ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
14/07.0PBCTB
DATA DO ACÓRDÃO 11/09/2011
SECÇÃO 3ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL RECURSO DE REVISÃO
DECISÃO DENEGADA A REVISÃO
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR OLIVEIRA MENDES

DESCRITORES RECURSO DE REVISÃO
NOVOS MEIOS DE PROVA
TESTEMUNHA

SUMÁRIO I - O instituto de revisão de sentença penal, com consagração constitucional, constitui um meio de impugnação extraordinário das decisões judiciais penais, que visa a realização de um novo julgamento, por a justiça do julgamento efectuado estar seriamente posta em causa, com o propósito da reposição da verdade e da realização da justiça, verdadeiro fim do processo penal. Por isso, a lei admite, em situações expressamente previstas (art. 449.º, n.º 1, als. a) a d), do CPP), a revisão de decisão transitada em julgado, mediante a realização de novo julgamento (art. 460.º).

II - A admissão de testemunha, em recurso de revisão, quando não ouvida no processo, está dependente de uma de duas circunstâncias, a justificar (provar) pelo recorrente:
- que ignorava a existência da testemunha ao tempo de decisão (condenação) a rever;
- que essa testemunha estava impossibilitada de depor ao tempo da decisão a rever.

III - No caso vertente, o recorrente afirma que as testemunhas por si indicadas, não ouvidas no processo, estiveram impossibilitadas de depor, sob a alegação de que, não tendo sido notificado do despacho que designou dia para a audiência, não pôde apresentar contestação nem arrolar testemunhas. Sucede que quer o recorrente quer a sua defensora nomeada foram notificados da acusação deduzida. Por outro lado, o recorrente prestou termo de identidade e residência, foi validamente notificado do despacho que designou dia para audiência de discussão e julgamento. Deste modo, não se pode considerar que as testemunhas ora indicadas pelo recorrente estavam impossibilitadas de depor, o que preclude, por si só, o deferimento do pedido de revisão.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA, com os sinais dos autos, interpôs recurso extraordinário de revisão da sentença que o condenou como autor material de um crime de furto, previsto e punível pelo artigo 203º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 5 meses de prisão.

No requerimento apresentado formulou as seguintes conclusões:

1. O Hospital Amato Lusitano, incluído na Unidade Local de Saúde de Castelo Branco, dispunha, à data dos factos: 7 de Janeiro de 2007, de meios de vídeovigilância, com gravação respectiva, no local onde foi praticado o furto referido nos autos, junto à porta de entrada dos Serviços de Urgência:

2. A gravação de vídeovigilância abarca o local onde foi perpetrado o furto, na data e hora referidos na acusação pública;

3. A gravação de vídeo vigilância permite concluir, sem dúvida ou incerteza, que o condenado não praticou os actos por que foi condenado;

4. O depoimento testemunhal de BB e de CC, que acompanharam e se detiveram sempre junto do condenado durante a sua permanência no Serviço de Urgência, afigura-se necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa;

5. Porém, ao tempo da decisão estavam impossibilitadas de depor, porquanto o condenado jamais recebeu a notificação referente à designação da data da audiência de discussão e julgamento e, portanto, não apresentou contestação à acusação pública acompanhada de rol de testemunhas;

6. Pelo que, deve ser admitido o depoimento testemunhal de BB e de CC;

7. Assim, recaem agora graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

8. O condenado não praticou os factos por que foi condenado;

9. Deve este douto Tribunal proferir decisão de autorizar a revisão.

                                         

Após requisição ao Hospital Amato Lusitano de gravação da videovigilância efectuada à porta da entrada dos Serviços de Urgência daquele hospital nos termos requeridos pelo recorrente, requisição não satisfeita atento o lapso de tempo entretanto decorrido, e inquirição das testemunhas por aquele indicadas, o Exm.º Juiz prestou informação sobre o mérito do recurso, na qual explanou as razões pelas quais entende dever ser negado provimento ao mesmo, concretamente a circunstância de a prova ora apresentada pelo recorrente carecer de credibilidade por as testemunhas haverem faltado à verdade.

Neste Supremo Tribunal a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no qual se manifesta no sentido da denegação da revisão do acórdão, com o fundamento de que da prova apresentada pelo recorrente não resultaram quaisquer factos novos susceptíveis de pôr em causa a justiça da decisão revivenda.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

                                      

O instituto de revisão de sentença penal, com consagração constitucional[1], constitui um meio de impugnação extraordinário das decisões judiciais penais, que visa a realização de um novo julgamento, por a justiça do julgamento efectuado estar seriamente posta em causa, com o propósito da reposição da verdade e da realização da justiça, verdadeiro fim do processo penal.

Como refere Maia Gonçalves[2], o princípio res judicata pro veritate habetur não pode obstar a um novo julgamento, quando posteriores elementos de apreciação põem seriamente em causa a justiça do anterior. O direito não pode pretender e não pretende a manutenção de uma condenação, em homenagem à estabilidade de decisões judiciais, à custa da postergação de direitos fundamentais dos cidadãos, maxime do direito à liberdade.

Por isso, a lei admite, em situações expressamente previstas (artigo 449º, n.º 1, alíneas a) a d), do Código de Processo Penal), a revisão de decisão transitada em julgado, mediante a realização de novo julgamento (artigo 460º).

Tais situações são:

a) Falsidade de meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;

b) Crime cometido por juiz ou jurado, relacionado com o exercício da sua função no processo;

c) Inconciliabilidade de decisões;

d) Descoberta de novos factos ou meios de prova que suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

e) Descoberta de que à condenação serviram de fundamento provas proibidas;

f) Declaração, pelo Tribunal Constitucional, de inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;

g) Sentença vinculativa do Estado Português, proferida por instância internacional, inconciliável com a condenação ou suscitadora de graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Examinando o articulado em que o requerente AA peticiona a revisão da sentença que o condenou na pena de 5 meses de prisão, como autor material de um crime de furto, verificamos que o fundamento invocado é o previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal – descoberta de novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Para tanto, requereu a requisição de gravação de videovigilância respeitante a imagens colhidas no local onde ocorreram os factos objecto da sentença revivenda e arrolou duas testemunhas não ouvidas no processo as quais, segundo alegou, sabem que o recorrente não cometeu os factos pelos quais foi condenado.

Não foi possível obter a gravação pretendida pelo recorrente atento o lapso de tempo (mais de três anos) entretanto ocorrido.

As testemunhas indicadas pelo recorrente, segundo alega, estavam impossibilitadas de depor, uma vez que não foi notificado do despacho que designou dia para a audiência de discussão e julgamento, o que o impediu de apresentar contestação e arrolar testemunhas.

Apreciando, dir-se-á.

Como é sabido, o processo penal garante todas as garantias de defesa ao arguido (n.º 1 do artigo 32º da Constituição da República), entre elas a de intervir no processo, estando presente a todos os actos que lhe digam directamente respeito e sendo ouvido pelo tribunal sempre que deva ser tomada qualquer decisão que pessoalmente o afecte, podendo oferecer provas e requerer as diligências que se lhe afigurem necessárias (artigo 61º, do Código de Processo Penal).

Por isso, no recurso extraordinário de revisão, em matéria de novo facto ou meio de prova, sob a epígrafe de produção de prova, estabelece o n.º 2 do artigo 453º do Código de Processo Penal, que o requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor.

Deste modo, a admissão de testemunha, em recurso de revisão, quando não ouvida no processo, está dependente de uma de duas circunstâncias, a justificar (provar) pelo recorrente:

- Que ignorava a existência da testemunha ao tempo da decisão (condenação) a rever[3];

- Que essa testemunha estava impossibilitada de depor ao tempo da decisão a rever[4].

No caso vertente o recorrente CC afirma que as testemunhas por si indicadas (sua companheira e um amigo), não ouvidas no processo, estiveram impossibilitadas de depor, sob a alegação de que, não tendo sido notificado do despacho que designou dia para a audiência, não pôde apresentar contestação nem arrolar testemunhas.

Sucede, porém, que a alegação apresentada pelo recorrente carece de fundamento. Como se vê do exame do processo onde foi proferida a sentença a rever, quer o recorrente CC quer a sua defensora nomeada, foram notificados da acusação deduzida (fls.43 e 44). Por outro lado, tendo o recorrente CC prestado termo de identidade e residência, foi validamente notificado do despacho que designou dia para audiência de discussão e julgamento (fls.56, 57 e 63).

Deste modo, entendemos não se poder considerar que as testemunhas ora indicadas pelo recorrente CC estavam impossibilitadas de depor, o que preclude, por si só, o deferimento do pedido de revisão.                                        

Termos em que se acorda negar a revisão requerida.

Custas pelo recorrente, com 4 UC de taxa de justiça.

                                         

Lisboa, 9 de Novembro de 2011

Oliveira Mendes (Relator)

Maia Costa

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[1] - O artigo 29º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa, estabelece: «Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos».

[2] - Código de Processo Penal Anotado, notas ao artigo 449º.
[3] - Conquanto a lei refira que a ignorância ou desconhecimento da testemunha terá de existir ao tempo da decisão (condenação), deve entender-se que essa ignorância deve existir no último momento em que o requerente podia indicá-la e obter a sua inquirição antes da decisão cuja revisão se pede. Cf. neste preciso sentido, Luís Osório, Comentário ao Código de Processo Penal Português, 6º, 430.

[4] - Neste preciso sentido vem decidindo maioritariamente este Supremo Tribunal de Justiça, como se vê, entre outros, dos acórdãos de 08.02.28, 08.09.10, 08.11.20 e 08.11.20, proferidos nos Recursos n.ºs 443/08, 1617/08, 1311/08 e 3543/08.