Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
031007
Nº Convencional: JSTJ00004105
Relator: EDUARDO COIMBRA
Descritores: REVELIA
JULGAMENTO
RECURSO
PROCESSO DE POLICIA CORRECCIONAL
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ196304030310073
Data do Acordão: 04/03/1963
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR IºS 26-04-1963 ; BMJ 126 , 297
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 5/1963
Área Temática: DIR PROC PENAL.
Legislação Nacional: CPP29 ARTIGO 564 PAR5 N2 ARTIGO 565 ARTIGO 569 ARTIGO 571 PAR3 ARTIGO 579 ARTIGO 580 ARTIGO 639 PAR2 PAR10 ARTIGO 646 N6 ARTIGO 669.
CP886 ARTIGO 360 N1.
CCJ62 ARTIGO 169 PAR3.
CPC61 ARTIGO 137 ARTIGO 763 N4.
DL 42756 DE 1959/12/23.
D 22627 DE 1933/06/06.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO RL DE 1962/03/16.
ACÓRDÃO RL PROC5876 DE 1958/11/12.
Sumário :
O disposto na parte final do primeiro periodo do paragrafo 2 do artigo 639 do Codigo de Processo Penal não e aplicavel ao reu ausente julgado em processo de policia correccional, quando se tenha prescindido de recurso.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, em sessão de Tribunal Pleno:

No 2 Juizo do tribunal da comarca de Almada foi julgado em processo de policia correccional, a revelia e com observancia do preceituado nos artigos 569 e 564 do Codigo de Processo Penal, o reu A, acusado da autoria do crime de ofensas corporais voluntarias, previsto e punivel pelo artigo 360, n. 1, do Codigo Penal, e não foram escritos os depoimentos por não se haver declarado expressamente que não se prescindia de recurso, em harmonia com o disposto naquele artigo 569.
Julgada procedente a acusação, foi o reu condenado na pena de 90 dias de prisão, substituida por igual periodo de multa, e em 15 dias de multa, uma e outra a razão de 10 escudos por dia, ou seja na global de 1050 escudos, e no imposto de justiça minimo.
Efectuada a competente liquidação e prestada pela secretaria a informação de o reu não possuir bens que pudessem ser executados, nem possibilidade de pagar o imposto de justiça, promoveu o magistrado do Ministerio Publico que esse imposto fosse declarado inconvertivel em prisão, nos termos do artigo 169, paragrafo 3, do Codigo das Custas Judiciais, então em vigor; e que a pena de multa fosse convertida em 105 dias de prisão, e se passassem e lhe fossem entregues os respectivos mandados de captura.
O meretissimo juiz declarou inconvertivel em prisão o imposto de justiça; mas, por o reu ter respondido a revelia, entendeu que o prazo para pagamento das multas em que foi condenado so decorria da notificação da sentença condenatoria, nos termos dos artigos 564, paragrafo 5, n. 2, e 639, paragrafo 2, do Codigo de Processo Penal, não havendo lugar a conversão em prisão antes do pagamento se não mostrar feito no decendio posterior aquela data - citado artigo 639, paragrafo 10, a execução imediata, a que se refere o artigo 579 do mesmo Codigo, e apenas execução patrimonial. Por estas razões, indeferiu a conversão em prisão das multas em que o reu foi condenado.
Desse despacho recorreu o Ministerio Publico, mas o Tribunal da Relação de Lisboa, pelo acordão de folhas 119, proferido em 16 de Março de 1962, confirmou-o, negando assim provimento ao recurso.
O excelentissimo Procurador da Republica junto dessa Relação veio então recorrer extraordinariamente para este Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 669 do ja referido Codigo, por desse acordão não poder interpor-se recurso ordinario - n. 6 do artigo 646 do mesmo diploma - com o fundamento de estar em oposição com o acordão de 12 de Novembro de 1958, proferido por essa mesma Relação no recurso penal n. 5876, 2 secção, de que juntou copia, sobre a mesma materia de direito, ou seja a aplicação do paragrafo 2 do ja citado artigo 639 aos processos de policia correccional em que a sentença, proferida a revelia, e definitiva por se haver prescindido de recurso.
Admitido o recurso, foi pelo acordão de folhas 138 reconhecida a evidente oposição entre os dois acordãos, sobre a mesma materia de direito.
Seguindo o recurso os seus termos, e por o magistrado recorrente ja haver alegado no sentido de demonstrar a existencia de oposição entre dois acordãos apresentou o excelentissimo Ajudante do Procurador-Geral da Republica junto da Secção Criminal deste Supremo Tribunal o douto parecer de folhas 143 sobre o objecto do recurso, no qual sustenta dever solucionar-se o conflito de jurisprudencia no sentido de a norma do citado paragrafo 2 do artigo 639 não ser aplicavel aos processos de policia correccional em que a sentença, proferida a revelia e definitiva por se haver prescindido de recurso.
Tudo visto e ponderado:
E de presumir o transito em julgado do acordão de 12 de Novembro de 1958, junto por copia a folhas 125 e invocado em oposição - n. 4 do artigo 763 do Codigo de Processo Civil; tanto ele como o acordão recorrido foram proferidos em processos diferentes e no dominio da mesma legislação; e não era possivel interpor recurso ordinario para este Supremo Tribunal de Justiça, por se tratar de processo de policia correccional - n. 6 do artigo 646 do Codigo de Processo Penal.
A oposição entre os dois acordãos, sobre a mesma materia de direito, e manifesta.
Esta consiste, como ja se referiu, em saber se o preceito do paragrafo 2 do artigo 639 desse Codigo e aplicavel ao reu julgado a revelia em processo de policia correccional quando se haja prescindido de recurso, so podendo, consequentemente, converter-se em prisão a multa em que foi condenado se, decorrido o decendio apos a notificação ao reu da sentença proferida, o pagamento dessa multa não se mostrar efectuado; ou se, sendo o reu julgado naquelas circunstancias, e inaplicavel o aludido preceito, podendo, por isso, fazer-se a imediata conversão da multa em prisão, independentemente da notificação da sentença proferida.
Enquanto no acordão recorrido se decidiu no sentido da aplicação do aludido preceito, no invocado em oposição julgou-se não ser o mesmo aplicavel.
E essa a questão de direito diversamente decidida nos dois acordãos, cumprindo, por isso, a este Supremo Tribunal fixar sobre ela a jurisprudencia.
No julgamento dos processos de reus ausentes, se a sentença e absolutoria, considera-se geralmente a decisão como definitiva, pois que se o reu foi absolvido estando ausente, por maioria de razão o seria se estivesse presente.
Mas, quando a sentença e condenatoria, em regra não devera ser definitiva, uma vez que o reu, comparecendo, pode destruir a prova em que se alicerçou a a condenação, explicando e contrariando os factos que lhe eram imputados.
Por isso, a lei concede-lhe dois meios para reagir contra a decisão condenatoria: a faculdade de recorrer ou de requerer novo julgamento.
Este meio, porem, e limitado ao processo de querela, e no caso de condenação em pena maior - paragrafo 3 do artigo 571 do Codigo de Processo Penal, na redacção do Decreto-Lei n. 42756, de 23 de Dezembro de 1959.
O legislador quis evitar, o mais possivel, a instabilidade dos julgados, que resultaria da faculdade ampla de requerer novo julgamento; de resto, isso redundaria na inutilidade do primeiro julgamento quando a decisão fosse condenatoria.
De igual modo, a faculdade de recorrer não se justifica quando o proprio defensor do reu dela prescinda.
Assim, o legislador, na alteração feita pelo Decreto n. 22627, de 6 de Junho de 1933, ao primitivo artigo 565 do Codigo de Processo Penal, ao tornar extensivo o julgamento a revelia tambem aos acusados em processo de policia correccional - que esse Codigo não previa -
- preceituou que os depoimentos so seriam escritos quando o representante da acusação ou da defesa declarasse expressamente que não prescindia de recuso.
A sentença era, por isso, definitiva, se essa declaração não fosse feita.
Mais tarde, o Decreto-Lei n. 42756, de 23 de Dezembro de 1959, dando nova redacção ao artigo 569 do referido Codigo, manteve o julgamento a revelia no aludido processo e com a mencionada particularidade.
Foram os expedientes de toda a ordem, usados pelos acusados nessa forma de processo, para se subtrairem ao julgamento, que levaram o legislador a adoptar tambem a relação ao processo de policia correccional o julgamento a revelia, consoante se mostra dos relatorios desses diplomas legais.
Ora, o paragrafo 2 do artigo 639 do Codigo de Processo Penal não sofreu ainda qualquer alteração, mantendo por isso a redacção primitiva, que lhe foi dada quando não havia julgamentos a revelia no processo de policia correccional.
E quando neste a sentença e definitiva, por não se declarar que não se prescinde de recurso, não se descortina qualquer razão para que se faça a notificação a que esse preceito alude.
Seria uma diligencia sem sentido util, que contrariaria o principio geral, formulado no artigo 137 do Codigo de Processo Civil, em harmonia com o qual não e licito realizar no processo actos inuteis.
Somente serviria para os reus, usando das mesmas habilidades com que procuravam evitar o julgamento, diligenciarem subtrair-se a notificação.
E nem se pretenda que, procedendo-se a conversão do imposto de justiça ou da multa em prisão, independentemente da notificação da sentença ao reu, ficam diminuidas as garantias deste.
Assiste-lhe o direito de efectuar o pagamento, tanto antes como depois da prisão, evitando-a ou fazendo-a cessar.
De resto, o artigo 579 do Codigo de Processo Penal preceitua qua a sentença condenatoria proferida a revelia contra reus ausentes executar-se-a desde logo quanto a multa, imposto de justiça, indemnização e quaisquer outras quantias em que o reu for condenado.
Não se exclui, na execução de imposto de justiça e da multa, a sua conversão em prisão.
E desde que a lei não faz essa restrição, não e licito ao interprete faze-la, designadamente quando ha razões para que assim se não proceda, como sucede quando a sentença e definitiva.
O confronto desse preceito com os do artigo 580 e paragrafo 10 do artigo 639 não conduz necessariamente a conclusão de se tratar unicamente de execução patrimonial.
Acresce que o artigo 569 manda observar no julgamento a revelia dos acusados em processo de policia correccional o disposto no artigo 564 e seus paragrafos; ora, no n. 2 do paragrafo 5 deste artigo prescreve-se que "a sentença sera lida publicamente em em audiencia e sera notificada ao reu, logo que seja preso ou se apresente voluntariamente em juizo".
Deste modo, a notificação da sentença ao reu, mesmo em processo de policia correccional, e feita posteriormente a sua prisão ou apresentação voluntaria em juizo.
A lei não preve, em nenhum dos casos de julgamento a revelia, a notificação do reu antes da sua prisão ou apresentação em juizo. Por isso, na interpretação do estabelecido no paragrafo 2 do artigo 639, ha que atender ao que se dispõe no n. 2 do paragrafo 5 do artigo 564, sob pena de ficarem esses preceitos em colisão.
E este ultimo preceito, aplicavel em todas as formas de processo, e expresso quanto ao momento em que deve ser efectuada a notificação da sentença ao reu.

No sentido que fica exposto ja havia opinado o Conselheiro Luis Osorio - Comentario ao Codigo de Processo Penal Portugues, volume 6, paginas 280 e 281 -
- interpretando o paragrafo 2 do artigo 639 de forma a permitir a conversão em prisão quando a sentença seja definitiva ou transitada em julgado.
A diligencia da notificação so deve ser feita quando tenha algum significado e alguma utilidade.
Não se compreenderia que a execução duma sentença legalmente definitiva devesse aguardar a diligencia de notificação, praticamente vazia de sentido e de conteudo util.
O conflito de jurisprudencia tem, por isso, de solucionar-se considerando inaplicavel o preceito do paragrafo 2 do artigo 639 do Codigo de Processo Penal.
Nessa conformidade se formula o seguinte assento:
O disposto na parte final do primeiro periodo do paragrafo 2 do artigo 639 do Codigo de Processo Penal não e aplicavel ao reu ausente julgado em processo de policia correccional, quando se tenha prescindido de recurso.
Não e devido imposto.


Lisboa, 03 de Abril de 1963

Eduardo Coimbra (Relator) - F. Toscano Pessoa - Barbosa Viana - Amorim Girão - Bravo Serra - Jose Osorio - Cura Mariano - Alberto Toscano - Arlindo Martins - Jose Meneses - Fragoso de Almeida - Abreu Lobo.