Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5837/19.4T8GMR.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: CASO JULGADO MATERIAL
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
REQUISITOS
PEDIDO
CAUSA DE PEDIR
AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. A exceção de caso julgado material comporta um efeito negativo, consistente na inadmissibilidade das questões abrangidas por caso julgado anterior voltarem a ser suscitadas, entre as mesmas partes, em ação futura, tendo como requisitos a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, nos termos do artigo 581.º do Código de Processo Civil.

II. Diferentemente, a autoridade do caso julgado tem, antes, o efeito positivo de impor a primeira decisão à segunda decisão de mérito e, sem prescindir da identidade das partes, dispensa a identidade do pedido e da causa de pedir nos casos em que existe uma relação de prejudicialidade entre o objeto da ação já definitivamente decidida e a ação posterior, ou seja, quando o fundamento da decisão transitada condiciona a apreciação do objeto de uma ação posterior, por ser tida como situação localizada dentro do objeto da primeira ação, sendo seu pressuposto lógico necessário.  

III. Não podem configurar-se como pedidos idênticos o pedido de reconhecimento do direito de propriedade e/ou de compropriedade sobre determinados bens imóveis formulados em ação de reivindicação e o pedido de restituição do valor de 50% das prestações pecuniárias despendidas por um dos comproprietários na aquisição dos referidos bens fundado no instituto do enriquecimento sem causa e deduzido ulteriormente em ação entre as mesmas partes.

IV. Não existe identidade de causas de pedir entre aquela primeira ação estruturada a partir da aquisição do direito de propriedade e a segunda ação baseada no  enriquecimento sem causa.

V. O âmbito do princípio da preclusão, ligado ao efeito do caso julgado formado pela decisão proferida num processo anterior, é substancialmente distinto para o autor e para o réu, pois, contrariamente ao que sucede com o réu, que, por força do disposto no artigo 573º,  nº1, do Código de Processo Civil, tem a obrigação de concentrar toda a defesa na contestação, sobre o autor não recai o ónus de concentração de todas as possíveis causas de pedir na ação proposta, nem de formular, com base nelas, todos os pedidos, ainda que a título subsidiário, podendo propor uma nova ação na qual venha a invocar uma diferente causa de pedir.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL




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I. Relatório


1. AA  instaurou ação declarativa contra BB, pedindo que:

a) - Fosse declarado e reconhecido que foi o A. quem, com dinheiro exclusivamente seu, proveniente e debitado da sua conta, pagou todas as prestações de capital, juros, impostos, seguros e outras despesas do contrato de mútuo que financiou a aquisição das fracções autónomas de que A. e R. são comproprietários;

b) - Fosse condenada a R. a pagar ao A. a quantia de € 45.602,46, correspondente a metade de todas as prestações de capital, juros, impostos, seguros e outras despesas do contrato de mútuo que o A. pagou com dinheiro exclusivamente seu até agosto de 2019;

c) - Fosse a R. condenada a pagar ao A. a quantia a apurar em execução de sentença correspondente a metade de todas as prestações de capital, juros, impostos, seguros e outras despesas do contrato de mútuo que o A. vier a pagar à CEMG, desde setembro de 2019 até ao cumprimento e liquidação integral do contrato de mútuo.

Alegou, para tanto e em síntese, que:

. A. e R. são comproprietários das fracções autónomas BR e H do prédio urbano identificado na petição inicial, adquiridas pelo A., por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, em 21/09/2001, direito esse declarado na sentença proferida no processo n.° 8241/15.0…,

. Naquele processo, foi ainda declarado dissolvida a união de facto entre A. e R., com efeitos a partir de 31/12/2014;

. Todas as prestações da amortização do empréstimo foram debitadas da conta do A., que é único titular, sendo as prestações pagas com dinheiro exclusivamente do A.;

. O A. pagou: até 31/12/2014, € 69.309,61; até agosto de 2019. € 91.204,92; após a dissolução da união de facto e até agosto de 2019, € 21.895,52;

. Após agosto de 2019 e até 21/09/2021, o A. continuará a pagar montante que oportunamente liquidará em execução de sentença;

. Apesar de só ser titular de metade das fracções autónomas, o A. sempre pagou e continuará a pagar sozinho o contrato de mútuo, o que gera um enriquecimento injustificado da R. à custa do património daquele.


2. A ré apresentou contestação-reconvenção, em que:

. Impugnou os factos alegados pelo A., sustentando que as fracções em referência foram compradas com o dinheiro obtido por via do contrato de mútuo que foi utilizado em exclusivo interesse do A.;

. Invocou a exceção de caso julgado, face ao decidido nos processos n.° 8241/ 15...., n.° 1961/14.... (ação de prestação de contas) e n.° 4939/16...;

. Invocou ainda a exceção de prescrição, porquanto à data da citação tinham decorrido quase 5 anos desde a data da dissolução da união de facto.

E, em reconvenção, pediu a condenação do autor a pagar-lhe a quantia de € 116.650,00, acrescida de juros.

Alegou, como fundamento deste pedido, a existência de um crédito seu perante o A., por força de negócios praticados aquando da união de facto e por o A. ter pago dívidas suas com dinheiro da R., sendo devedor da quantia de € 116.650,00.


3. O autor deduziu réplica à matéria de exceção e impugnou os factos articulados pela ré.


4. Findos os articulados, após audiência prévia, foi, em 02.09.2020, proferido despacho saneador que julgou verificada a exceção de autoridade de caso julgado e o seu efeito preclusivo decorrente da sentença proferida no processo n.° 8241/15.0…, absolvendo a ré da instância, e que não admitiu a reconvenção por não se verificarem os respetivos pressupostos de admissibilidade.


5. Inconformado, com esta decisão, dela apelou o autor para o Tribunal da Relação de ..., que, por acórdão proferido em 17.12.2020, aprovado por unanimidade, julgou improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.


6. Novamente inconformado com esta decisão, o autor dela interpôs recurso de revista, a título excecional, ao abrigo do art.° 672.°, n.° 1, alínea a), do CPC, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:

« 1. Ao abrigo do art.º 672.º, n.º 1, al. a) do CPC, vem o presente recurso interposto do douto acórdão de 17/12/2020, que julgou totalmente improcedente a apelação e confirmou a douta sentença recorrida de 02/09/2020, que julgou verificada a excepção de autoridade de caso julgado e, em consequência, absolveu a Ré da instância;

2. Está em causa nos autos a questão de saber se, tendo dois imóveis sido adquiridos só pelo A., durante a união de facto com a Ré, e tendo esta judicialmente ilidido a presunção do registo e sido declarada comproprietária de tais imóveis na proporção de ½, por não se ter concretamente apurado a sua concreta contribuição para a respectiva aquisição, assiste ao A., depois de judicialmente declarada a dissolução da união de facto, o direito a ser ressarcido / compensado pela Ré no valor correspondente a metade das prestações do empréstimo bancário que financiou a aquisição dos ditos imóveis, as quais têm sido pagas com dinheiro exclusivamente do A., quer antes, quer após a dissolução da união de facto;

3. Ou se, pelo contrário, tal pretensão do A. está vedada pelo caso julgado formado na acção judicial anterior;

4. E neste caso, se as prestações vencidas após a dissolução da união de facto (31 de Dezembro de 2014) estão também abrangidas pelo caso julgado.

5. Apesar da questão jurídica em apreciação ser extremamente complexa, a mesma foi muito superficialmente abordada no douto acórdão recorrido, de tal ordem que nele se fazem afirmações e tecem-se conclusões contrárias à própria factualidade apurada no processo n.º 8241/15...., designadamente, olvidando-se só “parte do preço” da aquisição das fracções autónomas foi pago com recurso ao referido crédito bancário, posto que a restante parte foi paga com entrega de sinais;

6. Ainda, no douto acórdão recorrido não se cuidou de esclarecer qual a figura do “caso julgado” que se considerou verificada nos presentes autos, isto é, se na sua vertente formal (excepção dilatória de caso julgado) ou na sua vertente material (autoridade de caso julgado), o que não é irrelevante para a solução jurídica de mérito (a primeira conduz à absolvição da instância, enquanto a segunda conduz à aceitação dos factos julgados provados na primeira acção enquanto pressupostos indiscutíveis na segunda acção, levando à procedência ou improcedência [total ou parcial] do pedido);

7. Por outro lado, também no douto acórdão recorrido nada se diz sobre se se encontram reunidos os pressupostos da excepção dilatória de caso julgado, designadamente (“tríplice identidade” entre as causas);

8. Após aturada busca de jurisprudência nas bases de dados da “DGSI” sobre a questão jurídica supra identificada, tal qual perfilada nos presentes autos, não se logrou encontrar caso análogo ou com suficiente e relevante similitude;

9. A “questão genérica” do caso julgado (nas suas duas vertentes – “excepção de caso julgado” e “autoridade de caso julgado”) é, só por si, uma questão tradicionalmente complexa e controversa na doutrina e na jurisprudência, muitas vezes só materializável no caso concreto;

10. Por seu turno, a concreta “vexata quaestio” dos autos reveste ainda relevante ineditismo ou novidade, com interesse que extravasa os limites do caso concreto, face à cada vez mais frequente opção pela “união de facto” em detrimento do casamento, com as consequentes problemáticas patrimoniais, aquando da sua dissolução;

11. Conjunto de razões pelas quais, o A./Recorrente considera que está em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (art.º 672.º, n.º 1, al. a) do CPC), julgando ter cumprido o ónus estipulado no artigo 672.º, n.º 2, al. a) do CPC.

12. A causa de pedir formulada pelo A. parte da aceitação do decidido na Acção de Processo Comum n.º 8241/15.0…, que correu termos pelo Juízo Central Cível de ...., isto é, de que a Ré é comproprietária das fracções autónomas descritas no artigo 1.º da petição inicial, na proporção de 50%;

13. Naquela douta sentença já se aludia a que, só uma parte do preço da aquisição das fracções autónomas descritas no artigo 1.º da Petição Inicial tinha sido pago com recurso a crédito bancário, uma vez que a restante parte foi paga com entrega de sinais e, ainda, o produto da venda da fracção autónoma da Ré, situada na Rua ..., serviu para saldar a dívida que esta tinha para com o ... e assim proceder ao levantamento das hipotecas, no montante de €52.276,... e de €10.279,40;

14. Tendo o pagamento do preço daquelas fracções autónomas sido um acto instantâneo, praticado em 21 de Setembro de 2001 (sem prejuízo da prévia entrega dos sinais), aquando da celebração da escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, o que se discute nos presentes autos não é quem pagou o preço da aquisição das fracções autónomas descritas no artigo 1.º da Petição Inicial, mas sim se o A. tem procedido sozinho ao pagamento das prestações do aludido crédito bancário, as quais se têm vencido ao longo dos anos, mesmo após a data dos efeitos da dissolução da união de facto (31/12/2014);

15. Sendo a Ré comproprietária, na proporção de 50%, e face ao julgado provado no ponto 19. da aludida douta sentença, é obrigação daquela proceder ao pagamento das referidas prestações do crédito bancário, o que não faz e constitui fundamento da presente acção;

16. Ocorrendo, por isso, um empobrecimento do autor e um correspondente enriquecimento da Ré, em 50% do valor das prestações (considerando que o A. as paga na sua totalidade);

17. Em face do exposto, tudo quanto se julgou provado na Acção de Processo Comum n.º 8241/15.0…, que correu termos pelo Juízo Central Cível de ..., é aceite pelo A. e é até fundamento da presente acção, cuja causa de pedir é outra, totalmente distinta, que não colide com quem sejam os proprietários das fracções autónomas e com quem tenha procedido ao pagamento do seu preço, mas tão-somente diz respeito a quem está a suportar, sozinho (apesar de só ser comproprietário na proporção de 50%), as prestações do crédito bancário que continuam a vencer-se, mesmo após a data da dissolução da união de facto.

18. Não há identidade de pedido e nem de causa de pedir entre a presente acção e acção de processo comum n.º 8241/15.0…, que correu termos pelo Juízo Central Cível de ... (J...).

19. Não há, in casu, qualquer risco ou hipótese de o Tribunal estar a decidir sobre questão já decidida em acção anterior.

20. O “caso julgado”, em qualquer uma das suas vertentes (positiva ou negativa), não pode proceder e nem ter qualquer efeito na apreciação dos fundamentos da presente acção, quer porque não se encontram reunidos os seus pressupostos (“tríplice identidade” entre as causas), quer porque são totalmente distintos os fundamentos da presente acção e os fundamentos (pressupostos) da decisão proferida na primeira causa.

21. Sem prescindir, ainda que para efeitos do presente raciocínio seguíssemos de perto as premissas que fundamentam a douta sentença recorrida (o que não se concebe e nem concede), o certo é que, em circunstância alguma poderia o Tribunal a quo julgar verificada a excepção de autoridade de caso julgado relativamente às prestações do empréstimo que se venceram em data posterior a 31 de Dezembro de 2014 e continuam, no dia de hoje, a vencer-se;

22. O douto acórdão recorrido viola o art.ºs 581.º do Código de Processo Civil» .


Termos em que requer seja revogado o  acórdão recorrido e julgada improcedente, por não provada, a exceção de caso julgado, ordenando o prosseguimento dos autos, ou quanto assim não se entenda, revogado parcialmente o acórdão recorrido, ordenando-se o prosseguimento dos autos relativamente às quantias do empréstimo que se venceram em data posterior a 31 de Dezembro de 2014 (data dos efeitos da dissolução da união de facto do A. e da Ré), com as legais consequências.


9. A ré não respondeu.


10. Remetido o processo à Formação de Juízes, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 672º, nº3 do CPC, por esta foi proferido, em 13 de outubro de 2021, acórdão que admitiu a revista interposta a título excecional.


11. Após os vistos, cumpre apreciar e decidir.



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II.  Delimitação do objeto do recurso


Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação dos recorrentes, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].


Assim, a esta luz, as únicas questões a decidir consistem em saber se:

1ª- a decisão definitiva proferida na ação que correu termos no Juízo Central Cível de ..., J..., sob o nº 8241/15.0…, instaurada pelo ora autor contra a ora ré constitui caso julgado obstativo da instauração e/ou do  conhecimento de mérito da presente ação.

2ª- o direito exercitado pelo autor através da presente ação, com base no alegado enriquecimento injustificado se encontra precludido pelo facto de, no processo nº 8241/15.0…, aquele não ter deduzido pedido subsidiário nesse sentido.


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III. Fundamentação


3.1. Fundamentação de facto


O Tribunal da Relação considerou:


« Na primeira instância foi considerada assente a seguinte factualidade:

- O A., em data anterior à da presente acção, instaurou contra a R. uma acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum (processo n.º 8241/15.0…, que correu termos no Juízo Central Cível de ..., J...), alegando, no que interessa para a economia da presente decisão, ser dono de duas fracções autónomas (BR e H), que adquiriu por contrato de compra e venda (registada) e usucapião, e que a R. se apossou das mesmas, sem o seu consentimento, privando-o do seu uso.

- Pediu então o A. que fosse declarado e reconhecido o seu direito de propriedade sobre os imóveis e a condenação da R. a restituir-lhos.

- A R. contestou e deduziu pedido reconvencional, dizendo, no que interessa para a apreciação da excepção em causa, que viveu em união de facto com o A. durante dezoito anos, que as fracções identificadas eram a casa da sua morada de família, para cuja aquisição contribuiu com a quantia de 60.000,00 €, da sua exclusiva propriedade e que entregou ao A.

- Pediu que se declarasse essa união de facto e que (viveram) em comunhão de mesa de habitação, adquirindo património imobiliário e mobiliário, com participação de ambos na proporção de, pelo menos, 50% cada um, o que sucedeu relativamente às fracções reivindicadas.

- Na sentença proferida deu-se como provado, além do mais, que A. e R. viveram em união de facto, tinham uma economia comum, adquiriram por contrato de compra e venda as fracções em causa que, por acordo de ambos, foram escrituradas e registadas apenas em nome do A., e que a R. entregou ao A. quantia não concretamente apurada para pagamento do preço das fracções e a restante parte não concretamente apurada do preço das fracções foi paga pelo A. à custa de economias geradas na união de facto (cfr. pontos 10, 11, 19, 20 e 22 dos factos provados).

- Essa sentença, datada de 27/11/2017, transitou em julgado em 13/12/2018 (cfr. certidão junta aos presentes autos).


. Importa ainda considerar que, no processo n.º 8241/15.0…:

- Para além do referido na sentença recorrida, com vista a, para além do mais, sustentar a reconvenção, a Ré alegou na sua contestação que nas ditas frações continuou a viver após a cessação da coabitação dos dois, tendo as respetivas chaves e aí fazendo a sua vida quotidiana, com ânimo de comproprietária.

- O Autor replicou, impugnando a factualidade alegada pela Ré, negando alguma vez ter vivido em união de facto, invocando a prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa e excecionando que a conduta da Ré constitui abuso de direito.

- Foi proferida sentença que decidiu:

a). julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenar a Ré BB a não obstar à utilização das fracções referidas em I.1, absolvendo-a dos demais pedidos contra ela formulados;

b). julgar a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência, declarar que o Autor e a Ré viveram em união de facto, em comunhão de mesa e habitação, e adquiriram, na proporção de metade cada um, a propriedade das fracções supra identificadas em I.1 dos factos provados (“BR”, habitação tipo T-2, no ..., terceira fase, pertencendo-lhe uma garagem na sub-cave com o número ….27, descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...71-BR, de ..., inscrito na matriz sob o artigo ...; “H”, garagem número ...28 na ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...71-H, de ..., inscrito na matriz sob o artigo ...03);

c). declarar judicialmente dissolvida a referida união de facto entre Autor e Ré, com efeitos a partir de 31 de Dezembro de 2014;

d). absolver o Autor dos demais pedidos formulados.


- Na fundamentação da referida sentença, escreveu-se:

Com efeito, nos termos do disposto no artº. 7º do Código de Registo Predial, o registo definitivo da aquisição faz presumir a existência do direito (cabendo então à contraparte alegar e provar o contrário), sendo certo que tal presunção registral, como é sabido, não abrange a descrição dos respectivos prédios, isto é, as suas áreas e confrontações (cfr., neste sentido, Ac. STJ 27.1.93, CJ STJ I, p.100; Ac. STJ 11.5.93, CJ STJ II, p.95, Ac. RP 16.1.95, CJ I, p.197).

Ora, no caso em apreço, é manifesto que o Autor beneficia desta presunção (cfr. I.1 dos Factos provados), a qual, contudo, foi elidida pela Ré em face da prova produzida em julgamento.

Com efeito, face à matéria de facto julgada como provada é inquestionável que o A. e a R. viveram em união de facto durante vários anos e que tal união se encontra actualmente dissolvida, tendo, na constância dessa situação, sido adquiridas essas fracções, com as economias geradas no âmbito da situação de união de facto e em proporção não concretamente apurada (cfr. ponto I.22 dos factos provados).

(…)

E, havendo que partilhar o património, cessada que seja a união de facto, e não operando nesta sede o regime dos artigos 1688º e 1689º do C. Civil (aplicáveis ao casamento), “as regras a aplicar são as que tenham sido acordadas no contrato de «coabitação» eventualmente celebrado e, na sua falta, o direito comum das relações reais e obrigacionais” – ob. cit., p.109.

Também França Pitão (“Uniões de Facto e Economia Comum”, p.172) refere que “é óbvio que não poderá falar-se da existência de um património comum, muito embora a maior parte das vezes os bens tenham sido adquiridos com dinheiro de ambos ou, pelo menos, com o esforço de ambos, prevendo-se neste caso a hipótese em que um deles não tem profissão remunerada, mas contribui com a sua força de trabalho na vida do lar que constituíram.”

Porém, não havendo comunhão de bens, sempre pode existir e nos termos gerais, compropriedade sobre bens que ambos os unidos de facto tenham adquirido.

Ora, no caso em apreço, provou-se que, efectivamente, a Ré entregou quantia não concretamente apurada para pagamento do preço das fracções e a restante parte não concretamente apurada do preço das fracções foi paga pelo Autor – cfr. ponto I.22 dos factos provados – pelo que não pode haver aqui qualquer dúvida que ambos contribuíram monetariamente para a compra de tais fracções, tendo ambos de ser considerados comproprietários das mesmas.

(…)

No caso sub iudice, vista a factualidade apurada (cfr. ... a I.32 dos factos provados), é bom de ver que Autor e Ré adquiriram o direito de compropriedade sobre os identificados prédios.

Com efeito, verificando-se um caso de concurso de presunções (no caso, a presunção derivada da posse e a presunção registral), o mesmo é resolvido pelo disposto no artigo 1268º/1 do Código Civil, no qual se prescreve que “o possuidor goza da presunção da titularidade do direito, excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao da posse”.

Ou seja, nesta colisão de presunções prevalece a mais antiga e, em caso de igualdade na antiguidade – como ocorre na situação em apreço, posto que a composse se iniciou na data da aquisição – prevalece a posse.

Em suma, não há qualquer dúvida que, tendo ambos contribuído monetariamente para a compra de tais fracções, e tendo a composse das fracções, em termos de compropriedade, sido iniciada aquando da aquisição, tanto Autor e Ré têm de ser considerados comproprietários das mesmas.

Não tendo sido feita prova da concreta contribuição de cada um dos unidos de facto para o custeio das fracções em causa, é de aplicar a presunção decorrente do disposto no artigo 1403º/2 do C. Civil, segundo a qual são de presumir quantitativamente iguais as quotas de cada um dos consortes.

Do expendido, decorre a improcedência dos dois primeiros pedidos formulados pelo Autor, posto que este não é o exclusivo proprietário de tais imóveis (…)

(…) pelos fundamentos já expostos e que nos escusamos de aqui replicar, é de declarar também que a Ré adquiriu na proporção de metade, a compropriedade das fracções autónomas “BR” (habitação tipo T-2, no ..., terceira fase, pertencendo-lhe uma garagem na sub-cave com o número …27, descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...71-BR, de ..., inscrito na matriz sob o artigo ...03) e “H” (garagem número ...28 na ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...71-H, de ..., inscrito na matriz sob o artigo ...)”.


- A referida sentença foi confirmada por Acórdão desta Relação de 24.05.2018, mediante, no que para o caso releva, o reconhecimento de que desde a data da respetiva aquisição que a Ré/Reconvinte exerceu a sua composse sobre as frações a que também aludem os presentes autos com ânimo de comproprietária, posse esta, demonstrada pela Ré/Reconvinte, que faz presumir a compropriedade, dispensando-a de provar o modo de aquisição do seu direito de compropriedade (art. 344º, nº 1, do Código Civil), bem como da correção da aplicação ao caso da presunção decorrente do disposto no artigo 1403º/2 do C. Civil.».



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3.2. Fundamentação de direito


3.2.1. Do caso julgado


Conforme já se deixou dito, o objeto do presente recurso prende-se, essencialmente, com a questão de saber se a decisão definitiva proferida na ação  que correu termos no Juízo Central Cível de ..., J..., sob o nº 8241/15.0…, instaurada pelo ora autor contra a ora ré constitui caso julgado obstativo da instauração e/ou do conhecimento de mérito da presente ação.

Estamos, pois, em face de dois efeitos distintos da mesma realidade jurídica – o caso julgado material ( cfr. arts. 619º e 621º do CPC).

Nesta matéria, dispõe o art. 619º, n.º 1, do C. P. Civil que: «transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida de mérito da causa, a decisão sobre a relação jurídica material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º », estabelecendo o art. 621º, do mesmo código que  « a sentença constitui caso julgado  nos precisos limites  e termos em que julga (…) ».

Segundo a noção dada por Manuel de Andrade, o caso julgado material «consiste em a definição dada à relação jurídica controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão»[2].

Todavia, enquanto que a exceção de caso julgado comporta um efeito negativo de inadmissibilidade da segunda ação, obstando a nova decisão de mérito da causa e impondo ao juiz a absolvição do réu da instância (cfr. art. 576º, nº 2 do CPC), a autoridade do caso julgado tem, antes, o efeito positivo de impor a primeira decisão à segunda decisão de mérito.

Dito de outro modo e nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa, a exceção de caso julgado tem por finalidade «evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita  na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a excepção de caso julgado garante  não apenas a impossibilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente (Zweierlei), mas também a inviabilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica (Zweimal) ».

Diversamente, « quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão antecedente»[3].

Caraterizando a exceção de caso julgado, diremos que a mesma, de acordo com o disposto no art. 580.º do CPC, pressupõe uma identidade entre os objetos dos dois processos e implica sempre, nos termos do art. 581º, nº 1 do mesmo código, a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.

E segundo ainda o estabelecido neste artigo, « Há  identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica» ( nº 2); «Há identidade de pedido quando numa e noutra se pretende o mesmo efeito jurídico» ( nº 3 ) e «Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico» ( nº 4).

De realçar não ser unânime o entendimento de que, quanto à autoridade de caso julgado, tem que verificar-se a tríplice identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir estabelecida no art. 581º do CPC.

Com efeito, enquanto para alguns doutrinadores, designadamente para Alberto dos Reis[4], a autoridade de caso julgado  requer a verificação da tríplice identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, outros há  que defendem que a autoridade de caso julgado pode funcionar independentemente da verificação da identidade objetiva, podendo estender-se à apreciação de questões preliminares que constituam antecedente lógico necessário da parte dispositiva da decisão[5].

É o caso de Lebre de Freitas, que,  não obstante defender que, exigindo o  art. 91º, nº 2, do CPC que a questão prejudicial tenha sido apreciada  com o específico efeito de produzir eficácia externa, só muito dificilmente poderá esta norma ser interpretada como autorizando a autoridade de caso  julgado sobre os fundamentos da sentença, acaba por admitir a extensão do caso julgado aos fundamentos nas situações em que há suscetibilidade de inutilização prática  da primeira decisão[6].

Já Teixeira e Sousa[7] admite  a autoridade de caso julgado sobre os fundamentos da decisão nos casos em que exista uma relação de prejudicialidade ou quando ocorram relações sinalagmáticas, precisando que, nestes casos, não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.

No mesmo sentido, Remédio Marques[8], admite que os fundamentos de facto adquirem  o valor de caso julgado quando dizem respeito a relações sinalagmáticas e quando criam uma relação de prejudicialidade entre a decisão transitada em julgado e o objeto da ação posterior, ou seja, quando o fundamento da decisão transitada condiciona a apreciação do objeto de uma ação posterior, por ser tida como situação localizada dentro do objeto da primeira ação, sendo seu pressuposto lógico.  

Nesta mesma linha de entendimento, defendem António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Filipe Pires de Sousa[9] que justifica-se atribuir efeitos definitivos entre as partes relativamente a fundamentos da decisão nos casos em que ocorrem relações de prejudicialidade e de sinalagmaticidade.

Admitindo que a autoridade de caso julgado abrange  não apenas a decisão sobre o pedido, mas também as decisões sobre os fundamentos, defende, porém, Mariana França Gouveia[10], que importa determinar, com precisão, quais são as decisões sobre os fundamentos que adquirem força de caso julgado, sustentando que, no seu entendimento, só podem ter autoridade de caso julgado em processos subsequentes as decisões sobre as questões essenciais relativas à causa de pedir da ação anterior, ou seja, as decisões sobre os factos constitutivos delimitados pela previsão da norma jurídica aplicável, essenciais à procedência da ação[11], pois, atento o disposto no art. 91º, nº 2 do CPC, só assim se previne a eficácia surpresa de decisões menores, ao mesmo tempo que se assegura  o respeito pelas decisões judiciais.

Mas ainda assim estas decisões relativas à causa de pedir  só têm potencialidade de adquirir autoridade de caso julgado quando entre as duas ações haja uma relação de prejudicialidade ou dependência, ou seja, nos casos de “ prejudicialidade lógica”, em que se debate a validade da relação jurídica para um efeito e posteriormente para outro[12].

Também a jurisprudência vem trilhando idêntico percurso, sendo, atualmente, maioritária a corrente que perfilha o entendimento de que muito embora a autoridade ou eficácia do caso julgado não abranja, por regra, os motivos ou fundamentos da sentença, a mesma estende-se também às questões preliminares que constituem um antecedente lógico indispensável, ou seja, um pressuposto  necessário da decisão de mérito a proferir na segunda ação[13].



*



Traçado o quadro de admissibilidade da exceção de caso julgado e da autoridade de caso julgado e a sua extensão aos fundamentos da decisão e começando por indagar da verificação da exceção dilatória do caso julgado, importa, desde logo, desfazer as incongruências  em que o despacho saneador/sentença  e o acórdão recorrido incorreram nesta matéria.

Com efeito, constata-se, por um lado, que o despacho saneador/sentença, considerando  que « o julgamento da causa subjacente ao processo n.º 8241/15.0… está, assim, relativamente a esta ação e à questão do pagamento das fracções, numa relação de prejudicialidade, que afasta a possibilidade do seu conhecimento, sob pena de violação da autoridade do caso julgado decorrente daquela sentença »,  julgou « verificada a excepção dilatória de autoridade do caso julgado e do seu efeito preclusivo decorrente da sentença proferida no processo n.º 8241/15.0… do Juízo Central Cível de ..., J... » e, consequentemente, atento o disposto nos arts. 571.º, 577.º, 578.º e 278.º, n.º 1, al. e), do CPC, absolveu a ré da instância.

E, por outro lado, o acórdão recorrido, considerou que, no caso dos autos, «a situação que se configura é a de exceção de caso julgado, conducente à determinada absolvição da instância», confirmando a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância.

Todavia, o que ressalta da respetiva fundamentação é que o Tribunal da Relação considerou que o pedido desta ação envolve «a resposta a uma questão cuja resolução constituiu pressuposto ou antecedente lógico necessário da decisão de mérito proferida na primeira ação sobre o pedido reconvencional aí formulado pela ora ré, devendo, pois, qualificar-se a mesma como questão prejudicial».

Mas, sendo assim, não restam dúvidas que o que está em causa é a apreciação do caso julgado, não na sua vertente negativa (isto é, enquanto exceção dilatória impeditiva de que que a mesma questão já decidida venha a ser novamente apreciada numa segunda ação), mas, antes, na sua vertente positiva, ou seja, de compelir o julgador na segunda ação a respeitar o caso julgado formado pela primeira decisão transitada, apreciando o mérito em conformidade com o que ali foi definitivamente decidido.

Daí que, no âmbito do presente recurso, importe apenas e tão só determinar, se no caso concreto, a decisão final proferida na ação nº 8241/15.0…, que correu termos entre as mesmas partes, e/ou os respetivos fundamentos impõem-se com força ou autoridade de caso julgado no presente processo, obstando ao conhecimento de mérito da presente ação por se encontrar numa relação de prejudicialidade face ao que é pedido nestes autos.


Vejamos


Na ação n.º 8241/15.0…:

O ora autor instaurou contra a ora ré ação de reivindicação, pedindo que fosse declarado e reconhecido o seu direito de propriedade sobre as fracções autónomas BR e H e a condenação da ré a restituir-lhos.

Alegou, no essencial, que adquiriu com dinheiro exclusivamente seu as sobreditas fracções por contrato de compra e venda, estando essa aquisição registada na Conservatória do Registo Predial, e por usucapião e que a ré se apossou das mesmas, sem o seu consentimento, privando-o do seu uso.


. A ré contestou e deduziu reconvenção, pedindo que se declarasse que viveram em comunhão de mesa de habitação, adquirindo património imobiliário, incluindo as ditas fracções, e mobiliário, com participação monetária de ambos na proporção de, pelo menos, 50% cada um.

Alegou, para tanto, que viveu em união de facto com o autor durante dezoito anos e que contribuiu  com a quantia de € 60.000,00, da sua exclusiva propriedade, para a aquisição das referidas fracções, que eram a casa da sua morada de família e onde continuou a viver após a cessação da coabitação dos dois, tendo as respetivas chaves e aí fazendo a sua vida quotidiana, com ânimo de comproprietária.

. O Autor replicou, impugnando a factualidade alegada pela Ré, negando alguma vez ter vivido em união de facto, invocando a prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa e excecionando que a conduta da Ré constitui abuso de direito.

. Na sentença proferida e confirmada por Acórdão da Relação de 24.05.2018, deu-se como provado, além do mais, que autor e ré viveram em união de facto, tinham uma economia comum, adquiriram por contrato de compra e venda as fracções em causa que, por acordo de ambos, foram escrituradas e registadas apenas em nome do autor;  que a ré entregou ao autor quantia não concretamente apurada para pagamento do preço destas fracções e  que a  restante parte, não concretamente apurada, do  respetivo preço foi paga pelo autor à custa de economias geradas na união de facto.

E, ante esta factualidade, concluiu-se  não haver « dúvida que, tendo ambos contribuído monetariamente para a compra de tais fracções, e tendo a composse das fracções, em termos de compropriedade, sido iniciada aquando da aquisição, tanto Autor e têm de ser considerados comproprietários das mesmas » e que « Não tendo sido feita prova da concreta contribuição de cada um dos unidos de facto para o custeio das fracções em causa, é de aplicar a presunção decorrente do disposto no artigo 1403º/2 do C. Civil, segundo a qual são de presumir quantitativamente iguais as quotas de cada um dos consortes» e decidiu-se:

a). julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenar a Ré BB a não obstar à utilização das fracções referidas em I.1, absolvendo-a dos demais pedidos contra ela formulados;

b). julgar a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência, declarar que o Autor e a Ré viveram em união de facto, em comunhão de mesa e habitação, e adquiriram, na proporção de metade cada um, a propriedade das fracções supra identificadas em I.1 dos factos provados (“BR”, habitação tipo T-2, no ..., terceira fase, pertencendo-lhe uma garagem na sub-cave com o número …27, descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...71-BR, de ..., inscrito na matriz sob o artigo ...; “H”, garagem número ...28 na ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...71-H, de ..., inscrito na matriz sob o artigo ...03);

c). declarar judicialmente dissolvida a referida união de facto entre Autor e Ré, com efeitos a partir de 31 de Dezembro de 2014;

d). absolver o Autor dos demais pedidos formulados.



*


Na presente ação:

O autor pediu que:

a) - Fosse declarado e reconhecido que foi o A. quem, com dinheiro exclusivamente seu, proveniente e debitado da sua conta, pagou todas as prestações de capital, juros, impostos, seguros e outras despesas do contrato de mútuo que financiou a aquisição das frações autónomas de que A. e R. são comproprietários;

 b) - Fosse condenada a R. a pagar ao A. a quantia de € 45.602,46, correspondente a metade de todas as prestações de capital, juros, impostos, seguros e outras despesas do contrato de mútuo que o A. pagou com dinheiro exclusivamente seu até agosto de 2019;

c) - Fosse a R. condenada a pagar ao A. a quantia a apurar em execução de sentença correspondente a metade de todas as prestações de capital, juros, impostos, seguros e outras despesas do contrato de mútuo que o A. vier a pagar à CEMG, desde setembro de 2019 até ao cumprimento e liquidação integral do contrato de mútuo.

 Alegou, para tanto e em síntese, que:

. A. e R. são comproprietários das fracções autónomas BR e H do prédio urbano identificado na petição inicial, adquiridas pelo A., por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, em 21/09/2001, direito esse declarado na sentença proferida no processo n.° 8241/15.0…,

.   Naquele processo, foi ainda declarado dissolvida a união de facto entre A. e R., com efeitos a partir de 31/12/2014;

.  Todas as prestações da amortização do empréstimo foram debitadas da conta do A., que é único titular, sendo as prestações pagas com dinheiro exclusivamente do A.;

. O A. pagou: até 31/12/2014, € 69.309,61; até agosto de 2019. € 91.204,92; após a dissolução da união de facto e até agosto de 2019, € 21.895,52;

. Após agosto de 2019 e até 21/09/2021, o A. continuará a pagar montante que oportunamente liquidará em execução de sentença;

. Apesar de só ser titular de metade das frações autónomas, o A. sempre pagou e continuará a pagar sozinho o contrato de mútuo, o que gera um enriquecimento injustificado da R. à custa do património daquele.

. A  ré contestou, invocando as exceções de caso julgado e de prescrição.

E alegando a existência de um crédito seu perante o A., por força de negócios praticados aquando da união de facto e por o A. ter pago dívidas suas com dinheiro da R., sendo devedor da quantia de € 116.650,00, deduziu reconvenção, pedindo a condenação do autor a pagar-lhe esta quantia, acrescida de juros.



*



Ante este quadro factual, afirmou o acórdão recorrido, que o reconhecimento feito na sentença proferida na ação n.º 8241/15 «de que a compra das frações se deu com a contribuição de Autor/Reconvindo e Ré/Reconvinte integra, pois, a resposta a uma questão cuja resolução constituiu pressuposto ou antecedente lógico necessário da decisão de mérito proferida na primeira ação sobre o pedido reconvencional aí formulado pela ora Ré, devendo, pois, qualificar-se a mesma como questão prejudicial. Com efeito, tal corresponde ao reconhecimento do ato originador da composse da ali Reconvinte em que assentou a declaração de que o Autor e a Ré adquiriram, na proporção de metade cada um, a propriedade das fracções contida na sentença e ato a partir do qual implicitamente se aferiu o próprio elemento subjetivo da posse da Reconvinte, integrando, nessa medida, o referido reconhecimento, um pressuposto daquela declaração de aquisição das frações em compropriedade.”

E concluiu que o pedido formulado nesta ação “colide efetivamente com o decidido sobre o aludido pressuposto da decisão proferida na anterior ação”, pois, “na realidade, sob a capa do pedido de restituição de metade do valor das prestações por ele pagas e a pagar relativas ao invocado mútuo, o que ora Autor verdadeiramente pretende é que a Ré seja, para além do mais, obrigada a entregar-lhe metade do valor equivalente ao preço global das frações, o que, obviamente, pressupõe o reconhecimento de que, ao invés do decidido na reconvenção do processo nº 8241/15.0…, o preço da compra das ditas frações foi por ele integralmente pago (não tendo, pois, ocorrido a reconhecida aquisição das mesmas com participação de ambos no pagamento do respetivo preço), como resulta da alegação de que o mútuo, no valor do preço das frações, se destinou ao pagamento das mesmas e foi e continuará a ser por ele inteiramente suportado.”

Ou seja,  segundo o acórdão recorrido, a autoridade do caso julgado formado pela decisão proferida na ação n.º 8241/15 impõe-se à decisão a ser proferida nestes autos, como questão prejudicial, conduzindo à improcedência do pedido formulado nestes autos uma vez que a respetiva procedência seria contraditória com o decidido naquela primeira ação.


Deste entendimento dissente o autor, sustentando, no essencial, que, para além de não existir identidade de pedidos e de causas de pedir entre a presente ação e a ação nº 8241/15,  inexiste qualquer relação de prejudicialidade entre os objetos de cada uma destas ações.

E, em nosso entender, assiste-lhe razão, pois, contrariamente ao defendido no acórdão recorrido,  não se vislumbra a existência de uma  qualquer relação de prejudicialidade entre o objeto da ação nº 8241/15 e o objeto da presente ação e muito menos se vê que a apreciação dos pedidos formulados  pelo autor nestes autos possa colidir com o que foi decidido naquela primeira ação.

Desde logo, porque se é certo que, nos fundamentos da decisão proferida na ação nº 8241/15, foi apreciada a questão da contribuição monetária para a aquisição das ditas fracções ( se, como alegou na petição inicial, foi o autor quem as custeou exclusivamente, ou se, conforme sustentou a ré na reconvenção, esta também contribuiu monetariamente para tal aquisição), certo é também que, contrariamente ao afirmado no acórdão recorrido, a comprovada contribuição monetária do autor e da ré para a compra daquela fracções, não constituiu o único fundamento em assentou a decisão final proferida na ação n.º 8241/15, pois a verdadeira ratio decidendi daquela primeira decisão, ou seja, o fundamento essencial em que a mesma assentou foi a composse exercida por autor e ré desde o início da aquisição das fracções e a respetiva presunção decorrente da posse de que beneficiou a ré, nos termos do disposto no art. 1403º, nº 2, do C. Civil, que prevaleceu sobre a presunção decorrente do registo predial a favor do autor, nos termos do art. 7º do C. R. Predial.

E sendo assim, ou seja, não sendo o fundamento essencial daquela primeira decisão, por maioria de razão também não constitue pressuposto lógico indispensável da apreciação do objeto da presente ação, pelo que, em consonância com o que já afirmamos nos Acórdãos de 25.03.2021 (processo nº 453/14.0TBVRS-A.L1.S1) e de 11.11.2021 (proc. nº 1360/20.2T8PNF.P1.S1)[14],  não podemos deixar de concluir  no sentido de que o reconhecimento feito na decisão final proferida na ação n.º 8241/15 de que o autor e a ré adquiriram, na proporção de metade cada um, a propriedade das fracções supra identificadas, não  impede que, nesta ação, se aprecie os pedidos formulados pelo autor nas alíneas a), b) e c) da petição inicial, que não ficam cobertos pelo efeito da autoridade de caso julgado material decorrente da decisão proferida naquele processo, por esta, em relação a tais pedidos, não se apresentar  como prejudicial, ou seja, como seu pressuposto ou antecedente lógico necessário.

Mas, para além de tudo isto, impõem-se sublinhar que os pedidos deduzidos na presente ação, não só são diferentes dos pedidos formulados na ação nº 8241/15, como assentam em diferente causa de pedir, inexistindo, por isso, identidade objetiva entre as duas ações.

Com efeito, naquele primeiro caso, tratou-se de uma ação de reivindicação em que se discutiu o reconhecimento de um direito de propriedade, pertença exclusiva do autor ou em compropriedade deste e da ré.

Nos presentes autos, o autor, invocando o  reconhecimento feito na ação nº 8241/15 de que ele e a ré adquiriram, na proporção de metade cada um, a propriedade das fracções supra identificadas (cfr. artigos 1º e 2º, da petição inicial) e alegando ter sido ele quem, com dinheiro exclusivamente seu, pagou e continuará a pagar todas as prestações de capital, juros, impostos, seguros e outras despesas do contrato de mútuo que financiou a aquisição das  fracções autónomas, que foram objeto daquela primeira ação, e que, nessa medida, houve um  empobrecimento do seu património, em metade de todas as referidas quantias, com o correspondente enriquecimento da ré que, sendo titular de 50% das referidas fracções, nunca pagou qualquer destas quantias (cfr. artigos 3º a 21º da petição inicial), pede que seja  reconhecido que foi o autor quem, com dinheiro exclusivamente seu, proveniente e debitado da sua conta, pagou todas referidas prestações e a condenação da ré no pagamento de metade de todas elas.

Ou seja, diferentemente do que aconteceu na ação nº 8241/15, em que a causa de pedir assentou na aquisição do direito de propriedade sobre as mencionadas fracções, a causa de pedir invocada na presente ação radica no enriquecimento sem causa previsto no at. 473º, do C. Civil.

E ainda que naquela ação tenha sido apreciada a questão da contribuição monetária de cada uma das partes para a compra das fracções em causa, a verdade é que essa apreciação foi feita tendo em vista a eventual demonstração do direito de propriedade do autor e/ou da ré, mas já não na perspetiva do eventual enriquecimento sem causa da ré, pelo que os efeitos jurídicos pretendidos com essa factualidade em cada uma das ações são totalmente diferenciados e perfeitamente autónomos.

Com efeito, enquanto que na primeira ação discutiram-se os efeitos reais dessa matéria factual quanto ao reconhecimento de uma situação de compropriedade e respetiva atribuição de quotas aos consortes, na presente ação discutem-se os efeitos obrigacionais decorrentes desses mesmos factos no sentido alegado pelo autor de que houve um enriquecimento do património da ré à custa do seu empobrecimento e sem causa justificativa.

Estamos, assim, no dizer do Acórdão do STJ, de 14.12.2016 (processo nº 219/14.7TVPRT-C.P1.S1) [15], perante uma situação em que as pretensões materiais formuladas  num e noutro processo, « para além de representarem vias jurídicas alternativas e estruturalmente diferenciadas para alcançar a tutela jurídica de determinados interesses patrimoniais, assentes em pressupostos legais perfeitamente autónomos, implicaram a formulação de pedidos estruturalmente diferentes».

Acresce  inexistir qualquer obstáculo a que o autor fundamente esta última pretensão em factos por ele também invocados  naquela ação, porquanto, como já se afirmou no Acórdão do STJ, de 13.09.2018 (processo n.º 837/13.0TBMTS.P1.S2)[16], a eficácia do caso julgado da sentença proferida num primeiro processo, não se estende aos factos aí dados como provados quando autonomizados da decisão de que são pressuposto[17], encontrando-se, antes, nas palavras do Acórdão do STJ, de 02.04.2020 ( proc. nº 2774/17.0T8STR.E1.S1) [18] , «em estreita conexão com a natureza e definição do direito, sendo essa definição que torna irrefragável, no futuro, a solução concreta dada ao litígio». 

Vale tudo isto por dizer que, não se apresentando a decisão final proferida na ação nº8241/15, como prejudicial em relação à presente ação e inexistindo identidade objetiva entre estas duas ações, pois, além de ser manifesta a inexistência de identidade de pedidos formulados numa e noutra ação, encontram-se invocados na presente ação factos constitutivos de um título jurídico diverso do invocado na dita ação nº 8241/15, impõe-se concluir no sentido de que os pedidos formulados pelo autor nas alíneas a), b), c) e d) da petição inicial não estão cobertos pelo efeito da autoridade de caso julgado material decorrente  da decisão proferida naquele processo, não estando, também por isso, o tribunal impedido de apreciar e julgar tais pedidos.


Daí proceder, neste segmento, o recurso interposto pelo autor. 


*


3.2.2. Da preclusão  do direito


Questão diversa é saber se o direito exercitado pelo autor através da presente ação, com base no alegado enriquecimento injustificado se encontra precludido pelo facto de, no processo nº 8241/15.0…, aquele não ter deduzido pedido subsidiário nesse sentido.


No sentido afirmativo pronunciou-se o acórdão recorrido, nele se afirmando, que «o “alegado pelo Autor, na presente ação, com vista a fundamentar a sua referida pretensão integra defesa que, a proceder, era suscetível de, no mínimo, afastar o critério supletivo, aplicado pelo julgador na primeira ação, determinante da declaração judicial de que a compropriedade das frações foi adquirida pelos ex-unidos de facto na proporção de metade cada um: demonstrada pela aqui Ré, ali Reconvinte, a comparticipação e a subsequente composse, sobre o aqui Autor, ali Reconvindo, recaía o ónus de demonstrar que a sua contribuição (nomeadamente com o dinheiro obtido através do ora invocado financiamento bancário a que só ele ficou vinculado e cujas prestações têm vindo a ser por ele alegadamente suportadas, factos por ele, obviamente, conhecidos à data em que contestou a dita reconvenção) para o negócio transferidor da posse havia sido superior a 50%, de modo a afastar o aludido critério supletivo e obter a declaração de que as frações foram por ele adquiridas, ainda que em compropriedade, na correspondente proporção”, pelo que, não tendo o autor procedido nos termos acima expostos, ainda que a título subsidiário, “ficou precludido o direito do ali Reconvindo a intentar a presente ação, a qual, como se viu, tem necessariamente por objeto o reconhecimento de que a aquisição das frações em causa foi exclusivamente por ele suportada, quando é certo que na primeira ação a questão da comparticipação de ambos já foi discutida e decidida a favor da ora Ré como questão prejudicial, podendo por isso dizer-se que o pedido nesta ação deduzido sem respeito pela dita preclusão é, como defende Lebre de Freitas, “idêntico ao da ação anterior, para o efeito dos arts. 577.º-i e 581.º do CPC ».


Coloca-se, assim, a questão de saber se o autor deveria ter deduzido pedido subsidiário  com base  no ora invocado  enriquecimento sem causa  na ação nº 8241/15, pelo que, não o tendo feito, precludiu o direito de fazê-lo na presente ação.

E a este respeito diremos, desde logo, que se é certo estar o princípio da preclusão ligado ao efeito do caso julgado formado pela decisão proferida num  processo anterior, de acordo com o brocardo latino “tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debet”, ou seja, no sentido de que o caso julgado cobre o deduzido e o dedutível, certo é também, como vem sendo entendimento unânime na doutrina[19] e  na jurisprudência[20], que o âmbito da preclusão é substancialmente distinto para o autor e para o réu.

Com efeito, enquanto relativamente ao réu, o art. 573º, do CPC, impõe, no seu nº 1,  que o mesmo deve concentrar toda a defesa na contestação, só podendo fazê-lo em momento posterior nos casos de defesa superveniente, nos termos do seu nº 2, sobre o autor não recai um ónus de concentração de todos os fundamentos na dedução de um pedido, evitando-se a multiplicação de ações por outros tantos fundamentos, pois não só o direito vigente não prevê, quanto a ele, esse ónus, como essa falta de concentração, no dizer de Rui Pinto[21], não é suscetível de se traduzir em má fé, a não ser nos casos em que se reconduza a alguma das hipóteses previstas no art. 542.º, do CPC.

Neste sentido escreve Teixeira de Sousa [22] « Quanto ao autor, a preclusão é definida exclusivamente pelo caso julgado: só ficam precludidos os factos que se referem ao objecto apreciado e decidido na sentença transitada. Assim, não está abrangida por essa preclusão a invocação de uma outra causa de pedir para o mesmo pedido, pelo que o autor não está impedido de obter a procedência da acção com base numa distinta causa de pedir. Isto significa que não há preclusão sobre factos essenciais, ou seja, sobre factos que são susceptíveis de fornecer uma nova causa de pedir para o pedido formulado.

Mas está precludida a invocação pelo autor de factos que visam completar o objecto da acção anteriormente apreciada, mesmo que com uma decisão de improcedência. (…) Portanto, quanto ao autor a preclusão incide apenas sobre os factos complementares. (…)

A preclusão incide igualmente sobre as qualificações jurídicas que o objecto alegado pode comportar e que não foram utilizadas pelo tribunal

Afirma[23] ainda que « o autor não tem, no processo civil português, o ónus de alegar todas as possíveis causas de pedir do pedido que formula. Quer isto dizer que o ónus de concentração que vale para o réu quanto à matéria de defesa (cf. art. 573.º, n.º 1) não vale para o autor quanto às várias causas de pedir. É isso que justifica que, não tendo obtido a procedência da acção com base numa causa de pedir, o autor possa propor uma nova acção na qual venha a invocar uma diferente causa de pedir.»[24], sublinhando que o único ónus de concentração exigido ao autor assenta no «ónus de alegação de todos os factos que se referem à causa de pedir invocada na acção. Assim, por exemplo, o autor de uma acção de indemnização tem o ónus de indicar todos os danos sofridos, não podendo vir a intentar uma nova acção destinada a obter a reparação dor danos não invocados (mas invocáveis) na acção anterior. Se esta preclusão não for respeitada, a excepção de caso julgado obsta à admissibilidade da segunda acção.»

E, conforme nos dão conta os Acórdãos de 08.10.2019 (proc. n.º 998/17.0T8VRL.G1.S1); de 30.04.2019 (proc. nº 4435/18.4T8MAL.S1) e de 05.09.2017 (proc n.º 6509/16.7T8PRT.P1.S1)[25], este é também o entendimento que vem sendo seguido na  jurisprudência deste Supremo Tribunal e que se sufraga, por ser consentâneo com o princípio do dispositivo.

Daí que, ante a inexistência de identidade entre a  causa de pedir  invocada pelo autor na ação nº 8241/15, estruturada a partir  da aquisição do direito de propriedade sobre as fracções reivindicadas, e a presente ação baseada no enriquecimento se causa, seja de concluir, contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, que nada obrigava o autor a peticionar, a título subsidiário, naquela ação, os pedidos ora formulados nas alíneas a) a d) da petição inicial, não se verificando qualquer efeito preclusivo decorrente do caso julgado anterior relativamente a estes mesmos pedidos.

 Deste modo, não se verificando qualquer excepção de caso julgado, nem qualquer autoridade de caso julgado decorrente da decisão final proferida na ação 8241/15.0…,  que seja preclusiva do conhecimento do objeto da presente ação, impõe-se revogar  o acórdão recorrido, determinando o prosseguimento dos autos para apreciação do respetivo mérito.


Termos em que procede o recurso interposto pelo autor.


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V – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em julgar procedente a revista e, consequentemente, em revogar o acórdão recorrido, determinando-se o legal prosseguimento dos autos.

Custas da revista a cargo da parte vencida a final.

Notifique.


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Supremo Tribunal de Justiça, 16 de dezembro de 2021

Maria Rosa Oliveira Tching (relatora)

Catarina Serra

Paulo Rijo Ferreira


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[1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respetivamente.
[2] In “ Noções Elementares de Processo Civil ”, Coimbra Editora; Coimbra, 1976, págs. 304 e segs.
[3] In “ Estudos sobre o novo Processo Civil ”, Lex, Lisboa, 1997, págs. 572 e segs.
[4] In, “ Código de Processo Civil, Anotado, Vol. III, 3ª edição, reimpressão, Coimbra Editora, 1981, pág. 139.
[5]  Neste sentido, Castro Mendes, in  “ Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil”, Edições Ática, págs. 43 e 44.
[6] Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in, Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. I, 4º ed. Almedina 2018, págs. 754 e 755.
[7] In, “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, págs. 578 e 580.
[8] In “Ação Declarativa à Luz do Código Revisto”, 2ª ed., pág. 663.
[9] In “ Código de Processo Civil, Anotado”, 2ª ed. Almedina 2020, págs. 122 e 123. No dizer destes autores, haverá prejudicialidade, por exemplo « nas hipóteses em que da mesma relação jurídica brota uma série de direitos ( v.g., contrato de arrendamento e de fornecimento), de modo que, se na primeira sentença se declarou a (in)existência do contrato, haveria que atender à sua (in)existência na ação subsequente». Haverá sinalagmaticidade, por exemplo  se «  numa primeira ação foi pedido o cumprimento de um contrato e a mesma foi julgada improcedente, por nulidade do contrato, e numa ação subsequente é pedida a condenação na contraprestação do contrato ».
[10] Em  Parecer por ela elaborado no processo  nº 2104/12.8TBALM.
[11] In “ A Causa de Pedir na Ação Declarativa”, 2019, pág. 501. Por exemplo, numa ação em que se peça o reconhecimento da propriedade com fundamento na usucapião, são decisões sobre a causa de pedir aquelas em que o tribuna afirma que o autor é possuidor; que o autor é possuidor em termos do direito de propriedade; que o autor  possui  há x tempo. E é decisão sobre o pedido aquela em que o tribunal afirma que o autor é proprietário de y. 
[12] In “ A Causa de Pedir na Ação Declarativa”, 2019, pág. 503.
[13] Cfr., entre muitos outros, os Acórdãos do STJ de 30.03.2017 (processo nº 1375/06.3TBSTR.E1.S1); de 04.12.2018 (proc. nº 190/16.0T8BCL.G1.S1); de 13/09/2018 (proc. n.º 687/17.5T8PNF.S1); de 06/11/2018 (proc. n.º 1/16.7T8ESP.P1.S1);  de 08.11.2018 (proc. nº 478/08.4TBASL.E1.S1); de 07.02.2019 (proc.  nº 3263/14.0TBSTB.E1.S1); de 06.06.2019 (proc. nº 276/13.3T2VGS.P1.S2);  de 11.07.2019 (proc.  nº 13111/17.4T8LSB.L1.S1de 28.03.2019 (proc. n.º 6659/08.3TBCSC.L1.S1); de 30/04/2020 (proc. n.º 257/17.8T8MNC.G1.S1); de 02.12.2020 (proc. nº 3077/15.0T8PBL.C1-A.S1); de 11/11/2020 (proc. n.º 214/17.4T8MNC.G1.S1); de 12.01.2021 (proc. 2030/11.8TBFLG-C.P1.S1); de 26.11.2020 (proc. nº 7597/15.9T8LRS.L1.S1);  de 25.03.2021 (proc. nº 453/14.0TBVRS-A.L1.S1) e de 11.11.2021 (proc. nº 1360/20.2T8PNF.P1.S1), todos acessíveis in www.dgsi/stj.pt. e de 09.12.2021 (proc. nº 5712/17.7T8ALM.L1.S1, ainda não publicado.
[14] Acessíveis in www.dgsi/stj.pt.
[15] Acessíveis in www.dgsi/stj.pt.
[16] Acessíveis in www.dgsi/stj.pt.
[17] No mesmo sentido, Acórdão do STJ de 08.11.2018 (proc. n.º 478/08.4TBASL.E1.S1), acessível in www.dgsi/stj.pt.
[18] Acessíveis in www.dgsi/stj.pt.
[19] A este respeito já o Prof. Castro Mendes, in “ Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, s/d, p. 179”, que «sem sombra de dúvida que a pretensão do autor não está sujeita a este efeito preclusivo.», salientando que « De jure condito (…) é lícito ao autor em processo civil formular n vezes a mesma pretensão, desde que a baseie em n causas de pedir. Efeito preclusivo só se verifica aqui no domínio pouco importante das questões secundárias ou instrumentais».[20] Cfr, entre outros, Acórdãos do STJ, de 27.05.2021 (proc. n.º 29/12.6TBPTL.G2.S1);  de 11.03.2021 (proc. n.º 1299/17.9T8LRA.C1.S1); de 06.01.2020 (proc. n.º 428/17.7T8FLG-A.P1.S1); de 08.10.2019 ( proc. n.º 998/17.0T8VRL.G1.S1); de 30.04.2019 (proc. nº 4435/18.4T8MAL.S1); de 28.03.2019 (proc. n.º 6659/08.3TBCSC.L1.S1); de 12.02.2019 (proc. n.º 654/13.8TBPTL.G1.S1); de 27.09.2018 (proc. n.º 10248/16.0T8PRT.P1.S1); de 08.03.2018 (proc. n.º 1158/14.7TVLSB.L1.S1); de  30.11.2017 (proc. n.º 3074/16.9T8STR.S1); de 05.12.2017 (proc. n.º 1565/15.8T8VFR-A.P1.S1); de 05.09.2017 (proc n.º 6509/16.7T8PRT.P1.S1); de 10.12.2015 (proc. n.º 1990/07.8TBAGD.C1.S1), e de 29.05.2014 (proc. n.º 1722/12.9TBBCL.G1.S1).
[21] In “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, Julgar Online, novembro de 2018.
[22] In “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 2ª Ed., Lisboa, 1997, págs. 585 e 586.
[23] No artigo intitulado ““Preclusão e caso julgado”, versão “05.2016”, in www.academia.edu, fls. 20.
[24] No mesmo sentido, cfr. Rui Pinto in “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, Julgar Online, novembro de 2018.
[25] Todos acessíveis in www.dgsi/stj.pt.