ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
121/1999.L1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 10/20/2011
SECÇÃO 1ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL AGRAVO
DECISÃO PROVIDO
VOTAÇÃO MAIORIA COM * VOT VENC

RELATOR MARTINS DE SOUSA

DESCRITORES EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
EXPROPRIAÇÃO TOTAL
DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA
OPOSIÇÃO ENTRE FUNDAMENTOS E DECISÃO
ABUSO DE DIREITO
ÁREA TEMÁTICA EXPROPRIAÇÕES
LEGISLAÇÃO NACIONAL CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 334.º
CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES/91(CE): - ARTIGOS 3.º, Nº2, AL. B), 53.º
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 660.º, N.º2.
JURISPRUDÊNCIA NACIONAL ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 02/10/2007, PROC.º N.º 1709/2007, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT,
-DE 27/05/2008, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT;
-DE 14/05/2009,DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT;
-DE 5/05/2011, Pº150/1999.L1.S1.


SUMÁRIO

I - A aparente desconformidade lógica entre a decisão e um dos seus fundamentos como causa de nulidade de sentença não inclui nem se confunde com eventual erro de julgamento que nela possa ter ocorrido.
II - Na expropriação total de complexo produtivo no qual se procedia à indústria extractiva do sal e à piscicultura que fora amputado das parcelas que haviam sido objecto de DUP deve sobrelevar o critério da sua exploração económica a qual não só determinará os limites da intervenção expropriativa, mas também constituirá o factor unificador das parcelas imobiliárias nela abrangidas, tenham elas sido objecto de DUP ou não e integrando ou não todas elas a mesma unidade predial.
III - Não faz sentido a exigência da DUP, relativamente às parcelas envolvidas na expropriação total daquele complexo que dela não foram objecto e muito menos fará, expô-las a novo processo expropriativo: a consensualidade obtida por expropriante e expropriada quanto a essa expropriação tornam-na dispensável, uma vez que, por natureza, aquela DUP se reserva para as transmissões prediais coactivas; e, por outro lado, a sua inutilidade será manifesta, porque lhe não subjaz qualquer interesse público da entidade expropriante ou fundamento para que esta a possa provocar, dado o seu assentimento a essa mesma expropriação.
IV - Extinguir o processo expropriativo, beneficiaria o infractor pois premiaria a conduta contraditória da expropriada que a sua oposição traduz, uma vez que foi ela a iniciar e a implementar a referida expropriação total e ora, com o litígio no fim, e por razões que lhe são estranhas, pretende repudiá-la, desse modo, ludibriando a confiança da expropriante e excedendo os limites que o art. 334.º do CC impõe ao seu direito, em salvaguarda da boa fé, dos bons costumes e do seu fim económico e social.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I.
L..., concessionária para a Travessia do Tejo, S.A., remeteu ao Tribunal Judicial da Comarca do Montijo o processo de expropriação litigiosa relativo à parcela n° 103 com área total de 406.194 m2, correspondente à totalidade dos prédios denominados:
"Raposeira Nova", descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete, sob a actual ficha n° 01769, inscrito na matriz urbana da freguesia de Alcochete sob o art° nº 1930, com a área de 63.586 m2;
"Raposeira Velha", descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete, sob a ficha n° 01769 e inscrito na matriz urbana da freguesia de Alcochete sob o art° n° 1931, com a área de 57.888m2;
“Pinheirinhos” e “Pinheirinhos-Casa”, prédio constituído por um edifício com 4 compartimentos, com a área de 100m2 e por uma marinha de sal, com a área de 114.720m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete, sob a actual ficha n° 01767, e inscrito na matriz urbana da freguesia de Alcochete sob os arts. n°s 899 e 1932.
“Do canto”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete, sob a ficha n° 01763 e inscrito na matriz urbana da freguesia de Alcochete sob o art.° n.° 1933, com a área de 17.000m2.
Alegou que na qualidade de concessionária da obra pública “Nova Travessia Rodoviária sobre o Tejo em Lisboa” e ao abrigo do disposto na cláusula 73ª do Segundo Contrato de Concessão, foi investida na qualidade de entidade expropriante de todos os imóveis integrados na área das Salinas do S.... A parcela a expropriar pertence à Sociedade ... Lda e faz parte integrante de um conjunto de prédios relativamente aos quais a expropriada formulou pedido de expropriação total, na sequência do despacho MOPTC 6-XII/95 que declarou a utilidade pública de expropriação das parcelas do troço do “Viaduto Sul” aí identificadas. O pedido de expropriação total foi aceite e o processo de expropriação da parcela nº 103 seguiu os termos legais até à emissão da competente arbitragem.
Por despacho SEOP nº 2928-A/97 foi autorizada a posse administrativa da aludida parcela. A expropriante procedeu ao depósito do montante indemnizatório fixado no acórdão arbitral.
Concluiu pedindo que fosse ordenada a adjudicação da propriedade da referida parcela, a fim de integrar o domínio público do Estado e bem assim a decisão arbitral fosse notificada à expropriante e à expropriada, seguindo-se os ulteriores termos até final.
Em 15.5.2000 foi proferido despacho que adjudicou a propriedade da aludida parcela ao Estado Português (após rectificação, por despacho de 06.04.2001, de lapso inicial, que adjudicava a aludida propriedade à expropriante L...).
A expropriada agravou do despacho de adjudicação, recurso esse que foi recebido com subida diferida.
Tanto a expropriante como a expropriada recorreram da decisão arbitral.
Produziu-se prova pericial, tendo a expropriada apresentado reclamação dos relatórios juntos, ao que se seguiu a prestação de esclarecimentos por parte dos Senhores peritos. A expropriada, alegando a “não clareza” dos mesmos juntou novos documentos, os quais foram mandados desentranhar por despacho de fls. 1076-1077.
A expropriada agravou deste despacho, o qual foi admitido com subida diferida.
Foi proferida sentença que fixou a indemnização devida à expropriada em € 557 922,16, sujeito a actualização até à decisão final.
Desta sentença apelaram a expropriante e a expropriada.
Por despacho de fls. 1488, determinou-se o desentranhamento dum articulado então apresentado pela expropriada, tendo esta, recorrido de agravo do mesmo, o qual veio a ser recibo nessa espécie e com subida diferida.
Em contra-alegação, relativa à apelação, a expropriada requereu a ampliação do objecto do recurso e juntou dois documentos.
A Relação de Lisboa, por acórdão, deu provimento ao primeiro dos agravos acima referidos e, nessa conformidade, revogou o despacho de adjudicação da propriedade da parcela em apreço e, extinguindo a instância, julgou prejudicado o conhecimento dos demais recursos pendentes.

Inconformada, de tal acórdão agravou a Expropriante, concluindo a sua alegação nos termos seguintes:
1.ª A decisão recorrida ao entender que inexiste no caso dos autos um pedido de expropriação total capaz de fazer dispensar uma DUP e, ao mesmo tempo, dar como provado que «Por carta remetida à L... em 20.7.1995, a Sociedade ... (SPS) requereu que a expropriação abarcasse a totalidade dos prédios, sua propriedade, que nela referiu, sitos nas denominadas "Salinas do S..."» (cfr. ponto 2 da fundamentação de facto do Acórdão recorrido)», enferma da nulidade prevista no artigo 668°, n.° 1, alínea c) do CPC, uma vez que decisão se encontra assim em manifesta oposição com o facto provado atrás transcrito.
2.ª O que importa para efeitos de apreciação da legalidade do pedido de expropriação total formulado nos autos é, antes de mais, a verificação de que, no caso concreto, se está perante uma perda de benefícios do expropriado, em virtude de a expropriação da parte necessária ao fim da declaração de utilidade pública se tornar mais gravosa que a expropriação total — isto é, o que releva é que num determinado caso se verifiquem os requisitos previstos nas alíneas a) e b) do n.° 2 do artigo 3.°, aos quais está implícita a perda de benefícios do expropriado e não a circunstância de tais requisitos se verificarem na parte restante do prédio expropriado ou em prédios adjacentes.
3ª. É manifesto que no caso dos autos foi a perda do interesse económico relevante que motivou o pedido de expropriação total formulado pela expropriada e que por isso foi aceite pela expropriante, conforme se deixou demonstrado.
4ª. Até porque, a expropriação parcelar contida no Despacho MOPTC 6-XII/95, afectou a actividade económica que à data da expropriação era exercida em diversos terrenos da expropriada, a qual, como se referiu atrás tinha como requisito inerente à sua prossecução a sua indivisibilidade.
5ª. Daí a legalidade da presente expropriação total e sua conformidade com o disposto no artigo 3º, n. °2, alínea b), do CE91, e consequente dispensa do acto declarativo de utilidade pública da expropriação.
6ª. Ao contrário do que pretende a decisão recorrida, o caso dos autos não é adequadamente tutelado pelo disposto no artigo 30° do CE91.
7ª. O que a norma do artigo 30.° do CE91 vem permitir é uma indemnização pela interrupção duma actividade, que será transferida para outro local ou paralisada temporariamente, e não, como sucede no caso dos autos, uma indemnização pela cessação definitiva duma actividade, em virtude de terem sido retiradas de tal actividade os prédios fundamentais ao exercício da mesma, que no caso dos autos, foram aqueles que foram expropriados pela DUP contida no Despacho MOPTC 6-XII/95.
8ª O argumento centrado no artigo 30.° do CE/91 não só não permite fundar a pretensão indemnizatória de um expropriado que veja definitivamente cessar a actividade exercida em vários prédios, quando só um ou outros distintos tenham sido objecto de expropriação, como permite ainda demonstrar, pelo contrário, que em tais casos só uma expropriação total dos vários prédios em que é exercida tal actividade permite ressarcir a cessação da mesma.
9ª. O que acaba de ser dito pode ainda ser confirmado com base na evolução legislativa nesta matéria, pois o artigo 31.° do CE/99, sob a mesma epígrafe do artigo 30.° do anterior CE, isto é, «Indemnização pela interrupção da actividade comercial, industrial, liberal ou agrícola», veio expressamente acrescentar à previsão correspondente do artigo 30.° do código anterior, a indemnização correspondente à cessação inevitável da actividade em causa.
10ª. Não existindo semelhante previsão no regime vigente à data dos factos, a tutela adequada da posição da expropriada num caso como o dos autos apenas pode ser obtida através do regime da expropriação total previsto no artigo 3º, n.° 2 do CE91.
11ª. Tendo a recorrida, formulado pedido de expropriação total, como ficou provado nos presentes autos, e adoptando agora conduta incompatível com o mesmo resulta claro o seu carácter abusivo em manifesta violação do artigo 334° do Código Civil.
12ª. Aliás, que tendo a expropriação total a natureza de uma cessão amigável de bens, como sustenta a melhor doutrina, a conduta da expropriada é, por essa mesma razão, especialmente censurável, sendo certo que as considerações expendidas na decisão recorrida quanto à expropriada não estar obrigada a «manter-se impávida e serena» apenas teriam razão de ser se estivéssemos perante uma conduta unilateral da expropriante, mas não, como foi o caso, quando nos deparamos com uma conduta de base consensual.
13ª. A simples enunciação dos factos é demonstrativa do absurdo da conduta da expropriada que verdadeiramente consubstancia um venire contra factum proprium, traduzindo o exercício de uma posição jurídica em gritante contradição com a conduta anteriormente adoptada pela recorrente.
14ª. As normas dos artigos 3.°, n.° 2, e 30.° do CE 91 interpretadas e aplicadas, tal como fez a decisão recorrida, no sentido de que a primeira se reporta apenas, e só, parte restante do prédio a expropriar e não a prédios diferentes, sendo necessário em tal caso uma específica DUP da respectiva expropriação, independentemente de ter sido formulado e aceite um pedido de expropriação total da expropriada, e sem que a lei preveja um mecanismo de ressarcimento do expropriado pela cessação definitiva da sua actividade em virtude da expropriação, violam frontalmente o disposto nos artigos 13.° e 62.° da Constituição.
Contra-alegando, a Expropriada sustentou que o agravo não devia ser recebido e caso assim não fosse entendido, argumentou de modo a confirmar-se a decisão recorrida.

Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar, remontando ao objecto do recurso cuja temática incide, pontualmente, sobre:
a nulidade do acórdão recorrido por oposição de fundamentos (artº668º,1, al c) do CPC);
a necessidade da DUP no contexto da expropriação total pedida pela Recorrida;
o abuso de direito por banda desta última, na modalidade de “venire contra factum proprium”;
e, finalmente, a inconstitucionalidade da norma contida no artº3º do CE91 na interpretação adoptada no acórdão recorrido por violação dos artº13º e 62º da CRP.

II.
A - Antes de dar sequência à abordagem de tais temas, enuncia-se, ao abrigo do disposto nos artº722º,2 e 729º,2 do CPC, a matéria de facto que a Relação, sem sombra de impugnação pelos sujeitos processuais, entendeu dar por demonstrada:
A.
1. Por despacho MOPTC 6-XII/95 publicado no D.R. II série, nº 68, de 21.3.1995, foi declarada a utilidade pública da expropriação das parcelas relativas à “nova travessia rodoviária sobre o Tejo em Lisboa”, “viaduto sul”, identificadas pelos nºs 11.1, 11.2, 12.1, 12.2, 12.3, 13.1 e 13.2..
2. Por carta remetida à L... em 20.7.1995 a Sociedade ... (S.P.S.) requereu que a expropriação abarcasse a totalidade dos prédios, sua propriedade, que nela referiu, sitos nas denominadas “Salinas do S...” (fls 10 a 41 destes autos).
3. A L... aceitou tal pedido de expropriação total, o que comunicou à S.P.S. através de carta datada de 29.9.1995 (fls. 42 dos autos).
4. Entre os prédios cuja expropriação foi requerida pela S.P.S. constam os que constituem o que a L... denominou de “Parcela nº 103”, com a área total de 406.194 m2, supra identificados no Relatório.
5. Em 14.5.1997 a L... requereu ao Sr. Ministro do Equipamento, Planeamento e Administração do Território autorização para tomar posse administrativa daqueles (referidos em 2 e 4) e de outros prédios (fls. 95 a 97 dos autos).
6. Por despacho SEOP nº 2928-A/97, de 27.6.1997, publicado no D.R., II série, nº 148, de 30.6.1997, a L... foi autorizada a tomar posse administrativa daqueles e de outros prédios (fls. 99-100 dos autos).
7. Em 07.10.1997 foi elaborado auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam da aludida parcela nº 103 (fls. 69 a 77 do processo).
8. A S.P.S. fez-se representar na vistoria ad perpetuam rei memoriam, no âmbito da qual apresentou quesitos.
9. Em 23.10.1997 a L... tomou posse administrativa da aludida parcela nº 103 (fls. 78 do processo).
10. Em 09.7.1998 foi lavrado o acórdão de arbitragem para fixação da indemnização devida à S.P.S. pela expropriação da aludida parcela (fls. 79 a 83 dos autos).
11. Em 12.5.1999 a L... depositou na C.G.D., à ordem do Juiz de Direito da comarca do Montijo, a quantia de Esc. 97.094.400$00, correspondente à referida indemnização arbitrada a favor da S.P.S..
12. Em 21.05.1999 a L... remeteu ao Tribunal Judicial da Comarca do Montijo o processo de expropriação litigiosa relativo à referida parcela n° 103.

Vejamos então:
B - A NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO
Arguiu a Recorrente a nulidade do acórdão sob apreciação, em virtude de, ao entender que inexiste no caso dos autos um pedido de expropriação total capaz de fazer dispensar uma DUP e, ao mesmo tempo, dar como provado que «por carta remetida à L... em 20.7.1995, a Sociedade ... (SPS) requereu que a expropriação abarcasse a totalidade dos prédios, sua propriedade, que nela referiu, sitos nas denominadas "Salinas do S...”, nos termos do artigo 668°, n.°1, alínea c) do CPC, se revela manifesta oposição da decisão com o facto provado atrás transcrito.
Entende-se em regra que no vício acusado estão abrangidos os casos que contendem com a lógica interna da sentença, manifestando-se a oposição quando a decisão segue caminho diverso daquele que os respectivos fundamentos apontavam.
Não é o caso do acórdão recorrido que, reproduzindo a argumentação do acórdão de 14.05.2009 deste Supremo Tribunal, proferido no Pº08A4000, mantém que, mesmo dando de barato que a Expropriada requereu a expropriação total, a situação que os autos configura não se enquadra nesse instituto, concluindo, assim, que não ocorria fundamento para que os prédios objecto deste processo expropriativo fossem dispensados da respectiva declaração de utilidade pública (DUP).
Não se verifica, pois, qualquer vício que afecte o raciocínio lógico exposto ou esboroe a lógica interna do chamado silogismo judiciário. Antes pelo contrário, o que se traduz na sua explanação é um entendimento diverso quanto à aplicação da lei no tocante ao propalado instituto ou, mais propriamente, diversa opção quanto à sua subsunção legal.
Temos, assim que na arguição em apreço se confundiu aparente desconformidade lógica entre a decisão e um dos seus fundamentos com erro de julgamento pelo que só resta como solução, o seu indeferimento.

C – A DISPENSA DA DUP RELATIVAMENTE AOS PRÉDIOS OBJECTO DE PEDIDO DE EXPROPRIAÇÃO TOTAL
A construção da “nova travessia rodoviária sobre o Tejo em Lisboa” (vulgo, Ponte Vasco da Gama) implicou a expropriação das parcelas do chamado “viaduto sul”, envolvendo Expropriante e Expropriada em divergências e litígios diversos que, como é natural, chegaram a este Tribunal.
Exemplo acabado é o que envolve o tema enunciado cujas questões acessórias, como se dá conta no acórdão recorrido, deram
“ origem a decisões de índole contrária, sustentando umas a improcedência do recurso, dado entenderem não ser essencial a prévia declaração de utilidade pública da parcela alvo da expropriação em discussão - “se os prédios em relação aos quais se pretende a expropriação se integram, com o prédio inicialmente expropriado, numa unidade económica que sem a expropriação total perderia a viabilidade económica, e se isso é reconhecido pela expropriante, e a concordância com tal pedido não exorbita os seus poderes de entidade expropriante enquanto concessionária, não carece a expropriante de obter uma nova DUP para legitimar a «aquisição» desses prédios” (Ac. do STJ de 02/10/2007, proc.º n.º 1709/2007, disponível em www.dgsi.pt) - enquanto que outras sustentam que “o tribunal não deve adjudicar a propriedade se não existir o acto de declaração de utilidade pública da expropriação”, sendo que “a possibilidade de o expropriado requerer a expropriação total do prédio quando apenas parte tenha sido expropriada reporta-se não a qualquer outro prédio com maior ou menor grau de proximidade ou relação com o prédio objecto da DUP, mas necessariamente ao mesmo prédio. Neste caso, é desnecessária nova DUP da expropriação do prédio, pois já foi declarada a utilidade pública da expropriação do prédio, limitada, é certo, a uma parte do mesmo. “Em caso de existência de prédios completamente distintos dos que foram abrangidos pela DUP presente (ainda que pertencentes ao mesmo dono), será necessária nova DUP, não se podendo aqui falar de uma «expropriação total», mas sim de nova expropriação.” ( Ac. do STJ de 14/05/2009, desta secção, também, disponível em www.dgsi.pt).
Ao passo que no acórdão recorrido se optou por esta última orientação, a Expropriante/Recorrente manifesta o entendimento contrário e - em síntese breve - sustentando que se verificam os requisitos exigidos, mormente no artº3º,2, al b) do CE91, da expropriação total quanto à parcela dos autos, tanto basta para se dispensar a emissão da respectiva declaração de utilidade pública.

Sabe-se que é a utilidade pública que legitima uma concreta expropriação, corporizando-se no acto formal de declaração de utilidade pública emanado da autoridade administrativa competente.
Tem essa declaração o sentido e alcance de indicar qual o fim concreto que com ela se pretende atingir e adequá-lo com a determinação dos bens necessários à sua prossecução. O fim de utilidade pública que deve acompanhar toda a expropriação demarca, pois, o seu âmbito, impondo-lhe limites de proporcionalidade e adequação, limitando-a, territorialmente, apenas ao que for necessário para atingir o seu fim e optando pelo meio de intervenção que menos dano cause – cfr Alves Correia, Manual de Direito do Urbanismo, 193 e ss.
O artº3º do CE91 que está na base da solução do caso em análise constitui um bom exemplo de manifestação destes princípios: fixa, por um lado, a expropriação nos limites do que é necessário à realização do fim (actual) de utilidade pública que lhe preside, mas, por outro lado, não deixa de envolver nesse mesmo fim, a protecção do interesse do particular expropriado que, prejudicado por eventual fragmentação derivada da expropriação parcelar, lhe confere o direito de requerer a expropriação total.
Importa começar por deixar claro que, muito embora a Expropriada pareça pretender o contrário, ficou expressamente assente nos factos provados que, acima, se enunciaram:
por carta remetida à L... em 20.7.1995 a Sociedade ... (S.P.S.) requereu que a expropriação abarcasse a totalidade dos prédios, sua propriedade, que nela referiu, sitos nas denominadas “Salinas do S...”…A L... aceitou tal pedido de expropriação total, o que comunicou à S.P.S. através de carta datada de 29.9.1995…Entre os prédios cuja expropriação foi requerida pela S.P.S. constam os que constituem o que a L... denominou de “Parcela nº 103…”, aqui, envolvidos.
Incontroverso e irrefutável esse pedido de expropriação total pela Expropriada, (aliás, tal como nos casos similares abordados nos acórdãos acima reportados ou outros - cfr vg os Acórdãos de 27.05.2008, pºJSTJ000 e de 5.05.2011, pº150/1999.L1.S1) o que se revela é que os fundamentos a que recorreu para justificar a expropriação total dos restantes prédios que não haviam sido objecto da DUP, acentuavam, além do interesse público do projecto e da obra na salvaguarda das Salinas do S..., sobretudo, a indivisibilidade de todos esses imóveis porque, na perspectiva da sua exploração, constituíam uma unidade económica cuja desintegração lhe acarretaria graves prejuízos, só evitáveis mediante a aludida expropriação total.
O entendimento subjacente a tal pedido está conforme a letra e o espírito do citado artº3º que previne a necessidade de expropriação parcial de um ou vários prédios e na medida em que implique a sua fragmentação “ corta a unidade da sua exploração, é susceptível de afectar negativamente o direito patrimonial do expropriado no que concerne ao resultado da respectiva exploração económica” (Salvador da Costa, a anotação ao artº3º no Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores, pág 28).
Assim, o que ressalta do inequívoco pedido de expropriação total da Expropriada seria a salvaguarda do complexo produtivo no qual procedia à indústria extractiva do sal e à piscicultura, já amputado das parcelas que haviam sido objecto de DUP ou dito de outra forma, o que nela devia sobrelevar, seria o critério da sua exploração económica o qual não só determinaria os limites da intervenção expropriativa, mas também constituiria o factor unificador das parcelas imobiliárias nela abrangidas.
Como se escreveu no citado acórdão deste Tribunal de 5.05.2011, desta secção “ a unidade económica que está subjacente à procedência do requerimento de expropriação total contende, não propriamente, com a unidade predial e matricial, mas antes com a unidade produtiva em que a parcela física se interliga com outras pertencentes ao mesmo proprietário, no âmbito da unidade produtiva em que todas se inserem, com vista à prossecução da finalidade económica que só o conjunto, muitas vezes, permite alcançar, sob pena de se dar guarida a um simples critério, de índole fiscal e matricial, em detrimento de um critério de racionalidade económica”.
Acresce que, como se viu, a concessionária Expropriante reconheceu esses fundamentos e aceitou aquele pedido, não havendo razão para recusar a verificação objectiva dos requisitos de que o artº3, nº2, al b) do CE91 faz depender a expropriação total o que vale para reconhecer que, por essa via, se obteve a solução que menos dano causa à Expropriada, independentemente, de discordância que, entre elas, até possa subsistir quanto à quantificação da indemnização correspondente.
Assim contextualizada, não faz sentido a exigência da DUP, relativamente às parcelas envolvidas na expropriação total e muito menos fará, expô-las a novo processo expropriativo.
Na verdade, não é só a consensualidade obtida por Expropriante e Expropriada no âmbito do incidente da expropriação total que dispensa a DUP por natureza reservada para as transmissões prediais coactivas; também ela se tornaria inútil por lhe não estar subjacente qualquer interesse público da entidade expropriante ou fundamento para que esta pudesse provocar essa mesma DUP- cfr o citado acórdão deste Tribunal de 27.05.2008.
De resto, o procedimento do incidente, conforme resulta do artº53º do citado CE, chegado ao seu termo com a respectiva procedência, não obriga a emissão de nova DUP relativamente aos imóveis que a ela não foram sujeitos o que mais reforça a ideia de que faz todo o sentido que, sendo o desenvolvimento da expropriação total, consequência da DUP da expropriação parcelar inicial, esta veja seu alcance e efeitos estenderem-se, por consenso das partes e satisfazendo o interesse do particular, à residual área predial que foi objecto daquela extensão amigável da expropriação.
Concluindo: com o devido respeito pela posição contrária, assumida com brilho no acórdão recorrido, não se vislumbra cabimento na solução encontrada de extinguir a instância nos presentes autos por falta de DUP relativamente às parcelas que foram objecto da expropriação total.
Solução que, convenhamos, objectivamente, beneficiaria o infractor pois premiaria a conduta contraditória da Expropriada que a sua oposição traduz, uma vez que foi ela a iniciar e a implementar a referida expropriação total e ora, com o litígio no fim, pretende repudiá-la, desse modo, ludibriando a confiança da Expropriante e excedendo os limites que o artº334º do CC impõe ao seu direito, em salvaguarda da boa fé, dos bons costumes e do seu fim económico e social.
Prejudicadas, pois, as restantes questões suscitadas pela Recorrente (artº660º,2 do CPC), os autos baixarão ao Tribunal da Relação a fim de serem conhecidos os demais recursos pendentes.

Sumariando:
A aparente desconformidade lógica entre a decisão e um dos seus fundamentos como causa de nulidade de sentença não inclui nem se confunde com eventual erro de julgamento que nela possa ter ocorrido;
Na expropriação total de complexo produtivo no qual se procedia à indústria extractiva do sal e à piscicultura que fora amputado das parcelas que haviam sido objecto de DUP deve sobrelevar o critério da sua exploração económica a qual não só determinará os limites da intervenção expropriativa, mas também constituirá o factor unificador das parcelas imobiliárias nela abrangidas, tenham elas sido objecto de DUP ou não e integrando ou não todas elas a mesma unidade predial;
Não faz sentido a exigência da DUP, relativamente às parcelas envolvidas na expropriação total daquele complexo que dela não foram objecto e muito menos fará, expô-las a novo processo expropriativo: a consensualidade obtida por Expropriante e Expropriada quanto a essa expropriação tornam-na dispensável, uma vez que, por natureza, aquela DUP se reserva para as transmissões prediais coactivas; e, por outro lado, a sua inutilidade será manifesta, porque lhe não subjaz qualquer interesse público da entidade expropriante ou fundamento para que esta a possa provocar, dado o seu assentimento a essa mesma expropriação;
Extinguir o processo expropriativo, beneficiaria o infractor pois premiaria a conduta contraditória da Expropriada que a sua oposição traduz, uma vez que foi ela a iniciar e a implementar a referida expropriação total e ora, com o litígio no fim, e por razões que lhe são estranhas, pretende repudiá-la, desse modo, ludibriando a confiança da Expropriante e excedendo os limites que o artº334º do CC impõe ao seu direito, em salvaguarda da boa fé, dos bons costumes e do seu fim económico e social.
III.
Face a todo o exposto, concede-se provimento ao agravo e, revogando-se o acórdão recorrido, ordena-se que os autos baixem ao Tribunal de Relação de Lisboa a fim de, pelo mesmo colectivo de Juízes Desembargadores, serem apreciados os demais recursos pendentes.

Custas a cargo da Expropriada.

Lisboa, 20 de Outubro de 2011

Martins de Sousa (Relator)

Gabriel Catarino

Sebastião Póvoas (com voto de vencido)


Declaração de Voto

Fiquei vencido pelas razões que, nuclearmente, passo a expor:
1. Como questão prévia, aliás suscitada pela expropriada e à qual o Acórdão não responde, propendo para a inadmissibilidade do recurso.
1.1 Como julgou este Tribunal (Acórdão de 8 de Fevereiro de 2011 – 153/04.9TBTMC.P1.S1 – de meu relato): “ (…) o n.º 5 do artigo 66.º do Código de Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, consagra a inadmissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão da Relação que fixa o valor da indemnização. E no âmbito dessa impossibilidade incluem-se todas as questões prévias incidentais ou outras que serviram de fundamento à fixação da indemnização, sob pena de se criar um tecto recursório mais alto para o acessório do que para o escopo primeiro da lide (indemnização justa e equitativa). A razão de ser da norma está em impedir um 4.º grau de recurso, sabido como é que as partes já dispuseram do acórdão arbitral, do Tribunal da Comarca e da Relação e que, no fundo, o que se pretende pôr em causa é o “quantum” indemnizatório. A regra só é excepcionada se verificada qualquer das situações elencadas no artigo 678.º do Código de Processo Civil.” (cfr., também, e na mesma linha, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2010 – 2158/06. 6TBOVR.P1.S1 – igualmente por mim relatado).

No caso vertente, e considerando a data da declaração de utilidade pública constitutiva da relação jurídica de expropriação, é aplicável o Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro, mas apenas quanto às questões substantivas (cfr. quanto aos recursos, na vigência deste diploma, o Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Maio de 1995 – BMJ 447-51- a consagrar a mesma regra do diploma de 1999 para o de 1991).

De todo o modo, sempre se aplica, na parte recursória, o citado artigo 66.º do Código das Expropriações de 1999.
1.2 Mas ainda que assim não fosse entendido “in casu” por se considerar que o fim primeiro do recurso é o âmbito do expropriado (área a expropriar e sua conformidade com a declaração de utilidade pública, como acto constitutivo da relação jurídica da expropriação) teria de ponderar-se o seguinte:

Considerando a data de instauração da lide são aplicáveis as normas adjectivas anteriores ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.

O recurso foi admitido como agravo e assim mantido.

Trata-se, portanto, de agravo interposto na 2.ª Instância, nos termos dos artigos754.º e ss. do Código de Processo Civil, na redacção aqui aplicável.

Ora, tendo o Acórdão recorrido sido proferido “sobre decisão da primeira instância”, o recurso só seria admissível se invocada a contradição de julgados; se tivesse por fundamento a violação das regras de competência absoluta; a ofensa de caso julgado; tivesse sido questionado o valor da causa; ou se tratasse de decisão a pôr termo ao processo (n.ºs 2 e 3 do artigo 754.º, conjugado com os n.ºs 2 e 3 do artigo 678.º e alínea a) do artigo 734.º, todos do Código de Processo Civil).

Inverificada qualquer dessas situações, o agravo não devia ser admitido.
2. Mas, acolhendo, sem conceder, que o recurso podia ser conhecido, não subscrevo a tese que fez vencimento.

Muito brevemente verifica-se que a “pulcra quaestio” consiste em saber se no caso de o expropriado requerer a expropriação total do prédio é ou não necessária uma nova declaração de utilidade pública.
2.1 São curiais, sintéticas, considerações sobre a dogmática da declaração de utilidade pública.

Como acima se acenou, trata-se do facto constitutivo da relação de expropriação, ou, como ensinava o Prof. Marcello Caetano do “o acto administrativo pelo qual se reconhecer que determinados bens são necessários à realização de um fim de utilidade pública mais importante do que os fins a que estão afectados.” (in “Manual de Direito Administrativo, 9.ª ed., II, 1024). (cfr., ainda, o Prof. Freitas do Amaral referindo “o acto administrativo pelo qual a Administração Pública decide, com base na lei, extinguir um direito subjectivo, sobre um bem imóvel privado, com fundamento na necessidade para a realização de um fim de interesse público” – Direito do Urbanismo, 90).

O acto, que é de publicação obrigatória no Diário da República (artigo 15.º, n.º 1, do Código das Expropriações aplicável) é essencial para que a entidade expropriante possa adquirir os bens do expropriado, sendo que a sua falta é de conhecimento oficioso, não podendo ser sanada por acordo das partes.

Outrossim, fixa os limites da expropriação, que não podem exceder o estritamente necessário ao fim a que se destina (artigo 3.º, n.º 1, CE), sendo que, por isso, “deve ser devidamente fundamentado”, como impõe o n.º 1 do artigo 13.º daquele Código (cfr., a propósito, Conselheiro Baptista Lopes – “Expropriações por Utilidade Pública”, 29; Prof. Alves Correia in “As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública”; Doutor Osvaldo Gomes, “Expropriações por Utilidade Pública”).

Acontece, porém, que uma vez constituída a relação de expropriação, o expropriado de “parte de um prédio” pode “requerer a expropriação total” (n.º 2 do artigo 3 do CE).

2.2. O pedido de expropriação total formulado pelo expropriado depende da verificação de um pressuposto (que só seja necessário expropriar parte de um prédio) e de um dos seguintes requisitos: a parte restante não assegurar, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio (alínea a) do n.º 2), os cómodos assegurados pela parte restante não tiverem interesse económico para o expropriado, interesse esse a determinar em termos objectivos (alínea b) do mesmo n.º 2 do artigo 3.º).

O Código vigente (1999) introduziu um n.º 3 dispondo que as normas sobre expropriação total são aplicáveis à parte da área não abrangida pela Declaração de Utilidade Pública (doravante, DUP), verificados que sejam os requisitos acima elencados.

É este número que pode criar a ideia ter o legislador entendido ser necessária nova DUP ou, ao menos, aditar/rectificar a primeira.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal não vêm sendo perfeitamente coincidente neste ponto, embora os arestos que se lhe referem tenham sempre aplicado o CE de 1991, não tendo abordado a questão na perspectiva do n.º 3 do artigo 3.º do CE de 1999, questão que não cumpre agora analisar,por não ser esta a lei aplicável.

Assim, e no sentido da desnecessidade da nova declaração julgou o Acórdão de 2 de Outubro de 2007 – 07 A1709 – que assim ponderou:

“ Desde logo, por não haver uma ablação forçada do direito expropriado, o que retira o factor compulsivo e inexorável da expropriação fundada apenas no interesse público reputado prevalente sobre o interesse privado; depois, porque cumpre, em primeira linha à expropriante pronunciar-se no sentido de dar ou não a sua concordância ao pedido – n°2 do art. 53° do CE/91; finalmente, porque, além de o pedido ser da iniciativa do particular expropriado, se a expropriação total for concedida ela integra-se no âmbito da declaração expropriativa inicial, que assim vê o seu campo alargado satisfazendo o interesse do particular.
Se os prédios em relação aos quais se pretende a expropriação total se integram, como prédio inicialmente expropriado, numa unidade económica que sem a expropriação total perderia a sua viabilidade económica, e se isso é reconhecido pela expropriante, e a concordância com tal pedido não exorbita os seus poderes de entidade expropriante enquanto concessionária, não carece a expropriante de obter uma nova DIJP para legitimar a ‘aquisição’ desses prédios.”

O Acórdão de 5 de Maio de 2011 – 150/1999.L1.S1 – é mais enfático na motivação mas conduz à mesma solução ao decidir que:
Encontrando-se os prédios em relação aos quais se pretende a expropriação total, inseridos com o prédio objecto de expropriação inicial, numa relação de unidade económico-produtiva que, sem a aludida expropriação total se perderia, inexiste fundamento legal para desencadear a emissão de uma nova DUP, capaz de legitimar a aquisição desses prédios, não se mostrando necessária, porque contraditória com os próprios termos de um acto não autoritário da Administração, a emissão de uma nova DUP, relativamente à parcela do prédio ou aos prédios objecto do pedido de expropriação total.”, para, de seguida e para afastar a objecção de os prédios terem várias inscrições prediais ou matriciais, afirmou: “A unidade económica que está subjacente à procedência do requerimento de expropriação total contende não, propriamente, com a unidade predial e matricial, mas antes com a unidade produtiva, em que a parcela física se interliga com outras parcelas pertencentes ao mesmo proprietário, no âmbito da unidade produtiva em que todas se inserem, com vista à prossecução da finalidade económica que só o conjunto, muitas vezes, permite alcançar, sob pena de se dar guarida a um simples critério de índole fiscal e matricial, em detrimento de um critério de racionalidade económica.

Com o merecido respeito entendo que esta última afirmação não pode ser feita sem mais, já que tratando-se de vários prédios – com inscrições matriciais e descrições prediais distintas – dificilmente se poderão considerar “um prédio”, como impõe o n.º 2 do artigo 3.º do CE, ou, e também como resulta do preceito, constituindo uma indivisibilidade económica.

Aliás, a obrigatoriedade da apensação de processos prevista no n.º 2 do artigo 39.º do CE tem apenas como escopo permitir uma avaliação mais correcta e equitativa de prédios geralmente contíguos.

Mantenho, sem reserva, a doutrina do Acórdão de 14 de Maio de 2009 – 08 A4000 – que subscrevi como 2.º Adjunto, a exigir nova DUP tratando-se de prédios distintos (“ainda que pertencentes ao mesmo dono” por, então, se tratar de nova expropriação.”).

É o que acontece nestes autos em que “surgem” quatro prédios com diferentes inscrições matriciais, sendo que a DUP não os individualiza antes havendo referencia a uma tal “parcela 103”, sendo matéria de facto subtraída do âmbito deste recurso apurar se se trata dos prédios descritos – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/11 de 20/10 infra.

2.3 Finalmente, e ainda novamente sem conceder, se assim não se entendesse não resulta do elenco dos factos provados que em relação às parcelas expropriadas esteja presente qualquer dos requisitos do n.º 2 do artigo 3.º do CE (designadamente, indivisibilidade económica ou perda de interesse, a apurar objectivamente, para a expropriada).

E tal constitui matéria de facto da exclusiva competência das instâncias, que este Supremo Tribunal não pode apurar (cfr., v.g., e neste tipo de lide, o acima citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Novembro de 2010 – 661-A/2002.E1.S1).

Do exposto resulta que não tomaria conhecimento do recurso ou, fazendo-o, confirmava o douto Acórdão recorrido.

Sebastião Póvoas