ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
1081/09.7JAPRT.P2.S1
DATA DO ACÓRDÃO 11/23/2011
SECÇÃO 3ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL RECURSO PENAL
DECISÃO NEGADO PROVIMENTO
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR ARMINDO MONTEIRO

DESCRITORES HOMICÍDIO QUALIFICADO
UNIÃO DE FACTO
FRIEZA DE ÂNIMO
PREMEDITAÇÃO
ARMA DE CAÇA
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
PRINCÍPIO DA TIPICIDADE
ESPECIAL CENSURABILIDADE
ESPECIAL PERVERSIDADE
FINS DAS PENAS
MEDIDA DA PENA
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
CULPA

SUMÁRIO I - A censurabilidade especial de que fala o art. 132.º do CP reporta-se às circunstâncias em que a morte foi causada, que serão de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com certos valores, visível na realização do facto. A especial perversidade revela uma atitude profundamente rejeitável, constituindo um indício de motivos e sentimentos absolutamente rejeitados pela sociedade, reconduzindo-se a uma atitude má, eticamente falando, de crasso e primitivo egoísmo e que denota qualidades desvaliosas da sua personalidade.

II - A agravante do art. 132.º, n.º 2, al. b), do CP, que é resultado de uma evolução legislativa no sentido de combate à violência e maus tratos familiares, está prevista para as situações em que o crime é cometido contra quem, do mesmo sexo ou de outro, com o qual o agente haja mantido relação análoga às dos cônjuges, como no caso em que o arguido viveu em união de facto com a vítima L durante cerca de 7 anos e dessa união terem nascido 3 filhos.

III - A agravante em causa, de funcionamento não automático como as demais previstas no art. 132.º do CP, arranca do pressuposto de que as relações familiares não legitimam o exercício de direitos ou o cumprimento de obrigações de forma chocante e absolutamente intolerável, antes se devendo desenvolver, a bem dos seus membros e da comunidade, num clima de salutar equilíbrio.

IV - No caso concreto, e com relevo para a decisão, ficou demonstrado o seguinte:
- por duas vezes L fez queixa junto das autoridades judiciárias brasileiras por violência exercida pelo arguido, o que determinou que este aí tivesse sido detido por duas vezes, a última das quais entre 19-06 a 01-07-2009;
- a vítima refugiou-se, de seguida, em Portugal e o arguido regressou para Portugal a 09-07-2009 e à localidade de S no dia 10-07-2009, com a firme resolução de, aqui, se encontrar com L e de lhe tirar a vida, traçando um plano prévio;
- assim, após inúmeras tentativas falhadas para contactar com L, o arguido, munido de uma arma tipo espingarda de caça, dirigiu-se à habitação da mãe da ex-companheira onde esta se encontrava a residir;
- persistindo no propósito último de tirar a vida a L, o arguido escondeu-se na vegetação que envolve a referida habitação e aí permaneceu escondido durante 2 h, aguardando que aquela regressasse, o que sucedeu pelas 22 h, quando L surgiu acompanhada da mãe, do padrasto, de 2 irmãos e das filhas J e V (esta última com apenas 8 meses), fazendo-se todos transportar num veículo automóvel;
- o arguido surgiu repentinamente do meio da vegetação e apontou a arma caçadeira em direcção ao veículo ao mesmo tempo que gritava bem alto: «todos para fora do carro»;
- o arguido foi indiferente aos rogos para que se acalmasse provindo de um irmão e do padrasto de L, desferindo no primeiro uma pancada no braço esquerdo com o cano da arma;
- o arguido foi, igualmente, insensível aos apelos da mãe de L, a quem empurrou contra o muro da habitação;
- logo após, o arguido colocou-se a 3 m do vidro de trás do veículo automóvel, onde ainda permaneciam no banco traseiro L, com a filha de ambos V ao colo, e apontando na direcção do vidro e destas premiu o gatilho;
- de seguida, continuando movido pela vontade de tirar a vida a L, o arguido dirigiu-se para o lado direito do automóvel e como esta tinha a porta trancada partiu o vidro;
- ao aperceber-se que L se tinha deslocado para o lado esquerdo do automóvel, o arguido, através do vidro traseiro lateral que entretanto havia partido com a caçadeira, introduziu o cano da arma no interior do veículo e, a cerca de 50 cm de L e de V, premiu novamente o gatilho, fazendo deflagrar um outro projéctil, que atingiu ambas;
- apesar de já estar ferida, L conseguiu sair do interior do veículo levando a filha ao colo e fugiu em direcção ao pátio da habitação, para aí se refugiar, sendo sempre seguida pelo arguido, que corria no seu encalce;
- porque não conseguiu entrar na habitação, L entregou a filha V à sua irmã MR, refugiando-se atrás desta;
- nesse momento, estando a cerca de 2 m, o arguido apontou em direcção à parte inferior das pernas de L e premiu um gatilho, vindo a atingir MR;
- após este disparo, L continuou a fugir, sendo sempre seguida pelo arguido, que lhe desferiu um golpe no corpo e várias pancadas na cabeça com a coronha da espingarda, que dada a violência imprimida acabou por partir-se, e que causaram as lesões crânio-encefálicas que directa e necessariamente levaram à morte daquela;
- o arguido causou, igualmente, lesões graves ao nível do hemitórax de V.
V - A frieza de ânimo enquanto qualificativa do crime de homicídio é a vontade inarredável, a tenacidade, a irrevogabilidade da resolução criminosa, na definição do Prof. Beleza dos Santos, in RLJ, Ano 367, págs. 306 e ss, indiciada pela persistência da ideação homicida, inabalavelmente mantida durante um certo tempo, no nosso direito por mais de 24 h, a reflexão sobre os meios a empregar e a opção pelas circunstâncias envolventes da consumação, bem como a reiteração de actos. Nestes casos, a vítima posiciona-se em condições de particular indefesa e o agressor numa privilegiada posição, o que traduz culpa dolosa agravada.

VI - Da matéria apurada resulta, assim, que o arguido viveu ao longo de 7 anos como marido e mulher com a vítima mortal, nascendo dessa união 3 filhos, ainda de muito tenra idade e essas circunstâncias deviam ter funcionado como contra-motivo ético-jurídico, pelo respeito que lhe devia merecer a vida daquela que era a mãe dos seus 3 filhos, sendo tão relevante o valor irrepetível da vida, como a presença de um mãe, então com 26 anos, ao lado dos seus filhos, na sua educação, amparo e sustento destas.

VII - Para além disso, do contexto factual provado avulta que o arguido formou o intuito homicida da sua companheira muito antes de 24 h sobre a sua consumação, e em vez do tempo funcionar de motivo de abandono daquele projecto serviu para «refinar» o modo de cometimento do crime, de forma voluntária, firme, irrevogável e irreversível, em obediência a um plano previamente traçado.

VIII - A agravação surte, ainda, modelada pela circunstância de o arguido ter mostrado uma brutal insensibilidade quando, depois de ferir a tiro a vítima, por mais do que uma vez, e lhe ter desferido uma pancada com a coronha da caçadeira, achando-se esta caída no solo, desfere sobre a cabeça múltiplas e violentas pancadas, partindo, com isso, a coronha da arma, em metal, causando-lhe a morte em condições que revelam um especial desvalor dos actos criminosos perpetrados e simultaneamente de qualidades desvaliosas da personalidade do agente, traduzindo uma imagem global agravada do facto, o que vale por dizer homicídio com especial censurabilidade e perversidade, nos termos do art. 132.º, n.ºs 1 e 2, als. b) e j), do CP.

IX - O art. 86.º, n.º 3, da Lei 5/2006, de 23-02, na redacção introduzida pela Lei 17/2009, de 06-05, agrava em um terço os limites máximos e mínimos das penas aplicadas aos crimes cometidos por meio de armas, mas essa agravação só funciona em relação às armas aí global e especificadamente previstas, como é a espingarda de caça, definida no art. 2.º, al. ar), sob pena de uma interpretação extensiva afrontar os fundamentais princípios da legalidade e tipicidade. O n.º 4 do art. 86.º só rege quanto ao «modus operandi» da agravante modificativa em caso de comparticipação. A agravação não se cinge, pois, ao uso e porte de arma de fogo, mas a todas e pouco importa que do uso de arma derive, em nexo causal adequado, a morte, basta que se tenha assistido ao uso da arma, como é o caso, integrando-se não só no seu uso específico no processo executivo, no «iter criminis», se bem que a consumação se fique a dever a um uso dissociado desse seu objecto específico de lançamento de projecteis, in casu como instrumento contundente.

X - No caso vertente, o uso da arma em condições de brutalidade tal que levaram à fractura da coronha no corpo da vítima mercê do desferir de múltiplas e violentas pancadas em particular condição de inferioridade física da vítima, por acção daquele instrumento, funciona como elemento constitutivo da agravante qualificativa da frieza de ânimo, não concorrendo tal qualificativa autonomamente.

XI - O processo de formação da pena é o reflexo da opção do legislador em sede de filosofia sobre o sentido, limites e fins das penas, no quadro legal com consagração no art. 40.º, n.º 2, do CP, sedimentado numa visão puramente utilitarista da pena, dando guarida à tutela de bens jurídicos e à reinserção social do arguido.

XII - O preceito do art. 40.º do CP tem de se conjugar com o art. 71.º do mesmo Código, que fixa os critérios a que deve obedecer a concreta determinação da medida da pena, em função da culpa e da prevenção, estabelecendo ainda que o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo legal depuserem a favor ou contra o agente.

XIII - Os factos praticados pelo arguido são de extrema gravidade, causam repulsa no tecido social e são uma manifestação do pouco que vale, entre nós, a vida humana, reclamando uma intervenção vigorosa dos tribunais para dissuadir potenciais delinquentes, tranquilizar a comunidade e afastar sentimentos persistentes de residual vingança.

XIV - O arguido manifestou uma vontade criminosa da maior intensidade, congeminou o propósito de matar a vítima, com premeditação dias antes, desde que regressou do Brasil e se deslocou a casa dos pais de L, alimentando essa firme resolução homicida. O arguido, norteado por esse ímpeto criminoso, levou a cabo, com desprezo pela condição humana de L e de terceiros seus familiares, todos os actos de agressão até consumar a supressão da vida daquela.

XV - A espera que o arguido desenvolveu a L (aguardando escondido e armado durante cerca de 2 h), a abordagem súbita e repentina aos vários ocupantes do veículo em que se faziam transportar, os disparos efectuados e as agressões praticadas em várias pessoas, e o resultado dessas agressões (para além dos ferimentos físicos em vários familiares da ex-companheira, a morte desta com apenas 26 anos e deixando na orfandade 4 crianças de pouca idade) evidenciam uma personalidade violenta, de indiferença, avessa ao respeito pela vida e integridade física alheias, uma atitude moral e interna de desprezo profundo ante esses valores fundamentais, um elevado grau de ilicitude enquanto expressão de grave contrariedade à lei e do enorme desvalor ético-social e jurídico do resultado.

XVI - A vertente de prevenção geral não pode deixar de pesar na formação da pena, como modo de assegurar a crença dos cidadãos em geral na força e eficácia da lei, neutralizando potenciais impulsos criminosos de terceiros; a vertente de prevenção especial implica a necessidade de um elevado grau de reeducação para o arguido, carecendo de, em reclusão, fazer uma aprendizagem de interiorização dos maus efeitos dos crimes cometidos.

XVII - É de muito reduzido o valor da declaração, corrente, de que o arguido está arrependido o que, à falta do concurso de outros actos, traduz, na maior parte dos casos, puro estragema de tentativa de redução da pena, considerando-se ajustadas as penas parcelares de 19 anos de prisão e de 7 anos de prisão, respectivamente, para os crimes de homicídio qualificado praticados pelo arguido nas formas consumada e tentada.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL

Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça :

 Em processo comum , sob o n.º1081/09.7JAPRT , do Tribunal de Sabrosa  , foi submetido a julgamento em tribunal colectivo  ,e ,  a final , condenado AA , devidamente identificado nos autos ,  pela prática, em autoria material e concurso real, de:

   - um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131° e 132°, nºs 1 e 2, alíneas b), e) e j), do Código Penal, agravada nos termos do artº 86º, nº 3, da Lei 5/2006, de 23.02, na redacção introduzida pela Lei 17/2009, de 06.05, na pena de 21 (vinte e um) anos de prisão.

   - um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 131º, 132º, nº 1 e 2 alínea a) e artigos 22º e 23º todos do Código Penal, agravada nos termos do artº 86º, nº 3, da Lei 5/2006, de 23.02, na redacção introduzida pela Lei 17/2009, de 06.05, na pena de 8 (oito) anos de prisão.

   - dois crimes de ofensa à integridade física simples, p. p. pelo artº 143º, nº 1, do C. Penal, cada um na pena de 6 (seis) meses de prisão.

- Um crime de ofensa à integridade física qualificada do 143º, nº 1, 145º, nº 1, alínea a) e nº 2 por referência ao artigo 132º, nº 2, alínea h) todos do Código Penal, agravada nos termos do artº 86º, nº 3, da Lei 5/2006, de 23.02, na redacção introduzida pela Lei 17/2009, de 06.05, na pena 18 (dezoito) meses de prisão.

- Um crime de injúria, p. p. pelo artº 181º, do C. Penal, pena de 1 (um) mês de prisão.

- Um crime de detenção ilegal de arma, p. p. pelo artº 86º, nº 1, c) e artº 3º, a), da Lei n° 5/2006 de 23 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei nº 17/2009 de 06.05, na pena de prisão de 2 anos de prisão.

            Em cúmulo jurídico, foi-lhe aplicada  a pena única de 25 (vinte e cinco) anos de prisão.

  

   Foram  , ainda ,  julgado  parcialmente procedentes :

-os  pedidos  cíveis  deduzidos pelo demandante BB e condenado  o demandado AA a pagar-lhe a quantia de €3.500,00 (três mil e quinhentos euros),  acrescido de juros de mora legais cíveis, contados desde a notificação do pedido até efectivo e integral pagamento, por  CC e condenado  o demandado AA a pagar-lhe a quantia de €14.900,14 (catorze mil novecentos euros e catorze cêntimos);   pelos  menores DD, EE, FF e  GG, e assim condenado ao pagamento  :  

À menor DD do montante de €46.950,00 (quarenta e seis mil novecentos e cinquenta) euros;

À menor EE do montante de €45.325,00 (quarenta e cinco mil trezentos e vinte e cinco) euros;

Ao menor FF do montante de €46.675,00 (quarenta e seis mil seiscentos e setenta e cinco) euros;

À menor GG do montante de €57.575,00 (cinquenta e sete mil quinhentos e setenta e cinco) euros.

 Mais se  julgou  parcialmente procedente o pedido cível deduzido pelo demandante HH e condena-se o demandado AA a pagar a quantia de €500,00 (quinhentos euros).

O arguido foi condenado ao pagamento ao Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro do montante de €548,02 (quinhentos e quarenta e oito euros e dois cêntimos), acrescida de juros à taxa legal cíveis, contados desde a notificação.

Em recurso intentado para a Relação , este Tribunal superior  , alterando , parcialmente ,  o decidido , condenou o arguido pela prática de um crime de homicídio qualificado , p. e p. pelos art.ºs 131.º , 132.º n.ºs 1 e 2 b) e j  ) , do CP , agravado por força do disposto no art.º 86.º n.º 3 , da Lei n.º 5/2006 , de 23/2 , na redacção dada pela Lei n.º 17/2009 , de 6/5 , na pena de 20 anos de prisão , reduziu de 8 para 7 anos , a pena imposta pela prática de  um crime de homicídio tentado,  qualificado,  nos termos dos art.ºs 131.º , 132 .º  n.º 2 a)  , do CP e 86.º n.º 3 , da supracitada Lei n.º 5/2006  e para 16 meses de prisão a de 18 meses por que o arguido foi condenado correspondente ao crime de ofensas à integridade física qualificada , p . e p . pelos art.ºs 143.º n.º 1 , 145.º n.ºs  1  a) e 2  , do CP , com referência ao art.º 132.º n.º 2 h) , do CP  .

Em cúmulo jurídico , de tais penas , com as demais ,  aplicou ao arguido a pena de 24 anos de prisão .   

O arguido , inconformado com o teor do decidido interpôs recurso , apresentando na motivação as seguintes conclusões :

Relativamente ao  crime de homicídio qualificado consumado de que foi vitima II o recorrente defende  apenas um crime de homicídio simples p. e p. pelo art. 131 do C. Penal e que, assim sendo, entre a moldura penal abstractamente aplicável ao caso (8 a 16), a pena concreta deve ficar-se pelos 12 anos, a meio termo entre o mínimo legal (8) e o máximo (16). Com efeito,

As  qualificativas jurídicas consideradas  pela lª instância, e em sede de recurso mantidas pelo tribunal ora recorrido (Tribunal de Relação do Porto), das alíneas b) e j) do nº. 2 do art. 132º do Código Penal, continuam mal aplicadas, em desrespeito ou violação das mesmas normas, por acção, porquanto toda a factualidade já tida por provada e não provada, é de molde a não as fazer aplicar.

 As referidas circunstâncias agravantes ou qualificativas, quer a da alínea b) do nº. 2 do art. 132º, quer a da alínea j), não operam automaticamente, de per si, precisando sempre de se reconduzirem no conceito ou clausula geral do nº.1 do citado normativo por forma a que sejam subsumíveis ou traduzidas como sendo, "circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade.

E no caso vertente defende o arguido que tal não pode ser entendido nos autos quer pelo tribunal da lª quer pelo da 2ª instância, e agora nesta sede de última, como condições para a sua aplicação, estando portanto violado, por acção, tais preceitos legais.

O arguido só deve ser censurado penalmente por ter retirado a vida a uma mulher, (in casu a "amante"), mas não de molde a extravasar-se esse quadro jurídico normal previsto para o homicídio - tipo (simples, do art. 131º do C.Penal). E tanto assim que o critério aferidor das qualificativas, enumeradas exemplificadamente no nº. 2 do art. 132º, assentam na culpa do agente.

Na verdade  o homicídio simples já contem em si ideia q.b. de censurabilidade.

O arguido, naquelas circunstâncias concretas em que actuou -sozinho, tendo de frente uma família "contra ele" (pelo menos potencialmente) e apesar de ter nas mãos uma arma de fogo, não teve um comportamento assim tão feroz, bárbaro, e tão profundamente distanciado em relação a uma (desejável) determinação de acordo com os valores e ética sócio-juridicos.

Banalizar  as circunstâncias especiais (ao considerar que são "especial censurabilidade ou perversidade") é, na prática, tornar todos os crimes em qualificados e, consequentemente, alterar o quadro jurídico legalmente imposto pelo legislador penal.

 Igualmente não se concebe, disso se discordando, que - e sempre tendo presente todo o circunstancialismo fáctico e motivacional em que o arguido actuou -  este tenha agido com "frieza de animo, reflexão sobre os meios empregados ou persistido na intenção de matar por mais de 24 horas" e tenha,  “ ipso facto “ , caído na   cláusula geral do n.º .1 do art. 132º, ou seja, que se tenha verificado uma circunstância reveladora de especial censurabilidade ou perversidade.

 Manteve ainda, o tribunal recorrido, a agravação ao homicídio consumado nos termos do art. 86º nº. 3 da lei 5/2006 (Lei das Armas), agravação esta que o arguido continua a não aceitar e considera, por isso, ilegalmente aplicada, (e assim também violado, por acção, este normativo legal).

 Não pode nunca esquecer-se que as lesões mortais, tal qual são descritas no relatório de autópsias e suas conclusões - relatório aqui chamado à colação e que se dá por integramente reproduzido para todos os legais efeitos - não foram causadas pela utilização normal, típica, da arma mas, ao invés, esta foi usada atipicamente, como se de um vulgar bastão ou pau, se tratasse.

E temos ainda de ter presente que o tribunal da 1ª instancia em rigorosamente nada fundamentou a agravação, continuando portanto violado por omissão de pronuncia (que gera nulidade) a norma do art. 375º nº. 1 do C.P.P., a par do art. 86º nº. 3 da Lei das Armas - violação não sanada pelo tribunal da 2ª instância ora recorrido.

 Sendo certo que o tribunal já deu como provado que o arguido/recorrente utilizou uma arma para cometer o crime de homicídio na pessoa da II havia que fundamentar-se o conceito "de arma" como sendo o previsto na Lei das Armas - ademais sendo certo que tal agravação ("qualificação") opera, esta sim, automaticamente (nº. 3 do art. 86º da Lei das Armas).

 Ora demonstrado que está que a causa da morte não foi uma arma de fogo, no sentido de ter sido usada tipicamente como tal, mais necessário ainda se tornaria, e torna, produzir fundamentação da norma aplicada, para justificar a referida agravação - o que, de todo, não se verificou nos autos.

E assim deve o STJ :

a)         anular, "deixando cair", ou desatender, a condenação do recorrente com base nas qualificativas das alíneas b) e j) do nº. 2 do art. 132º com referencia à não verificação - em concreto - do nº. 1 do mesmo preceito legal do C. Penal,

b)        bem como, de igual modo a agravação do nº. 3 do art. 86º da Lei das Armas, e (alterando em conformidade a (des)qualificação jurídica) consequentemente,

c)         condenar o arguido pelo crime de homicídio simples p. e p. do art. 1312, numa pena concreta a fixar entre os 8 e 16 anos e que se deve ficar pelos 12 anos.

d)        anular, sempre e em todo o caso, a agravação atrás referida e aplicar para a hipótese académica de se manter, ainda que uma qualquer, ou as duas, qualificativas do nº.2 do art. 132º, consequentemente, uma pena concreta entre a moldura dos 12 aos 25 anos que se deve ficar pelos 16 anos.

Assim vistas  as desqualificativas do crime de homicídio consumado na vitima II que vem sendo analisado, bem como quanto à desagravação nos termos da Lei das Armas, sempre se há-de considerar que (mesmo tendo em conta tais qualificativas e agravações) a pena (20 anos) concretamente aplicada pelo tribunal da 2. ª   instância continua manifestamente exagerada, pois que,

Em todo aquele circunstancialismo (fáctico e jurídico) a pena nunca deveria (deverá) ir além dos 17 anos, mostrando-se portanto violados as normas dos art. (s) 131º,132º com referência ao art. 71º do C. Penal.

É que, e sendo este o crime mais gravemente sentenciado ao arguido em presença dos restantes (homicídio tentado, 3 de ofensas à integridade física, injúrias e detenção de arma) há-de ser o seu montante concreto a servir de base/ponto de partida ao cumulo jurídico que, necessariamente, terá de fazer-se para efeitos da pena única.

Os cidadãos não podem ficar com a ideia (má, perversa) de que tanto se "apanha" nos tribunais em matar uma pessoa como uma dúzia.

 Em relação ao crime de homicídio tentado da (vítima) GG no seguimento do que acaba de se dizer quanto ao exagero da pena concreta aplicada ao homicídio consumado da II, defende-se que - ainda que venha a ser mantido pelo tribunal de última instância (S.T.J.), -quer a circunstância qualificativa da alínea a) do nº. 2 do art. 132º com referencia ao nº. 1 do C. Penal,  venha a ser mantida a agravação pelo uso da arma, sempre se há-de/deve entender que a pena concreta aplicada a este crime - 7 anos - se reputa por demasiada severa, gravosa e, assim, injusta (com violação do art. 71º do C. Penal em primeira linha e em 2ª análise em violação dos art. (s) 22º 23º nº. 2 com 71º, 72º e 73º do C. Penal porquanto sendo-o na forma tentada a punição do arguido beneficia, ope legis, da atenuação especial do art. 73º do C. Penal).

23ª Conclusão: Defende, pois, o recorrente que mesmo a ser mantida por V.(s) Ex.ª (s) toda a qualificação jurídica aplicada/mantida pela 2ª instância, sempre a pena concreta deste crime há-de ser reduzida para muito próximo do ser limite mínimo legal atendendo a que, em relação a GG, nunca  passou -face à matéria provada - pela cabeça do arguido fazer-lhe mal, e a sua conduta é-lhe imputada a título de dolo eventual.

E se em relação ao dolo directo do homicídio da II a 2ª instância (e entre os 16 e os 25 anos) aplicou menos de metade "da pena - média", in casu 20 anos; até para haver "justiça relativa" em relação à pena deste crime se deve aplicar uma pena concreta bem menos abaixo que a "pena - média" pelo que se deve (devia) ficar pelos 4 anos.

O recorrente, e na esteira do que se disse atrás quando à agravante (qualificativa) da alínea a) do art. 132º nº. 2 do C. Penal a propósito , do crime de homicídio da vitima II, igualmente defende que tal qualificativa não deve ser mantida por V. (s) Ex.ª (s), devendo portanto ser anulada - mostrando-se portanto violado, por acção, aquele preceito legal art. 132º do C. Penal.

 Mutatis mutandis o que dito foi sobre a agravação do nº. 3 do art. 86º da Lei das Armas e sempre a propósito do homicídio da II, vale aqui agora acerca do crime de homicídio tentado na pessoa da GG, e de igual modo o recorrente se dispensa de repetir e defender a mesma argumentação/fundamentação atrás explanada. Mostra-se assim violada, por acção, a Lei das Armas (art. 86º n.º 3).

 Sendo assim o arguido deve tão-só ser condenado por um crime de homicídio (simples) na forma tentada sendo que, partindo do binómio 8 -16 e lançando mão da operação das regras da especial atenuação do art. 73º do C. Penal aplicável ex-vi do art. 72º e este por remissão do art. 23º nº 2, a pena concreta se há-de encontrar entre os 19 meses e os 10 anos é 8 meses; pelo que defende o recorrente que a pena tida por justa e adequada há-de ser a de 3 anos, mostrando-se violadas, por omissão, o. art. 131º com referência ao 23º nº. 2 e 73º com 71º do C. Penal. SEM PRESCINDIR,

 Sempre, e independentemente da qualificação do homicídio da vítima GG, se há-de ter presente que a penalização tem que beneficiar da atenuação especial, que opera ope legis por força daqueles atrás citados preceitos legais (art. 23º nº 2 com art. 72º e 73º do C. Penal) - situação que as anteriores instâncias não levaram em conta, mostrando-se assim violados estes preceitos legais. Encontra-se pois violado o art. 131º do C. Penal pois não foi este o preceito legal considerado para a condenação do recorrente.

 Em relação as condenações do arguido nas vitimas CC, BB e HH e ainda quanto à posse de arma, há a reter que todos estes tipos de crime (art. 143º nº.1 do C. Penal - ofensa à integridade física simples; art. 181º - injuria e; art. 86º nº.1 alínea c) e nº. 2 da Lei das Armas - a Lei 05/2006, na redacção da Lei 17/2009 de 06.5) prevêem penas de prisão ou multa.

Ora, no caso vertente dos autos não se descortinam razões suficientemente válidas e minimamente fundamentadas para justificar o desvio ou não aplicação do princípio geral contido no art. 70º do C. Penal que impõe ao julgador a preferência/prevalência pela pena não detentiva da liberdade (penas de multa). Mostra-se assim violado este preceito legal do art. 70º do C. Penal.

Portanto, o recorrente continua a defender que, face a todo o seu percurso de vida anterior ao dos factos, percurso provado nos autos sobre a sua pessoa, (homem de trabalho, esforçado, perfeitamente integrado socialmente, que até mantinha duas mulheres no seu agregado familiar) não se descortinam razões para crer que as penas de multa não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Os factos praticados pelo arguido naquele fatídico dia foram um acidente de percurso na sua vida, um conjunto de factos ocasionais.

Assim, a opção da 1ª instância pelas penas de prisão relativamente a estes crimes aqui e agora em análise (ofensa à integridade física simples, injurias e detenção ilegal de arma), opção essa mantida pela 2ª instância deve ser alterada/anulada pelo tribunal de recurso devendo agora, nessa sede de instância última, serem aplicadas penas de multa aos referidos crimes e, operado o cúmulo respectivo. Mostra-se, pois, violada a norma do art. 70º do C. Penal.

 Aceita-se agora nesta face de recurso perante o S.T.J. que as conclusões do relatório de perícia médico-legal-psiquiatrico de folhas 535 a 541, com a inerente diminuição da imputabilidade do arguido não devem ser tidas como impostas ao julgador,  porquanto a 2ª instância convenceu o recorrente de que a 1ª (Tribunal de Sabrosa) fundamentou cabalmente - art. 163º nº. 2 do C.P.P. - a não aplicação do art. 163º nº.1 do C.P.P. e, bem assim, deve ser mantida a regra do livre arbítrio do julgador prevista no art. 127º do C.P.P. .Porém,

Sempre a matéria provada nos autos é de molde a considerar-se, posição aqui defendida e pugnada que "... existiram circunstâncias anteriores ao crime...que diminuem por forma acentuada..." (se não a "ilicitude do facto ou a culpa do agente" no mínimo) "...a necessidade da pena", por forma a que ao recorrente seja aplicada uma atenuação especial das penas (art. 72º do C. Penal), o que não tendo acontecido mostra que foi violada esta norma jurídica;

Tais circunstâncias anteriores estão devidamente provadas nos autos relevando, entre as muitas, o estado de nervosismo e ansiedade do agente/arguido, fruto de não ter dormido e se alimentado convenientemente na semana anterior ao crime (de 10 a 19 de Julho de 2009) desde que chegara do Brasil e se acolhera na casa dos seus pais, bem como todo isto conjugado com as diversas tentativas de falar com a II as quais, frustradas, o deixaram ainda mais angustiado, desprezado e humilhado na sua auto-estima. Com efeito,

 Para o arguido, sobretudo na idade em que se encontra do 37 anos e atendendo a que sempre devotou uma vida inteira ao trabalho (muitos foram os dados neste sentido tidos por provados) sem falhas de malandragem ou vagabundice, sempre com cuidados redobrados em manter uma família alargada (2 mulheres e filhos de ambas) as penas concretas aplicadas ao arguido por todos os crimes que cometeu devem, sempre e em qualquer caso. reflectir esta "atenuação especial" com base naquela (desnecessidade" de penas demasiado elevadas ou pesadas. Isto é, todo o percurso anterior do arguido deve ser tido em conta por forma a premiá-lo com esta não-necessidade de penas demasiado gravosas e, bem assim, deve ser púnico com penas concretas em montantes muito próximos dos limites mínimos legais previstos para cada tipo de crime que cometeu. Ao não ter lançado mão desta previsão normativa o tribunal violou por omissão este art. 72º do C. Penal pugnando o arguido agora pela sua aplicação por forma a que as penas reflictam aquela suavidade.

Em face de tudo quanto atrás se expôs, deve ser operado/reformulado o cúmulo jurídico com base nas penas concretas dos diversos crimes que atrás o recorrente defendeu, e/ou venham a ser mantidas, por forma a que a pena única de todos os crimes cometidos, nunca seja de montante superior a 18 anos.

            Factos provados, com pertinência e relevo:

   1) O arguido e II viveram juntos como se fossem marido e mulher, partilhando a mesma cama, a mesma habitação e fazendo juntos todas as refeições durante cerca de sete anos.

   2) Da união entre o arguido e a ofendida II nasceram três filhos: EE, nascida a 19.01.05, FF, nascido a 24.06.07 e GG dos Santos nascida a 25.10.08.

   3) A relação entre o arguido e a ofendida iniciou-se, então, em data não concretamente apurada do ano de 2002 e manteve-se até Junho de 2009, altura em que a ofendida fugiu do Brasil, para onde entretanto haviam ambos emigrado.

   4) A ofendida II nunca recorreu a tratamento médico ou hospitalar nem apresentou queixa junto das autoridades competentes portuguesas.

   5) Alegando agressões de que foi vitima no Brasil, a II apresentou, por duas vezes, queixa junto das autoridades judiciárias brasileiras, tendo o arguido AA aí sido detido duas vezes, na 2ª vez de 19.06 a 01.07.09.

   6) Na sequência da aludida queixa a II fugiu para Portugal, tendo o arguido regressado a Sabrosa no dia 10 de Julho de 2009, com a firme resolução de, aqui, se encontrar com ela e tirar-lhe a vida, como efectivamente veio a fazer em obediência ao plano que previamente havia urdido.

   7) Assim, e após inúmeras tentativas de contacto falhadas, no dia 18 de Julho de 2009, cerca das 19 horas e 30 minutos, o arguido AA deslocou-se à Rua ..., na freguesia de ..., ..., nesta comarca de Sabrosa, local onde se situa a habitação da mãe da ofendida II, CC, e onde aquela se encontrava a habitar desde o seu regresso.

   8) Fê-lo o arguido munido de uma arma tipo espingarda de caça, calibre 12, com um cano de alma lisa com o comprimento de 66 cm, apresentando as marcações S.P.A. Luigi Franchi- Brescia-Made in Italy 48/AL 12 GA, com o número de série D 82044 que, momentos antes, havia retirado da habitação do seu pai, JJ, apesar de não ser titular de licença ou outro documento com força legal equivalente que o habilitasse a deter, conservar e manusear aquele tipo de armas.

   9) Porque quando aí chegou não encontrou ninguém na habitação, o arguido, continuando movido pelo fim último de tirar a vida à II, escondeu-se na vegetação que envolve a casa de CC e aí permaneceu escondido durante cerca de duas horas, aguardando que aquela regressasse a casa.

   10) Tal veio a acontecer cerca das 22 horas, quando a II, acompanhada da sua mãe CC, do seu padrasto HH, dos seus irmãos KK e BB e das suas filhas DD e GG, esta com apenas oito meses de idade, voltava de um passeio que havia realizado durante todo o dia à cidade de Guimarães, fazendo-se todos transportar no veículo automóvel de marca Opel, modelo Corsa com a matricula -FG-, conduzido pelo seu referido irmão.

   11) Quando BB imobilizou o veículo automóvel em frente à habitação da sua mãe, o arguido surgiu repentinamente do meio da vegetação, onde se encontrava escondido, e apontou a arma caçadeira com que se encontrava munido em direcção ao mencionado veículo automóvel ao mesmo tempo que gritava bem alto: “todos para fora do carro”.

   12) Nesse momento BB e HH saíram do veiculo automóvel e dirigiram-se ao arguido tentando acalmá-lo, o que não conseguiram, tendo este batido com a ponta da arma que trazia consigo na zona superior do braço esquerdo do BB, o que lhe causou, directa e necessariamente, escoriação no braço esquerdo e cicatriz linear no mesmo membro, de forma ovóide, de maior dimensão longitudinal, medindo três centímetros e a transversal dois centímetros, para cura das quais esteve doente durante 10 dias sem afectação da capacidade de trabalho geral ou profissional.

   13) Logo após, também a CC saiu apressadamente do veículo e dirigiu-se ao arguido tentando, embora em vão, que o mesmo se acalmasse e largasse a arma que trazia consigo, ao mesmo tempo que lhe dizia: “AA não mates a minha filha que tem a GG ao colo”.

   14) Vendo a CC à sua frente o arguido agarrou-a por um braço e empurrou-a contra o muro da habitação ao mesmo tempo que lhe dizia: “o que a sua filha me fez no Brasil não tem perdão. Ela não vai sair daqui viva”.

   15) Com tal conduta o arguido causou à CC, directa e necessariamente, dores no antebraço direito que careceram de tratamento médico-hospitalar.

   16) Logo após, o arguido colocou-se a cerca de três metros do vidro de trás do veículo automóvel onde ainda permaneciam, no banco traseiro, a II com a filha de ambos, GG, ao colo, e apontando-a na direcção do aludido vidro e daquelas premiu o gatilho, com que fez deflagrar, pelo menos, um projéctil.

   17) De seguida o arguido, continuando movido pela forte vontade de tirar a vida à II e não ignorando que esta tinha a filha de ambos ao colo, dirigiu-se para o lado direito do veículo automóvel e como esta tinha a porta trancada partiu o vidro com a arma caçadeira com que se encontrava munido.

   18) Por se ter apercebido que a II ainda se encontrava com vida e tinha fugido do lado direito para o lado esquerdo do carro, o arguido, através do vidro traseiro lateral direito que entretanto havia partido com a caçadeira, introduziu o cano da arma caçadeira no interior do veículo e, estando a cerca de 50 cm da II e da GG, premiu novamente o gatilho, fazendo deflagrar um outro projéctil.

   19) Tais projécteis atingiram a pequena GG na face anterior e inferior do hemitórax e hipocôndrio esquerdo e penetraram no terço médio da face posterior do membro superior direito de II, descrevendo uma trajectória de trás para a frente, em forma de cone de base anterior, vindo a sair ao nível do terço inferior da face anterior do braço, imediatamente acima da prega do cotovelo, provocando as lesões melhor descritas e examinadas no relatório de autópsia de fls. 462 a 475, concretamente 466, que aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os legais efeitos.

   20) Apesar de já estar ferida a ofendida II conseguiu sair do interior do veículo automóvel, levando a filha GG ao colo, e fugiu em direcção ao pátio da habitação da sua mãe sendo sempre seguida pelo arguido AA que, correndo, continuava no seu encalce.

   21) Porque não conseguiu entrar na habitação nem esconder-se em nenhum outro local, a II entregou a filha GG à sua irmã LL que, em virtude da confusão gerada se tinha entretanto abeirado apressadamente do local, saltou para a estrada e refugiou-se nas costas da LL.

   22) Nesse momento, estando ambas apenas a cerca de 2 metros de distância do arguido, o arguido AA apontou a arma caçadeira, que trazia consigo, em direcção à parte inferior das pernas da II, premiu o gatilho e fez deflagrar um projéctil, que veio a atingir a LL que se encontrava a cerca de dois metros do arguido causando-lhe, dessa forma, directa e necessariamente, dores e escoriações para cura das quais esteve doente durante 15 dias, com afectação da capacidade de trabalho geral e profissional

   23) Após este último disparo efectuado pelo arguido, a ofendida II continuou a fugir ao longo da Rua 25 de Abril, no que foi sempre seguida pelo arguido AA que corria atrás de si.

   24) Encontrando-se a ofendida II já seriamente ferida, aliado ao facto do arguido ter desferido um golpe com a coronha da espingarda no corpo da mesma, aquela caiu ao chão e foi alcançada pelo arguido AA que, de seguida, com a coronha da arma caçadeira que trazia consigo, desferiu várias e violentas pancadas na cabeça da II, acabando mesmo, por força da violência que imprimiu, por partir a coronha, em metal maciço, da arma caçadeira.

   25) Com tal conduta o arguido causou à II, directa e necessariamente, as lesões crânio-encefálicas que se encontram melhor descritas e examinadas no relatório de autópsia de fls. 462 a 475 que aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os legais efeitos, que tiveram como consequência directa e necessária a morte daquela.

   26) O arguido sabia que a arma que detinha estava carregada com projécteis, tal como sabia que, ao accionar a referida arma apontando para a zona sub-axilar direita e bem assim desferindo várias violentas pancadas na cabeça de II, utilizando, para o efeito a arma com que se encontrava munido, lhe poderia provocar a morte, com aliás pretendia e veio efectivamente a acontecer.

   27) Contudo, apesar de tal conhecimento, o arguido, ciente de que a referida arma tinha uma grande capacidade agressiva para os tecidos humanos e, bem assim, que era particularmente perigosa para a integridade física daqueles contra quem fosse disparada, não se absteve de actuar da forma acima descrita, efectuando os referidos disparos, quando se encontrava próximo da II e da GG, e desferindo àquela violentas pancadas na zona da cabeça, actuando com o propósito concretizado de lhe retirar a vida.

   28) Causou ainda o arguido, de forma directa e necessária, à sua filha GG tumefacção com cicatriz distrófica situada na face anterior e inferior do hemitórax esquerdo e hipocôndrio esquerdo e contusão pulmonar esquerda, lesões essas que ainda, nesta data, não se encontram completamente estabilizadas.

   29) O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, na execução de um propósito firme, tenaz e irrevogável de tirar a vida à II, como de facto tirou, utilizando para tal meio que deliberadamente escolheu e que, como se referiu, sabia ser particularmente idóneo à produção do fim visado, executando tal propósito em circunstâncias de completa impossibilidade de auto defesa da vitima, sendo certo que actuou ainda com manifesta e completa insensibilidade perante o valor da vida humana daquela que havia sido, durante sete anos, sua companheira, valor esse que bem sabia dever particularmente respeitar.

   30) A ofendida GG, filha do arguido, só não morreu por facto independente da vontade deste, uma vez que por obra do acaso e da sorte que a bafejou não foi atingida em qualquer órgão cujo colapso provocasse morte imediata, como o arguido representou que podia acontecer, bem sabendo que a podia ter atingido em órgãos vitais, bem porque, foi a sua filha GG de imediato submetida a tratamento clínico hospitalar.

   31) Apesar de ter representado como possível o sobredito resultado o arguido não se coibiu de disparar na direcção da sua filha GG, quando esta se encontrava ao colo da sua mãe II, demonstrando, uma vez mais, uma manifesta e completa insensibilidade e desrespeito pela vida da sua filha de apenas oito meses de idade.

   32) O arguido actuou ainda com o propósito conseguido de molestar CC e o ofendido BB no seu corpo e na sua saúde, mau grado saber que não podia nem devia fazê-lo e que tal conduta era proibida e punida por lei.

   33) Ao disparar na direcção da parte inferior das pernas da II quando esta se encontrava escondida nas costas da sua irmã LL, estando ambas apenas a cerca de 2 metros de distância do arguido, este representou que poderia vir a atingir a LL nas pernas e nos pés, como efectivamente aconteceu, não se tendo no entanto coibido de premir o gatilho e fazer deflagrar o correspondente projéctil, molestando-a assim no seu corpo e na sua saúde, conduta que, bem sabia, lhe era proibida e punida por lei.

   34) Agiu também o arguido com intenção de deter, conservar e manusear aquela arma, bem sabendo que era necessário ser possuidor de documento habilitador da sua detenção emitido pelas entidades oficiais competentes, o qual não possuía.

   35) Aquando dos factos referidos em 11) e 12) o arguido dirigindo-se ao HH chamou-lhe seu “  preto do caralho “  com intuito de injuriar o HH na sua honra e consideração.

   36) Actuou sempre o arguido de forma livre, deliberada e conscientemente bem sabendo que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

   37) O arguido foi condenado, no processo nº 1/08.0IDVRL de Sabrosa, pelo crime de abuso de confiança fiscal continuado, por sentença transitada de 17 de Dezembro de 2009, na pena de 5 meses de prisão suspensa a sua execução por um ano na condição de, em tal período, pagar ao fisco €34.272,00.

   38) O arguido é originário de uma família de 4 filhos, tem o 6º ano de escolaridade e encontra-se a estudar no EP para concluir o 9º ano de escolaridade.

   39) O arguido encontra-se divorciado, tem dois filhos do casamento e 3 filhos da relação com a falecida II, dos quais dois residem com os avós paternos e um com a avó materna.

   O arguido declarou em julgamento estar arrependido.

   39a) No relatório médico-psiquiátrico de fls. 534 a 541 e que aqui se dá por integralmente reproduzido, concluiu-se que:

   - Examinado apresentou à observação sintomatologia compatível com o diagnóstico de Perturbação situacional transitória, de acordo com o código 308 da 9ª Revisão da Classificação

   - Não é pacífica a discussão imputabilidade vs. inimputabilidade. De facto, este tipo de perturbações, embora transitórias, reactivas a uma provação física ou psíquica de carácter excepcional, podem atingir tal gravidade que alguns as denominam “delírio por esgotamento”. Estados em que é tal o desespero, o desamparo, que o campo da consciência se retrai, o sujeito fica obcecado (cego), muito condicionado o alvedrio, a margem de manobra no governo de si dramaticamente estreitada.

   - Ainda assim, e tudo ponderado (aqui não peso o facto de o examinado ter manifestado enfaticamente a sua higidez mental e física não lhe agradando a possibilidade da inimputabilidade), proponho que o arguido seja considerado imputável porque, aquando dos factos, podia escolher outra solução para a sua tragédia pessoal.

   - E porque esse espaço de liberdade era exíguo, há cabimento à proposta de atenuação dessa imputabilidade.

   39b) A metodologia seguida no relatório pericial psiquiátrico consistiu na entrevista clínica ao arguido, na consulta das peças processuais facultadas e em entrevista ao pai do arguido.

   Do pedido cível.

   40) Na sequência da conduta do arguido as ofendidas GG e LL foram admitidas no Serviço de Urgência do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, unidade de Vila Real.

   41) Tal como sucedeu com a ofendida CC a qual foi admitida no serviço de urgência no dia 19.07.09.

   42) Os episódios de urgência, exames complementares de diagnóstico e transporte de ambulância orçaram na quantia de €548,02.  

   43) O ofendido BB com o referido em 12) sofreu dores e constrangimento psicológico.

   44) O ofendido BB com a morte da irmã e os ferimentos da sobrinha GG ficou com o seu sistema nervoso alterado o que ainda se verifica hoje, tendo dificuldade em dormir e ficado triste e amedrontado. 

   45) A CC é avó da DD, EE, FF e GG.

   46) A menor DD, filha de um anterior casamento da falecida II, está judicialmente entregue à guarda da CC, enquanto a GG estava sob a guarda da sua mãe, tendo vivido mãe e filha na casa da CC, após os factos praticados pelo arguido, a GG continua aos cuidados da avó materna.

   47) Enquanto os menores EE e AA, se encontram a residir com os avós paternos, sendo que à data do falecimento da mãe dos meninos, lutava para que os avós paternos lhe entregassem os filhos, tendo mesmo apresentado queixa no posto da GNR de Sabrosa, que deu origem ao Proc. nº 91/09.9GASBR.

   48) Após a morte da II, a menor GG continuou, entregue aos cuidados da avó materna, CC, tendo esta a tutela provisória da menor.

   49) E os menores EE e AA, a residir com os avós paternos, estando em litígio um pedido de tutela instaurado pela avó materna relativamente aos três menores, que corre termos neste Tribunal, Proc. n.º 138/09.9TBSBR.

   50) A falecida II não estava casada com o aqui Demandado/arguido, pelo que, sucederam-lhe como únicos e exclusivos herdeiros, os seus filhos menores, DD, EE, AA e GG.

   51) A falecida II tinha 26 anos à data da sua morte, tendo nascido a ….

   52) Era trabalhadora e com gosto pela vida.

   53) A falecida II era uma mulher saudável, muito alegre, de sorriso constante, amante da vida.

   54) E era muito estimada pela família, pelos amigos e pelos vizinhos.

   55) A falecida II teve a percepção da morte, tendo sofrido muitas e arrepiantes dores, e tendo sentido a angústia e o terror pela sua própria morte.

   56) Teve a percepção que a sua filha GG tinha sido atingida por um dos tiros, e que estava banhada de sangue, tendo ainda a preocupação de procurar ajuda para salvar a filha a igual fim.

   57) A falecida II dedicava-se aos seus quatro filhos atenção e carinho, tudo fazendo para lhes dar uma vida com todo o conforto e comodidade.

   58) Os filhos da II nutriam pela sua mãe um amor e um carinho normais para crianças da sua idade, sendo que à data dos factos tinham respectivamente 9, 4, 2 e 8 meses de idade.

   59) Os menores, DD; DD e GG sofreram e continuarão a sofrer durante longo tempo grande desgosto pela morte da sua mãe, tal como sofrerá o AA.

   60) A menor DD ainda não conseguiu recuperar do choque, que constituiu a morte súbita da sua mãe.

   61) Pese embora, o acompanhamento psicológico que de imediato recebeu e que vem a ter desde o dia da morte da mãe, dificilmente esquecerá aquilo que viu no dia da morte da mãe.

   62) Pois, encontrava-se no local, tendo visto a sua mãe ser atingida pelo primeiro disparo e o sangue desta espalhado por todo o lado.

   63) Tal como, aquando dos primeiros disparos, tinha a vitima II ao colo, a sua filha GG, na altura com 8 meses de vida, que acabou por ser atingida por um dos projécteis.

   64) Sobreviveu a menor GG, devido ao célere socorro.

   65) A DD às vezes acorda a gritar e ficou nervosa por ter presenciado os factos.

   66) A EE às vezes pede à avó materna “vai buscar a minha mama”.

   67) Desde a data da morte da mãe até à data da dedução pedido cível, que a menor GG se encontra aos cuidados da avó materna e os menores EE e AA aos cuidados dos avós paternos.

   68) A menor GG após ser recebida no Hospital de Vila Real foi, de imediato, encaminhada para o Hospital de São João no Porto, tendo a sua avó materno a acompanhado e onde a própria menor ainda hoje, continua a ser acompanhada, uma vez que as lesões sofridas não se encontram estabilizadas, tendo a GG de ser submetida a nova intervenção cirúrgica.

   69) A avó materna, CC, desloca-se com a menor ao Hospital de São João no Porto todos os meses, uma, a duas vezes.

   70) Tal como tem a CC de acompanhar a menor DD às sessões de acompanhamento psicológico, que a ajudam a superar e de alguma forma atenuar, a sua dor pela perda da sua amada mãe.

   71) A alegria de viver da CC desvaneceu-se, passando a ser uma pessoa triste, sentindo-se definhar lentamente, assim como toda a sua família.

   72) Todos na família passaram a ter dificuldade de descanso e concentração, bem como viram a sua estabilidade emocional fortemente abalada.

   73) O falecimento da filha obrigou a que a neta DD passasse a ter acompanhamento psicológico todas as semanas, tendo a Requerente de a acompanhar, e nesses dias não podendo trabalhar, a acrescentar que, devido à falta de transportes públicos na região, e tendo o veiculo automóvel sido destruído pelo Demandado, teve a CC, sempre que não havia amigos disponíveis para as levar as consultas da DD, de pagar a viagem de táxi.

   74) Acarretando a CC com todas as despesas de deslocação, e medicamentosas, necessárias à estabilização da bebé.

   75) A CC, juntamente com o seu marido HH, pagou as despesas do funeral da sua filha II, no qual despenderam a quantia de €1.709,50.

   76) A CC era mãe da falecida II, que à data da sua morte vivia em economia comum com aquela.

   77) A CC era a proprietária do veículo automóvel marca Opel, modelo Corsa, de matrícula -FG-.

   78) O arguido partiu o vidro traseiro e do lado direito traseiro do veículo automóvel e provocou danos no interior do veículo.

   79) Os disparos efectuados para dentro do veículo, e que atingiram a vitima II e a sua filha GG, que se encontrava no colo da mãe, fez com que o sangue das vitimas, se espalhasse por todos os cantos do veiculo.

   80) A CC e o filho BB, que é quem mais utiliza o carro, não mais conseguiriam entrar no veículo, nem mesmo olhar para ele, pois fazia-os rever o drama que viveram e presenciaram.

              81) Pelo que venderam o aludido veículo e adquiriram um outro, tendo a renegociação do crédito com o stand levado a uma agravamento do crédito, para quem pagava uma prestação de €169,10 e passou agora a pagar uma prestação mensal de €259,51, durante 96 meses.

   82) A reparação dos danos no veículo de marca Opel, modelo Corsa, de matrícula -FG- foram de €5.690,64 (cinco mil seiscentos e noventa euros e sessenta e quatro cêntimos), com IVA incluído.

   Da contestação:

   83) O arguido encontrava-se casado com MM durante o período de tempo que manteve a relação de união de facto com a falecida II, facto de que esta tinha conhecimento.

   84) O arguido tem dois filhos do casamento com a MM.

   85) A falecida II e a esposa do arguido trabalharam juntas na serração em São Martinho durante um período de tempo não apurado.

   86) Em Junho de 2008, o arguido, sozinho, foi para o Brasil.

   97) Nesta altura, Junho de 2008, a II encontrava-se grávida, tendo nascido a GG em 25 de Outubro de 2008.

   98) Em Dezembro de 2008 a II deixou a bebé de dois meses, recém-nascido, em Portugal e foi ter com o arguido ao Brasil.

   99) Em Abril de 2009, a II apresentou uma queixa contra o arguido, alegando agressões deste, junto das autoridades brasileiras fazendo com que - e de acordo com os procedimentos normais naquele país - o arguido fosse de imediato detido.

   100) O arguido foi dias depois, liberto, tendo regressado para a companhia da II.

   101) No dia 19 de Junho de 2009 o arguido foi detido pela segunda vez, face a uma segunda queixa da II, por novas agressões imputadas ao arguido.

   102) Entretanto a II regressou a Portugal.

   103) Em 01 de Julho de 2009, o arguido foi libertado no Brasil.

   104) O arguido desembarcou em Portugal (Lisboa numa quinta - feira, 09 de Julho de 2009), tenho depois apanhado um autocarro rumo ao Porto.

   105) Aí procurou e acabou por consultar um pretenso mestre de macumba, o qual lhe disse que se ele levasse lá a II ou uma simples gota de sangue dela o feitiço seria anulado.

   106) Seguidamente rumou para casa dos seus pais em Sabrosa, onde chegou no dia 10 de Julho de 2009.

   107) O arguido usando o seu telemóvel ligou várias vezes quer para o telemóvel da II quer para o número fixo da casa dela onde vivia com a mãe (…).

   108) No regresso do Brasil e após paragem no Porto o arguido viajou directo para casa dos seus pais onde permaneceu até ao dia 18 de Julho de 2009.

   109) O arguido quando chegou a casa dos pais em Sabrosa no dia 10 de Julho de 2009 os seus pais entregaram ao arguido uma carta registada do Tribunal de Santo Tirso, contendo uma notificação dirigida à II e endereçada àquela morada (Quinta das Netas-Provazende - Sabrosa).

   110) Tal notificação, datada de 20 de Janeiro de 2009, era a comunicação feita pelo 2° Juízo Criminal de Santo Tirso à II de que estava marcada a data de 01 de Outubro de 2009 (9:30 horas para a realização do seu julgamento em processo comum - singular, onde deveria responder pelo crime da detenção de arma proibida. Tal notificação vinha acompanhada da acusação pública da Procuraria da Republica daquele Tribunal Judicial proferida no processo 1679/06.5TASTS.

   111) Ao ler a acusação o arguido ficou a saber que a II era acusada de andar com um arma de fogo, e desde há, pelo menos dois anos antes - 04 de Outubro de 2007.

   112) No dia 18 de Julho, antes dos factos constantes na acusação, o arguido ligou à LL, irmã da II a saber desta e soube por ela que a mesma tinha ido a uma excursão nesse sábado e só chegaria a casa depois das 20:00 horas.

   113) O arguido quando se dirigiu ao carro e se aproximou da porta traseira esquerda, abriu esta e puxou de dentro a CC (mãe da II).

   114) O HH, marido da CC, que viajava "no lugar do morto" após ter saído do automóvel apanhou do chão um bloco de cimento levantou-o e arremessou-o ao arguido a uma distância de 2.5/3 metros.

   115) Tendo o arguido se escudado com a mão direita na qual segurava a arma caçadeira mas, mesmo assim, foi atingido.

   116) Entretanto a DD, filha mais velha da II e a KK (irmã II), também saíram e só ficou no carro a II e a GG.

   117) Antes do arguido partir o vidro do lado direito traseiro do veículo automóvel a II tinha a porta trancada por dentro.

   118) O arguido após ter partido o vidro da janela da porta traseira, com a mão esquerda  , abriu a porta.

Como questão prévia a da recorribilidade  de parte das penas de prisão impostas ao arguido , delimitando , por via residual ,  o poder cognitivo que este STJ é chamado a exercer , considerando que a lei n.º 59/98 , de 25/8 , ao alterar o CPP , pela 15.ª vez , e particularmente o seu art.º 400.º n.º 1 , introduziu um mecanismo de contenção de recursos , decalcado do direito canónico , apelidado de “  dupla conforme “  , que o fautor da lei n.º 48/2007 , de 29/8 manteve no mesmo  art.º 400 .º , ao alterá-lo .

A dupla conforme , enquanto barreira à  reponderação em recurso pelo decidido por tribunal inferior , assenta , fundamentalmente , em razões de ordem lógica e pragmática , pois não faz sentido interpõr recurso , repetindo a argumentação , quando um tribunal superior  já se debruçou sobre o decidido , beneficiando de presunção de acerto , imodificabilidade que mais se impõe em questões de média e pequena criminalidade , com o que se realiza a teleologia presente na regulamentação dos recursos para o STJ , inscrita na Proposta de Lei n.º 109/X, “ de restringir o recurso de segundo grau perante o Supremo Tribunal de Justiça aos casos de maior merecimento penal “ , “ numa óptica de celeridade e eficiência nos recursos “  , abolindo-se , por sistema, um sistema de duplo grau de recurso ,  não obstante este propósito se contradizer nos dizeres da lei , em alguns segmentos do art.º 400.º n.º 1 , do CPP , obrigando a um esforço interpretativo nem sempre isento de escolhos ou dúvidas .

O  arguido   foi condenado em 8 anos de prisão em 1.ª instância, pela prática de um crime de homicídio qualificado  p . e p . pelos  art.ºs  22.º , 23.º , 131.º e 132.º n.º s 1 e 2 a)  do CP  , mas  viu essa pena reduzida para 7 anos  de prisão pela Relação , que manteve as penas  de prisão impostas pela prática de crime de detenção ilegal de arma ,  de 2 anos ,  injúrias  ,  de 1 mês ,  ofensas à integridade física simples, de 6 meses por cada um dos dois praticados ,  reduzindo   ainda de 18 para 16 meses a aplicada pelo crime de ofensas à integridade física qualificada , pelo que dispondo o  art.º 400.º n.º 1 f) , do CPP , que não há recurso de acórdãos condenatórios confirmando a decisão de 1.ª  instância e , cumulativamente , apliquem pena de prisão não superior a 8 anos , há que abordar o “  magno “ problema de saber quando se realiza a confirmação  , no comentário do Prof. Paulo Pinto de Albuquerque , in Comentário do Código de Processo Penal , pág. 1006 .

Este STJ  tem entendido , quase “ una voce “ , que não deixa de haver confirmação nos casos em que, “ in mellius”, a Relação reduz a pena: até ao ponto em que a condenação posterior elimina o excesso resulta a confirmação da anterior –cfr. Acs. de  12-03-2008 , Proc. n.º 130/08 - 3.ª Secção, 23-04-2008 , Proc. n.º 810/08 - 3.ª Secção ,  10-09-2008 , Proc. n.º 1666/08 - 3.ª Secção , 11.3.2004 , CJ , STJ , I , 2004 , 224 , na esteira do de 16.1.2003 , P.º n.º 41908 /03 , da 5.ª Secção , de 3.11.2004 , in CJ , STJ , Ano XII , TIII , pág. 222, de 25.10.2007 , P.º 3283/07 , 10.1.08, P.º n.º 3180/07 e de 8.5.2008 , P.º n.º 1515/08  .  

Não podia , de facto ,  deixar de escapar à lógica das coisas , o segundo elemento interpretativo da lei  , na teoria de Köhler  , citado in Teoria da Interpretação das Leis , cap.XXXIV , de  Carrara   , que o arguido só vendo confirmada “ in totum “, ponto por ponto ,  a decisão  não pudesse recorrer , porém se a pena fosse reduzida , já o pudesse fazer , relativamente à parte eliminada , contra o que dispõe o art.º 401.º n.º 2 , do CPP , por falta de interesse em agir .

Nem se diga que a solução ora preconizada,   atenta contra o direito fundamental do acesso   ao direito e à justiça consagrado no art.º 20.º , da CRP , porque o direito de defesa do arguido não exige , sempre  e em todas as condições ,  mais do que um grau de recurso .

O nosso sistema de recursos não abdica de  um duplo grau de jurisdição  em matéria penal , aliás   de acordo com o art.º 14.º n.º 5 , do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos , aprovado para ratificação pela Lei n.º 29/78 , de 12/6 ,  que não impõe  um triplo grau de  jurisdição .   

Em consonância o art.º 5.º n.º 4 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem limita-se ,  e só , a assegurar o direito ao recurso de qualquer pessoa condenada em pena de prisão ou a detenção.  

O direito ao recurso inscreve-se no leque dos direitos fundamentais do arguido , no art.º 32.º , da CRP ,  e foi  consagrado  pela revisão constitucional de 1997 ,  enquanto afirmação de um “ due process of law” , já que o Estado não deve limitar-se a afirmar a  sua superioridade sobre o condenado , detendo o poder punitivo , sem assegurar àquele o direito ao reexame da questão por um outro tribunal , situado num plano superior , oferecendo garantias de defesa e imparcialidade .

Sublinhe-se , no entanto ,  que , da rejeição do recurso ,pela confirmação in “ mellius”   parcial   não resulta qualquer agravamento da posição processual do arguido , que vindo condenado em 8  anos de prisão viu a sua condenação reduzida a 7 , o mesmo se dizendo quanto à de 18 meses de prisão , reduzida, entretanto , a 16 meses  ,      sem susceptibilidade de serem  agravadas , como as demais , estas confirmadas “ in totum “ por posse ilegal de armas, injúrias , ofensas à integridade física simples e qualificadas ,  apreciadas por um tribunal superior oferecendo , como este STJ , garantias de independência , imparcialidade e objectividade , sem ofensa de qualquer preceito ou princípio com dignidade constitucional .

A  nova redacção , em feição restritiva em matéria de recursos ,  do art.º 400.º  , do CPP , introduzida pela Lei n.º 48/07 , de 29/8 , teve em mente, na linha de pensamento dominante na Proposta de Lei n.º 109/X,  “ restringir o recurso de segundo grau perante o Supremo Tribunal de Justiça aos casos de maior merecimento penal , substituindo-se a regra da admissibilidade do recurso em função da moldura da pena aplicável , concentrada no art.º 400.º n.º 1 als. e) e f) , do CPP na versão antecedente pela da pena concretamente aplicada.

Do antecedente –art.º 400.º n.º s 1 e) f) , do CPP -não era admissível recurso para o STJ  das decisões da Relação  que aplicassem pena de multa ou pena de prisão não superior a 5 anos ou que confirmassem decisão de primeira instância por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior  a 8 anos; a referência à pena por crime punível abstractamente com pena de prisão não superior a 5 anos ou a 8 anos , nas alíneas e) e f) , do mesmo art.º e versão , deu lugar ao pressuposto da pena concretamente aplicada.

E a recorribilidade para o STJ , directamente  das decisões do colectivo, em seu reexame de direito , ficou assegurada pela condenação superior a 5 anos de prisão , nos termos do art.º 432.º n.º 1 c) , do CPP .

Só haverá recurso da Relação desde que as penas parcelares sejam superiores a 5 anos de prisão  ( P.º n.º 152/06.6GAPNC.C2 .S1), e não haja dupla conforme , isto porque se quis , com a reforma do CP de 2007 , implementar um regime de recursos que não interferisse na celeridade processual da fase de inquérito à de julgamento , potenciando-se a economia processual numa óptica de celeridade, restringindo-se o recurso à pena efectivamente aplicada e não já à  aplicável, desde que superior a 5 anos , nos termos do art.º 432.º n.º 1 c) , do CPP.

É o que resulta, ainda ,  da interpretação da lei , recorrendo ao seu o elemento histórico ,  a  “ ocasio legis “, expressa de algum modo naquela Proposta , conjugadamente com o elemento racional , dele destoante sendo uma interpretação que abstraia do bom senso  e da lógica, assente na visão sistémica da lei , com repúdio pela sua  análise isolada  , impondo-se  que as penas privativas de liberdade inferiores a 5 anos , atingido o crivo da Relação ,  não ascendam ao juízo censório do STJ,  porque a sua medida não respeita aos casos de maior merecimento penal, já porque o art.º 432.º n.º 1 c) , do CP, se directamente o não evidencia  pelo menos numa interpretação “ a contrario “ ele resulta .

Além de que ficaria por compreender que fosse garantido o acesso   directo ao STJ apenas nos casos em que a pena aplicada fosse igual ou superior a 5 anos e , irrestritamente , o fosse , em mais um grau de recurso , se apreciada já pela Relação e aquele  fosse relegada em mais um recurso  , sobretudo em se tratando de uma pena atinente a criminalidade de menor gravidade .

Nessa medida também a condenação , parcelar ,  nas  penas de 16  , 6 meses   e 1 mês  e 2 anos de prisão  não admitem legalmente recurso, transitando em julgado .

O arguido dedica boa parte da sua argumentação em sede de recurso para descaracterização das  específicas circunstâncias agravantes qualificativas de que as instâncias lançaram mão para condenação pela prática de crime de homicídio na pessoa de II ,  previstas no n.º 2 , als. b) e j) , do art.º 132.º , do CP ,bem como a inscrita na cláusula geral do seu n.º 1 ,   agravantes essas  que  se “ tem por mal aplicadas “  , como ainda a enunciada no art.º 86.º n.º 3 , da Lei das Armas , todas de verificação não automática , enfatizando que ,  nas circunstâncias concretas em que actuou ,”  sozinho, tendo de frente uma família "contra ele" (pelo menos potencialmente) e apesar de ter nas mãos uma arma de fogo, não teve um comportamento assim tão feroz, bárbaro, e tão profundamente distanciado em relação a uma (desejável) determinação de acordo com os valores e ética sócio-juridicos “ , justificando uma redução da pena .

 O homicídio qualificado é construido a partir do tipo-matriz ,  base , do art.º 131.º , do CP , pela adição de circunstâncias especializadoras que relevam de uma culpa agravada , retratada  nos exemplos-padrão , descritos no n.º 2 , do art.º 132.º , do CP e pela referência à cláusula geral prevista no  seu n.º 1.    

A meio caminho entre as circunstâncias modificativas agravativas e inominadas  está uma figura  reconhecida com amplitude pelo direito penal alemão , cujo desenho é obtido através daquilo a que doutrina chama uma técnica exemplificativa , denominada dos “ R… “ , exemplos-regra ou exemplos –padrão ,  tratando-se de circunstâncias modificativas agravantes que o legislador se não contenta em  indicar através de uma cláusula indeterminada de valor , mas que também não descreve com a técnica detalhada que usa para os tipos , antes nomeia através da exemplificação padronizada .

A descrição constitui um exemplo indiciador de situações que devem conduzir à agravação , podendo o juiz negar esse efeito , se considerar que a través da valoração do facto a agravação não existe –Cfr. Direito Penal Português –As Consequências Jurídicas do Crime , pág. 204 , Prof. Figueiredo Dias , ou seja deverá ter-se por revogado o efeito de indício a partir da “ existência na pessoa do autor ou na sua acção de circunstâncias extraordinárias que destaquem a sua ilicitude ou a sua culpa claramente do exemplo padrão “ , escreve Teresa Serra , in Homicídio Qualificado , pág . 68 .

A técnica dos exemplos –padrão actua aquele  efeito- indício , interessando indagar se não concorrem outros como contraprova,  eliminando a especial censurabilidade e perversidade do acontecido globalmente considerado,  pois que  além de não serem de funcionamento automático são meramente exemplificativas  – Cfr. Teresa Serra , in Homicídio Qualificado , 126  e Acs. deste STJ , de 7.7.2005 , P.º n.º 1670 /05 e de 15.5 2008, P.º n.º 3979/07 .

O Prof. Eduardo Correia,  in Actas do CP , Ano de 1979 , 22 , já sublinhava esse aspecto não automático e não taxativo, oscilando entre uma visível  culpa agravada do agente e a sua comprovada ausência,   tendo como seguidores  Figueiredo Dias , loc. cit , Cristina Líbano Monteiro, in RPCC, Ano 6 , 122 e Maia Gonçalves , in  CP , Comentado    e porque assim era se entende ao nível jurisprudencial, com uniformidade,   que tais circunstâncias  consagram um modelo ligado ao tipo de culpa, por contraposição ao  tipo de ilícito , em que todas elas se referem ao tipo objectivo , na esteira de Teresa Beleza e Fernanda Palma , in Direito Penal , 1988 , separata do BFDUL , AAFDL  e  RMP , Ano IV , vol. 15 , 259, respectivamente,       sendo de destacar uma teses mista ou diferenciadora por repercutirem , umas vezes , um maior desvalor da  culpa e  do ilícito ,   outra apenas da culpa , caso de Teresa Serra , in Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, 1990 , págs . 65 , 66 .          

Aquelas cláusulas são   conceitos relativamente indeterminados , com conteúdo e extensão em larga medida incertos , no dizer de Engish , para quem os conceitos absolutamente indeterminados são muito raros no direito –cfr . op. cit . ,pág . 119 -, fornecendo guias ,  uma listagem abstracta , em forma de construção aberta, sintomática ou exemplificativa de situações reveladora de especial perversidade e complexidade –ac. deste STJ , de 15.5.2002 , Rec.º n.º  02P1214-5.ª Sec.   

A especial perversidade e censurabilidade é o crivo no dizer de  Maria Margarida Silva Pereira ,in Homicídios , II , 40 e 41 ,  por que passa a qualificação ,  e o suporte de  uma diferença essencial de grau , que intercede entre o homicídio simples e o qualificado.

A censurabilidade especial de que fala o art.º 132.º , do CP  , reporta-se às circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves  que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com certos valores , visível na realização do facto  ; a especial perversidade revela uma atitude profundamente rejeitável , constituindo um indício de motivos e sentimentos absolutamente rejeitados pela sociedade , reconduzindo-se a uma atitude  má , eticamente falando , de crasso e primitivo egoísmo do autor de que fala Binder , atinente à personalidade do autor  , que denota qualidades desvaliosas da sua personalidade –cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal , pág. 29  e Teresa Serra , op . cit. , pág . 63 .

A especial perversidade releva de um egoísmo abominável , assentando a decisão de matar em grande reprovação , deixando-se o agente motivar por factores desproporcionados , aumentando a intolerância colectiva ante o facto ; a especial censurabilidade denota que o agente se não deixou vencer por factores que o deviam levar a abster-se de actuar, traduzindo um profundo desrespeito ante padrões axiológico-normativos pré-estabelecidos-Ac. deste STJ , de 18.19.2006 , P062679 .

A  agravante prevista no art.º 132 n.º 2 b) , do CP , enquanto crime  , cometido , além do mais , contra quem , do mesmo sexo ou outro , com o qual o agente haja mantido uma relação análoga à dos cônjuges ,  e esse é o caso do arguido que viveu em união de facto com a vítima  II durante cerca de sete anos, dessa união entre o arguido e a ofendida II nascendo três filhos, EE, nascida a 19.01.05, FF, nascido a 24.06.07 e GG dos Santos , nascida a 25.10.08 ,foi  introduzida a partir da alteração ao CP pela Lei n.º 59/2007 , de 4/9 , sobretudo pela constatação , desde logo , da tendência para banalização da vida humana ,  atendendo ao  elevada grau  violência doméstica que se tem registado  no seio  da família .

O legislador traz para o âmbito do direito positivo o resultado de uma evolução legislativa no sentido de combate à violência familiar e maus tratos familiares, de que são ex.º o Plano Nacional contra a Violência Doméstica , RCM55/99, de 15/6 in DR n.º 137 /99 , I Série , a Lei n.º 51/2007 , de 31/8 , direccionada à definição das prioridades na luta contra o crime e as orientações a seguir –cfr. Ac. deste STJ , de 2.4.2008 , P.º n.º 07P4730 .

A Proposta de Lei alterando o CP pela 21.ª vez fez questão de sublinhar a necessidade de introdução dessa agravante , como se deu nota no Ac. deste STJ , de 16.6.2011, P.º n.º 600/09 TAPRT.P/S1 -3.ª  e a posterior Lei n.º 112/2009,de 16/9 , reforçando essa linha de orientação , estabeleceu o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à protecção e assistência das vítimas , do qual se destaca a natureza urgente do processo por violência doméstica , mesmo não havendo presos e a prática de uma pedagogia visando a educação dos cidadãos , aos vários  níveis , para a prevenção da violência doméstica –art.º 77.º .

A agravante em causa , de funcionamento não automático , como as demais previstas no art.º 132 .º , do CP , arranca do pressuposto de que as relações familiares não legitimam o exercício de direitos ou o cumprimento de obrigações de forma chocante  e absolutamente intolerável , antes se devendo desenvolver , a bem dos seus membros e da comunidade,  num clima de salutar equilíbrio .

Embora as relações familiares pretéritas e as parentais não familiares sejam  aquelas que , em verdade , permitem uma maior desinibição , essa desinibição não pode constituir um factor de tolerância da violência , fundando o legislador precisamente nessas relações um juízo de censura penal agravado –cfr, Paulo Pinto de Albuquerque , , citando Margarida Pereira , in Comentário do Código Penal , pág. 401 .

 Mas as relações familiares devem funcionar como um factor de refreamento , de inibição , de contenção das emoções nascentes , e que noutro contexto eram inexigíveis , atenta a diversificada estrutura e condição humana de que se compõem , sublinhou-se no AC. deste STJ , de 27.5.2010 , P.º n.º 517/08.9/ACBR .CL .S1, e que tendencialmente se devem harmonizar .

O legislador ao positivar na lei  a constatação desse estado anómalo de coisas que só dá má nota de uma sociedade  desestruturada , não pacífica , fonte de enorme perturbação extensiva a todos os seus membros , com   nefastas e diversificadas    consequências , para além do curto prazo, no tecido social , teve o propósito , nas palavras de Paulo Pinto de Albuquerque , in Comentário do Código Penal , pág. 349,de evitar a insegurança da aplicação analógica das circunstâncias já existentes , em “  subversão “  das técnicas do exemplo padrão.

Uma aplicação que descure a essência de cada uma das circunstâncias em causa desliza ou tende a deslizar,   na verdade , para a banalização da qualificação do crime de homicídio, a que importa obstar .

É bem verdade que o crime de homicídio já contém em si boa dose de censurabilidade e o que importa é , à luz dos factos provados e a partir deles ,  basicamente descortinar o acréscimo penalmente relevante de culpa , um seu “ plus  “ para além da que modela o tipo simples, verdadeiramente fundante da agravação .

O arguido viveu como marido e mulher com a vítima mortal,  em união de facto ao longo de 7 anos , nascendo dessa união três filhos , ainda de muito tenra idade , mas  essas circunstâncias , que  nem sequer seria preciso apelar ao direito para , naturalmente ,  relevarem  ,   devia  ter funcionado  como contramotivo ético-jurídico , pelo respeito que lhe devia merecer  a vida aquela que era a mãe de seus três filhos , tão relevante é o valor irrepetível da vida , como a presença de uma mãe , então uma jovem de 26 anos ,  ao lado dos filhos  na educação , amparo e sustento ,  para lha não suprimir  .    

Mas  fê-lo de um modo chocante , bárbaro e impiedoso , como  patente  vingança , pelo  facto  de a vítima ter  apresentado , por duas vezes, queixa junto das autoridades judiciárias brasileiras, tendo o arguido AA aí sido detido duas vezes, na 2ª vez de 19.06 a 01.07.09, por  alegada violência . 

A  vítima  refugiou-se , de seguida , em Portugal e o  arguido regressou  a  Portugal a 9/7/2009 e a  Sabrosa no dia 10 de Julho de 2009, com a firme resolução de, aqui, se encontrar com ela e tirar-lhe a vida, como efectivamente veio a fazer , traçando um plano prévio .

   Assim, e após inúmeras tentativas de contacto falhadas, no dia 18 de Julho de 2009,  de lhe falar , cerca das 19 horas e 30 minutos, o arguido AA deslocou-se à Rua de…, na freguesia de ..., ..., na comarca de Sabrosa, local onde se situa a habitação da mãe da vítima  II, CC, onde aquela se encontrava a habitar desde o seu regresso.

   O  arguido vinha  munido de uma arma tipo espingarda de caça, indocumentado ,  retirada ao  pai.

Persistindo no propósito  último de tirar a vida à II, escondeu-se na vegetação que envolve a casa de CC e aí permaneceu escondido durante cerca de duas horas, aguardando que aquela regressasse  , o que sucedeu pelas  22 horas, quando a II, acompanhada da sua mãe CC, do seu padrasto HH, dos seus irmãos KK e BB e das suas filhas DD e GG, esta com apenas oito meses de idade, fazendo-se todos transportar no veículo automóvel de marca Opel, modelo Corsa com a matricula -FG-, conduzido pelo seu referido irmão.

   O  arguido surgiu repentinamente do meio da vegetação, onde se encontrava escondido, e apontou a arma caçadeira com que se encontrava munido em direcção ao mencionado veículo automóvel ao mesmo tempo que gritava bem alto: “todos para fora do carro”.

O arguido foi indiferente aos rogos de que se acalmasse  provindos do irmão e padrasto  da vítima , desferindo uma pancada com o cano da arma no braço esquerdo do irmão da vítima,  BB   , originando-lhe escoriação demandando 10 dias de doença para cura  , como insensível foi ao apelo da mãe da vítima , CC  , a quem disse   “AA não mates a minha filha que tem a GG ao colo”.

   Empurrando-a contra o muro da habitação   dizia-lhe : “o que a sua filha me fez no Brasil não tem perdão. Ela não vai sair daqui viva”.

   Logo após, o arguido colocou-se a cerca de três metros do vidro de trás do veículo automóvel onde ainda permaneciam, no banco traseiro, a II com a filha de ambos, GG, ao colo, e apontando-a na direcção do aludido vidro e daquelas premiu o gatilho, com que fez deflagrar, pelo menos, um projéctil.

    De seguida o arguido, continuando movido pela forte vontade de tirar a vida à II e não ignorando que esta tinha a filha de ambos ao colo, dirigiu-se para o lado direito do veículo automóvel e como esta tinha a porta trancada partiu o vidro com a arma caçadeira com que se encontrava munido.

    Por se ter apercebido que a II ainda se encontrava com vida e tinha fugido do lado direito para o lado esquerdo do carro, o arguido, através do vidro traseiro lateral direito que entretanto havia partido com a caçadeira, introduziu o cano da arma caçadeira no interior do veículo e, estando a cerca de 50 cm da II e da GG, premiu novamente o gatilho, fazendo deflagrar um outro projéctil.

    Tais projécteis atingiram a pequena GG na face anterior e inferior do hemitórax e hipocôndrio esquerdo e penetraram no terço médio da face posterior do membro superior direito de II, descrevendo uma trajectória de trás para a frente, em forma de cone de base anterior, vindo a sair ao nível do terço inferior da face anterior do braço, imediatamente acima da prega do cotovelo.

    Apesar de já estar ferida a ofendida II conseguiu sair do interior do veículo automóvel, levando a filha GG ao colo, e fugiu em direcção ao pátio da habitação da sua mãe  para aí se refugiar , sendo sempre seguida pelo arguido AA que, correndo, continuava no seu encalce.

    Porque não conseguiu entrar na habitação nem esconder-se em nenhum outro local, a II entregou a filha GG à sua irmã LL que, em virtude da confusão gerada se tinha entretanto abeirado apressadamente do local, saltou para a estrada e refugiou-se atrás  da LL.

    Nesse momento, estando ambas apenas a cerca de 2 metros de distância do arguido, o arguido AA apontou a arma caçadeira, que trazia consigo, em direcção à parte inferior das pernas da II, premiu o gatilho e fez deflagrar um projéctil, que veio a atingir a LL que se encontrava a cerca de dois metros do arguido causando-lhe, dessa forma, directa e necessariamente, dores e escoriações para cura das quais esteve doente durante 15 dias, com afectação da capacidade de trabalho geral e profissional

    Após este último disparo efectuado pelo arguido, a ofendida II continuou a fugir ao longo da Rua …, no que foi sempre seguida pelo arguido AA que corria atrás de si.

    Encontrando-se a ofendida II já seriamente ferida, aliado ao facto do arguido ter desferido um golpe com a coronha da espingarda no corpo da mesma, aquela caiu ao chão e foi alcançada pelo arguido AA que, de seguida, com a coronha da arma caçadeira que trazia consigo, desferiu várias e violentas pancadas na cabeça da II, acabando mesmo, por força da violência que imprimiu, por partir a coronha, em metal maciço, da arma caçadeira.

    Com tal conduta o arguido  quis causar  à II as lesões crânio-encefálicas que se encontram melhor descritas e examinadas no relatório de autópsia de fls. 462 a 475 , que tiveram como consequência directa e necessária a morte daquela.

    Causou ainda o arguido, de forma directa e necessária, à sua filha GG, a quem também quis causar a morte ,  tumefacção com cicatriz distrófica situada na face anterior e inferior do hemitórax esquerdo e hipocôndrio esquerdo e contusão pulmonar esquerda, lesões essas que ainda, nesta data, não se encontram completamente estabilizadas.

Do contexto factual provado avulta que o arguido formou o seu intuito homicida da sua companheira , II ,  muito antes de 24 horas sobre a sua consumação , e em vez do tempo funcionar de  motivo de  abandono daquele  projecto , óbice ao seu “déclancher “ ( explodir ), contramotivação ética , serve para “ refinar “ o modo de cometimento do crime  , de forma  voluntária,  firme , irrevogável e irreversível , em obediência a um plano previamente traçado , de forma certeira.

 O arguido regressa do Brasil  e dias depois , escondendo-se atrás da vegetação envolvente da casa de habitação da vítima e familiares ,  para logo depois , apesar de dissuadido a fazê-lo pois a vítima tinha ao seu colo a filha de ambos , de 8 meses e meio , começa por disparar  um tiro  contra ambas , partindo o vidro traseiro do veículo onde se transportavam , depois , partindo o vidro lateral direito de trás , um outro  ,  a cerca de 60 cms de ambas , e pondo-se em fuga a vítima e abrigando-se esta  atrás da irmã um outro , a cerca de 2 m  ,  direccionado à vítima  , atingindo a  irmã nas pernas   ,  pondo-se aquela  em fuga , mais  uma vez ,  já ferida , porque também tinha sido agredida com a coronha da caçadeira , terminando por cair ao solo , onde o arguido ,  desfere várias e fortes pancadas na cabeça da vítima , esfacelando-lhe o crâneo , ficando a objectivar a violência da agressão ,  a circunstância de ter partido a coronha da arma , em metal .       

A frieza de ânimo enquanto qualificativa do crime de homicídio  é a vontade  inarredável , a tenacidade ,  a irrevogabilidade da resolução criminosa  ,  na definição sempre actual , do Prof. Beleza dos Santos , in RLJ, Ano 367 , 306 e segs ,    indiciada pela persistência da ideação  homicida , inabalavelmente  mantida   durante um certo tempo , no nosso direito  por mais de 24 horas, a reflexão sobre os meios a empregar  e a opção pelas   circunstâncias envolventes da consumação , bem como a reiteração de actos ,  em ordem a assegurar  um resultado letal     sem falência , integrado num plano previamente  traçado.

A qualificativa faz pressupor na linha de pensamento daquele eminente penalista  um hiato temporal com ideação do meio a usar e a passagem à acção por seu intermédio .

Assiste-se a uma bem documentada e evidente vontade criminosa , ocupando o campo da consciência  , sobretudo por se seleccionar o meio a usar , acompanhado de reflexão sobre qual o mais adequado a usar na teleologia autoproposta, repudiando o que menos eficácia reúna ante o seu propósito , a um amadurecimento  –Ac. do STJ , de 17.1.2007 , P.º n.º 3845/06-3.º Sec., de 26.3.2008 , P.º n.º 08P292 .

Para finalizar , dir-se-à que a frieza de ânimo é a acção a sangue frio e insensível  para com a vida humana –cfr. Ac. de 28.4.2011 , P.º n.º 0/P1568 .

Nestes casos a vítima posiciona-se em condições de  particular  indefesa e o agressor numa privilegiada posição , que traduz  culpa dolosa agravada .

Agravação que surte  , ainda aqui , modelada  pela circunstância de o arguido ter mostrado uma brutal insensibilidade  quando , depois de ferir a tiro a vítima , por mais do que uma vez e lhe ter desferido uma pancada com a coronha da caçadeira ,  achando-se esta caída no solo , desfere sobre a sua cabeça múltiplas e violentas pancadas , partindo , com isso ,  a coronha ,  em metal , da arma ,  causando-lhe a morte em condições que relevam  de uma especial  desvalor dos actos criminosos perpetrados e  simultaneamente de qualidades desvaliosas  da personalidade do agente , traduzindo uma imagem global agravada  do facto, o que vale por dizer homicídio  com  especial censurabilidade e perversidade , nos termos do art.º 132.º n.ºs 1 e 2 als. b) e j) , do CP .

Quanto à agravação pelo uso da arma adoptada nas instâncias , porém refutada pela EXm.ª Procuradora Geral-adjunta neste STJ  :

A lei das armas  , ou seja a Lei n.º 5/ 2006 , de 23/2 , alterada pela Lei n.º 17/2009 , de 6.5 , não define o conceito de arma , havendo que procurá-lo , numa forma  mais abrangente , porém actual ,  no art.º 4.º , do Dec.º Lei n.º 48/95  , de 15/3 ,  como sendo qualquer instrumento de agressão , ainda que com aplicação definida , ou que possa ser usado como tal .

A lei das armas não prevê no seu art.º 1.º todas as armas , tão pouco cinge a  sua descrição às armas de fogo , elencando outras que o não são , definindo-as  o art.º 2.º p) como sendo o engenho ou mecanismo portátil  destinado a promover a deflagração de uma carga propulsora geradora de uma massa de gases cuja expansão impele um ou mais projécteis.

Os dois diplomas não se opõem, antes se completam .

No art.º 86.º , n.º 3 , da Lei das armas,  introduzido pela Lei  n.º 17/2009 , o legislador estipula que  são agravados em um terço nos limites  máximo e mínimo as penas aplicadas aos crimes cometidos por meio de armas , mas a agravação,  como parece evidente ter sido o pensamento do legislador e a “  ocasio legis  “,  funciona só em relação às armas aí global e especificadamente aí  previstas como é a espingarda de caça , definida no art.º 2 ar ) , sob pena de uma interpretação extensiva afrontar os  fundamentais   princípios da legalidade e tipicidade. 

A agravação não funciona quando o uso e porte for elemento do tipo legal de crime  ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime em função do uso e porte .

O n.º 4 do art.º 86.º  só  rege  quanto ao  “ modus operandi  “ da agravante modificativa  em caso de comparticipação .

A agravação não se cinge , pois ,  ao  uso e porte de arma de fogo , mas a todas  e pouco importa que do uso da arma derive , em nexo causal adequado,  a morte , basta que se tenha assistido ao uso da arma  , como é o caso , integrando-se não   só no  seu uso específico  no processo executivo, no  “ iter criminis “  se bem que  a consumação   se fique a dever a um uso dissociado desse seu objecto específico de  lançamento  de projécteis, in casu como instrumento contundente .

O legislador , não desconhecendo a possibilidade desse uso potenciar a susceptibilidade  do uso  “  qua  tale “ , gerando perigo para a vida e integridade física alheias , não pode ter arredado o funcionamento da agravante também nesta hipótese .      

Mas no caso vertente o uso da arma em condições de  brutalidade tal  que levaram à fractura da coronha no corpo da vítima  mercê  do desferir de múltiplas e violentas pancadas em particular condição de inferioridade física da  vítima  ,  já caída no solo e ferida a tiro , mas , por certo ,   em condições não letais ,  por acção daquele instrumento  funciona como elemento constitutivo da agravante qualificativa da frieza de ânimo .

Nestes termos se entende que não agrava a moldura da pena,   não concorrendo ,  tal qualificativa, por força do princípio “ ne bis in idem “ .

Resta a  indagação sobre a concreta medida da pena :

 O arguido sustenta dever ponderar-se um quadro “  atenuativo-especial , pelo  facto de sempre ter trabalhado  , ter 37 anos de idade,  sempre se ter  preocupado em manter duas mulheres , aquela com quem se consorciou e a falecida II e os filhos de ambas , em julgamento declarou estar arrependido .  

O processo de formação da pena é o reflexo da opção do legislador em sede de filosofia sobre o sentido , limites e   fins  das penas , que no quadro legal , com consagração no art.º 40.º , do CP , é sedimentado num primeiro princípio  sustentando uma  visão pura e simplesmente utilitarista da pena .

A coberto desse modelo a pena propõe-se a tutela dos bens jurídicos e a reinserção social  do arguido , o que significa que se dá guarida às necessidades comunitárias da pena , aferidas em nome da necessidade de protecção de tais interesses  colectivos tanto mais sentida quanto a  sua importância  à subsistência e  sossego comunitários e do agente em nome da reintegração social do agente por forma a  que  não volte a reincidir .

Esta teleologia utilitária , que conhece como limite a culpa –n.º 2 , do art.º 40.º , do CP - , pois em caso algum aquelas preocupações a poderão alterar , foi contestada por Sousa e Brito , Faria Costa , José Veloso  , como se alcança das Actas do CP . 1993 , 464, defendendo uma feição retributiva da pena , ou seja de punição do agente em função da sua culpa , em repúdio de uma tese preventivo geral –especial , que , combinada com a tese retributiva , constitui  o cenário predominante  nos sistemas penais modernos .

O preceito do art.º 40.º , do CP tem de combinar-se , articulando-se com o do art.º 71.º , que fixa  os  critérios a que deve obedecer a concreta determinação da medida concreta da pena  , em função da culpa do agente  e prevenção  , atendendo , ainda , o tribunal a todos as circunstâncias que não fazendo parte do tipo legal depuserem a favor ou contra ele , que operam como válvula de segurança  e tornam o sistema dotado de menor rigidez .

 O legislador fornece os critérios legais ; ao julgador a fixação de um “ quantum “  , operação complexa , pois se trata de converter factos em “ magnitudes penais “  , actividade de  pura e simples aplicação do direito , confluindo nela “ as notas da discricionariedade  e da vinculação “ , operação em que relevam “ regras de direito escritas e não escritas , elementos descritivos e normativos , actos cognitivos e puras valorações “ –cfr. Prof. Figueiredo Dias , in Direito Penal Português –As Consequências Jurídicas do Crime ,  §  251 .

Os factos praticados pelo arguido são de extrema gravidade , causam repulsa no tecido social e são mais uma manifestação do pouco que vale , entre nós , a vida humana , valor que se banalizou , reclamando uma intervenção vigorosa dos tribunais , para dissuadir potenciais delinquentes , tranquilizar a comunidade e afastar sentimentos persistentes   de  residual vingança . 

 O arguido manifestou uma vontade criminosa da maior intensidade  , congeminou o propósito de matar a vítima, com  premeditação dias antes  , desde que  ,  regressando  do Brasil ,    em 9  de Julho de 2009  ,  chega a casa dos pais em Sabrosa  , em 10.7.2007 , alimentando    aquela  “ firme  resolução “  homicida , escreve-se no ponto de facto provado sob o n.º 6 .

O arguido  , norteado por esse ímpeto criminoso,  levou a cabo , com desprezo pela condição humana   não só da vítima  , como de terceiros  , todos os actos de agressão até consumar decididamente  a supressão da vida da vítima .

Começando por  se esconder  atrás da vegetação da casa da mãe da vítima mortal , onde permaneceu cerca de duas horas , surge  armado , súbita e imprevistamente,  aos ocupantes da viatura onde a vítima se fazia transportar , inconsiderando os apelos à calma dirigidos por aqueles .

E assim ofende corporalmente o irmão e a mãe da vítima , para depois disparar contra esta um tiro partindo o vidro de trás do carro , depois um outro a partir do vidro de trás do lado direito  , achando-se ao colo dela a filha , GG , de 8 meses  e 15dias  ,    a quem originou   lesões corporais pelos  projécteis  disparados que atingiram a pequena GG na face anterior e inferior do hemitórax e hipocôndrio esquerdo apresentando  tumefacção com cicatriz distrófica situada na face anterior e inferior do hemitórax esquerdo e hipocôndrio esquerdo e contusão pulmonar esquerda, lesões essas que ainda, nesta data, não se encontram completamente estabilizadas , prevendo como possível a  sua morte .

Tentando libertar-se do arguido e escondendo-se atrás da irmã , LL , o arguido , a cerca de 2 metros ,  continua a disparar para a atingir  , para a parte inferior das pernas ,   acabando por ferir a LL , prevendo que tal podia suceder .

Já ferida com o desferir de uma pancada com a coronha , em  metal maciço  ,  a arguida cai e , no solo , vibra várias e fortes pancadas na cabeça da vítima , esfacelando-lhe o crâneo e causando-lhe a morte por efeito directo e necessário , partindo a coronha da arma .

A inferir do modo de execução dos crimes  ,  de noite aliás , das suas consequências , de relevo   para as que resultam das várias agressões praticadas  nas pessoas de CC , LL e BB, mas sobretudo na  filha  GG  e  mãe II ,  esta com  apenas 26 anos na data da prática dos factos , uma jovem estimada , alegre e boa mãe ,  deixando na orfandade quatro crianças de pouca idade , com tudo o que de  desvalioso  significa a perda da sua progenitora , em termos de amparo , sustento e educação , carinho e afecto, denota-se  uma personalidade violenta  ,  de indiferença  –atingiu a tiro a própria vítima , apesar de ser  bébé e estar ao colo - , avessa ao respeito pela vida e integridade física alheias,  uma atitude moral  e interna  de  desprezo profundo ante esses valores fundamentais  , um  elevado grau de ilicitude  enquanto expressão de grave contrariedade  à lei   e do  enorme desvalor ético –social e jurídico do resultado .

A vertente da prevenção geral não pode deixar de pesar  na formação da pena, como modo de  assegurar a crença dos cidadãos em geral na força e eficácia da lei , neutralizando potenciais impulsos criminosos de terceiros  ;  a vertente privada , particular ,  da formação da pena  , a prevenção especial , implica a necessidade  sentida em elevado  grau de reeducação para o direito do arguido , carecendo de , em reclusão , fazer uma aprendizagem capaz de o fazer interiorizar  os maus efeitos dos  crimes .

O arguido não foi sensível sequer ao apelo da mãe da vítima no sentido de poupar a vida da vítima  por ter a filha ao colo , agindo    por    pura vingança , sentimento   bem espelhado na afirmação endereçada à mãe   “o que a sua filha me fez no Brasil não tem perdão “ , querendo significar a sua detenção no Brasil por denúncia  policial da vítima de maus tratos que aquele lhe infligia e que demonstram um défice notável de socialização e de ponderar nos termos do art.º 71.º n.º 2 c) , do CP .

Concorre , com muito  reduzido  valor a declaração , corrente , de estar arrependido , que , à falta  do concurso de outros actos , traduz , na maior parte dos casos  , puro estratagema de tentativa  de redução da pena .

Não vem provado que  esteja   perfeitamente integrado socialmente , seja  trabalhador incansável ,  sempre com cuidados redobrados em manter uma família alargada (2 mulheres e filhos de ambas) , o que também não reduziria nem a culpa e nem a sua ilicitude .

Por provar ficou , ainda , todo o circunstancialismo alegado  anterior aos factos , apoiado no art.º 71.º n.º 2 e) , do CP ,  em ordem a demonstrar que se sentiu humilhado e angustiado  e desprezado   face ao insucesso das  tentativas de contacto com a vítima , uma vez vindo do Brasil , ou que não dormisse e  se alimentasse mal nas semanas anteriores aos crimes  ou agisse em estado de nervosismo .

Afastada a qualificativa da arma , adoptada nas instâncias , há que reduzir a pena atinente ao homicídio qualificado  praticado na pessoa da II , indo o arguido condenado em 19 ( dezanove )  anos de prisão .

A pena de conjunto  , nos termos do art.º 77 .º , do CP , obedecerá ao especial critério de formação que tem como vectores  , em conjunto , a  gravidade dos factos  e a personalidade do agente , tendo como limite mínimo a  mais elevada das parcelares aplicadas e o máximo a  soma material de todas elas .  

 Iescheck, citado na RPCC, Ano XVI ,155 ,  pondera  que a pena global se determina como acto autónomo de determinação penal com referência a princípios valorativos próprios. Deverão equacionar-se em conjunto a pessoa do autor e os delitos individuais o que requer uma especial fundamentação da pena global.

O  legislador ao intentar , nesta nova pena ,  sancionar os factos e a personalidade do agente no seu conjunto , em caso de cúmulo jurídico de infracções , faz crer  que  o agente é punido , de certo que pelos factos  individualmente praticados , mas  não como um mero somatório , em visão atomística , mas antes de forma mais elaborada ,  dando atenção àquele conjunto uma dimensão  penal nova , fornecendo um critério especial fornecendo   o conjunto dos factos a  gravidade do ilícito global praticado  , no dizer do Prof. Figueiredo Dias , in Direito Penal Português , As Consequências Jurídicas do Crime , págs . 290 -292 ; cfr. os Acs . deste STJ , in P.ºs n.º s 776/06 , de 19.4.06 e 474/06 , este  daquela data  , levando –se , ainda ,  em conta exigências gerais de culpa e de prevenção , tanto geral como de análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente ( exigências de prevenção especial de socialização ) .

 Por esta forma pretende significar-se que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas deve reflectir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência.

Por isso na valoração da personalidade do autor deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou se constituem delitos ocasionais sem relação entre si  , como sucede in casu (cfr., v. g., acórdão do STJ, proc. nº 333/07, de 28 de Março de 2007 e Cristina Líbano Monteiro, anotação ao acórdão do STJ de 12 de Julho de 2005, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 16º, p. 155 ss.).

E se dúvidas se não colocam sobre a acidentalidade  , no seu percurso vital , do seu cometimento  , não deixará , contudo , de se  põr em destaque que o acto em causa  gera enorme reprovação  ética e moral ,  tanto  ao  nível  de censura colectiva  , como da que o  arguido é merecedor, justificando a aplicação de uma pena de conjunto  próxima do limite  máximo  legal ,  só ela  capaz de o  fazer reflectir sobre as consequências do seu acto , aprendendo a respeitar , essencialmente,   a vida e  a integridade física alheias , tal como o Tribunal recorrido ditou .              

Nestes termos se condena o arguido , visto o disposto no art.º 77.º n.ºs 1 e 2 , do CP , numa pena única de 24  ( vinte e quatro)   anos de prisão , pena essa que abrange as parcelares de 19  ,  7 e  2 anos de prisão  ,6 meses   ( por cada um dos dois  crimes de ofensas corporais voluntárias  simples )  16 meses   e   1  mês de prisão.

Nega-se provimento ao  recurso  .

Taxa de justiça : 8 uc,s .  

Lisboa, 23 de Novembro de 2011

Armindo Monteiro (Relator)

Santos Cabral