Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
889/18.7T8EPS.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
ALUGUER DE LONGA DURAÇÃO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
ÓNUS DA PROVA
CLÁUSULA PENAL
CONTRATO DE ADESÃO
CLÁUSULA ACESSÓRIA
NULIDADE DE CLÁUSULA
INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
REDUÇÃO
VEÍCULO AUTOMÓVEL
DANOS PATRIMONIAIS
Apenso:
Data do Acordão: 01/18/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Encontrando-se uma cláusula inserida nas condições gerais de um contrato padronizado, é sobre a parte que dela pretende prevalecer-se, e de modo exclui-la do regime da LCCG, que incumbe o ónus de prova de que a mesma resultou de negociação prévia entre as partes.

II - A cláusula penal tem a natureza de cláusula acessória da chamada obrigação principal assumida no contrato pela parte devedora.

III - Uma cláusula penal pode revestir-se de várias modalidades/espécies (vg. assumindo uma função indemnizatória e/ou uma função compulsória e/ou ainda um tertio genus), podendo tanto concentrar em si todas essas funções, como apenas uma qualquer delas.

IV - Como decorre dos conjugados artºs. 12º e 19º al. c) da LCCG, são proibidas, e como tal nulas, as cláusulas contratuais gerais que “consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir.”

V - Sendo indeterminado, o conceito de desproporcionalidade de uma cláusula penal, consagrado no 2º. daqueles normativos legais, deve ser concretizado e aferido, pelo julgador, com base num juízo objetivo e abstrato, e não casuístico, ou seja, independentemente das circunstâncias do caso concreto, tomando em conta o quadro negocial padronizado e específico do setor de atividade em que ocorreu o contrato no qual a cláusula penal foi estipulada, reportando ainda esse juízo ao momento em que a mesma foi estabelecida, devendo, e nessa medida, considerar-se para o efeito a desproporção entre a pena estipulada e os danos então previsíveis (e não os danos concretos/efetivos), não bastando, por fim, na formulação desse juízo que o valor dessa desproporção seja superior, antes se exigindo que ele seja sensível.

VI - O facto de se ter concluído pela validade de uma cláusula penal (por não ser desproporcionada relativamente aos danos a ressarcir), não impede, todavia, que a mesma possa vir a ser, mesmo oficiosamente, reduzida, à luz do artº. 812º do Cód. Civil, mesmo que se encontre inserida num contrato de adesão.

VII - Para o efeito necessário se torna que se conclua ser tal cláusula manifestamente excessiva (não se bastando agora com uma desproporção sensível entre a pena nela inserta e os danos a ressarcir).

VIII - Por outro lado, neste segundo momento (visando a redução da pena da cláusula), ao contrário daquele primeiro, o juízo sobre a manifesta excessividade da pena deve fazer-se, não por referência ao momento em que ela foi estipulada, mas antes reportado ao momento em que ela tenha de se cumprir.

IX - Por fim, nesse segundo momento, e ao contrário do primeiro, o juízo a formular, visando a redução da pena, deve reportar-se ao dano efetivo, e não ao dano previsível.

Decisão Texto Integral:

***

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I - Relatório



1. A autora, Montepio Crédito Instituição Financeira de Crédito, S.A., instaurou (em 21/11/20218) contra a ré, AA, ambos com os demais sinais nos autos, a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo no final a condenação da última a pagar-lhe a quantia total de € 46.126,98, correspondente aos valores parcelares que discrimina, acrescida dos juros de mora, à taxa legal (de 4%), que se vencerem até efetivo e integral pagamento.

Para o efeito, e em síntese, alegou:

A Finicrédito – Instituição Financeira de Crédito, S.A. alterou a sua denominação para Montepio Crédito – Instituição Financeira de Crédito S.A., a aqui autora.

No exercício da atividade a então Finicrédito celebrou com a sociedade M… – Importação e Exportação, Lda., e com a ré (esta na qualidade de fiadora e garante do pagamento da dívida assumida pela locatária), um contrato de aluguer de veículo sem condutor.

Nos termos do acordado em tal contrato, a então Finicrédito deu de aluguer à sociedade locatária o veículo automóvel que identifica, e que para o efeito adquiriu previamente e cujo gozo cedeu àquela.

Tal contrato teve o seu início em 25/07/2012, tendo sido celebrado pelo período de 60 meses, verificando-se o seu termo em 27/07/2017, tendo a primeira renda/prestação sido fixada no montante do € 2.433,54, e os restantes no montante de € 498,74 cada, e cujo pagamento a ré (na qualidade de fiadora) garantiu.

Acontece que a sociedade locatária e a ré não pagaram a totalidade das rendas n.ºs 6º a 15º inclusive, vencidas entre 27/12/2012 e 27/09/2013, no valor total de € 4.526,97.

Na sequência de tal, a A. interpelou aquelas, instando-as a pagar os montantes em dívida, comunicando-lhes ainda que caso o não fizessem no prazo de 8 dias, procederia à resolução do contrato por incumprimento.

E não o tendo o feito, a autora comunicou depois, à sociedade locatária e à ré, a resolução do contrato.

Por força da resolução do contrato, a sociedade locatária e a ré constituíram-­se na obrigação de proceder à imediata devolução do veículo locado e de pagar o valor dos alugueres vencidos e não pagos, acrescidos dos respetivos juros de mora, bem como de pagar à autora a indemnização devida pela resolução do contrato, tudo fixado em € 12.770,57.

E ao não lhe restituírem o veículo locado, conforme contratualmente estipulado, a sociedade locatária e a ré entraram também em mora quanto à obrigação de entrega – nos termos da cláusula 22ª das condições gerais do contrato –, tendo a autora, como não a conseguiu recuperar, comunicado, em 24/09/2018, à sociedade locatária, a perda do interesse no cumprimento da obrigação de entrega da viatura.

Pelo que nessa data (em 24/09/2018), a mora na entrega do veículo fixou-se em 1843 dias, tendo a A. direito a receber, por força da mora na restituição do veículo locado, também a quantia de € 30.488,13, a acrescer àquela outra atrás referida (devida a título de indemnização) no montante total de € 12.770,57, e a que resulta ainda do imposto de selo, tudo contabilizando a quantia global acima peticionada.

A referida sociedade locatária veio, entretanto, a ser declarada judicialmente insolvente.


2. Contestou a ré, defendendo-se por exceção.

Para o efeito, invocou a exceção de prescrição do direito às rendas vencidas entre 27/12/2012 e 27/09/2013, bem como dos juros calculados sobre aquelas rendas vencidas e ainda do direito emergente da cláusula penal inserta no contrato (com o fundamento de sendo acessória e dependente da obrigação principal, e estando prescrita a obrigação principal, ter-se- também que concluir pela prescrição da cláusula penal).

Por outro lado, invocou ainda a nulidade da aludida cláusula penal, com o fundamento da mesma ser ininteligível e também desproporcionada em relação aos danos a ressarcir, sendo, assim, proibida, à luz do artº. 19º al. c) da LCCG, pois que se encontra inserida numa cláusula contratual geral.

Terminou pedindo a improcedência da ação, com a sua absolvição do pedido.


3. Respondeu a autora, pugnando pela improcedência daquelas exceções invocadas pela ré.

Aduziu ainda estar a ré a atuar com abuso de direito, ao vir só agora pôr em causa a validade da sobredita cláusula, quando foi ela que sempre interveio, na relação contratual estabelecida, também na qualidade de gerente da sociedade locatária.


4. Afirmada, no despacho saneador, a validade e a regularidade da instância, prosseguiram os autos para julgamento.


5. Seguiu-se a prolação da sentença.

Aí concluiu-se:

Estarem prescritas (à luz da al. b) do artº. 310º do Cód. Civil) as rendas peticionadas pela A. e respetivas despesas, bem como “as demais quantias peticionadas pela A., a título de indemnização devida pela resolução do contrato e a título de cláusula penal pela demora na devolução do veículo”, por se ter entendido “que as mesmas caducaram em virtude de se ter extinguido a obrigação por prescrição” e da qual eram acessórias.

Estarem igualmente prescritos os juros de mora peticionados, com exceção daqueles de há menos de cinco anos referentes às rendas nºs. 6 a 15, calculados até ao momento em que as mesmas caducaram (em 25/07/2018), à taxa de juro contratualizada, e a liquidar em incidente posterior (por se entender não disporem os autos dos elementos necessários para proceder ao seu cálculo).

E nesses termos terminou a sentença por, no final, decidir julgar parcialmente procedente a ação e condenar a R. a pagar à A. “os juros de mora de há menos de 5 anos calculados sobre o valor das rendas nºs. 6º a 15ª inclusive e até ao momento em que as rendas caducaram (26.07.2018), aplicando-se a taxa de juro contratualizada, valor a liquidar em incidente ulterior”, absolvendo-se a R. do demais peticionado pela A.


6. Inconformado com tal sentença, dela apelou a A..


7. Por acórdão de 17/09//2021, o Tribunal da Relação ... (TR...), decidiu:

 Confirmar a sentença recorrida na parte em que julgou prescritas as rendas peticionadas pela A., e ainda extinto (por caducidade, dada a sua natureza acessória dessa obrigação principal) o direito ao pagamento da indemnização peticionada pela A., à luz da cláusula 21ª, nº. 3, das condições gerais do contrato, e bem como os respetivos juros para além dos último cinco anos.

Não considerar, porém, extinto o direito da A. a reclamar o pagamento da quantia de € 30.448,13, com base no estipulado na cláusula 22ª das condições gerais do contrato, por não ter sido devolvido, conforme estava acordado, o veículo automóvel locado, após a extinção do contrato pela sua resolução, numa obrigação que se manteve (não caducou).

Cláusula essa que concluiu ser válida - considerando-a inteligível e não desproporcionada -, e não poder sequer ser reduzida, por tal estar dependente do pedido formulado para o efeito pela ré/devedora, o que não foi feito.

E daí que no final tenha sido deliberado julgar parcialmente procedente a apelação, e “condenar a R., “a pagar ao A. a quantia de € 30.488,13 (trinta mil, quatrocentos e oitenta e oito euros e treze cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, bem como de imposto de selo, a contar de 24-9-2018 até efectivo e integral pagamento; confirmando-se a sentença recorrida no mais.”


8. Desta vez, foi a ré que irresignada com tal acórdão do TR... dele interpôs recurso de revista, tendo concluído as alegações de recurso nos seguintes termos (mantendo-se a ortografia):

« ) O douto Acórdão Recorrido andou mal na interpretação que fez da clausula 22 do contrato celebrado entre a Ré/Recorrente e a Autora/Recorrida, interpretação errada essa derivada de uma interpretação errada do art. 19º, al. c), do DL nº446/85, de 25/10, nos  termos do qual são proibidas, consoante o quadro legal padronizado, as cláusulas contratuais gerais que “Consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos aressarcir”.2ª) A Ré/Recorrente celebrou com Autora/Recorrida um contrato de aluguer de veículo sem condutor, contrato esse que mais não é do que um impresso, com clausulas previamente elaboradas pela Autora e que são apresentadas, já impressas, aos interessados, a quem apenas concedido aceitar, ou não, esse clausulado, estando-lhes vedado, através de negociação, alterá-lo por qualquer forma.

3ª) O referido impresso que tem como título “CONTRATO DE ALUGUER-CONDIÇÕES GERAIS” não contém espaços em branco, à excepção do espaço reservado às assinaturas do locatário e do fiador, dele constando “Sem prejuízo do expressamente regulado nas «CONDIÇÕES PARTICULARES» ou seus aditamentos, o presente Contrato de Aluguer rege-se pelas condições constantes das clausulas seguintes:”.

4ª) Estamos portanto, perante um contrato-tipo, em que não há liberdade contratual (art.405.º C.Civil), em que o consumidor regra geral limita-se a subscrever formulários em que estão inseridas clausulas pré – redigidas pelo contraente “mais forte”, insuscetíveis de discussão, às quais se limita a aderir.

5ª) Nos termos do art.1º, n.º 1 do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, na sua versão mais recente introduzida pelo DL n.º 323/2001, de 17/12, tratam-se de cláusulas “(…) elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar (…)”

6ª) O contrato identificado nos autos constitui exemplo de um desses contratos-tipo e, por isso, é-lhe aplicável o regime jurídico das contratuais gerais previsto no DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, na sua versão mais recente introduzida pelo DL n.º 323/2001, de 17/12.

7ª) A clausula 22 “MORA NA DEVOLUÇÃO DO VEÍCULO” viola as normas constantes do D 446/85 de 25 de Outubro, designadamente por ofensiva dos valores fundamentais defendidos pelo princípio da boa fé, violadora de disposições imperativas e por isso, nula.

8ª) Dispõe aquela clausula 22 o seguinte ”Se, cessando o aluguer por decurso do prazo, revogação por mútuo acordo, denuncia ou resolução, o locatário não devolver atempadamente o veículo, a Finicrédito terá o direito, a título de clausula penal por esta mora na devolução, a receber uma quantia igual ao dobro daquela a que teria direito se o aluguer permanecesse em vigor, e por um lapso de tempo igual à mora, mas que nunca  ultrapassará  a data que coincidir com a metade do período que falta decorrer entre a data da resolução e a do termo inicialmente contratado, sendo que a partir daquela data a Finicrédito terá direito a receber uma quantia igual àquela que receberia se o aluguer permanecesse em vigor, pelo remanescente do período em que a mora na devolução do veiculo se verificar.”

9ª) Ao contrário do que sustenta o douto acórdão recorrido, entendemos que para o homem médio, esta clausula é inintelegível.

10ª) E, do que é possível interpretar, e não pelo homem médio, esta cláusula regula os direitos do locador no caso de rescisão, rectius, de resolução do contrato de aluguer com fundamento no seu não cumprimento pelo locatário, reconhecendo-lhe o direito a exigir uma indemnização igual ao da totalidade das rendas do contrato.

11ª) Trata-se de uma cláusula com a natureza de cláusula penal.

12ª) Estas cláusulas não podem conduzir a impossibilidades jurídicas como sucede quando se pretende cumular a resolução com o imediato cumprimento do contrato – supostamente extinto por essa mesma resolução. Aliás, a este respeito, in Ac. TRL de 20/01/2011, Proc. 1320/08.1YXLSB.L1-2, A cláusula penal pode ser compensatória ou moratória, conforme seja estipulada para o caso de não cumprimento ou para o caso de atraso no cumprimento.

Se as partes fixarem o montante da cláusula penal compensatória para a totalidade do contrato, para a inteira inexecução deste, então o credor não pode cumular o seu quantitativo com outra indemnização resultante da aplicação das regras gerais, pois tal quantitativo, como se disse, constitui a própria e completa reparação dos danos acordados pelas partes.

13ª) É uma cláusula nitidamente desproporcionada em relação aos danos a ressarcir. E será tanto mais desproporcionada quanto mais cedo, na execução do contrato, se verificar a extinção dele por resolução.

14ª) Pelo que esta cláusula se deve ter por proibida e, correspondentemente, por nula (artº 19 c) da LCCG). Sobre esta questão ainda o Ac. TRL de 20/01/2011, Proc. 1320/08.1YXLSB.L1-2. Estatui este preceito que são proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, (...) as cláusulas contratuais gerais que (...) consagram cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir.

Termos em que deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido nos termos supra invocados.»


9.  Contra-alegou a autora, concluíndo nos seguintes termos (mantendo-se a ortografia):

«I – A Recorrente pretende ver revogado o douto acórdão recorrido, por entender que os Venerandos Desembargadores julgaram erradamente ao considerar que a cláusula 22 do contrato celebrado entre Autora e Ré é válida, condenando assim a Ré no pagamento de € 30.448,13, acrescida de juros de mora e do imposto de selo, a título de indemnização pela mora na restituição do veículo, uma vez findo o contrato.

II – Andou bem, no entanto, o douto acórdão recorrido, pois a referida cláusula é, de facto, perfeitamente válida, devendo a Ré ser condenada no pagamento do valor peticionado e devido por força da cláusula em causa.

III – Os Venerandos Juízes Desembargadores entenderam, e bem, que a cláusula aqui em causa não configura uma cláusula desproporcionada em relação aos danos a ressarcir, não sendo, portanto, subsumível ao disposto no art. 19.º, alínea c), do Decreto-Lei 446/85, de 25/10.

IV – A ora Recorrente aceita que celebrou o contrato de aluguer aqui em causa e que aceitou, portanto, as condições previstas no mesmo e aí acordadas.

V – A Ré tinha conhecimento de todas as condições do contrato celebrado, nunca tendo invocado a ininteligibilidade de qualquer cláusula, a não ser agora, quando sabe que, não tendo o contrato sido cumprido, será a própria a responsável pelo pagamento dos valores devidos ao Autor por força do incumprimento.

VI Pelo que ainda que se entendesse que a cláusula aqui em discussão não era válida, no que não se concede, sempre a sua alegação pela Ré constituiria abuso de direito.

VII A cláusula é perfeitamente inteligível, e, sobretudo, foi perfeitamente compreendida pela Ré.

VIII – A cláusula, conforme resulta da simples leitura da mesma, não é de todo desproporcional, fixando inclusive um limite ao direito da Autora.

IX – Não se pretende com a referida cláusula cumular a resolução por incumprimento com o imediato cumprimento, mas antes evitar que o locatário continue a utilizar e desvalorizar o veículo de que o locador é proprietário, ilegitimamente e sem qualquer contrapartida.

X O tempo decorrido e, consequentemente, o valor elevado que resulta da aplicação da cláusula 22 das condições gerais do contrato celebrado, devem-­se apenas à atuação da ora Recorrente, que poderia ter posto fim à mora restituindo o veículo ao seu legítimo proprietário, mas optou por não o fazer.

XI Dúvidas não restam da correta aplicação do direito no douto acórdão recorrido.

XII – A Ré e ora Recorrente é, portanto, efetivamente devedora da quantia peticionada, devendo o presente recurso improceder, mantendo-­se o acórdão recorrido.»


10. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.


***

II - Fundamentação



1. Dos factos (mantendo-se os termos da sua descrição, a ortografia, a ordem e a numeração que constam do acórdão recorrido):

1. A Autora é uma sociedade anónima que tem por objecto o exercício da actividade financeira em geral e também, entre outros, o exercício da actividade de locação financeira e de aluguer de veículos, nos termos da legislação aplicável.

2. Por alteração ao contrato de sociedade já registada na Conservatória do Registo Comercial competente, a Finicrédito – Instituição Financeira de Crédito, S.A., alterou a denominação para Montepio Crédito – Instituição Financeira de Crédito S.A.

3. No exercício da sua actividade, a então Finicrédito – Instituição Financeira de Crédito, S.A. celebrou com a sociedade M… – Importação e Exportação, Lda., e com a Ré, em 25 de Julho de 2012, o contrato de aluguer de veículo sem condutor n.º ....

4. A sociedade locatária foi declarada insolvente no âmbito do processo n.º 741/13...., do Juízo de Comércio ... – J....

5. Nos termos do contrato de locação entre ambos celebrado, a então Finicrédito – Instituição Financeira de Crédito, S.A. cedeu à sociedade locatária o gozo do veículo marca ..., modelo ..., com a matrícula ...-NC-....

6. O veículo objecto do referido contrato de aluguer foi devidamente entregue e recepcionado pela sociedade locatária.

7. O contrato de aluguer referido teve início em 25.07.2012, tendo sido celebrado pelo período de 60 meses, com termo em 27.07.2017.

8. A Ré afiançou, entre outras, a obrigação de pagar à Autora os alugueres contratados, constituindo-se como principal pagadora de todas as obrigações emergentes do contrato.

9. Nos termos acordados o primeiro aluguer era no montante de € 2.433,54, e os restantes no montante de € 498,74 cada.

10. O contrato referido em 3. corresponde ao documento escrito de fls. 9 a 10, denominado «CONTRATO DE ALUGUER», datado de 25-07-2012, onde a sociedade “M…– Importação e Exportação, Lda.” consta como «locatária» e a Ré como «fiadora», cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido e onde, nomeadamente, constam as seguintes condições gerais:

«(…)

12. OUTRAS OBRIGAÇÕES DO LOCATÁRIO

Para além de outras referidas neste contrato ou decorrentes da Lei, são especiais obrigações do Locatário:

(…)

d) Restituir o veículo no fim do aluguer, no estado que derivar do seu uso normal;

(…)

21. CASOS DE RESOLUÇÃO DO CONTRATO

Para além dos demais casos previstos na Lei ou no presente contrato, este poderá ser resolvido extrajudicialmente por iniciativa da Finicrédito nas seguintes situações:

a) Sempre que o Locatário incumpra definitivamente alguma das suas obrigações;

b) No caso de falência ou insolvência do Locatário; (…)

1. O incumprimento temporário, ou como tal reputado, quer das obrigações pecuniárias, quer de outras, tornar-se-á definitiva pelo envio pela Finicrédito, para o domicílio ou sede do Locatário, de carta registada intimando ao cumprimento em prazo razoável que, desde já, é fixado para todas as obrigações em oito dias, e pela não reposição nesse prazo da situação que se verificará caso o incumprimento não houvesse tido lugar.

2. A resolução extrajudicial por iniciativa do Finicrédito produzirá os seus plenos efeitos no prazo de cinco dias úteis a contar da data da expedição, para o domicílio ou sede do Locatário, da respectiva notificação de resolução.

3. Como consequência da resolução do Contrato, a Finicrédito terá o direito de retomar o veículo, reter as importâncias pagas pelo Locatário e de exigir os alugueres vencidos e não pagos até à data da resolução, bem como a de ser indemnizada pelos prejuízos resultantes da resolução do Contrato, indemnização essa que a título de cláusula penal se fixa em 25% da soma dos alugueres vincendos à data da declaração de resolução do contrato, sem prejuízo da Finicrédito fazer seu o montante entregue a título de caução.

22. MORA NA DEVOLUÇÃO DO VEÍCULO

Se, cessado o aluguer por decurso do prazo, revogação por mútuo acordo, denúncia ou resolução, o Locatário não devolver atempadamente o veículo, a Finicrédito terá o direito, a título de cláusula penal por esta mora na devolução, a receber uma quantia igual ao dobro daquela a que teria direito se o aluguer permanecesse em vigor, e por um lapso de tempo igual à mora, mas que nunca ultrapassará a data que coincidir com a metade do período que falta decorrer entre a data da resolução e a do termo inicialmente contratado, sendo que a partir daquela data a Finicrédito terá direito a receber uma quantia igual àquela que receberia se o aluguer permanecesse em vigor, pelo remanescente do período em que a mora na devolução do veículo se verificar.

(…)

32. COMUNICAÇÃO ESCRITA

No cumprimento dos seus direitos e obrigações contratuais, as partes, Finicrédito e Locatário, deverão utilizar entre si a comunicação escrita maxime por carta registada expedida para as moradas constantes das Condições Particulares, obrigando-se os Locatário e Fiador(es)/Avalista(s) a dar prévio conhecimento à Finicrédito de qualquer alteração dos seus domicílios ou sedes. (…)”.

11. A sociedade locatária e também a Ré não pagaram a totalidade das rendas n.ºs 6º a 15º inclusive, vencidas entre 27.12.2012 e 27.09.2013, no valor total de €4.526,97.

12. A Autora interpelou a sociedade locatária e a Ré, para a morada pelas mesmas fornecida e constante do contrato, através de carta registada com aviso de recepção, em 25.07.2013, na qual as instou a pagar os montantes em dívida e comunicou que caso o não fizessem no prazo de 8 dias, procederia à resolução do contrato por incumprimento, com as consequências legais e contratuais respectivas.

13. A sociedade locatária e a Ré não liquidaram os montantes em divida, pelo que, em 23.09.2013, a Autora comunicou-lhes a resolução do contrato, por carta, registada com aviso de recepção, em 23.09.2013, para a morada por elas fornecida e indicada no contrato, e nas quais consta “solicitamos que proceda de imediato à entrega do bem locado, bem como ao pagamento, no prazo máximo de 8 dias, dos valores em dívida que ascendem ao montante de 12.770,57€, conforme descriminado no extracto de conta no verso”.

14. Até esta data, nem a sociedade locatária nem a Ré liquidaram os montantes em dívida nem procederam à restituição do veículo locado à Autora.

15. Por carta registada com aviso de recepção, em 24.09.2018, remetida pela Autora à sociedade locatária, a primeira comunicou-lhe que “Na sequência da resolução por incumprimento do Contrato de Aluguer n.º ..., encontram-se V. Exas obrigados, desde 23/09/2013, à entrega da viatura objecto da presente locação.

Ora, porque até à presente data não cumpriram com a mencionada obrigação, vem o Montepio Crédito, S.A., comunicar a perda do seu interesse no respectivo cumprimento, sem prejuízo de se entender que a obrigação de entrega continua a impender sobre a V. Exas. (…)”.


***


2. Do direito.

2.1 Do objeto do recurso.

Como é sabido, e constitui hoje entendimento pacífico, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se afere, fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, e 679º do CPC).

 Ora, calcorreando as conclusões das alegações do recurso e as respetivas contra-alegações, verifica-se que as questões que se nos impõe aqui apreciar e decidir são as seguintes:

a) Da nulidade da cláusula 22ª. das condições gerais do contrato;

b) Do abuso de direito da ré ao invocar essa nulidade (e no caso de a mesma vir a ser declarada).


***


2.1.3 Quanto à 1ª. questão

- Da nulidade da cláusula 22ª. das condições gerais do contrato.

Como ressalta das alegações/conclusões do presente recurso (de revista) – dele se excluindo os efeitos daquilo aqui que já ficou definitivamente julgado pelas decisões das instâncias e que acima deixámos exarado (cfr. 635º, nºs. 4 e 5, do CPC) -, o que está aqui somente em discussão é apreciar/decidir se a cláusula 22ª inserida nas condições gerais do sobredito contrato de aluguer de veículo (sem condutor) – vulgarmente também designado por aluguer de longa duração (ALD) –, e à luz da qual o tribunal ora recorrido condenou a ré (que interveio na qualidade fiadora nesse contrato, e como tal garante das obrigações nele assumidas pela locatária em caso de incumprimento desta, tal como veio a suceder), nos termos que acima se deixaram exarados, é ou não nula?

Na verdade, não se questiona aqui a relação negocial estabelecida entre as partes, a sua caraterização, o seu incumprimento (por parte da locatária e da fiadora/ré), a bondade da resolução do contrato, com base nesse fundamento, levada a efeito pela locadora/ora aqui A., e nem a prescrição do direito às rendas que a A. veio reclamar nesta ação e bem como da caducidade do direito sobre as demais quantias indemnizatórias por si também peticionadas, o mesmo sucedendo, aliás, no que concerne ao reconhecido direito de crédito daquela sobre os juros de mora relativamente os últimos cinco anos (nos termos em que foi decidido pela 1ª. instância, e confirmado pela 2ª. instância, e excluídos aqueles que para além desse período foram também declarados prescritos), mas tão só a validade da aludida cláusula (à luz da qual, enfatiza-se, o agora tribunal a quo - após considerar não extinta, por prescrição ou caducidade, essa obrigação dela decorrente - condenou a R. a pagar à A. a quantia de € 30.488,13 - a título de indemnização pela mora na entrega do veículo -, acrescida dos juros moratórios à taxa de legal e bem como o próprio imposto de selo, e tomando como base/suporte o período de tempo de 1843 dias, decorrido entre a data em que A. comunicou a resolução do contrato e a data de perda de interesse no mesmo, em que ficou privada do veículo que fora locado, e que não foi restituído até então - nem mesmo posteriormente - apesar de o ter solicitado, e como estavam contratualmente obrigados a fazê-lo a locatária e a fiadora/ora ré).

A R./ora recorrente defende que tal cláusula é nula, com um duplo fundamento: a) mesma é ininteligível, b) e é desproporcionada aos danos a ressarcir.

Diferente entendimento foi perfilhado, a esse respeito, pelo ora tribunal recorrido, e que é também defendido pela A.

Apreciemos.

É incontroverso que a referida cláusula, cujo teor está transcrito no ponto 10 dos factos provados, se encontra inserida nas condições gerais do sobredito contrato, bem como introverso é, pela leitura dessas condições, que estamos perante um contrato padronizado, pelo menos no que concerne às mesmas, resultando de uma pré-formulação unilateral da predisponente/aqui A.

Na verdade, a A. não logrou provar – num ónus que lhe é imposto pelo nº. 3 do artº. 1º da LCCG, aprovada pelo DL nº. 446/85, de 25/10, com as várias alterações que foram introduzidas posteriormente, pois que é ela que pretende prevalecer-se nesta ação do seu conteúdo) - que tais condições gerais do contrato, e muito particularmente aquela aqui em discussão (a 22ª nelas inseridas), tivessem sido objeto de negociação prévia entre as partes. (cfr. nesse sentido ainda, entre outos, o Ac. do STJ de 21/06/2016, proc. 2683/12.0TJLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

2.1.3.1 Como vimos, a R./ora recorrente defende ser tal cláusula nula, o que sustenta, em primeira linha, com o fundamento de a mesma ser ininteligível.

O seu teor, como referimos, encontra-se acima transcrito no ponto 10 dos factos provados.

É dele resulta, desde logo, que se trata de uma cláusula penal, como, aliás, é expressamente nela estipulado “Se cessado o aluguer por decurso do prazo, revogação por mútuo acordo, denúncia ou resolução, o Locatário não devolver atempadamente o veículo, a Finicrédito terá o direito, a título de cláusula penal por esta mora na devolução, a receber (…)”. (sublinhado nosso)

Como é sabido, a cláusula penal tem a natureza de cláusula acessória da chamada obrigação principal assumida no contrato pela parte devedora, tendo essa figura entre nós a sua consagração legal e disciplina nos artºs. 810º a 812º do Código Civil (cfr., por todos, os profs. Pires de Lima e A. Varela, in “Código Civil, Anotado, Vol. II, 2ª. ed. Revista e Actualizada, Coimbra Editora, pág. 63”).

Como escreve Nuno Manuel Pinto Oliveira (in “Cláusulas Acessórias Ao Contrato – Cláusulas de Exclusão e de Limitação do Dever de Indemnizar, Cláusulas Penais – 2ª. ed., Almedina, pág. 63.”), “A cláusula penal define-se como estipulação por que o devedor promete ao seu credor uma prestação para o caso de não cumprir ou de não cumprir perfeitamente a obrigação. (Cfr. ainda o prof. Vaz Serra, “Pena Convencional”, in “BMJ, nº. 67, págs. 185 – 243”).

Nas expressivas palavras do prof. Pinto Monteiro (in “Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, pág. 86”):

“A cláusula penal, como já vimos, pressupõe a existência de uma obrigação — provindo, em regra, de contrato -, que é costume designar por obrigação principal, a fim de acentuar melhor a acessoriedade da referida cláusula, a sua dependência relativamente à obrigação cujo inadimplemento sanciona. Compreende-se que seja assim: a cláusula penal, em qualquer das suas modalidades, é uma estipulação mediante a qual um dos contraentes se obriga a efectuar uma prestação, diferente da devida, no caso de não cumprir ou de não cumprir nos seus precisos termos a obrigação. Trata-se de simples promessa a cumprir no futuro, com carácter eventual, visto que o compromisso assumido só se efectivará - a pena só será exigível - se e na medida em que o devedor não realize, por culpa sua, a prestação a que está vinculado e a que a cláusula se reporta.

(…)

Ao estipular uma cláusula penal, visa-se incentivar o respeito devido à obrigação, de fonte negocial ou imposta por lei, estabelecendo, desde logo, para o efeito, a respectiva sanção, prevenindo a hipótese do seu incumprimento; ou pode ser escopo das partes, tão-só, o de fixar antecipadamente o quantum indemnizatório a que haverá lugar. Seja como for. a existência de uma obrigação surge, assim, via de regra, como pressuposto objectivo da cláusula penal. (…).”

Ainda nas palavras deste último autor (“Sobre a Clausula Penal”, in Scientia Jurídica, Julho-Dezembro, 1993, pág. 257”) “chamamos cláusula de fixação antecipada do montante da indemnização àquela que as partes, ao estipulá-la visam, tão-só liquidar antecipadamente, de modo ne varietur, o dano futuro. (…). Numa palavra, acordando-se num montante indemnizatório predeterminado, as vantagens e os inconvenientes que daí poderão advir são partilhados pelos dois contraentes: ambos conhecem, de antemão, as consequências de um eventual inadimplemento, e um e outro se submetem ao risco de o prejuízo efectivo ser consideravelmente menor ou maior do que a soma prevista”. (sublinhado nosso)

Por sua vez, como é também sabido, as cláusulas penais podem revestir-se em várias modalidades/espécies, e das quais, ressaltamos, no seu sentido amplo, as chamadas cláusulas penais indemnizatórias e as cláusulas penais compulsórias.

No que concerne às primeiras, e servindo-nos novamente das palavras de Nuno Manuel Pinto Oliveira (inOb. cit., págs. 63/65”), têm “por finalidade liquidar a indemnização devida em caso de não cumprimento definitivo, de mora ou de cumprimento defeituoso”, enquanto as segundas têm “por finalidade compelir o devedor ao cumprimento e/ou sancionar o incumprimento.”

Em sentido mais concreto, e introduzindo um tertio genus, distendeu-se no Ac. do STJ de 27/09/2011 (proc. nº. 81/1998.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt) que “cláusula penal pode revestir-se de três modalidades: a) cláusula com função moratória ou compensatória, dirigida à reparação de danos mediante a fixação antecipada da indemnização em caso de não cumprimento definitivo ou de simples mora do devedor; b) a cláusula penal em sentido estrito ou propriamente dita, em que a sua estipulação substitui o cumprimento ou a indemnização, não acrescendo a nenhum deles, c) e cláusula penal de natureza compulsória, em que há uma pena que acresce ao cumprimento ou que acresce à indemnização pelo incumprimento, sendo a finalidade das partes, nesta última hipótese, a de pressionar o devedor a cumprir, e já não a de substituir a indemnização.”

Refira-se que, conforme vem sendo defendido pela doutrina e pela jurisprudência mais recente, as partes, à luz do princípio da liberdade contratual (artº. 405º do C. Civil) tanto podem atribuir à cláusula ou cláusulas penais fixadas no contrato várias daquelas funções, como inclusive que ela só desempenhe uma delas. (Cfr., entre outros, o prof. Pinto Monteiro, in “O duplo controlo de penas manifestamente excessivas em contratos de adesão, RLJ, Ano 146º, págs. 308/310” - obra essa à qual nos reportamos sempre que doravante a ele nos viermos a referir, sem menção em contrário -, Acs. do STJ de 27/09/2011 (proc. nº. 81/1998.C1.S1 – já acima citado – e de 27/01/2015, proc. 3938/12.9TBPRD-A.P1.S1, disponíveis em www.dgs.pt).

Posto isto, e compulsando o teor da referida cláusula (penal), somos levados concluir:

Que embora (dados os termos em que se encontra redigida) – e como tal se reconheceu no acórdão recorrido – estejamos na presença de uma cláusula algo complexa, todavia, ela não se mostra ininteligível, percebendo-se o seu sentido e alcance.

Da sua leitura dela extrai-se que ela se apresenta com uma função mista de natureza indemnizatória e compulsória, especificamente pensada para o atraso/mora na entrega do veículo alugado e de o mesmo não ser entregue após o contrato de aluguer ter cessado por uma das vias nela comtempladas, antecipando as partes, por um lado, a indemnização devida por esse atraso/mora na entrega do veículo e, por outro, e ao mesmo tempo, visando pressionar/compelir os responsáveis, uma vez cessado o contrato, a proceder à rápida entrega do mesmo (por razões facilmente, a nosso ver, compreensíveis, de modo, por um lado, a permitir à locadora poder dar-lhe nova reutilização e dele extrair nova utilidade económica - rentabilizando-o - e, por outro lado, e como decorre da primeira premissa finalística, de modo a, assim, evitar a sua deterioração).

Sendo que para o incumprimento do contrato por falta de pagamento dos alugueres estipulados, foi consagrada – conforme, a nosso ver, decorre do nº. 3 da clausula 21ª - uma outra cláusula penal (esta mais de cariz indemnizatório), e que aqui não está em causa ou discussão.

Resulta ainda dela que para essa situação - de mora/atraso na mora de entrega do veículo – o montante fixado, a título de indemnização por esse incumprimento e também como sanção, corresponderá, desde logo, ao dobro do total do aluguer acordado, podendo aumentar conforme o tempo que for decorrendo sobre a demora nessa entrega, estabelecendo-se, contudo, nela um limite temporal e bem como um limite do montante indemnizatório.

Aliás, em reforço, impõe-se ainda questionar o seguinte: se cláusula em causa é ininteligível, como pode então a ré concluir depois também que a mesma é desproporcionada em relação aos danos a ressarcir?

Refira-se ainda ( e tal como resulta do documento escrito do contrato) que a ré interveio negócio que, assinou, numa dupla qualidade, enquanto legal representante da sociedade locatária, e enquanto fiadora, assumindo-se como garante do  cumprimento de todas as obrigações a que aquela se vinculou/obrigou, tendo final, nessa dupla qualidade, afirmado ter conhecimento e aceitar plenamente as condições gerais e particulares desse contrato, sem que alguma vez (quer antes, quer mesmo ao longo do processo) tenha sequer dito não ter sido informada do seu teor.

Concluindo, embora complexa, a cláusula em causa não é de todo ininteligível.


2.1.3.2 Invoca ainda a R./ora recorrente a nulidade da referida cláusula, com o fundamento de a mesma ser desproporcionada aos danos a ressarcir.

Vejamos.

Como atrás concluímos, e pelas razões aí aduzidas, a referida cláusula está sujeita ao regime das Cláusulas Contratuais Gerais (LCCG).

Como decorre dos conjugados artºs. 12º e 19º al. c) da LCCG são proibidas, e como tal nulas, as cláusulas contratuais gerais que “consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir.”

Já supra concluímos também, estarmos na presença de uma cláusula penal (com uma função mista de natureza indemnizatória e compulsória).

Estando perante um conceito indeterminado, coloca-se a questão de saber em que termos deve ser aferido esse conceito de desproporcionalidade das cláusulas penais?

Vem hoje, entre nós, constituindo entendimento claramente prevalecente (quer na doutrina, quer na jurisprudência) que esse critério deve ser aferido e encontrado com base num juízo objetivo e abstrato, e não casuístico, ou seja, independentemente das circunstâncias do caso concreto, tomando em conta o quadro negocial padronizado, e específico do setor de atividade em que ocorreu o contrato no qual a cláusula penal foi estipulada, reportando esse juízo ao momento em que a cláusula penal foi estabelecida, e nessa medida devendo considerar-se para o efeito a desproporção entre a pena estipulada e os danos então previsíveis e não os danos concretos/efetivos, não bastando ainda que o valor dessa desproporção seja superior, antes se exigindo que ela seja sensível, isto é, claramente superior.

Não resistimos, para ilustrar o que acabamos de dizer, em, numa súmula, citar o prof. Pinto Monteiro (in última “Ob. cit., pág. 311”), que, a esse respeito, discorre:

«(…) A este respeito, a jurisprudência revela que se tem decidido, e bem, que é um juízo objectivo e abstracto que se deve fazer, pois é em face do “quadro negocial padronizado” que há que decidir. Não há aqui que ter em conta as circunstâncias concretas, antes os interesses típicos do círculo de contraentes que habitualmente participam na espécie de negócio em causa, naquele especial sector de actividade negocial.» Voltando mais à frente (pág. 313), o insigne Mestre a reafirmar: «(…) É que como, temos dito, o juízo sobre a desproporção deve fazer-se em abstracto e, por isso, reportar-se ao momento em que a cláusula penal é estabelecida, devendo considerar-se, para esse efeito, a desproporção entre a pena estipulada e os danos previsíveis. (…). »

Em reforço do afirmado, cite-se ainda Ana Filipa Morais Antunes (in “Comentário à Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, 2013, págs. 294/295”), quando escreve:

«(…) A proibição de utilização destas cláusulas nos contratos singulares pressupõe um juízo valorativo suplementar, a realizar em face do tipo de contrato, do quadro negocial típico abstracto ou do ramo ou sector der atividade negocial. A referência “ao quadro negocial padronizado” não é uma remissão, pois, para uma análise de tipo casuístico, para as circunstâncias individuais de cada contrato singular. Pelo contrário, nesta valoração – a realizar pelo julgador – vai implicado um juízo abstracto, em que se justifica ponderar, para além do tipo negocial, a natureza do bem a prestar, a situação do mercado no sector em que o negócio se integra, o ramo económico, a natureza de consumidor ou de empresário e, nas relações mercantis, o estádio de produção ou comercialização e a dimensão empresarial. (…) Nesta medida, não está em causa um modelo de decisão assente em critérios de justiça individual e do caso concreto, como sucede na decisão segundo a equidade, por essa razão mais permeável à insegurança jurídica.»

E por fim, citemos ainda, a tal propósito, os profs. Mário Júlio de Almeida Costa e António Menezes Cordeiro (in “Cláusulas Contratuais Gerais, 1991, - em anotação ao Decreto-Lei nº. 444/85, de 25 de Outubro - pág. 47”) quando afirmam «(…) Com vista a facilitar a tarefa concretizadora, a lei fornece o critério para a determinação da natureza excessiva das cláusulas penais: a desproporção entre as reparações que elas imponha e os danos a ressarcir. Observe-se, porém, que o qualificativo «desproporcionadas» não aponta para uma pura e simples superioridade das penas preestabelecidas em relação ao montante dos danos. Pelo contrário, deve entender-se, de harmonia com as exigências do tráfico e segundo um juízo de razoabilidade, que a hipótese em análise só ficará preenchida quando se detectar uma desproporção sensível.»

Apontando no sentido que se deixou expendido, vide, entre outros, ainda, ao nível da doutrina, o prof. Sousa Ribeiro (in “Responsabilidade e garantia em cláusulas contratuais gerais, Estudos de homenagem ao Prof. Doutor Ferrer Correia, vol. IV., especial Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, 1997, págs. 241 e ss. e 283 e ss.”), Nuno Manuel Pinto Oliveira (in “Ob. cit., págs. 165/176”), o prof. Menezes Cordeiro (in “Tratado de Direito Civil, Vol. II, parte geral, pág. 450”), e, ao nível da jurisprudência, os Acs. do STJ de 20/09/2020, in “CJ, Acs. do STJ, Ano XXVIII, Tomo III, pág. 31 e ss.”, de 28/03/2017, in “CJ, Acs. do STJ, Ano XXV, Tomo 1, pág. 136”, e de 21/03/2006, in “CJ, Acs. do STJ, Ano XIV, Tomo 1, pág. 146”).

Tendo presente o que se deixou exposto, e considerando:

O teor da cláusula e sua natureza (com um misto de função indemnizatória e compulsória);

O tipo de contrato em que se mostra inserida (contrato de aluguer de veículo automóvel de longa duração);

O ramo de atividade de locação financeira e de aluguer de veículos a que se dedica a A./entidade locadora e predisponente;

O tipo de bem locado e o seu valor no mercado (trata-se de um veículo automóvel, marca ..., modelo ...);

Que a locadora o adquiriu previamente no mercado (pagando por ele, naturalmente, e como decorre das regras da experiência comum desse tipo de ramo de negócio, à entidade vendedora o respetivo preço de novo) para depois ceder o seu aluguer/uso (por um período longa duração, ou seja, de 60 meses) à sociedade locatária (da qual a ré era então a sua legal representante);

Que a referida cláusula penal apenas foi consagrada para o caso de o contrato cessar (por qualquer dos meios/fundamentos contratualmente previstos, entre os quais se incluía a resolução do mesmo, por incumprimento, tal como veio a suceder na situação em apreço), e a locatária não devolver logo (atempadamente) o dito veículo alugado;

Que quanto mais tempo passasse sobre essa mora na devolução do veículo, maior seriam os prejuízos sofridos pela locadora, pelo facto de não só ficar impedida de o poder vir ainda a reutilizar, e dele extrair nova utilidade económica – por exemplo, alugando-o novamente –, como também, e nessa medida, pela desvalorização que, com o decurso do tempo, o veículo padeceria, havendo, assim, todo interesse/conveniência para a A. evitar que isso sucedesse;

Que  a locatária e/ou a ré poderiam a qualquer momento impedir que a penalização consagrada na referida cláusula funcionasse ou se agravasse, bastando para tal devolver o veículo à locadora, o que estava plenamente nas suas “mãos” (o que diga-se, in casu, não sucedeu, apesar de desde muito cedo terem, culposamente, entrado em incumprimento, deixando de pagar logo a 6ª renda mensal, e bem como posteriormente as subsequentes, e de pouco depois a A. lhes comunicar, com base nesse incumprimento, a resolução do contrato e lhes solicitar a entrega do veículo. Incumprimento esse, diga-se, que nunca foi contestado por aquelas, e sem que para o mesmo tenham dado sequer qualquer justificação, o que torna o seu comportamento ainda mais censurável, pois para além de não terem pago os alugueres a que estavam obrigadas ainda por cima continuaram a usufruir do mesmo).

Ora, perante a conjugação e ponderação do tudo o que se deixou exposto, somos levados a concluir que a cláusula penal consagrada na sobredita cláusula 22ª, inserta nas condições gerais do contrato, não se mostra (abstratamente) desproporcionada (e pelo menos de forma bastante sensível) no que concerne aos danos a ressarcir (resultantes da mora na entrega do veículo automóvel alugado).

E daí que tal cláusula não seja proibida e como tal nula.


2.1.3.2.1 Embora a questão não tenha sido colocada no objeto do recurso, poderia suscitar-se, ainda, a questão de saber se a referida cláusula penal não poderia ser reduzida oficiosamente?

Na verdade, e ao contrário do entendimento perfilhado pelo ora tribunal a quo, nada impediria (tal como vem constituindo entendimento prevalecente) que, não obstante se ter concluído pela validade cláusula penal (por não ser desproporcionada) que a mesma pudesse vir a ser, mesmo oficiosamente, reduzida, à luz do artº. 812º do Cód. Civil. (Neste sentido, vide, por todos, o prof. Pinto Monteiro, in última “Ob. cit., págs. 313/315” e bem como ainda in “Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, Coimbra Editora, 1985, págs. 141/142”, Nuno Manuel Pinto Oliveira (inOb. cit., págs. 160/163”, e Ac. do ST de 12/05/2016, proc. 72/14.0TTOAZ.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

Na verdade, dispõe-se, além do mais, no nº. 1 daquele preceito legal que “A cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva (…).” Sublinhado nosso.

Abordando tal problemática, o referido insigne Mestre, o prof. Pinto Monteiro (in “O duplo controlo de penas manifestamente excessivas em contratos de adesão, RLJ, Ano 146º, págs. 313/314”), discorreu assim (num entendimento que perfilhamos):

«(…) Pergunta-se: poderá ela, a pena, num segundo momento, vir a ser reduzida, por aplicação do disposto no art. 812.º, apesar de o contrato ser de adesão?

Entendemos que sim (…). É que, como temos dito, o juízo sobre a desproporção da pena deve fazer-se em abstracto e, por isso, reportar-se ao momento em que a cláusula penal é estabelecida, devendo considerar-se, para esse efeito, a desproporção entre a pena estipulada e os danos previsíveis. Sendo a pena desproporcionada a esses danos, é nula; caso contrário, é valida.

Mas isso não significa que, sendo a cláusula penal válida, não possa a pena vir depois a ser reduzida, por aplicação do disposto no art. 812.º, se ela vier a revelar-se “manifestamente excessiva”, em concreto, em face do incumprimento, tendo em conta, para este efeito, não só os danos efectivamente causados como também os demais factores a ter em consideração para apurar se a pena “é manifestamente excessiva” e no respeito da equidade (que neste segundo momento já será de ter em conta).

É que o juízo sobre a manifesta excessividade da pena deve fazer-se, não relativamente ao momento em que ela foi estipulada - diversamente do que sucede com o juízo sobre a desproporção da pena -, mas ao ter de cumprir-se. E não é o dano previsível que conta, antes o prejuízo efectivo. (…). »

Por fim, e esse respeito, não resistimos ainda em citar o mesmo autor (agora in “Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, Coimbra Editora, 1985, págs. 141/142”), quando afirma “O novo Código Civil veio, finalmente, permitir ao tribunal a redução equitativa de penas manifestamente excessivas (art. 812.º), respeitando, porém, a natureza de soma invariável (forfaitaire) – própria da cláusula penal -, pois os termos em que a redução é permitida mostram que só em circunstâncias excepcionais, em face de penas abusivas e iníquas, é que o tribunal poderá atenuá-la. Doutra forma, anular-se-ia a cláusula penal, quando, do que se trata, é apena de evitar abusos, traduzidos em penas manifestamente excessivas ou injustificadas.»

Tendo presente o que se deixou expendido, e transpondo-nos para o caso em apreço, e considerando:

Que o que se deve agora ter em conta é o dano efetivo; (no juízo a formular sobre a manifesta excessividade da pena);

Que o dano no caso se reporta ao facto de não ter sido (agora de forma definitiva, dado que, perante o excessivo prolongamento do período de mora, a A. perdeu o interesse nele) entregue/devolvido à A./locadora o veículo automóvel locado;

Que a referida penalização (e até também por via da circunstância anterior), estabelecida na sobredita cláusula penal, estabilizou definitivamente;

As caraterísticas/modelo do veículo em causa (que supra se deixaram descritas e que constam do ponto 5 dos factos provados), tendo sido entregue no estado de novo à locatária, sendo certo ainda que a mesma deixou de cumprir/pagar as rendas a que se obrigara logo ao fim da  5ª. renda mensal (num momento que faz, assim, presumir que o veículo ainda se encontraria num estado de praticamente novo), o que levou à cessação do contrato, “com justa causa” (dado o incumprimento culposo por parte da locatária e a não assunção também pela ré/fiadora das obrigações nele assumidas), por resolução do mesmo;

Que o montante peticionado pela A., a título dessa cláusula, se cifra no montante total de € 30.488,13 (numa penalização que se encontra, como deixámos referido, definitivamente estabilizada).

Somos lavados concluir - na conjugação e ponderação de tudo o que se deixou exposto - que a cláusula penal consagrada na sobredita cláusula 22ª. (e correspondente pena dela resultante) não se mostra, in casu, manifesta ou ostensivamente excessiva.

E sendo assim, não se justifica a sua redução.

Face ao acabado de decidir fica prejudicado o conhecimento da 2ª. questão acima elencada – sobre o invocado abuso de direito por parte da R. – (artº. 608º, nº. 2, do CPC).

Termos, pois, em que, perante o que se deixou exposto, se nega provimento à revista, confirmando-se a decisão recorrida do acórdão recorrido (ainda que por fundamentos não inteiramente coincidentes).


***

III - Decisão



Assim, em face do exposto, acorda-se em negar provimento à revista, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.

Custas do recurso pela Ré/recorrente (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do CPC)


***


Sumário:

I - Encontrando-se uma cláusula inserida nas condições gerais de um contrato padronizado, é sobre a parte que dela pretende prevalecer-se, e de modo exclui-la do regime da LCCG, que incumbe o ónus de prova de que a mesma resultou de negociação prévia entre as partes.

II - A cláusula penal tem a natureza de cláusula acessória da chamada obrigação principal assumida no contrato pela parte devedora.

III - Uma cláusula penal pode revestir-se de várias modalidades/espécies (vg. assumindo uma função indemnizatória e/ou uma função compulsória e/ou ainda um tertio genus), podendo tanto concentrar em si todas essas funções, como apenas uma qualquer delas.

IV - Como decorre dos conjugados artºs. 12º e 19º al. c) da LCCG, são proibidas, e como tal nulas, as cláusulas contratuais gerais que “consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir.”

V - Sendo indeterminado, o conceito de desproporcionalidade de uma cláusula penal, consagrado no 2º. daqueles normativos legais, deve ser concretizado e aferido, pelo julgador, com base num juízo objetivo e abstrato, e não casuístico, ou seja, independentemente das circunstâncias do caso concreto, tomando em conta o quadro negocial padronizado e específico do setor de atividade em que ocorreu o contrato no qual a cláusula penal foi estipulada, reportando ainda esse juízo ao momento em que a mesma foi estabelecida, devendo, e nessa medida, considerar-se para o efeito a desproporção entre a pena estipulada e os danos então previsíveis (e não os danos concretos/efetivos), não bastando, por fim, na formulação desse juízo que o valor dessa desproporção seja superior, antes se exigindo que ele seja sensível.

VI - O facto de se ter concluído pela validade de uma cláusula penal (por não ser desproporcionada relativamente aos danos a ressarcir), não impede, todavia, que a mesma possa vir a ser, mesmo oficiosamente, reduzida, à luz do artº. 812º do Cód. Civil, mesmo que se encontre inserida num contrato de adesão.

VII - Para o efeito necessário se torna que se conclua ser tal cláusula manifestamente excessiva (não se bastando agora com uma desproporção sensível entre a pena nela inserta e os danos a ressarcir).

VIII - Por outro lado, neste segundo momento (visando a redução da pena da cláusula), ao contrário daquele primeiro, o juízo sobre a manifesta excessividade da pena deve fazer-se, não por referência ao momento em que ela foi estipulada, mas antes reportado ao momento em que ela tenha de se cumprir.

IX - Por fim, nesse segundo momento, e ao contrário do primeiro, o juízo a formular, visando a redução da pena, deve reportar-se ao dano efetivo, e não ao dano previsível.


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Lisboa, 2022/01/18


Isaías Pádua (relator)

Nuno Ataíde das Neves

Maria Clara Sottomayor