Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
17009/18.0T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA LOPES
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
OBRIGAÇÕES DE MEIOS E DE RESULTADO
DEVER DE DILIGÊNCIA
DEVER DE INFORMAÇÃO
INSOLVÊNCIA
Data do Acordão: 05/06/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I - Num contrato de consultoria ao investimento, a obrigação do intermediário financeiro é uma “obrigação de meios” e não de “resultados”;

III –Tendo-se provado que a recomendação na compra das obrigações em causa era, com os dados na altura conhecidos, um bom investimento, que o A., com larga experiência de investimentos em moeda e obrigações estrangeiras, era informado mensalmente da cotação das obrigações, que a insolvência do emitente da obrigação foi um evento “extraordinário e imprevisível”, não pode dizer-se que a Ré negligenciou os deveres de “diligência” e de “informação”, não existindo, pois, fundamento para a condenar a indemnizar o autor do prejuízo que sofreu com a desvalorização do activo.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



AA, instaurou acção declarativa com processo comum contra PARTNERS2U SCI – Sociedade Consultoria ao Investimento Lda, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe uma indemnização pelos prejuízos a determinar em sede de julgamento, em valor não inferior a € 205.579,00, acrescido de juros legais e de um valor a título de lucros cessantes calculados a uma taxa de juro não inferior a 2% ao ano.

Alegou para tanto e em síntese, ter celebrado com a Ré um contrato de consultadoria para investimento que não foi cumprido. Em primeiro lugar porque nunca teve acesso a uma plataforma, depois porque os investimentos propostos e por si efectuados não eram adequados ao seu perfil de investidor. Por fim, porque a alocação de activos era desajustada para esse mesmo perfil, seja pela alocação de activos e pela natureza dos mesmos. E, por fim, porque quando a cotação de um desses activos desceu exponencialmente não foi tempestivamente avisado e por causa disso perdeu a quantia peticionada.

A Ré contestou por impugnação, pedindo a sua absolvição do pedido.

Tramitados os autos, e realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.

Inconformado, apelou o Autor para o Tribunal da Relação  ....., mas sem sucesso, pois que aquele Tribunal confirmou inteiramente a sentença absolutória da Ré.

Interpôs então revista excepcional, que foi admitida pela Formação a que alude o nº 3 do art. 672º do CPC.

O Recorrente remata a sua alegação recursiva com as seguintes conclusões:

O presente recurso de revista excepcional deve ser admitido por estarem causa questões cuja apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça são claramente necessárias para uma melhor aplicação do Direito dos Valores Mobiliários, a saber:

i) o reconhecimento dentre os diversos deveres dos intermediários financeiros, dos diversos deveres de informação, distinguindo os deveres de informação periódicos de outros deveres de informação, de natureza pontual ou imediata, em cumprimento dos deveres que decorrem dos princípios e regras de conduta que vinculam a actividade da intermediação financeira, em particular, o dever de actuação como (elevada) diligência e de protecção dos legítimos interesses dos clientes, entreoutros, e dodever de informação sobre alterações significativas quanto aos instrumentos financeiros objecto do investimento – cfr. o disposto nos nºs. 1 e 2 do artigo 304.º e no n.º 4 do artigo 312.º-B do CVM, na redacção anterior à transposição da DMIF II.

1.1. A relevância jurídica da adequada interpretação desse dever de informação sobre alterações significativas é essencial para aferir da existência de ilicitude para efeito da responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente-investidor, devendo as mencionadas normas jurídicas ser interpretadas e aplicadas consoante a natureza do serviço de investimento em instrumentos financeiros em concreto, sendo que na prestação do serviço de consultoria por uma sociedade de consultoria para investimento, qualificada como intermediário financeiro, in casu, a Recorrida-Recorrida:

i) o dever resulta agravado, dado a consultoria constituir o único serviço (nuclear) da atividade da sociedade, e

ii) mais agravado no caso de o serviço de consultoria não ser prestado de modo isolado, descontinuado, mas numa base continuada com explicitação de uma obrigação de acompanhamento,

iii) obrigação de acompanhamento que não é cumprida pela prestação de uma informação através de um relatório ou extracto mensal que replica as informações sobre a quantidade e cotação dos instrumentos financeiros do cliente-investidor que lhe é prestada pelo intermediário financeiro que presta a esse cliente-investidor o serviço de registo e depósito de instrumentos e a quem são dirigidas pelo cliente-investidor as ordens de transacção por si geradas com base na consultoria prestada.

2. Consequentemente, não é conforme ao Direito dos Valores Mobiliários, em particular, às normas que conformam a intermediação financeira – cfr. artigos 289.º e segs. do CVM -, a interpretação realizada pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação ....., confirmando a douta Sentença da 1.ª instância, segundo a qual a Recorrida, sociedade de consultoria para investimento, cumpriu os seus deveres de informação perante o Recorrente, quanto ao dever de informação das alterações abruptas de descida, subida e descida de cotações de várias das suas obrigações (adquiridas pelo Recorrente em execução de conselho da Recorrida) ter ficado cumprido com o envio de um extracto mensal que, como dado como provado, apenas informava o Recorrente da cotação das obrigações numa dada data, não reflectindo as ditas variações, não refletindo a elevada volatilidade ocorrida durante operíodo aque oditaextracto periódico se referia, nãotendo permitido ao Recorrente tomar qualquer decisão de desinvestimento, limitando as perdas que veio a sofrer.

2.1 Da boa interpretação e aplicação dos deveres dos intermediários financeiros ao caso concreto, em particular, o dever de os intermediários financeiros orientarem a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado – cfr. o n.º 1 do artigo 304.º do CVM, na redação pré-transposição da DMIF  II -, o dever de os intermediários financeiros observarem os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência – cfr. o n.º 2 do artigo 304.º do CVM na redação pré-transposição da DMIF II -, bem como o dever (expresso) quanto ao dever de informação no caso de alteração significativa na informação anteriormente prestada sobre os instrumentos financeiros, estabelecido no n.º 4 artigo 312.º-B (quanto ao momento da prestação da informação), deve conduzir à conclusão da violação grave do dever de informação que incumbia à Recorrida e que foi geradora dos prejuízos sofridos pelo Recorrente, devendo aquela ser condenada no pagamento do pedido de indemnização deduzido pelo Recorrente.


(…) Deve ser julgado do procedente o pedido deduzido pelo Autor e Recorrente na sua petição inicial e cujo provimento de lhe negado pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação ......


Contra alegou a Recorrida pugnando pela não admissão da revista excepcional e se assim se assim não entender pela improcedência do recurso.


Na decisão que admitiu a revista excepcional, ponderou a Formação:

“(…).

Considerando que é questionado o modo como foi integrado o dever de informação no âmbito de um contrato outorgado entre as partes, não pode ignorar-se que se encontram pendentes de decisão diversos recursos extraordinários para uniformização de jurisprudência que, embora de contornos não inteiramente coincidentes, giram em torno dos pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro, mais concretamente sobre o dever de informação, para além do nexo de causalidade entre a atuação do intermediário e os resultados negativos do investimento realizado em produtos financeiros.

No caso, tratar-se-á de um contrato de consultoria para investimento financeiro, mas em que também se colocam questões de semelhante índole em torno do conteúdo e do cumprimento do dever de informação, o que justifica uma intervenção deste Supremo Tribunal de Justiça.

Com efeito, pese embora o interesse particular do A. em aceder ao terceiro grau de jurisdição, não deixa de ser visível um interesse de maior amplitude. Com efeito o que vier a ser decidido por este Supremo, poderá servir de guia na resolução de outros litígios de semelhantes contornos. E, por outro lado, pode acontecer que no mérito da presente ação acabe por se repercutir o que venha a ser decidido, com valor uniformizado, em algum dos referidos recursos extraordinários para uniformização de jurisprudência que se encontram pendentes.

Por conseguinte, admite-se a revista excecional.”


Colhidos os vistos, cumpre decidir.


///


Fundamentação.

Eis, antes de mais, a matéria de facto que o acórdão recorrido deu como provada:

1. A PARTNERS2U é uma sociedade de consultoria para o investimento em instrumentos financeiros, constituída em 23-10-2012, com o objeto social de consultoria para investimentos em instrumentos financeiros e prestação de serviços de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem relativa àqueles, regendo-se pelo regime especial previsto no Decreto-Lei n.º 357-B/2007, de 31 de Outubro, e pelas regras gerais estabelecidas no Código dos Valores Mobiliários para os intermediários financeiros, em particular as relativas às obrigações précontratuais e contratuais  que  conformam  a  prestação  de   serviços   de   investimento   em instrumentos financeiros, suportada nos contratos de intermediação financeira aí previstos.

2. Em reunião havida em Abril de 2011 entre o AUTOR e representantes da PARTNERS2U, foi apresentado pela RÉ ao AUTOR um documento denominado «Proposta de alocação - Carteira r. AA», sendo o conteúdo desta epigrafado pelo título “Consulta de Investimento Dr. AA”, o qual refere que, analisada a carteira do AUTOR no valor de € 2.000.000,00 (dois milhões de euros), “se pretende aplicar em 75% numa lógica conservadora e 25% numa lógica de risco moderado(documento que ora se junta em anexo como DOC. 7, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos).

3. Em 1 de Junho de 2011, o AUTOR assinou o Contrato de Consultoria proposto pela PARTNERS2U, denominado «Contrato de Consultoria para Investimento - Serviço Premium» (aqui, abreviadamente identificado como CONTRATO), e do qual fazem parte integrante diversos anexos, conforme cópia junta em anexo como DOC. 1, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

4. De acordo com a al. a) do ponto 2.1. do CONTRATO: “Os serviços «PREMIUM» a prestar pela PARTNERS2U SCI, LDA, consistem na prestação de serviços de consultoria ao investimento efectuados numa base continuada, consubstanciando-se por isso num serviço de acompanhamento do cliente numa lógica de avença com duração mínima de doze meses, mediante uma remuneração mensal”.

5. Nunca foi disponibilizada qualquer “plataforma”, pelo que o AUTOR apenas foi acedendo à informação que lhe era prestada pela RÉ;

 6. A contratação da prestação do serviço, por ser com natureza continuada, implicava a cobrança de uma comissão mensal, em contrapartida do acompanhamento da carteira pela RÉ, em termos de emissão e apresentação ao AUTOR  de  recomendações  de   investimento   ou   de   desinvestimento,  em conformidade com os objectivos de investimento inicialmente identificados.

7. Nos termos da al. b do mesmo ponto 2.1. do CONTRATO, encontra-se estabelecida a obrigação da RÉ de: “Definir as directrizes que permitam obter a melhor solução em termos de investimento nomeadamente sobre a composição de uma carteira de investimento em instrumentos financeiros, dentro do Perfil de investidor previamente definido pela sociedade [a RÉ] com base no teste de adequação efectuado pelo Segundo Contraente [a RÉ] conforme anexo a este contrato (…). As informações e consultoria ao investimento serão assim definidas de forma personalizada, enquadrada no perfil de risco expresso pelo teste de adequação do Segundo Contraente [o AUTOR]”.

8. Nos referidos anexos integrantes do Contrato inclui-se, na penúltima página, um questionário (de uma página) relativo a “Serviços de Investimento / Serviços Financeiros Já Utilizados / Familiaridade sobre Instrumentos Financeiros / Situação Financeira”, bem, na última página, um anexo denominado “Teste de Adequação”.

9. Em 23 de Fevereiro de 2016, o AUTOR resolveu o CONTRATO.

10.  Em 5 (cinco) anos - de 2011 a 2016 - o AUTOR teve cerca de uma dezena de reuniões no escritório da PARTNERS2U, confiando na sua actuação.

11. Numa fase inicial, as ordens de compra/venda dos instrumentos financeiros eram, após essas reuniões, apresentadas pela PARTNERS2U ao AUTOR, e este transmitia-as ao Banco, junto do qual o AUTOR mantinha conta onde se encontravam depositados os fundos e instrumentos financeiros integrantes da carteira, procedendo o Banco à execução dessas ordens

12. A certa altura a RÉ passou a comunicar ordens para o Banco, sendo que era o Banco que posteriormente contactava o (Cliente) AUTOR, para confirmação (e autorização dessas ordens).

13. Em .. de Julho de 2015, em consequência de recomendação apresentada
pela PARTNERS2U ao AUTOR, conforme e-mail que ora se junta em anexo
como DOC. 8, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, foi executada uma
ordem de compra, sendo investido um total de aproximadamente € 500.000,00
(quinhentos mil euros), como melhor resulta dos extractos, na aquisição de 4
(quatro) obrigações: a) € 200.000 de obrigações ABENGOA 8.5% 31-03-2016
(abreviadamente, ABENGOA; identificadas nos extractos-relatórios mensais como “Abengoa 8.5 03/31/16”); b) € 100.000,00 de obrigações GAZPROM 6.605% 13-
02-2018 (abreviadamente, GAZPROM; identificadas nos extractos-relatórios
mensais como “GAZCA 6.605 02/13/18 MTN”), c) € 100.000,00 de obrigações
PETROBRAS GLOBAL FINANCE 4.875% 07-03-2018 (abreviadamente,
PETROBRAS; identificadas nos extractos-relatórios mensais como “PETROBRAS 4.875 07/03/2018”), € 100.000,00 de obrigações CEMEX FINANCE 5.25% 01- 04-2021 (abreviadamente, CEMEX; identificadas nos extractos-relatórios mensais como “CMFNL 5.250 04/01/21´17”),

14. Os respectivos preços de aquisição, em % do valor nominal das
obrigações, como é prática na transacção de obrigações, foram os seguintes:

a) ABENGOA, 98,31%

b) GAZPROM, 105,88%

c) PETROBRAS, 98,44%,

d) CEMEX, 103,88.

Preços aos  quais  acresceram os  respectivos  de valores  de juros  corridos  ou contáveis devidos pelo comprador de obrigações,

15. Conforme “Relatório mensal” (extracto patrimonial e de operações), remetido
pela RÉ ao AUTOR, o qual contém informação sobre os activos integrantes da carteira e as operações realizadas no período relevante - cfr. DOC. 9, relativo ao mês de Julho de 2015, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

16. No mês imediatamente anterior à execução da mencionada recomendação de investimento, a 30.6.2015, o montante investido em obrigações era de 232.374,00€, sendo a liquidez no valor de 816.972,00€, tudo, numa carteira de valor total, entre instrumentos financeiros e liquidez, de 1.440.175,00€ - tudo como melhor se retira do DOC 10;

17. O investimento em “obrigações”, em abstracto, não é, em normal funcionamento dos mercados e por característica típica, consentâneo com perdas abruptas num curto período de tempo.

18. Os relatórios remetidos pela RÉ ao AUTOR, demonstravam a última cotação mensal do activo.

19. Face à volatilidade do activo ABENGOA e apenas quanto a este esses relatórios nos meses de Outubro e seguintes não reflectiam a oscilação de cotações diárias das obrigações ABENGOA.

20.     De acordo com o teste de adequação do cliente, o seu perfil era
moderado, perfil esse que inclui uma mistura de instrumentos financeiros de baixo risco, médio risco e risco elevado o A. é uma pessoa com vasta experiência em investimentos nos mercados financeiros, e no seu historial de investimentos existem vários investimentos em activos de risco elevado ou muito elevado.

21.Quando o A. começou a trabalhar com a aqui Ré tinha na sua conta do Deustch Bank cerca de 900.000€ em instrumentos financeiros - Cf. Doc. 1 cujo conteúdo se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

22.  Em ../09/2012 o aqui A. tinha uma carteira de € 1.765,681,43 (no DB e na CGD ) que se repartia por investimento em acções, obrigações e alguma liquidez em depósitos à ordem. - cf doc 2 que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. 

23. Nos termos do acordo referido em 3) a Ré não se obrigava a
acompanhamento de carteira mas apenas a “
definir as directrizes que permitam
obter a melhor solução em termos de investimento nomeadamente sobre a
composição de uma carteira de investimento em instrumentos financeiros dentro
do perfil de investidor previamente definido
.” (vide alínea b) do ponto 2.1 do contrato junto sob Doc. 1 com a PI ).

24. O acompanhamento não implicava a necessidade de efectuar numa base mensal uma “quota” de recomendações, pois poderiam existir meses em que não existia qualquer tipo de recomendações.

25. O A. foi informado do resultado do teste de adequação e da atribuição do perfil moderado de imediato na data de assinatura do contrato. A menção do “Perfil Moderado “ constava expressamente dos relatórios mensais enviados ao cliente e nunca o Aqui A. durante os anos de vigência do contrato, questionou ou inquiriu a Ré sobre a suposta inadequação do seu perfil.

26. A. esteve inúmeras vezes presencialmente nos escritórios da Ré e teve muitas dezenas de contactos telefónicos com a aqui Ré, nomeadamente na pessoa do consultor, Drº BB

27. O A. teve investimentos em moeda estrangeira como Obrigações em Coroas Norueguesas, Obrigações de Tesouro Portuguesas, Obrigações Governamentais Gregas, ETF’s sobre volatibilidade e forte exposição a ativo em dólares americanos.

 28. A Ré como meio de facilitar a operacionalização da sua atividade de consultoria ajuda os seus clientes (logo o aqui A. ) na comunicação com os seus bancos, enviando emails para os gestores de conta com o teor daquilo que o cliente pretende, e o cliente confirma com o banco aquilo que pretende.

29. Na sequência de reunião com o A. na manhã do dia 24 de Julho de 2015 a Ré enviou uma recomendação às 12h44 onde se aconselhava o cliente nos seguintes termos : Efetivação: de vendas de posições em ativos com exposição ao mercado e aquisição de um conjunto de obrigações com base em lista fornecida pela aqui Ré e que o A. demonstrou vontade de adquirir: 200.000€ de obrigações “ Abengoa 8,5% 31/03/2016” ao preço indicativo de 99,50%; 100.000€ de obrigações “ Gazprom 6.605% 13/0272018” ao preço indicativo de 106,20%; 100.000€ de obrigações “ Petrobras Global Finance 4.875% 07/03/2018 “ ao preço indicativo de 100,90%; 100.000€ de obrigações “ CEMEX Finance 5,25% 01/04/2021” ao preço indicativo de 104,20 %. - Cf. Doc. 8 cujo conteúdo se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

30. O A. validou as recomendações da aqui Ré tendo dado as ordens de venda e de compra junto do Deutsche Bank - Cf- Doc. 8 cujo conteúdo se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

31. No caso específico da Abengoa, a recomendação visou um rendimento alto, sendo que o facto da empresa ter tido uma melhoria do seu rating por parte da agência de rating S&P em 30 de Junho de 2016, a par de uma nota de research por parte da Societé Generale, suportou a convicção partilhada entre consultor e cliente de que seria um bom investimento.

32. O investimento em obrigações (ao contrário do investimento em acções) em abstracto não implica habitualmente perdas abruptas num curto período de tempo, excepto quando se verificam acontecimentos ou variáveis que não podiam ser atendidas no momento da respectiva recomendação.

 33. Em data anterior o A. teve investidos € 294.000 numa obrigação de um
único emitente, no caso a Merril Lynch/Bank of America, repartido em € 200.000
na sua conta da CGD e € 94.000 na sua conta no Deutsche Bank.

34. Em Julho de 2013 ao A. tinha sido recomendada a aquisição de obrigações da Abengoa e da Petrobras - Cf. Doc. 11 cujo conteúdo se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

35. Uma nota de research da Societe Generale de ../04/2015 também recomendou a compra de obrigações da Abengoa - Cf. Doc. 12 cujo conteúdo se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

36. A mesma Societe Generale emitiu novo research de compra da Abengoa em 10/09/2015 - Doc. 13 cujo conteúdo se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

37. E com base nestes pressupostos a Ré entendeu que não era o momento de vender o referido ativo, tendo mesmo em 15/09/2015 emitido recomendação de compra de obrigações da Abengoa com maturidade em 2021 para os seus clientes - Cf. Doc. 14 cujo conteúdo se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

38. O rating da divida sénior da empresa sofreu uma revisão em alta no dia 30 de Junho de 2015 (102.75%) por parte da S&P de B para B+, tendo a mesma agência de rating realizado uma revisão em baixa no dia .. de Novembro de 2015 de B+ para CCC-

39. A insolvência dessa empresa foi um evento extraordinário e imprevisível, facto esse que alguns operadores do mercado anteciparam.

40. Todos os restantes activos objeto da recomendação da ré de 24.7.2015 tiveram rentabilidade positiva, sendo liquidada na data de vencimento o capital e juros devidos pelas entidades emitentes.

41. A sociedade Abengoa entrou em default tendo a cotação das obrigações subscritas pelo autor variado entre um máximo de 103, 746 (30.6.2015)e um mínimo de 15.628 (em 30.12.2015), conforme doc de fls.91 a 100, junto pelo A cujo teor se dá por reproduzido.

 42. O autor alienou essas obrigações abengoa à cotação de,
aproximadamente 16,6% do seu valor nominal, sofrendo uma perda do capital de a 82%.

43. No decurso do contrato referido em 3) o resultado positivo global da carteira do autor foi de 34.204,61 euros conforme documento de fls. 203 verso cujo restante teor se dá por reproduzido.

44. A remuneração da ré era a que consta de fls. 24 cujo teor se dá por reproduzido variando entre 250,00 euros a 525,00 consoante a diminuição do património.


Fundamentação de direito.


O acórdão recorrido qualificou a relação entre o Autor e o Réu como actividade de intermediação financeira e bem.

A intermediação financeira designa o conjunto de actividades destinadas a mediar o encontro entre a oferta e a procura no mercado de capitais, assegurando o seu regular e eficaz funcionamento.

Como decorre das conclusões acima transcritas, o Recorrente insurge-se contra o acórdão recorrido por este ter entendido que no caso não se mostra violado o dever de informação, defendendo o Recorrente que o cumprimento daquele dever exigia mais que o mero envio do extracto mensal com a cotação das obrigações.


Recordemos como a Relação justificou a sua decisão:

“No caso, a Ré formulou as suas recomendações (aceites e executadas pelo A. ) com base no perfil de risco do cliente e adequado às suas características de investidor, e recomendou activos que de forma alguma tinham resarch negativos e entendeu não efectuar a recomendação de venda dos mesmos pois entendia que face aos elementos cognoscíveis existentes no mercado não era expectável o default da ABENGOA. Veja-se o que consta do ponto 3.2 do contrato junto com a petição inicial e a que aludimos supra.

Por outro lado, não se mostram violados os deveres de informação na medida em que, como afirma a sentença recorrida e a cuja argumentação aderimos: “essa informação (cotação do último dia do mês) sempre foi assim efectuada durante todo o contrato sem qualquer queixa do autor. E, que esta afinal de acordo com os elementos do próprio autor [permitia] detectar claramente essa volatibilidade.

Conforme fls. 91 as cotações do último dia do mês foram:

Junho: 103,7%; Julho: 98,3 %; Agosto: 89,6 %; Setembro: 86,1 %; Outubro: 84,9 %; Novembro: 19,9%; Dezembro: 15,6%

Ou seja, a variação súbita ocorreu em Novembro e podia ser facilmente apreensível caso o autor tivesse lido a informação mensal que lhe foi enviada.

É certo que nesses termos o Autor não se terá apercebido da variação excessiva ocorrida em Setembro, mas note-se que a cotação recuperou no final desse mês, pelo que essa informação é hoje relevante, mas não seria decisiva na data, porque seria explicável como volatilidade transitória. “

Concluímos do exposto que não existiu por parte da Ré qualquer actuação de negligência porquanto conforme referido a Ré entendeu que não existiam no mercado à data e naqueles momentos qualquer informação relevante que a fizesse alterar a sua recomendação no sentir de recomendar a venda do activo Abengoa.

Não estando aqui em causa a prestação de um resultado determinado, não será suficiente alegar e demonstrar a sua não obtenção ou a verificação de um resultado diferente do esperado para que exista incumprimento ou cumprimento defeituoso, pois que a violação da obrigação reside sempre na prática deficiente/defeituosa do acto ou na abstenção da prática de actos exigidos pela situação que se coloca.

Pelo contrário, a Ré logrou demonstrar que actuou e prestou ao Autor as informações e recomendações adequadas no momento e que se enquadravam dentro do perfil de risco do mesmo.

Destarte, não se mostram violados os deveres de informação diligência, lealdade e protecção dos legítimos interesses do cliente por parte da Ré, pelo que não subsiste qualquer dever de indemnizar o Apelante pelos alegados prejuízos -cfr. artigo 487,º, n,º 2 ex vi artigo 799.º , n.º 1 do Código Civil.”

Como vimos, o argumento essencial do Recorrente é que tendo celebrado com a Recorrida “um contrato de consultoria para o investimento, numa base continuada, com obrigação de acompanhamento”, a Recorrida incumpriu os deveres de informação e de diligência na medida em que o extracto mensal com a cotação das obrigações se revelou insuficiente porque não reflectia “as variações e a elevada volatilidade ocorrida durante o período a que o extracto periódico se referia”. Esta omissão, não permitiu ao Recorrente “tomar qualquer decisão de desinvestimento, limitando as perdas que veio a sofrer.”

Vejamos se a revista merece provimento.

Está em causa um contrato de intermediação financeira na modalidade de consultoria para investimento (art. 290º, nº 1, f) do CVM).

Nos termos do disposto no artigo 294° do CVM:

1.“Entende-se por consultoria para investimento a prestação de um aconselhamento personalizado a um cliente, na sua qualidade de investidor efectivo ou potencial, quer a pedido deste quer por iniciativa do consultor relativamente a transacções respeitantes a valores mobiliários ou a outros instrumentos financeiros.”

2. Para efeitos do número anterior, existe aconselhamento personalizado quando é feita uma recomendação a uma pessoa, na sua qualidade de investidor efectivo ou potencial, que seja apresentada como sendo adequada para essa pessoa ou baseada na ponderação das circunstâncias relativas a essa pessoa, com vista à tomada de uma decisão de investimento.”

Engrácia Antunes, in Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, pag. 592, define  “consultoria para investimento como o contrato celebrado entre um intermediário financeiro ou um consultor em investimento mobiliário (consultor) e um cliente (consulente ou investidor) através do qual o primeiro se obriga perante o último, mediante remuneração, à prestação de um aconselhamento personalizado relativo a transacções respeitantes a instrumentos financeiros.”

São múltiplos os deveres que, nos termos do CVM, decorrem para os intermediários financeiros, entre os quais:

- Obrigação de exercer a sua actividade com elevados níveis de aptidão e organização profissional (art. 305º, nº 1), protegendo os interesses legítimos dos seus clientes;

- Deveres de informação (arts. 312º, 313º, 323º e 336º);

- Deveres acessórios de boa fé nas relações com todos os intervenientes no mercado, concretizados na exigência e elevados padrões de diligência, lealdade e transparência (art. 304º, nº 4).

Como refere Paulo Câmara, Manual de Direitos e Valores Mobiliários, Almedina, 2ª edição, pag. 691, “um dos alicerces do sistema mobiliário reside na função de apoio, assistência, aconselhamento que os intermediários financeiros desempenham relativamente aos seus clientes.”

A informação, salienta o mesmo autor, constitui, por um lado “um instrumento de protecção dos investidores, uma vez que estes poderão avaliar melhor os riscos de ganhos e perdas ligados ao seu investimento” e, por outro lado, salvaguardar o regular e eficiente funcionamento dos mercados.” (obra citada, pag. 685).

Neste particular, constitui jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça, quando chamado a decidir casos em que se imputa aos intermediários financeiros a violação do dever de informação:

- trata-se de um dever de geometria variável, ou seja, a intensidade dos deveres de informação varia em função do tipo contratual em causa e do concreto perfil do cliente. (entre outros, os Acórdãos do STJ de 10.0.2018, P.753/16, e de 09.01.2019, CJ, AcSTJ, I, pag. 25).

- o dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa – em absoluto – o investidor de adoptar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento (Ac. STJ de 06.06.2019, P. 447/17, e Filipe Canabarro Teixeira, Os deveres de informação dos intermediários financeiros em relação aos seus clientes e responsabilidade civil, em Caderno de Mercado dos Valores Mobiliários, nº 31, pag. 4 e sgs.).

A violação dos deveres a que está adstrito o intermediário financeiro fá-lo incorrer em responsabilidade civil por danos causados ao investidor nos termos previstos no art. 314º:

1. Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais, quando seja originado pela violação do dever de informação.


Dito isto, importa apurar se, no caso em apreço, a Ré incorre em responsabilidade civil perante o Autor por ter incumprido os deveres de informação e de diligência.

A questão coloca-se apenas com as obrigações Abengoa, visto se terem revelado bons investimentos a compra de obrigações Gazprom, Petrobraz Global Finance e Cemex Finance, igualmente recomendadas pela Ré.

Igualmente não se pode censurar a Recorrida por ter recomendado o investimento em obrigações Abengoa, que à luz dos dados conhecidos em Julho de 2015 era um bom investimento, recomendado pela Societé General em Abril e Setembro daquela ano, tendo o rating da dívida da empresa sofrido uma revisão em alta por parte da S&P de B para B+ em 30 de Junho de 2015.

Ainda em Setembro de 2015, a Societé General emitiu uma nota a recomendar a compra de obrigações Abengoa (nº 36).

No entanto, apesar das notações positivas em meados de 205, a sociedade Abengoa entrou em default, com uma queda súbita em Novembro, insolvência que foi “um evento extraordinário e imprevisível”, todavia antecipado por alguns operadores do mercado (nº 39).

Posto isto, com o devido respeito, não nos parece que assista razão ao Recorrente.

A volatilidade da cotação das obrigações, os altos e baixos, não pode surpreender ninguém atento ao mercado de capitais, nem o Autor que era um investidor experiente, “com uma vasta experiência em investimentos nos mercados financeiros” (20), com uma carteira de investimento em obrigações e acções, com investimentos em moeda estrangeira como Obrigações em Coroas Norueguesas, Obrigações de Tesouro Portuguesas, Obrigações Governamentais Gregas, ETF’s sobre volatibilidade e forte exposição a ativo em dólares americanos. (nº 27).

Até Outubro de 2015 a constante descida da cotação das obrigações Abengoa, que era evidenciada na informação mensal que o Autor recebia da Ré, não permitia antecipar a insolvência daquela, bem podendo tratar-se de uma fase transitória, explicável pela volatilidade da cotação das obrigações, nem para o Autor, um investidor experiente, que de outro modo teria dado ordem de venda daquele activo mais cedo. 

Concorda-se com o acórdão recorrido quando refere não ter existido por “parte da Ré qualquer actuação de negligência porquanto conforme referido a Ré entendeu que não existiam no mercado à data e naqueles momentos qualquer informação relevante que a fizesse alterar a sua recomendação no sentir de recomendar a venda do activo Abengoa.

Não estando aqui em causa a prestação de um resultado determinado, não será suficiente alegar e demonstrar a sua não obtenção ou a verificação de um resultado diferente do esperado para que exista incumprimento ou cumprimento defeituoso, pois que a violação da obrigação reside sempre na prática deficiente/defeituosa do acto ou na abstenção da prática de actos exigidos pela situação que se coloca.”

Em suma, não se vê que da matéria de facto resulte a actuação ilícita da Ré,  que sempre pressuporia “uma desconformidade entre conduta devida (a realização da prestação) e o comportamento observado enquanto intermediário financeiro” e não demonstrada a ilicitude não há obrigação de indemnizar, como decorre do art. 798º do CC (Gonçalo André Castilho dos Santos, “A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente”, pag. 199 e sgs, e o já citado acórdão do STJ de 09.01.2019).

Por conseguinte, não merece reparo a decisão recorrida, improcedendo assim as conclusões do recurso.

Sumário:

I - Num contrato de consultoria ao investimento, a obrigação do intermediário financeiro é uma “obrigação de meios” e não de “resultados”;

III –Tendo-se provado que a recomendação na compra das obrigações em causa era, com os dados na altura conhecidos, um bom investimento, que o A., com larga experiência de investimentos em moeda e obrigações estrangeiras, era informado mensalmente da cotação das obrigações, que a insolvência do emitente da obrigação foi um evento “extraordinário e imprevisível”, não pode dizer-se que a Ré negligenciou os deveres de “diligência” e de “informação”, não existindo, pois, fundamento para a condenar a indemnizar o autor do prejuízo que sofreu com a desvalorização do activo.

Decisão.

Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente.


O Relator atesta que os adjuntos Conselheiros Manuel Capelo e Tibério Nunes da Silva votaram favoravelmente o acórdão, não o assinando porque a sessão de julgamento decorreu em videoconferência.

Lisboa, 06.05.2021

Ferreira Lopes (relator).