipicidade e da legalidade, não sendo pois “factos” susceptíveis de sustentar uma condenação penal, como se refere a este título no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-05-2004 - Processo N°. 908/04, relatado pelo Conselheiro Santos Carvalho.
6.ª - E, não se pode partir de tais factos indeterminados, para integrar a conduta dos Arguidos no tipo legal de crime agravado do artigo 24°. do Decreto-Lei 15/93, seja através da alínea J), seja de qualquer outra, pois a indeterminação resultante da matéria assim dada como provada é patente, não se compadecendo com os princípios acima assinalados, dos quais se extraí que os factos imputados têm de ser claros, precisos e determinados, devendo corresponder, rigorosamente, nas suas características aos elementos constituintes do tipo de ilícito, subjectiva e objectivamente considerado.
7.ª - Ora, de concreto apenas se apurou e deu como Assente que os Arguidos, na noite de 14-10-2008, no Porto de Sesimbra, intervieram numa operação de transporte e desembarque e transbordo de 195 fardos de haxixe, contendo 6.358.635,911g desse produto, sendo pois estes os únicos factos, devidamente apurados e concretizados de que se tem que partir para a integração (ou não), no tipo legal de tráfico agravado, no caso, na alínea J) do artigo 24°. do citado Decreto-Lei, não podendo para esse efeito estar também a considerar-se a actividade desenvolvida por alguns dos arguidos ao longo de período de tempo que vai de data indeterminada até 14 de Outubro de 2008, conforme foi dado como provado.
8.ª - Tal actividade poderá ser levada em conta em sede de medida da pena, dentro dos critérios do artigo 71°. N°. 2 do C. P., mas não como elementos integradores das circunstâncias modificativas agravantes que constituem o tipo legal de tráfico agravado.
9.ª - Por tudo isso que, a referida factualidade, dada como provada, não pode ser subsumida ao tipo legal de tráfico agravado, previsto na alínea J) do artigo 24°. do D. L. 15/93, devendo apenas ser enquadrada no tipo legal - base do artigo 21°. do referido diploma.
10.ª - Donde que, o Acórdão recorrido, ao condenar o Recorrente pela prática de um crime de tráfico agravado, fez errada interpretação dos referidos factos, dados como provados, violando com isso os artigos 71°. e 72°. do Código Penal e o artigo 24°., alínea J) do DL 15/93 de 22 de Janeiro.
11.ª - Por força da desgraduação que deve pois, ser operada, a medida das penas aplicadas terá de sofrer significativa alteração para menos, já que a moldura penal do tipo legal base do artigo 21°. do DL 15/93 vai de 4 a 12 anos de prisão.
12.ª - Ora, considerando que a medida de pena visa sobretudo a protecção dos bens jurídicos, mas também a reintegração do agente na sociedade (artigo 40°. do Código Penal), considerando que à prevenção cabe a função de definição dos limites óptimos e mínimo de tutela dos bens jurídicos violados com o crime; e á culpa a de pôr um “travão” nas exigências de prevenção, pois que ninguém em nome da dignidade humana pode (ou deve) ser punido, acima da culpa concreta manifestada no facto, considerando a intervenção pouco relevante do Recorrente em tais factos, a natureza do produto estupefaciente (considerado droga leve) e ainda que o Recorrente não tem antecedentes criminais por idêntico crime, a pena a aplicar-lhe não deverá nunca exceder, em qualquer dos casos o limite mínimo de quatro anos de prisão.
Pede seja concedido provimento ao recurso.

O arguido DD (fls. 9466 a 9512, anotando-se a repetição de questões colocadas e falta de sequência lógica na sua apresentação)
Em conclusão, dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados e das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, diz-se:
1. Alegou o recorrente perante a Relação, em súmula e com relevância para o presente recurso, em sede de conclusões:
• a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
• a contradição insanável da fundamentação;
• a contradição da fundamentação com a decisão;
• a existência de erro notório na apreciação da prova;
• a verificação de uma alteração substancial dos factos descritos na acusação/pronúncia proferida contra o arguido - a qual nos termos do disposto no artigo 359.° do CPP, não deveria ter sido tomada em conta pelo Tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, não tendo sido comunicada ao arguido, senão aquando da leitura da decisão, no final da audiência de discussão e julgamento;
• a não tipificação correcta quanto à conduta do arguido, quando imputa ao mesmo a prática em co-autoria e utiliza figura do bando no crime de tráfico;
• a não verificação dos elementos do tipo do crime de falsificação de documento ou sequer prova da sua verificação;
• a violação do principio in dúbio pro reo
• falta de proporcionalidade da medida da pena aplicada em violação das normas determinantes da aplicação da moldura penal.
2. Decidiu contudo o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, que não assistia razão ao Recorrente, mantendo a decisão recorrida.
3. Determinou o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa:
a) Reavaliada a prova produzida, a partir das gravações realizadas em audiência, não se vê qualquer razão para discordar da forma como o Tribunal formou a sua convicção.
b) As provas que serviram de base à mesma foram legalmente produzidas e ponderadas dentro das regras da livre convicção do julgador, o qual enunciou as razões da extrapolação a que procedeu.
4. Inovou com a afirmação sobre o crime de falsificação, dizendo que não restam duvidas que o arguido ora recorrente, teria interesse em apresentar aquela viatura com outra matricula, e que bastará também atentar à gravação da sessão 13 do apenso IV, na qual este diria a outrem que deveria alterar a quilometragem de uma viatura para a vender mais cara.
5. Não especificando sequer qual o interesse que teria o arguido na alteração da matricula de tal viatura. Nem tão pouco se compreende a razão pela qual tal transcrição leva a concluir que o arguido pretendia e agiu com dolo na alteração da matricula da viatura.
6. Mais, acresceu o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa novos factos e novas apreciações (como supra mencionado) aos factos da decisão recorrida. Nomeadamente quando faz reflectir no recorrente a figura de um líder operacional. Não se limitando assim a apreciar as questões colocadas em sede de recurso, ultrapassando o âmbito de limitação do mesmo.
7. A verificarem-se os vícios invocados pelo arguido recorrente, deverá ser decretado pelo Supremo Tribunal de Justiça, o reenvio para o Tribunal da Relação, para que seja admitida a renovação da prova ou novo julgamento, nos termos do disposto no artigo 426.° n.° 2 do CPP.
8. Mantém-se o já alegado em sede de primeiro recurso, reforçando:
a) A verificação de uma alteração substancial dos factos descritos na acusação proferida contra o arguido, a qual nos termos do disposto no artigo 359.° do CPP, não deveria ter sido tomada em conta pelo Tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, não tendo sido comunicada ao arguido, senão aquando da leitura da decisão, no final da audiência de discussão e julgamento; sendo nula a decisão proferida.
b) Os factos descritos na douta decisão de l.ª instância são diferentes dos factos que são imputados ao arguido em sede de acusação. Referimo-nos sim, ao facto da douta decisão imputar ao arguido ora recorrente a prática do crime em “bando”, justificando assim o agravamento do crime de tráfico de estupefacientes e ultrapassando desta forma os factos balizados pela acusação - posição da qual da qual se fez prova em sede de recurso e não foi apreciada.
c) Invoca o recorrente como fundamento da sua pretensão, uma vez que o vício resulta do próprio texto da decisão recorrida, por si só e conjugada com as regras da experiência comum: a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova - artigo 410° n.° 2 do CPP.
d) Alegou o douto Tribunal de l.ª instância e também o Tribunal de recurso apoiar-se nos elementos probatórios existentes, valorando os mesmos de forma crítica e de acordo com as regras da experiência comum. Com o devido respeito, s.m.o., não nos parece que a fundamentação da decisão plasme de forma crítica a valoração da prova, que o Tribunal diz ter tido em consideração.
e) Sobre as escutas telefónicas e sua transcrição de referir, que em determinada altura, no douto acórdão de l.ª instância lê-se: Apura-se que se trata dos arguidos DD, EE e FF pelas vozes. Efectivamente, embora as frases proferidas pelo arguido não sejam muito extensas, mesmo em julgamento apenas se tenha identificado, e não lhe tenha sido apreendido o telemóvel com o qual fez as chamadas em questão, não restam duvidas ao Tribunal que foi este arguido que falava com o arguido EE (isto sobre os factos de 14-10-2008).
Refere ainda: a voz é compatível, a forma de falar é idêntica, sendo apenas de ter em atenção que as gravações dos telefonemas e as gravações das sessões de julgamento levam sempre alguma distorção no som, o que se pode comprovar pela comparação de vozes identificadas como dos arguidos DD e EE, nas escutas telefónicas e nas sessões de julgamento.
Ora, Excelentíssimos Senhores Conselheiros, numa só decisão, num só texto, no mesmo acórdão encontramos na fundamentação de facto, factos que são contraditórios entre si.
Como se pode dizer que o arguido não falou no julgamento (apenas foi tomado o seu depoimento quanto à sua identificação) ... as frases que constam das escutas não são frases muito extensas ... não lhe foi apreendido o telemóvel com que terá feito tais chamadas e depois concluir que duvidas não restam que a voz era efectivamente do arguido!?!
Não se contesta nem se coloca em causa que as escutas telefónicas, desde que efectuadas de acordo com as exigências legais são meio legítimo de obtenção de prova - Assim sendo, a transcrição das escutas assim realizadas constitui prova documental sujeita a livre apreciação pelo tribunal, nos termos do art° 127° do CPP. Contudo, é nossa opinião que o Tribunal a quo não dispõe de factos suficientes que permitam valorar tais escutas da forma como valorou. Senão veja-se:
Não foi feita qualquer perícia à voz do arguido para se poder dizer que a mesma é coincidente com os registos fonográficos do processo.
O arguido não prestou declarações em julgamento.
Não foi apreendido o telemóvel, com que supostamente o arguido terá feito tais conversações.
Parece-nos que duvidas não subsistem que o Tribunal de l.ª instância e ao contrário do que foi também decidido em sede de recurso pelo Tribunal da Relação de Lisboa, não possuía de elementos suficientes que permitissem criar a convicção que se criou no que em concreto diz respeito às escutas telefónicas, quando imputa ao arguido a sua autoria nas mesmas.
f) Sobre a prova testemunhal recolhida em sede de audiência de discussão e julgamento, é também o ora recorrente da opinião que a mesma não foi devidamente valorada pelo tribunal a quo.
g) É imputado ao arguido ora recorrente a prática do crime de estupefacientes agravado, fundamentando ainda a douta decisão que os veículos e bens apreendidos ao ora recorrente foram claramente obtidos como proveito pela prática do ilícito ou que para tal eram utilizados. No entanto aparece-nos nos factos dados como não provados uma série de elementos factuais que são contraditórios com tal solução alcançada pelo doto tribunal a quo.
Não ficou provado que o arguido ora recorrente movimentasse avultadas quantias pecuniárias.
Não ficou provado que o arguido utilizasse os veículos de que era proprietário na prática de qualquer actividade ilícita.
Como se pode dizer que não ficou provado que o arguido tivesse obtido para si e em proveito próprio avultadas quantias pecuniárias, e depois concluir dizendo que todos os veículos propriedade do arguido foram obtidos com valores provenientes da sua actividade criminosa.
Não vinga a resposta dada em sede de recurso, que ultrapassa novamente a matéria dada como provada e força, com o devido respeito uma conclusão, sem factos concretos que a sustentem.
h) Resulta também claro aos olhos do recorrente que ficou provado e que existem elementos suficientes nos autos que suportam tal pretensão que as viaturas automóveis, bens materiais e dinheiro apreendido ao ora recorrente são o fruto da sua actividade profissional enquanto vendedor de automóveis. Aliás dois dos veículos que se encontram apreendidos (F... F... e R... M...) são propriedade da sua esposa e a sua aquisição foi anterior aos factos pelos quais vem o arguido acusado (2006 e Maio de 2007 respectivamente), facto este que se verifica facilmente da consulta do processo.
Diz-se:
- não foi devidamente valorado o depoimento da testemunha LL, quando este (vd. passagem ao minuto 24:15ss) refere que conheceu o arguido DD num almoço de negócios, sem qualquer ligação ao tráfico de estupefacientes, conhecendo o mesmo apenas enquanto empresário/comerciante;
Não foram devidamente valorados os depoimentos das testemunhas MM e NN, quando estes referem que conhecem o arguido DD há cerca de 13 anos como colega de profissão na venda de automóveis de média/alta cilindrada.
Também não foi devidamente valorado o depoimento de OO, que referiu ser proprietário de uma oficina de automóveis na qual o arguido ora recorrente depositava as viaturas que importava para efectuar revisões e arranjos necessários antes das vendas ao público.
Ainda sobre o depoimento de MM, quando questionado este sobre o seu conhecimento da actividade profissional do arguido e proveitos, este referiu que mesmo com a crise económica já a instalar-se no ano de 2008 é conhecido que no meio da venda de automóveis de gama média/alta a recessão não se faz sentir tanto como na venda de veículos de gama baixa, não notando o mesmo qualquer decréscimo de vendas destes veículos e acredita que o arguido DD também não o tenha notado e atribui os seus (de DD) lucros e proveitos (nomeadamente as viaturas automóveis) ao fruto do seu trabalho como comerciante de automóveis.
i) Ainda sobre a contraditoriedade do acórdão na sua decisão e fundamentação de referir também, como podem ser dados como provados os factos:
“Durante o ano de 2008 um grupo de indivíduos decidiu juntar os meios necessários para proceder ao transporte de haxixe em grandes quantidades, por meio marítimo, desde Marrocos e fazê-lo transitar por via terrestre de Portugal para Espanha.”
“ A/esse grupo de indivíduos encontrava-se o arguido DD, que procedia a gestão dos recursos humanos e materiais para a realização de tal intento (...) Havia igualmente, um individuo espanhol que integrava tal organização, sendo este que dava as ordens ao DD.”
Quando na própria fundamentação da decisão se diz, sobre o apuramento de factos anteriores aos do dia 14-10:
Apura-se que há um grupo composto por várias pessoas, que não só as que aqui se encontram...
Não há no entanto, prova bastante em que dias, com que outros intervenientes, e quais as quantidades de produto estupefaciente...
Tal resulta dos factos provados, até porque não resultaram provados os factos concretos a todos os outros desembarques de haxixe, apura-se que foram feitos e que pretendiam que outros seguissem, mas não há elementos seguros de quantidades dias.
j) A douta decisão enferma de ilegalidade porquanto, existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, há uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410° n.° 2 do Código Penal.
k) Outrossim, é clara a violação do princípio basilar do direito processual penal “in dúbio pro reo”.
Ora, colocado o Tribunal de julgamento e de Recurso perante dúvida insanável em matéria de prova, deve aplicar o princípio in dubio pro reo, corolário do princípio constitucional da presunção de inocência.
Não é toda a dúvida que fundamenta o princípio in dubio pro reo, mas apenas a dúvida razoável, positiva, racional, que impeça a convicção do tribunal, a analisar pelo julgador, em cada caso concreto. Ora, no caso concreto, existe claramente o indício que permite ficar na dúvida sobre a relação do arguido ora recorrente em toda esta estrutura ... e neste estado de dúvida, o tribunal a quo decidiu contra o arguido!
l) Da fundamentação de facto é patente que o tribunal a quo esgotou todos os seus poderes de investigação na descoberta da verdade e, apesar disso, a prova produzida não permitiu ir mais além. Em síntese conclusiva, pelas razões expostas, impõe-se desde logo a revisão da decisão e a absolvição do arguido.
Por mera cautela de patrocínio se dirá, que caso assim não se entenda, deverá a medida da pena aplicada ao arguido ser revista, porquanto nunca poderia ser a este atribuída uma conduta em autoria material e qualificada a mesma como actuação em bando.
O bando, constitui uma figura intermédia entre a co-autoria e a associação criminosa. E no caso presente admitimos apenas como possível a figura da cumplicidade e nunca do bando.
Ora a própria decisão de l.ª instância faz constar dos factos não provados a existência de uma qualquer organização hierarquizada e dotada de meios humanos e materiais próprios para a prática da actividade ilícita. Nomeadamente faz também constar que não ficou provada a existência de uma cadeia de liderança ou sequer foi permitido chegar à conclusão da existência de um indivíduo espanhol a quem DD prestava informações e a este obedecia sendo o seu braço direito. - Note-se aqui em reparo, que ainda assim o Tribunal da Relação de Lisboa imputa a figura de liderança ao arguido recorrente.
Também não consta da douta decisão qualquer referência ou apreciação critica de prova que prove ou conclua pela existência de um bando de indivíduos que se encontravam ligados entre si para a prática de actividades ilícitas e sob a liderança de alguém.
Não resulta dos factos provados matéria suficiente para que se possa estabelecer a existência do Bando.
Numa análise crítica da prova não se demonstra a existência de ordens ou sequer repartição de lucros ou mesmo a prossecução da actividade de tráfico como fim último e desejado pelos intervenientes, numa actividade reiterada e constante no tempo.
Assim, afastada a qualificação/agravamento do crime de tráfico de estupefacientes pelo qual vem o recorrente acusado, decaindo a moldura penal prevista para a situação de mero tráfico, é excessiva a pena na qual o recorrente é condenado.
m) Ao não se decidir assim será violado o disposto no artigo 70.° e seguintes do CP.
n) Ainda que se entendesse imputar ao arguido a prática do crime de tráfico agravado, a medida das penas aplicada é excessiva em relação à culpa. Bem como realizado o cúmulo jurídico entre a pena de 12 anos e a pena de 8 meses, será excessiva a pena única de 12 anos e 4 meses, devendo as mesmas serem revistas.
o) Mesmo considerando como possível a actuação em bando, continuamos a pugnar pela excessiva medida da pena aplicada. Não é concebível que o legislador desconhecesse o alcance preciso da figura da associação criminosa, é de ter como arredada a hipótese de equiparação das duas figuras. Assim sendo, tendo em conta o que fica exposto, no âmbito da norma em apreço, o conceito de bando há-de buscar-se algures entre o de “associação criminosa” e o de simples co-autoria, sendo certo que há-de ficar aquém daquele e algo além deste - descendo a moldura penal em abstracto.
p) Será ainda também de contestar a imputação ao arguido de um crime de falsificação de documento. Senão veja-se,
Nenhuma prova consta dos autos do dolo do ora recorrente. Ou seja, não há prova que justifique o dolo do arguido - a sua intenção de deliberada e conscientemente pretender falsificar a matricula de uma viatura.
O que efectivamente aconteceu foi um erro grosseiro por parte do ora arguido na colocação da chapa de matrícula que inadvertidamente não tomou atenção aquando da sua colocação e colocou a matrícula de outra viatura.
Não existem elementos/factos suficientes nos autos que demonstrem o dolo do arguido, ou que imputem a este a intenção de com tal acto prejudicar terceiro ou a segurança jurídica do bem. Na verdade tal erro seria detectável aquando da venda da viatura ou até em momento anterior.
Nem tão pouco poderá prevalecer o entendimento em sede de decisão do Tribunal da relação de Lisboa, o qual ultrapassa claramente a decisão de l.ª instância e de forma errada e não justificada tenta fazer prevalecer tal condenação, como já aliás supra se explanou sobre este assunto.
Não estão por isso verificados os elementos do tipo da prática de tal crime, não podendo este ser imputado ao arguido/recorrente.
q) Sobre a medida da pena, podemos ainda dizer, que o Tribunal a quo violou as regras de determinação concreta da pena, previstas nos artigos 70° e seguintes do Código Penal.
Não foi atendido um juízo de prognose favorável ao arguido no sentido da sua integração social.
A pena na qual o recorrente foi condenado é excessiva e prejudicial à sua re-socialização, não sendo a mesma adequada nem proporcional às finalidades da punição. É objectivamente injusta em função da sua culpa e restantes circunstâncias cfr. Artigos 40° e 71° do Código penal, injusta em função das penas aplicadas a casos de outros tipos de crimes doloso e injusta em função das penas determinadas em casos idênticos.
Face ao supra exposto o arguido espera em primeira instância a revogação da decisão ora recorrida e a substituição da mesma, por outra na qual sejam ponderados todos os elementos probatórios que abonam a seu favor, que demonstram a inexistência da prática do crime de falsificação de documento ou da prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado com a actuação em bando. Que sejam restituídos os seus bens.
Caso assim não se entenda, espera o arguido ora recorrente, face ainda ao supra exposto, a redução da pena que lhe foi aplicada, de forma mais consentânea com a culpa e as circunstâncias do arguido e do caso sub judice, terminando ainda com a suspensão da mesma ou a sua substituição.

O arguido EE (fls. 9556 a 9568)
Em conclusão, dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados e das concretas provas que impõem decisão diferente, diz-se:
1. Foi o arguido EE, condenado numa pena única de prisão de 12 (doze) anos; pela prática em autoria material, na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado - p. e p. pelo artigo 21.° e 24.° al. j) do Decreto-Lei 15/93 de 22/01, por referência à Tabela I-C (ao qual foi atribuída a pena de 12 (doze) anos;
2. Alegou o recorrente perante a Relação, em súmula e com relevância para o presente recurso, em sede de conclusões, o seguinte (transcrição):
• a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
• a contradição insanável da fundamentação;
• a contradição da fundamentação com a decisão;
• a existência de erro notório na apreciação da prova;
• a verificação de uma alteração substancial dos factos descritos na acusação/pronúncia proferida contra o arguido - a qual nos termos do disposto no artigo 359.° do CPP, não deveria ter sido tomada em conta pelo Tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, não tendo sido comunicada ao arguido, senão aquando da leitura da decisão, no final da audiência de discussão e julgamento;
• a não tipificação correcta quanto à conduta do arguido, quando imputa ao mesmo a prática em co-autoria e utiliza figura do bando no crime de tráfico;
• a violação do principio in dubio pro reo
• falta de proporcionalidade da medida da pena aplicada em violação das normas determinantes da aplicação da moldura penal.
3. O arguido esperava em primeira instância a revogação da decisão recorrida e a substituição da mesma, por outra na qual seriam ponderados todos os elementos probatórios que abonaram a seu favor que demonstraram a inexistência da prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado ou mesmo a actuação em bando. Ainda que assim não se entendesse, esperava o arguido ora recorrente, a redução da pena que lhe foi aplicada, de forma mais consentânea com a culpa e as circunstâncias do arguido e do caso sub judice, terminando ainda com a suspensão da mesma.
4. Decidiu contudo o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, que não assistia razão ao Recorrente, mantendo a decisão recorrida, e dizendo:
a) Reavaliada a prova produzida, a partir das gravações realizadas em audiência, não se vê qualquer razão para discordar da forma como o Tribunal formou a sua convicção.
b) As provas que serviram de base à mesma foram legalmente produzidas e ponderadas dentro das regras da livre convicção do julgador, o qual enunciou as razões da extrapolação a que procedeu. (...)
5. De novo e sob a égide da valoração feita da prova que consta dos autos, nomeadamente as transcrições das escutas telefónicas e depoimentos em sede de julgamento, sustentou novamente o Venerando Tribunal da Relação a posição da decisão recorrida. Contudo, é nosso entendimento que o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa acresceu novos factos e novas apreciações aos factos da decisão recorrida, não se limitando o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, a apreciar as questões colocadas em sede de recurso, ultrapassando o âmbito de limitação do mesmo. Nomeadamente, quando extrai novas ilações do crime de ameaça pelo qual, foi o arguido FF condenado, ou até, quando novamente se refere à qualidade de militara da GNR do ora arguido, quando não ficou provado nos autos, o crime de corrupção passiva.
6. A verificarem-se os vícios invocados pelo arguido recorrente, deverá ser decretado pelo Supremo Tribunal de Justiça, o reenvio para o Tribunal da Relação, para que seja admitida a renovação da prova ou novo julgamento, nos termos do disposto no artigo 426.° n.° 2 do CPP. Assim sendo, alega-se novamente e agora perante o Supremo Tribunal de Justiça, todos os vícios já invocados em sede de Recurso perante o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa;
7. Invoca o recorrente como fundamento da sua pretensão, uma vez que o vício resulta do próprio texto da decisão recorrida, por si só e conjugada com as regras da experiência comum: a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova - artigo 410° n.° 2 do CPP.
8. Invoca também o arguido/recorrente a efectiva verificação de uma alteração substancial dos factos descritos na acusação proferida contra o arguido, a qual nos termos do disposto no artigo 359.° do CPP, não deveria ter sido tomada em conta pelo Tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, não tendo sido comunicada ao arguido, senão aquando da leitura da decisão, no final da audiência de discussão e julgamento.
Por esta razão, invoca-se também a nulidade da decisão proferida.
9. Na verdade os factos descritos na douta decisão são diferentes dos factos que são imputados ao arguido em sede de acusação. Referimo-nos sim, ao facto da douta decisão imputar ao arguido ora recorrente a prática do crime em "bando", justificando assim o agravamento do crime de tráfico de estupefacientes e ultrapassando desta forma os factos balizados pela acusação - posição da qual se fará prova em sede de motivações do presente recurso - artigo 379.° do CPP.
10. Também e por mera cautela de patrocínio, invoca o recorrente sobre o direito, que a pena que lhe foi aplicada não é proporcional, não teve em consideração todas as circunstâncias que depuseram e depunham a favor do agente nos termos do disposto no artigo 70.° e 71.° do CP; bem como, não foi a mesma suspensa na sua execução como assim também o determina o Código Penal (artigo 50.°).
11. Ainda sobre a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova, também por mera cautela de patrocínio, dir-se-à que o douto Tribunal a quo não tipifica correctamente, quanto à conduta do arguido, a sua eventual responsabilidade, não podendo nunca, face aos elementos que nos traz a decisão, ser a este imputada a prática do ilícito em autoria material. Ou sequer tipificar a mesma como actuação em “bando”.
Quanto muito estaríamos perante uma situação de cumplicidade, o que adiante se fundamentará.
12. Dos factos não provados e com relevância para a análise na contradição entre a fundamentação e a decisão e a própria contradição na decisão e, ao contrário do decidido em sede de recurso perante a Relação, cumprirá referir que:
a) não resultou provado que desde 2007, operou no território nacional um grupo organizado de indivíduos de nacionalidade portuguesa, espanhola e marroquina que, em conjugação de esforços, unidade de meios e fins, por tempo indeterminado e enquanto lhes fosse possível, de forma regular e reiterada e fazendo dessa actividade modo de vida, se dedicou à introdução de avultadas quantidades de haxixe na Europa, utilizando o território português como plataforma de entrada desses estupefacientes. -alínea a)
b) não resultou provado que esse grupo organizado de indivíduos, mediante avultadas contrapartidas pecuniárias, assegurava a produtores, vendedores e compradores de avultadas quantidades de haxixe, o transporte dessa substância, por via marítima, de Marrocos para Portugal e o subsequente transporte rodoviário para outros países da Europa e a sua entrega aos respectivos compradores e que se dedicavam à comercialização desse produto por milhares de indivíduos. - alínea b)
c) que não resultou provado que para desenvolvimento dessa actividade, a organização dispunha de uma estrutura hierarquicamente organizada de meios humanos integrada por vários indivíduos que a ela aderiam e se colocavam ao seu serviço sob a chefia dos seus lideres aos quais estavam atribuídas tarefas concretas. - alínea c)
d) não resultou provado que para além disso, a organização dispunha de meios materiais - capitais, embarcações, meios de comunicação, viaturas de transporte - para execução de todo o tipo de actividades necessárias à prossecução das suas finalidades. - alínea d)
e) não ficou provado que o grupo dispunha também dos meios materiais necessários à execução de todo o tipo de actividades, nomeadamente de meios de Financiamento, ...de veículos automóveis de mercadorias para o transporte das substâncias, para além de telemóveis para estabelecerem contactos entre si. - alínea h)
f) não ficou provado que mediante instruções do chefe espanhol da organização, o arguido EE foi convidado a aderir à organização ficando incumbido de zelar pela segurança e vigilância das operações de desembarque dos estupefacientes, de informar das ocasiões seguras para a sua realização, de acompanhar os veículos de mercadorias que transportavam os estupefacientes até à entrada da A2 no fogueteiro, de informar quando ocorriam operações de fiscalização rodoviária recebendo em contrapartida uma quantia não inferior a 5000€ por cada tonelada de haxixe que fosse descarregada. - alínea u)
g) não ficou provado que ciente dos propósitos, objectivos e do método de actuação da organização, mediante aquela contrapartida pecuniária, o arguido EE aceitou aderir e colocar-se ao serviço daquela organização e executar aquelas tarefas superiormente determinadas, como efectivamente veio a realizar, tendo em vista a concretização dos objectivos da organização. - alínea v)
h) não ficou provado que o arguido EE convidou o arguido FF a ingressar no grupo e a colaborar na vigilância e segurança das operações de desembarque de estupefacientes que aquele fazia no porto de Sesimbra. - alínea z)
i) sobre o carregamento de haxixe desembarcado em Sesimbra em 25/04/2008 não ficou também provado que o arguido EE tivesse efectuado a vigilância e segurança das operações e subsequente acompanhamento e segurança do transporte rodoviário dos estupefacientes até à entrada da A2. - alínea ac) e ad)
j) não ficou provado que como contrapartida dos serviços prestados o arguido EE e o arguido FF receberam a quantia de 40.000€ que dividiram entre si. Alínea e)
k) também sobre a embarcação I... C... não ficou provado que em data não determinada em meados de Setembro de 2008, o arguido DD tenha avisado o arguido EE que tal embarcação iria desembarcar em Sesimbra para que este zelasse pela vigilância e segurança do local e respectivo acondicionamento em transporte rodoviário. - alíneas ax e ay)
I) não se prova também que aquando de tal desembarque o arguido EE encontrava-se colocado em posição estratégica para vigiar o local - alínea ba)
13. Ora, Excelentíssimos Senhores Conselheiros, por esta altura da descrição já é visível a contradição existente entre os factos dados como provados e que levam à condenação do ora recorrente e os factos que são dados como não provados.
14. Ainda assim, em sede de recurso confirma-se formar-se a convicção, na prova testemunhal produzida em julgamento, na prova documental e pericial junta aos autos, bem como o recurso às regras da experiência.
15. Ora alegou o douto Tribunal a quo apoiar-se nos elementos probatórios existentes, valorando os mesmos de forma critica e de acordo com as regras da experiência comum, bem como, o Tribunal da Relação.
Com o devido respeito, s.m.o., não nos parece que a fundamentação da decisão plasme de forma critica a valoração da prova, que quer o Tribunal de Ia instância, quer o Tribunal de recurso diz ter tido em consideração.
16. Ora, Excelentíssimos Senhores Conselheiros, continuou o Tribunal da Relação assumir ainda que com falta de prova, sobre as escutas que as vozes eram desses arguidos.
17. Não foi feita qualquer perícia à voz do arguido para se poder dizer que a mesma é coincidente com os registos fonográficos do processo., bem como, o arguido não prestou declarações em julgamento, pelo que não se compreende nem se aceita como possível a valoração do facto feita pelo tribunal a quo quando refere que a voz é semelhante... Aliás refere e atesta o próprio acórdão que apenas ouviu a voz do arguido aquando da sua identificação e este não mais quis falar ou prestar qualquer depoimento/esclarecimento - Mas ainda assim, diz que as gravações das sessões permitem claramente identificar as vozes.
18. Salvo melhor opinião, a decisão na análise e valoração da prova trazida aos autos, ultrapassa os limites da sua apreciação, não só em sede de primeira instância, como em sede de recurso. Ou seja, sobre as intercepções de comunicações, não foi feita qualquer prova quer em sede de inquérito, quer em sede de julgamento das conversas que dizem respeito ao ora recorrente/arguido.
19. Sobre a prova testemunhal recolhida em sede de audiência de discussão e julgamento, é também o ora recorrente da opinião que a mesma não foi devidamente valorada pelo tribunal a quo, e não foi revista como deveria ter sido, em sede de recurso.
20. É imputado ao arguido ora recorrente a prática do crime de tráfico estupefacientes agravado, fundamentando ainda a douta decisão que os veículos e bens apreendidos ao ora recorrente foram claramente obtidos como proveito pela prática do ilícito ou que para tal eram utilizados. No entanto, aparece-nos nos factos dados como não provados uma série de elementos factuais que são contraditórios com tal solução alcançada pelo douto tribunal a quo.
21. Não ficou provado que o arguido ora recorrente movimentasse avultadas quantias pecuniárias. Não ficou provado que o arguido utilizasse os veículos de que era proprietário na prática de qualquer actividade ilícita,
22. Resulta também claro aos olhos do recorrente que ficou provado e que existem elementos suficientes nos autos que suportam que as viaturas automóveis, bens materiais e dinheiro apreendido ao ora recorrente são o fruto da sua actividade profissional e não de uma qualquer conduta criminosa.
23. Não foram devidamente valorados os depoimentos de LL, da Inspectora da PJ PP, de QQ, soldado da GNR, de RR, de SS (vizinho do arguido) e de TT.
24. Parece-nos evidente e com prova suficiente nos autos que o arguido ora recorrente exercia de forma ininterrupta a actividade de militar da GNR e nos seus tempos livres colaborava com alguns vendedores na venda de automóveis, obtendo assim algum acréscimo ao seu orçamento. É nosso entender que o depoimento das testemunhas supra referenciadas não foi de qualquer forma valorado pelo Tribunal a quo, assim como também não o foi em sede de recurso.
25. Aliás nem se compreende ou se concebe como possível que seja dado como facto não provado que o arguido tenha recebido qualquer avultada quantia pecuniária e ao mesmo tempo dizer que com essas quantias (que não recebeu e que consta como facto não provado) terá obtido em seu proveito tais viaturas ou bens.... Que viu apreendidos e retirados da sua esfera jurídica e posse.
26. Na verdade o douto tribunal a quo, não possui elementos suficientes nos autos, para formar a convicção que formou, sendo que o Tribunal da Relação extrapolou os seus limites.
27. A douta decisão enferma de ilegalidade porquanto, existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, há uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410° n.° 2 do Código Penal.
28. Outrossim, é clara a violação do princípio basilar do direito processual penal "in dubio pro reo".
29. Afigura-se-nos que ressalta, de forma límpida, dos depoimentos supra referenciados - depoimentos que o Tribunal a quo ou não valorou de todo ou em nosso entender valorou apenas de forma incriminatória para o arguido - e dos demais elementos constantes do processo, que estes não só não fazem prova suficiente que justifique a condenação e imputação do crime de tráfico agravado ao arguido ora recorrente, como não foram devidamente valorados.
30. Existe erro na crítica dos factos provados. Na apreciação da prova, os factos provados enunciados no acórdão respeitante ao ora recorrente são inconciliáveis e contraditórios com os depoimentos prestados pelas testemunhas e com toda a prova trazida aos autos.
31. Por mera cautela de patrocínio se dirá, que caso assim não se entenda, deverá a medida da pena aplicada ao arguido ser revista, porquanto nunca poderia ser a este atribuída uma conduta em autoria material e qualificada a mesma como actuação em bando.
32. O bando, constitui uma figura intermédia entre a co-autoria e a associação criminosa. E no caso presente admitimos apenas como possível a figura da cumplicidade e nunca do bando.
33. Afastada a qualificação/agravamento do crime de tráfico de estupefacientes pelo qual vem o recorrente acusado, decaindo a moldura penal prevista para a situação de mero tráfico, é excessiva a pena na qual o recorrente é condenado.
34. Ao não se decidir assim foi violado o disposto no artigo 70.° e seguintes do CP.
35. A medida das penas aplicadas é excessiva em relação à culpa.
36. Ainda que se considere e aceite como possível a actuação em bando, continuamos a pugnar pela excessiva medida da pena aplicada, senão veja-se:
37. Por isso, e também porque segundo as boas regras interpretativas, não é concebível que o legislador desconhecesse o alcance preciso da figura da associação criminosa, é de ter como arredada a hipótese de equiparação das duas figuras. Assim sendo, tendo em conta o que fica exposto, no âmbito da norma em apreço, o conceito de bando há-de buscar-se algures entre o de "associação criminosa" e o de simples co-autoria, sendo certo que há-de ficar aquém daquele e algo além deste - descendo a moldura penal em abstracto.
O que não se verifica no caso sub judice.
38. Ora, colocado o Tribunal de julgamento perante dúvida insanável em matéria de prova, deve aplicar o princípio in dubio pro reo, corolário do princípio constitucional da presunção de inocência.
Não é toda a dúvida que fundamenta o princípio in dubio pro reo, mas apenas a dúvida razoável, positiva, racional, que impeça a convicção do tribunal, a analisar pelo julgador, em cada caso concreto. Ora, no caso concreto, existe claramente o indício que permite ficar na dúvida sobre a relação do arguido ora recorrente em toda esta estrutura ... e neste estado de dúvida, o tribunal a quo e o Tribunal de recurso decidiram contra o arguido!
39. Os elementos trazidos aos autos não permitem sem réstia de dúvida formar a convicção que a final foi formada pelo douto Tribunal.
Excelentíssimos Senhores Conselheiros, não estamos perante uma fase de inquérito e de acusação - onde bastaria a verificação de indícios suficientes e a eventual probabilidade de ao arguido vir a ser aplicada uma pena, para decidir pela prática do crime. Na fase decisória, a convicção do Tribunal não pode ser formada em meras convicções, quando inclusive não existem elementos que são essenciais ao conhecimento da verdade material.
40. Mas outros elementos existem, e foram trazidos aos autos que permitem -no seu conjunto e na sua apreciação critica, deixar pelo menos a duvida sobre os factos, nunca podendo o arguido ser condenado baseado apenas nos elementos que foram considerados pelo tribunal a quo, ou até nos atreveríamos a dizer, por elementos que não foram considerados e outros que não o foram devidamente, como supra já se mencionou.
41. Existe claramente um erro de julgamento sobre a matéria de facto, e erro notório na apreciação da prova.
42. A matéria trazida aos autos quanto muito criaria no julgador a duvida sobre os factos ocorridos, sendo que a decisão proferida acaba por arrojar-se na violação do princípio basilar do direito processual penal "in dubio pro reo".
43. Em audiência de discussão e julgamento foram descritos factos nos depoimentos das testemunhas, que não permitem ao Tribunal a quo formar a convicção que ditou a decisão de condenação por um crime de tráfico agravado.
Não sendo a prova produzida contundente/conclusiva no que diz respeito ao ora recorrente/arguido.
44. Sobre a medida da pena, podemos ainda dizer, que o Tribunal a quo violou as regras de determinação concreta da pena, previstas nos artigos 70° e seguintes do Código Penal.
45. Outrossim, In casu, não foi atendido um juízo de prognose favorável ao arguido no sentido da sua integração social, tendo em conta que:
• que o arguido tem o 9.° ano de escolaridade, que completou no estabelecimento prisional;
• no estabelecimento prisional tem revelado bom relacionamento com os camaradas e superiores;
• no estabelecimento prisional tem se mantido activo e fez alguns cursos de curta duração ligados à área da informática e funções de barbeiro;
• é visitado pela família de forma regular;
• o arguido não tem antecedentes criminais.
46. Preconizado nos artigos 71° n.° 1 e 2 e 40° n. 2 do CP, encontramos a orientação que se deve seguir na determinação da medida da pena, de onde resulta que esta deverá ser feita em função da culpa do agente (limite máximo), das exigências de prevenção geral (limite mínimo) e especial (critério determinante dentro da moldura encontrada pela culpa e pela prevenção geral, a este respeito ver na doutrina Figueiredo Dias, ob. Cit, pág. 227).
47. A pena na qual o recorrente foi condenado é excessiva e prejudicial à sua re-sociabilização, não sendo a mesma adequada nem proporcional às finalidades da punição. É objectivamente injusta em função da sua culpa e restantes circunstâncias cfr. Artigos 40° e 71° do Código Penal, injusta em função das penas aplicadas a casos de outros tipos de crimes doloso e injusta em função das penas determinadas em casos idênticos.
48. O douto Tribunal a quo, ao aplicar esta pena, não respeitou os art.s 40° e 71° do Código Penal, excedeu a culpa do agente; e não atendeu, convenientemente, a circunstâncias que depunham/depõem a favor do agente.
49. Resulta evidente, aos olhos do Recorrente, que o douto tribunal a quo, mesmo considerando a matéria dada como provada, não considerou devidamente circunstâncias que lhes são favoráveis.
Face ao supra exposto o arguido espera em primeira instância a revogação da decisão ora recorrida e a substituição da mesma, por outra na qual sejam ponderados todos os elementos probatórios que abonam a seu favor, que demonstram a inexistência da prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado ou mesmo a actuação em bando.
Caso assim não se entenda, espera o arguido ora recorrente, face ao supra exposto, a redução da pena que lhe foi aplicada, de forma mais consentânea com a culpa e as circunstâncias do arguido e do caso sub Judice, terminando ainda com a suspensão da mesma ou a sua substituição.

O arguido GG (fls. 9692 a 9700)

1. Reporta a presente motivação a recurso interposto perante esse Supremo Tribunal de Justiça, da decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Sesimbra e confirmada, na íntegra, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que manteve a condenação do Recorrente na pena de prisão de 9 anos.
2. O acórdão recorrido não faz boa interpretação e aplicação do Direito, incorrendo aquele em vícios manifestos, nomeadamente por violação do Princípio In Dubio Pro Reo, atendendo à nulidade da Sentença do Tribunal Colectivo de Sesimbra por Erro Notório na Apreciação da Prova (art. 410°/2, al. c) do Código de Processo Penal),
3. O Tribunal Recorrido fez ainda incorrecta interpretação e aplicação da lei penal no que toca ao enquadramento jurídico dos actos do recorrente;
4. A decisão do Tribunal da Relação de Lisboa não se pronunciou, como deveria, sobre questões que lhe foram submetidas à apreciação, estando o mesmo ferido de nulidade por Omissão de Pronúncia (art. 379°/1, al. c) do Código de Processo Penal).
5. Foram violados os Artigos 2°, 13°, 18°, n.°2, 32°, e 34°, n.1 e 4, todos da Constituição da República Portuguesa, atenta a interpretação dada a preceitos processuais, o que redunda em manifesta inconstitucionalidade.
6. O acórdão da Relação de Lisboa, na senda do defendido pelo Recorrido nas suas alegações de Recurso para aquela instância, entende que as escutas telefónicas são um meio de obtenção de prova, que não podem fundamentar, por si, a condenação de um Arguido sem a conjugação de outros elementos probatórios.
7. A decisão proferida, quer em Primeira e Segunda Instância, encontra-se apenas sustentada em escutas telefónicas não confirmadas no terreno e desapoiadas de outros elementos, nomeadamente de periciais, que sem sombra de dúvida apontassem no sentido da realização efectiva de actos de tráfico de estupefacientes pelo Recorrente, da sua participação no denominado grupo ou das suas intenções em adquirir as embarcações.
8. O Principio da Subsidiariedade das escutas não foi respeitado pelo Tribunal, pois o Recorrente remeteu-se ao silêncio (art.61°, n°1 al. c) e art.343° do Código de Processo Penal), não existem nos autos quaisquer outros elementos probatórios que pudessem confirmar o teor das conversas escutadas, que não foram submetidas ao contraditório em Audiência de Discussão e Julgamento.
9. O Tribunal da Relação de Lisboa indica existirem outros elementos de prova que comprovam o teor das escutas telefónicas, nomeadamente no que respeita ao comportamento delituoso do Recorrente, não indicando quais esses elementos, como alicerça a sua convicção e ainda se aqueles são suficientes e credíveis para sustentar a condenação, face ao principio basilar de processo penal -in dubio pro reo!
10. O Tribunal está impedido de concluir que as conversas havidas se tenham concretizado, e, em consequência, que os factos referidos na acusação e constantes da matéria provada, designadamente quanto à colaboração e negociação de embarcações por parte do Recorrente e sua intervenção em anteriores transportes de produto estupefaciente, pois as referidas conclusões do Tribunal não assentam em qualquer suporte factual que os comprove, que não as escutas telefónicas, sob pena de grosseiro erro na interpretação dos arts. 127°, 343° e 355° do CPP e ainda as normas constitucionalmente consagradas nos art.18°, 32°, 34° e 37° da CRP.
11. O Tribunal Recorrido incorreu em erro notório na apreciação da prova, quando considerou provados factos que reportam a matéria considerada Não Provada, que lhe é incompatível, violando dessa forma as leis da lógica e sustentando critérios e metodologias que não podem aceitar-se, o que se invoca.
12. Quando assim se não entenda, pelo forte grau de incerteza dos factos apurados e sua qualificação, sempre considerando a prova produzida, designadamente quanto à definição/ imputação de factos ao recorrente e à sua relevância típica para o crime pelo qual veio a ser condenado, deverá esse Venerando Tribunal lançar mão da aplicação do Princípio do In Dubio Pro Reo, absolvendo, sem mais, o Recorrente.
13. Entendeu o Tribunal a quo absolver os Arguidos da prática de um crime de associação criminosa p.p. art. 28° n°1 e 3 do Decreto-Lei 15/93 de 22/01, procedendo à alteração da qualificação jurídica do crime por forma a sustentar incorrectamente os factos da acusação na figura do “bando”.
14. A alteração jurídica do crime pelo Tribunal de Sesimbra, repescando da acusação pública factos que o Tribunal a quo pretendeu enquadrar na figura do “bando”, por forma a sustentar a condenação nessa parte dos Arguidos, configura incorrecta qualificação jurídica dos factos provados (antes e após a correcção que se propõe), porquanto os elementos essenciais a essa configuração de grupo, constam da matéria não provada do acórdão e não podem ser repescados para caracterizar um grupo de idênticos contornos, características e vontades.
15. O acórdão da Relação de Lisboa, seguindo a mesma linha do Tribunal de Sesimbra, entendeu -mal - que a fundamentação da decisão é harmoniosa e insusceptível de gerar rupturas lógicas, mas é notório que o acórdão recorrido repescou factos não provados, tão essenciais à qualificação da associação criminosa, como à configuração do bando, valorando-se nesta sede (por provado) o que na outra se rejeitou (por não provado), com ofensa das leis da lógica (Denkengesetz) que funcionaram para além da mera problemática da valoração por convicção e assume a dignidade de erro de direito que nessa sede merece tratamento.
16. Não é curial, nem metodologicamente correcto que, da NÃO PROVA, se extraiam, como PROVADOS factos genéricos, abrangentes e difusos que sustentem a decisão condenatória, cabendo ao Tribunal estabelecer os justos limites do desvalor da incorrecta consideração de factos provados, que em bom rigor não podem sê-lo.
17. A apreciação feita pelo Tribunal de Sesimbra e da Relação de Lisboa, as contradições insanáveis e inconciliáveis entre factos provados e não provados, o método de valoração extrapola as regras do princípio da livre apreciação da prova (art.127° do CPP), sustendo-se em meras presunções desprovidas de lógica e sem suporte da prova disponível no processo, sobretudo da que foi produzida em Audiência.
18. Com a nossa Doutrina diremos que “haverá, na aplicação da regra processual da livre apreciação da prova, que lançar mão, limitando-a, do princípio in dubio pro reo exigido pela constitucional presunção de inocência do acusado, se a prova produzida, depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, conduzir - como aqui conduziu! - à subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto. O in dubio pro reo, com efeito, parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador” (in. Cristina Líbano Monteiro, In Dubio Pro Reo, Coimbra, 1997).
19. Não podem ser invocadas na fundamentação do acórdão as provas que não tenham resistido ao contraditório da audiência de Julgamento, pois a sua valoração constitui nulidade da sentença e erro em matéria de direito atenta a incorrecta invocação, por violação do princípio da imediação da prova, previsto no art. 355° do Código de Processo Penal, o que se invoca.
20. Há manifesto erro no enquadramento legal do crime de tráfico de estupefacientes agravado (arts. 21° e 24°, alínea j) do Decreto-Lei n° 15/93, de 22.01), já que para que possa ser imputado a um agente a prática de tal crime, numa situação de bando, é necessário que se prove que este conhecia e participou na decisão de integrar um “grupo”, com o propósito de praticar, reiteradamente, crimes de trafico.
21. Dos factos provados não é possível subsumir a conduta do recorrente ao crime de tráfico agravado por aplicação da alínea j), por falta de elementos do tipo legal, o que implica a alteração da qualificação jurídica efectuada pelo Tribunal de Sesimbra, e confirmada pela Relação de Lisboa.
22. A entender-se que deve prevalecer a qualificação jurídica dos factos efectuada pelo Tribunal recorrido - será ainda de considerar que, em termos de justiça, a medida da pena aplicável ao Recorrente é manifestamente desproporcional ao caso, pois não foi levado em conta o comportamento e as circunstâncias da vida do Arguido (o facto de se encontrar profundamente doente, apresentando uma profunda fragilidade física, padecendo de hepatite C, sida e de um cancro na laringe, tendo-lhe sido já retirada uma corda vocal; não ter antecedentes criminais referentes a este tipo de crime ou similar), o que sempre aconselharia a que a pena aplicável não fosse privativa de liberdade, fixando-se no mínimo da moldura aplicável e sempre suspensa a respectiva execução.
23. O âmbito de um recurso é delimitado pelas conclusões da motivação que o recorrente produziu para fundamentar a sua impugnação da decisão da primeira instância - artigos 403° e 412°, n° 1, do Código do Processo Penal -, estando o Tribunal incumbido de avaliar e ponderar cada um dos argumentos apresentados, sob pena de incorrer em Omissão de Pronúncia, que é cominada como Nulidade prevista no art. 379°/1, al. c) do Código de Processo Penal.
24. Na Motivação de Recurso (fls. 89 e 100) o Recorrente refere vários elementos probatórios - depoimentos das suas testemunhas abonatórias, bem como prova documental - a atender pelo Tribunal da Relação, que estão no Objecto Processual a apreciar por aquela instância pela sua inclusão em Conclusões 35. a 38., sendo que quanto a esta matéria o acórdão de 2ª instância é completamente omisso de pronúncia.
25. Nas conclusões de Recurso, sob os números 38. e 52., o recorrido suscitou a reapreciação do Facto Provado 98), sendo que a Relação de Lisboa sequer aflorou esta questão que lhe foi apresentada e submetida a Julgamento, razão por que, também aqui, violou o dever de se pronunciar sobre todas as questões que lhe ficaram submetidas.
26. A questão suscitada especificamente nas Conclusões de Recurso, sob os números 44. e 45., não foi apreciada, como deveria, pelo Tribunal de Recurso, ao não apreciar o excurso argumentativo do recorrente neste segmento, não se posicionando sobre a matéria que, a este respeito, foi apresentada ao seu juízo, sendo assim o Acórdão nulo, o que ora se invoca.
27. O Tribunal Colectivo de Sesimbra ao condenar o arguido na pena de prisão de 9 anos, por entender que o mesmo fazia parte de um grupo de indivíduos que actuava de forma concertada para conseguir proceder ao transporte de haxixe de Marrocos para Portugal, durante o ano de 2008, tratando de todos os trâmites de gestão da “frota marítima”, e considerando, ao invés, que no dia do desembarque o arguido não se encontrava no porto de Sesimbra nem estava incumbido da tarefa de após o desembarque remover a embarcação do local, extrapola o Princípio da Livre Apreciação da Prova, previsto no art.127°do Código de Processo Penal, e os requisitos e limitações objectivas e subjectivas que o informaram.
28. É inconstitucional a interpretação do art.127° do Código de Processo Penal no sentido de admitir uma Leitura da Prova que conduza à sedimentação de uma convicção Judiciária sobre a verificação de um conjunto de Factos, sustentada em contradições insanáveis e inconciliáveis entre factos provados e não provados, sustendo-se em meras presunções desprovidas de lógica e sem suporte da prova disponível no processo, sobretudo da que foi feita em julgamento, por violação dos arts. 1°, 2°, 12°, 25°, 26°/1, 32°, 202°/1 e 2 e art. 204° da Constituição da República Portuguesa, sendo, em consequência, inconstitucional a decisão do Tribunal Colectivo de Sesimbra e da Relação de Lisboa, que perfilharam tal entendimento.
29. O acórdão da Relação de Lisboa afronta a dignidade da pessoa humana e contende de forma grosseira com a concepção material de um Estado de Direito por, confirmando uma condenação a nove anos de prisão, não oferecer resposta às questões produzidas pelo arguido nem sustentar a infirmação das debilidades por este apontadas ao Acórdão que, inicialmente, o condenou, deixando-o resignado, não apenas ao encarceramento, mas a que não lhe seja sequer oferecida explicação sólida e segura sobre a validade e legalidade da decisão que atacou por expediente de Recurso.
30. São inconstitucionais os art.374°/2 do Código de Processo Penal e o art. 660°/2 do Código de Processo Civil quando interpretados no sentido de admitirem a legalidade da decisão que, negando provimento ao Recurso, não aprecie cada uma das questões jurídicas que são apresentadas e que não demonstre de forma sólida, objectiva e suficiente o motivo por que a argumentação do recorrente não pode proceder e por que se revela inepta para sustentar a modificação da decisão, por violação dos arts. 1°, 2°, 12°, 25°, 26°/1, 32°, 202°/1 e 2 e 205°/1 todos da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que também se invoca face à interpretação de tais normativos pelo acórdão recorrido.
Em obediência ao estatuído no art. 412° do Código de Processo Penal, cumpre indicar,
- As normas jurídicas violadas:
• Arts. 1º, 2°, 12°, 13°, 18°, n°2, 25°, 26°, 320,n°81 34°, n°1 e 4, 202, n.° 1 e 2, 204° e 205° da Constituição da República Portuguesa;
• Art. 6º, n.°2 e 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem
• Arts.4°, 61°.al. c), 126° n°3, 127°,187º a 190°, 343°, 355°, 357°, n.°2, 360°, 361°, 369°, 370°, 374°, n.°2 e 399° do Código de Processo Penal
• Arts.70°, 71° e 73° do Código Penal,
• Arts.660°, n.° 2 (ex vi art. 4º do CPP), 668°, al. d) e 714° do Código de Processo Civil, (Merece aqui também aplicação o disposto no art. 379°/1, al. c) do Código de Processo Penal)
• Art. 21°, n°1 e 24°, al. j) do Decreto-Lei n° 15/93 de 22 de Janeiro
- Os princípios Jurídicos violados:
Princípio da legalidade,
Princípio do Estado de Direito Democrático e Social,
Princípio da igualdade,
Princípio da necessidade da pena,
Princípio da proporcionalidade e adequação da medida da pena,
Princípio da dignidade da pessoa humana,
Princípio da adesão,
Princípio da livre apreciação da prova,
Princípio da imediação da prova,
Princípio da presunção de inocência e
Princípio do in dubio pro reo.
No contexto enunciado, deve ser concedido provimento ao Recurso nos termos e com os fundamentos alegados, revogando-se a decisão proferida e, consequentemente, deve esse Supremo Tribunal de Justiça:
a) Considerar que o Colectivo de Sesimbra incorreu em Erro Notório na Apreciação de Prova,
Ou, quando assim não se entenda, deve,
b) O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa ser havido por nulo por Omissão de Pronúncia, nos termos e com os fundamentos alegados;
Sempre, e em qualquer caso, absolvendo o ora Recorrente, sem mais,
Ou, quando assim se não entenda e sempre sem conceder, deve,
c) Ser o arguido condenado apenas com referência ao crime de tráfico p. e p. no n° 1 do art. 21° do Decreto-lei 15/93, de 22.01, em pena, nunca superior a quatro (4) anos, suspendendo-se na sua execução,
Sempre e em qualquer caso, ainda que se não atenda ao supra disposto, deve,
d) O Tribunal entender por inconstitucionais os arts. 127° do Código de Processo Penal e os art. 660°/2 do Código de Processo Civil ex vi art. 4° quando interpretados no sentido plasmado na Sentença em Primeira Instância e no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa nos termos e com os fundamentos alegados, e
Por necessária deriva, absolvendo o arguido, sem mais.
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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação de Lisboa apresentou resposta única a todos os recursos, de fls. 9727 a 9738, concluindo:
1.ª - Na parte em que pretendem ter havido erro de julgamento e na parte em que alegam a verificação de vícios do acórdão recorrido, todos os 4 recursos interpostos devem ser rejeitados, na medida em que incidem sobre a matéria de facto e o STJ, nos termos do art. 434° do CPP, apenas conhece de direito, tudo conforme jurisprudência uniforme desse colendo tribunal superior;
2.ª - Na parte respeitante à violação do princípio in dubio pro reo, porque no acórdão recorrido não vem expressada qualquer dúvida dos venerandos Desembargadores, sendo que os recorrentes, ao invocar tal violação, pretendem pôr em causa a prova produzida, ou seja, matéria de facto, os recursos devem igualmente ser rejeitados;
3.ª - Tendo em atenção os factos provados, que estão assentes (cf. fls. 9334 e segs.), verifica-se com facilidade a actuação necessária em «bando» dos arguidos, posto que, à evidência, não conseguiriam a importação de mais de 6 toneladas de canabis por via marítima desde Marrocos e o seu transporte num veículo pesado se não houvesse um mínimo de organização para o efeito, tendo, aliás, em atenção o jurisprudencial e doutrinariamente explicado no douto Ac. do STJ de 27-05-2010 lavrado no Proc. 18/07.2GAAMT.P1.S1, in www.dgsi.pt, e, nessa medida, os factos constituem efectivamente crime de tráfico de estupefacientes agravado pelo qual os arguidos foram condenados, mostrando-se, pois, correcto o enquadramento jurídico-penal daqueles factos;
4.ª - O tribunal a quo explicou das razões pela opção feita quanto à manutenção das penas impostas - cf. fls. 9424 e segs. -, razões essas que não merecem qualquer reparo (nem sequer os próprios recorrentes o fazem, antes pugnando de forma genérica por uma redução com base no que entendem ser um exagero), pelo que as penas achadas devem manter-se intocados.
5.ª - Dado que o STJ pode conhecer oficiosamente dos vícios e nulidades das sentenças, uma leitura do acórdão recorrido permite concluir com facilidade que nenhum deles ocorre, pelo que o mesmo não merece qualquer reparo.
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Os recursos foram admitidos a fls. 9813 e verso e o do arguido BBB para o Tribunal Constitucional, a subir em separado, com remessa de certidão cuja extracção foi então ordenada.
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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal emitiu douto parecer, de fls. 9841 a 9845, e acompanhando inteiramente a resposta do Ministério Público na Relação, defende não se verificar qualquer alteração substancial dos factos, mas apenas de qualificação, tendo os arguidos sido notificados e prescindido do prazo para preparação de defesa.
Conclui que os recursos serão inadmissíveis quando versam matéria de facto, impugnam directamente a decisão da 1.ª instância, não sendo admissível o recurso quanto a pena parcelar inferior a 8 anos de prisão que foi mantida no acórdão recorrido, devendo ser rejeitados parcelarmente.
E quanto aos recursos interpostos do acórdão da Relação em que foram condenados a penas superiores a 8 anos, deverão ser rejeitados, mas por ser manifesta a sua improcedência, ou por não merecerem provimento.
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, veio o recorrente GG, a fls. 9852 (e 9854), dizer reiterar todo o conteúdo da sua motivação de recurso e o recorrente DD, a fls. 9855/6, refere que tudo o por si alegado no recurso cai no âmbito do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, podendo o recurso ter por fundamentos os vícios previstos em tal preceito, para além de defender a recorribilidade da pena parcelar de 8 meses de prisão, por entender que a alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP se reporta à pena total na qual o arguido é condenado e essa é superior a 8 anos.
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Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal.
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Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal - acórdão do Plenário da Secção Criminal, de 19-10-1995, no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 298, de 28-12-1995 (e BMJ n.º 450, pág. 72), que fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito” e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP - é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.

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Questões a decidir.

Dos quatro recursos apresentados apenas o do recorrente FF tem por objecto tão só a decisão proferida sobre matéria de direito, pretendendo a descaracterização do crime agravado de tráfico de estupefacientes, com a convolação deste para o tipo matricial do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93 e a consequente redução de pena.

Os demais recorrentes, para além daquela divergência, afirmam a sua discordância com o decidido, em várias frentes, visando igualmente a impugnação da matéria de facto fixada.
Conforme resulta do exposto na motivação e levado às conclusões, que traduzem, de forma sintética, as razões de divergência com o decidido, são questões a decidir:

I Questão – Nulidade por omissão de pronúncia – artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal
II Questão – Nulidade por alteração substancial de factos - artigos 359.º e 379.º, n.º 1, alínea b), do CPP
III Questão – Erro de julgamento sobre a matéria de facto
IV Questão – Ocorrência de vícios decisórios
V Questão – Violação do princípio in dubio pro reo
VI Questão – Alteração da qualificação jurídica – (in)verificação da agravante de actuação em bando
VII Questão – Co-autoria/Cumplicidade
VIII – Medida das penas de tráfico
IX - Medida das penas conjuntas
X - Perda de bens

Para além destas colocar-se-á a Questão prévia da admissibilidade de recurso, no que respeita às penas aplicadas em medida inferior a 8 anos de prisão e confirmadas pela Relação.
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Factos Provados
Nota - Vão em letra de formato reduzido os factos relativos a arguidos não recorrentes, respeitantes a condições pessoais, que não têm interferência com as questões em aberto.

1) Durante o ano de 2008 um grupo de indivíduos decidiu juntar os meios necessários para proceder ao transporte de haxixe em grandes quantidades, por meio marítimo, desde Marrocos e fazê-lo transitar por via terrestre de Portugal para Espanha.
2) Para tanto adquiriram a posse de embarcações e veículos automóveis que lhes permitiam tal transporte.
3) Na prossecução de tais intentos, foram efectuados alguns transportes de quantidades, não concretamente apuradas de haxixe, e em datas também não apuradas mas anteriores a 14-10-2008, o de 14-10-2008 e preparava-se a realização de outros após tal data.
4) Nesse grupo de indivíduos encontrava-se o arguido DD, que procedia à gestão dos recursos humanos e materiais para a realização de tal intento, o arguido EE que procedia à recolha de informações sobre segurança na zona de Sesimbra e à realização do acompanhamento do produto estupefaciente nos quilómetros seguintes ao desembarque, o arguido FF que executava as operações de vigilância do desembarque e acompanhamento do produto estupefaciente nos quilómetros seguintes ao desembarque, o arguido GG que efectuava as operações respeitantes à aquisição e gestão da frota marítima. Havia, igualmente, um indivíduo espanhol que integrava tal organização, sendo este que dava as ordens ao DD.
5) Por via das funções que desempenhava, o arguido EE tinha conhecimentos privilegiados dos meios humanos e materiais das autoridades no porto de Sesimbra e sabia, antecipadamente, quando se realizavam operações de fiscalização no porto de Sesimbra e operações de fiscalização rodoviária.
6) Por esse motivo, a adesão e colaboração do arguido EE constituía uma importante mais-valia para o grupo, permitindo-lhe ter conhecimento antecipado quando ocorriam eventuais acções de fiscalização e só efectuar os desembarques e subsequentes transportes rodoviários nas ocasiões em que era seguro fazê-lo.
Na prossecução de tais intentos:
7) Em data não apurada de Julho de 2008, conforme instruções que tinha recebido o arguido GG propôs a UU, proprietário da embarcação H... R..., a sua venda ao arguido DD.
8) Em 07-08-2008 o arguido DD e UU celebraram o contrato promessa de compra e venda da referida embarcação, e ficou acordado que o arguido DD compraria a referida embarcação pela quantia de € 86.500, pagando a quantia de € 65.000 aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda e o remanescente aquando do contrato de compra e venda.
9) A quantia de € 86.500 foi integralmente paga pelo arguido DD, que procedeu ao pagamento de € 19.000 através do cheque n° ----------------- sacado sobre a conta n° ------------ do Crédito Agrícola de que era titular.
10) Necessitando de ser reparada, em Agosto de 2008, o arguido DD incumbiu o arguido GG de diligenciar pela sua reparação.
11) O arguido GG levou a embarcação H... R... para o porto de Sesimbra onde foi objecto de várias reparações.
12) Porque a embarcação não reunia condições ideais para os transportes que o grupo pretendia realizar, foi colocada à venda em Quarteira.
13) Em Junho de 2008, arguido GG informou que a embarcação I... C... estava à venda.
14) Em finais de Junho de 2008, o arguido GG contactou VV a quem manifestou interesse na aquisição por € 80.000 a embarcação I... C... que era propriedade daquele e do seu pai.
15) Perante a anuência de VV, de acordo com as instruções que tinha recebido, alguém (que igualmente pertencia ao grupo, mas cuja verdadeira identidade se não apurou) dizendo chamar-se XX, portador do Bilhete de Identidade n.º -------- (embora na verdade tinha sido legalmente atribuído a ZZ, já falecido e subscreveu-o com uma assinatura forjada daquele), celebrou com ele um contrato de promessa de compra e venda da embarcação.
16) No final de Julho de 2008, VV entregou a embarcação I... C... ao arguido GG que lhe entregou a quantia remanescente que faltava pagar.
17) Em Agosto de 2008, o arguido GG outorgou, como comprador, o contrato de compra e venda relativo àquela embarcação.
18) Para além dessas duas embarcações, também foi adquirida pelo grupo, a embarcação C... F....
19) Sabendo que a embarcação C... F... estava à venda, conforme as instruções que tinha recebido, em Setembro de 2008, o arguido GG contactou o seu dono AAA, a quem manifestou interesse na sua aquisição.
20) Porque as embarcações H... R... e I... C... que a organização tinha adquirido, estavam referenciadas como sendo propriedade de, respectivamente, DD e GG, e estes não queriam ser associados a outras embarcações da organização, em 22-09-2008, o arguido DD propôs à arguida II que, em seu nome, adquirisse para a organização a embarcação C... F... com capitais que lhe seriam disponibilizados para o efeito, recebendo em contrapartida quantia monetária não apurada, e a arguida II aceitou, sabendo que a embarcação seria utilizada no transporte internacional de produtos estupefacientes.
21) No final de Setembro de 2008, os arguidos II e GG dirigiram-se a Lagos e negociaram com AAA e BBB, a compra dessa embarcação por € 95.000 (embora no contrato tenha ficado a constar o preço de € 50.000).
22) Pela arguida II foi entregue ao casal, em várias prestações, o valor total do valor acordado, que previamente lhe tinha sido entregue pelo arguido DD ou lhe tinha sido creditado na sua conta bancária.
23) Essas quantias bem como a verba necessária ao pagamento das despesas do contrato foram disponibilizadas pelo arguido DD que previamente as transferiu da sua conta bancária para a conta bancária da arguida II.
24) Conforme instruções do arguido DD, no dia 24-09-2008 os arguidos GG e II dirigem-se a Lagos e encontram-se com AAA e BBB, e outorgou, como promitente compradora, o contrato promessa de compra de venda daquela em embarcação.
25) Por sua vez, AAA e BBB entregaram as chaves da embarcação ao arguido GG.
26) De acordo com instruções de DD, o arguido GG tratou da obtenção dos documentos necessários à aquisição da C... F..., nomeadamente das licenças de pesca e de navegabilidade.
27) Em 26-11-2008, a arguida II outorgou como promitente compradora, o contrato de compra e venda relativo à aquisição da embarcação C... F....
28) Em 09-10-2008, o arguido DD comprou o veículo pesado de mercadorias de matrícula ...-GO-... para transporte dos carregamentos de estupefacientes
29) Para conduzir aquele veículo, foi contratado o arguido AA e transportar o haxixe para Espanha o qual ciente dos propósitos, objectivos e do método de actuação e mediante a contrapartida de € 10.000, aceitou executar aquela tarefa, como efectivamente veio a realizar.
30) Em data não apurada de Outubro de 2008, a embarcação I... C..., zarpou em direcção à costa de Marrocos, mais concretamente ao largo de Moutay Bousselam, onde recolheu vários fardos de haxixe e os arguidos CC e BB cuja missão era vigiar o carregamento e o transporte do haxixe até ser entregue ao seu destinatário.
31) Para que os arguidos EE e FF se preparassem para efectuar a vigilância e segurança do desembarque, no dia 12-10-2008, o arguido DD informou o arguido EE que a embarcação I... C... entrava no porto de Sesimbra na noite de 14-10-2008 com um carregamento de estupefacientes para ser desembarcado.
32) Nos moldes habituais, os arguidos EE e FF estavam incumbidos da vigilância das operações e de fazer o acompanhamento do veículo de matrícula ...-GO-....
33) Também o arguido DD tinha a tarefa de vigiar as operações de desembarque, mantendo-se em contacto com o arguido EE que lhe reportaria a evolução do desembarque e se existiam condições de segurança, informações que o arguido DD comunicaria ao líder espanhol.
34) Momentos antes da embarcação acostar, para se certificar da ausência de controlo policial e da segurança das operações, o arguido EE fez várias passagens pela zona circundante do porto, após o que se foi posicionar noutro local.
35) Por sua vez, o arguido FF colocou-se junto à portaria da Polícia Marítima o que lhe permitia controlar a saída de elementos e meios daquela polícia e a entrada e saída do porto de Sesimbra.
36) Cerca das 22 horas, o arguido AA chegou a Sesimbra com o veículo pesado de mercadorias de matrícula ...-GO-... acompanhado do referido líder espanhol do grupo que se apeou do mesmo à entrada de Sesimbra.
37) Após, o arguido AA seguiu para o cais a aguardar a chegada da embarcação I... C....
38) Momentos antes das 23 horas e 45 minutos do dia 14 de Outubro de 2008, a embarcação I... C... acostou ao cais do porto de Sesimbra.
39) De imediato os arguidos CC e BB e outros elementos da organização - cuja identidade não se logrou apurar que se encontravam no local para o efeito -, procederam ao desembarque e transbordo de 195 fardos de haxixe para o interior do veículo pesado de mercadorias de matrícula ...-GO-....
40) Após o carregamento efectuado, os arguidos CC e BB entraram também no interior do veículo pesado de mercadorias.
41) Enquanto decorriam essas operações, os arguidos EE e FF mantinham-se em contacto telefónico, reportando entre si como estavam a decorrer as operações e se havia alguma ocorrência que as pudesse prejudicar.
42) Por sua vez, o arguido DD mantinha-se em contacto telefónico com o arguido EE, reportando entre si como decorriam as operações e se havia alguma ocorrência que as pudesse prejudicar.
43) O indivíduo espanhol mantinha-se em contacto telefónico com a tripulação da embarcação e com o arguido DD que lhe ia reportando como decorriam as operações.
44) Concluído o carregamento, o arguido AA pôs em marcha o veículo de matrícula ...-GO-....
45) De seguida, a fim de fazerem o acompanhamento do veículo pesado até à entrada da A2 no Fogueteiro, o arguido EE e o arguido FF, colocam-se, respectivamente, à retaguarda e a frente do veículo pesado a controlarem as condições de segurança do transporte e a presença de alguma fiscalização policial.
46) O arguido DD também estava incumbido de fazer o acompanhamento do veículo pesado de mercadorias ...-GO-....
47) Pelas 23 horas e 45 minutos, na localidade de Cotovia, o referido veículo pesado e os arguidos AA, CC e BB foram interceptados por forças policiais quando procediam ao transporte daqueles fardos, que continham 6.358.635,911g de um produto vegetal prensado que tinha como substância activa “Canabis” (resina) com grau de pureza de 5,1%, 5,4%, 9,2%, 8,1%, 9,9%, 6%, 9%, 8,6% (THC) com os quais era possível preparar 10.264,226 de doses individuais dessa substância.
48) No interior do aludido veículo pesado de mercadorias encontravam-se ainda 20 bidões com gasóleo para o abastecer na viagem de transporte dos estupefacientes.
49) Para além disso, os arguidos AA, CC e BB também estavam em poder de objectos e valores.
50) Assim, o arguido AA estava em poder, para além do mais, de:
- 1 Telemóvel da marca Nokia com o IMEI ... com um cartão Yorn inserido correspondente ao n° ...,
- 1 Telemóvel da marca Nokia modelo 1209 com o IMEI ... com cartão Vodafone no seu interior.
- a quantia de € 200.
51) O arguido CC estava em poder, para além do mais, de:
- 1 Telemóvel da marca Noka com o IMEI ... com cartão SIM e cartão memoria inserido;
- 470 Dinares marroquinos;
52) E o arguido BB estava em poder, para além do mais, de:
- 1 Telemóvel da marca Nokia com o IMEI .../.../.../... com cartão SIM e cartão Multimédia inserido;
- 2 Cartões da Meditei;
- 1 Cartão da Maroc Telecom;
- 4105 Dirhams de Marrocos;
53) Esses arguidos estavam na posse desses telemóveis e cartões telefónicos para se manterem em contacto com outros elementos da organização durante o transporte, com vista à boa prossecução dos seus objectivos e as referidas quantias destinavam-se a custear gastos;
54) Logo após, foi apreendida a embarcação I... C... no interior da qual se encontravam os seguintes objectos:
- 1 aparelho GPS B&G 4000;
- 1 Sonda High Power HE;
- 1 Rádio marca Dscall Skanti Leisure;
- 1 Radar marca JRC JMA 2254;
- 1 Televisão marca Crown;
55) Todos esses bens tinham sido adquiridos pelo grupo com os proventos obtidos em anteriores transportes de estupefacientes e destinavam-se a ser utilizados na prossecução das suas finalidades e objectivos.
56) Embora tenha sido frustrada a realização do transporte de haxixe em quantidade elevada, tal não impediu os membros do grupo de continuar a preparar novos transportes, nomeadamente o arguido DD continuou a manter frequentes contactos telefónicos e pessoais com o arguido EE e com o indivíduo espanhol de planificação de futuras operações de transporte de estupefacientes que se propunham recomeçar em Janeiro de 2009.
57) No dia 16 de Dezembro de 2008 pelas 18h10 no Seixal o arguido EE tinha consigo os seguintes objectos e valores:
- 1 Telemóvel da marca Nokia, modelo 6210 com o IMEl ... e com o cartão SIM Vodafone inserido a que corresponde o número ...
- 1 Telemóvel da marca Nokia modelo N95 com o IMEl ... com cartão SIM Tmn inserido
- 1 Telemóvel da marca Nokia com o MEl ... com cartão OPTIMUS inserido
- a quantia de € 520
58) Na sua residência sita na Rua Q... da M..., n° ..., .../... Direito no Seixal o arguido tinha, para além do mais:
- 1 Computador portátil Acer com carregador rato e mala,
- 1 Telemóvel marca Samsung com o IMEl .../...;
- 1 Telemóvel marca Htc com o IMEl ...
- 1 Cartão SIM com o número ...
- 1 Telemóvel marca Nokia com o IMEl .../.../...
- 1 Telemóvel marca Nokia com o IMEl ...
- 1 Telemóvel marca Nokia com o IMEl .../.../.../...
59) Aquela verba constituía parte dos proventos obtidos pelo arguido EE por fazer parte e colaborar, da forma supra descrita, na realização dos objectivos prosseguidos pela organização.
60) Os objectos tinham sido adquiridos com tais proventos obtidos pelo arguido EE e para serem utilizados na realização dos objectivos prosseguidos pela organização.
61) Para além disso o arguido também era proprietário dos seguintes veículos automóveis que foram apreendidos:
- 1 Veículo da marca e modelo Mercedes C22OCDI com a matricula ...-GL-...
- 1 Veículo da marca e modelo BMW serie 5 D matrícula ...CHS...
62) O arguido EE também tinha adquirido esses veículos com os proventos obtidos por fazer parte e colaborar, da forma supra descrita, na realização dos objectivos prosseguidos pela organização.
63) No mesmo dia, pelas 22h na Marinha Grande, o arguido DD tinha consigo um telemóvel da marca Nokia modelo 6070 com o IMEI .../...!0.../... com cartão SIM Vodafone inserido com o número ...
64) Na sua residência na Rua das E..., n° ..., em G..., Marinha Grande, para além do mais, o arguido DD tinha:
- 1 Telemóvel marca Samsung com o IMEI ...
- 1 Telemóvel Nokia 8800 com IMEl ... com cartão SIM inserido
- 1 Computador portátil marca Asus n ° de série ...BN0AS0... com mala para transporte
- 1 Nota de € 500 euros
- 1 Aparelho de GPS Garmin n.° série ...P0000...
65) Aquela verba constituía parte dos proventos obtidos pelo arguido DD por fazer parte, colaborar e liderar, da forma supra descrita, na realização dos objectivos prosseguidos pela organização e
66) Os objectos tinham sido adquiridos com tais proventos obtidos pelo arguido DD e para serem utilizados na realização dos objectivos prosseguidos pela organização.
67) Além disso o arguido DD também era proprietário dos seguintes veículos automóveis:
- Veiculo de marca e modelo Audi A3 com a matricula ...-GS-...
- Veiculo de marca e modelo Audi A3 com a matricula ...-GS-...
- Veiculo de marca e modelo Renault Megane com a matricula ...-...-VA
- Veiculo de marca e modelo Renault Megane com a matricula ...-...-ZB
- Veiculo de marca e modelo Mercedes Benz 0220 CDI Classic que ostentava a matricula ...-GP-...
- Veiculo de marca e modelo Mercedes Benz CDI 220 CDI Classic com a matricula ...-ON -...
- Veiculo de marca e modelo Ford Focus com a matricula ...-..-RG
- Veiculo de marca e modelo Volkswagen Passat com a matricula H-D ... que se encontravam no estabelecimento denominado Stand da Ponte em Tornada, Caldas da Rainha
- para venda de Veiculo de marca e modelo Porsche Cayenne com a matricula ...-OT-... que se encontrava no estabelecimento denominado “Sportcar” na Mealhada para venda
- Veículo de marca e modelo Mercedes Benz com a matricula ..-GR-... que estava a posse de MM
68) Esses veículos foram adquiridos pelo arguido DD com os proventos obtidos com a sua participação neste grupo nomeadamente nos transportes anteriores de estupefaciente.
69) O arguido DD também era proprietário registado da embarcação H... R... com o registo PE... que se encontrava no porto de Quarteira e no interior existia, para além do mais:
- 1 Radar Raymarine sem número de série visível
- 1 GPS SIMRAD CP33 com número de série TC...
- 1 Piloto automático Raymarine S15000
- 1 Vhf Icon com o número de série ...
70) Essa embarcação e todos esses objectos tinham sido adquiridos pelo grupo com os proveitos obtidos em anteriores transportes de estupefacientes para serem utilizados na prossecução das suas finalidades e objectivos
71) O arguido DD colocou à venda no estabelecimento denominado “Stand da Ponte” em Tornada, Caldas da Rainha, entre outros, o veículo automóvel de marca Mercedes Benz C 220 que ostentava chapas com a matrícula ...-GP-....
72) Porém essa matrícula não estava legalmente atribuída a esse veículo, mas a um veículo de marca RENAULT, tendo sido o arguido DD que apôs nesse veículo chapas com essa matrícula para iludir as autoridades e eventuais compradores e terceiros quanto aos elementos de identificação desse veículo.
73) No dia 23 de Junho de 2009, pelas 10 horas, no Fogueteiro, o arguido FF tinha consigo os seguintes objectos que lhe foram apreendidos:
- uma pistola da marca “STAR”, calibre 6,35 mm, carregada e municiado com seis munições no seu carregador no interior de uma bolsa;
- um telemóvel de marca Nokia 5000d-2 com o IMEI ..., e com cartão SIM da rede Optimus inserido corresponde ao número ...
74) Na sua residência sita na Avenida ... de M... nº ..., ...° Esquerdo no F..., o arguido FF tinha, para além do mais, um telemóvel da marca e modelo Nokia 5000d, IMEI ...
75) Os aludidos telemóveis foram adquiridos pelo arguido FF com os proventos obtidos com a sua descrita actividade para serem utilizados na prossecução dos objectivos da organização.
76) O arguido FF estava na posse da aludida pistola sem ser titular da respectiva licença de uso e porte ou detenção.
77) Para compelir o arguido EE a não revelar às autoridades judiciárias e policiais a colaboração que tinha prestado à organização (nos moldes supra descritos), o arguido FF, telefonou a JJ - cônjuge do arguido EE e disse-lhe “Dou dois balázios a ti e à tua filha, avisa lá o C... para não falar” e que aquele devia ficar calado, sabendo que a mesma iria transmitir tal conversa ao marido, que estava em prisão preventiva.
78) JJ transmitiu ao seu cônjuge, EE, o teor do telefonema que o arguido FF lhe tinha feito, e ficou receosa e insegura ante a possibilidade de o arguido vir a tirar a vida a si e/ou à sua filha
79) O arguido EE também ficou receoso e inseguro ante a possibilidade do arguido FF tirar a vida à sua cônjuge e à sua filha menor, caso revelasse às autoridades judiciárias e policiais o envolvimento do arguido FF nos factos supra descritos mas não obedeceu ao arguido.
80) Os arguidos DD, EE, FF e GG sabiam que colaboravam com um grupo indeterminado de pessoas, cada uma com uma função e que tinham como fim o transporte internacional de produtos estupefacientes, o que fizeram, visando obter contrapartidas pecuniárias.
81) Ao agir do modo acima descrito, o arguido DD previu e quis integrar-se no aludido grupo de indivíduos, dando o seu contributo para prosseguir a actividade de recolha transporte e introdução de elevadas quantidades de estupefacientes no território nacional com destino a outros países europeus executando as tarefas de organização de outros elementos visando a obtenção de contrapartidas pecuniárias.
82) O arguido EE aceitou desempenhar a tarefa de informar a organização das ocasiões seguras para realização dos desembarques de estupefacientes no porto de Sesimbra e zelar pela vigilância e segurança dessas operações o que fez, ciente de que tais actos violavam os seus deveres funcionais de militar da GNR-BF de Sesimbra.
83) O arguido FF aceitou desempenhar a função de proceder à vigilância do desembarque, e zelar pela vigilância e segurança dessas operações o que fez.
84) O arguido GG aceitou desempenhar a função de informar o grupo que embarcações eram adequadas a proceder ao transporte e efectuar as negociações de aquisição das mesmas e proceder ao tratamento da parte burocrática que permitisse que as mesmas navegassem.
85) Os arguidos DD, AA, BB, CC, EE, FF e GG mais previram e quiseram, em conjugação de esforços, unidade de meios e fins, transportar e introduzir no território nacional 6358 635,911g, provenientes de Marrocos, em Outubro de 2008, o que fizeram cientes da sua natureza narcótica e que aquele produto se destinava a ser comercializado e consumido por inúmeros indivíduos, e a ser transportado para Espanha.
86) Os arguidos DD, EE, FF e GG já tinham anteriormente efectuado transportes similares, e preparavam-se para efectuar outros de futuro, sabendo que actuavam em conjunto com outras pessoas para conseguirem melhor os seus intentos.
87) A arguida II previu e quis colocar meios materiais (uma embarcação) ao serviço do grupo, sabendo que estes se dedicavam à actividade de tráfico de estupefaciente, visando obter contrapartidas pecuniárias.
88) Ao agir do modo descrito supra o arguido DD previu e quis colocar no veículo automóvel de marca Mercedes Benz C 220 chapas com a matrícula ...-GP-... que estava legalmente atribuída a outro veículo, para iludir as autoridades e terceiros quanto aos seus elementos de identificação sabendo que desse modo molestava a fé pública de que gozam as matrículas atribuídas aos veículos pelas entidades competentes do Estado português
89) Ao agir como descrito supra o arguido FF previu e quis ter consigo a aludida pistola da marca “STAR” calibre 6,35 mm, carregada com seis munições, sabendo que não era titular de licença de uso e porte ou detenção no interior de uma bolsa.
90) O arguido FF previu e quis agir do modo acima descrito acima (telefonema a JJ a dizer-lhe que lhe daria um balázio na cabeça e da filha se o C... falasse), com o intuito de compelir o arguido EE a não revelar às autoridades judiciárias e policiais o seu envolvimento, conseguindo desta forma amedrontar e perturbar JJ e EE no sentimento de segurança e na liberdade de movimentação e actuação, fazendo JJ recear pela sua vida e pela vida da sua filha menor e EE recear pela vida de ambas, bem sabendo, o arguido FF, que tal conduta era idónea a produzir esse efeito. No entanto, não logrou conseguir o seu intento.
91) Todos os arguidos sabiam que tais condutas lhes estavam vedadas por lei e tendo capacidade de determinação, segundo as normas legais, ainda assim não se inibiram de as realizar.
Mais se provou que:
92) O arguido AA:
a) vive sozinho e trabalha na oficina do pai, embora por conta própria. Compra a vende alguns veículos automóveis, para além da actividade de mecânico. Aufere entre 1000 € e 2000 € mensais e tem de despesas 600 € - 700 €.
b) Tem três filhos. Para dois deles contribuiu com 350 €, mensais, e ao terceiro com nada contribui. Pagava 180 € da casa, mas entretanto ela foi entregue ao banco. É visitado pela família no estabelecimento prisional.
c) O arguido AA concluiu o 9.º ano de escolaridade.
d) O arguido apresenta uma trajectória de vida estável e situada num contexto sócio familiar e profissional organizado. Revelou desde cedo uma ambição pessoal muito elevada que o levaram a procurar atingir sempre níveis mais elevados dentro dos padrões e valores de vida por si definidos: obtenção de lucros financeiros que lhe permitissem aceder à fruição de bens materiais e alimentar um estilo de relacionamento social intenso, com amigos e conhecidos.
e) O arguido AA não tem antecedentes criminais averbados.
93 - O arguido BB:
a) Vive com os pais e 4 irmãs. Trabalha na pintura de chapas com o pai, auferindo 150 €.
b) O arguido BB concluiu o 9.º ano de escolaridade. Tem um desejo de deixar Marrocos e emigrar para a Europa.
c) O arguido BB não tem antecedentes criminais averbados.
94) O arguido CC
a) Vive com mãe e duas irmãs e auferia 130 €.
b) Tem um desejo de deixar Marrocos e emigrar para Espanha.
c) O arguido CC não tem antecedentes criminais averbados.
95) O arguido DD:
i. O arguido reside com a esposa, a sogra, e um filho. Tem outro filho que reside com a mãe. A esposa aufere cerca de 1000 €. Tem apoio familiar
ii. Concluiu o 6.º ano de escolaridade.
iii.O arguido DD foi condenado, por acórdão de 4-7-2003, no processo comum colectivo que correu termos sob o n.º .../01.... do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de P... D..., na pena de 2 anos de prisão, com execução suspensa pelo período de 3 anos, com a condição de proceder ao pagamento ao lesado da quantia de 10.979,56 € em 6 meses, e numa pena de 80 dias de multa, pela prática de um crime de burla qualificada e um crime de falsidade de declaração, por factos de 21-12-2001 e 8-4-2002. A suspensão da execução da pena foi revogada. As penas mostram-se extintas.
96) O arguido EE:
a) tem o 9.º ano de escolaridade, que completou no estabelecimento prisional. Reside com o cônjuge e a filha, menor. Aufere 1000 € mensais, e a esposa aufere 500 €. No estabelecimento prisional revelava bom relacionamento com os camaradas e superiores. No estabelecimento prisional mantém-se activo e fez alguns cursos de curta duração ligados à área da informática e as funções de barbeiro. É visitado pela família de forma regular.
b) O arguido EE não tem antecedentes criminais averbados.
97) O arguido FF:
a) tem o 5.º ano de escolaridade. Reside com a companheira e a filha menor. Tem dificuldade de manter um percurso laboral estável e organizado, que lhe proporcione rendimentos regulares, e não tem um projecto laboral futuro consistente.
b) O arguido FF foi condenado por acórdão de 30-6-2006, no processo que correu termos sob o n.º .../05...., da ....ª Vara Criminal de Lisboa, 1.ª Secção, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão, cuja execução ficou suspensa por 2 anos, pela prática do crime de furto qualificado, por factos de 4-6-2002. A pena mostra-se extinta.
98) O arguido GG:
a) tem o 4.º ano e o curso de marinheiro. Reside com a esposa, dois filhos e um enteado. Aufere uma pensão de 386,04 € por invalidez por problemas de saúde. A esposa é cozinheira.
b) O arguido tem o apoio financeiro por parte de sua mãe;
c) O arguido GG, foi condenado por sentença de 29-03-2001, no processo que correu termos sob o n.º .../99...., que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de P..., na pena de 90 dias de multa, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, por factos de 16-4-2001. A pena mostra-se extinta.
d) O arguido GG, foi condenado por sentença de 4-5-2005, no processo sumário que correu termos sob o n.º 212/05.0PAPNI, que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Peniche, na pena de 59 dias de multa, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, por factos de 4-5-2005. A pena mostra-se extinta.
99) O arguido HH:
a) tem o 4.º ano de escolaridade. Vive com a esposa e um dos filhos. É mestre da sua própria embarcação auferindo, cerca de 1200 €, mensais. Paga 400 € de renda de casa.
b) O arguido HH não tem antecedentes criminais averbados.
100) A arguida II:
a) tem frequência de curso universitário de veterinária. Reside sozinha. Aufere 350 € de pensão de viuvez.
b) A arguida II não tem antecedentes criminais averbados.


Factos não provados

Transcrevem-se os factos não provados porque muitos deles revestem manifesto interesse para a questão de conhecer a imputada actividade pretérita dos arguidos anterior a 14 de Outubro de 2008, que suportavam a incriminação por associação criminosa, sendo que alguns deles foram referenciados expressamente pelos recorrentes, maxime, o arguido EE na conclusão 12.ª, alíneas a) a l).

“Não resultaram provados os factos que constavam da acusação e que são contrários aos factos supra descritos como provados, e que respeitam à actividade da organização enquanto tal (consigna-se que os factos 1 a 3 da matéria provada são restrições dos primeiros factos que constam da acusação, pelo que se entende que deverão os que constavam da acusação constar como não provados, também os factos respeitantes ao dolo dos arguidos são restrições dos que constavam da acusação, decidindo-se manter os factos originais como não provados apenas porque o seu grau de abrangência é muito superior), e nomeadamente:
a) Desde 2007, operou no território nacional um grupo organizado de indivíduos de nacionalidade portuguesa, espanhola e marroquina que, em conjugação de esforços, unidade de meios e fins, por tempo indeterminado e enquanto lhes fosse possível, de forma regular e reiterada e fazendo dessa actividade modo de vida, se dedicou à introdução de avultadas quantidades de haxixe na Europa, utilizando o território português como plataforma de entrada desses estupefacientes.
b) Esse grupo organizado de indivíduos, mediante avultadas contrapartidas pecuniárias, assegurava a produtores, vendedores e compradores de avultadas quantidades de haxixe, o transporte dessa substância, por via marítima, de Marrocos para Portugal e o subsequente transporte rodoviário para outros países da Europa e a sua entrega aos respectivos compradores e que se dedicavam à comercialização e distribuição desse produto por milhares de indivíduos.
c) Para desenvolvimento dessa actividade, a organização dispunha de uma estrutura hierarquicamente organizada de meios humanos integrada por vários indivíduos que a ela aderiam e se colocavam ao seu serviço sob a chefia dos seus líderes aos quais estavam atribuídas tarefas concretas.
d) Para além disso, a organização dispunha de meios materiais — capitais, embarcações, meios de comunicação, viaturas de transporte — para execução de todo o tipo de actividades necessárias à prossecução das suas finalidades.
e) A organização tinha por líder máximo um indivíduo de nacionalidade espanhola.
f) Era esse indivíduo que:
i. - financiava as operações
ii. - determinava quais as acções de recolha e transporte de estupefacientes que a organização devia realizar
iii. - determinava a ocasião o modo e o lugar da realização dessas operações
- mantinha contactos com os produtores/fornecedores e compradores dos estupefacientes e negociava com eles “os serviços” da organização
iv. - directamente ou através de outros elementos do grupo que agiam sob as suas ordens e instruções, angariava os meios humanos e materiais — embarcações, veículos e locais de armazenamento —, de molde a criar uma estrutura de meios materiais e humanos que abarcasse todas as actividades necessárias prossecução das finalidades da organização; directamente ou através dos elementos do grupo, seleccionava os meios materiais a serem utilizados nas operações.
- delegava noutros líderes hierarquicamente inferiores a realização de tarefas determinadas
g) Assim da organização faziam parte indivíduos:
i. - que capitaneavam e tripulavam as embarcações que transportavam os estupefacientes de Marrocos para Portugal,
ii. - que negociavam a obtenção de embarcações para a organização;
iii. - que executavam os desembarques de estupefacientes;
iv. - condutores de veículos de mercadorias que transportavam os estupefacientes até ao seus destinatários
v. - que vigiavam as condições de segurança dos desembarques dos estupefacientes e dos transportes rodoviários procedendo ao seu acompanhamento
h) O grupo dispunha também dos meios materiais necessários à execução de todo o tipo de actividades, nomeadamente de meios de financiamento, de embarcações que eram cedidas pelos respectivos proprietários e/ou mestres ou adquiridas pela organização, dos respectivos equipamentos de navegação marítima e de veículos automóveis de mercadorias para o transporte das substâncias, para além de telemóveis para estabelecerem contactos e articularem-se entre si.
i) Para execução dos transportes marítimos das substâncias estupefacientes, a organização utilizava embarcações que adquiria para o efeito ou embarcações de terceiros cujos donos ou mestres, mediante o pagamento de avultadas contrapartidas pecuniárias, colocavam as suas embarcações e respectivas tripulações ao serviço da organização, assegurando aqueles transportes
j) Em finais de 2007, o arguido DD travou conhecimento com o aludido líder espanhol, ficando a par das finalidades prosseguidas pelo grupo de indivíduos que liderava.
k) Ciente dos propósitos, objectivos e do método de actuação da organização, mediante avultadas contrapartidas pecuniárias, o arguido DD aceitou aderir e colocar-se ao serviço daquela organização e executar as tarefas que lhe fossem superiormente determinadas pelo líder espanhol da organização, como efectivamente veio a realizar tendo em vista a concretização dos objectivos da organização.
l) O arguido DD era o “braço direito” daquele dirigente espanhol.
m) O arguido DD, pessoalmente ou através de outros elementos da organização que agiam sob as suas instruções, executava ordens que aquele lhe transmitia, providenciava pela angariação de meios materiais e humanos necessários à prossecução da actividade da organização, mantinha contactos com outros elementos e transmitia directivas aos elementos que participavam nas acções de vigilância dos desembarques e nos transportes por via rodoviária e participava ainda, com o líder máximo, na escolha do tempo, modo e lugar das operações.
n) Também em finais de 2007, mediante avultadas contrapartidas pecuniárias, o arguido HH foi convidado pelo líder espanhol do grupo a integrar a organização e a disponibilizar as suas embarcações e tripulações para execução dos transportes marítimos dos estupefacientes.
o) Tendo conhecimento dos propósitos, objectivos e do método de actuação da organização, o arguido HH aceitou, mediante avultadas contrapartidas monetárias, aderir e colocar-se ao serviço daquela organização disponibilizando as suas embarcações e as respectivas tripulações para efectuar transportes de estupefacientes de Marrocos para o território nacional.
p) De finais de 2007 a finais de Junho de 2008, com embarcações do arguido HH, esse grupo organizado fez vários transportes de haxixe para o território nacional, desembarcando no porto de Sesimbra várias toneladas dessa substância.
q) Nessas operações colaboravam vários indivíduos, cuja identidade não se logrou apurar, que estavam incumbidos da realização de concretas e determinadas tarefas, uns como elementos da tripulação, outros a quem competia a execução do transbordo dos estupefacientes para viaturas da organização e outros que conduziam essas viaturas e asseguravam o transporte e entrega dos estupefacientes aos respectivos destinatários
r) Assim, em data não concretamente apurada de finais de 2007, conforme instruções do líder espanhol da organização e mediante a contrapartida de € 300.000, a embarcação do arguido HH, denominada “I... F..., efectuou um transporte de cerca de 6000 kg de haxixe que foi desembarcado no porto de Sesimbra
s) Quando decorria esse desembarque, o arguido HH foi surpreendido pelo arguido EE, militar da GNR-BF de Sesimbra que se encontrava no exercício de funções.
t) Na ocasião, o arguido HH convenceu o arguido EE que somente estava a descarregar pescada, mas que tinha excedido a quota de pesca e, para que aquele o não autuasse nem reportasse esse facto às autoridades competentes, deu-lhe uma quantia de dinheiro que o arguido EE aceitou com contrapartida pela sua inércia.
u) Mediante instruções do chefe espanhol da organização, o arguido EE foi convidado a aderir à organização ficando incumbido de zelar pela segurança e vigilância das operações de desembarque dos estupefacientes, de informar das ocasiões seguras para sua realização, de acompanhar os veículos de mercadorias que transportavam os estupefacientes até à entrada da A2 no Fogueteiro, de informar quando ocorriam operações de fiscalização rodoviária recebendo como contrapartida uma quantia não inferior a € 5000 por cada tonelada de haxixe que fosse descarregada
v) Ciente dos propósitos, objectivos e do método de actuação da organização, mediante aquela contrapartida pecuniária, o arguido EE aceitou aderir e colocar-se ao serviço daquela organização e executar aquelas tarefas superiormente determinadas, como efectivamente veio a realizar, tendo em vista a concretização dos objectivos da organização.
w) Em Fevereiro de 2008, conforme instruções do líder espanhol da organização, a embarcação denominada ‘S... das D...”, capitaneada por HH recolheu e transportou de Marrocos para o território nacional, cerca de 1600kg de estupefacientes.
x) Esses estupefacientes foram desembarcados no porto de Sesimbra, onde a organização contava com a colaboração do arguido EE que executou as tarefas que lhe tinham sido atribuídas, zelando pela vigilância e segurança dessa operação de desembarque e carregamento do haxixe num camião da organização, recebendo como contrapartida a quantia de € 30000.
y) Também o arguido DD participou nessa acção de vigilância e fez o subsequente acompanhamento e segurança ao transporte rodoviário dos estupefacientes até Espanha, tendo recebido como contrapartida a quantia de € 10000.
z) O arguido EE convidou o arguido FF a ingressar no grupo e a colaborar na vigilância e segurança das operações de desembarque de estupefacientes que aquele fazia no porto de Sesimbra,
aa) Ciente das finalidades e objectivos prosseguidos pelo grupo e das tarefas que tinha de executar, o arguido FF a ele aderiu colocando-se à disposição da organização para executar tais tarefas, mediante a contrapartida pecuniária não inferior a € 5000 por cada tonelada de haxixe que fosse descarregada
bb) Em Abril de 2008, conforme instruções do líder espanhol, mediante a promessa de avultada contrapartida pecuniária, o arguido HH numa embarcação por si capitaneada, recolheu em Marrocos cerca de 4000kg de haxixe que transportou para o território nacional.
cc) Esse carregamento de haxixe foi desembarcado no porto de Sesimbra pelas 02 horas do dia 25-04-2008 e carregado para o interior de um camião da organização
dd) A vigilância e segurança dessas operações estiveram a cargo dos arguidos EE e FF que ainda fizeram o subsequente acompanhamento e segurança ao transporte rodoviário dos estupefacientes até à entrada da A2.
ee) Como contrapartida pelos “serviços” prestados os arguidos EE e FF receberam a quantia de € 40.000 que dividiram entre si.
ff) Em Junho de 2008, conforme instruções do líder espanhol da organização, o arguido DD passou a ser o responsável pelos contactos com o arguido EE, de o informar das datas de saída e entrada das embarcações no porto de Sesimbra, de permanecer em contacto telefónico com ele durante as acções de vigilância dos desembarques e de lhe pagar “os serviços” prestados à organização.
gg) Tendo em vista a realização de um novo desembarque de estupefacientes em Sesimbra projectado pelo líder espanhol para finais de Junho de 2008, no dia 19-06-2008 os arguidos DD, HH e EE reuniram-se no hipermercado J... de Setúbal onde acertaram os dias de saída e entrada da embarcação “S... das N...” no porto de Sesimbra e delinearam as estratégias a seguirem futuros desembarques
hh) Na sequência desse encontro, em data não apurada de finais de Junho de 2008, conforme instruções superiores, a embarcação “S... das N...”, capitaneada pelo arguido HH, zarpou em direcção a Marrocos onde recolheu quantidade não apurada de haxixe - mas seguramente várias centenas de quilogramas - que transportou para o porto de Sesimbra, local onde a organização procedeu ao seu desembarque e transbordo para uma viatura pesada da organização, por elementos encarregados dessa tarefa cuja identidade não se logrou apurar.
ii) Durante essas operações de desembarque e transbordo do haxixe, os arguidos EE e FF cuidavam da sua vigilância e segurança e, após, fizeram o acompanhamento e segurança ao transporte rodoviário dos estupefacientes até à entrada da A2, recebendo elevadas contrapartidas pecuniárias por essa colaboração.
jj) Entretanto, devido a desentendimentos no seio do grupo, o arguido HH saiu da organização.
kk) Apesar do abandono do arguido HH, porque tinha uma estrutura sólida, estável e permanente e dispunha de meios materiais para o efeito, a organização prosseguiu com a actividade para que tinha sido criada.
ll) Para colmatar a falta das embarcações de HH, o líder espanhol e o arguido DD contactam o arguido GG — indivíduo que tinha sido mestre de embarcações do arguido HH e com conhecimentos no meio piscatório — para que localizasse embarcações que estivessem à venda e negociasse com os respectivos proprietários a aquisição de embarcações para a organização, recebendo avultadas contrapartidas pecuniárias.
mm) Ciente dos propósitos, objectivos e do método de actuação da organização, o arguido GG aceitou aderir e colocar-se ao serviço daquela organização e executar essas tarefas superiormente determinadas, como efectivamente veio a realizar, tendo em vista a concretização dos objectivos da organização.
nn) No dia 18-07-2008, o arguido DD encontrou-se com VV a quem se identificou como sendo XX
oo) Na ocasião, o arguido DD entregou a VV a quantia de € 30.000 a título de sinal e princípio de pagamento.
pp) Para iludir autoridades, terceiros e o vendedor quanto à sua verdadeira identidade, por forma a não lhe serem assacadas responsabilidades criminais nas futuras operações de transporte e desembarque em que a embarcação I... C... seria utilizada o arguido DD fez constar do contrato promessa de compra e venda dessa embarcação que e promitente comprador era XX, portador do Bilhete de Identidade n.º ... que na verdade tinha sido legalmente atribuído a ZZ, já falecido e subscreveu-o com urna assinatura forjada daquele.
qq) Os arguidos DD e GG entregaram à arguida II o telemóvel n° ... para ser utilizado em exclusivo nos contactos entre eles relacionados com a compra da embarcação C... F....
rr) Em data não apurada, entre 24-09-2008 e 11-10-2008 a embarcação C... F... zarpou do Algarve com destino à costa de Marrocos para recolher e transportar haxixe para o território nacional mas devido a avarias aquela nunca regressou de Marrocos.
ss) Apesar da perda dessa embarcação, porque tinha uma estrutura sólida, estável e permanente e meios materiais para o efeito, a organização prosseguiu com os objectivos para que tinha sido criada.
tt) Dispondo dessas embarcações, a organização estava em condições de retomar a sua actividade, mas não tinham quem as capitaneasse.
uu) DD interpelou o arguido GG no sentido de capitanear a embarcação I... C... numa viagem a Marrocos para recolher e transportar um carregamento de várias centenas de quilogramas de haxixe para o território nacional que seria desembarcado no porto de Sesimbra.
vv) O arguido GG acedeu a fazer esse transporte mediante avultada contrapartida pecuniária.
ww) Em data não concretamente determinada de Setembro de 2008, a embarcação I... C... zarpou para a costa de Marrocos para recolher e transportar várias centenas de quilogramas de haxixe.
xx) Entretanto o arguido DD avisou o arguido EE que a embarcação I... C... iria desembarcar o carregamento de haxixe no porto de Sesimbra, para que aquele zelasse pela vigilância e segurança das operações de desembarque e de acondicionamento do haxixe numa viatura da organização.
yy) Um dia antes da entrada da embarcação, o arguido DD encontrou-se com o arguido EE no posto BP na estrada Fernão Ferro - Sesimbra e entregou-lhe uma quantia entre € 5000 e € 10000 que era a contrapartida pelos “serviços” de vigilância e segurança que iria executar.
zz) Em data não determinada de Setembro de 2008, a embarcação I... C... capitaneada pelo arguido GG entrou no porto de Sesimbra.
aaa) Os arguidos DD, EE e FF colocados em posições estratégicas vigiavam e controlavam o local de desembarque.
bbb) O líder espanhol da organização também se encontrava em Sesimbra, mantendo-se em contacto telefónico com o arguido GG e com um tripulante da embarcação, dando-lhes instruções e recebendo informações quanto à posição da embarcação e da sua aproximação ao porto, o que comunicava ao arguido DD, o qual, por sua vez, também se mantinha em contacto telefónico com EE.
ccc) Por sua vez, os arguidos EE e FF mantinham contactos telefónicos reportando um ao outro como decorriam aquelas operações.
ddd) Quando a embarcação atracou ao cais, de mediato vários indivíduos cuja identidade se desconhece na companhia do líder espanhol, desembarcaram várias centenas de quilogramas de haxixe que colocaram no interior de um veículo automóvel de mercadorias.
eee) Os arguidos EE e FF como habitualmente, fizeram o subsequente acompanhamento do veículo automóvel de mercadorias até à entrada da A2 no Fogueteiro.
fff) Como contrapartida pelas tarefas desempenhadas o líder espanhol da organização entregou ao arguido DD a quantia de € 10 000.
ggg) Após o último transporte efectuado em Setembro de 2008 com a embarcação I... C..., o arguido GG não quis fazer outros transportes, mas disponibilizou-se para preparar a embarcação em futuros transportes.
hhh) Por esse motivo, o chefe espanhol da organização contratou dois tripulantes espanhóis para a embarcação I... C....
iii) Para que a I... C... entrasse com segurança no porto de Sesimbra, o arguido GG forneceu ao líder da organização as respectivas coordenadas.
jjj) No dia 13-10-2008, o arguido DD entregou ao líder espanhol da organização o aludido veículo pesado de mercadorias de matrícula ...-GO-....
kkk) No dia 14-10-2008, o arguido DD numa viatura BMW, dirigiu-se para Sesimbra acompanhado do arguido GG que estava incumbido da tarefa de após o desembarque, remover a embarcação do local
lll) Os arguidos DD e GG entregaram à arguida II o telemóvel n° ... para ser utilizado em exclusivo nos contactos entre eles relacionados com a compra da embarcação C... F....
mmm) Porque tinha uma estrutura sólida estável e permanente e os seus objectivos ultrapassavam o mero somatório dos interesses individuais dos seus membros, o desaire que representaram aquelas apreensões e as detenções dos arguidos AA, CC e BB não extinguiu a organização nem demoveu os seus membros de prosseguirem os objectivos para que aquela tinha sido criada;
nnn) Para preservar a organização e os seus elementos de investigações policiais a organização suspendeu a realização de outros transportes de estupefacientes até Janeiro de 2009, estando planificado o recomeço das operações nesse mês.
ooo) Ao agir do modo acima descrito, o arguido DD previu e quis integrar-se no aludido grupo de indivíduos, dotado de uma estrutura hierárquica e de meios materiais, agregados pelo desígnio comum de, em conjugação de esforços, unidade de meios e fins, de forma regular, reiterada e duradoura (enquanto lhes fosse possível) e fazendo disso modo de vida, prosseguir a actividade de recolha transporte e introdução de elevadas quantidades de estupefacientes no território nacional com destino a outros países europeus executando as tarefas que lhe eram atribuídas pelo líder principal, chefiar outros elementos que a ele estavam subordinados e contribuir para o financiamento da aquisição de meios materiais para o grupo visando a obtenção de avultadas contrapartidas pecuniárias.
ppp)Ao agirem do modo acima descrito os arguidos AA, BB, CC, EE, FF, GG, HH e II previram e quiseram integrar-se naquele grupo de indivíduos hierarquicamente estruturado e colaborar na prossecução dos seus objectivos, cientes da sua natureza, da actividade a que se dedicava e das finalidades que prosseguia, o que fizeram, colocando meios materiais ao serviço do grupo e/ou executando as tarefas que lhes eram distribuídas, visando obter avultadas contrapartidas pecuniária e fazendo dessa actividade modo de vida.
qqq) O arguido EE aceitou desempenhar a tarefa de informar a organização das ocasiões seguras para realização dos desembarques de estupefacientes no porto de Sesimbra e zelar pela vigilância e segurança dessas operações, mediante a contrapartida de, pelo menos, € 5,000 por cada tonelada de estupefacientes que fosse descarregado no porto de Sesimbra, o que fez, ciente de que tais actos violavam os seus deveres funcionais de militar da GNR-BF de Sesimbra
rrr) Ao agir como descrito nos § 52° a 54° o arguido DD previu e quis fazer constar do contrato promessa de compra e venda da embarcação I... C... que o promitente comprador era XX titular do BI n° ..., quando na verdade o não era, e subscrevê-lo com uma assinatura forjada daquele, com o intuito de iludir autoridades, terceiros e o vendedor quanto à sua verdadeira identidade, por forma a não lhe serem assacadas responsabilidades criminais nas futuras operações de transporte e desembarque em que a embarcação I... C... seria utilizada.
sss) Ao agir do modo acima descrito, o arguido DD previu e quis integrar-se no aludido grupo de indivíduos, dotado de uma estrutura hierárquica e de meios materiais, agregados pelo desígnio comum de, em conjugação de esforços, unidade de meios e fins, de forma regular, reiterada e duradoura (enquanto lhes fosse possível) e fazendo disso modo de vida, prosseguir a actividade de recolha transporte e introdução de elevadas quantidades de estupefacientes no território nacional com destino a outros países europeus executando as tarefas que lhe eram atribuídas pelo líder principal, chefiar outros elementos que a ele estavam subordinados e contribuir para o financiamento da aquisição de meios materiais para o grupo visando a obtenção de avultadas contrapartidas pecuniárias.
ttt) Ao agirem do modo acima descrito os arguidos AA, BB, CC, EE, FF, GG, HH e II previram e quiseram integrar-se naquele grupo de indivíduos hierarquicamente estruturado e colaborar na prossecução dos seus objectivos, cientes da sua natureza, da actividade a que se dedicava e das finalidades que prosseguia, o que fizeram, colocando meios materiais ao serviço do grupo e/ou executando as tarefas que lhes eram distribuídas, visando obter avultadas contrapartidas pecuniária e fazendo dessa actividade modo de vida.
uuu) O arguido EE aceitou desempenhar a tarefa de informar a organização das ocasiões seguras para realização dos desembarques de estupefacientes no porto de Sesimbra e zelar pela vigilância e segurança dessas operações, mediante a contrapartida de, pelo menos, € 5,000 por cada tonelada de estupefacientes que fosse descarregado no porto de Sesimbra, o que fez, ciente de que tais actos violavam os seus deveres funcionais de militar da GNR-BF de Sesimbra
vvv) Ao agir como descrito nos § 52° a 54° o arguido DD previu e quis fazer constar do contrato promessa de compra e venda da embarcação I... C... que o promitente comprador era XX titular do BI n° ..., quando na verdade o não era, e subscrevê-lo com uma assinatura forjada daquele, com o intuito de iludir autoridades, terceiros e o vendedor quanto à sua verdadeira identidade, por forma a não lhe serem assacadas responsabilidades criminais nas futuras operações de transporte e desembarque em que a embarcação I... C... seria utilizada.”.



Apreciando.

Antes de nos debruçarmos sobre as várias questões suscitadas nos recursos, impõe-se determinar o âmbito dos mesmos.

Questão Prévia
- Da (ir)recorribilidade quanto às penas aplicadas - e confirmadas - pelos crimes de falsificação de documento, de detenção de arma proibida e de coacção agravada na forma tentada.
(Restrição da cognoscibilidade dos recursos dos arguidos DD e FF à pena parcelar do crime de tráfico de estupefacientes agravado e à pena conjunta).


Começar-se-á por esclarecer que o recorrente FF nenhuma referência fez às penas parcelares de 14 e de 6 meses de prisão, centrando a sua discordância unicamente em relação ao crime de tráfico e respectiva pena.
Já o recorrente DD, como se alcança da conclusão p), contesta a imputação que lhe é feita de um crime de falsificação de documento, tentando evidenciar a ausência de dolo e pugnando por redução de pena.
Decisão recorrida é, no presente caso, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que em recurso negou provimento às pretensões dos recorrentes e confirmou in totum não só a qualificação jurídica, bem como as penas aplicadas.
Estando ora em causa uma decisão proferida, em recurso, pelo Tribunal da Relação, vejamos da recorribilidade desse tipo de decisão.
A nota a salientar é que a decisão ora recorrida é confirmativa de decisão da 1.ª instância, sendo a confirmação absoluta, plena, total, integral, estando-se no caso presente perante uma absoluta identidade de penas aplicadas nas duas instâncias pelos crimes em questão.

Os recorrentes DD e FF, para além do crime de tráfico agravado, foram ainda condenados:
O recorrente DD, pela prática de um crime de falsificação de documento, p. p. pelo artigo 256.º, n.º s 1 e 3, do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão.
O recorrente FF, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, na pena de 14 meses de prisão e de um crime de coacção agravada, na forma tentada, p. p. pelos artigos 22.º, 23.º, 154.º, n.º 1 e 155.º, do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão.
Face às penas aplicadas por estes crimes há que colocar a questão da recorribilidade do acórdão ora em reapreciação, no que respeita a tais crimes.

É admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos casos contemplados no artigo 432.º do Código de Processo Penal, sem prejuízo de outros casos que a lei especialmente preveja, como explicita o artigo 433.º do mesmo diploma legal.
No que importa ao caso presente, rege a alínea b) do n.º 1 do artigo 432.º, que estabelece que:
“1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:
b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º”.

Com a entrada em vigor, em 15 de Setembro de 2007, da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, foi modificada a competência do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelas relações, restringindo-se a impugnação daquelas decisões para este Supremo Tribunal, no caso de dupla conforme, a situações em que tenha sido aplicada pena de prisão superior a oito anos.

A partir da alteração introduzida pela aludida Lei n.º 48/2007, passou a estabelecer o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal:
«1 – Não é admissível recurso:
(…)
f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos».
(Os preceitos em causa têm-se mantido inalterados nas subsequentes modificações do Código de Processo Penal, operadas pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, pela Lei n.º 115/09, de 12 de Outubro e pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto).

A alteração legislativa de 2007 tem um sentido restritivo, impondo uma maior restrição ao recurso, com novo paradigma, referindo a “pena aplicada” e não já a “pena aplicável”, quer no recurso directo, quer no recurso de acórdãos da Relação que confirmem decisão de primeira instância, circunscrevendo a admissibilidade de recurso das decisões da Relação confirmativas de condenações proferidas na primeira instância às que apliquem pena de prisão superior a oito anos.
Com efeito, à luz do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, na redacção actual, só é possível o recurso de decisão confirmatória no caso de a pena aplicada ser superior a 8 anos de prisão.
Já anteriormente, porém, à luz da precedente redacção da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, a restrição ora referida era defendida em acórdãos do Tribunal Constitucional, como no acórdão n.º 64/2006, de 24-01-2006, processo n.º 707/2005, publicado in DR, II Série, de 19-05-2006 (e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 64.º volume, 2006, págs. 447 e ss.), que decidiu, em Plenário, com seis votos de vencido, reafirmando o juízo de não inconstitucionalidade constante do acórdão n.º 640/2004, de 12-11-2004, da 3.ª secção, com o qual estava em contradição o acórdão n.º 628/05, de 15-11-2005, publicado in DR, II Série, de 23-05-2006, “não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que não é admissível recurso interposto apenas pelo arguido para o Supremo Tribunal de Justiça de um acórdão da Relação que, confirmando a decisão da 1.ª instância, o tenha condenado numa pena não superior a oito anos de prisão, pela prática de um crime a que seja aplicável pena superior a esse limite”.

Face à redacção do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, actualmente em vigor, atenta a identidade – total – de decisão nas instâncias sobre as penas aplicadas aos referidos crimes, é indubitável que não são admissíveis os recursos em causa na parte respeitante à impugnabilidade de tais penas parcelares.
Acerca da nova formulação legal introduzida em 2007, que conduziu a uma restrição do recurso e entendendo daí não decorrer violação do direito de recurso, por estar assegurado um duplo grau de jurisdição e não se impor, aliás, um não previsto duplo grau de recurso, tem-se pronunciado este Supremo Tribunal, conforme se colhe dos acórdãos apontados a seguir.
No acórdão de 09-01-2008, processo n.º 4457/07-3.ª, pode ler-se: Após a revisão do CPP, da nova redacção da al. f) do n.º 1 do art. 400.º, resulta que é admissível recurso para o STJ de acórdão da Relação, proferido em recurso, que confirme decisão cumulatória que haja condenado o arguido em pena única superior a 8 anos de prisão, ainda que aos crimes parcelarmente considerados seja aplicável pena de prisão inferior a 8 anos, embora, no caso e no que respeita à medida concreta da pena, o recurso fique limitado à pena conjunta resultante do cúmulo.
Como se extrai do acórdão de 03-04-2008, processo n.º 574/08 - 5.ª Secção, no domínio da actual versão do CPP, as alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 400.º referem-se à pena aplicada e não à aplicável, sem menção da frase “mesmo em caso de concurso de infracções”.
Houve, portanto, uma inversão do legislador quanto a esta questão da recorribilidade, restringindo drasticamente o recurso da Relação para o Supremo. Importa, por isso, não ir mais além do que a letra da lei.
Daí que seja razoável concluir que, actualmente, ao contrário do que dantes sucedia, a questão da irrecorribilidade deve aferir-se pela pena única aplicada e já não atendendo às penas parcelares, isto é, o que importa é a pena que foi aplicada como resultado final da sentença, toda ela abrangida no âmbito do recurso, nos termos do art. 402.º, n.º 1, do CPP, salvo declaração em contrário por parte do recorrente.
Segundo o acórdão de 18-06-2008, processo n.º 1624/08-3.ª - A lei reguladora da admissibilidade do recurso – e por consequência, da definição do tribunal de recurso – será a que vigorar no momento em que ficam definidas as condições e os pressupostos processuais do próprio direito ao recurso (seja na integração do interesse em agir, da legitimidade, seja nas condições objectivas dependentes da natureza e conteúdo da decisão: decisão desfavorável, condenação e definição do crime e da pena aplicável), isto é, no momento em que primeiramente for proferida uma decisão sobre a matéria da causa, ou seja, a da 1.ª instância.

Sendo o acórdão de 1.ª instância proferido já na vigência do regime de recursos posterior à entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, tendo a arguida sido condenada numa pena de 4 anos e 6 meses de prisão e tendo o Tribunal da Relação confirmado o decidido pela 1.ª instância, não é admissível recurso para o STJ, atento o disposto no art. 400º, n.º 1, alínea f), do CPP, que determina a irrecorribilidade de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos (na redacção anterior, o critério da recorribilidade em caso de idêntica decisão nas instâncias, a “dupla conforme” partia da pena aplicável ao crime e não da pena concretamente aplicada).

Nos acórdãos de 15-07-2008, processo n.º 816/08-5.ª e de 14-08-2008, processo n.º 2523/08-5.ª, defende-se a obrigatoriedade de reponderação da medida da pena do concurso, se a aplicada nesse âmbito for superior a 8 anos de prisão, ainda que os crimes que fazem parte desse concurso, singularmente considerados, tenham sido punidos na 1.ª instância com penas inferiores ou iguais a tal limite e confirmadas pela Relação.
Explicita-se aí: Actualmente, se é a pena aplicada que constitui a referência da recorribilidade, essa pena tanto pode ser a referida a cada um dos crimes singularmente considerados, como a que se reporta ao concurso de crimes (pena conjunta ou pena única).
O legislador aferiu a gravidade relevante como limite da dupla conforme e como pressuposto do recurso da decisão da Relação para o STJ pela pena efectivamente aplicada, quer esta se refira a um crime singular, quer a um concurso de crimes.
Tal significa que o STJ está obrigado a rever as questões de direito que lhe tenham sido submetidas em recurso ou que ele deva conhecer ex officio e que estejam relacionadas com os crimes cuja pena aplicada tenha sido superior a 8 anos de prisão e também a medida da pena do concurso, se a aplicada nesse âmbito for superior a 8 anos de prisão, ainda que os crimes que fazem parte desse concurso, singularmente considerados, tenham sido punidos na 1.ª instância com penas inferiores ou iguais a tal limite e confirmadas pela Relação.
No acórdão de 10-09-2008, processo n.º 1959/08-3.ª, diz-se: “Por efeito da entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29-08, foi alterada a competência do STJ em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelos Tribunais de Relação, tendo-se limitado a impugnação daquelas decisões para este Tribunal, no caso de dupla conforme, às situações em que seja aplicada pena de prisão superior a 8 anos – redacção dada à alínea f) do n.º 1 do art. 400,º do CPP – quando no domínio da versão pré - vigente daquele diploma a limitação incidia relativamente a decisões proferidas em processo por crime punível com pena de prisão não superior a 8 anos”.
No acórdão de 29-10-2008, processo n.º 3061/08-5.ª, refere-se: Considerando as datas dos veredictos da 1.ª e 2.ª instâncias, já em plena vigência da Lei 48/2008, será de observar a nova redacção conferida à al. f) do n.º 1 do art. 400º do CPP, donde resulta a inviabilidade da interposição de recurso para o STJ, sendo o acórdão recorrido (da Relação) condenatório e confirmatório (em recurso) de pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, não superior, portanto, ao ali apontado limite de 8 anos.
Pode ler-se no acórdão de 13-11-2008, processo n.º 3381/08-5.ª - No caso de concurso de infracções, tendo a Relação confirmado, em recurso, decisão de 1.ª instância que aplicou pena de prisão parcelar não superior a 8 anos, essa parte não é recorrível para o STJ, nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, na versão da Lei n.º 48/2007, de 29-08, sem prejuízo de ser recorrível qualquer outra parte da decisão, relativa a pena parcelar ou mesmo só à operação de formação da pena única que tenha excedido aquele limite.

Como se retira dos acórdãos de 07-05-2008, processo n.º 294/08, de 10-07-2008, processo n.º 2146/08, de 03-09-2008, processo n.º 2192/08, de 10-09-2008, processo n.º 2506/08, de 04-02-2009, processo n.º 4134/08, de 04-03-2009, processo n.º 160/09, de 17-09-2009, processo n.º 47/08.9PBPTM.E1.S1, in CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 188; e de 07-04-2010, processo n.º 1655/07.0TAGMR.G1.S1, todos da 3.ª Secção e com o mesmo relator, com a revisão do CPP deixou de subsistir o critério do «crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos» para se estabelecer o critério da pena aplicada não superior a oito anos; daí que se eliminasse a expressão «mesmo no caso de concurso de infracções».

Assim, mesmo que ao crime seja aplicável pena superior a 8 anos, não é admissível recurso para o Supremo, se a condenação confirmada não ultrapassar 8 anos de prisão.

E, ao invés, se ao crime não for aplicável pena superior a oito anos de prisão, só é admissível recurso para o STJ se a condenação confirmada ultrapassar 8 anos de prisão, decorrente de cúmulo, e restrito então à pena conjunta. (Quanto a este último aspecto, cfr. acórdãos de 23-09-2009, processo n.º 27/04.3GBTMC.S1-3.ª; de 21-10-2009, processo n.º 296/06.4JABRG.G1.S1-3.ª.).

Neste sentido, podem ainda ver-se os acórdãos de 21-01-2009, processo n.º 2387/08-3.ª, por nós relatado, não conhecendo da pena aplicada por crime de maus tratos a cônjuge, mas apenas de homicídio qualificado atípico e da pena única; de 11-02-2009, processo n.º 113/09-3.ª, no sentido de ser recorrível apenas a pena única, quando ultrapasse os 8 anos de prisão; de 25-03-2009, processo n.º 486/09-3.ª; de 15-04-2009, processo n.º 583/09-3.ª; de 16-04-2009, processo n.º 491/09-5.ª “o recurso para o Supremo de acórdão da Relação que confirme decisão condenatória de 1.ª instância apenas tomará conhecimento das questões relativas aos crimes cujas penas parcelares ultrapassem aquele limite de 8 anos, e não as havendo, limitar-se-á à pena única, se superior a 8 anos”; de 29-04-2009, processo n.º 391/09-3.ª, por nós relatado, não conhecendo da pena aplicada por detenção de arma, mas apenas de tráfico de estupefacientes e da pena única; de 07-05-2009, processo n.º 108/09-5.ª; de 14-05-2009, processo n.º 998/07.8PBVIS.C1.S1-5.ª, onde se afirma que “são irrecorríveis os acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”; de 27-05-2009, processo n.º 50/06.3GAOFR.C1.S1, por nós relatado, em que se conheceu apenas da medida da pena única fixada em 11 anos de prisão e não das penas aplicadas pelos sete crimes em equação (violação, sequestro, dano com violência, coacção sexual); de 27-05-2009, no processo n.º 384/07.0GDVFR.S1-3.ª; de 25-06-2009, processo n.º 145/02.2PAPBL.C1.S1-3.ª e de 10-12-2009, processo n.º 496/08.2GTABF.E1.S1-3.ª, proferido pelo mesmo relator do anterior, onde se diz: «Tendo havido confirmação total, em recurso, pela Relação, de acórdão condenatório em penas de prisão não superiores a 8 anos – arts. 432.º, n.º 1, al. b) e 400.º, n.º 1, al. f), do CPP – as soluções normativas sobre admissibilidade dos recursos para o STJ decorrentes da revisão de 2007 do processo penal, introduzidas pela Lei n.º 48/2007, não o permitem»; ou seja, «não é admissível recurso relativamente às penas parcelares e sobre as questões que lhe sejam conexas, e apenas a pena única, aplicada em medida superior a 8 anos de prisão, é passível de recurso»; de 17-09-2009, processo n.º 47/08.9PBPTM-E1-3.ª; do mesmo relator, de 23-09-2009, processo n.º 27/04.3GBTMC.S1-3.ª e processo n.º 463/06.0GAEPS.S1-5.ª; de 12-11-2009, processo n.º 200/06.0JA PTM.E1.S1-3.ª, onde se considera que a decisão de Tribunal da Relação que confirmou as diversas penas parcelares (entre os 9 meses e os 4 anos de prisão) não é recorrível para o STJ, mas já o é a decisão que agravou a pena conjunta correspondente ao concurso de crimes por que o arguido foi condenado; de 14-01-2010, processo n.º 135/08.1GGLSB.L1.S1-5.ª; de 27-01-2010, processo n.º 401/07.3JELSB.L1.S1-5.ª; de 04-02-2010, processo n.º 1244/06.7PBVIS.C1.S1-3.ª; de 10-03-2010, processo n.º 492/07.7PBBJA.E1.S1-3.ª; de 18-03-2010, processo n.º 175/06.5JELSB.S1-5.ª e no processo n.º 538/00.0JACBR-B.C1.S1-5.ª; de 12-05-2010, processo n.º 4/05.7TACDV.S1-5.ª; de 09-06-2010, processo n.º 862/09.6TBFAR.E1.S1-5.ª; de 23-06-2010, processo n.º 1/07.8ZCLSB.L1.S1-3.ª; de 30-06-2010, processo n.º 1594/01.9TALRS.S1-3.ª; de 14-07-2010, processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1-3.ª (não conhecendo do recurso relativamente a crimes de falsificação de documento e falsidade de declaração); de 29-09-2010, processo n.º 234/00.8JAAVR.C2.S1-3.ª; de 20-10-2010, processo n.º 651/09.8PBFAR.E1.S1-3.ª e no processo n.º 1099/06.1TAPTM.E1.S1-3.ª (em caso de recurso de acórdão da Relação, o STJ apenas poderá apreciar as penas parcelares superiores a 5 anos de prisão, se não tiver havido dupla conforme, e as penas parcelares e conjuntas que forem superiores a 8 anos de prisão).

No acórdão de 16-12-2010, proferido no processo n.º 893/05.5GASXL.L1.S1-3.ª, consigna-se que:
I - No regime estabelecido pelos arts. 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.
II - Nos casos de julgamento por vários crimes em concurso, em que tenha sido aplicada a cada um dos crimes pena de prisão não superior a 8 anos, confirmada pela Relação, e em que a pena única seja superior a 8 anos, o recurso da decisão da Relação só é admitido no que respeita à pena única, em virtude da conformidade (dupla conforme) no que respeita à determinação das penas por cada um dos crimes.
E ainda mais recentemente, podem ver-se, no mesmo sentido, os acórdãos de 19-01-2011, proferidos no processo n.º 6034/08.0TDPRT.P1.S1-3.ª e no n.º 421/07.8PCAMD.L1.S1-3.ª; de 17-02-2011, nos processos n.º 1499/08.2PBVIS.C1.S1-3.ª e n.º 227/07.4JAPRT.P2.S1-3.ª; de 10-03-2011, no processo n.º 58/08.4GBRDD-3.ª, de 23-03-2011, por nós relatado, no processo n.º 322/08.2TARGR.L1.S1 (restringindo-se a cognição à medida da pena aplicada pelo crime de uxoricídio e pela pena conjunta); de 31-03-2011, processo n.º 669/09.0JAPRT.S1-5.ª, CJSTJ 2011, tomo 1, pág. 227; de 13-04-2011, igualmente por nós relatado, no processo n.º 918/09.5JAPRT.P1.S1, restringindo-se a reapreciação à pena conjunta; de 04-05-2011, processo n.º 626/08.4GAILH.C1.S1-3.ª (em caso de dupla conforme, de confirmação de penas parcelares inferiores a 8 anos pela Relação, mas em que a pena imposta seja superior a 8 anos de prisão, só pode ser discutida esta pena unitária no STJ); de 06-07-2011, processo n.º 774/08.0JFLSB.L1.S1-3.ª, por nós relatado (não conhecimento do recurso da arguida, condenada na pena única de 5 anos de prisão, e restringindo-se a cognição, no caso do recurso do arguido, à pena única, com exclusão de vários crimes de falsificação de documento e de burla qualificada).

Esta solução quanto a irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelo Tribunal da Relação, enquanto confirmativas da deliberação da primeira instância – no caso, absolutamente, in totum – não ofende qualquer garantia dos arguidos, nomeadamente, o direito ao recurso, expressamente incluído na parte final do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição pela 4.ª Revisão Constitucional (introduzida pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro – DR, I-A, n.º 218/97, de 20-09-1997, entrada em vigor em 05-10-1997).
No caso em reapreciação, há uma absoluta, completa, rotunda, total, afirmação de identidade de decisão, uma autêntica plena confirmação, um completo juízo de sobreposição, da entidade supervisora, sobre o decidido em primeira instância, pois que o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou, na íntegra, o acórdão do Colectivo de Sesimbra, estando-se, pois, perante a assunção de uma dupla conforme condenatória integral, mostrando-se cumprido o duplo grau de jurisdição exercido pela Relação em via de recurso.
O princípio da dupla conforme é assegurado através da possibilidade de os sujeitos processuais fazerem reapreciar, em via de recurso, pela 2.ª instância, a precedente decisão; por outro lado, impede, ou tende a impedir, que um segundo juízo, absolutório ou condenatório, sobre o feito, seja sujeito a uma terceira apreciação pelos tribunais.
As garantias de defesa do arguido em processo penal não incluem o 3.º grau de jurisdição, por a Constituição, no seu artigo 32.º, se bastar com um 2.º grau, já concretizado, no caso dos autos, aquando do julgamento pela Relação.
O acórdão recorrido, da Relação de Lisboa, proferido em segunda instância, consubstancia a garantia do duplo grau de jurisdição.
O Tribunal Constitucional tem sido chamado a decidir da constitucionalidade quanto à perspectiva de violação do direito ao recurso, a propósito das alíneas e) e f) do artigo 400.º do CPP, concretamente se o direito ao recurso consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição impõe um triplo grau de jurisdição, sendo a resposta maioritariamente no sentido negativo - acórdãos n.º s 189/01, 215/01, 336/01, 369/01, 435/01, 451/03, 495/03, 102/04, 640/04.

O Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar que o direito ao recurso como garantia de defesa do arguido não impõe um duplo grau de recurso.
A apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas – neste sentido, o acórdão n.º 49/2003, de 29-01, proferido no processo n.º 81/2002, da 3.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 16-04-2003, versando sobre caso de acórdão condenatório que não confirma a decisão absolutória proferida em primeira instância e a interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP.
O direito ao recurso em matéria penal inscrito como integrante da garantia constitucional do direito à defesa (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa) está consagrado em um grau, possibilitando a impugnação das decisões penais através da reapreciação por uma instância superior das decisões sobre a culpabilidade e a medida da pena, sendo estranho a tal dispositivo a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição, por a Constituição, no seu artigo 32.º, se bastar com um duplo grau de jurisdição, já concretizado no caso dos autos, aquando do julgamento pela Relação.
Como se dizia no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 44/2005, de 26-01-2006, processo n.º 954/05, publicado no Diário da República, II Série, de 13-02-2006, seguindo o citado acórdão n.º 49/2003 “…estando cumprido o duplo grau de jurisdição, há fundamentos razoáveis para limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, mediante a atribuição de um direito de recorrer de decisões condenatórias. Tais fundamentos são a intenção de limitar em termos razoáveis o acesso ao STJ, evitando a sua eventual paralisação (…). Não se pode, assim, considerar infringido o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição (…) já que a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas”, no mesmo sentido se pronunciando, entre vários outros, o acórdão n.º 390/2004, de 02-06-2004, processo n.º 651/03 (2.ª Secção), publicado in DR, II Série, de 07-07-2004; acórdão n.º 2/2006, de 03-01-2006, in DR, II Série, de 13-02-2006 (Não é constitucionalmente imposto, mesmo em processo penal, um 3.º grau de jurisdição); acórdão nº 64/2006, de 24-01-2006, tirado em Plenário (face à contradição das soluções dos acórdãos n.º 628/2005 e 640/2004), no processo n.º 707/2005, publicado in DR, II Série, de 19-05-2006 e Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 64.º, 2006, págs. 447 e seguintes (a Constituição não impõe um triplo grau de jurisdição ou um duplo grau de recurso, mesmo em Processo Penal); e acórdão n.º 140/2006, de 21-02-2006 (2.ª Secção), publicado no DR, II Série, de 22-05-2006.
A constitucionalidade da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na actual redacção, na medida em que condiciona a admissibilidade de recurso para o STJ aos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, que decidiu não a julgar inconstitucional - acórdão n.º 645/09, de 15-12-2009, processo n.º 846/2009 - 2.ª Secção.
E, mais recentemente, no acórdão de 27-07-2011, proferido no processo n.º 470/11, da 2.ª Secção foi decidido “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do CPP, interpretada no sentido de ser irrecorrível uma decisão do Tribunal da Relação que, apesar de ter confirmado a decisão de 1.ª instância em pena não superior a 8 anos, se pronunciou pela primeira vez sobre um facto que a 1.ª instância não havia apreciado”.

Em suma, tendo-se alterado o paradigma de «pena aplicável» para «pena aplicada», o regime resultante da nova redacção da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, tornou inadmissível o recurso para o STJ de acórdãos condenatórios proferidos pelas Relações quando, confirmando decisão anterior, apliquem pena não superior a 8 anos de prisão.

Os crimes em questão são puníveis com penas de prisão de máximo igual ou inferior a 5 anos de prisão, estando-se aqui face a criminalidade de pequena gravidade.

Por outro lado, há que ver que em relação aos crimes em causa, atentas as penas aplicadas, se se estivesse face a um recurso directo de decisão final do tribunal do júri ou de tribunal colectivo, a serem julgados isoladamente, face ao que dispõe o artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, a decisão não seria recorrível para o STJ.
Tendo em consideração o exposto, é de concluir que o recurso do arguido DD, quanto à pretendida reapreciação da imputação do crime de falsificação de documento e da medida da pena aplicada pelo mesmo crime de falsificação, é inadmissível, nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.
Não sendo, pois, admissível o recurso com o alcance de discutir a medida da pena aplicada por tal crime, manter-se-á tal pena, que é de considerar como definitivamente fixada, o que de resto ocorre com as penas parcelares aplicadas ao arguido FF e que não foram impugnadas.
Nestas condições, a pretensão do recorrente DD quanto à impugnação da medida das penas aplicadas apenas poderá ser equacionada no que tange à pena relativa ao crime de tráfico de estupefacientes agravado e à pena única.

Como decorre do n.º 3 do artigo 414.º do Código de Processo Penal, a decisão que admita o recurso não vincula o tribunal superior.
O recurso do arguido DD é assim de rejeitar, no que respeita à pretensão de reapreciação da imputação de um crime de falsificação de documento e da citada pena parcelar - artigos 414.º, n.º 2 e 420.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal.


Resolvida esta questão prévia, e delimitado o objecto dos recursos nesta perspectiva, avançar-se-á para a apreciação das várias questões propostas nos quatro recursos.

Apreciando.

Antes de abordarmos as questões colocadas pelos recorrentes, há que dizer que a invocação de erro de julgamento, de violação do princípio in dubio pro reo, as arguições dos vícios previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, bem como a arguida omissão de pronúncia, reconduzem-se, em boa verdade, a final, a argumentos, com o único fito de basear a descaracterização do crime de tráfico de estupefacientes agravado por bando, invocando-se tais anomalias de elaboração do texto recorrido num exercício não legítimo, já que os recorrentes não podem trazer a este Supremo Tribunal questões relacionadas com matéria de facto.

Questão I - Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia

O recorrente GG nas conclusões 4.ª, 23.ª, 24.ª, 25.ª e 26.ª, argui a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia por parte do Tribunal da Relação de Lisboa, que alegadamente não se terá pronunciado sobre uma série de questões ou argumentos.
Conforme estabelece o artigo 379.º, n.º 1, alínea c), primeira parte, do Código de Processo Penal, é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, sendo tal disposição correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso, por força do n.º 4 do artigo 425.º do mesmo diploma.
A omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Tais questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à apreciação do tribunal (artigo 660.º, n.º 2, do Código de Processo Civil) e as que sejam de conhecimento oficioso, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.
Segundo o recorrente, a omissão de pronúncia ter-se-á verificado relativamente ao por si alegado no anterior recurso, concretamente do que se continha nas conclusões 35.ª a 38.ª, onde é expressa a sua versão, o entendimento pessoal do recorrente acerca do que deveria ter ficado provado, e por si expresso na contestação apresentada, e que em seu entender, provado ficou, por documentos e depoimentos prestados em julgamento, em tons naturalmente diversos, ou pelo menos, não convergentes, dos que adoptados foram pelo Colectivo de Sesimbra, sobre o que deveria ter ficado provado, a propósito das condições pessoais, maxime, seu estado de saúde, familiares e económicas), nas conclusões 44.ª e 45.ª (ausência de intercepção das gravações telefónicas aos telefones do recorrente) e na conclusão 52.ª (com novo reporte ao gravíssimo estado de saúde do recorrente, mas já em sede de pedido de redução de pena).
Vejamos que resposta deu a Relação.
O Tribunal da Relação começou por definir o objecto do recurso deste arguido em face das 52 conclusões apresentadas, a fls. 9333/4, como sendo integrado pelas seguintes questões: o alegado erro no julgamento da matéria de facto, a possível ocorrência dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, o enquadramento jurídico e a dosimetria da pena.
A questão da impugnação da matéria de facto, presente então nos recursos dos recorrentes FF, DD, EE, GG e BBB, foi abordada ao longo de 28 páginas, de fls. 9383 a 9411, de forma completa, detalhada, minuciosa, sendo reavaliada a prova produzida a partir das gravações realizadas em audiência, como consta do § 5 a fls. 9385 (cfr. conclusão 3.ª, a), do recurso do arguido DD), focando os concretos pontos colocados à discussão, a questão dos vícios decisórios, de fls. 9411 a 9415, debitando sobre a qualificação jurídica e a figura de bando, de fls. 9416 a 9423 e sobre a medida das penas, de fls. 9424 a 9427.
No caso particular das escutas, o acórdão debruçou-se sobre a questão, encarando-a nas perspectivas necessárias – fls. 9400 a 9406.
O recorrente no recurso anterior não focalizou concretamente o ponto de facto provado n.º 98, como se vê do elenco das conclusões 20.ª, 22.ª e 34.ª. Tal ponto refere a doença do recorrente e este pretende impor o que considera que deveria ter ficado provado quanto referira na conclusão 38.ª.
Sintetizadas as pretensões recursivas do arguido nas questões assinaladas, devem ser apreciadas apenas as questões que preenchem o objecto do recurso, o que efectivamente pela sua importância demanda expressa pronúncia e tomada de posição.
Como uniformemente tem sido entendido neste Supremo Tribunal, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que como tal tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os dissídios ou problemas concretos a decidir e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões, motivos, ou doutrinas expendidos pelos interessados na apresentação das respectivas posições, na defesa das teses em presença.
A pronúncia cuja omissão determina a consequência prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP - a nulidade da sentença – deve incidir sobre problemas, os concretos problemas, as questões específicas sobre que é chamado a pronunciar-se o tribunal ( o thema decidendum), e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos ou razões alegadas.
Neste sentido podem ver-se os acórdãos de 01-06-1971, BMJ n.º 208, pág. 126; de 02-07-1974, BMJ n.º 239, pág. 168; de 22-03-1979, BMJ n.º 285, pág. 254; de 10-07-1979, BMJ n.º 289, pág. 235; de 30-11-2005, processo n.º 2237/05; de 21-12-2005, processo n.º 4642/02; de 27-04-2006, processo n.º 1287/06; de 25-10-2006, processo n.º 2170/06-3.ª; de 08-11-2006, processo n.º 967/06-3.ª (com citação de Rodrigues Bastos, Notas …); de 20-12-2006, processo n.º 3379/06-3.ª; de 25-01-2007, processo n.º 3943/06-5.ª; de 23-05-2007, processo n.º 1405/07-3.ª; de 17-1-2008, processo n.º 607/07-5.ª; de 06-03-2008, processo n.º 4634/07-5.ª; de 26-03-2008, processo n.º 820/08-3.ª; de 07-05-2008, processo n.º 1132/08-3.ª; de 03-07-2008, processo n.º 1312/08-5.ª; de 16-09-2008, processo n.º 2491/08-3.ª; de 25-09-2008, processo n.º 1881/08-5.ª; de 08-10-2008, processo n.º 3068/08-3.ª; de 15-10-2008, processo n.º 2864/08-3.ª; de 23-10-2008, processo n.º 2869/08-5.ª; de 19-11-2008, processo n.º 3776/08-3.ª; de 08-01-2009, processo n.º 3861/08-5.ª; de 21-01-2009, processo n.º 111/09-3.ª; de 18-02-2009, processo n.º 4128/08-3.ª; de 12-03-2009, processo n.º 3781/08-3.ª; de 1-10-2009, processo n.º 313/03.0JABRG.S1-5.ª; de 21-10-2009, processo n.º 192/08.0GDLRS.L1.S1-3.ª; de 10-12-2009, processo n.º 22/07.0GACUB.E1.S1-3.ª; de 13-07-2011, processo n.º 127/09.3PCPRT.P1.S1-3.ª.
Como de forma clara dizia o acórdão do STJ de 11-11-1987, processo n.º 38920, BMJ n.º 371, pág. 374, há que distinguir: uma coisa é uma «questão» sobre a qual o Tribunal tem de se pronunciar, nos termos do artigo 660.º, n.º 2, do CPC, outra é uma «razão», ou um «argumento» para se decidir de outro modo o problema.
A nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC consiste apenas na falta de apreciação de questões que o tribunal devesse apreciar, sendo irrelevante o não conhecimento das razões ou argumentos aduzidos pelas partes
A doutrina e jurisprudência distinguem entre questões e razões ou argumentos; a falta de apreciação das primeiras consubstancia a verificação da nulidade; o não conhecimento dos segundos, será irrelevante.
Na doutrina podem ver-se, a propósito, Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, n.º 3, pág. 247; José Alberto dos Reis, CPC Anotado, volume 5.º, págs. 137 e 143; Abílio Neto, CPC Anotado, 5.ª edição, págs. 501 e ss.

O recorrente parece entender que mesmo os argumentos devem ser todos examinados, sob pena de nulidade, por omissão de pronúncia.
Assim na conclusão 23.ª defende o recorrente estar o tribunal incumbido de avaliar e ponderar cada um dos argumentos apresentados, sob pena de incorrer em omissão de pronúncia.
E na conclusão 26.ª, ao referir questão suscitada nas conclusões 44.ª e 45.ª do anterior recurso (escutas), considera que não foi a mesma apreciada como deveria por a relação “não apreciar o excurso argumentativo do recorrente neste segmento”.
Sobre todos e cada um dos aspectos focados recaiu a atenção do acórdão recorrido, afrontando, analisando, como se referiu, de forma minuciosa, as questões propostas, emitindo a sua opinião, concluindo que a decisão recorrida não merecia censura. Em suma, tomou posição de forma expressa, com a qual obviamente o recorrente pode não concordar.
Como é evidente, pode manifestar o recorrente a sua discordância com o ponto de vista defendido pela Relação, mas uma coisa é discordar de uma posição assumida de forma expressa, patente, clara, e com ela não estar em consonância, outra coisa é, por se discordar da mesma, invocar que houve uma omissão de pronúncia. (O texto escrito – concorde-se ou não com ele - pela forma como o foi, com o sentido e o alcance que lhe foi dado, não consente, nem legitima, tal imputação).
Não passa a haver omissão de pronúncia só porque o recorrente discorda da posição tomada, assumida, expressa, pelo Tribunal da Relação no sentido da confirmação do decidido pela primeira instância.
Conclui-se não se verificar qualquer omissão de pronúncia, improcedendo a arguição de nulidade.


Questão II - Nulidade por alegada alteração substancial de factos constantes da acusação – artigos 359.º e 379.º, n.º 1, alínea b), do CPP

O recorrente DD na conclusão 8.ª, alíneas a) e b), condensando o exposto nos pontos 16 e 17 da motivação, mantém esta arguição, reforçando o já alegado em sede de primeiro recurso.
O recorrente EE nas conclusões 8.ª e 9.ª, em termos muito semelhantes, quase miméticos, como de resto ocorre em muitos outros passos dos dois recursos, invoca a nulidade por se ter verificado uma alteração substancial dos factos descritos na acusação, a qual não deveria ter sido tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, não tendo sido comunicada ao arguido, senão aquando da leitura da decisão no final da audiência de julgamento.
Trata-se de uma nulidade obviamente apontada ao acórdão do Colectivo de Sesimbra e não da Relação, sendo uma reedição do já alegado no anterior recurso, que não traz nada de novo.
A questão foi decidida no acórdão da Relação, sendo focada a fls. 9332 9383 e resolvida a fls. 9416.
Como resulta do já exposto no relatório supra, não se tratou de alteração de factos, mas de alteração de qualificação jurídica, face à não verificação do imputado crime de associação criminosa, passando o Colectivo a proceder a convolação para outra figura jurídica, que constitui um minus em relação à anterior.
Como resulta de forma clara da acta de fls. 8328/9, a alteração foi comunicada e não mereceu qualquer reserva por parte dos interessados, surpreendendo de algum modo a arguição, e a insistência, num quadro de expectável lealdade processual.
Como finalizou a Relação, inexiste qualquer desrespeito pelo consagrado no artigo 379.º, n.º 1, alínea b), do CPP, sendo, pois, rotunda e manifesta a improcedência de tal arguição.

Questão III – Erro de julgamento da matéria de facto

Os arguidos DD, EE e GG impugnam a matéria de facto, alegando erro de julgamento, errada valoração da prova produzida, reportando-se à decisão de primeira instância, certo sendo que no anterior recurso abdicaram de lançar mão da forma mais ampla de impugnação possível, ao abrigo do disposto no artigo 412.º, n.º s 3 e 4, do CPP.
Neste segmento os recursos são praticamente a reedição do já exposto nos recursos anteriores para a Relação.
Neste aspecto da valoração das provas, dir-se-á que na análise a efectuar há que ter em conta que a fixação da matéria de facto teve na sua base uma apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, nos termos do artigo 127.º do CPP, o que é insindicável no presente recurso.
E para mais em casos, como o presente, em que a fixação da matéria de facto feita pela primeira instância teve o beneplácito da Relação, que julgou improcedente a impugnação da matéria de facto feita então exactamente nos mesmos moldes do presente recurso.
O que na realidade os mencionados recorrentes fazem é manifestar a sua discordância com o decidido ao nível do assentamento da facticidade dada como apurada, pretendendo discutir de novo a prova, suscitar a questão da sua valoração, impugnar a convicção adquirida pelos julgadores de Sesimbra sobre os factos pertinentes à configuração do crime de tráfico de estupefacientes agravado por actuação em bando, por que foram condenados, alterando a matéria de facto assente, tendo como objectivo final a absolvição, ou convolação para o tipo base, olvidando por completo a regra da livre apreciação da prova ínsita no artigo 127.º do CPP.
Os recorrentes no fundo insurgem-se contra a decisão da primeira instância, por discordarem da matéria de facto assente, pretendem esgrimir argumentos no campo da matéria de facto, não podendo recorrer com tais fundamentos para o Supremo Tribunal de Justiça, esquecendo que ao Supremo compete apenas o reexame da matéria de direito.
Como inúmeras vezes tem sido frisado por este Supremo Tribunal, são totalmente irrelevantes as considerações que os recorrentes fazem no sentido de pretenderem discutir a prova feita no julgamento e de solicitarem que este Tribunal de recurso modifique tal prova e passe a aceitar como realidade aquilo que o interessado pretende corresponder ao sentido do que teria resultado do julgamento.
A arguição dos recorrentes reconduz-se a alegada insuficiência de prova e errada valoração das provas produzidas.
No fundo, os recorrentes expressam uma manifestação de divergência com o acervo fáctico emanado do que foi deliberado pelo Colectivo de Sesimbra e confirmado pela Relação de Lisboa, pretendendo, afinal, discutir as provas. Pretendem a final atacar o concreto desempenho do princípio da liberdade de apreciação ou da livre convicção do julgador estabelecido no citado artigo 127.º.
Dir-se-ia estarmos face a uma “segunda via” de impugnação da matéria de facto agora completamente fora dos cânones previstos. Na realidade, o que se diz ao longo das conclusões dos três recursos relativas a este segmento é uma vez mais dizer praticamente o mesmo, procurando o mesmo objectivo, sindicar a matéria de facto, impugnar as provas, tentar demonstrar que as suas condutas não são subsumíveis à figura jurídica invocada para o respectivo enquadramento, que não actuaram em bando.
Estas alegações foram debatidas e afastadas no acórdão recorrido, não sendo possível e viável a sua reedição.
Os recorrentes no anterior recurso para a Relação impugnaram a matéria de facto e invocaram do mesmo modo o alegado erro de julgamento, reeditando agora de novo esta arguição, olvidando não só que as suas pretensões se situam no plano da matéria de facto, que se não contém nos poderes de cognição deste Supremo Tribunal, como o facto de a decisão recorrida ser agora o acórdão da Relação de Lisboa e não o acórdão do Colectivo de Sesimbra, que aquele confirmou.
A crítica ao julgamento de facto, a expressão de divergência do condenado/recorrente relativamente ao acervo fáctico que foi fixado e ao modo como o foi, ou seja, as considerações por si tecidas quanto à análise, avaliação, ponderação e valoração das provas feitas pelo Colectivo julgador, nos casos de recurso directo - e no caso presente, tendo a opção do Colectivo sido já debatida, reapreciada no acórdão em recurso, a merecer uma confirmação em que o juízo substitutivo não funcionou, no jeito de uma dupla conforme, em sede de fixação de matéria de facto – são de todo irrelevantes, de acordo com jurisprudência corrente há muito firmada, pois, ressalvada a hipótese de prova vinculada, legal ou tarifada, o Supremo Tribunal de Justiça não pode considerá-las, sob pena de estar invadir o campo da apreciação da matéria de facto, que o Colectivo faz de harmonia com o artigo 127.º do Código de Processo Penal – neste sentido, os acórdãos do STJ, de 18-10-1989, processo n.º 40266-3.ª, sumariado na AJ, n.º 2, pág. 8 e citado no acórdão de 19-09-1990, BMJ n.º 399, pág. 260 (não se verifica o erro notório na apreciação da prova se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida, sobrevalorizando as testemunhas de acusação e ignorando completamente as restantes testemunhas e mais prova); de 21-06-1995, BMJ n.º 448, pág. 278 (a versão do recorrente sobre a valoração da prova não integra o vício do erro notório) - cfr. acórdãos do STJ, de 29-06-94, processo n.º 45530, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 258; de 10-07-1996, processo n.º 48675, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 229 (maxime, 243), de 19-01-2000, processo n.º 871/99-3.ª; de 06-12-2000, processo n.º 733/00.
Neste sentido podem ver-se ainda os seguintes acórdãos deste Supremo Tribunal, de:
01-10-1997, processo n.º 627/97, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (Assessoria), II volume, n.º 14, pág. 121 -O Colectivo e o Júri apreciam a prova segundo a sua convicção livremente formada, tratando-se de matéria subtraída ao controlo do STJ (arts. 127.º e 433.º do CPP)”;
01-10-1997, processo n.º 876/97-3.ª, ibidem, pág. 122 -O erro na apreciação da prova não reside na desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido a do próprio recorrente; no mesmo sentido e do mesmo relator acórdão de 8-10-1997, processo n.º 874/97, ibidem, pág. 134 e de 24-03-1999, processo n.º 176/99, CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 249;
02-10-1997, processo n.º 628/97, ibidem n.º 14, pág. 128 -O art. 127.º do CPP estabelece o princípio da livre apreciação da prova, pelo que o STJ não pode, enquanto tribunal de recurso, exercer qualquer actividade sindicante sobre tal matéria, excepto no caso da prova vinculada”;
06-11-1997, processo n.º 666/97, Sumários Assessoria, volume II, n.ºs 15 e 16, pág. 156 -A divergência do recorrente quanto à avaliação e valoração das provas feitas pelo Tribunal a quo é irrelevante, pois o STJ não pode considerá-la, sob pena de estar a invadir o campo da apreciação da matéria de facto que o colectivo faz de harmonia com o artigo 127.º do CPP (salvo na hipótese de prova vinculada)”;
06-11-1997, processo n.º 519/97-3.ª, ibidem, pág. 157 -A apreciação da prova pelo tribunal produzida em audiência segundo as regras da experiência comum e a sua livre convicção, como manda o art. 127.º, do CPP, escapa aos poderes de cognição do STJ”;
06-11-1997, processo n.º122/97, ibidem, pág. 158 -O vício de erro notório na apreciação da prova não existe quando o recorrente se limita a por em causa a valoração das provas produzidas, esquecendo que o STJ não tem acesso a elas e não pode sindicar a valoração que delas fez o colectivo em sua livre convicção e segundo as regras da experiência”;
4-12-1997, processo n.º 1018/97-3.ª, ibidem, pág. 199 - O erro na apreciação ou valoração da prova produzida no julgamento e desde que não seja prova vinculada ou tarifada, escapa à censura do STJ”;
18-12-1997, processo n.º 47325-3.ª, ibidem, pág. 216 – “A simples discordância no domínio da prova, entre a análise feita por um arguido sobre o que em seu entender deveria ter ficado provado, e o que o colectivo considerou ter-se efectivamente provado, não tem o menor relevo como fundamento de recurso para este Supremo Tribunal, que não pode apreciar nem discutir ou alterar a matéria de facto apurada pela primeira instância”;
18-12-1997, processo n.º 701/97-3.ª, ibidem, pág. 220 –A convicção do tribunal não pode ser tida por errada apenas porque as partes, eventualmente, valoram a prova de modo diverso”;
18-12-1997, processo n.º 930/97, ibidem, pág. 220 e BMJ n.º 472, pág. 185 -É irrelevante a alegação de que o colectivo fez errada interpretação das provas e deu como provados factos que não se provaram; o Supremo não pode entrar na discussão da valoração das provas cujo conhecimento lhe está subtraído”.
Como esclareceu o acórdão de 21-05-1992, BMJ n.º 417, pág. 404O STJ, como tribunal de revista, não dispõe de poderes de crítica ou censura sobre o concreto desempenho do princípio da livre apreciação da prova exercitada pelo tribunal a quo, e por seu turno, o acórdão de 25-03-1998, processo n.º 53/98, BMJ n.º 475, pág. 502, esclareceu queO STJ não pode sindicar a valorização das provas feita pelo Colectivo em termos de o criticar por não ter sido dada prevalência a uma em detrimento de outra- cfr. acórdão de 11-02-1998, processo n.º 1323/97-3.ª, BMJ n.º 474, pág. 309, e mais recentemente, o acórdão de 08-02-2006, processo n.º 98/06-3.ª, no sentido de quea deficiente apreciação da prova produzida é matéria que escapa aos poderes do STJ”.
Fazendo aplicação destes princípios, podem ver-se os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 05-12-2007, processo n.º 3406/07; de 12-03-2008, processo n.º 112/08; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07; de 28-05-2008, processo n.º 1147/08; de 12-06-2008, processo n.º 4375/07; de 04-12-2008, processo n.º 2507/08; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08; de 27-05-2009, processo n.º 484/09; de 27-05-2010, processo n.º 18/07.2GAAMT.P1.S1; de 14-07-2010, processo n.º 149/07.JELSB.E1.S1, de 28-09-2011, processo n.º 172/07.3GDEVR.E2.S1, de 20-10-2011, processo n.º 36/06.8GAPSR.L4.S4 e de 09-11-2011, processo n.º 43/09.9PAAMD.L1.S1, todos por nós relatados.
Daqui resulta que se revelam processualmente inoportunas, impertinentes e irrelevantes as considerações a este respeito contidas nas conclusões dos recursos dos arguidos DD, EE e GG.
A impossibilidade deste Supremo Tribunal sindicar a prova produzida conduz a que seja manifesta a improcedência dos recursos neste segmento, que assim, digamos, tem um objecto impossível, devendo ser rejeitados, nos termos do artigo 420.º, n.º 1, alínea a), do CPP, preceito que nesta perspectiva não padece de inconstitucionalidade - cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 352/98, de 12-05-1998, in BMJ n.º 477, pág. 18 e n.º 165/99, de 10-03-1999, in DR-II Série, de 28-02-2000 e BMJ n.º 485, pág. 93.
Estabelece o artigo 420.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, na versão actual, que o recurso é rejeitado sempre que for manifesta a sua improcedência.
Como se referia no acórdão do STJ de 30-03-1995, BMJ n.º 445, pág. 355, é de rejeitar o recurso por manifesta improcedência quando o recorrente se limita a discutir matéria de facto e a livre apreciação do tribunal.
De igual sorte o acórdão de 21-06-1995, BMJ n.º 448, pág. 278:Apresenta-se como manifestamente improcedente, e, portanto, deve ser rejeitado, o recurso cuja fundamentação se circunscreve à interpretação da prova que se diz ter sido produzida em audiência, indicando-se os factos que deveriam ter sido considerados provados, em vez dos que foram dados por provados”.
Como se extrai do acórdão de 8-10-1997, processo n.º 897/97-3.ª, Sumários da Assessoria 1997, n.º 14, pág. 132,Na ausência de qualquer prova vinculada, é insindicável pelo STJ a convicção formada pelo tribunal a quo, sendo por isso de rejeitar, por manifestamente improcedente, o recurso em que o recorrente pretende fazer vingar a sua convicção”.
Segundo o acórdão de 9-10-1997, processo n.º 623/97-3.ª, ibidem, n.º 14, pág. 137 É manifestamente improcedente, e por isso de rejeitar, o recurso no qual o recorrente aponta os vícios referidos nas alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, baseando os mesmos na circunstância de valorar de forma diferente as declarações prestadas pelas testemunhas de acusação e defesa, da valoração feita pelo tribunal”.
Diz-se no acórdão de 27-11-1997, processo n.º 1130/97-3.ª, ibidem, pág. 186É manifesta a improcedência do recurso, e por isso de rejeitar, quando o recorrente não concorda com a maneira como o colectivo valorou o conjunto das provas e fixou a matéria de facto, fazendo dessas provas uma leitura e avaliação diferentes”.
No mesmo sentido, o acórdão de 27-11-1997, processo n.º 291/97, 3.ª, ibidem, pág. 188:É manifestamente improcedente o recurso interposto pelo recorrente quando este se limita a discordar do processo lógico usado pelo Colectivo para formar a sua convicção. O recurso é de rejeitar por manifestamente improcedente”.
O acórdão de 19-05-2004, proferido no processo n.º 904/04 - 3.ª pronunciou-se nestes termos: «A recorrente apenas suscita questões relativamente à matéria de facto, discute depoimentos e o modo como a prova foi apreciada, designando como erro notório na apreciação da prova apenas a circunstância de a conclusão probatória do tribunal da Relação ser diversa daquela que, na sua apreciação, deveria ter sido a decisão sobre os factos.
Ora, nos termos do art. 434.º do CPP, o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo da apreciação oficiosa dos vícios do art. 410.º do CPP.
Sendo tal apreciação, por oficiosa, apenas do critério do Supremo Tribunal, quando considere que há motivos para conhecer dos referidos vícios, a invocação destes não pode constituir fundamento de recurso.
E, de qualquer modo, também não vem invocado no recurso qualquer fundamento que se possa integrar em alguma das categorias que a lei de processo enuncia no referido artigo 410.º, n.º 2, do CPP.
Discutindo apenas matéria de facto, o recurso é, assim, manifestamente improcedente, e deve ser rejeitado, como determina o art. 420.º, n.º 1 do CPP».
Como se extrai do acórdão do STJ, de 22-11-2006, processo n.º 4084/06–3.ª, “A manifesta improcedência constitui um fundamento de rejeição do recurso de natureza substancial, visando os casos em que os termos do recurso não permitem a cognição do tribunal ad quem, ou quando, versando sobre questão de direito, a pretensão não estiver minimamente fundamentada ou for claro, simples, evidente e de primeira aparência que não pode obter provimento. Será o caso típico de invocação contra a matéria de facto directamente provada, de discussão processualmente inadmissível sobre a decisão em matéria de facto, ou de o recurso respeitar à qualificação e à medida da pena e não ser referida nem existir fundamentação válida para alterar a qualificação acolhida ou a pena que foi fixada pela decisão recorrida”. (sublinhado nosso).
Ou, quando, através de uma avaliação sumária dos fundamentos do recurso, se puder concluir, sem margem para dúvidas, que o mesmo será claramente votado ao insucesso, que os seus fundamentos são inatendíveis – assim, acórdãos de 17-10-1996, processo n.º 633/96; de 06-05-1998, processo n.º 113/98; de 05-04-2000, processo n.º 47/00.
Podem ver-se aplicações concretas nos acórdãos de 21-05-2008, processo n.º 678/08; de 28-05-2008, processo n.º 1147/08; de 4-12-2008, processo n.º 2507/08; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08, de 14-07-2010, processo n.º 149/07.JELSB.E1.S1, de 28-09-2011, processo n.º 172/07.3GBEVR.E2.S2, todos por nós relatados.
Os recorrentes no fundo reportam-se à decisão da 1.ª instância, repetindo o que já tinham alegado sobre este ponto no recurso para a Relação, pretendendo impugnar a convicção dos julgadores, o que não é permitido face ao princípio plasmado no artigo 127.º do CPP, que nesta interpretação não padece de inconstitucionalidade.
Os presentes recursos têm por objecto o acórdão recorrido e não a decisão de 1.ª instância, pelo que não pode agora o STJ conhecer do que decidiu ou não decidiu um tribunal que não é o recorrido.
Em suma, estamos perante três recursos que neste segmento se apresentam como manifestamente improcedentes, sendo, pois, de rejeitar.


Questão IV - Vícios decisórios – Artigo 410.º, n.º 2, do CPP - Ilegitimidade de arguição pelos recorrentes

Como se referiu supra, os recorrentes DD, EE e GG invocam, expressamente, a verificação dos vícios previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP.
Estando-se perante um acórdão da Relação, que no concreto conheceu dos alegados vícios, como se viu supra, a propósito da nulidade por omissão de pronúncia, há que dizer desde já, que não é possível deduzir esta forma de impugnação de matéria de facto, mitigada embora, em recurso dirigido ao Supremo, o que ocorre, aliás, seja ele interposto de acórdão final de tribunal colectivo, seja de acórdão da Relação.
Em causa está averiguar da legitimidade de arguição deste tipo de vícios no presente recurso, consabido sendo que com a decisão da Relação se encerra o ciclo da matéria de facto.
Os vícios do artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, são vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei.
Vícios da decisão, não do julgamento, como se exprime Maria João Antunes, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Janeiro - Março de 1994, pág. 121 – cfr. acórdão do STJ, de 05-11-1997, processo n.º 549/97-3.ª, CJSTJ 1997, tomo 3, pág. 222.
Atenta a sua estrutura, referenciados que estão os vícios decisórios ao nível da fixação da facticidade relevante, pertinente e útil, para a conformação final e definitiva do thema probandum, definindo os contornos finais e definitivos do objecto proposto pela vinculação temática concreta do caso, com vista à solução do thema decidendum, não faz sentido assacar a existência de tais vícios ao acórdão ora recorrido, o que seria possível apenas e tão só num quadro em que a Relação fixasse factualidade em função de renovação da prova, o que não é de todo o caso, para nos referirmos apenas à actuação da Relação em sede de recurso. (Tal possibilidade de sindicância em matéria de facto poderá ter lugar, obviamente, quando a Relação funcionar como primeira instância).
A questão que se coloca, no que respeita aos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável e do erro notório na apreciação da prova, para mais correspondendo a sua invocação a uma reedição da arguição feita no recurso anterior para a Relação, é a de saber se após uma primeira invocação dos vícios perante o Tribunal da Relação é possível o recorrente repetir a arguição desses vícios – necessariamente da decisão da 1.ª instância - perante o Supremo Tribunal de Justiça, ou se se opera a preclusão dessa possibilidade.
A especificidade do caso está em os recorrentes terem impugnado a matéria de facto, invocando a ocorrência destes vícios, cuja detecção apenas por via da análise do texto pode ser alcançada, para além de esgrimirem com alegada errada valoração das provas, violação do princípio in dubio pro reo e mesmo arguindo omissão de pronúncia, manifestando a sua divergência com o acervo factual dado por assente.
Perante a presente arguição de vícios decisórios é de colocar a questão de saber se o Supremo Tribunal de Justiça pode deles conhecer em recurso interposto de decisão do Tribunal da Relação.
Como é sabido, a partir de 01-01-1999, na sequência da reforma do CPP, operada pela Lei n.º 59/98, de 25-08, deixou de ser possível interpor recurso para o STJ com fundamento na verificação dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, isto é, a incursão do STJ no plano fáctico da forma restrita consentida por esse preceito não é já possível face a questão colocada pelo interessado, ou seja, como fundamento do recurso, a pedido de recorrente, mas tão-só por iniciativa própria deste Supremo Tribunal, para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto ostensivamente insuficiente, fundada em erro de apreciação, ou assente em premissas contraditórias detectadas pelo STJ, ou seja, se concluir que por força da existência de qualquer dos vícios não pode chegar a uma correcta solução de direito e devendo sempre o conhecimento oficioso ser encarado como excepcional, surgindo como último remédio contra tais vícios, conforme é jurisprudência corrente.
Nada impede o STJ, em tais casos, de conhecer oficiosamente dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. E compreende-se que assim seja. Para proceder a uma adequada revisão da matéria de direito, é necessário que a matéria de facto se encontre perfeitamente estabilizada.
A intervenção oficiosa justificar-se-á, mesmo que não haja uma impugnação da matéria de facto, isto é, mesmo que se esteja perante recurso restrito a matéria de direito.
Conforme consta do acórdão do STJ de 13-12-2007, processo n.º 1404/07 - 5.ª «a não impugnação da matéria de facto pelo recorrente não impede o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, de conhecer oficiosamente dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. É o que resulta do disposto no art. 434.º do referido Código. E compreende-se que assim seja. Para proceder a uma adequada revisão da matéria de direito, é necessário que a matéria de facto se encontre perfeitamente estabilizada. Por isso, se o tribunal de revista, analisando a decisão, conclui pela existência de insuficiências na matéria de facto (…), outra solução não lhe resta senão a de determinar o reenvio do processo, para colmatar o vício».
Neste sentido de possibilidade de conhecimento oficioso, diversos arestos deste Supremo Tribunal, de que são exemplo: os acórdãos de 17-01-2001, processo n.º 2821/00 - 3.ª; de 25-01-2001, processo n.º 3306/00 - 5.ª e de 22-03-2001, processo n.º 363/01 - 5.ª, publicados em CJSTJ 2001, tomo 1, págs. 210, 222 e 257, respectivamente; acórdão de 04-10-2001, processo n.º 1801/01 - 5.ª, em CJSTJ 2001, tomo 3, pág. 182 (aqui se esclarecendo que o Tribunal de recurso tem o poder-dever de fundar a “boa decisão de direito” numa “boa decisão de facto”, ou seja, numa decisão que não padeça de insuficiências, contradições insanáveis da fundamentação ou erros notórios na apreciação da prova); de 30-01-2002, processo n.º 3739/01-3.ª; de 16-05-2002, processo n.º 1072/02-5.ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 202; de 20-03-2003, processo n.º 397/03-5.ª, CJSTJ 2003, tomo 1, pág. 232 (afirmando não haver qualquer contradição nesta posição, e seguindo interpretação que colheu a concordância de Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, 2.ª edição, revista e actualizada, pág. 371); de 24-03-2003, processo n.º 1108/03 - 5.ª, em CJSTJ, 2003, tomo 1, pág. 236; de 27-05-2004, processo n.º 766/04 - 5.ª, em CJSTJ, 2004, tomo 2, pág. 209 (como regra, está vedado ao STJ o conhecimento da matéria de facto, só podendo (devendo) conhecer os vícios a que se alude no art. 410.º , n.º 2, do CPP, se concluir que, por força da existência de qualquer deles, não pode chegar a uma correcta solução de direito); de 30-03-2005, no processo n.º 136/05; de 03-05-2006, nos processos n.ºs 557/06 e 1047/06; de 18-05-2006, nos processos n.º s 800/06 e 1293/06, todos da 3.ª Secção; de 20-12-2006, processo n.º 3505/06 - 3.ª, em CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 248; de 04-01-2007, no processo n.º 2675/06-3.ª; de 08-02-2007, no processo n.º 159/07 - 5.ª; de 15-02-2007, nos processos n.ºs 15/07 e 513/07 (defendendo-se neste o conhecimento oficioso dos vícios como preâmbulo do conhecimento do direito), ambos da 5.ª Secção; de 21-02-2007, no processo n.º 260/07 - 3.ª; de 08-03-2007, processo n.º 447/07; de 15-03-2007, processo n.º 663/07; de 29-03-2007, processo n.º 339/07; de 02-05-2007, nos processos n.ºs 1017/07, 1029/07 e 1238/07, todos da 3.ª Secção; de 24-05-2007, processo n.º 1409/07 - 5.ª, em CJSTJ, 2007, tomo 2, pág. 200; de 12-09-2007, processo n.º 2583/07; de 10-10-2007 no processo n.º 3315/07; de 24-10-2007, processo n.º 3238/07; de 13-02-2008, processo n.º 4729/07; de 12-03-2008, processo n.º 112/08; de 26-03-2008, processo n.º 4833/07; de 21-05-2008, processo n.º 678/08; e de 02-07-2008, processo n.º 3861/07, todos da 3.ª Secção; de 27-05-2009, processo n.º 145/05-3.ª; de 17-09-2009, processo n.º 421/07.8JACBR.S1-3.ª; de 23-09-2009, processo n.º 426/08-5.ª (a possibilidade de conhecimento oficioso mais não constitui do que uma válvula de escape do sistema, através da qual se assegura que o Supremo não tenha que decidir o direito quando os factos são manifestamente insuficientes, contraditórios ou errados); de 14-10-2009, processo n.º 101/08.7PAABT.E1.S1-3.ª; de 13-01-2010, processo n.º 274/08.9JASTB.L1.S1-3.ª; de 24-02-2010, processo n.º 3/05.9GFMTS-3.ª; de 03-03-2010, processo n.º 242/08.0GHSTC.S1-3.ª; de 07-04-2010, processos n.º 138/09.9JAFAR.S1 e 2792/05.1TDLSB.L1.S1, ambos da 3.ª secção; de 09-09-2010, processo n.º 312/05.7GAEPS.S1-5.ª.
Explicam Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, 2.ª edição, II volume, pág. 967, citado no referido acórdão de 25 de Janeiro de 2001, que: “O considerar-se que não podem invocar-se os vícios do nº 2 do art. 410º como fundamento do recurso directo para o STJ de decisão final do tribunal colectivo, não significa que este Supremo Tribunal não os possa conhecer oficiosamente, como ocorre no processo civil, e é jurisprudência fixada pelo STJ (…)”.
Na fundamentação do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 10/2005, de 20-10-2005, in DR Série I-A, de 07-12-2005, refere-se que a indagação dos vícios faz-se “no uso de um poder-dever, vinculadamente, de fundar uma decisão de direito numa escorreita matéria de facto”.
Por outro lado, continua em vigor o Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ n.º 7/95, de 19-10-1995, in DR, Série I-A, n.º 298, de 28-12-1995, que, no âmbito do sistema de revista alargada, decidiu ser oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.
Em suma, o STJ conhece oficiosamente desses vícios quando, num recurso restrito exclusivamente à matéria de direito, constate que, por força da inquinação da decisão recorrida por algum deles, não possa conhecer de direito sob o prisma das várias soluções jurídicas que se apresentem como plausíveis.
No caso de recurso interposto de acórdão da Relação, como ora ocorre, porém, o recurso – agora puramente de revista – terá de visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria de direito, com exclusão dos eventuais vícios, processuais ou de facto, do julgamento da 1.ª instância, admitindo-se que o Supremo se possa abster de conhecer do fundo da causa e ordenar o reenvio nos termos processualmente estabelecidos em certos casos.
É que, mesmo nos recursos interpostos directamente deixou de ser possível recorrer-se com fundamento na existência de qualquer dos vícios constantes das três alíneas do n.º 2 do artigo 410.º, o mesmo se passando com os recursos interpostos da Relação, sendo jurisprudência constante e pacífica deste Supremo Tribunal que no recurso para este Tribunal das decisões finais do tribunal colectivo já apreciadas pelo Tribunal da Relação, está vedada a arguição dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, posto que se trata de matéria de facto, ou seja, de questão que se não contém nos poderes de cognição do STJ, o que significa que está fora do âmbito legal dos recursos a reedição dos vícios apontados à decisão de facto da 1.ª instância, em tudo o que foi objecto de conhecimento/decisão pela Relação – cfr. acórdãos de 11-12-2003, processo n.º 3399 - 3.ª, de 22-04-2004 e de 01-07-2004, CJSTJ 2004, tomo 2, págs. 165 e 239, de 08-02-2007, processo n.º 159/07 - 5.ª, de 21-02-2007, processo n.º 260/07 - 3.ª, de 28-02-2007, processo n.º 4698/06 - 3.ª, de 08-03-2007, processos n.ºs 447/07 e 649/07 - 5.ª, de 15-03-2007, processos n.ºs 663/07 e 800/07 - 5.ª, de 29-03-2007, processos n.ºs 339/07 e 1034/07 - 5.ª, de 19-04-2007, processo n.º 802/07 - 5.ª, de 03-05-2007, processo n.º 1233/07 - 5.ª.
Todavia, a incursão no plano fáctico é ainda possível, não já face a questão colocada pelo interessado, mas por iniciativa própria do Supremo Tribunal de Justiça.
Só com o âmbito restrito consentido pelo artigo 410.º, n.º 2, do CPP, com o incontornável pressuposto de que o vício há-de derivar do texto da decisão recorrida, e apenas dele, o STJ poderá avaliar da subsistência dos vícios da matéria de facto, o que é aplicável a recurso interposto de acórdão proferido pela Relação.
Nos acórdãos de 08-02-2006, processo n.º 98/06 - 3.ª; de 15-02-2006, processo n.º 4412/05 - 3.ª; de 15-03-2006, processo n.º 2787/05 - 3.ª; de 22-03-2006, processo n.º 475/06 - 3.ª; de 08-02-2007, processo n.º 159/07 - 5.ª; de 21-02-2007, processo n.º 260/07 - 3.ª; de 15-03-2007, processos n.ºs 663/07 e 800/07, ambos da 5.ª secção; de 02-05-2007, processo n.º 1238/07 - 3.ª e de 21-06-2007, processo n.º 1581/07 - 5.ª; de 28-05-2008, processo n.º 1147/08 - 3ª; de 12-06-2008, processo n.º 4375/07-3.ª; de 13-07-2009, processo n.º 32/05.2TAPCV.C1.S1-5.ª; de 17-09-2009, processo n.º 169/07.3GCBNV.S1-5.ª; de 10-03-2010, processo n.º 112/08.2GACDV.L1.S1-3.ª; de 25-03-2010, processo n.º 427/08.0TBSTB.E1.S1-3.ª; de 15-04-2010, processo n.º 18/05.7IDSTR.E1.S1-3.ª; de 27-05-2010, processo n.º 18/07.2GAAMT.P1.S1-3.ª; de 06-10-2010, processos n.ºs 936/08.0JAPRT.P1.S1-3.ª e 77/07.8TAPTB.G2:S1-3.ª; de 17-11-2010, processo n.º 18/09.8JAAVR.C1.S1-3.ª; de 02-12-2010, processo n.º 16/09.1JAPRT.P1.S1-5.ª; de 19-01-2011, processo n.º 376/06.6BLRS.L1.S1-3.ª; de 31-03-2011, processo n.º 117/08.3JAFAR.E2.S1-3.ª (Independentemente de o recorrente, no recurso para o STJ não poder, segundo a jurisprudência corrente, sindicar os vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP, a verdade é que este Tribunal pode/deve deles conhecer oficiosamente, nos termos dos arts. 434.º do CPP e 729.º, n.º 3, do CPC); de 07-04-2011, processo n.º 450/09.7JAAVR.P1.S1-3.ª; de 27-04-2011, processo n.º 7266/08.6TBBRG.G1.S1-3.ª, admite-se o conhecimento oficioso dos vícios por parte do Supremo, mesmo nos casos em que o recurso vem interposto de acórdão da Relação.
Como se extrai do acórdão de 26-02-2004, processo n.º 267/04 - 5.ª Secção, está fora do âmbito legal do recurso para o Supremo a reedição dos vícios apontados à decisão de facto da 1.ª instância, em tudo o que foi objecto de conhecimento pela Relação, sem prejuízo de o tribunal de revista, por sua iniciativa, conhecer daqueles vícios porventura patenteados no acórdão da Relação.
Como se consignou nos acórdãos de 05-12-2007, processo n.º 3406/07, de 30-04-2008, processo n.º 4723/07, de 22-10-2008, processo n.º 215/08, de 14-07-2010, processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1, de 20-10-2011, processo n.º 36/06.8GAPSR.L4.S4, por nós relatados, nestes casos de recurso de acórdão da Relação para o Supremo, em que o recurso é puramente de revista, cingindo-se a matéria de direito, é de admitir, exactamente pelas mesmas razões supra-expostas que sustentam a cognição oficiosa – razões de necessidade de certificação de substrato fáctico bastante, congruente, compatível, harmonioso e válido para suportar a decisão de direito – o exame oficioso da existência ou não dos vícios decisórios ao nível do assentamento da facticidade relevante.
Tal possibilidade ocorrerá ainda nos casos em que o acórdão da Relação conclui de forma diversa, nas situações em que, reapreciando acórdão de colectivo que absolvera o arguido, modifica a matéria de facto, conduzindo a decisão contrária de condenação.
Concluiu-se ser inadmissível a invocação pelo interessado de vícios da decisão previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, sem que isso obste a que o STJ deles conheça oficiosamente, se o traçado quadro fáctico no concreto caso assim o impuser, para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto ostensivamente insuficiente, fundada em erro de apreciação, ou assente em premissas contraditórias detectadas por iniciativa do STJ, ou seja, se concluir que por força da existência de qualquer dos vícios não pode chegar a uma correcta solução de direito e devendo sempre o conhecimento oficioso ser encarado como excepcional, surgindo como último remédio contra tais vícios.
Concluindo: os recursos dos arguidos DD, EE e GG são de rejeitar enquanto invocados são os referidos vícios decisórios como fundamento de recurso.
No caso em apreciação não se verifica a existência de qualquer vício, sendo que a questão fulcral colocada por todos os recorrentes ao nível da matéria de facto, que no fundo procura a descaracterização da qualificativa de actuação em bando, será resolvida a outro nível, encarada noutro contexto.

Questão V - Violação do princípio in dubio pro reo

Ainda os mesmos recorrentes DD, EE e GG, renovam no presente recurso a invocação de violação deste princípio, sendo manifesto que a tal arguição subjaz a pretensão de desqualificação do crime de tráfico, por inexistência de organização ou grupo e de bando.
O Tribunal da Relação abordou o tema e pouco mais haverá a dizer.


Relativamente à violação do princípio in dubio pro reo, importa acentuar que, dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, num caso em que, como o presente, o Tribunal da Relação se encontra no âmbito de um recurso da matéria de facto restrito aos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, a mesma deve resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos referidos vícios.
Ou seja, só ocorre quando, seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente – de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido – pela prova em que assenta a convicção.

O princípio in dubio pro reo funda-se constitucionalmente no princípio da presunção da inocência até ao trânsito em julgado da sentença condenatória – artigo 32.º, n.º 2, da CRP - , impondo este que qualquer non liquet na questão da prova seja valorado a favor do arguido, apresentando-se aquele, na fase de decisão, como corolário daquela presunção – acórdão do Tribunal Constitucional n.º 533/98, DR, II Série, de 25-02-1999.
O princípio in dubio pro reo - fórmula condensada por Stubel - que estabelece que, na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido, é um princípio de prova que vigora em geral, isto é, quando a lei, através de uma presunção, não estabelece o contrário.
A violação do princípio in dubio pro reo tem sido entendida sob diversas perspectivas, como a de respeitar a matéria de prova e, pois, tratar-se de matéria de facto e como tal insindicável pelo STJ (por todos, acórdão de 18-12-1997, processo n.º 930/97, BMJ n.º 472, pág. 185), ou enquanto princípio estruturante do processo penal, podendo ser suscitada perante o Tribunal de revista, mas o Supremo vem afirmando que isso só é possível se a violação resultar do próprio texto da decisão recorrida, designadamente, da fundamentação da decisão de facto – acórdão de 29-11-2006, processo n.º 2796/06-3.ª, in CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 235 (maxime, 239).
Contrariamente à posição de Figueiredo Dias, expressa in Direito Processual Penal, volume I, pág. 217, que defende que o princípio se assume como um princípio geral de processo penal, não forçosamente circunscrito a facetas factuais, podendo a sua violação conformar também uma autêntica questão de direito plenamente cabível dentro dos poderes de cognição do STJ, a jurisprudência maioritária tem repudiado a invocação do princípio em sede de interpretação ou de subsunção de um facto à lei, não valendo para dúvidas nessas matérias.
Para o acórdão de 06-04-1994, processo n.º 46092, BMJ n.º 436, pág. 248, o princípio não tem aplicação apenas quanto à matéria de facto, começando, logo, por poder ser aplicado na própria interpretação da matéria de direito, esclarecendo que “nada impede que, em via de recurso penal interposto para este Supremo Tribunal, os julgadores se socorram do princípio in dubio pro reo, quando, esgotados todos os meios de interpretação dos factos ou das disposições legais, surgirem dúvidas justificadas quanto ao sentido dos factos ou relativamente à norma aplicável”.
De acordo com o acórdão de 17-04-1997, processo n.º 1415/96-3.ª, SASTJ n.º 10, pág. 104, a apreciação do princípio in dubio pro reo está excluída dos poderes de cognição do STJ.
Segundo o acórdão de 17-04-1997, processo n.º 1073/96-3.ª, SASTJ n.º 10, pág. 105 e BMJ n.º 466, pág. 227, o princípio é insindicável quer na sua versão de incidência fáctica – regendo então a prova, o que não pode ser apreciado por este Tribunal – quer na sua incidência jurídico-normativa, porquanto nunca pode subsistir qualquer dúvida sobre a norma aplicável em face do sistema da interpretação e integração das leis.
Como se refere no acórdão de 24-04-1997, processo n.º 73/97-3.ª, SASTJ, n.º 10, pág. 110, a violação ou não do princípio do in dubio pro reo não é sindicável pelo STJ.
E de acordo com o acórdão de 11-02-1999, CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 210, o princípio in dubio pro reo é multifacetado e a sua força omnímoda e dinamismo podem e devem aplicar-se mesmo dentro dos processos lógicos que interessam à interpretação e integração da lei.
Este acórdão foi objecto de comentário na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 2003, ano 13, n.º 3, págs. 433 e ss., onde se diz que o STJ adoptou uma tese errónea em relação à aplicabilidade do princípio, defendendo-se que o alcance do in dubio pro reo restringe-se a dúvidas sobre a prova da matéria de facto e não tem aplicação na resolução de dúvidas quanto à interpretação de normas penais, cuja única solução correcta reside em escolher, não o entendimento mais favorável ao arguido, mas sim aquele que se revele juridicamente mais exacto.
Em sentido oposto, pronunciaram-se, i. a., os acórdãos de 06-12-2006, processo n.º 3520/06-3.ª; de 20-12-2006, processo n.º 3105/06-3.ª; de 23-04-2008, processo n.º 899/08, onde se refere que «O princípio vale apenas em relação à prova da questão de facto e já não a qualquer dúvida suscitada dentro da questão de direito; aqui, a única solução correcta residirá em escolher não o entendimento mais favorável ao arguido, mas sim aquele que juridicamente se reputar mais exacto» e no acórdão de 30-04-2008, processo n.º 3331/07-3.ª, diz-se que «O princípio in dubio pro reo não tem quaisquer reflexos ao nível da interpretação das normas penais. Em caso de dúvida sobre o conteúdo e o alcance destas, o problema deve ser solucionado com recurso às regras de interpretação, entre as quais o princípio do in dubio pro reo não se inclui, uma vez que este tem implicações exclusivamente quanto à apreciação da matéria de facto – sejam os pressupostos do preenchimento do tipo de crime, sejam os factos demonstrativos da existência de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa».
A eventual violação do princípio in dubio pro reo só pode ser aferida pelo STJ quando da decisão impugnada resulta, de forma evidente, que tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto, que tenha chegado a um estado de dúvida “patentemente insuperável” e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido, optando por um entendimento decisório desfavorável ao arguido, posto que saber se o tribunal recorrido deveria ter ficado em estado de dúvida, é uma questão de facto que exorbita os poderes de cognição do STJ enquanto tribunal de revista.
Não se verificando esta hipótese, resta a aplicação do mesmo princípio enquanto regra de apreciação da prova, no âmbito do dispositivo do artigo 127.º do CPP, que escapa ao poder de censura do STJ enquanto tribunal de revista – neste sentido ver acórdãos de 20-06-1990, BMJ n.º 398, pág. 431; de 04-07-1991, BMJ n.º 409, pág. 522; de 14-04-1994, processo n.º 46318, CJSTJ 1994, tomo 1, pág. 265; de 12-01-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 181; de 06-03-1996, CJSTJ 1996, tomo 2 (sic), pág. 165;de 02-05-1996, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 177; de 25-02-1999, BMJ n.º 484, pág. 288; de 15-06-2000, processo n.º 92/00-3.ª, CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 226 e BMJ n.º 498, pág.148; de 02-05-2002, processo n.º 599/02-5.ª; de 23-01-2003, processo n.º 4627/02-5.ª; de 05-06-2003, processo n.º 9765/03-5.ª; de 15-10-2003, processo n.º 1882/03-3.ª;
de 27-05-2004, processo n.º 766/04-5.ª, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 209 (a alegada violação do princípio só poderá ser sindicada se ela resultar claramente dos textos das decisões recorridas); de 21-10-2004, processo n.º 3247/04-5ª, CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 198 (com recensão de jurisprudência sobre o tema e em concreto sobre a temática das conclusões que as instâncias retiram da matéria de facto e o recurso às presunções naturais); de 12-07-2005, processo n.º 2315/05-5.ª; de 07-12-2005, processo n.º 2963/05-3.ª; de16-05-2007, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 182; de 20-02-2008, processo n.º 4553/07-3.ª; de 05-03-2008, processo n.º 210/08-3.ª, CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 243; de 09-04-2008, processo n.º 429/08-3.ª; de 23-04-2008, processo n.º 899/08-3.ª; de 15-07-2008, processo n.º 1787/08-5.ª; de 22-10-2008, processo n.º 215/08-3.ª.

Noutra perspectiva, o STJ poderá sindicar a aplicação do princípio, quando a dúvida resultar evidente do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, ou seja, quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal tendo ficado em estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou por outras palavras, quando, não tendo o tribunal a quo reconhecido esse estado de dúvida, ele resultar evidente do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, ou seja, naqueles casos em que se possa constatar que a dúvida só não foi reconhecida em virtude de erro notório na apreciação da prova – cfr. acórdãos de 30-10-2001, processo n.º 2630/01-3.ª; de 06-12-2002, processo n.º 2707/02-5.ª; de 08-07-2004, processo n.º 1121/04-5.ª, SASTJ, n.º 83; de 30-03-2005, processo n.º 552/05 - 3.ª; de 24-11-2005, processo n.º 2831/05-5.ª (3.ª?); de 07-12-2006, processo n.º 3137/06-5.ª; de 18-01-2007, processo n.º 4465/06-5.ª; de 21-06-2007, processo n.º 1581707-5.ª; de 13-02-2008, processo n.º 4200/07-5.ª; de 17-04-2008, processo n.º 823/08-3.ª; de 07-05-2008, processo n.º 294/08-3.ª; de 28-05-2008, processo n.º 1218/08-3.ª; de 29-05-2008, processo n.º 827/08-5.ª; de 15-10-2008, processo n.º 2864/08-3.ª; de 16-10-2008, processo n.º 4725/07-5.ª; de 22-10-2008, processo n.º 215/08-3.ª;de 04-12-2008, processo n.º 2486/08-5.ª; de 05-02-2009, processo n.º 2381/08-5.ª (A apreciação pelo Supremo da eventual violação do princípio in dubio pro reo encontra-se dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto: há-de ser pela mera análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio).
Na perspectiva, mais concreta - e que data de finais da década de 90 do século passado - de análise do princípio in dubio pro reo, como figura próxima do vício decisório - erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do CPP - , e, pois, da sua sindicabilidade pelo Supremo Tribunal, podem ver-se os acórdãos de 08-10-1997, processo n.º 976/97-3.ª, Sumários Assessoria do STJ, n.º 14, pág. 132; de 15-04-1998, processo n.º 285/98-3.ª, in BMJ n.º 476, pág. 82; de 22-04-1998, processo n.º 120/98-3.ª, BMJ, n.º 476, pág. 272; de 04-11-1998, processo n.º 1415/97-3.ª, in CJSTJ 1998, tomo 3, pág. 201 e BMJ n.º 481, pág. 265, com extensa informação acerca do princípio em causa e da livre apreciação da prova; de 27-01-1999, no processo nº 1369/98-3ª, in BMJ n.º 483, pág. 140; de 24-03-1999, processo n.º 176/99-3.ª, in CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 247, todos do mesmo relator, Exmo. Conselheiro Leonardo Dias, em que a tónica do entendimento sufragado nos citados arestos é o seguinte: “o erro na apreciação da prova só existe quando, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, resulta por demais evidente a conclusão contrária àquela a que chegou o tribunal. Nesta perspectiva, a violação do princípio in dubio pro reo pode e deve ser tratada como erro notório na apreciação da prova, o que significa que a sua existência também só pode ser afirmada quando, do texto da decisão recorrida, se extrair, por forma mais do que evidente, que o colectivo, na dúvida, optou por decidir contra o arguido”; e ainda os acórdãos de 20-10-1999, processo n.º 1475/98 -3.ª, in BMJ n.º 490, pág. 64 (em que aquele relator intervém como adjunto); de 04-10-2006, processo n.º 812/2006-3.ª; de 11-04-2007, processo n.º 3193/06-3.ª.
Como referimos nos acórdãos de 05-12-2007, proferido no processo n.º 3406/07 e de 14-07-2010, processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S2, parece-nos que esta possibilidade de abordagem de eventual violação do princípio será balizada pelos parâmetros de cognoscibilidade presentes numa indagação dos vícios decisórios, por um lado, com o consequente alargamento de possibilidade de incursão de exame no domínio fáctico, mas simultaneamente, como ali ocorre, operando de uma forma mitigada, restrita, que se cinge ao texto da decisão recorrida, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum.
O que significa que, tal como ocorre na análise e exame de verificação dos vícios, quando se perspectiva indagação de eventual violação do princípio in dubio pro reo (em ambos os casos diversamente do que ocorre com a avaliação de nulidades da sentença), há que não esquecer que se está sempre perante um poder de sindicância de matéria fáctica, que é limitado, restrito, parcial, mitigado, exercido de forma indirecta, dentro do condicionalismo estabelecido pelo artigo 410.º do CPP, em suma, que o horizonte cognitivo do STJ se circunscreve ao texto da decisão, não incidindo sobre o julgamento, isto é, que o objecto da apreciação será sempre a decisão e não o julgamento.

Revertendo ao caso concreto.

No nosso caso, da análise do texto do acórdão de primeira instância não se retira que o Colectivo de Sesimbra tenha dado como provados os factos que como tal especificou, tendo dúvidas sobre a verificação de algum ou alguns deles, nomeadamente, a participação efectiva dos recorrentes na organização e preparação do transporte realizado, o mesmo acontecendo com o acórdão recorrido, e, por outro lado, de ambos os textos, conjugados com as regras da experiência comum, não ressalta, de modo algum, que outra, como a defendida pelos recorrentes, devia ter sido a decisão sobre a matéria de facto; não resulta que perante uma dúvida sobre a prova, tenham optado por uma solução desfavorável aos arguidos, decorrendo antes que as instâncias não ficaram na dúvida em relação a qualquer facto.
Esta invocação, de resto, diga-se, não tem sequer autonomia relativamente à discordância globalmente manifestada neste recurso pelos três arguidos – DD, EE e GG - em relação à matéria de facto fixada, situando-se na mesma linha da invocação de ampla impugnação da matéria de facto (embora fora dos quadros do artigo 412.º, n.º 3, do CPP), como insuficiência de prova, do erro notório na apreciação da prova e demais vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2 do CPP, para além da invocação de erro de julgamento da matéria de facto, ou da arguição de nulidade por omissão de pronúncia por parte do recorrente GG.
Feita a “separação das águas”, com a remessa dos factos eventualmente integradores de associação criminosa para o sector dos factos não provados, foi considerado que o remanescente era suficiente para preenchimento da qualificativa que os recorrentes pretendem ver expurgada, e na assunção do assentamento fáctico subjacente à incriminação nesses termos não se divisa qualquer dúvida. Coisa diferente será saber se é correcta ou não, mas na interpretação e enquadramento jurídico-criminal não concorre o princípio; a matéria assente, ou integra, ou não integra o crime qualificado, devendo retirar-se as devidas consequências em conformidade.
A posição dos referidos três recorrentes (no presente recurso o arguido FF abandonou esta via impugnatória), uma vez mais, não representa mais do que a sua valoração pessoal de determinados elementos de prova, valoração essa que não pode ser contraposta à conclusão a que chegaram os julgadores, ao darem como provados os factos, fundados em juízos de experiência (artigo 127.º do CPP).
Na verdade, a invocação de pretensa violação do princípio in dubio pro reo não constitui mais do que uma diversa perspectiva de colocar exactamente a mesma questão relativamente ao julgamento da matéria de facto, procurando os recorrentes, uma vez mais, contrariar a convicção das instâncias.
Não se pode afirmar que o juízo confirmatório pelo Tribunal da Relação se deva considerar irrazoável, temerário, inverosímil ou arbitrário; não resulta que perante uma dúvida sobre a prova, tenha optado por uma solução desfavorável aos arguidos, decorrendo antes que a instância recorrida não ficou na dúvida em relação a qualquer dos factos dados por provados.
O acórdão recorrido não denota dúvida irredutível, da sua leitura se vendo não persistir qualquer dúvida razoável sobre os factos, por isso não tendo fundamento fazer apelo ao aludido princípio, que supõe a existência de uma dúvida. Pelo contrário, decorre da sua leitura uma tomada de posição firme e não indicando ter-se decidido contra os recorrentes.
Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual que conduziu à condenação dos recorrentes, fica afastada a invocação da violação do princípio in dubio pro reo, sendo de ter por assente definitivamente a matéria de facto apurada.
Improcede, pois, esta arguição, sendo pois, de rejeitar os recursos igualmente nesta parte.

Questão VI – Alteração da qualificação jurídica – (in)verificação da agravante de actuação em bando

Todos os recorrentes reeditam a pretensão já expressa no anterior recurso no sentido de não se verificar a qualificativa da alínea j) do artigo 24.º do DL n.º 15/93.
Desde logo, há que ter presente que aos quatro arguidos ora recorrentes - e não só - vinha imputada a autoria material de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 28.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01.
Após tecer considerações sobre o crime de associação criminosa - fls. 8284 a 8288 - entendeu o acórdão do Colectivo de Sesimbra não se estar perante uma actuação que integrasse o imputado crime de associação criminosa, p. p. pelo referido artigo 28.º, mas antes perante uma “situação de bando” (fls. 8288 a 8290).
Versando o imputado crime de tráfico de estupefacientes agravado (fls. 8290), considera ser de afastar as qualificativas das alíneas c) – obtenção de avultada compensação remuneratória - e f) – participação em outras actividades criminosas organizadas de âmbito internacional - do artigo 24.º (fls. 8297), concluindo o mesmo acórdão que os arguidos AA, BBB e CC terão cometido apenas o crime de tráfico simples do artigo 21.º do mesmo Decreto-Lei.
Diz o acórdão do Colectivo de Sesimbra, a fls. 8298:
«Mas é igualmente qualificativa do tipo de tráfico de estupefaciente o facto de o agente actua como membro de bando destinado à prática reiterada dos crimes previstos e punidos pelo artigo 21.º e 22.º, com a colaboração de, pelo menos, outro membro do banco.(sic).
Já acima foi discutida a forma de intervenção dos arguidos e resultou assente que os mesmos não actuaram numa situação de associação criminosa, mas “meramente” de bando.
Apurou-se nos presentes autos que vários dos arguidos actuaram de forma concertada para conseguirem proceder ao transporte de haxixe de Marrocos para Portugal, e posteriormente para Espanha, que o fizeram durante o ano de 2008 por algumas vezes, uma das quais em 14-10-2008 e se preparavam para o fazer novamente.
Apura-se que estavam nesta situação o arguido DD, o arguido EE, o arguido FF e o arguido GG.
Já os arguidos AA, BB e CC apenas estão nos factos de 14-10-2008, pelo que não se pode entender que a sua acção seja integrada na qualificativa do bando, pois desconhece-se se os mesmos sabiam que aquelas outras pessoas já teriam actuado anteriormente da mesma forma e se preparavam para o fazer posteriormente”.

Vejamos se é de manter ou de afastar tal incriminação, começando por averiguar o que deve ser entendido como

Membro de bando

A figura criminosa de “Bando” é introduzida com a lei da droga de 1993 – Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro –, constituindo então uma absoluta novidade no nosso ordenamento jurídico-criminal.
Trata-se de uma figura nova, problemática (escusadamente nova, no entender de Faria e Costa, no Comentário Conimbricense ao Código Penal, em comentário ao artigo 204.º, n.º 2, alínea g), do Código Penal, nos §§ 66 e 67, a págs. 81 e 82, ao afirmar que a importação da noção de bando talvez não tenha sido filtrada convenientemente pela crítica da adequação ao real social nacional), com dificuldades de delimitação em relação a figuras de participação plúrima pré-existentes, e que se distancia, e fica a “meio caminho” entre os crimes associativos dos artigos 287.º e 299.º do Código Penal de 1982 e de 1995 e do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 430/83 e do homólogo, sucessor, Decreto-Lei n.º 15/93, e as figuras da mera comparticipação (propriamente dita).

A novidade da agravante típica, adicionando um “elemento especializador”, sendo mais compreensiva, e por isso mesmo, menos extensiva, é mais exigente do que o sistema pré-vigente, deixando de relevar apenas uma qualquer situação de comparticipação, mas antes exigindo uma certa espécie de comparticipação qualificada, teve por necessário efeito, ao tempo, um claro efeito despenalizador, uma restrição da punibilidade, obstando à punição agravada do mero concurso de pessoas no crime – a este propósito, cfr. acórdão deste Supremo Tribunal de 25-05-1994, infra referido, e Eduardo Lobo, em Decisões de Tribunais de 1.ª Instância, 1993, Comentários, Gabinete de Planeamento e de Coordenação do Combate à Droga, Outubro de 1995, págs. 37 a 49.
O conceito de bando, que encontra raízes no direito penal alemão, figurando na lei da droga alemã de 1981, enquanto agravante ope legis e como circunstância qualificativa do furto, foi introduzido por Figueiredo Dias, no Projecto de Revisão do Código Penal, 1993, como factor de qualificação dos crimes de «furtum rei» e de roubo.
O Professor Figueiredo Dias explanou então que «o «bando» é uma forma de comparticipação», «uma forma especial de co-autoria», deixando claro que o conceito se diferencia da associação criminosa. «Uma associação criminosa pode, obviamente, cometer roubos, mas nem todo o conluio se transforma em associação criminosa», disse.
Como se pode ler na referida colectânea “Decisões…1993”, págs. 46 e 47, o funcionamento da agravante faz do tipo, assim qualificado, um crime normativamente plurissubjectivo e complexo, supondo a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
1.º Que o agente seja membro de um bando;
2.º Pré-ordenação desse bando à prática reiterada de crimes de tráfico de estupefacientes e/ou de percursores;
3.º Actuação do agente nessa qualidade (enquanto membro desse bando);
4.º Colaboração de, pelo menos, outro membro do mesmo bando.

Conforme anotação de Miguel Pedrosa Machado a acórdão do Tribunal da Comarca de Ponta do Sol, de 11-11-1993, elaborada em Setembro de 1995, a págs. 231 a 261, da mesma Colectânea, a adopção do conceito de bando vem a traduzir um diferente modo de relacionar a comparticipação com a punição do crime associativo.
O conceito de bando assenta numa designação de cariz criminológico, que pretende traduzir uma situação em que haja, simultaneamente, e em razão da existência de um líder, algo menos do que na associação e algo diferente da co-autoria; algo próximo, mais do que o «concurso de pessoas» (incluindo a co-autoria, espécie mais relevante ou mais forte de tal «concurso»), mas menos do que a «associação».

Tal figura, no domínio do Código Penal, surge mais tarde, a partir de 1 de Outubro de 1995, com a entrada em vigor da 3.ª alteração do Código Penal, operada com o Decreto-Lei n.º 48/95, de 15-03, concretamente no domínio dos crimes de furto qualificado, aqui de forma expressa, e por remissão, nos casos do crime de roubo e de extorsão - artigo 204.º, n.º 2, alínea g), e artigos 210.º, n.º 2, alínea b) e 222.º, n.º 3, alínea a), do Código Penal.

A propósito de autoria plural ou participação plúrima no domínio do crime de tráfico de estupefacientes, estabelecia o artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 430/83, de 13 de Dezembro:
As penas previstas nos artigos 23.º e 24.º serão aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se:
g) tiver havido concurso de duas ou mais pessoas.

No Código Penal de 1886 a figura de bando era desconhecida, prevendo-se então a nível de participação plural, como agravantes, a circunstância de ter sido o crime pactuado entre duas ou mais pessoas, ou de ter sido cometido por duas ou mais pessoas – circunstâncias n.º s 7.ª e 10.ª do artigo 34.º, e a agravativa do n.º 3 do artigo 426.º, que previa o furto qualificado “por duas ou mais pessoas”.

No Código Penal de 1982, na versão originária, para além da co-autoria e comparticipação, previstas nos artigos 26.º, 28.º e 29.º, a intervenção plural estava expressamente prevista no furto qualificado - artigo 297.º, n.º 2, alínea h) - “com o concurso de 2 ou mais pessoas”, e no crime de extorsão - artigo 317.º, n.º 5, que dizia: “Se os factos previstos no n.º 1 forem cometidos por 2 ou mais pessoas que actuem como grupo organizado, a moldura penal elevar-se-á de metade”.

No Código Penal de 1995, na parte especial, a previsão da intervenção plúrima está presente no furto qualificado, deslocado para o artigo 204.º, com a introdução da nova figura de “bando”.
Estabelece o artigo 204.º, n.º 2, alínea g), do Código Penal:
«Quem furtar coisa móvel alheia:
g) Como membro de bando destinado à prática reiterada de crimes contra o património, com a colaboração de pelo menos outro membro do bando».

Tal circunstância qualificativo-agravante é aplicável igualmente ao crime de roubo, ex vi do artigo 210.º, n.º 2, alínea b), e ao crime de extorsão, por força da remissão feita para tal preceito pelo n.º 3, alínea a), do então artigo 222.º do Código Penal.

A propósito desta inovação Frederico de Lacerda da Costa Pinto, em Aspectos da tutela penal do património após a revisão do Código Penal, Jornadas de Direito Criminal (conferências em Outubro e Novembro de 1995), edição CEJ, volume II, págs. 489 a 494, pronunciando-se sobre o novo preceito, diz tratar-se de uma solução inspirada no § 244 do StGB alemão, que prevê casos de furto qualificado pelo uso de armas ou por serem, exactamente, cometidos por membros de um bando.
Afirma que da norma em causa retira-se que o bando pode ser composto apenas por dois membros e que se destina à prática reiterada de crime contra o património; é uma espécie de co-autoria estável e com finalidades específicas.
Defende que a agravação do furto assenta numa ideia de maior perigosidade do facto quando cometido nestes termos, com um conluio minimamente estável entre os agentes em torno de um propósito específico, sendo finalidade específica do bando a prática reiterada de crimes contra o património.
José António Barreiros, em Crimes contra o património, Universidade Lusíada, 1996, pág. 70, ao comentar a nova agravante, diz: “O conceito de bando não está definido pela lei, o que é insuportável lesão do princípio da legalidade incriminatória, ao estar o legislador a usar para a sua descrição incriminatória um conceito com contornos tão fluidos como este”.

Com a revisão de 1998, operada pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, mantiveram-se os artigos 204.º e 210.º, sendo deslocado o crime de extorsão para o artigo 223.º, mantendo o respectivo n.º 3, alínea a), a mesma remissão para a alínea g) do n.º 2 do artigo 204.º.
A reforma introduziu uma nova circunstância qualificativa no crime de homicídio qualificado ao incluir no artigo 132.º, n.º 2, a alínea g) com o seguinte teor: “ Praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas …”, sendo tal qualificativa aplicável ao crime de ofensa à integridade física qualificada, ex vi do n.º 2 do artigo 146.º.
Com a nova redacção do Código Penal, introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, a referida alínea g) passou para alínea h).
Nada a este respeito foi modificado nas posteriores alterações do Código Penal.

Como se referiu supra, a introdução da figura de “bando” no nosso ordenamento jurídico operou-se através de legislação avulsa, com o Decreto-Lei n.º 15/93.

Estabelece o artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, actualmente com a redacção introduzida com o artigo 54.º da Lei n.º 11/2004, de 16 de Julho, a qual operou a 11.ª alteração daquele DL, mas modificando apenas o corpo do preceito, substituindo tão somente a penalidade cabível ao crime qualificado:
As penas previstas nos artigos 21.º e 22.º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se:
j) O agente actuar como membro de bando destinado à prática reiterada dos crimes previstos nos artigos 21.º e 22.º, com a colaboração de, pelo menos, outro membro do bando.

Para Taipa de Carvalho, em comentário ao artigo 223.º, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pág. 353, bando significa uma cooperação duradoura entre várias pessoas, sendo um conceito menos exigente que o de associação criminosa, pois que, diferentemente desta, não pressupõe uma estrutura organizacional.

Para Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, em anotação ao artigo 204.º do Código Penal, notas 40 e 41, a pág. 563 (e a págs. 642, na 2.ª edição actualizada de 2010), são características cumulativas da figura:
1 - Grupo de duas ou mais pessoas;
2 - Grupo de pessoas que se juntam para (“destinado”) praticar um número indeterminado de crimes contra o património (no que se distingue da co-autoria) sendo suficiente o plano para a execução de um número incerto de crimes num período certo de tempo;
3 - Grupo de pessoas que não tem um líder, uma estrutura de comando e um processo de formação da vontade colectiva (no que se distingue da associação criminosa).

Vejamos o que diz a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a propósito da nova qualificativa, através dos seguintes acórdãos:

13-04-1994, processo n.º 45813, in CJSTJ 1994, tomo 1, pág. 256 – Confirma decisão em que o arguido, vindo acusado da prática do crime de associação criminosa do artigo 28.º do DL 15/93 é dele absolvido, e vem a ser condenado pelo crime de tráfico agravado, p. p. pelos artigos 21.º e 24.º, alínea j), do mesmo diploma, considerando-se verificada a agravação especial prevista ou decorrente do referido artigo 24.º.
Aí se afirma que para a existência de “bando” (referido no artigo 24.º, alínea j), do Decreto-Lei n.º 15/93) não é necessária a “transpersonalidade”, a procura de fins comuns mediante a subordinação do indivíduo ao todo, bastando tão somente a existência de uma rede, porventura agregada em redor de um líder, a cuja vontade, porventura, também os agentes se submetam, a que acresce, como necessário, o facto da durabilidade, pelo menos em outro grau.
Concluiu-se no caso que os arguidos constituíam um “bando”, aliados que estavam no propósito conjunto de, por forma reiterada ou continuada, comercializarem heroína com acentuados lucros.
Verifica-se a existência desse bando quando, dolosamente, um arguido transportava a droga, que entregava a outro que a cedia, por sua vez a dois outros arguidos, que a vendiam, tudo como expressão da realidade que é o tráfico de estupefacientes.
25-05-1994, processo n.º 45829, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 224 e BMJ n.º 437, pág. 228 – O conceito de bando, referido no artigo 24.º, alínea j), do DL n.º 15/93, consubstanciando uma diferente e nova agravante, a exprimir uma situação que ultrapassa a realidade vertida na alínea g) do DL n.º 430/83, traduz uma figura intermédia entre a co-autoria (menos grave) e a associação criminosa (mais grave).
E cita a propósito, o Prof. Eduardo Correia, a págs. 254, do 2.º volume do “Direito Criminal”, que em nota escreveu: “Parte da doutrina alemã costuma integrar na teoria da comparticipação criminosa as hipóteses de Komplott (quando várias pessoas se associam com o fim de executar um ou vários crimes determinados) e Bando (quando tal associação se dirige à prática de uma série indeterminada de crimes). Parece, porém, que sempre que tais figuras não possam reconduzir-se à da co-autoria eles nada terão a ver com a teoria da comparticipação: o que pode acontecer é que tais associações sejam tratadas como crimes autónomos, “sui generis”, ou como agravante especial relativamente a certos crimes particularmente graves…”
No caso concreto a solução foi afastada por tal agravante especial ou qualificativa não existir à data dos factos.
29-06-1994, processo n.º 45530, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 258 - O bando será uma figura intermédia entre a da associação criminosa do artigo 28.º do DL 15/93 e a do antigo “concurso de duas ou mais pessoas” da alínea g) do artigo 27.º do DL 430/83, traduzindo-se num grupo com actividade quase exclusiva, em que o agente actua com consciência de participar nesse grupo sem que com isso obrigatoriamente conheça todos os agentes ou membros envolvidos.
Justifica-se a nova alínea do seguinte modo: “Pretendeu o legislador assegurar a defesa de uma maior censurabilidade quando se deparam situações, comuns neste tipo de criminalidade, de colaboração dos agentes, de diferentes níveis, sem que se estruture com isso uma verdadeira organização, com sede, estabilidade ou tendência para a perenidade, hierarquia e responsabilidade daí advenientes. A agravação resulta primordialmente do perigo traduzido pela colaboração de vontades, determinadas por objectivos definidos, não apenas de colaboração mas de vontade de colaboração, mesmo que limitada no tempo”.
22-06-1995, processo n.º 47.997, in CJSTJ 1995, tomo 2, pág. 238 – Para a existência de bando (hoc sensu), que não se confunde com a associação criminosa, basta que se configure uma rede, porventura agregada a um líder, ligada pelo próprio conjunto dos seus elementos de traficarem estupefacientes.
Trata-se de uma figura intermédia entre a co-autoria e a associação criminosa (citando aqui acórdãos de 25-05-94 e 29-06-94, in CJSTJ tomo 2, págs. 224 e 258, supra referidos), em que basta que o agente actue com a consciência de participar num grupo, com objectivos definidos, sem que com isso obrigatoriamente conheça todos os membros envolvidos.
29-06-1995, processo n.º 47.773, in CJSTJ 1995, tomo 2, pág. 251 – A propósito do conceito de “bando” e da sua introdução na alínea j) do artigo 24.º, do DL 15/93, considera que a filosofia do diploma esteve em ter querido estabelecer, à semelhança de diversas legislações estrangeiras, uma situação de actuação ilícita intermédia entre a simples comparticipação criminosa e a associação criminosa.
Para a verificação de actuação em bando, no crime de tráfico de estupefacientes, o legislador teve em mente considerar como mais graves do que as situações de mera participação criminosa, embora menos censuráveis do que aquelas em que existe uma perfeita e definida “associação criminosa”, aquelas condutas em que, pelo menos dois agentes actuam de forma voluntária e concertada, em colaboração mútua, com uma incipiente estruturação de funções, mas sem que se possa já considerar como existente uma organização perfeitamente caracterizada, com níveis e hierarquias de comando e com uma certa divisão e especialização de funções de cada uma dos seus componentes ou aderentes, como sucede na “associação criminosa”.
(O acórdão cita como exemplos de uniformidade de entendimento neste sentido, os acórdãos supra referidos, de 13-04-1994, in CJSTJ 1994, tomo 1, pág. 256 e de 29-06-1994, processo n.º 45530, in CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 258).
13-02-1997, processo n.º 1019/96 - 3.ª – Sumários de Acórdãos STJ, Gabinete de Assessoria, n.º 8, Fevereiro de 1997, pág. 89 - Para a existência do bando a que alude o artigo 24.º, alínea j), do DL 15/93, é indispensável que exista uma rede, porventura ligada a um líder, unida pelo propósito conjunto dos seus membros de traficarem estupefacientes, a que acresce como elemento necessário, a sua durabilidade em pelo menos certo grau. Quanto ao elemento subjectivo do bando, basta que os agentes actuem com a consciência de participar num grupo, com objectivos definidos, sem que com isso tenham obrigatoriamente que conhecer todos os membros envolvidos.
27-02-1997, processo n.º 908/96 - 3.ª – Sumários de Acórdãos STJ, Gabinete de Assessoria, n.º 8, Fevereiro de 1997, pág. 103 - O “bando” é um agrupamento de pessoas conexionadas, mais emotiva que racionalmente, à volta da realização mais ou menos persistente e ronceira da actividade criminosa, com vista a determinado objectivo, aproveitando fundamentalmente em cada momento, a experiência e a capacidade de cada elemento individual e colectivamente considerados.
Não se exige na sua constituição ou existência, a organização típica da associação criminosa, que a pressupõe bem definida, nem se contenta, como a co-autoria, com a mera comparticipação.
Como também não se exige que o grupo que o integre se dedique apenas à actividade criminosa. Outra actividade do grupo, e até lícita, pode servir para a realização da actividade criminosa, ou para a camuflar.
A qualidade de membro de uma família não afasta a estrutura criminal do bando, já que desviada aquela das suas finalidades próprias, pode até servir para melhor e mais facilmente, se agregar e constituir tal figura penal.
26-03-1997, processo n.º 1293/97-3.ª – Afirma-se que “bando” é um grupo social não institucionalizado, com relativa autonomia sociológica e psicológica que, dadas as suas características de potencial factor de criminalidade, pode descambar para a criminalidade (pertencer a um bando não significa necessariamente a vontade firme e deliberada de cometer delitos).
A agravação da al. j) do art. 24.º, do DL 15/93, pressupõe uma entidade que se distingue dos seus elementos, ou seja, o bando há-de servir de referente à existência de membros, capazes de accionarem a específica perigosidade que naturalmente decorre da existência daquele grupo social que, obviamente, por si mesmo, não integra qualquer tipo de crime autónomo, como acontece com as associações criminosas (art. 28.º, do DL referido).
08-10-1997, processo n.º 356/97 - 3.ª, Sumários de Acórdãos STJ, Gabinete de Assessoria, n.º 14, volume II, pág. 133 - Não obsta à qualificação da alínea j) do artigo 24.º do DL 15/93, a circunstância de um ou outro membro do “bando” gozar de um especial estatuto de não punibilidade em função de relações de parentesco ou afinidade com outros.
18-12-1997, processo n.º 918/97 - 3.ª – Sumários de Acórdãos STJ, Gabinete de Assessoria, n.ºs 15 e 16, volume II, pág. 217 - A figura do bando visa abarcar aquelas situações de pluralidade de agentes actuando “de forma voluntária e concertada, em colaboração mútua, com uma incipiente estruturação de funções”, que embora mais graves - e portanto mais censuráveis – do que a mera co-autoria ou comparticipação criminosa, não são de considerar verdadeiras associações criminosas, por nelas inexistir “uma organização perfeitamente caracterizada, com níveis e hierarquias de comando e com uma certa divisão e especialização de funções de cada um dos seus componentes ou aderentes”.
24-02-1999, processo n.º 1136/98-3.ª, in SASTJ, n.º 28, pág. 85 No “bando” não existe apenas uma associação pontual de pessoas, mas sim uma associação com durabilidade, com união de egocentrismos tendo em vista alcançar uma maior segurança e uma maior eficácia, formando um grupo dotado de poderes de orientação, embora não muito expressivos. Na co-autoria a qualificação conexiona-se com o evento global.
Conclui que “a agravação da alínea j) do artigo 24.º do DL 15/93, pressupõe uma entidade que se distingue dos seus membros com características de factor potencial de criminalidade, não integrando, contudo, por si mesmo, qualquer tipo de crime autónomo, como acontece com as associações criminosas (art. 28.º do DL 15/93).
30-09-1999, processo n.º 726/96, CJSTJ 1999, tomo 3, pág. 162 (do mesmo relator do acórdão de 18-12-1997, e citando os acórdãos de 29-06-1995 e de 27-02-1997, supra referidos).
Na figura jurídica de “bando” o que, verdadeiramente, releva é a existência de uma pluralidade de agentes actuando de forma voluntária e concertada, de colaboração mútua, com uma incipiente estruturação de funções que, embora criem situações mais censuráveis que as de mera comparticipação criminosa não são de considerar verdadeiras associações criminosas, visto nelas não existir uma organização perfeitamente caracterizada com níveis e hierarquias de comando e com uma certa divisão de funções de cada um dos seus componentes e aderentes.
A qualidade de membros de uma família, ainda que de etnia cigana, caracterizada, pelos seus usos e costumes, por uma estrutura organizativa, altamente gregária, fechada e marginal, só por si não exclui a possibilidade de integrar a figura criminal de “bando”, visto que a lei não exige que o “grupo” se dedique exclusivamente, a actividades criminosas pois as lícitas podem, até, servir para camuflar aquelas.
18-12-2002, processo n.º 3217/02 – 3.ª Secção - Cita o acórdão de 18-12-1997 e Pedrosa Machado quando refere: “O bando deverá ser entendido como um “conceito assente numa designação de cariz criminológico, que pretende traduzir uma situação em que haja, simultaneamente, e em razão da existência de um líder, algo menos do que na associação e algo diferente da co-autoria”.
23-04-2003, processo n.º 789/03 - 3.ª Secção - Após afastar a caracterização da conduta como associação criminosa, diz-se: Haverá actuação em bando e não em associação criminosa quando o agente comparticipa na prática de crimes de uma forma mais exigente do que a mera co-autoria pontual, mas bastante longe ainda da associação criminosa, tudo não passando de um grupo destinado à prática de crimes, mas de forma desarticulada e sem organização estruturada.
06-11-2003, processo n.º 3392/03 - 5.ª Secção - Para efeitos da qualificativa a que alude a alínea j) do artigo 24.º do DL n.º 15/93, a noção de «bando» é algo que se distingue da simples co-autoria, por um lado, indo além dela, e da associação criminosa, por outro, que não chega a atingir. «Bando» será, assim, uma actuação plural e voluntária com vista à prática de crime ou crimes, em que cada agente não tem consciência e (ou) intenção de pertença a um ente colectivo com personalidade distinta da sua e objectivos próprios - o que permite afastar a figura da associação criminosa típica - mas em que os diversos «colaboradores», inseridos numa orgânica ainda incipiente, reconhecem, todavia, a existência de uma liderança de facto a que se subordinam - o que permite, por seu lado, distinguir a figura da simples co-autoria.
A figura do «bando» basta-se com a existência de duas pessoas, nada impedindo que sejam marido e mulher.
11-12-2003, processo n.º 2293/03 - 5.ª Secção - Após afastar no caso sujeito a figura da associação criminosa, refere: Agravará especialmente a responsabilidade do agente de um crime de «tráfico agravado de drogas ilícitas», a actuação em bando, nomeadamente uma «actuação com vista à prática reiterada de crimes, em que cada agente não tem consciência e (ou) intenção de pertença a um ente colectivo com personalidade distinta da sua e objectivos próprios - o que afastará a associação criminosa típica - mas em que os diversos “colaboradores”, inseridos numa orgânica ainda incipiente, reconhecem, todavia, a existência de uma liderança de facto a que se subordinam».
07-01-2004, processo n.º 3213/03 - 3.ª Secção - A noção de “bando”, figura de pluralidade, de concertação e também de organização, situa-se, no plano da construção, entre as dimensões da comparticipação, em relação à qual se apresenta como um plus diferenciador, e a organização de nível e relevo que integre já o conceito, tipicamente relevante, de associação criminosa.
A diferença qualitativa há-de situar-se essencialmente na dimensão organizativa e na predeterminação dos fins; só esta dimensão acrescenta ao «acordo ou juntamente com outros» um quid material de distinção. A actuação em “bando”, ou como membro de “bando”, significa necessariamente a existência de um sentimento de comunhão de fins, de pertença a uma pluralidade inorgânica diversa das individualidades, de especificidade de fins e objectivos determinados, diversos da simples conjugação ou soma de vontades individuais agregadas.
Na jurisprudência do STJ a noção de “bando” visa todas as situações de pluralidade de agentes, actuando de forma voluntária, concertada e de colaboração mútua, com um princípio de estruturação de funções (estruturação incipiente), que, embora mais graves do que a mera comparticipação, não podem ser ainda consideradas associações criminosas, por não existir uma organização suficientemente caracterizada, com níveis e hierarquias e com uma relativa diversidade e especialização de funções de cada um dos membros ou aderentes.
Considera-se necessário que “a actuação, em concreto, seja levada a efeito, ao menos por dois elementos”.
“Hão-de, assim, ser relevantes a existência de um grupo de pessoas, o sentimento e a vontade de pertença, uma estruturação organizatória mínima na direcção e na divisão de tarefas, a permanência no tempo e a predeterminação de finalidades, a actuação conforme plano previamente elaborado e em conjugação de esforços, o conhecimento por todos da actividade de cada um, e a divisão entre elementos do grupo dos proventos obtidos com a actividade”.
17-11-2005, processo n.º 2527/05-5.ª, CSTJ 2005, tomo 3, pág. 212 - Estamos perante uma realidade mais consistente do que a simples co-autoria, pois havia um grupo a funcionar com regularidade no tempo, só com a finalidade de vender droga, não só ao consumidor final, mas também a outros revendedores, a composição desse grupo era estável, os seus elementos aceitavam a chefia de um deles e havia alguma repartição de tarefas… estamos face a condutas mais graves - e portanto mais censuráveis – do que a mera co-autoria ou comparticipação, embora numa zona próxima, o que não deixará de ser atendido na fixação concreta das penas. Mantém a qualificação de co autoria por crime agravado.
13-03-2008, processo n.º 1016/07-5.ª - Em caso de tráfico de estupefacientes em estabelecimento prisional é afastada a agravante da alínea j).
29-04-2009, processo n.º 939/07.2PYLSB.S1-3.ª - Em caso de roubo agravado, pondera-se que “Co-autoria e actuação em bando são conceitos distintos, não podendo reconduzir-se a este último instituto uma actuação que se define apenas em relação ao momento da prática do crime, sem qualquer noção organizativa, ou mesmo de pré-conjugação de vontades, e muito menos inexistindo qualquer vínculo a uma prática reiterada que, necessariamente, tem de estar subjacente ao conceito de bando para que este possa relevar em termos de subsunção jurídica.

Revertendo ao caso concreto.

No caso em apreciação, relembre-se que todos os arguidos foram acusados pelo crime de associação criminosa, p. p. pelo artigo 28.º, do Decreto-Lei n.º 15/93 (n.º s 1 e 3, no caso do arguido DD e n.º 2, quanto aos restantes), tendo sido absolvidos de tal crime, que no caso dos ora recorrentes, foi convolado para crime de tráfico agravado pela alínea j) do artigo 24.º, do mesmo diploma legal.
Sobre esta questão, o Tribunal da Relação cita e segue de muito perto, o acórdão de 27-05-2010, por nós relatado no processo n.º 18/07.2GAAMT.P1.S1, transcrevendo vários parágrafos, de fls. 9416 a 9421 e depois de fls. 9421 a 9423, terminando por sufragar o entendimento perfilhado pela decisão de 1.ª instância.
O acórdão ora recorrido toma como ponto de partida o que foi dado por provado na primeira instância e que aceita de pleno, quando refere a fls. 9421/2, que “Ora, no caso em análise, verifica-se que os arguidos DD, EE, FF e GG actuaram de forma concertada para conseguirem proceder ao transporte de haxixe de Marrocos para Portugal, e posteriormente para Espanha, o que levaram a cabo, durante o ano de 2008, por algumas vezes, uma das quais em 14-10-2008 e se preparavam para o fazer novamente”.
Apurou-se que existiam mais pessoas envolvidas nos factos - não só os operacionais que procediam à realização material de transbordo e de transporte do haxixe, no dia 14-10-2008 e nas descargas anteriores, mas igualmente um indivíduo de nacionalidade espanhola que era quem dava as ordens ao arguido DD, que por sua vez fazia a ligação com os restantes” (…)
Tais pessoas, de acordo com o já supra expendido, estiveram em número indeterminado de operações – que levavam a uma prévia aquisição de embarcações para a realização do transporte marítimo, bem como à aquisição de viaturas automóveis que permitiam o transporte terrestre para Espanha - e pretendiam proceder a um número indeterminado de outras operações futuras”.
Refere ainda o acórdão recorrido, a fls. 9423, a existência de alguma organização e perenidade no grupo (sublinhados nossos).

Vejamos.

Tendo o acórdão recorrido confirmado a integração das condutas dos recorrentes no tipo de crime qualificado de tráfico de estupefacientes, p. p. pelo artigo 24.º, alínea j), do Decreto-Lei n.º 15/93, a questão que se coloca é a de saber se estará correcta a qualificação face à matéria de facto provada.
Esta qualificação estaria, sem qualquer margem de dúvida, correcta, se fosse de aceitar como boa toda a matéria de facto dada por provada, ou melhor, aquilo que como tal foi alinhado no sector próprio.
O acórdão de Sesimbra, na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, a fls. 8279/8280, aborda os contornos do grupo da seguinte forma:
Apura-se que há um grupo, composto por várias pessoas, que não só as que aqui se encontram, identificando-se um individuo de nacionalidade espanhola, como quem dá ordens ao arguido DD, mas desconhecendo-se qual a sua real intervenção nos factos. Se é a pessoa que determina a intervenção de todos os outros ou se há mais pessoas a quem o mesmo tenha de dar conhecimento. Desconhece-se qual a forma de tomada de decisão. Por outro lado, percebe-se que as pessoas que têm uma intervenção transversal – o arguido DD e o arguido EE – têm os seus próprios “homens” que não se conhecem entre si. Assim o arguido FF só conhece o arguido EE, mas sabe que existem outros, e o arguido GG só contacta com o arguido DD, e na parte final também com a arguida II, esta última para aquisição da última das embarcações. Mas o arguido DD e o arguido EE assumem funções de organização dentro das suas áreas – o último um homem do terreno no desembarque e o primeiro o homem da organização de todos os restantes trâmites. Não há um sentimento de pertença a algo superior, todos confiam que pertencem a um conjunto de pessoas com o mesmo fim, mas sem uma grande organização e sem o sentimento de pertença à organização.
Tal resulta dos factos provados, até porque não resultaram provados os factos concretos a todos os outros desembarques de haxixe, que resultam das escutas realizadas, e que constavam do texto da acusação. Apura-se que foram feitos e que pretendiam que outros se lhes seguissem, mas não há elementos seguros de quantidades, dias”.(Realces nossos).

O Colectivo de Sesimbra deu como não provados todos os outros desembarques de haxixe, que constavam da acusação, suportados por escutas telefónicas.
Todavia, diz ter-se apurado que foram feitos e que pretendiam que outros se seguiriam, mas reconhecendo não haver elementos seguros de quantidades transportadas, dos dias em que terão tido lugar.

Como resulta da alínea p) dos factos não provados, não ficou provado que de finais de 2007 a finais de Junho de 2008, o grupo organizado tivesse feito vários transportes de haxixe para o território nacional, desembarcando no porto de Sesimbra várias toneladas dessa substância.
Concretizando, foram dadas por não provadas cinco imputadas anteriores actuações, a saber:
Caso I – Alínea r) - Em data não concretamente apurada de finais de 2007, a embarcação do arguido HH, “I... F...s”, tivesse efectuado um transporte de cerca de 6 000 kg de haxixe, que foi desembarcado no porto de Sesimbra.
Caso II – Alíneas w) e x) - Em Fevereiro de 2008, a embarcação ‘S... das D...”, capitaneada por HH tenha recolhido e transportado de Marrocos cerca de 1600 kg de estupefacientes, desembarcados no porto de Sesimbra.
Caso III – Alíneas bb) e cc) - Em Abril de 2008, o arguido HH numa embarcação por si capitaneada, tivesse recolhido em Marrocos cerca de 4000 kg de haxixe, que transportou e desembarcou no porto de Sesimbra pelas 02 horas do dia 25-04-2008.
Caso IV – Alínea hh) - Em data não apurada de finais de Junho de 2008, a embarcação “S... das N...”, capitaneada pelo arguido HH, tenha recolhido em Marrocos quantidade não apurada de haxixe - mas seguramente várias centenas de quilogramas - que transportou para o porto de Sesimbra.
Caso V - Alíneas ww) a eee) - Em data não concretamente determinada de Setembro de 2008, a embarcação I... C... tenha recolhido em Marrocos e transportado várias centenas de quilogramas de haxixe, desembarcando-as no porto de Sesimbra.

A questão que se coloca é a de saber se não tendo ficado provadas as condutas de aquisição de haxixe em Marrocos, respectivo transporte e desembarque do produto em Sesimbra, acabadas de alinhar, imputadas na acusação a todos os arguidos, o que resta em concreto?
Apenas o caso circunscrito, isolado, único, da aquisição em Marrocos de mais de seis toneladas de haxixe, do seu transporte desde Marrocos, desembarque em Sesimbra em 14-10-2008 e transbordo do produto para o camião interceptado na Cotovia.
Ou seja, de concreto em termos de resultado, temos apenas o que foi dado por provado nos pontos de factos provados n.º s 47 e 85.
Temos um passado não concretizado e um futuro projectado que pode não passar de conjectura e o direito penal lida com factos históricos.
Anota-se que o arguido HH, indicado nos quatro primeiros casos, como proprietário de uma das embarcações e capitão de outras, como não podia deixar de ser, foi absolvido do crime de associação criminosa, p. p. pelo artigo 28.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, não lhe sendo assacado qualquer outro tipo de actuação, pelo que para além da indefinição acerca de quantidades e dias das operações, ainda ficaria por saber quem teria capitaneado as embarcações das vezes anteriores.
Aliás, por força dessa não prova de intervenção de tal arguido e sua absolvição foi o arguido EE absolvido do crime de corrupção passiva – cfr. fls. 8305/6.
A qualificação estaria correcta se o facto 3 fosse mais do que efectivamente é.
Na tese da acusação os transportes de haxixe desde Marrocos efectuavam-se desde finais de 2007 e perduraram até Setembro de 2008, enquadrando-se estas imputações de viagens numa estratégia que defendia mostrar-se integrada a figura de crime de associação criminosa.
A verdade é que essa tese soçobrou, foram dados por não provados todos os anteriores transportes concretizados no tempo e espaço, e pelo que toca a intervenientes, pelo menos com referência ao capitão do barco, e igualmente quanto a quantidades precisas de produto em três casos, mas não tendo ficado provados esses concretos imputados anteriores transportes, sobraram nos factos provados referências vagas, imprecisas a alguns transportes, sem qualquer concretização, quanto a tempo de realização de viagem, intervenientes na mesma, designadamente, capitão, e recepção em Sesimbra, ou a quantidades de produto que terá sido transportado.
Ora, se aqueles referidos cinco anteriores transportes, concretizados na acusação, não ficaram provados, a que realidade concreta se reportará o acórdão de Sesimbra, quando se refere a actividades anteriores a 14 de Outubro de 2008?
Esta indefinição remete-nos para a questão das imputações genéricas.
Na verdade, o lastro factual que ancora a subsunção operada na primeira instância e confirmada na Relação é composto por imputações genéricas.
A indeterminação é patente nos seguintes pontos:
1 - Durante o ano de 2008 um grupo de indivíduos decidiu juntar os meios necessários para proceder ao transporte de haxixe em grandes quantidades, por meio marítimo, desde Marrocos e fazê-lo transitar por via terrestre de Portugal para Espanha.
2 - Para tanto adquiriram a posse de embarcações e veículos automóveis que lhes permitiam tal transporte.
3 - Na prossecução de tais intentos, foram efectuados alguns transportes de quantidades, não concretamente apuradas de haxixe, e em datas também não apuradas mas anteriores a 14-10-2008, o de 14-10-2008 e preparava-se a realização de outros após tal data.
86 - Os arguidos DD, EE, FF e GG já tinham anteriormente efectuado transportes similares, e preparavam-se para efectuar outros de futuro, sabendo que actuavam em conjunto com outras pessoas para conseguirem melhor os seus intentos.

Vejamos os factos que não ficaram provados, com maior incidência neste ponto.
p) De finais de 2007 a finais de Junho de 2008, com embarcações do arguido HH, esse grupo organizado fez vários transportes de haxixe para o território nacional, desembarcando no porto de Sesimbra várias toneladas dessa substância.
r) Assim, em data não concretamente apurada de finais de 2007, conforme instruções do líder espanhol da organização e mediante a contrapartida de € 300.000, a embarcação do arguido HH, denominada “I... F...s, efectuou um transporte de cerca de 6000 kg de haxixe que foi desembarcado no porto de Sesimbra
w) Em Fevereiro de 2008, conforme instruções do líder espanhol da organização, a embarcação denominada ‘S... das D...”, capitaneada por HH recolheu e transportou de Marrocos para o território nacional, cerca de 1600kg de estupefacientes.
x) Esses estupefacientes foram desembarcados no porto de Sesimbra, (…).
bb) Em Abril de 2008, conforme instruções do líder espanhol, mediante a promessa de avultada contrapartida pecuniária, o arguido HH numa embarcação por si capitaneada, recolheu em Marrocos cerca de 4000kg de haxixe que transportou para o território nacional.
cc) Esse carregamento de haxixe foi desembarcado no porto de Sesimbra pelas 02 horas do dia 25-04-2008 e carregado para o interior de um camião da organização
hh) Na sequência desse encontro, em data não apurada de finais de Junho de 2008, conforme instruções superiores, a embarcação “S... das N...”, capitaneada pelo arguido HH, zarpou em direcção a Marrocos onde recolheu quantidade não apurada de haxixe - mas seguramente várias centenas de quilogramas - que transportou para o porto de Sesimbra, local onde a organização procedeu ao seu desembarque e transbordo para uma viatura pesada da organização, por elementos encarregados dessa tarefa cuja identidade não se logrou apurar.
ww) Em data não concretamente determinada de Setembro de 2008, a embarcação I... C... zarpou para a costa de Marrocos para recolher e transportar várias centenas de quilogramas de haxixe.
zz) Em data não determinada de Setembro de 2008, a embarcação I... C... capitaneada pelo arguido GG entrou no porto de Sesimbra.
ddd) Quando a embarcação atracou ao cais, de mediato vários indivíduos cuja identidade se desconhece na companhia do líder espanhol, desembarcaram várias centenas de quilogramas de haxixe que colocaram no interior de um veículo automóvel de mercadorias.
ggg) Após o último transporte efectuado em Setembro de 2008 com a embarcação I... C..., o arguido GG não quis fazer outros transportes, mas disponibilizou-se para preparar a embarcação em futuros transportes.
nnn) Para preservar a organização e os seus elementos de investigações policiais a organização suspendeu a realização de outros transportes de estupefacientes até Janeiro de 2009, estando planificado o recomeço das operações nesse mês.
Após esta definição dos contornos dos factos não provados, restaram os que constam dos pontos 1, 2, 3 e 86, onde é patente a indeterminação, a falta de concretização, dando o texto sinal de que a concretização só começa a ocorrer a partir do ponto 7, atenta a ponte que se estabelece entre os pontos 6 e 7 com a expressão “Na prossecução de tais intentos:”

A questão deverá ser analisada na óptica da imputação de factos genéricos, a que alude o recorrente FF, nas conclusões 2.ª a 10.ª, referindo que os factos apresentam contornos de considerável indeterminação, citando o acórdão de 06-05-2004, proferido no processo n.º 908/04, da 5.ª Secção e o recorrente GG na conclusão 16.ª, ao referir terem sido dados por provados factos genéricos, abrangentes e difusos que sustentam a decisão condenatória, que em bom rigor não podem ser considerados.
Como vem sendo afirmado pela jurisprudência dominante deste Supremo Tribunal, as imputações genéricas, designadamente no domínio do tráfico de estupefacientes, sem qualquer especificação das condutas em que se concretizou o imputado comércio e do tempo e lugar em que tal aconteceu, por não serem passíveis de um efectivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado, não podem servir de suporte à qualificação da conduta do agente - neste sentido, podem ver-se os acórdãos de 06-05-2004, processo n.º 908/04-5.ª; de 04-05-2005, processo n.º 889/05; de 07-12-2005, processo n.º 2945/05; de 06-07-2006, processo n.º 1924/06-5.ª; de 14-09-2006, processo n.º 2421/06 - 5.ª; de 17-01-2007, processo n.º 3644/06-3.ª; de 24-01-2007, processo n.º 3647/06-3.ª; de 21-02-2007, processos n.ºs 4341/06 e 3932/06, ambos da 3.ª Secção; de 02-05-2007, processo n.º 1238/07-3.ª; de 16-05-2007, processo n.º 1239/07-3.ª; de 15-11-2007, processo n.º 3236/07-5.ª, podendo ver-se ainda os acórdãos deste Supremo Tribunal de:
04-07-2007, processo n.º 2303/07-3.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 234A imputação genérica de uma actividade de tráfico, no concreto, de venda de quantidade não determinada de droga e a indefinição daí sequente, não oferece qualquer relevância em termos de qualificar a actuação do arguido;
31-01-2008, processo n.º 1411/07-5.ª (citando o acórdão de 24-01-2007, processo n.º 3647/06-3.ª) - Como vem sendo pacificamente entendido pela jurisprudência do STJ, «as imputações genéricas, designadamente, no domínio do tráfico de estupefacientes, sem qualquer especificação das condutas em que se concretizou o aludido comércio e do tempo e lugar em que tal aconteceu, por não serem passíveis de um efectivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado, não podem servir de suporte à qualificação da conduta do agente».
02-04-2008, processo n.º 4197/07-3.ª, por nós relatado (São de evitar as imputações genéricas com utilização de fórmulas vagas, imprecisas, nebulosas, difusas, obscuras, que afastarão a qualificação) e n.º 578/08-3.ª (neste afirmando-se que a dúvida sobre a quantidade de droga vendida a vários consumidores, durante vários meses, desacompanhada de outro elemento coadjuvante, e apresentada de forma indeterminada e em jeito de imputação genérica, tem de ser equacionada de acordo com o princípio in dubio pro reo);
02-07-2008, processo n.º 3861/07-3.ª, por nós relatado, em caso de imprecisão de matéria de facto em sede de crime de maus tratos a cônjuge;
03-09-2008, processo n.º 2044/08-3.ª - A imputação genérica de uma actividade de venda de quantidade não determinada de droga e a indefinição sequente nunca poderão ser valoradas num sentido não compreendido pelo objecto do processo, mas apenas dentro dos limites da acusação, e quanto à matéria relativamente à qual existiu a possibilidade de exercício do contraditório. É evidente que tal em nada colide com as inferências que, em termos de lógica e de experiência comum, são permitidas pela prova produzida, mas sempre dentro daqueles limites. O exercício do contraditório está necessariamente carente de objecto perante uma imputação de tal forma genérica e imprecisa que pode ser concretizada das mais diversas formas e com significados jurídicos diversos. Apela igualmente ao princípio in dubio pro reo como forma de equacionar a dúvida para a transposição do tipo legal em apreço (do mesmo relator o acórdão de 09-06-2010, processo n.º 1699/07.2TBEVR.S1-3.ª).
02-10-2008, processo n.º 1314/08-5.ªA propósito da agravante da alínea b) refere não poderem os factos indeterminados, pouco precisos nos seus contornos, servir para agravar substancialmente as penas do crime de tráfico, quando este já é muito severamente punido. Além disso, a própria lei já parte de conceitos indeterminados, de forma a acrescentar à indeterminação legal a indeterminação ou imprecisão dos factos é correr um risco muito acentuado no que diz respeito às garantias do processo criminal.
06-11-2008, processo n.º 2804/08-5.ª - Uma imputação de factos tem de ser precisa e não genérica, concreta e não conclusiva, recortando com nitidez os factos que são relevantes para caracterizarem o comportamento contraordenacional, incluindo as circunstâncias de tempo e de lugar.
20-11-2008, processo n.º 3269/08-5.ª - “Certas referências a “ aquisição de droga”, sem outra concretização, não passam de afirmações genéricas, insusceptíveis de contradita, pois não se sabe se houve uma verdadeira aquisição, se foi de estupefacientes, quando foi feita, a quem, o que foi efectivamente adquirido, se era mesmo heroína ou cocaína, etc. por disso, a aceitação dessas afirmações como “factos” inviabiliza o direito de defesa que assiste ao arguido e, assim, constitui uma grave ofensa aos direitos constitucionais previstos no art. 32.º da Constituição”.
25-03-2009, processo n.º 380/09-5.ªA jurisprudência do STJ tem sido firme em afastar os factos genéricos de qualquer incriminação propriamente dita, pois muitas vezes são resultantes de meras observações feitas na fase investigadora do processo, e que são indicadas nos relatórios policiais como diligências de prova que foram levadas a cabo, pelo que nem deveriam fazer parte da acusação.
27-05-2009, processo n.º 484/09 (relatado pelo ora relator) - As imputações genéricas, designadamente, no domínio do tráfico de estupefacientes, sem qualquer especificação das condutas em que se concretizou o aludido comércio e do tempo e lugar em que tal aconteceu, por não serem passíveis de um efectivo contraditório e, portanto, do direito de defesa, constitucionalmente consagrado, não podem servir de suporte à qualificação da conduta do agente.
Sem a individualização concreta e clara dos actos integrantes da actividade do arguido, a referência vaga e indeterminada não relevará para efeitos de enquadramento de tráfico com a amplitude temporal certificada nas instâncias, ou seja, durante cerca de 4 anos e 5 meses.
Não pode ser conferida toda essa amplitude, a extensão da conduta, pois não se concretiza o modo de execução, os locais onde tiveram lugar as vendas, a periodicidade da sua realização, se os compradores eram revendedores ou meros consumidores, e quanto a qualidade, o que foi efectivamente vendido, se haxixe, ou heroína.
Tal imprecisão da matéria de facto provada impede que se considere respeitado o princípio do contraditório, dado que o arguido não poderá validamente nestes casos pronunciar-se sobre a afirmação genérica em causa, uma vez que não concretizada ou individualizada noutros pontos da matéria de facto, no que respeita a alguns períodos.
Nesta conformidade, cumpre concluir que a imprecisão inviabiliza a sua aceitação para efeitos penais - exceptuados os casos concretizados - designadamente, para efeitos de consideração da indicada delimitação temporal da prática do crime, dado que tal constituiria uma violação do direito de defesa do arguido constitucionalmente consagrado.
17-12-2009, processo n.º 11/02. 1PECTB-5.ª - Face a imprecisão do relato factual, atenta a caracterização do tráfico de estupefacientes como crime de trato sucessivo, é colocada a questão de eventual violação do princípio ne bis in idem, concluindo que a dúvida sobre tal ponto não pode desfavorecer os arguidos.
*****
Na defesa do preenchimento da qualificativa “actuação em bando” no acórdão recorrido invoca-se o acórdão de 27-05-2010, no processo n.º 18/07.2GAAMT.P1.S1, por nós relatado, mas em boa verdade a transposição para o caso presente não nos parece possível, por estarmos perante quadros factuais bem diversos.
Em tal processo um dos arguidos (D) havia sido condenado por crime de fundação e chefia de associação criminosa e outros três (B, A, H) por crime de participação em associação criminosa.
Recorreram para a Relação do Porto o primeiro (D) e dois dos segundos (B e A), sendo que os recursos destes foram rejeitados por extemporâneos, restando o recurso daquele arguido D, o qual foi julgado totalmente improcedente.
No citado acórdão de 27-05-2010 considerou-se como não preenchido o crime de associação criminosa do qual foi absolvido D, sendo caso de comparticipação e integrando a conduta o crime de tráfico agravado por bando, sendo convolado para o crime de tráfico qualificado pela alínea j) do artigo 24.º.
A situação era diferente, tratando-se de vendas numa cidade do Norte e arredores no período compreendido entre Outubro de 2007 e 7 Janeiro de 2008, realizadas pelo conjunto dos seis arguidos, no contexto de uma acção global única, todos dando o seu contributo para o facto global, pleno e conhecendo-se todos entre si.
Como se extrai do mesmo acórdão: “O modus operandi do grupo de arguidos D, B, H e A, foi de colaboração mútua, agindo “em rede”, com a consciência de participação em grupo, que tinham um plano de venda e revenda de heroína e cocaína a partir de A., com divisão de tarefas, na busca de lucro, todos se referenciando às directivas da arguida B, agindo ao longo de cerca de pouco mais de três meses, socorrendo-se de meios de transporte, que conduziam sem serem titulares de habilitação, dispondo de uma organização, que não os transcendia, mantendo a sua singularidade”.

No caso ora em apreciação, retirados os factos genéricos, indeterminados, imprecisos, difusos, impeditivos do exercício do direito de defesa, resta um acto isolado, único, falecendo por completo a imprescindível multiplicidade que conduz à afirmação de reiteração, com integração num bando, elemento decisivo do preenchimento da qualificativa, presente no tráfico, como no furto qualificado.
É certo que houve alguma organização, como o demonstra a aquisição de três embarcações, primeiro a H... R... que face à sua imprestabilidade, apesar das reparações de que beneficiou, foi colocada à venda – factos provados 7 a 12 - avançando depois para a aquisição da I... C... – factos 13 a 17 - e da C... F... – factos 18 a 27 – para além da aquisição do camião - facto 28 – e a arregimentação de condutor, batedores, vigilantes e meios de comunicação (telemóveis).
A aquisição de três barcos, feita por quem alegadamente se dedicava a vender automóveis e certamente não estaria a pensar em dedicar-se à pesca, apresenta-se como um sintoma de plano para execução futura, mas este elemento só por si não basta.
Como reconheceu a primeira instância, que beneficiou da imediação (fls. 8279), quer o arguido DD, quer o arguido EE, tinham os seus próprios “homens”, que não se conheciam entre si. O arguido FF só conhecia o EE, embora sabendo que existiam outros, e o arguido GG só contactava com o arguido DD.
Por seu turno, o acórdão recorrido, a fls. 9422, reconhece que não havia um sentido comum de ligação por parte dos membros, cada um estando conexionado com outro ou outros, mas não se mostrou provada uma ligação ao grupo “de per si”.
Não se conhecendo todos os arguidos entre si, não havendo o conhecimento por todos da actividade de cada um, não pode haver conluio em torno de um propósito colectivo, grupal, falhando o sentimento de comunhão de fins e a vontade de pertença a uma pluralidade inorgânica diversa das individualidades de cada um.
Sendo assim, é de desconsiderar a qualificação, não podendo as referências a actividades anteriores, sem um mínimo de concretização, suportar tal subsunção.
Aliás, diga-se, que a imprestabilidade dos factos genéricos é total e absoluta, não servindo, não podendo ser considerados para efeitos de incriminação, como elementos integradores de circunstância modificativa agravante, mas também, exactamente pelas mesmas razões, a actividade pretérita em nada concretizada não poderá intervir como factos no doseamento das penas, ser levada em conta em sede de medida da pena, dentro dos critérios do artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, como defende o recorrente FF na conclusão 8.ª.
Concluindo: é de afastar a qualificativa da alínea j) do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, operando-se a convolação para o crime base do artigo 21.º, do mesmo Decreto-Lei, assim procedendo todos os recursos neste segmento de pretendida requalificação no que respeita ao tráfico.

Questão VII – Co-autoria/Cumplicidade

Trata-se de questão colocada pelo recorrente DD na conclusão 8.ª, alínea l), § 2.º, a fls. 9509, ao referir “O bando, constitui uma figura intermédia entre a co-autoria e a associação criminosa. E no caso presente admitimos apenas como possível a figura da cumplicidade e nunca do bando”, e igualmente pelo recorrente EE, na conclusão 32.ª, a fls. 9564, onde se repete ipsis verbis a afirmação anterior, incluída a vírgula colocada entre o sujeito e o predicado.
Estes recorrentes reeditam a questão já suscitada no anterior recurso, o DD na conclusão 47.ª e o EE na conclusão 54.ª.

O acórdão do Colectivo de Sesimbra, de fls. 8294 a 8296, já se debruçara sobre a questão, se bem que a propósito de outros dois arguidos, pela seguinte forma:
Poder-se-ia levantar a questão de saber se estes dois últimos arguidos –FF e GG – seriam co-autores ou meros cúmplices, como foi aventado na defesa do arguido FF.
Quanto a esta matéria há que ter em consideração que:
“Complicidad es el auxilio doloso a otro en su hecho antijurídico y dolosamente realizado (§ 27 I). El cómplice se limita a favorecer un hecho ajeno; participa tan poco en el domínio del hecho como el inductor; y el autor no necesita conocer siquiera el apoyo que se le presta (la denominada complicidad secreta). En dicho punto se diferencia la complicidad de la coautoría, puesto que esta requiere el domínio del hecho sobre la base de una resolución común de cometerlo (cfr. supra § 63 11 a). En cam­bio, para la teoria subjetiva la distinción solo radica en la "actitud interna y en la dirección de la voluntad de quien actua" (cfr. supra § 63 I l b).
(...) La autoria solo se alcanza en cualquier caso mediante la realización de propia mano y plenamente responsable de todos los elementos del tipo (cfr. supra § 61 V 2).” diz Hans-Heinrich Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, traduzido para o castelhano por José Luís Manzanares Samaniego, Editorial Comares, Granada, 1993, pág. 630.

I - Tanto o co-autor como o cúmplice são auxiliadores já que, cada um a seu jeito, ajuda ou concorre para a produção do resultado pretendido; por isso, colaborar não é privativo da actuação cúmplice.
II - Porém, enquanto o primeiro assume um papel de primeiro plano, dominando a acção, concebida e executada com o seu acordo - inicial ou subsequente, expresso ou tácito - o segundo (que não necessita sequer de conhecer a cooperação que presta ao autor), é, por assim dizer um interveniente acessório, secundário ou acidental: só intervém se o crime for executado ou tiver início de execução e, mesmo que não interviesse, sempre o feito seria levado a cabo; a sua intervenção, sendo, embora, concausa do concreto facto cometido, não é causal da acção e, por isso, trata-se de um auxiliator simplex ou causam non itens; de tal modo que pode conceber-se autoria sem cumplicidade, mas, não, esta, sem aquela.
III - A co-autoria supõe sempre um acordo realizado antes, durante, antes ou depois de se consumarem alguns actos de execução, mas nesta última hipótese, a co-autoria só pode referir-se àquela actividade que se praticou posteriormente ao acordo.
IV - É co-autora e não simples cúmplice, a arguida que, a partir de certa altura, passou a colaborar, prestando ajuda aos demais arguidos, "agindo todos deliberada, livre e conscientemente, conhecendo as características estupefacientes da heroina e cocaína transaccionadas e sabendo que a sua detenção, guarda, aquisição e venda eram proibidas por lei, numa prática diária que se prolongou por vários meses tal como era sua intenção, actuando em conjugação de esforços e identidade de fins e procedeu directamente ou através de terceiros para o efeito contratados, à venda de droga a um número de consumidores que não foi possível determinar com rigor mas seguramente superior a centenas (...) daí obtendo, como era seu propósito, lucros traduzidos em vários milhões de escudos de que foram os principais beneficiários". - Acórdão do STJ de 22/03/2001, in CJ, tomo I, pág. de 260:
Como supra foi referido estamos perante uma situação de um grupo, em que cada interveniente tinha as suas funções, o arguido GG a função de gerir e frota marítima, sendo que sem a mesma aquele transporte não poderia acontecer, e o arguido FF tinha por função efectuar as vigilâncias assegurando que o transporte se fazia sem constrangimentos, função essencial para o transporte desta quantidade de estupefaciente. Cada uma sua maneira tinha as suas funções e importância no grupo, e tinham um domínio da acção, que não se faria, ou pelo menos não se faria da mesma forma sem a sua colaboração. Assim estamos perante uma situação de autoria deste crime e não de cumplicidade.
Ambos conheciam previamente à sua actuação que se tratava de tráfico de produtos estupefacientes e qual o papel que lhe cabia no grupo, e aceitou praticá-lo”.

A questão da qualificação jurídica da comparticipação dos ora quatro recorrentes foi abordada no acórdão ora recorrido e resolvida no sentido de atribuir nitidamente a co-autoria aos mesmos quatro recorrentes ao afirmar, para além do mais, a fls. 9421/2 que “no caso em análise, verifica-se que os arguidos DD, EE, FF e GG actuaram de forma concertada para conseguirem proceder ao transporte de haxixe de Marrocos para Portugal, e posteriormente para Espanha, o que levaram a cabo, durante o ano de 2008, por algumas vezes, uma das quais em 14-10-2008 e se preparavam para o fazer novamente.
Mais à frente, a fls. 9423, incidindo sobre pretensão de outro recorrente discorreu:
Em sétimo lugar, impõe-se salientar que a figura da cumplicidade, tal como se encontra estabelecida no Art.º 27º do C.P.Penal, pressupõe a acessoriedade da conduta, a colocação fora do acto típico, a mera ajuda/auxílio à execução, circunstâncias que não estão presentes, dessa forma mitigada, nos autos, maxime no que se reporta ao arguido BBB.
É que, inquestionavelmente, tal recorrente fazia o acompanhamento do transporte do haxixe que foi apreendido.
Daí que, mais nada se possa concluir senão que o mesmo exercia, nesta vertente, o domínio do facto criminoso, dado que, assim, procedia à respectiva execução numa das suas etapas, num expressivo quadro de divisão de tarefas, revelando-se o seu contributo essencial para a verificação do desiderato final.
Nestes termos, ao contrário do sustentado, não merece qualquer censura a sua punição como autor material do crime de tráfico de estupefacientes, ao abrigo do disposto no Art.º 26º do predito Código.
Sendo que, por conseguinte, não se revela aplicável, in casu, o previsto no Art.º 73º, n.º 1, alíneas a) e b) do mesmo diploma de direito substantivo penal.”.

Analisando.

Os referidos recorrentes suscitam de novo a questão da comparticipação, defendendo que o seu comportamento se enquadra na figura jurídica de cúmplice e não de co-autores.
Estabelece o artigo 26.º do Código Penal: «É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução».
Dispõe o artigo 27.º, n.º 1, do mesmo Código: É punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso.

Os casos de comparticipação só são configuráveis mediante acordo prévio dos comparticipantes, que traçando um plano criminoso, visam pô-lo em prática.
O co-autor executa o facto, toma parte directa na sua realização, por acordo ou juntamente com outro ou outros, ou determina outrem à prática do mesmo.
A co-autoria é a execução colectiva do facto, comunitária, em que cada comparticipante quer causar o resultado como próprio, mas com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas
Na comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria são essenciais dois requisitos: uma decisão conjunta, tendo em vista a obtenção de um determinado resultado, e uma execução igualmente conjunta.
Exige-se, assim, um elemento subjectivo e um outro objectivo.
O primeiro exige uma decisão conjunta, podendo consistir num acordo, expresso ou tácito, ou, pelo menos, uma consciência de colaboração com carácter bilateral.
O elemento objectivo consiste na participação na execução do facto criminoso, conjuntamente com outro ou outros, num exercício conjunto do domínio do facto, ou numa contribuição objectiva para a consumação do tipo legal visado.
Decidiu o acórdão do STJ de 11-03-1998, processo n.º 1133/97-3.ª, CJSTJ 1998, tomo 1, pág. 220, versando caso de tráfico de estupefacientes, que “a componente subjectiva basta-se com o simples acordo tácito, com a simples consciência bilateral, reputado ao facto global, com o conhecimento pelos agentes da recíproca cooperação”, não se exigindo que os co-autores se conheçam entre si, na medida em que cada um esteja consciente de que junto a ele vai estar outro (ou outros) e estes se achem imbuídos da mesma ideia.
No que respeita à execução propriamente dita, não é indispensável nem necessário que cada um dos agentes cometa integralmente o facto punível, que execute todos os factos correspondentes ao preceito incriminador, que intervenha em todos os actos a praticar para obtenção do resultado pretendido, bastando que a actuação de cada um, embora parcial, seja elemento componente do todo e indispensável à produção do resultado – acórdãos do STJ, de 18-07-1984, processo n.º 37420, BMJ n.º 339, pág. 276; de 14-11-1984, BMJ n.º 341, pág. 202; de 23-04-1987, Tribuna da Justiça, n.º 29, pág. 29; de 15-02-1995, processo n.º 44846, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 205 (212); de 22-02-1995, processo n.º 47103, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 221 (versando caso de crime autónomo –sequestro – cometido durante a execução do plano - de roubo); de 14-06-1995, CJSTJ 1995, tomo 2, pág. 130; de 27-09-1995, CJSTJ 1995, tomo 3, pág. 197; de 12-07-2000, processo n.º 274/00-3.ª, CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 239; de 11-04-2002, processo n.º 485/02-5.ª; de 24-10-2002, processo n.º 3211/02-5.ª; de 6-10-2004 processo n.º 1875/04-3.ª (há que distinguir acordo e execução conjunta; enquanto o acordo conjunto representa o elemento subjectivo da co-autoria, a execução conjunta representa o seu elemento objectivo); de 12-07-2005, processo n.º 2315/05-5.ª; de 03-11-2005, processo n.º 2938/05-5.ª, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 193 (a contribuição objectiva exigida consiste na prática de actos de execução do crime, na sua realização típica); de 7-12-2005, processo n.º 2945/05-3.ª, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 224 (o co-autor age com e através do outro; são de imputar a cada co-autor, como próprios, os contributos do outro para o facto, como se ele próprio os tivesse prestado); de 14-02-2007, processo n.º 4339/06-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 1, pág. 191 (o agente do crime - tráfico - responde pela co-autoria dos factos por si executados ou juntamente com outro, pelos factos que executou por intermédio deste e ainda pelos que este levou a cabo, por ele determinado, na execução de um acordo e objectivo comuns); de 02-05-2007, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 174 (haverá co-autoria sempre que haja uma decisão conjunta e uma execução igualmente conjunta, ainda que cada um dos agentes desempenhe tarefas distintas); de 03-10-2007, processo n.º 2576/07-3.ª, CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 198; de 10-01-2008, processo n.º 4277/07-5.ª, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 183 (verifica-se a co-autoria quando cada comparticipante quer o resultado como próprio com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas, bastando um acordo tácito assente na existência da consciência e vontade de colaboração, aferidas aquelas à luz das regras de experiência comum); de 18-06-2008, processo n.º 1971/08-3.ª (essencial à co-autoria é um acordo respeitante à execução do plano, que tanto pode ser de extrema simplicidade, como altamente complexo, abrangendo sempre uma divisão de trabalho, uma repartição de tarefas entre co-autores, que se atribuem e aceitam prestar, destinadas ao plano comum).
Para Hans - Heinrich Jesheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, tradução de S. Mir Puig e F. Muñoz Conde, edição Bosch 1981, volume II, pág. 962, a cumplicidade é a cooperação dolosa com outro na realização de um seu (dele) facto antijurídico dolosamente cometido. O cúmplice limita-se a favorecer um facto alheio, não toma parte no domínio do facto; o autor não necessita sequer conhecer a cooperação que lhe presta (a chamada cumplicidade oculta).
Neste ponto se distingue a cumplicidade da co-autoria, posto que esta requer o domínio funcional do facto sobre a base de um acordo comum.
A cumplicidade requer uma vinculação entre o facto principal e a acção do cúmplice.
Germano Marques da Silva, in Direito Penal Português, Verbo, 1998, volume II, pág. 279, explicita “A linha divisória entre autores e cúmplices está em que a lei considera como autores os que realizam a acção típica, directa ou indirectamente, isto é, pessoalmente ou através de terceiros (dão-lhe causa) e com o cúmplices aqueles que não realizando a acção típica nem lhe dando causa ajudam os autores a praticá-la”.
E a fls. 280, refere que na comparticipação criminosa, de que a cumplicidade é um dos modos, “cada comparticipante responde pelo mesmo facto típico, porque todos os comparticipantes concorrem para a prática do mesmo facto. O modo de cooperação é que é diverso; o objecto a que se dirige a cooperação de todos é o mesmo: o facto, o crime”.
A fls. 291/2 afirma que a cumplicidade é uma forma de participação secundária na comparticipação criminosa, secundária num duplo sentido: de dependência da execução do crime ou começo de execução e de menor gravidade objectiva, na medida em que não é determinante da prática do crime que seria sempre realizado, embora eventualmente em modo, tempo, lugar ou circunstâncias diversas.
Traduz-se “num mero auxílio, não sendo determinante da vontade dos autores nem participa da execução do crime, mas é sempre auxílio à prática do crime e nessa medida contribui para a prática do crime, é uma concausa do crime”.
Cavaleiro Ferreira, Lições de Direito Penal, Verbo, 1987, Volume I, pág. 335, distingue entre uma participação mais grave, a participação principal (autoria) e uma participação secundária que o Código Penal designa por cumplicidade.
E a fls. 352, expende: A gravidade das formas de participação não assenta exclusivamente em elementos subjectivos baseados na intenção dos participantes (animus auctoris e animus socii), porque a distinção entre autoria e cumplicidade deriva fundamentalmente da gravidade do facto cometido por cada comparticipante no contexto da comparticipação. E é essa diferente gravidade que origina a diferenciação entre participes que são autores (participação principal) e participantes que são cúmplices (participação secundária).
Esclarece que denomina-se a cumplicidade participação secundária para acentuar a sua menor gravidade objectiva.
Faria Costa, em Formas do Crime, Jornadas de Direito Criminal, Fase I, CEJ 1983, pág 174, salienta que a primeira ideia que ressalta do preceito (artigo 27º do C. Penal) é a de que a cumplicidade experimenta uma subalternização relativamente à autoria, estando-se face a actividade que se fica pelo auxílio, perante uma causalidade não essencial. A infracção sempre seria praticada, só que o seria em outro tempo, lugar ou circunstância.
Como se pode ler no acórdão do STJ de 10-12-1997, processo n.º 916/97, BMJ 472, 116, “A definição da cumplicidade do artigo 27º do Código Penal contém a cláusula geral «por qualquer forma», que permite que o seu conteúdo seja o mais compreensível possível. Como acontece em outras legislações europeias, o legislador renunciou aqui a descrever em pormenor as diversas formas possíveis da cumplicidade, limitando-se a uma definição geral – o cúmplice presta assistência, mas pouco importa como esta é fornecida. E desta forma são as circunstâncias de cada caso concreto que constituem o critério decisivo da configuração da figura. Deste modo deixou-se ao julgador um largo poder de apreciação, no sentido de lhe permitir, em cada caso, um juízo conforme a realidade das coisas”.
A jurisprudência tem procurado estabelecer as diferenças entre co-autoria e cumplicidade, como se vê dos seguintes acórdãos:
- de 22-03-2001, processo n.º 473/01-5.ª, CJSTJ 2001, tomo 1, pág. 260, tanto co-autor como cúmplice são auxiliatores; cada um a seu jeito, ajuda ou concorre para a produção do feito. Mas enquanto o primeiro assume um papel de primeiro plano, dominando a acção (já que esta é concebida e executada com o seu acordo – inicial ou subsequente, expresso ou tácito – e contribuição efectiva), o segundo é um interveniente secundário ou acidental: só intervém se o crime for executado ou tiver início de execução e, além disso, mesmo que não interviesse, aquele sempre teria lugar, porventura em circunstâncias algo distintas. A sua intervenção sendo, embora, concausa do concreto crime levado a cabo, não é causal da existência da acção, no sentido de que, sem ela, apesar de tudo, o facto sempre teria lugar, porventura em circunstâncias algo diversas. É neste sentido, um auxiliator simplex ou causam non dans; de tal modo que pode conceber-se autoria sem cumplicidade, mas não, esta sem aquela, o que mostra o carácter acessório da figura;
- de 31-03-2004, processo n.º 136/04-3.ª, CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 239: A cumplicidade pressupõe um apoio doloso a outra pessoa no facto anti jurídico doloso cometido por esta, não há na cumplicidade domínio material do facto, pois o cúmplice limita-se a favorecer a prática do facto;
- de 21-10-2004, processo n.º 3205/04-5.ª, CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 202 «É co-autor e não simples cúmplice de um crime de tráfico de estupefacientes o co-arguido que, no exterior (fora da cadeia), recebeu, guardou e posteriormente transportou num percurso de mais de 100 Km, cerca de meio quilo de heroína, em conjugação de esforços com outro co-arguido que, a partir do estabelecimento prisional onde se encontrava detido, monta uma operação de tráfico de estupefacientes, na qual contou com a colaboração de outras pessoas».
Podem ver-se ainda, i. a., os acórdãos de 18-07-1984, processo n.º 37469, BMJ n.º 339, pág. 297 (a essencialidade (causam dans), na determinação do agir, afasta irremediavelmente a cumplicidade); de 01-02-1989, BMJ n.º 384, pág. 371; de 09-02-1994, processo n.º 45166, CJSTJ 1994, tomo 1, pág. 223 (versando caso de tráfico de estupefacientes); de 11-04-1996, CJSTJ 1996, tomo 1, pág. 240 (versando caso de tráfico de estupefacientes e citando os acórdãos de 15-07-1992, processo n.º 42889 e de 23-02-1994, processo n.º 45710); de 09-05-2001, processo n.º 772/01-3.ª, CJSTJ 2001, tomo 2, pág. 187; de 06-12-2001, processo n.º 3160/01-5.ª, CJSTJ 2001, tomo 3, pág. 227 (em caso de roubo com homicídio, fazendo recensão de posições doutrinárias sobre a distinção das figuras); de 22-11-2006, processo n.º 3182/06-3.ª, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 230; de 22-03-2007, processo n.º 4808/06-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 1, pág. 226 (maxime, 231); de 10-10-2007, processo n.º 2684/07-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 484/09-3.ª.

Revertendo ao caso concreto.

A matéria de facto provada indica com exuberância que os arguidos DD e EE tiveram o domínio do facto, até porque presentes nos preliminares da expedição a Marrocos e desembarque da I... C... em 14 de Outubro de 2008.
Atendendo à única provada acção levada a cabo, é evidente que tinha de estar presente um projecto que necessariamente não passava pela actividade de apenas um indivíduo, antes convocava a necessidade de congregação de outras achegas imprescindíveis, quer materiais, quer humanas.
Mesmo fora dos quadros de uma associação criminosa ou sem chegar ao patamar de configuração de um bando, havia um grupo com uma estrutura organizativa de alguma envergadura, com algum grau de desenvolvimento, que atendendo ao local de abastecimento do haxixe e necessidade de transporte por via marítima, passava pela aquisição de embarcação, escolha de quem capitaneasse a operação, de quem seguiria viagem, igualmente de aquisição de um camião para efectuar o transporte subsequente, de contratação de quem o conduzisse, de pessoal que assegurasse que à chegada do barco tudo correria de feição e que não ocorreriam surpresas, arregimentação de mais pessoal que efectuasse o descarregamento, que tinha de ser rápido, o aprovisionamento do camião com bidões de gasóleo para evitar abastecimentos em viagem.
Assim, quanto ao arguido DD é claro o que consta dos pontos de facto provados sob os n.ºs 8, 9, 10, 28 (aquisição do camião), 30, 31, 33, 42, 43 e 46 e quanto ao EE o que se contém nos pontos de factos provados n.ºs 31, 32, 33, 34, 41 e 45, donde se retira que sempre estiveram por dentro dos acontecimentos e determinaram o devir dos mesmos, não se tratando de meros auxiliares.
Improcede o recurso nesta parte.

Questão VIII - Medida da pena relativa ao tráfico

O tráfico de estupefacientes é um crime de consequências gravíssimas para a sociedade e por isso, o legislador o sancionou com penas pesadas.
Com o desaparecimento do crime de tráfico agravado, passando a ter de considerar-se a prática de um crime de tráfico de estupefacientes simples, p. p. pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, importa considerar a penalidade a aplicar aos recorrentes pelo “novo” crime.
O crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, é punível com uma pena de prisão de 4 a 12 anos.
Trata-se de crime que cada vez prolifera mais, quer no âmbito nacional, quer a nível internacional, de efeitos terríveis na sociedade e que permite auferir, para os “donos do negócio” enormes proventos ilícitos, sendo, pois, imperioso e urgente, combatê-lo.
Isto mesmo era expressamente referido no preâmbulo da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988, adoptada em Viena, na conferência realizada entre 25 de Novembro e 20 de Dezembro desse ano, que “sucedeu” a outros instrumentos, por onde passam as orientações políticas prosseguidas ao nível da União Europeia, como a Convenção Única sobre Estupefacientes de 1961, concluída em Nova Iorque, em 31 de Março de 1961 (Convenção Única sobre Entorpecentes, reconhecendo que «a toxicomania é um grave mal para o indivíduo e constitui um perigo social e económico para a humanidade», e a necessidade de uma actuação conjunta e universal, exigindo uma cooperação internacional), aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 435/70, de 12/09, publicado no BMJ n.º 200, págs. 348 e ss. e ratificada em 30-12-1971, modificada pelo Protocolo de 1972, e a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971, feita em Viena, em 21 de Fevereiro de 1971, aprovada para adesão pelo Decreto n.º 10/79, de 30-01 e ratificada por Portugal, em 24 de Abril de 1979, estando em causa nestas convenções assegurar o controlo de um mercado lícito de drogas.
É a partir desta Convenção que surgirá o Decreto-Lei n.º 430/83, de 13-12.
Com a referida Convenção de 1988, aprovada na sequência do despacho do Ministro da Justiça n.º 132/90, de 5-12-1990, publicado no DR, II Série, n.º 7, de 09-01, pela Resolução da Assembleia da República n.º 29/91 e Decreto do Presidente da República n.º 45/91, publicados no Diário da República, de 6 de Setembro de 1991, pretende-se controlar o acesso aos chamados «precursores», colmatar as lacunas das convenções anteriores e, sobretudo, reforçar o combate ao tráfico ilícito e ao branqueamento de capitais, sendo a razão determinante do Decreto - Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Aí se pode ler que … o tráfico ilícito de estupefacientes … representa(m) uma grave ameaça para a saúde e bem estar dos indivíduos e provoca(m) efeitos nocivos nas bases económicas, culturais e políticas da sociedade; preocupadas … com o crescente efeito devastador do tráfico ilícito de estupefacientes …nos diversos grupos sociais …; reconhecendo a relação existente entre o tráfico ilícito e outras actividades criminosas com ele conexas que minam as bases de uma economia legítima e ameaçam a estabilidade, a segurança e a soberania dos Estados; reconhecendo igualmente que o tráfico ilícito é uma actividade criminosa internacional cuja eliminação exige uma atenção urgente e a maior prioridade; conscientes de que o tráfico ilícito é fonte de rendimentos e fortunas consideráveis que permitem à organizações criminosas transnacionais invadir, contaminar e corromper as estruturas do Estado, as actividades comerciais e financeiras legítimas a todos os seus níveis; decididas a privar as pessoas que se dedicam ao tráfico dos produtos das suas actividades criminosas e a eliminar, assim o seu principal incentivo para tal actividade; desejando eliminar … os enormes lucros resultantes do tráfico ilícito; … reconhecendo que a erradicação do tráfico ilícito é da responsabilidade colectiva de todos os Estados e que nesse sentido é necessária uma acção coordenada no âmbito da cooperação internacional; … reconhecendo igualmente que é necessário reforçar e intensificar os meios jurídicos eficazes de cooperação internacional em matéria penal para eliminar as actividades criminosas internacionais de tráfico ilícito; …”.
Trata-se, pois, de um problema universal que, obviamente, atinge também o nosso País.
No plano interno, releva neste domínio a Estratégia Nacional de Luta contra a Droga, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 46/99, de 22 de Abril de 1999, publicada in Diário da República, I Série - B, n.º 122/99, de 26 de Maio, e em edição da «Presidência do Conselho de Ministros – Programa de Prevenção da Toxicodependência – Projecto Vida», com o depósito legal 140101/99 e com prefácio do então Ministro Adjunto do Primeiro Ministro.
Partindo do reconhecimento da dimensão planetária do problema da droga, que em termos de tratamento jurídico a nível internacional data desde 1912, com a Convenção da Haia, ou Convenção Internacional sobre o Ópio, elaborada na sequência da primeira conferência internacional sobre drogas ocorrida em Xangai, em 1909, assentando em oito princípios estruturantes, a saber: 1 – Princípio da cooperação internacional; 2 – Princípio da prevenção; 3 – Princípio humanista; 4 – Princípio do pragmatismo; 5 – Princípio da segurança; 6 - Princípio da coordenação e da racionalização de meios; 7 - Princípio da subsidiariedade; e 8 - Princípio da participação, sublinhando a estratégia da cooperação internacional, estabeleceu o documento como um dos seus objectivos principais o reforço do combate ao tráfico, como opção estratégica fundamental para o nosso País, a partir de seis objectivos gerais e de treze opções estratégicas individualizadas – cfr. págs. 45 a 47 da referida edição.
A produção, tráfego e consumo de certas substâncias consideradas como prejudiciais à saúde física e moral dos indivíduos passou a ser punida após a publicação do Decreto n.º 12210, de 24 de Agosto de 1926.
A este diploma, seguiram-se os Decretos-Lei n.º 420/70, de 3 de Setembro, n.º 430/83, de 13 de Dezembro e n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
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Dentro da moldura cabível no caso concreto funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, designadamente:
- O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
- A intensidade do dolo ou da negligência;
- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
- As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
- A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

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No domínio da versão originária do Código Penal de 1982, alguma jurisprudência, dizendo basear-se em posição do Professor Eduardo Correia (Actas das Sessões, pág. 20), segundo a qual o procedimento normal e correcto dos juízes na determinação da pena concreta, em face do novo Código, seria o de utilizar, como ponto de partida, a média entre os limites mínimo e máximo da pena correspondente, em abstracto, ao crime, adoptou tal orientação, considerando-se em seguida as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depusessem a favor do agente ou contra ele, sendo exemplos de tal posição os acórdãos de 13-07-1983, BMJ n.º 329, pág. 396; de 15-02-1984, BMJ n.º 334, pág. 274; de 26-04-1984, BMJ n.º 336, pág. 331; de 19-12-1984, BMJ n.º 342, pág. 233; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 19-12-1994, BMJ n.º 342, pág. 233; de 10-01-1987, processo n.º 38627 – 3.ª, Tribuna da Justiça, n.º 26; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 11-05-1988, processo n.º 39401 – 3.ª, Tribuna da Justiça, n.ºs 41/42.
Manifestou-se contra esta interpretação Figueiredo Dias em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, § 277, págs. 210/211.
A refutação de tal critério foi feita por Carmona da Mota, in Tribuna da Justiça, n.º 6, Junho 1985, págs. 8/9 e Alfredo Gaspar, em anotação ao acórdão de 02-05-1985, in Tribuna da Justiça, n.º 7, págs. 11 e 13, dando-se conta, em ambos os casos, de que o primeiro aresto em que se verificou uma inflexão na jurisprudência foi o acórdão da Relação de Coimbra de 09-11-1983, in Colectânea de Jurisprudência 1983, tomo 5, pág. 73.
Posteriormente, e ainda antes de 1995, partindo da ideia de que a culpa é a medida que a pena não pode ultrapassar nem mesmo lançando apelo às necessidades de prevenção, mesmo que acentuadas, começou a considerar-se não ser correcto partir-se dum ponto médio dos limites da moldura penal para a agravação ou atenuação consoante o peso relativo das respectivas circunstâncias, como vinha sendo entendido, salientando-se que a determinação da medida da pena não depende de critérios aritméticos. Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16-12-1986, BMJ n.º 362, pág. 359; de 25-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 255; de 22-02-1989, BMJ n.º 384, pág. 552; de 09-06-1993, BMJ n.º 428, pág. 284; de 22-06-1994, processo n.º 46701, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 255. E no acórdão de 27-02-1991, in A. J., n.º 15/16, pág. 9 (citado no acórdão de 15-02-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 216), decidiu-se que na fixação concreta da pena não deve partir-se da média entre os limites mínimo e máximo da pena abstracta. A determinação concreta há-de resultar de a adaptar a cada caso concreto, liberdade que o julgador deve usar com prudência e equilíbrio, dentro dos cânones jurisprudenciais e da experiência, no exercício do que verdadeiramente é a arte de julgar.
Anteriormente, não manifestando preocupações de adesão à pena média, pronunciaram-se, v. g., os acórdãos de 21-06-1989, BMJ n.º 388, pág. 245 e de 17-10-1991, BMJ n.º 410, pág. 360.
Hans Heinrich Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1194, diz: “o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena”.
Definindo o papel que cabe à culpa na determinação concreta da pena, nos termos da teoria da margem de liberdade (Claus Roxin, Culpabilidade y Prevención en Derecho Penal, págs. 94 -113) é ele o seguinte: a pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa), limites esses que são determinados em função da culpa do agente e aí intervindo dentro desses limites os outros fins das penas (as exigências da prevenção geral e da prevenção especial).

A partir de 1 de Outubro de 1995 foram alterados os dados do problema, passando a pena a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena.
A terceira alteração ao Código Penal operada pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro seguinte, proclamou a necessidade, proporcionalidade e adequação como princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental, introduzindo a inovação, com feição pragmática e utilitária, constante do artigo 40º, ao consagrar que a finalidade a prosseguir com as penas e medidas de segurança é «a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», ou seja, a reinserção social do agente do crime, o seu retorno ao tecido social lesado.
Com esta reformulação do Código Penal, como se explica no preâmbulo do diploma, não prescindiu o legislador de oferecer aos tribunais critérios seguros e objectivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa, dispondo o n.º 2 que «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa».
Em consonância com estes princípios dispõe o artigo 71.º, n.º 1, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”; o n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o n.º 3, que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, injunção com concretização adjectiva no artigo 375.º, n.º 1 do CPP, ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada. (Em sede de processo decisório, a regulamentação respeitante à determinação da pena tem tratamento autónomo relativamente à questão da determinação da culpabilidade, sendo esta tratada no artigo 368.º, e aquela prevista no artigo 369.º, com eventual apelo aos artigos 370.º e 371.º do CPP).

Figueiredo Dias, em Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, no tema Fundamento, Sentido e Finalidades da Pena Criminal, págs. 65 a 111, diz que o legislador de 1995 assumiu, precipitando no artigo 40.º do Código Penal, os princípios ínsitos no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, (princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso) e o percurso doutrinário, resumindo assim a teoria penal defendida:
1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial.
2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa.
3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.
4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.
No dizer de Fernanda Palma, in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, 1998, AAFDL, pág. 25 «a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial».
Américo Taipa de Carvalho, em Prevenção, Culpa e Pena, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 322, afirma resultar do actual artigo 40.º que o fundamento legitimador da aplicação de uma pena é a prevenção, geral e especial, e que a culpa do infractor apenas desempenha o (importante) papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite máximo da pena a aplicar por maiores que sejam as exigências sociais de prevenção.
Está subjacente ao artigo 40.º uma concepção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa.
Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão o juiz serve-se do critério global contido no referido artigo 71.º do Código Penal (preceito que a alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, deixou intocado, como de resto aconteceu com o citado artigo 40.º), estando vinculado aos módulos - critérios de escolha da pena constantes do preceito.
Como se refere no acórdão de 28-09-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 173, na dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71.º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.
O referido dever jurídico-substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo - total no caso dos tribunais de relação, limitado às «questões de direito» no caso do STJ, ou mesmo das relações quando se tenha renunciado ao recurso em matéria de facto – da decisão sobre a determinação da pena.
Estando a cognoscibilidade em recurso de revista limitada a matéria de direito, coloca-se a questão da controlabilidade da determinação da pena nesta sede.
Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, págs. 217/8, defende que a questão da determinação da espécie e da medida da sanção criminal redunda numa verdadeira questão de direito.
Segundo Maria João Antunes, em Consequências Jurídicas do Crime, Lições 2007-2008, págs. 19 e 20, no procedimento de determinação da pena trata-se de autêntica aplicação do direito – na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, por imposição do artigo 71.º, n.º 3, do CP. Consequentemente, há uma autonomização do processo de determinação da pena em sede processual penal (artigos 369.º, 370.º e 371.º do CPP) e a possibilidade de controlo da decisão sobre a determinação da pena em sede de recurso, ainda que este seja apenas de revista.
Figueiredo Dias em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, págs. 196/7, § 255, após dar conta de que se revela uma tendência para alargar os limites em que a questão da determinação da pena é susceptível de revista, afirma estarem todos de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Defende ainda estar plenamente sujeita a revista a questão do limite ou da moldura da culpa, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e relativamente à determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, esta será controlável no caso de violação das regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.
Ainda de acordo com o mesmo Professor, nas Lições ao 5.º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1998, págs. 279 e seguintes: «Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida (sentido estrito ou de «determinação concreta») da pena.
As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena».
Anabela Miranda Rodrigues em “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 147 e ss., como proposta de solução defende que a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e que será definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Adianta que “é o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – protecção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada - que justifica que se fale de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exacta, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (óptima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral”.
Apresenta três proposições em jeito de conclusões e da seguinte forma sintética:
“Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas”.
E finaliza, afirmando: “É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente”.

Uma síntese destas posições sobre os fins das penas foi feita no acórdão de 10-04-1996, processo n.º 12/96, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 168, nos seguintes termos: “O modelo de determinação da medida da pena no sistema jurídico-penal português comete à culpa a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, mas disso já cuidou, em primeira mão, o legislador, quando estabeleceu a moldura punitiva. Acontece, porém, que outras exigências concorrem naquele modelo: a prevenção geral (dita de integração) que tem por função fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite é dado, no máximo, pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e, no mínimo, fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Cabe à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro dessa função, rectius, moldura de prevenção que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares) de advertência ou de segurança”.
Ainda do mesmo relator, e a propósito de caso de tráfico de estupefacientes, diz-se no acórdão de 08-10-1997, processo n.º 356/97-3.ª, in Sumários de Acórdãos, Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, volume II, págs. 133/4: «As “exigências de prevenção” variam em função do tipo de criminalidade de que se trata. Na criminalidade relacionada com o tráfico de estupefacientes, com todo o seu cortejo de lesão de bens jurídicos muito relevantes, a carecerem de adequada protecção pelo direito penal - além do efeito propulsor de outras formas de criminalidade, nomeadamente contra as pessoas e contra o património, a que, a justo título, se tem chamado de “flagelo social” - são de considerar as particulares exigências de prevenção, tanto geral como especial».
Uma outra formulação, em síntese, na esteira de Figueiredo Dias, “As consequências jurídicas do crime 1993”, § 301 e ss., é a que consta dos acórdãos do STJ de 17-09-1997, processo n.º 624/97; de 01-10-1997, processo n.º 673/97; de 08-10-1997, processo n.º 874/97; de 15-10-1997, processo n.º 589/97, sendo os três últimos publicados in Sumários de Acórdãos do Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, Outubro de 1997, II volume, págs. 125, 134 e 145, e de 20-05-1998, processo n.º 370/98, este publicado na CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 205 e no BMJ n.º 477, pág. 124, todos da 3.ª Secção e do mesmo relator, nos seguintes termos: “A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.
Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime, e, em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal”. No sentido deste último segmento, ver do mesmo relator, os acórdãos de 08-10-1997, processo n.º 976/97 e de 17-12-1997, processo n.º 1186/97, in Sumários de Acórdãos, n.º 14, pág. 132 e n.º s 15/16, Novembro/Dezembro 1997, pág. 214.

A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”- cfr. acórdãos de 09-11-2000, processo n.º 2693/00-5.ª; de 23-11-2000, processo n.º 2766/00 – 5.ª; de 30-11-2000, processo n.º 2808/00-5.ª; de 28-06-2001, processos n.ºs 1674/01-5.ª, 1169/01-5.ª e 1552/01-5.ª; de 30-08-2001, processo n.º 2806/01-5.ª; de 15-11-2001, processo n.º 2622/01 – 5.ª; de 06-12-2001, processo n.º 3340/01-5.ª; de 17-01-2002, processo 2132/01-5.ª; de 09-05-2002, processo n.º 628/02-5.ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193; de 16-05-2002, processo n.º 585/02 – 5.ª; de 23-05-2002, processo n.º 1205/02 – 5.ª; de 26-09-2002, processo n.º 2360/02 – 5.ª; de 14-11-2002, processo n.º 3316/02 – 5.ª; de 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208; de 11-12-2003, processo n.º 3399/03 – 5.ª; de 04-03-2004, processo n.º 456/04 – 5.ª, in CJSTJ 2004, tomo1, pág. 220; de 11-11-2004, processo n.º 3182/04 – 5.ª; de 23-06-2005, processo n.º 2047/05 - 5.ª; de 12-07-2005, processo n.º 2521/05 – 5.ª; de 03-11-2005, processo n.º 2993/05 - 5ª; de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, págs. 229 e 235; de 29-03-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 225; de 15-11-2006, processo n.º 2555/06 – 3.ª; de 14-02-2007, processo n.º 249/07 – 3.ª; de 08-03-2007, processo n.º 4590/06 – 5.ª; de 12-04-2007, processo n.º 1228/07 – 5.ª; de 19-04-2007, processo n.º 445/07 – 5.ª; de 10-05-2007, processo n.º 1500/07 – 5.ª; de 14-06-2007, processo n.º 1580/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 220; de 04-07-2007, processo n.º 1775/07 – 3.ª; de 05-07-2007, processo n.º 1766/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 242; de 17-10-2007, processo n.º 3321/07 – 3.ª; de 10-01-2008, processo n.º 907/07 – 5.ª; de 16-01-2008, processo n.º 4571/07 – 3.ª; de 20-02-2008, processos n.ºs 4639/07 – 3.ª e 4832/07-3.ª; de 05-03-2008, processo n.º 437/08 – 3.ª; de 02-04-2008, processo n.º 4730/07 – 3.ª; de 03-04-2008, processo n.º 3228/07 – 5.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1491/07 – 5.ª e processo n.º 999/08-3.ª; de 17-04-2008, processos n.ºs 677/08 e 1013/08, ambos desta secção; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07 – 3.ª; de 21-05-2008, processos n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5.ª secção; de 29-05-2008, processo n.º 1001/08 – 5.ª; de 03-09-2008, no processo n.º 3982/07-3.ª; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08 – 3.ª; de 08-10-2008, nos processos n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3.ª secção; de 15-10-2008, processo n.º 1964/08 – 3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08-3.ª; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 484/09-3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8523/06.1TDLSB-3.ª; de 1-10-2009, processo n.º 185/06.2SULSB.L1.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 220/02.3GCSJM.P1.S1-3.ª; de 03-12-2009, processo n.º 136/08.0TBBGC.P1.S1-3.ª; de 28-04-2010, processo n.º 126/07.0PCPRT.S1-3.ª.

Na determinação da medida concreta da pena deve o Tribunal, em conformidade com o disposto no artigo 71.°, n.º 2, do Código Penal, atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, abstendo-se no entanto de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido.
O limite mínimo da pena a aplicar é assim determinado pelas razões de prevenção geral que no caso se façam sentir; o limite máximo pela culpa do agente revelada no facto; e servindo as razões de prevenção especial para encontrar, dentro daqueles limites, o quantum de pena a aplicar – cfr. Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Editorial Notícias, págs. 227 e ss..
Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem perder de vista a culpa do agente, ou como diz o acórdão de 22-09-2004, processo n.º 1636/04-3.ª, in ASTJ, n.º 83: “a pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível”.
Ou, como expressivamente se diz no acórdão deste STJ de 16-01-2008, processo n.º 4565/07 - 3.ª: «A norma do art. 40.º do CP condensa em três proposições fundamentais o programa político-criminal sobre a função e os fins das penas: a) protecção de bens jurídicos; b) a socialização do agente do crime; c) constituir a culpa o limite da pena mas não o seu fundamento.
O modelo do C P é de prevenção: a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do art. 40.º determina, por isso, que os critérios do art. 71.º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição.
O modelo de prevenção acolhido – porque de protecção de bens jurídicos – estabelece que a pena deve ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva, e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.
Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.»

Revertendo ao caso concreto.

Neste particular, ter-se-ão em conta as concretizações dos critérios legais estabelecidas pela decisão de primeira instância, que teve em vista os parâmetros legais a observar, e que recolheu os elementos necessários e suficientes para o efeito, expostos de fls. 8311 a 8320, e que mereceram a concordância do acórdão recorrido, conforme fls. 9424 a 9427.
Como é natural, essas decisões tiveram em conta, no que tange ao crime de tráfico, único que ora importa considerar, um cenário de facticidade provada mais ampla, por força da inclusão da referência a anteriores transportes, que suportava a agravação, e agora desconsiderado.
Como factor comum a todos os arguidos foi relevada na primeira instância e na Relação a presença de elevadas exigências de prevenção geral, que se fazem sentir neste tipo de criminalidade, a intensidade do grau de culpa, terem agido os arguidos com dolo directo, a quantidade do produto, elevadíssima, sendo também significativamente elevadas as necessidades de prevenção especial, dada a forma como os factos foram praticados, a ausência de arrependimento e a absoluta falta de consciencialização do desvalor jurídico-penal das suas condutas.
No presente caso face à decidida requalificação jurídico-criminal, a penalidade prevista é de 4 a 12 anos de prisão, o que terá impacto nas medidas concretas a atribuir a cada um dos recorrentes.
Sendo um dos fins da pena a tutela dos bens jurídicos nos termos do artigo 40.º do Código Penal, há que olhar ao bem jurídico em causa neste tipo de crime.
No que toca ao bem jurídico protegido, como é consabido, para além de estarmos perante um crime de perigo abstracto, noutra perspectiva, estamos face a um crime pluriofensivo.

Com efeito, o normativo incriminador do tráfico de estupefacientes tutela uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal - a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores - visando ainda a protecção da vida em sociedade, o bem-estar da sociedade, a saúde da comunidade (na medida em que o tráfico dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos), embora todos eles se possam reconduzir a um bem geral - a saúde pública - pressupondo apenas a perigosidade da acção para tais bens, não se exigindo a verificação concreta desse perigo - ver acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/91, de 06-11-1991, in DR, II Série, n.º 78, de 02-04-1992 e BMJ n.º 411, pág. 56 (seguido de perto pelo acórdão do TC n.º 441/94, de 07-06-1994, in DR, II Série, nº 249, de 27-10-1994), onde se afirma: “O escopo do legislador é evitar a degradação e a destruição de seres humanos, provocadas pelo consumo de estupefacientes, que o respectivo tráfico indiscutivelmente potencia” – cfr. ainda sobre o tema, a propósito do concurso - real - do crime de tráfico e de associação criminosa, seguindo o citado acórdão n.º 426/91, o acórdão do mesmo Tribunal, n.º 102/99, de 10-02-1999, processo n.º 1103/98-3.ª secção, publicado in DR, II Série, n.º 77, de 01-04-1999, pág. 4843 e no BMJ n.º 484, pág. 119.

Já no preâmbulo da supra referida Convenção Única de 1961 Sobre os Estupefacientes se referia a preocupação com a saúde física e moral da humanidade, reconhecendo a toxicomania como um grave mal para o indivíduo, constituindo um perigo social e económico para a humanidade.

No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 420/70, de 3 de Setembro, referia-se terem-se presentes os perigos que o consumo de estupefacientes comportava para a saúde física e moral dos indivíduos e a sua não rara interpenetração com fenómenos de delinquência.

E no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 430/83, de 13-12, que efectuou a adaptação do direito interno ao constante daquela Convenção de 1961 e da Convenção sobre as Substâncias Psicotrópicas de 1971, fazia-se referência a um relatório recente de um organismo especializado das Nações Unidas, onde se dizia: “A luta contra o abuso de drogas é antes de mais e sobretudo um combate contra a degradação e a destruição de seres humanos. A toxicomania priva ainda a sociedade do contributo que os consumidores de drogas poderiam trazer à comunidade de que fazem parte. O custo social e económico do abuso das drogas é, pois, exorbitante, em particular se se atentar nos crimes e violências que origina e na erosão de valores que provoca”.

E no mesmo exórdio assinalava-se ainda, que “Na verdade, também pelo lado do consumo, isto é, da prática cada vez mais frequente de delitos por consumidores de droga, se vem notando outro elo de ligação com a criminalidade em geral”.

Quanto ao modo de actuação dos recorrentes há a considerar que estamos perante uma actuação isolada, um único transporte de haxixe, que proveniente de Marrocos foi desembarcado no porto de Sesimbra no dia 14-10-2008.

No que respeita à natureza e qualidade do produto estupefaciente em causa, trata-se de haxixe, substância que se encontra prevista na Tabela I-C, anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93, sendo considerada droga leve.
Sendo certo que o Decreto-Lei n.º 15/93 não adere totalmente à distinção entre drogas duras e drogas leves, não deixa de no preâmbulo referir uma certa gradação de perigosidade das substâncias, dando um passo nesse sentido com o reordenamento em novas tabelas e daí extraindo efeitos no tocante às sanções, e de afirmar que “A gradação das penas aplicáveis ao tráfico, tendo em conta a real perigosidade das respectivas drogas afigura-se ser a posição mais compatível com a ideia de proporcionalidade”, havendo, pois, que atender à inserção de cada droga nas tabelas anexas, o que constitui indicativo da respectiva gradação, pois a organização e colocação nas tabelas segue, como princípio, o critério da sua periculosidade intrínseca e social.
Sobre a distinção entre drogas leves e duras refere a citada Estratégia Nacional de 1999, a págs. 88: «É hoje evidente que as drogas não são todas iguais nos seus efeitos para a saúde e nas consequências sociais do seu consumo (…), devendo ter-se em atenção o grau de perigosidade inerente ao consumo das diferentes drogas, sem prejuízo do reconhecimento e divulgação dos efeito nefastos de todas as drogas».
Será de atender ainda à elevadíssima quantidade de haxixe transportado – 6.358.635,911 gramas com grau de pureza de 5,1%, 5,4%, 9,2%, 8,1%, 9,9%, 6%, 9%, 8,6%, com os quais era possível preparar 10.264.226 doses individuais (ponto de facto provado n.º 47) - o que releva para aferição de uma visão global do facto, pela perigosidade que envolve.

O dolo dos arguidos recorrentes foi directo e intenso, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
As razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração - que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação ou mesmo reforço da norma jurídica violada, dando corpo à vertente da protecção de bens jurídicos, finalidade primeira da punição - são muito elevadas, fazendo-se especialmente sentir neste tipo de infracção, tendo em conta o bem jurídico violado no crime em questão – a saúde pública - e impostas pela frequência do fenómeno e do conhecido alarme social e insegurança que estes crimes em geral causam e das conhecidas consequências para a comunidade a nível de saúde pública e efeitos colaterais, justificando resposta punitiva firme.
Na verdade, há que ter em atenção as grandes necessidades de prevenção geral numa sociedade assolada pelo fenómeno do tráfico de droga, que a juzante gera outro tipo de criminalidade, mas inteiramente relacionada com esta, senão mesmo por ela determinada, pois é das leis do mercado que os bens têm um preço de aquisição e quando escasseia o meio para sua obtenção muitas poderão ser as formas de alcançar o necessário e imprescindível poder aquisitivo, em vista da satisfação das necessidades geradas pela toxicodependência e como é sabido uma dessas formas mais comum é a prática de roubos, havendo que dar satisfação ao sentimento de justiça da comunidade.
Neste segmento, em sede de prevenção, procura-se alcançar a neutralização dos efeitos negativos da prática do crime.
Como expende Figueiredo Dias em O sistema sancionatório do Direito Penal Português inserto em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, pág. 815, “A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida”.
Como se expressou o acórdão do STJ de 04-07-1996, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 225, com o recurso à prevenção geral procurou dar-se satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos.
As necessidades de prevenção especial avaliam-se em função da necessidade de prevenção de reincidência.
Como refere Américo Taipa de Carvalho, a propósito de prevenção da reincidência, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 325, trata-se de dissuasão necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir.
A ter em conta as condições pessoais e sócio-económicas dos arguidos, narradas nos pontos de factos provados n.º 95 (DD), n.º 96 (EE), n.º 97 (FF) e n.º 98 (GG).
No que tange a motivações das condutas tem-se por certo estar presente a obtenção de vantagem patrimonial de relevo.
A culpa é acentuada e revelada pelo modo de actuação, na preparação e realização de um transporte transnacional.

No que respeita a anteriores intersecções com o sistema de justiça, temos que de acordo com a matéria de facto provada não consta que o arguido EE tenha antecedentes criminais (fls. 8242), pese embora referências posteriores de sentido diverso vindas do 2.º Juízo de Olhão (fls. 8426 a 8432, 8434 e 8986), o arguido GG foi condenado por duas vezes, por ofensas corporais e condução em estado de embriaguez, em penas de multa, já extintas, e os arguidos DD e FF foram condenados em penas de prisão suspensas na execução, o primeiro por crime de burla qualificada e falsidade de declaração, tendo sido revogada a suspensão e o segundo por furto qualificado, estando já extintas.
Como bem assinala o acórdão recorrido, no que toca ao arguido EE, como militar da GNR, tinha o especial dever de respeito para com as leis que estava obrigado a fazer respeitar.
Face a todos estes factores, considerando que a aplicação de penas tem como primordial finalidade a de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico penal, não devendo ultrapassar o grau de culpa, continuando a estabelecer alguma diferença entre os graus de culpa dos arguidos DD e EE, por um lado, e por outro, dos arguidos FF e GG, entende-se como adequadas e proporcionais, as penas de 9 (nove) anos de prisão, para cada um dos arguidos DD e EE e de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses para os arguidos FF e GG.

Questão IX – Medida da pena conjunta

Havendo necessidade de refazer o cúmulo jurídico das penas aplicadas aos arguidos DD e FF, e procedendo ao mesmo, tendo em conta o disposto nos artigos 77.º e 78.º do Código Penal, estando-se perante uma moldura penal de concurso no que toca ao primeiro de nove anos a nove anos e oito meses de prisão, e quanto ao segundo de seis anos e seis meses a oito anos e dois meses, considerando a diversidade de bens jurídicos tutelados, a proximidade temporal das condutas em causa no que respeita ao arguido DD, e algum distanciamento no que respeita ao arguido FF quanto ao crime de detenção de arma, que teve lugar em 26 de Março de 2009, e o crime de coacção tentada, que ocorreu em Abril /Maio de 2009 (fls. 8282), a imagem global do facto, em cada um dos casos, tem-se por adequadas, equilibradas e proporcionais, as penas conjuntas de 9 anos e 4 meses de prisão para o arguido DD e de 7 anos de prisão para o arguido FF.

Questão X - Perda de bens

No acórdão recorrido, ao abrigo do disposto no artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, foram declarados perdidos a favor do Estado: o produto estupefaciente (haxixe); as embarcações H... R..., C... F..., I... C... e todos os objectos aí apreendidos; a viatura ...-GO-...; as viaturas automóveis apreendidas aos arguidos EE e DD; as chapas de matrícula da viatura ...-GP-...; a arma de fogo e munições, para além da bolsa em que a mesma se encontrava, pertencentes ao arguido FF; o GPS apreendido ao arguido DD; o dinheiro e os telemóveis apreendidos aos arguidos.
No final da motivação agora apresentada, a fls. 9512, o recorrente DD pede a restituição dos seus bens.
No recurso interposto para a Relação, os arguidos DD e EE apresentaram, respectivamente, de fls. 8592 a 8636 e de fls. 8660 a 8706, motivações e conclusões muito semelhantes, terminando com dedução de pedido que seria idêntico não fosse o caso do primeiro ter sido condenado pelo crime de falsificação, incluindo este ponto na formulação da pretensão final.
Ambos os arguidos terminam pedindo a revogação da decisão recorrida e substituição da mesma por outra na qual fossem ponderados todos os elementos probatórios que abonassem a seu favor, que demonstrassem a inexistência da prática do crime de falsificação (no caso do arguido DD) ou da prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado ou mesmo a actuação em bando, supletivamente pedindo a redução da pena imposta e suspensão da execução da mesma.
Em ponto algum das 64 (com a 61.ª em branco) conclusões apresentadas pelo arguido DD e nas 67 conclusões formuladas pelo arguido EE, bem como na formulação do pedido, surge qualquer referência à perda de bens ou restituição de bens apreendidos.
O mesmo se passa com as invocações feitas nas alíneas a) a i) do n.º 2 da motivação, onde se apresenta a súmula das pretensões recursivas traduzidas apenas na impugnação da matéria de facto, incorrecção da tipificação e medida da pena.
Sobre a perda de bens a Relação nada disse, não constando o tema da delimitação do objecto de recurso feita a fls. 9331, e não se pronunciou porque o problema não foi colocado, certo sendo que não vem arguida omissão de pronúncia quanto a tal ponto.
É certo que os recorrentes abordam a questão dos veículos automóveis – o arguido DD nas conclusões 23.ª, 24.ª, 25.ª, 27.ª e 34.ª e o EE nas conclusões 26.ª, 28.ª e 29.ª – mas fazem-no na perspectiva de afastar a incriminação pelo bando, como expressamente refere o arguido DD na conclusão 33.ª para afastar a imputação e a condenação pelo crime de tráfico agravado.
Sendo assim, o presente pedido constitui uma questão nova, não colocada ao Tribunal da Relação.
Os recorrentes no anterior recurso não colocaram qualquer questão relativa a perda de bens, não pugnando pela sua restituição, tratando-se, pois, de questão absolutamente nova.
Suscitando o recorrente DD pela primeira vez, aqui e agora, este pedido, sem dúvida estamos face a uma questão nova, que corresponde à colocação de um problema novo, em primeira mão, que não expôs no primeiro recurso, que não propôs à consideração do Tribunal da Relação.
Os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu.
Sendo os recursos meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais e não meio de obter decisões novas, não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido.
Constitui jurisprudência uniforme a de que os recursos se destinam a reexaminar decisões proferidas por jurisdição inferior, visando apenas apurar a adequação e legalidade das decisões sob recurso, e não a obter decisões sobre questões novas, não colocadas perante aquelas jurisdições.
O Tribunal Superior, visando apenas a reapreciação de questões colocadas anteriormente e não a apreciação de outras novas, não pode conhecer de argumentos ou fundamentos que não foram presentes ao tribunal de que se recorre – neste sentido, vejam-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 27-07-1965, BMJ n.º 149, pág. 297; de 26-03-1985, BMJ n.º 345, pág. 362; de 12-07-1989, BMJ n.º 389, pág. 510; de 09-03-1994, processo n.º 43402; de 02-12-1998, BMJ n.º 482, pág. 150; de 01-03-2000, processo n.º 43/00, SASTJ, n.º 39, pág. 55; de 05-04-2000, processo n.º 160/00; de 06-06-2001, processo n.º 1874/02-5.ª (não pode o STJ conhecer em recurso trazido da Relação de questões não colocadas perante este Tribunal Superior, mesmo que resolvidas na decisão da 1.ª instância); de 28-06-2001, processo n.º 1293/01-5.ª; de 26-09-2001, processo n.º 1287/01-3.ª; de 16-01-2002, processo n.º 3649/01-3.ª; de 22-10-2003, processo n.º 2446/03-3.ª, SASTJ, n.º 74, pág. 147; de 30-10-2003, processo n.º 3281/03-5.ª (os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a obter decisões ex novo sobre questões não colocadas ao tribunal a quo, mas sim a obter o reexame das decisões tomadas sobre pontos questionados, procurando obter o cumprimento da lei); de 06-05-2004, processo n.º 1589/04-5.ª; de 27-05-2004, processo n.º 766/04-5.ª, in CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 209; de 20-07-2006, processo n.º 2316/06-3.ª; de 02-05-2007, processo n.º 1238/07-3.ª; de 10-10-2007, processo n.º 3634/07-3.ª; de 17-10-2007, processo n.º 3878/07-3.ª; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07-3.ª; de 12-06-2008, processo n.º 4375/08-3.ª; de 22-10-2008, processo n.º 215/08-3.ª; de 11-02-2009, processo n.º 4132/08-3.ª; de 25-02-2009, processo n.º 101/09-3.ª; de 25-03-2009, processo n.º 308/09-3.ª; de 29-04-2009, processo n.º 607/09-3.ª; de 07-05-2009, processo n.º 352/02.8TAETR-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 484/09-3.ª; de 07-07-2009, processo n.º 1145/05.6TAMAI.C1.S1-3.ª; de 23-09-2009, processo n.º 259/06.0JAIAR.S1-3.ª (a apreciação de questão nova suscitada na resposta ao abrigo do art. 417.º, n.º 2 do CPP, não cabe em sede de revista); de 23-09-2009, processo n.º 5953/03.4TDLSB.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 397/03.0GEBNV.S1-3.ª; de 10-03-2010, processo n.º 343/09.8PBMTS.P1-A.S1-3.ª (Constituindo o recurso o mecanismo processual que permite a reapreciação (revisão), em outra instância (duplo grau de jurisdição), de decisões expressas sobre matérias e questões já decididas no Tribunal de que se recorre, nele não podem ser suscitadas questões novas que não tenham sido objecto de decisão pelo Tribunal a quo); de 25-03-2010, processo n.º 76/10.2YRLSB.S1-3.ª; de 15-09-2010, processo n.º 322/05.4TAEVR.E1.S1-3.ª e de 13-04-2011, processo n.º 918/09.5JAPRT.S1-3.ª.
Pelo exposto, não será de considerar o pedido de restituição.


Nota – Transitado que seja este acórdão no que respeita ao arguido EE, deverá comunicar-se o facto ao processo n.º 911/10.5TBOLH, do 2.º Juízo Criminal de Olhão – cfr. fls. 8425 a 8432 e 8434 do 29.º volume e fls. 8986, do 31.º volume.

Decisão

Pelo exposto, acordam nesta 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, na apreciação dos recursos interpostos pelos arguidos DD, FF, EE e GG, em:
1 - Rejeitar o recurso interposto pelo arguido DD, por inadmissibilidade, no que respeita ao crime de falsificação de documento;
2 - Rejeitar os recursos interpostos pelos recorrentes DD, EE e GG nas partes em que se limitam a manifestar discordância em relação à matéria de facto dada por provada, seja através da invocação de vícios decisórios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, enquanto fundamentos de recurso, seja de erro julgamento e ainda de alegada violação do princípio in dubio pro reo;
3 - Julgar improcedente a arguição de nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, suscitada pelo recorrente GG;
4 - Julgar improcedentes as arguições de nulidade por alegada alteração substancial de factos, suscitadas pelos recorrentes DD e EE;
5 - Julgar procedentes todos os recursos, no que respeita à pretendida requalificação jurídica, alterando a qualificação jurídica, e absolvendo os recorrentes do crime de tráfico agravado, convolando para a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. p. pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93
6 - Em consequência, no que respeita às medidas das penas, julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos pelos arguidos, alterando-se em consequência, o acórdão recorrido, no que tange apenas às medidas das penas aplicadas pelo crime de tráfico de estupefacientes e da pena única, e, assim,
6. 1 - Condenam-se os arguidos DD, EE, FF e GG, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. p. pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, nas penas parcelares, de nove anos de prisão para os dois primeiros, e de seis anos e seis meses de prisão para os restantes;
7 - Efectuado o cúmulo jurídico das penas, são os arguidos DD e FF condenados nas penas conjuntas de 9 (nove) anos e 4 (quatro) meses e 7 (sete) anos de prisão.
8 – Manter a declaração de perda de bens a favor do Estado.
Sem custas.
Nos termos do artigo 420.º, n.º 3, do CPP, os recorrentes DD, EE e GG pagarão a importância de quatro UC (unidades de conta).

Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do CPP.



Lisboa, 15 de Dezembro de 2011



Raul Borges (relator)

Henriques Gaspar