Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
200/12.0TBCBT.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: BERNARDO DOMINGOS
Descritores: VALOR DA CAUSA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
DECISÃO QUE NÃO PÕE TERMO AO PROCESSO
COMPETÊNCIA DO RELATOR
REVISTA EXCEPCIONAL
REVISTA EXCECIONAL
FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR
Data do Acordão: 02/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONFIRMAR A DECISÃO RECLAMADA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / DECISÕES QUE COMPORTAM REVISTA.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª Edição, p. 311;
- Castro Mendes, Direito Processual Civil, Lições Policopiadas de 1972, III, p. 296;
- Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, 2.ª Edição, 3.º Volume, p. 703.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 671.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 07-07-2010, PROCESSO N.º 6385/08.3TBSTB.E1.S1;
- DE 28-04-2014, PROCESSO N.º 473/10.3TBVRL.P1-A.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 18-09-2014, PROCESSO N.º 630/11.5TBCBR.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 28-05-2015, PROCESSO N.º 1340/08.6TBFIG.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 22-02-2017, PROCESSO N.º 586/14.2T8PNF-K1-A.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Não tendo sido alterado o valor de € 500 indicado no requerimento inicial, é de considerar que é esse o valor da causa, o que impede a admissão da revista normal e da revista excepcional.

II - Versando a revista sobre decisão interlocutória, a admissibilidade do recurso é ainda prejudicada pelo facto de não se verificarem os pressupostos prevenidos pelo n.º 2 do art. 671.º do CPC.

III - Constatando-se a falta de verificação dos requisitos gerais de admissão da revista mencionados em I e em II e sendo certo que a intervenção da formação de apreciação preliminar só deve ocorrer se o recurso lograr passar esse crivo, não merece censura a decisão do relator que não admitiu a revista excepcional.

Decisão Texto Integral:

Inconformados com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, vieram os interessados AA, BB, CC e DD interpor recurso de revista normal e subsidiariamente recurso de revista excepcional. Nas contra-alegações EE, suscitou a questão da inadmissibilidade do recurso, por se verificar uma situação de dupla conforme. Apesar disso o Sr. Desembargador relator resolveu admitir a revista.

 Uma vez que a questão da admissibilidade da revista já havia sido suscitada na 2ª instância e as partes tiveram oportunidade de a discutir, dispensou-se a sua audição e passou-se de imediato a apreciar tal questão, tendo o relator concluído pela inadmissibilidade dos recursos de revista (normal e excepcional).

Notificados desta decisão vieram os recorrentes reclamar para a conferência com a seguinte argumentação:

«…1 - Por Decisão Singular, de que ora se reclama, o Venerando Conselheiro Relator decidiu não admitir as revistas interpostas, a normal, a título principal, e a excepcional, a título subsidiário.

2 - As recorrentes vêm reclamar da mesma para a Conferência, suscitando a reapreciação de quatro questões essenciais, que, sumariamente, têm a ver com o valor do processo de inventário; o valor da sucumbência; a não verificação de dupla conforme; e a competência da Formação para a decisão quanto à verificação dos pressupostos da revista excepcional, em conformidade com o disposto no número 3 do artigo 672º do C. P. Civil.

3 - Quanto à primeira questão sumariada, decorre da Decisão Singular que "vistos os autos verifica-se que o valor da acção é o que foi indicado no requerimento inicial ou seja €500,00", porque "este valor nunca foi alterado embora o pudesse ter sido nos termos do disposto no artigo 299° nº 4 do CPC, designadamente na sentença homologatória da partilha ou no momento da subida do recurso (artº 306º nº 2 e 3 do CPC)".

4 - O valor do presente inventário, porém, é objectivamente o que resulta do mapa de partilha homologado pela sentença recorrida, ou seja €62.431,70, precisamente o valor final da herança a partilhar por óbito do inventariado FF.

5 - Este entendimento é sustentado por Lopes Cardoso, in Partilhas Judiciais, Volume III, 1980, 3ª edição, pag. 214 e seguintes e sufragado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, no processo 3845/12.STBVIS.Cl, in www.dgsi.pt, com o seguinte sumário:

I - O inventário tem vários valores, sendo de considerar tal processo como um processo em que a utilidade económica do pedido só se define na sequência da acção, aplicando-se, pois, o estatuído no artigo 308°, nº 3 do CPC (ou 299, nº 4 do NCPC).

II - Nos inventários o valor inicialmente aceite (provisório) será corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários, sem necessidade de ser proferido qualquer despacho para corrigir tal valor.

6 - Não obstante o valor de €500,00 dado no requerimento inicial, não será a esse valor que terá de atender-se para efeitos de admissibilidade do recurso, resultando do mapa de partilha o valor da herança a partilhar (€62.431,70), superior à alçada do Tribunal da Relação de que se recorre (€30.000,00), pelo que nada obsta ao conhecimento dos recursos de revista, interpostos a título principal e subsidiário.

7 - Aplicando-se, in casu, no momento da instauração do inventário, o CPC na versão anterior à introduzida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, a questão do valor do inventário será assim decidida, à luz da legislação anterior e também do Novo C. P. Civil, sendo de arredar, liminarmente, a aplicação do Regime Jurídico do Processo de Inventário, aprovado pela Lei nº 23/2013, de 05 de Março - cfr. Acórdão referido.

8 - No domínio do CPC anterior, o Tribunal da Relação de Coimbra pronunciou-se no sentido de que "o inventário tem, efectivamente, vários valores, sendo de considerar tal processo, como se infere da fundamentação da decisão recorrida, um processo em que a utilidade económica do pedido só se define na sequência da acção, aplicando-se, pois, o estatuído no artigo 308º, nº 3, do CPC. Sucede, até, que, para se considerarem esses diversos valores, não é necessário ir proferindo sucessivos despachos a fixá-los" - cfr. Acórdão referido.

9 - O entendimento explanado, nos termos do mesmo Acórdão, é de adoptar também, "mutatis mutandis", no âmbito do NCPC, "maxime", por aplicação do disposto no seu artigo 299º, número 4, de teor igual ao do anterior nº 3 do artigo 308° do antigo CPC.

10 - Quanto à questão em apreço, Lopes Cardoso, na obra referida, explanou o entendimento vindo de referir, afirmando o seguinte: « ... enquanto nas causas de igual valor se considera fixado no que as partes acordaram ou no que o juiz considerou conforme à realidade nos precisos termos do art. 315.-2 do Cód. Proc. Civil, relativamente ao processo de inventário não é assim que as coisas se processam.

Desde sempre se teve como idóneo que o valor do inventário, para respeito da regra que manda determiná-lo «pela utilidade económica imediata» ( art. 305º-1 ), haverá de coincidir com o dos bens a partilhar ( ... ). Ora, este valor só a sequência do processo consentirá surpreendê-lo, pois o mecanismo do inventário (avaliações, licitações, etc.) está justamente orientado no sentido da valorização rigorosa deles, pressuposto necessário da igualação de lotes e repartição equitativa do património hereditário.

Fruto de meros conceitos doutrinários ( ... ) e jurisprudenciais ( ... ) este princípio foi proposto para ser objecto de regra de direito positivo no momento em que, por alturas de 1961, se procedeu à reforma processual ( ... ). E hoje decorre líquido do art. 308°-3 do Cód. Proc. Civil vigente, preceito que só não reproduz ipsis verbis o texto proposto pela Comissão Revisora pelas razões sucintamente alinhadas na revisão ministerial ( ... ).

Temos, pois, que nos inventários «o valor inicialmente aceite será corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários» ( ... ).

Esta regra suscita três considerações: - a primeira implica que o valor inicialmente aceite é meramente provisório; a segunda que, contra o que pode surpreender-se da sua gramática, não é forçoso proferir qualquer despacho para corrigir tal valor, mercê da sequência do processo; e a última que esses elementos atendíveis os irá fornecendo sucessivamente o processo consoante as várias fases que vão ocorrendo no decurso da sua tramitação.».

11 - No momento em que foram interpostos os recursos de revista normal e excepcional, esta a título subsidiário, o valor da herança aberta por óbito de FF

, apurado no mapa de partilha, excede a alçada do Tribunal da Relação recorrido, cabendo assim recurso de revista, atendendo ao valor da acção, para o Supremo Tribunal de Justiça, independentemente de o valor provisório inicial se mostrar ou não corrigido por despacho, por proferir ou a proferir.

12 - Em conclusão, sendo o valor do inventário igual ao da herança a partilhar por óbito de FF, no valor de €62.431, 70, apurado no mapa de partilha, muito superior ao da alçada do Tribunal da Relação recorrido (€30.000,00) cabe recurso de revista do Acórdão da Relação de Guimarães, independentemente de o valor provisório inicial se mostrar ou não corrigido por despacho judicial, verificando-se assim o primeiro requisito de admissibilidade do recurso de revista normal previsto no número 1 do artigo 629º do C. P. Civil.

13 - No que concerne à segunda questão, que tem a ver com o valor da sucumbência, nos termos do supra referido preceito adjectivo, a decisão impugnada terá que ser desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada do Tribunal recorrido, portanto superior a €15.000,00.

14 - Na presente acção de inventário, sendo o valor da herança a partilhar de €62.431,70, a soma do valor dos quinhões de todas as recorrentes é de €25.932,38 = (€7.409,25 + €7.409,25 + €7.409,25 + €3.704,64), bastante superior àquele, preenchendo-se assim o segundo requisito de admissibilidade do recurso de revista normal interposto para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça.

15 - Como ensina Lopes Cardoso, na referida obra, a folhas 229 e seguintes, "sabido que os bens da herança indivisa respondem colectiva­mente pela satisfação dos respectivos encargos (Cód. Civil, artigo 2097°) e que só a efectuação da partilha conduz à responsabilidade proporcional dos herdeiros na respectiva parte (idem, art. 2098º-1 ), segue-se que a indivisão gera a indivisibilidade do interesse sempre que esteja em crise a constituição da própria herança e sua repartição pelos interessados".

16 - Assim, havendo dissenção quanto à forma da partilha, que tem a ver com o direito de as recorrentes, todas não licitantes, requererem a composição, em substância, dos seus quinhões, nos termos do número 2 do artigo 13 77º do Código de Processo Civil, havendo excesso de bens legados e licitados, mesmo que só uma das requerentes tivesse recorrido, a decisão de recurso aproveitaria a todos os interessados na partilha, havendo quanto a todos indivisibilidade do interesse inerente à indivisão da herança, daí que o valor da sucumbência seria igual ao valor do inventário.

17 - Em suma, o valor da sucumbência, entendido como a soma dos interesses das recorrentes ou como a soma indivisível de todos interessados na partilha da herança indivisa, será sempre superior a metade do valor da alçada do Tribunal da Relação, de cujo Acórdão as recorrentes recorrem, interpondo, a título principal, revista normal, estando assim preenchido o segundo requisito de admissibilidade a que alude o número 1 do artigo 629º do CPC.

18 - A terceira questão de que reclama para a Conferência tem a ver com a não verificação de dupla conforme, que seria impeditiva do recurso de revista normal, por força do disposto no número 3 do artigo 671 ° do C. P. Civil;

19 - Só não é admitida revista do Acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1 ª instância, mas entendemos não ser esse o caso do presente recurso de revista normal.

20 - Não concordamos com a fundamentação da Decisão Singular reclamada, que, a este propósito, expressa o entendimento de que "no caso dos autos a fundamentação do acórdão recorrido é quase idêntica à da sentença, apenas reforça os argumentos naquela invocados, sem nada inovar", concluindo que "assim sendo é indiscutível que estamos perante uma situação de dupla conforme impeditiva do acesso a um terceiro grau de jurisdição".

21 - Como bem considerou o Venerando Desembargador Relator do Tribunal da Relação recorrido, no despacho de admissão do recurso de revista normal interposto pelas interessadas apelantes, ... "de facto, a fundamentação do acórdão recorrido é substancialmente diversa da fundamentação da sentença da 1 ª instância.

22 - Na súmula do Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo 1340/08.6TBFIG.C1.S1, in www.dgsi.pt, relatado pelo Venerando Conselheiro Lopes do Rego, "só pode considerar-se existente - no âmbito da apreciação da figura da dupla conforme no NCPC (2013) - uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada - ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença preferida em 1 ª instância".

23 - Como resulta das conclusões II e III, quanto à decisão do Tribunal de 1ª instância, e da conclusão V do recurso de revista normal interposto, o Acórdão recorrido assentou em fundamentação essencialmente diferente da que havia fundamentado o Tribunal de 1 ª Instância as decisões apeladas, porque assente, de modo radical e até inovatório, em normas e institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que foram utilizados na decisão proferida pelo Tribunal de 1 ª instância.

24 - Com efeito, enquanto o Tribunal de 1 ª instância partiu do pressuposto errado de que a quota da cabeça-de-casal na presente herança é de €79 .667, 12, para concluir à saciedade que a mesma não licitou em mais verbas do que as necessárias para preenchimento da sua quota, negando o direito requerido pelas recorrentes de requererem, ao abrigo do disposto no número 2 do artigo 13 77º do CPC, a composição dos seus quinhões em bens, sendo todas não licitantes, o Tribunal da Relação recorrido nega às apelantes o direito de requererem a composição, em substância, do seu quinhão, socorrendo-se do preceituado no número 2 do artigo 2174 º do C. Civil, alterando o valor dos quinhões, em consequência da redução do legado e, por via do instituto do "abuso de direito, previsto no artigo 334º do C. Civil, por excederem as requerentes manifestamente os limites impostos pela boa-fé, na modalidade de venire contra factum proprium, por aceitarem receber em dinheiro a sua quota parte do dinheiro sonegado, com a inovadora e criativa interpretação de que, com tal recebimento criaram na cabeça-de-casal a legitima expectativa de que pagaria o valor das tomas em dinheiro, isto antes das licitações serem efectuadas.

25 - Em suma, não se verifica dupla conforme, que impeça a admissibilidade da revista normal interposta e admitida pelo Tribunal recorrido.

26 - Por último, se assim não se entendesse, o que por mera cautela de patrocínio de concebe, sem conceder, as recorrentes interpuseram, a título subsidiário, recurso de revista excepcional, com fundamento na alínea a) do número 1 do artigo 672º do C. P. Civil.

27 - Preceitua o número 3 do referido artigo que "a decisão quanto à verificação dos pressupostos referidos no nº 1 compete ao Supremo Tribunal de Justiça, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes escolhidos anualmente pelo presidente de entre os mais antigos das secções cíveis".

28 - O recurso de revista excepcional, interposto a título subsidiário, para acautelar divergências interpretativas quanto à dupla conforme, foi interposto directamente para o Supremo Tribunal de Justiça, não sendo sequer objecto de despacho de admissão a proferir pelo Tribunal recorrido.

29 - A Decisão Singular reclamada decidiu "não admitir nenhuma das revistas, quer a normal, quer a excepcional".

30 - Competindo, porém, ao Supremo Tribunal de Justiça a decisão quanto à verificação dos pressupostos referidos no número 1, de que depende a revista excepcional, deve a mesma ser objecto de apreciação preliminar sumária a cargo da formação a que alude o número 3, ambos do artigo 672º do C. P. Civil.

31 - Em suma, a não ser recebida a revista normal interposta, recebimento que se pretende lograr com a presente reclamação para a Conferência, que a decidirá por Acórdão, deverá, nesse caso, ser revogada a decisão de não admissão da revista excepcional interposta, a título subsidiário, remetendo-se o processo à referida formação, para apreciação preliminar sumária, tendo como objecto a verificação do pressuposto da alínea a) do artigo 672º do C. P. Civil, nos termos do seu número 3.

Nestes termos, e nos mais de direito, que por Vossas Excelências, Venerandos e Sábios Conselheiros, em Conferência, proficientemente, serão supridos, deve ser revogada a Decisão Singular reclamada e admitir-se e decidir-se o recurso de revista normal interposto, ou, se assim não se entender, revogar-se a Decisão Singular de não admissão da revista excepcional, interposta a título subsidiário, remetendo-se a mesma à formação a que alude o número 3 do artigo 672º do C. P. Civil, a quem compete apreciar, preliminar e sumariamente, os pressupostos da sua admissibilidade, tudo com as legais consequências».

Não houve resposta da parte contrária.

A decisão reclamada teve a seguinte fundamentação:

«…Nos termos do disposto no art.º 629º nº 1 do CPC, o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do Tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse Tribunal, atendendo-se em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa. O nº 2 e 3 enunciam as excepções a esta regra, sendo que a situação dos autos não integra nenhuma dessas excepções.

Vistos os autos verifica-se que o valor da acção é o que foi indicado no requerimento inicial ou seja €500,00. Este valor nunca foi alterado embora o pudesse e devesse ter sido nos termos do disposto no art.º 299º nº 4 do CPC, designadamente na sentença homologatória da partilha ou no momento da subida do recurso (art.º 306º nº 2 e 3 do CPC).  Sendo assim e considerando «que o valor da alçada há-de ser encontrado, inexoravelmente, através do valor da ação fixado no momento em que ele é interposto o recurso»[1] nem sequer seria admissível o recurso de apelação, quanto mais um recurso de revista!

Acontece porém que o recurso de apelação foi admitido e conhecido, por certo por se ter entendido que o valor indicado pelos apelantes de €9.479,67, era o correcto e, a ser assim, o recurso seria admissível! A verdade é que o valor da acção não era esse. Mas mesmo admitindo que fosse esse o valor da acção nunca seria admissível recurso de revista normal nem excepcional, porquanto não só a acção não tinha valor superior à alçada do Tribunal da Relação como não ocorria o segundo pressuposto de admissibilidade do recurso, qual seja o da sucumbência ser superior a metade da Alçada do tribunal de que se recorre. Na verdade no caso o valor da sucumbência é o indicado pelos recorrentes como valor do recurso ou na melhor das hipóteses para eles, o valor da redução da liberalidade apurado na sentença e no acórdão recorrido, no montante de €10.149,43. Em qualquer dos casos tal valor é inferior a metade da alçada do tribunal da relação e consequentemente o recurso nunca poderá ser admitido.

Por outro lado e como bem salientam os recorridos no caso verifica-se também uma situação de dupla conforme, na medida em que a Relação confirmou sem voto de vencido e sem argumentação essencialmente diversa a sentença da 1ª instância.

Este Supremo Tribunal de Justiça tem observado repetidamente que, para afastar o obstáculo da dupla conforme, impeditivo do recurso de revista (nº 3 do artigo 671º do Código de Processo Civil de 2013), não basta que a sentença e o acórdão da Relação que a confirme por unanimidade, apresentem fundamentação diferente; exige-se que essa diferença seja essencial.

Cfr., a propósito, e a título de exemplo, os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Abril de 2014 (www.dgsi.pt, proc. nº 473/10.3TBVRL.P1-A.S1), de 18 de Setembro de 2014 (www.dgsi.pt, proc. nº 630/11.5TBCBR.C1.S1), ou de 28 de Maio de 2015 (www.dgsi.pt, proc. nº 1340/08.6TBFIG.C1.S1, dos quais se retira que “só pode considerar-se existente – no âmbito da apreciação da figura da dupla conforme no NCPC (2013) – uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1.ª instância” (acórdão de 28 de Maio de 2015).

No caso dos autos a fundamentação do acórdão recorrido é quase idêntica à da sentença, apenas reforça os argumentos naquela invocados, sem nada inovar. Assim sendo é indiscutível que estamos perante uma situação de dupla conforme impeditiva do acesso a um terceiro grau de jurisdição».


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Cumpre apreciar e decidir.

Analisando a decisão reclamada e a reclamação, diremos que aquela merece a inteira concordância deste colectivo e consequentemente os argumentos aduzidos na reclamação não merecem provimento. Na verdade os fundamentos da decisão reclamada são correctos e a decisão de não admissão dos dois recursos de revista – normal e excepcional- é acertada e conforme à jurisprudência deste Tribunal, reafirmada no acórdão proferido pela formação a que alude o nº 3 do art.º 672º do CPC, no processo nº º255/10.2TMCBR-A.C1.S1, relatado pelo aqui 1º adjunto onde, apreciando situação idêntica à dos presentes autos e ante argumentos igualmente idênticos aos produzidos pelo reclamante se decidiu o seguinte:

« O valor inicialmente indicado como provisório nunca foi alterado por decisão do tribunal.

Entende a recorrente, com citação de conceituados autores e alguma jurisprudência, que nos processos de inventário, a alteração do valor é automática, não carecendo de decisão que a contenha.

O disposto no n.º4 do artigo 299.º (anterior artigo 308.º, n.º4) abrange os processos de inventário.

Assim, por força do n.º2 do artigo 306.º (anterior n.º2 do artigo 315.º) nestes processos o valor da causa é fixado na sentença.

O Senhor Juiz que a proferiu devia tê-lo feito e não o fez.

Se não o fez, incorreu nesta parte em nulidade.

Como se vê do próprio artigo 615.º, n.º4 e correspondendo a entendimento que vem de muito longe – cfr-se Castro Mendes, Direito Processual Civil, Lições Policopiadas de 1972, III, 296, com seguimento em Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, 2.ª ed., 3.º volume, 703 – esta, e outras, nulidades são verdadeiras anulabilidades.

Não tendo a parte reagido, consideram-se sanadas.

E, sanado o vício, não podemos lançar mão doutro valor».

Mas a revista normal sempre seria legalmente inadmissível, não só pelos fundamentos constantes do despacho reclamado, mas também porque a decisão da Relação que apreciou o recurso de apelação versou sobre uma decisão interlocutória da 1ª instância e não sobre uma decisão de mérito. Assim o recurso de revista apenas seria admissível (verificados que estivessem todos os outros pressupostos, o que não acontece) nas circunstâncias previstas no nº 2 do art.º 671º do CPC e que manifestamente não se verificam.

Quanto à questão da decisão de não admissão da revista excepcional, por parte do relator, também não merece censura. Com efeito a intervenção da formação prevista no nº 3 do art.º 672º do CPC, só ocorre se o recurso tiver passado o crivo da verificação dos requisitos gerais de admissibilidade do recurso de revista[2] [3]e esta verificação é da competência do relator (art.º 652º , ex vi do art.º 679º do CPC). No caso sub judicio, esses requisitos gerais não ocorrem. Desde logo, a causa não tem valor para permitir o recurso de revista e o valor da sucumbência também não o permite. Por outro lado o recurso versa sobre um acórdão da Relação que apreciou uma decisão interlocutória da 1ª instância e como tal em regra não admite recurso de revista. A revista nestes casos só será admissível nas situações previstas nas al. a) e b) do nº 2 do art.º 671º do CPC. Ora essas situações não foram invocadas nas alegações e não se vislumbra a sua existência.


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Concluindo


 Deste modo e pelo exposto, acorda-se em negar provimento à reclamação e confirmar a decisão reclamada.

Custas pelo reclamante.

Notifique.

Lisboa em 7 de fevereiro de 2019.

Bernardo Domingos (Relator)

João Luís Marques Bernardo

António Abrantes Geraldes

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[1] Ac. do STJ de 22-02-2017, proc. nº 586/14.2T8PNF-K1-A.S1, relatado pelo Cons. António Gonçalves e disponível in www.dgsi.pt..

[2] Cfr. Abrantes Geraldes  in Recursos no Novo Código de Processo Civil,  2ª ed. Pag. 311, nota 2.

[3] Neste sentido vide Ac. do STJ de 7/7/10, revista nº 6385/08.3TBSTB.E1.S1, relatado por Salazar Casanova.