ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
100/10.0TBVCD.P1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 04/15/2015
SECÇÃO 2ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR ABRANTES GERALDES

DESCRITORES DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA
ACTO ADMINISTRATIVO PLURAL
EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE NULIDADE
PRINCIPIO DA INTANGIBILIDADE
OBRA PÚBLICA
ÁREA TEMÁTICA
DIREITO ADMINISTRATIVO - EXPROPRIAÇÕES / DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA - PROCESSO ADMINISTRATIVO / PROCESSO EXECUTIVO ( EXECUÇÃO DE SENTENÇA ) / EXTENSÃO DOS EFEITOS DA SENTENÇA.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS.
LEGISLAÇÃO NACIONAL
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 334.º, 335.º.
CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES: - ARTIGOS 13.º, N.º 2, 17.º, N.º 3.
CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS (CPTA): - ARTIGO 161.º.
CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CPA): - ARTIGO 133.º.
CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 619.º, 621.º.
JURISPRUDÊNCIA NACIONAL
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 28-10-1997, ACESSÍVEL ATRAVÉS DE WWW.DGSI.PT ;
-DE 24-5-2007, PROC. Nº 1558/07;
-DE 9-9-2008, ACESSÍVEL ATRAVÉS DE WWW.DGSI.PT ;
-DE 5-2-2015, PROC. Nº 2125/10, ACESSÍVEL ATRAVÉS DE WWW.DGSI.PT ;
-DE 5-2-2015, PROC. Nº 742/10.2TBSJM.P1.S1, ACESSÍVEL ATRAVÉS DE WWW.DGSI.PT .


SUMÁRIO


1. A decisão judicial que declara a nulidade de um acto administrativo plural - in casu, uma declaração de utilidade pública referente a diversas parcelas prediais - apenas produz efeitos em relação aos interessados que interpuseram ou que intervieram na respectiva acção declarativa, sem prejuízo dos casos em que, nos termos do art. 161º do CPTA, é possível a ampliação subjectiva do âmbito do caso julgado.
2. A nulidade da declaração de utilidade pública de um prédio produz efeitos retroactivos que se projectam em todo o processo de expropriação, sem exclusão sequer do despacho de adjudicação do direito de propriedade, embora tais efeitos possam ser impedidos ou atenuados em determinadas circunstâncias, designadamente quando seja convocado o princípio geral da intangibilidade da obra pública.
3. O princípio geral da intangibilidade da obra pública é susceptível de ser invocado em situações em que a entidade expropriante agiu de boa fé ou com culpa leve, podendo justificar que, em lugar da restituição do prédio ocupado, se atribua ao interessado uma indemnização correspondente ao seu valor expropriativo.
4. A aplicação de tal princípio justificar-se-ia num caso em que, após ser judicialmente reconhecida a nulidade de uma declaração de utilidade pública de uma parcela predial para implantação de uma estação de serviço numa auto-estrada, por motivo não imputável à expropriante, foi emitida nova declaração de utilidade pública e a parcela de terreno efectivamente destinada à construção daquela infra-estrutura rodoviária.
A.G.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL

I - AA e BB, demandaram Euroscut Norte, Soc. Concessionária da SCUT do Norte Litoral, SA, pedindo que seja decretada a caducidade da declaração de utilidade pública (doravante DUP) e o reconhecimento da sua qualidade de proprietários de uma parcela de terreno que foi objecto dessa DUP, condenando-se a R. a restituí-la livre e desocupada e a indemnizar os AA. pela ocupação, desde Outubro de 2003, até efectiva entrega da indicada parcela, à razão de € 3.286,20 mensais.

Alegaram ser donos da referida parcela, a qual, na sequência da posse administrativa, foi ocupada pela R. para construção de uma estação de serviços e acessos `auto-estrada.

Entretanto, por acórdão do STA, de 7-2-2006, foi declarado nula DUP, por não ter sido precedido de parecer favorável da Comissão Regional de Reserva Agrícola Nacional.

Por despacho de 20-3-2007 foi emitida nova DUP referente às parcelas de terreno necessárias à construção da Área de Serviço de Vila do Conde, no IC-1 Porto/Viana do Castelo (IP9), incluindo a parcela aludida. Mas o processo expropriativo ficou parado desde 20-12-2007, data da posse administrativa, pelo que esta segunda DUP caducou.

A R. contestou e impugnou as pretensões dos AA.

Depois da réplica e da audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e absolveu a R. dos pedidos.

Os AA. interpuseram recurso de apelação que foi julgado improcedente.

Interpuseram então revista excepcional, apresentando alegações, seguidas de contra-alegações da R.

A A. foi convidada a pronunciar-se sobre outras questões que não foram suscitadas nem no acórdão recorrido, nem nas suas alegações, nos termos seguintes:
a) A ponderação dos efeitos que podem resultar do facto de a declaração de utilidade pública traduzir um acto administrativo plural, com multiplicidade de destinatários, sendo que os AA. não intervieram nem foram chamados a intervir na acção em que foi declarada a nulidade desse acto e considerando ainda as regras que delimitam subjectivamente o âmbito do caso julgado;
b) A apreciação dos efeitos que a procedência da acção é susceptível de determinar na esfera jurídica da R. e nos interesses da comunidade de utentes da auto-estrada, ponderando as regras do abuso de direito e da colisão de direitos, nos termos dos arts. 334º e 335º do CC;
c) A ponderação do princípio da intangibilidade da obra pública, tendo em conta as circunstâncias que rodearam a actuação da R., designadamente o facto de ter existido uma primeira declaração de utilidade pública, seguida da autorização de desafectação da RAN, seguida de nova declaração de utilidade pública, tendo ainda em conta a afectação da parcela a uma estação de serviço da auto-estrada concessionada.
Ambas as partes se pronunciaram divergentemente sobre tais questões.

Ponderando quer as alegações, quer o que emerge do anterior despacho, no recurso de revista importa apreciar essencialmente as seguintes questões:

a) Se a declaração de nulidade do acto administrativo interfere ou não com a decisão que adjudicou à R. o direito de propriedade sobre a parcela.

b) Se a primeira DUP traduz a prática de tantos actos administrativos quantas as parcelas expropriadas a que se reporta;

c) Se os AA. podem invocar em seu benefício o caso julgado formado pelo Ac. do STA que declarou a nulidade da primeira DUP no âmbito de uma acção em que não intervieram.

d) Se uma eventual condenação da R. na restituição da parcela e no pagamento de uma indemnização seria impedida pelas regras do abuso de direito ou pela convocação do princípio da intangibilidade da obra pública.

II - Factos provados:
1. Desde 2-10-2003, encontra-se registado a favor dos AA., por quem foi adquirido por adjudicação em partilha, o prédio rústico ..., descrito na CRP de Vila do Conde sob o n° 1047 de Labruge (ficha extraída da descrição n° 12.777 do Livro B-34) e inscrito na matriz rústica de Labruge sob o art. 74°.
2. Por despacho do SEOP, de 4-9-2002, no DR n° 99, II Série, de 26-9-2002, com o aditamento de áreas publicado em 14-2-2003, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, das expropriações das parcelas de terreno necessárias à construção da Área de Serviço de Vila do Conde, no IC-1 Porto/Viana do Castelo (IP9), entre as quais a identificada com o nº 18, com a área total de 3.960 m2, a destacar do dito prédio.
3. A partir de Outubro de 2002, a R. passou a ocupar, consecutiva e ininterruptamente, as parcelas em causa. Na sequência da posse administrativa, autorizada nos termos da DUP referida em 2., ocorrida em 30-10-2002, a R. passou a ocupar, com obras de construção de uma estação de serviços e acessos, a indicada área de terreno dos autores.
4. No âmbito da DUP referida em 2., a R. fez obras nas várias parcelas expropriadas que foram necessárias à construção da Área de Serviço de Vila do Conde, no IC-1 Porto/Viana do Castelo (IP9) e transformou todo aquele espaço, com a área de total de 66.976 m2, numa Estação de Serviço, com serviços em ambos os lados da via, actualmente designada de A-28, conhecida como a Área de Serviço de Modivas, em Vila do Conde.
5. Em 16-11-2003, no âmbito de procedimento expropriativo referente às parcelas que eram, à data, propriedade dos AA., foi proferido despacho de adjudicação da propriedade, o qual transitou em julgado.
6. Entretanto, por Ac. do Pleno do STA, de 7-2-2006, nos autos de recurso n° 1815/02-20 (da 5ª secção), foi declarado nulo o supra mencionado despacho do SEOP, de 4-9-02, por não ter sido precedido de Parecer favorável a uso não agrícola dos terrenos inseridos em RAN, emitido pela Comissão Regional de RAN.
7. Conforme certidão da sentença de 10-1-2007, transitada em julgado em 1-2-2007, proferida nos autos de expropriação com o nº 3811/03.1TBVCD aludidos em 6., foi decidido:
«Conforme resulta da certidão de fls. 636 e segs., por acórdão proferido pelo STA, já transitado em julgado, foi declarado nulo o Despacho nº 20.983/02, proferido por S/Exª o Sec. de Estado das Obras Públicas, datado de 4-9-02, publicado no DR, II Série, nº 223, de 26-9-02.
Esse havia sido o despacho que declarara a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação de várias parcelas de terreno, entre as quais se conta aquela que é objecto destes autos.
Ora, como é sabido, a declaração de utilidade pública é, na expropriação por utilidade pública, o acto constitutivo basilar do respectivo procedimento, sendo não só pressuposto necessário da expropriação, como condicionante de todo o processo expropriativo (cfr. arts. 1º e 10º e segs. do Cód. Exp., aprovado pela Lei nº 168/99 de 18-9 - Ac Rel. Porto de 8-1-96, CJ, tomo I, pág. 186; Ac. STA de 2-4-04 proferido no recurso nº 30256).
Sendo assim, falecendo na situação presente o pressuposto básico do processo expropriativo, torna-se impossível a continuação da presente lide, a qual tem como objecto a fixação da indemnização devida pela parcela expropriada.
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, ao abrigo do preceituado no art. 287º, al. e), do CPC, julgo extinta a presente instância por impossibilidade superveniente da lide.
Custas pela entidade expropriante (art. 447º do CPC).” (doc. fls. 235).
8. Por despacho do SEOP, de 20-3-2007, no DR n° 99, II Série, de 23-5-2007, foi novamente declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação das parcelas de terreno necessárias à construção da Área de Serviço de Vila do Conde, no IC-1 Porto/Viana do Castelo (IP9), entre as quais a parcela com a área de 3.960 m2, agora identificada com os n°s 18 e 18-A, a destacar do mesmo prédio (fls. 28).
9. A R. não promoveu a constituição e realização da arbitragem no prazo de um ano desde a data da publicação da segunda DUP (23-5-2007), nem remeteu o processo de expropriação ao tribunal competente (Comarca de Vila do Conde), no prazo de 18 meses a contar daquela data, ou seja, até 22-11-2008.
10. A R., através de subconcessão a terceiro, explora a Área de Serviço de Modivas referida em 3., onde se encontra integrada a parcela de 3.960 m2 do identificado prédio.
11. Na referida área de serviço integram-se um posto de abastecimento de combustível, uma Loja M-24 (loja de conveniência aberta 24 horas por dia) e os serviços de Jet-Wash, lavagem de tapetes, aspiradores, ar/água, cafetaria, snack bar, ATM, 24 horas, abastecimento self-service, parque infantil, WC e WC deficientes.
12. Na sequência das indicadas ocupação e construção, a parcela de terreno em causa encontra-se a ser explorada como parte integrante de uma estação de serviço, com as utilidades acima descritas.
13. No âmbito dos contratos vigentes entre a R. e terceiro, para exploração dos serviços referidos em 10., a R. aufere um rendimento líquido mensal de cerca de € 55.792,13.
14. No âmbito dessa utilização de estação de serviço, no actual mercado de arrendamento e atentos os critérios referenciais do mercado, nomeadamente os valores correntes para o uso comercial que lhe está a ser dado, a parcela de 3.960 m2 dos AA. render-lhes-ia a quantia de € 0,83/m2/mês.
15. Pela Comissão Regional da RAN, em 7-2-2003 e em 19-1-2007, no âmbito do procedimento tendente à emissão da DUP de 2007, foi emitido parecer favorável à utilização, exclusivamente por parte da R. Euroscut, de 69.977 m2 de solo agrícola, para área de serviço da IC-1 (Euroscut Norte).

III – Decidindo:

1. Os AA. impugnam o acórdão recorrido por não lhes ter sido reconhecido nem o direito de propriedade e consequente restituição da parcela ocupada pela expropriante, nem o direito de indemnização pelos prejuízos decorrentes da ocupação.

Tal parcela foi objecto de uma primeira declaração de utilidade pública (doravante DUP), a que se sucedeu a entrega à R. da posse administrativa e a adjudicação do direito de propriedade. Mas essa DUP foi declarada nula por acórdão do STA proferido no âmbito de uma acção que foi instaurada por proprietários de outras parcelas, com fundamento na falta de autorização prévia da entidade administrativa competente para desafectação dos terrenos da área da RAN. Embora tal autorização tivesse entretanto sido obtida o acórdão do STA considerou que tal facto superveniente não interferia na declaração de nulidade do acto administrativo por vício de forma que, assim, declarou.

Na sequência de tal aresto, foi emitida segunda DUP que praticamente reproduziu a anterior. Foi então que os AA., sustentados naquela declaração de nulidade e no facto de, após a publicação da segunda DUP, não ter sido constituída nova arbitragem, nem ter sido remetido ao tribunal judicial o processo de expropriação relativo à sua parcela, vieram alegar a caducidade desta segunda DUP, aí assentando os pedido de reivindicação da parcela e de condenação da R. no pagamento da indemnização devida pela ocupação.

2. Independentemente da solução que será dada à questão cuja resposta contraditória justificou a admissibilidade excepcional da revista, a recusa das pretensões deduzidas pelos AA. será sustentada em duas vias: uma de natureza formal e outra de raiz substancial.

Por razões formais, justificar-se-á a improcedência da revista tendo em conta os limites subjectivos do caso julgado formado pelo acórdão do STA que declarou a nulidade da primeira DUP. Abarcando esta DUP diversas parcelas pertencentes a diversos proprietários, o facto de os ora AA. não terem intervindo activamente na respectiva acção de impugnação determina que não possam extrair proveito daquela decisão.

Na perspectiva do direito material que, a título subsidiário, reforçará a sucumbência da revista, a improcedência das pretensões dos AA. decorreria do confronto das mesmas com as normas sobre o abuso de direito e com o princípio da intangibilidade de obras públicas.

3. No acórdão recorrido, tal como na sentença de 1ª instância, foi assumido o entendimento de que o reconhecimento da nulidade de uma declaração de utilidade pública não afecta a adjudicação do direito de propriedade a favor da expropriante por decisão judicial transitada em julgado.

Tal asserção contraria as regras gerais sobre a nulidade dos actos e especialmente sobre a nulidade de actos administrativos que apontam para a retroactividade dos seus efeitos.

Reportando-se especificamente à nulidade que afecte um acto administrativo de declaração de utilidade pública expropriativa, Alves Correia conclui que todos os actos e termos do correspondente processo de expropriação litigiosa devem considerar-se automaticamente sem efeito, inclusive o despacho do juiz que procedeu à adjudicação à expropriante da propriedade dos bens expropriados (As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, pág. 194).

Na verdade, embora a adjudicação da propriedade à expropriante seja concretizada através de uma decisão judicial, esta não passa de um elemento integrativo da eficácia da DUP, sendo afectada pelas vicissitudes que esta sofrer, designadamente quando, como ocorreu no caso concreto, seja declarada a sua nulidade (Alves Correia, ob cit., pág. 115).

No entanto, apesar de ser recusada a resposta que as instâncias deram à referida questão, tal não implica uma inversão do resultado final, tendo em conta a resposta a uma outra questão, situada a montante, em torno do âmbito subjectivo do caso julgado formado pelo Ac. do STA que declarou a nulidade da DUP.

Com efeito, uma vez que a presente acção de reivindicação e de indemnização é sustentada unicamente na afirmação da caducidade da segunda DUP, no pressuposto de que aos AA. aproveitaria a declaração de nulidade da primeira DUP, a negação desta premissa reflecte-se necessariamente no resultado que os AA. projectaram a partir da mesma.

4. A declaração de utilidade pública (que, no caso, foi emitida pelo Secretário de Estado das Obras Públicas) constitui um acto administrativo que encerra o procedimento tendente à expropriação por utilidade pública, nos termos dos arts. 10º e segs. do Cód. de Expropriações.

Entre outros requisitos formais, a declaração de utilidade pública expropriativa deve individualizar o bem a expropriar (arts. 13º, nº 2, e 17º, nº 3, do Cód. de Exp.), embora possa abarcar diversas parcelas pertencentes a uma multiplicidade de titulares. Porém, a circunstância da DUP abranger uma pluralidade de parcelas prediais não significa que os interesses de cada proprietário se confundam. O facto de cada um ser titular de um interesse autónomo e de os procedimentos administrativos serem individualizados, designadamente no que concerne às negociações preliminares e às notificações, é indicativo de que a DUP que abarque diversas unidades prediais acaba por integrar, em termos materiais, uma multiplicidade de actos administrativos, tantos quantos os proprietários das respectivas parcelas.

Perante um acto administrativo com pluralidade de sujeitos, nada obsta a que a declaração de nulidade seja pedida por todos os interessados, em regime de litisconsórcio activo. Mas tal não ocorreu no caso concreto, já que os ora AA. não se assumiram nem como autores, nem como intervenientes activos no processo declarativo de que emergiu o acórdão do STA que reconheceu a nulidade da DUP, não sendo, por isso, beneficiários do caso julgado formado. Em tal eventualidade, a declaração de nulidade está subjectivamente limitada aos interessados que instauraram ou que intervieram na respectiva acção declarativa.

É esta a regra que emerge dos arts. 619º e 621º do CPC (cfr. a este respeito Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 729, e Manuel de Andrade, Noções Elementares do Processo Civil, pág. 313, quando abordam a questão em face de relações paralelas), a qual não é contrariada pelo que especificamente se dispõe nas normas de direito e de processo administrativo.

Sendo verdade que no art. 161º do CPTA se admite a extensão do caso julgado a outros casos pendentes, a verdade é que tal preceito nem sequer é onvocável no caso presente, uma vez que os AA. não intentaram qualquer outra acção de impugnação do mesmo acto administrativo, nem se mostra requerida ou deferida a extensão do efeitos do caso julgado.

A questão em apreciação já foi analisada por este Supremo noutras ocasiões, cumprindo evidenciar o Ac. do STJ, de 28-10-1997 (Rel. Silva Paixão, em www.dgsi.pt), no qual se considerou-se que, “por vezes, sob a aparência de um único acto administrativo, o que existe, na realidade, são vários actos administrativos. Em lugar de um só acto, sob o ponto de vista formal, estamos em face de uma pluralidade de actos individuais e concretos. Apesar da identidade do autor do acto, da unidade de manifestação de vontade, do idêntico conteúdo e da mesma forma, há tantos actos administrativos quantas as esferas jurídicas dos destinatários directamente modificadas”.

Solução idêntica foi adoptada no Ac. do STJ, de 24-5-2007, no âmbito do agravo nº 1558/07 (Rel. Arlindo Rocha), interposto num processo de expropriação que envolvia um dos outros proprietários atingidos pela mesma DUP que aqui está em discussão. Neste aresto refere-se que o despacho que oficializou a utilidade pública expropriativa “encerra 10 actos singulares de declaração de utilidade pública de expropriação de 10 parcelas distintas de terreno, pertencentes a 10 diferentes proprietários” e “apesar de, aparentemente, se apresentar sob a veste de acto unitário, esse despacho contém, no entanto, 10 actos expropriativos autónomos, cada um deles com o seu concreto destinatário”. Catalogando essa categoria de actos como “actos contextuais” e depois de exemplificar com as DUP de prédios diversos, pertencentes a proprietários distintos, constantes do mesmo despacho, afirmou-se ainda no mesmo acórdão que “cada um deles pode padecer de vícios próprios, como também podem estar inquinados de ilegalidade que afecte a todos, sendo impugnáveis isolada ou cumulativamente pelos destinatários, consoante os casos”. Concluiu então que, como “desse despacho foi interposto recurso contencioso apenas por 7 proprietários de outras tantas parcelas de terreno, certo que os ora agravantes não intervieram como recorrentes nesse recurso contencioso”, o “acto administrativo que declarou a utilidade pública da expropriação da parcela de terreno pertencente aos agravantes permaneceu incólume, tendo-se consolidado na ordem jurídica em resultado da não interposição do recurso contencioso daquela declaração”.  

Um tal entendimento também foi assumido no Ac. do STJ, 9-9-2008, em www.dgsi.pt, e corresponde ao exposto por Esteves de Oliveira, em CPA com., 2ª ed., págs. 565 e 566, que precisamente apresenta como exemplo de um acto administrativo plural a DUP que envolva diversos prédios e diversos proprietários. Doutrina que já advém de Marcello Caetano que referia que o facto de o acto administrativo padecer de vício “não significa que a anulação de um acto que interesse a certa pessoa aproveite a todas as pessoas que hajam sido prejudicadas por outros actos iguais não recorridos. Nesta hipótese só aqueles actos de que se recorre são anulados, e os particulares que se tenham conformado com actos de igual conteúdo têm de sofrer a desigualdade que daí resulta e que é fruto, afinal, da sua vontade. Se o acto for divisível … só quanto às pessoas interessadas na parte anulada produzirá então efeito de caso julgado” (Manual de Direito Administrativo, vol. II, pág. 1397).

Neste mesmo sentido cfr. Vieira de Andrade, em A Justiça Administrativa, 13ª ed., pág. 353, cuja doutrina é igualmente assumida por Vasco Pereira da Silva quando refere que “uma sentença de anulação resultante de um processo em que só participaram alguns dos destinatários (mas não todos)” é correcto considerar que “o acto possa vir a ser anulado em relação àqueles destinatários que participaram no processo, sem o ser relativamente aos demais” (Para um Contencioso dos Particulares, pág. 248).

Assim, tal como se observou no primeiro aresto anteriormente mencionado, tendo em conta a ausência de qualquer preceito legal que determine a extensão dos efeitos do caso julgado anulatório a todos os sujeitos formalmente enunciados no acto administrativo plural, o acórdão do STA que declarou a nulidade da primeira DUP apenas produz efeitos em relação aos interessados que intervieram na respectiva acção declarativa, estando, assim, excluídos os ora AA.

5. O facto de a nulidade dos actos administrativos ser invocável a todo o tempo e por qualquer interessado e de ser de conhecimento oficioso do tribunal não interfere na solução do caso (art. 133º do CPA), nem modifica a regra sobre a delimitação subjectiva do cado julgado. Embora fosse viável a apreciação da nulidade do acto administrativo (primeira DUP) no presente processo, por ser de conhecimento oficioso, este poder jurisdicional não prescindiria da invocação dos factos necessários à sua integração, sendo a petição inicial completamente omissa a tal respeito.

A alegação da caducidade da segunda DUP fundou-se unicamente no facto de, após a sua emissão, não ter sido constituída nova arbitragem, nem ter sido remetido para tribunal o correspondente processo expropriativo. Na realidade, os AA. limitaram-se a invocar o acórdão do STA que reconheceu a nulidade da primeira DUP, sem alegarem qualquer facto que especificamente afectasse de invalidade a declaração de utilidade pública da parcela que lhes pertencia.

Ora, sem embargo do que emerge do referido acórdão do STA que declarou a nulidade da primeira DUP, relativamente à parcela que aos AA. pertencia não existe qualquer facto que permita atingir semelhante conclusão. Designadamente não é possível concluir que também em relação à parcela dos AA. se verificava o mesmo circunstancialismo que levou o STA a declarar a nulidade da DUP relativamente às parcelas que em tal processo estavam em apreciação.

Enfim, a invocação da caducidade da segunda DUP apenas poderia fazer algum sentido se fosse precedida da declaração de nulidade da primeira DUP formulada pelos AA. ou viabilizada pelos poderes de apreciação oficiosa do tribunal, confrontado com os factos que permitissem a sua verificação.

6. Nenhum dos argumentos de ordem doutrinária expostos pelos AA. permite afirmar relativamente a terceiros que não intervieram no processo de impugnação do acto administrativo plural a extensão do caso julgado material que se formou sobre o referido acórdão do STA.

Pese embora as diferenças que existem entre os vícios que geram a anulabilidade e os que determinam a nulidade dos actos administrativos, não existe sustentação alguma para declarar a extensão dos efeitos da nulidade de actos administrativos plurais a todos os interessados que não tiveram qualquer intervenção no processo de impugnação.

O facto de no processo de expropriação subsequente à primeira DUP ter sido declarada a extinção da instância não inverte a solução, considerando que tal decisão, para além de não ter apreciado especificamente a questão em torno dos limites subjectivos do caso julgado, apenas produziu efeitos no âmbito do processo em que foi proferida.

Fica, assim, sem fundamento quer a alegada caducidade da segunda DUP, no pressuposto de que aos AA. aproveitava a declaração de nulidade da primeira DUP, quer os efeitos que os AA. pretendem extrair dessa caducidade.

7. Mas ainda que porventura outra fosse a resposta à anterior questão, isto é, ainda que aos AA. pudesse aproveitar o acórdão do STA sobre a nulidade da primeira DUP, nem assim a revista procederia. Em tal eventualidade, a rejeição das suas pretensões encontraria na realidade litigada outros argumentos de ordem material que se alinharão subsidiariamente.

A função dos tribunais não deve traduzir-se simplesmente na transposição mecânica de preceitos isolados, devendo ser enobrecida com apelo aos princípios gerais capazes de extrair do ordenamento jurídico a resposta substancialmente mais ajustada.

Ora, o circunstancialismo que rodeia o presente caso ilustra bem que uma solução que porventura pudesse ser sustentada em argumentos de ordem formal acabaria por ser inviabilizada pela aplicação integrada de outros preceitos e princípios que constituem a argamassa que congrega e harmoniza diversos segmentos parcelares do direito privado.

Vejamos a sequência de factos relevantes:
- Em Outubro de 2002, por decisão judicial, foi adjudicada à R. a propriedade e foi-lhe atribuída a posse administrativa da parcela que pertenceu aos AA.;
- A R. destinou tal parcela (assim como as demais parcelas que conjuntamente foram expropriadas) à instalação de uma área de serviço na auto-estrada concessionada, designadamente com bomba de combustível e área de restauração, a qual é explorada através de uma sub-concessionária;
- Em 2006, no âmbito de uma acção em que os AA. não intervieram, foi declarada a nulidade da primeira DUP por falta de autorização prévia para desanexação da RAN;
- Em 2007 foi emitida segunda DUP para o mesmo fim, embora, no período subsequente de 18 meses a R. não tivesse promovido a constituição de nova arbitragem nem tivesse remetido a tribunal outro processo de expropriação;
- A autorização administrativa para a desafectação dos terrenos da DUP ocorreu ainda antes de ser declarada a nulidade da primeira DUP;
- Quando foi emitida a segunda DUP a obra já se encontrava totalmente executada e ao serviço da expropriante (fls. 28).
- A R. aufere mensalmente a quantia de cerca de € 55.792,13 pela subconcessão da estação de serviços, correspondendo à parcela, em termos proporcionais, a quantia de € 2.986,80.

Nestas circunstâncias, a devolução aos AA. da referida parcela constituiria um resultado que afrontaria os mais elementares princípios da boa fé, em sentido objectivo, além de contrariar flagrantemente o fim social e económico do direito de propriedade. Esta a via civilista para a improcedência da pretensão.

Resultado que sai reforçada com argumentos directamente extraídos da esfera do direito público em que se inscreve a DUP, ponderando especificamente o princípio da intangibilidade da obra pública realizada pela entidade concessionária da auto-estrada em circunstâncias de aparente legalidade formal.

8. A ocupação da parcela que pertenceu aos AA. teve a sustentá-la um acto administrativo que emanou da entidade competente, a que faltou simplesmente o Parecer prévio para desanexação da RAN. Só quatro anos depois, quando já se encontrava implantada a estação de serviços a que as parcelas se destinavam, foi declarada a nulidade daquele acto administrativo por motivos que nem sequer eram de imputar à concessionária da auto-estrada, ora R., antes à entidade administrativa (SEOP) que tramitou o procedimento administrativo de que emergiu a DUP.

As parcelas identificadas na primeira DUP, incluindo a parcela que pertenceu aos AA., foram afectas a fins de utilidade pública, o que se traduziu na sua integração numa estrutura de interesse púbico, mais concretamente numa área de serviço na margem de uma auto-estrada.

Neste contexto, o reconhecimento aos AA. do direito de propriedade da parcela, acompanhado da condenação da R. na sua devolução e no pagamento de uma indemnização, representaria um resultado que o ordenamento jurídico não conseguiria absorver.

A invocação (e a reinvidicação) do direito de propriedade, de natureza particular, não pode ser completamente desligada da realidade que o circunda, nem das circunstâncias que motivaram a actuação da demandada, a coberto, aliás, de uma legitimidade formal conferida pela DUP que foi devidamente notificada e publicitada.

A satisfação dos interesses patrimoniais de qualquer interessado não pode resultar num desvio clamoroso da função do bem reivindicado, devendo evitar-se que, mediante a declaração de um efeito que formalmente resulta da lei, ocorram prejuízos de incomensurável gravidade na esfera da contraparte, sem que na esfera do interessado se note uma contrapartida significativa.

No caso concreto, este efeito seria tanto mais gravoso quanto é certo que no momento oportuno os AA. nem sequer reagiram contra a DUP, limitando-se a aproveitar “oportunisticamente” o facto de ter sido proferido um acórdão do STA que foi fruto de uma iniciativa processual de titulares de outras parcelas de terreno abarcadas pela DUP. E ainda mais insustentável seria pelo facto de se verificar que, pese embora a falta de autorização prévia para a desafectação da RAN, essa autorização até já existia aquando da prolação do acórdão do STA que declarou a nulidade da primeira DUP.

A pretensão dos AA. revelar-se-ia ainda mais inadequada ante a verificação de que, depois do referido acórdão e em face da existência da autorização prévia para desafectação da RAN, o novo despacho de DUP se limitou a reproduzir a identificação das parcelas com o mesmo destino que anteriormente referido lhes fora cometido.

Argumentos suficientes para, na eventualidade de se encontrar no ordenamento jurídico alguma sustentação formal para as pretensões dos AA., estas serem recusadas por grave afectação das regras previstas no art. 334º do CC.

9. Mas não ficariam por aqui os motivos de ordem substancial impeditivos do acolhimento das pretensões deduzidas pelos AA.

A R. aplicou a parcela a fins de utilidade pública, com implantação de uma obra que serve esses fins, os quais ficariam prejudicados com a procedência da acção. Tal justificaria que se apelasse ao princípio da intangibilidade da obra pública, atento o facto de a R. ter agido de boa fé, sustentada num acto administrativo aparentemente legal.

Esse princípio geral, com raízes no arts. 334º e 335º do CC, sobre o abuso de direito e colisão de direitos, encontra arrimo específico em normas do direito e do processo administrativo. E conquanto não esteja formalmente consagrado, encontra ainda sustentação no quadro específico do direito administrativo, nomeadamente no que se dispõe nos arts. 159º e segs. do CPTA que permitem afastar a execução de julgado em casos em que esta provoque grave lesão do interesse público. Outrossim no art. 173º, nº 3, do CPTA, nos termos do qual a situação jurídica fundada em actos consequentes praticados há mais de um ano pode estabilizar-se quando os danos decorrentes da execução da decisão judicial sejam de difícil ou impossível reparação e for manifesta a desproporção existente entre o interesse na manutenção da situação e o interesse na execução da sentença anulatória. Ou ainda no art. 134º, nº 3, do CPA, que estabelece que o efeito da nulidade do acto administrativo “não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais do direito”. E finalmente no art. 162º, nº 3, do novo Cód. de Proc. Administrativo, aprovado pela Lei nº 4/15, de 7-1, nos termos do qual o disposto quanto à nulidade dos actos administrativos “não prejudica a possibilidade de atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos, de harmonia com os princípios da boa-fé, da protecção da confiança e da proporcionalidade ou outros princípios jurídicos constitucionais, designadamente associados ao decurso do tempo”.

Já num outro aresto deste STJ, de 5-2-2015 (Rel. Abrantes Geraldes), proferido no âmbito da revista nº 2125/10 (acessível através de www.dgsi.pt), se deixou expresso, em torno do referido princípio, o seguinte:

“A apropriação ou ocupação de prédios alheios por entidades públicas pode apresentar-se sob vários gradientes que vão desde o desrespeito flagrante das regras sobre a expropriação por utilidade pública até situações em que a violação objectiva do direito de propriedade é resultado de comportamentos que se inscrevem na mera culpa ou é traduzida em situações que se manifestam através da violação dos limites objectivos do prédio expropriado, por vezes, em resultado de um mero erro ou de excesso na execução do acto expropriativo. Enfim, casos existem em que a violação objectiva do direito de propriedade é precedida ou acompanhada de uma aparência de legitimidade quanto à ocupação ou apropriação de prédio alheio que, no entanto, é infirmada pela análise mais cuidada dos respectivos contornos legais.

Em determinadas circunstâncias que se pautam pela verificação de culpa leve ou mesmo pela ausência de culpa, a aplicação dos efeitos típicos da acção de reivindicação poderia revelar-se excessiva, designadamente quando, na sequência da ocupação ou apropriação, a entidade pública aplicou o imóvel a fins de utilidade pública ou à realização de obra pública, envolvendo vultuosos investimentos.

Em tais situações, o reconhecimento puro e simples do direito de propriedade, com a consequente condenação da entidade ocupante na restituição do prédio nas condições em que o mesmo se encontrava pode revelar-se desproporcionado e gravemente lesivo dos interesses de ordem pública, tendo em consideração os investimentos ou as despesas entretanto realizadas.

Para situações como esta tem sido desenvolvida uma tese intermediada pelos tribunais em face dos casos concretos que legitima uma limitação ao exercício do direito de reivindicação, substituindo-o pela atribuição de uma indemnização correspondente ao valor expropriativo do prédio, ponderando o princípio da intangibilidade da obra pública que mais não é do que uma versão administrativista das figuras do abuso de direito ou da colisão de direitos previstas nos arts. 334º e 335º do CC. Princípio que conquanto não esteja expressamente consagrado pode encontrar sustentação no disposto nos arts. 159º e segs. do CPTA, normas que permitem afastar a execução de julgado em casos em que esta provoque grave lesão do interesse público.

Com recurso a tal princípio geral, em casos em que a condenação na restituição do prédio livre e desocupado constituiria um resultado manifestamente inadequado, por resultarem gravemente afrontados interesses de ordem pública, é possível sustentar uma solução diversa daquela que resultaria da aplicação das regras exclusivamente extraídas do direito privado.

Ainda que não esteja expressamente consagrado tal princípio, e embora também não seja pacífica a sua admissibilidade no nosso ordenamento jurídico (negada, por exemplo, no Ac. do STA, de 6-2-01, in www.dgsi.pt), o certo é que a sua intervenção é limitada a casos que verdadeiramente o justifiquem e que se caracterizem por comportamentos adoptados pela entidade a favor de quem foi declarada a utilidade pública expropriativa e que não ultrapassem subjectivamente os limites da culpa leve.

É neste sentido que a aplicabilidade de tal princípio tem sido admitida neste Supremo pelos Acs. de 9-1-2003 (Rel. Alves Correia), de 29-4-2010 (Rel. Alves Velho) e de 18-2-2014 (Rel. Pinto de Almeida) e, no campo do direito administrativo, pelo Ac. do STA, de 16-1-2008 (recusando a sua aplicação num caso em que a apropriação resultou de uma conduta pautada pela má fé).

Naturalmente que tal solução de raiz jurisprudencial e doutrinal apenas é defensável na medida em que corresponda aos interesses da entidade pública, não se compreendendo a sua invocação por parte do proprietário afectado pela actuação daquela.

Admitindo-se que os interesses públicos e da comunidade sejam susceptíveis de se sobreporem aos meros interesses particulares, especialmente nos casos em que no prédio já tenha sido edificada ou implantada alguma obra pública, tais interesses apenas serão atendíveis se e na medida em que deles resulte um benefício para a entidade pública, em comparação com os efeitos que decorreriam da aplicação das regras gerais”.

Precisamente no mesmo dia foi proferido neste STJ um outro aresto (Rel. Granja da Fonseca, em www.dgsi.pt) onde foi igualmente afirmada a atendibilidade do princípio da intangibilidade da obra pública, ainda que tenha sido afastado pelo facto de a ocupação do terreno por um município ter sido qualificada como uma flagrante expropriação de facto emergente de uma ilegalidade grave e grosseira.

10. No caso sub judice, se necessidade houvesse, a improcedência da acção reivindicatória dos AA. e do pedido de indemnização pela ocupação encontraria naquele princípio bastos argumentos.

De facto, seria insustentável que, a pretexto de se devolver aos AA. uma parcela de terreno, por alegado incumprimento de determinados trâmites formais (que posteriormente foram observados) fosse posto em causa o funcionamento de uma estação de serviço entretanto implantada na margem de uma auto-estrada.

Seria verdadeiramente absurdo, manifestamente desproporcionado e gravemente lesivo dos interesses públicos que, com base numa irregularidade de ordem administrativa (relacionada com a obtenção antecipada da autorização que, ainda assim, veio a ser obtida), que nem sequer foi da responsabilidade da expropriante e com a qual os AA., aliás, se conformaram, lhes fosse entregue a parcela expropriada, o que redundaria na inviabilização de uma estação de serviço entretanto edificada, a qual é necessária para a comunidade de utentes da auto-estrada e imprescindível à satisfação do interesse público ligado à segurança e comodidade das auto-estradas.

Para casos de anulação da DUP, depois de ter sido realizada a obra a que a mesma se destinava, Alves Correia assinala especificamente que, em lugar da destruição da obra e entrega do prédio ao particular, se justifica “a atribuição de uma indemnização, com o que se chancelerá, na prática, uma apropriação irregular ou uma expropriação indirecta” (ob. cit., pág. 176). Aduz mais adiante que “o expropriado não conseguirá readquirir os seus bens, não obstante terem sido ilegalmente expropriados”, restando a concessão de uma indemnização correspondente à expropriação legal (que no caso já terá sido recebida) e eventualmente, para situações que o caso de modo algum reflectiria, “uma indemnização complementar com base na prática do acto ilegal culposo da administração” (págs. 195 e 201 e segs.), a qual apenas poderia ser reclamada da administração responsável pela nulidade.

Por conseguinte, também por esta via complementar seriam contrariadas as pretensões dos AA., improcedendo o recurso de revista.

IV – Face ao exposto, ainda que com fundamentação diversa, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas a cargo dos recorrentes.

Notifique.

Lisboa, 15-4-15


Abrantes Geraldes

Tomé Gomes

Bettencourt de Faria