Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
235/09.0TTVNG.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: TRABALHO TEMPORÁRIO
NULIDADE DA ESTIPULAÇÃO DO TERMO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
CATEGORIA PROFISSIONAL
RETRIBUIÇÃO
Data do Acordão: 09/25/2014
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADAS AS REVISTAS
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL.
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO - PRESTAÇÃO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO TEMPORÁRIO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA - RECURSOS.
Legislação Nacional:
ACORDO COLECTIVO DE TRABALHO ENTRE A RÁDIO E TELEVISÃO DE PORTUGAL, SGPS, S. A., E OUTRAS, E O STT – SINDICATO DOS TRABALHADORES DE TELECOMUNICAÇÕES E COMUNICAÇÕES AUDIOVISUAL E OUTROS, PUBLICADO NO BTE, 1.ª SÉRIE, N.º 16, DE 29 DE ABRIL DE 2006.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 8.º, N.º3, 217.º, N.º1, 342.º, N.º1, 349.º, 351.º, 1152.º, 1154.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º2, 663.º, N.º2, 679.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT), APROVADO PELA LEI N.º 99/2003, DE 27 DE AGOSTO: - ARTIGOS 3.º, N.º1, 10.º, 121.º, N.OS 1, ALÍNEA D), E 2, 131.º, N.º4, 132.º, 150.º, 151.º, N.º1.
CONTRATO DE TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGOS 97.º, 181.º, N.º2.
DECRETO-LEI N.º 358/89, DE 17 DE OUTUBRO – LTT - (ENTRETANTO REVOGADO PELA LEI N.º 19/2007, DE 22 DE MAIO), ALTERADO PELAS LEIS N.OS 39/96, DE 31 DE AGOSTO, 146/99, DE 1 DE SETEMBRO, E 99/2003, DE 27 DE AGOSTO: - ARTIGOS 2.º, 9, N.º 1, 11.º, N.ºS 1 E 4, 18.º, N.º1, 19.º, N.ºS 1, 2, 3, 5, 20.º, N.º 9, 23.º.
REGIME JURÍDICO DA CESSAÇÃO DO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO E DA CELEBRAÇÃO E CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO A TERMO, APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 64-A/89, DE 27-02: - ARTIGOS 41.º - A, 42.º, N.º3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 28 DE MAIO DE 2014, PROCESSO N.º 234/09.2TTVNG.P1.S1, DA 4.ª SECÇÃO.
Sumário :
1. Embora sejam nulos os termos apostos nos contratos de trabalho temporário celebrados pelo trabalhador, tal nulidade não gera a respectiva vinculação laboral ao utilizador, antes determina que os contratos de trabalho temporário firmados se considerem sem termo, entre o trabalhador e a empresa de trabalho temporário.

2. Tendo o trabalhador exercido as suas funções sem horário fixo e sempre após ser auscultado sobre a sua disponibilidade em relação a cada uma das intervenções concretas que lhe eram propostas, cuja realização podia recusar, só por elas sendo remunerado, sem nunca lhe ter sido paga qualquer contrapartida nos dias em que não trabalhou e podendo prestar actividade a terceiros, é de concluir que não logrou provar que a relação contratual revestiu a natureza de contrato de trabalho.

3. Não coincidindo a categoria atribuída ao trabalhador com as tarefas realmente executadas, a atracção há-de ser feita para a categoria correspondente a estas funções, isto é, às de editor de imagem do nível de desenvolvimento II, assistindo ao trabalhador o direito à atribuição daquela categoria profissional.

4. Iniciado o contrato de trabalho, em 12 de Maio de 2008, o trabalhador auferirá, no primeiro ano de exercício de funções, uma remuneração correspondente a 85% da remuneração respeitante ao respectivo nível salarial.
Decisão Texto Integral:


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                    I

              1. Em 26 de Fevereiro de 2009 (e não «2008» como, por lapso, consta no carimbo de entrada aposto na petição inicial), no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia, 2.º Juízo, AA veio instaurar acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra RTP – RÁDIO E TELEVISÃO DE PORTUGAL, S. A., pedindo: a) que se declare nula a respectiva contratação sob o regime de trabalho temporário, seja pela inexistência de contratos de utilização, seja pela invalidade dos mesmos, seja pela sua permanência ao serviço da ré por período superior a dez dias entre os sucessivos contratos de utilização; b) a condenação da ré a reconhecê-lo como trabalhador subordinado, no âmbito de um contrato de trabalho, com início em Setembro de 2003.

Subsidiariamente, para o caso de se julgar válida a contratação sob o regime de trabalho temporário, pede a condenação da ré: i) a reconhecê-lo como trabalhador subordinado no âmbito de contrato efectivo, com início em Outubro de 2004, e, por via disso, a condenação da ré a pagar-lhe indemnização por férias não gozadas, no valor equivalente ao triplo das remunerações a que teria direito, subsídios de férias e subsídios de Natal vencidos e não pagos, respeitantes aos anos de 2004, 2005, 2006, 2007, proporcionais de 2008 e acréscimo de remuneração por isenção de horário, no valor global de € 30.977,10, acrescidos dos correspondentes juros de mora, à taxa legal, desde a citação; ii) a reclassificá-lo, com efeitos a Maio de 2008, na categoria profissional de editor de imagem, no Nível de Desenvolvimento II A, escalão de vencimento 23, a que corresponde a retribuição base de € 1.297; iii) a pagar-lhe, a título de diferenças salariais, a quantia de € 5.262, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até efectivo pagamento; iv) a comunicar à Caixa Geral de Aposentações a respectiva remuneração base, a partir de Maio de 2008, a considerar para cálculo da pensão de aposentação, pagando as devidas diferenças; v) a pagar-lhe as remunerações vincendas, na base da retribuição peticionada, calculadas sobre as retribuições salariais por ele auferidas, desde a data da propositura da acção e até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida.

A ré contestou, alegando, em síntese, não ter mantido com o autor qualquer relação contratual de trabalho subordinado até Maio de 2008, sendo que, no período entre Outubro de 2003 a Setembro de 2004, a actividade daquele foi-lhe prestada em regime de trabalho temporário válido e, no período subsequente a Outubro de 2004, a contratação do autor ocorreu, ocasionalmente, em regime de prestação de serviço, para fazer face a acréscimos pontuais de actividade. Mais invocou: que os créditos reclamados, vencidos até 19 de Setembro de 2004, prescreveram; que, no período subsequente, tem de se considerar abusiva a atitude do autor em vir negar um vínculo contratual que expressamente aceitou; que se deve considerar que os honorários acordados com o autor integram o valor de tudo o que lhe é devido, incluindo férias, subsídio de férias e de Natal; que não resulta da matéria de facto que a pretendida falta de gozo de férias tivesse ocorrido por facto que lhe seja imputável; e, ainda, que o autor não tem direito a qualquer ajustamento da categoria profissional.

O autor respondeu à excepção de prescrição invocada pela ré.

Após o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré: i) a ver declarada a nulidade da contratação sob o regime de trabalho temporário e a reconhecer o autor como seu trabalhador subordinado no âmbito de um contrato de trabalho efectivo, desde Outubro de 2003; ii) a ver julgada improcedente a excepção de prescrição invocada; iii) a reclassificar, a partir de Maio de 2008, o autor na categoria de editor de imagem, nível II A com a retribuição mensal correspondente à prevista, para essa categoria, no AE em vigor, no valor de € 2.297; iv) em consequência, a pagar-lhe as diferenças salariais entre Maio de 2008 até à data da propositura da acção no valor de € 5.262, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, bem como a pagar-lhe as remunerações vincendas com base na retribuição mensal prevista no AE para a referida categoria e nível profissional, absolvendo a ré quanto ao mais peticionado.

2. Irresignada, a ré interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, que julgou o recurso parcialmente procedente, tendo revogado «a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré a ver declarada a nulidade da contratação sob o regime de trabalho temporário e a reconhecer o A. como seu trabalhador subordinado no âmbito de um contrato de trabalho efetivo, desde Outubro de 2003», e, no mais, mantendo, em parte, a sentença recorrida, condenou «a Ré a reclassificar o A., desde o dia 12/05/2008, na categoria de Editor de Imagem com o Nível de Desenvolvimento II A, bem como a pagar-lhe todas as diferenças salariais vencidas e vincendas desde aquela data até ao trânsito em julgado [da decisão], correspondentes à diferença entre os valores efetivamente pagos e a remuneração mensal prevista na regulamentação coletiva aplicável, que à data e durante o primeiro ano de exercício era de 85% dessa remuneração, no montante de € 1.102 […] mensais, acrescendo a essas diferenças juros de mora desde o primeiro dia subsequente à data de vencimento de cada uma das prestações em falta, até integral pagamento, à taxa legal, tudo a liquidar em execução de sentença».

É contra esta deliberação que o autor se insurge, mediante recurso de revista, no qual formula o subsequente núcleo conclusivo:

              «I.   A decisão recorrida, na parte em que julgou que não se estabeleceu entre as partes contrato de trabalho no período que mediou entre Outubro de 2003 e Maio de 2008, não deve manter-se pois consubstancia uma solução que não consagra a justa aplicação das normas e princípios jurídicos competentes.
               II.   Os motivos constantes nos contratos de trabalho temporário e nos contratos de utilização — acréscimo excepcional da actividade da empresa — são falsos, não tendo qualquer correspondência com a realidade.
              III.  A contratação do Recorrente não foi para fazer face a um acréscimo excepcional de trabalho, mas antes para responder a uma necessidade permanente da Recorrida quanto aos serviços de edição de imagem.
              IV.  A aquisição do novo canal implicou a criação de novos programas para serem emitidos nessa estação, NTV; houve necessidade de pessoal para trabalhar nesse novo canal, mas já não resultou demonstrado que, com a aquisição do novo canal de televisão, a grelha dos outros canais já detidos pela Recorrente, nomeadamente, a RTP1 fosse reestruturada e tivessem sido criados novos programas para serem emitidos nos outros canais!
               V.   O Recorrente não trabalhou só para o canal NTV, mas trabalhou, de igual modo, para a RTP1, detida pela Recorrida há largas décadas e em programas emitidos há muitos anos.
              VI.  O Recorrente desempenhou funções nos programas “...” e “...” os quais são emitidos diariamente, com excepção dos fins-de-semana — vd. ponto 13 dos factos dados como provados — pela RTP1, o que constitui facto notório.
             VII.  Acresce que a Recorrida colocou o Recorrente a desempenhar funções em programas desportivos, os quais eram exibidos pelo canal RTP1 e não pela NTV ou RTPN!
           VIII.  Como se pode constatar dos contratos juntos a fls. dos autos e da materialidade dada como assente no ponto 12 dos factos dados como provados, o trabalho que o Recorrente desempenhou para a NTV e RTPN está identificado como tal: “emissão dos programas da NTV1”, “emissão dos programas da RTPN” e o trabalho que desempenhou para os outros canais surge identificado pelo nome do programa!
             IX.   O Recorrente não trabalhou em exclusivo para a NTV, bem pelo contrário, desempenhou funções no canal RTP1, detido pela Recorrida há largas décadas e em programas emitidos há muitos anos, pelo que a sua contratação não foi para acorrer a necessidades criadas com a aquisição da NTV!
              X. Aceitar que o acréscimo de trabalho com os programas da NTV pudesse justificar a colocação do Recorrente, para trabalhar noutros canais, detidos pela Recorrida há décadas, e em programas emitidos há largos anos, seria permitir a contratação ao abrigo do trabalho temporário para necessidades permanentes e fixas da empresa utilizadora, o que [é] absolutamente ilegal!
             XI.   As necessidades de pessoal, motivadas pela aquisição do novo canal, [iniciaram-se] em 2002 e assim se mantiveram e mantêm na presente data!
            XII.   Não é crível, como parece resultar do acórdão recorrido, que a Recorrida fosse adquirir um canal de televisão à experiência, ignorando se o mesmo fosse dar ou não resultados!
           XIII.  O que não colide com os factos constantes dos pontos 81 e 82 dos factos assentes, pois a evolução deste canal de televisão, passando do pendor regionalista para nacional pode ter sido realizado por fases e de modo progressivo, no entanto, tal só reforça que, à data da contratação do Recorrente, esses objectivos de crescimento já eram conhecidos, e ditados até, pela Recorrida, pelo que esta bem sabia, ab initio, que iria necessitar de um quadro permanente e fixo de trabalhadores como o Recorrente, o que efectivamente se verificou!
           XIV.  Devem, pois, ter-se como inverídicos os motivos invocados nos contratos de trabalho temporário e nos de utilização, em manifesta violação do disposto nos artigos 9.º n.º 1 e 19.º, n.º 1, b), do DL 358/89.
            XV.   Considerando que, para além do mais, os motivos apostos nos contratos de utilização e nos de trabalho temporário são falsos e que os contratos de trabalho temporário são nulos (como determinou, o Venerando Tribunal a quo), recai sobre o trabalhador o direito de optar pela entidade com a qual pretende vincular-se.
           XVI.  No caso presente, tendo ficado demonstrado que foi a Recorrente quem convidou o Recorrido para lhe prestar trabalho — e não a empresa de trabalho temporário — e que após a cessação do regime de trabalho temporário, este se manteve a trabalhar para aquela, exercendo as mesmas funções, o vínculo só se poderia consolidar com a Recorrente!
          XVII.  Deve ser revogado o acórdão recorrido e considerar-se o Recorrente como vinculado à Recorrida, por contrato de trabalho sem termo com início em Outubro de 2003.
         XVIII. O que verdadeiramente distingue o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviç[o] é a forma como o trabalhador exerce a sua actividade, residindo a diferença na subordinação jurídica, ou autonomia.
           XIX.  Em face da diversidade de matizes que podem assumir as situações em concreto, a doutrina e a jurisprudência têm elaborado um conjunto de indícios que, perspectivados de acordo com um juízo de globalidade e aproximação, levam a concluir pela natureza de determinado contrato.
            XX.   Desse modo, são indícios da subordinação jurídica: execução da prestação em local definido pelo empregador; vinculação a um horário de trabalho; controlo externo; hierarquia; obediência a ordens; dedicação exclusiva à actividade; sujeição às regras institucionais; à disciplina da empresa; utilização dos meios e dos instrumentos de trabalho do credor na realização da prestação; integração da actividade do devedor numa organização de meios definida exclusivamente pelo beneficiário; retribuição em função do tempo de trabalho; observância dos regimes fiscal e de segurança social próprios do regime de trabalho por conta de outrem.
           XXI.  Limitou-se o acórdão recorrido a afastar a qualificação do contrato de trabalho apenas por causa de três indícios — a suposta autonomia do Recorrente traduzida na “liberdade” em aceitar as propostas de trabalho oferecidas pela Recorrida, a forma de retribuição do trabalho do Recorrente e o modo como a Recorrida exercia o controlo sobre a actividade prestada pelo Recorrente — efectuando, todavia, uma leitura desconforme à realidade e à materialidade dada como assente, pois também estes indícios, no nosso entender, apontam para a existência de contrato de trabalho.
          XXII.  No que respeita à forma como o trabalho do Recorrente era estabelecido pela Recorrida e à possibilidade que aquele tinha em aceitar os serviços que esta lhe propunha (ponto 85 dos factos dados como provados), resultou demonstrado que elaborados previamente os horários pela Recorrida, os mesmos eram comunicados ao Recorrente, que ia trabalhar nos dias por aquela indicados — ponto 30 dos factos assentes.
         XXIII. O Recorrente só não trabalhou mais dias, porque a Recorrida não quis.
        XXIV.  Não se pode ignorar o vertido no ponto 53 dos factos assentes, isto é, que a Recorrida impôs que o Recorrente não trabalhasse mais do que onze dias por mês!
         XXV.   Desse modo, com o intuito de camuflar essa imposição, tentando que transparecesse a existência de um contrato de prestação de serviç[o], a Recorrida permitia que o Recorrente, e todos os colaboradores erradamente integrados como “recibos verdes”, pudessem indicar alguma indisponibilidade.
        XXVI.  A indicação das “indisponibilidades” tinha por fundamento a condicionante de que os “colaboradores” só podiam trabalhar até ao máximo de onze dias por mês.
       XXVII.  A prerrogativa concedida ao Recorrente e a todos os “colaboradores” não implicava que os mesmos tivessem o poder de indicar, livre e arbitrariamente, os dias em que não podiam ou não queriam trabalhar.
      XXVIII. Assim se compreende que o Recorrente só tenha trabalhado no máximo 11 dias por mês — cfr. ponto 94 dos factos provados.
        XXIX.  Acresce que ficou demonstrado que o Recorrente trabalhava nos dias e horas indicados pela Recorrida, sendo que nestes dias o Recorrente ficava com o seu tempo na disponibilidade da Recorrida, ou seja, nos dias e horas pré-fixados, ficava limitado a um verdadeiro horário de trabalho, o que é por demais revelador da existência de um contrato de trabalho!
         XXX.   Resultou demonstrado que a remuneração que a Recorrida pagava ao Recorrente resultava de valores parcelares e previamente estabelecidos, calculados por cada meio […] dia de trabalho, dia de trabalho, até catorze horas — cfr. ponto 48 dos factos dados como provados.
        XXXI.  A remuneração do Recorrente era fixa e mensal, independentemente da sua prestação ser mais ou menos conseguida ou do número de programas que executava, o que significa que a retribuição salarial correspondia à compensação pela sua disponibilidade.
       XXXII.  Se a Recorrida encobriu o Recorrente sob a capa da prestação de serviços, tinha, obviamente, os seus propósitos, [quais] sejam, não pagar os dias em que este não trabalhava, não pagar as férias, subsídio de férias e de Natal, e outros abonos, segurança social, ou seja escusar-se de todos os encargos e responsabilidades que advêm do facto de ter trabalhadores a seu cargo!
      XXXIII. Por outro lado, considerou o Tribunal recorrido que o facto do Recorrente poder prestar a sua actividade para terceiros, ainda que concorrentes da Recorrente, afasta a qualificação do vínculo como laboral, descurando, desse modo, o factualismo constante dos pontos 53 e 94 dos factos dados como assentes, ou seja, que a Recorrida impôs que o Recorrente não trabalhasse mais do que onze dias por mês!
     XXXIV.  Acresce que, atentos, quer o objecto social prosseguido pela Recorrida, quer a actividade prestada pelo Recorrente, no sector da edição de imagem, não têm cabimento as considerações tecidas no acórdão recorrido quanto ao suposto “desvio de clientela”!
      XXXV.   Do ponto 47 dos factos provados resulta inequivocamente que as fichas serviam para “controlar a efectiva prestação das tarefas”, do que resulta que a Recorrida controlava a assiduidade do Recorrente!
     XXXVI.  Nem se aceita o entendimento que, por se tratar de uma “verificação posterior” (a assinatura das fichas no final da jornada de trabalho) é distinta do controlo de assiduidade que é comum nas relações de trabalho, pois a actividade do Recorrente era prestada muitas vezes fora da sede da Recorrida (vd. ponto 45 dos factos assentes), pelo que só no final da jornada é que as fichas podiam ser assinadas pelo superior hierárquico.
    XXXVII.  Afigura-se ao Recorrente ter ficado demonstrado que este desempenhou as funções de editor de imagem em subordinação jurídica.
   XXXVIII. Deve, pois, ser reconhecido o Recorrente como trabalhador efectivo da Recorrida desde Outubro de 2003.
     XXXIX.  Considerando que o Recorrente tem um contrato de trabalho com a Recorrida desde Outubro de 2003, e que deve ser integrado no nível de desenvolvimento II A, com efeitos em Maio de 2008, e que nessa data não era nem estagiário nem o ano de 2008 era o primeiro ano de exercício de funções de editor de imagem, não se vislumbram motivos para reduzir o salário mensal do Recorrente a 85% do valor base da categoria, mas antes atribuir-lhe a remuneração por inteiro.
            XL.   Assim, deve ser alterado o acórdão proferido, na parte em que atribuiu ao Recorrente a retribuição salarial, com efeitos a partir de Maio de 2008, no montante mensal de 1.102,45 €, correspondente a 85% da retribuição base da categoria de editor de imagem, nível de desenvolvimento II A, devendo ser-lhe atribuída a retribuição por inteiro, em consonância com o disposto nos artigos 5.º, c) e 11.º, n.os 1 e 2 do ACT, 59.º, n.º 1, al. a) da CRP e artigo 263.º do Cód. Trabalho.
            XLI.  A decisão recorrida, na parte a que se restringe este recurso, violou as disposições legais constantes dos artigos 9.º n.º 1 e 19.º n.º 1 b) do DL 358/89, dos artigos 12.º e 263.º do Cód. Trabalho e do artigo 1154.º do Cód. Civil, artigos 5.º, c) e 11.º, n.os 1 e 2 do ACT e 59.º, n.º 1, al. a) da CRP, porquanto as mesmas não foram interpretadas e aplicadas com o sentido versado nas considerações anteriores.»

A ré contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado, relativamente ao segmento impugnado pelo autor, requereu, subsidiariamente, a ampliação do objecto do recurso, sustentando a procedência da excepção de prescrição invocada quanto aos créditos reclamados pelo autor respeitantes ao período entre Outubro de 2003 e Setembro de 2004, e interpôs revista subordinada, alinhando as seguintes conclusões:

              «I.   O douto Acórdão recorrido não merece qualquer reparo na parte em que revogou a sentença do Tribunal de 1.ª instância, carecendo de qualquer fundamento as críticas aduzidas pelo Autor/Recorrente.
               II.   Relativamente ao período entre Outubro de 2003 a Setembro de 2004, os argumentos do Autor, em particular o seu “ponto de discórdia” quanto à suposta inveracidade dos “fundamentos invocados para a contratação sob o regime de trabalho temporário” partem de um juízo interpretativo totalmente viciado, não fazendo qualquer sentido.
              III.  A seguir a lógica argumentativa do Autor, a Ré/Recorrida teria ou deveria ter um quadro de pessoal para o canal NTV/RTPN e um outro quadro de pessoal, diferente, para os outros canais, o que não só é contrário às regras da experiência comum, como não atende à circunstância de a atividade da Ré, com o novo canal, ser exatamente a mesma que esta prosseguia com os outros canais que já detinha.
              IV.  A contratação do Autor ao abrigo do regime de trabalho temporário foi devidamente justificada pelo “acréscimo excecional, extraordinário, de atividade” em termos globalmente considerados, conforme resulta da factualidade apurada, e tal como concluiu o douto Acórdão recorrido: “é inegável que se tratou de um acréscimo excecional, extraordinário de atividade. Do que se tratou, no fundo, (...) foi da aquisição de um novo canal de televisão, que era um canal regional e foi transformado num canal de abrangência nacional, com difusão diária, durante vinte e quatro horas”.
               V.   A emissão deste novo canal teve, pois, de ser “alimentada” com “novos programas, novos conteúdos, novas grelhas”, o que, óbvia e naturalmente, gerou um incremento da atividade da Ré e o consequente destacamento de trabalhadores afetos aos demais canais para este novo canal, criando a necessidade de contratações excecionais para a acudir a maiores fluxos de trabalho na empresa.
              VI.  A argumentação do Autor enferma de vício interpretativo inconciliável com a realidade dos factos e, acima de tudo, com [a] análise temporal que se impõe sobre essa mesma realidade, a qual tem e deve ser aferida à luz do momento em que [a] sua contratação no regime de trabalho temporário se processou.
             VII.  Acresce ainda que “a colaboração do Autor com a Ré, no período em análise, é intermitente”, conforme claramente resulta dos contratos de trabalho temporário celebrados pelo Autor, sendo manifesta a ausência de um padrão e/ou de uma qualquer regularidade padronizada nas colaborações prestadas por aquele.
           VIII.  Por sua vez, as exigências legais quanto à fundamentação do motivo justificativo dos contratos de trabalho temporário e dos contratos de utilização de trabalho temporário são distintas, sendo que eventuais invalidades do motivo justificativo dos contratos de trabalho temporário não são responsabilidade do utilizador, neste caso da Ré, mas da Empresa de Trabalho Temporário (no caso, a BB), conforme resulta claro do art. 18.º, n.º 5 da Lei 358/89, de 17/10 (e sucessivas alterações — “LTT”). Acresce que as disposições do contrato de trabalho a termo certo e a respetiva remissão que é efetuada pelo art. 20.º, n.º 9 da LTT aplicam-se somente no âmbito dos contratos de trabalho temporário e não aos contratos de utilização de trabalho temporário, inexistindo qualquer norma na LTT que, por força da aplicação remissiva da referida disposição dos contratos a termo, determine, como consequência, a conversão do contrato em contrato por tempo indeterminado com o utilizador.
             IX.   Assim, ainda que, sem conceder, se entenda que os contratos de trabalho temporário padecem de nulidade, esta não acarreta, de forma alguma, a nulidade dos contratos de utilização de trabalho temporário celebrados entre a Ré e a empresa de trabalho temporário, já que constituindo este último contrato o suporte do correspondente contrato de trabalho temporário, a inversa já não é verdadeira, pelo que derivando a nulidade deste, tal nulidade não poderá afetar o primeiro.
              X. A cominação para a falta de indicação concreta dos motivos que justificam a celebração do contrato de trabalho temporário tem como efeito que tal contrato se convola em contrato sem termo entre as partes celebrantes do mesmo contrato, isto é, entre o Autor e a BB (cfr. Ac. Relação Lisboa de 7/312007).
             XI.   Muito bem andou o Venerando Tribunal recorrido ao concluir pela inexistência de “fundamento jurídico para considerar que entre o A. e a R. se estabeleceu qualquer contrato de trabalho sem termo, no período temporal em apreço”, improcedendo, assim e por completo, as conclusões do Autor.
            XII.   Mesmo que assim não se entenda, o que se equaciona por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que os direitos do Autor referentes ao período de colaboração entre outubro de 2003 e setembro de 2004 — rectius, reconhecimento de antiguidade respeitante ao período em causa —, estariam prescritos, pois, conforme e muito bem se decidiu no douto Acórdão recorrido, a colaboração do Autor com a Ré a partir de Outubro de 2004 não revestiu, de forma alguma, natureza laboral, mas sim de prestação de serviç[o] — questão que à cautela e subsidiariamente se suscita.
           XIII.  Relativamente ao período entre Outubro de 2004 a Maio de 2008, em que a questão em causa se prende com a existência de um contrato de trabalho ou de prestação de serviç[o], é inquestionável que a douta Decisão recorrida fez uma corretíssima apreciação do Direito face à factualidade apurada.
           XIV.  Com base no método indiciário, pacificamente aceite para aferição da subordinação jurídica (entendida como critério diferenciador das duas figuras contratuais) e que implica uma análise e ponderação global dos diversos indícios (cada um deles com pesos relativos distintos), é forçoso concluir-se que:
            XV.   Conforme se retira dos pontos 44, 87, 96 e 97 da factualidade apurada, os indícios relativos ao local da prestação e à propriedade dos equipamentos decorrem da própria natureza dos serviços a prestar pelo Autor à Ré, não assumindo qualquer relevância para a qualificação da relação contratual estabelecida entre as partes como sendo de natureza laboral. Atendendo à natureza da atividade televisiva da Ré e dos serviços a prestar pelo Autor no âmbito dessa atividade, é evidente que tais serviços só poderiam ser prestados nos locais onde fossem produzidos e realizados os programas televisivos e com os equipamentos da Ré, dado o seu custo e necessária compatibilização com os demais equipamentos.
           XVI.  Os pontos 85, 87, 88, 89, 90 e 91 da factualidade apurada denotam uma autonomia por parte do Autor na organização dos seus tempos de atividade e no relacionamento profissional com a Ré muito pouco compatível com a heterodisponibilidade que caracteriza o contrato de trabalho.
          XVII.  O facto de os serviços a prestar pelo Autor se compreenderem num determinado período temporal (para além de somente serem definidos após o Autor confirmar a sua disponibilidade), resulta da natureza da atividade televisiva da Ré e dos serviços a prestar por aquele, não consubstanciado qualquer horário de trabalho, nem assumindo qualquer relevo na aferição da subordinação jurídica, conforme paralelo que se estabelece com os doutos Acórdãos deste Supremo Tribunal de 22/04/2009 e 12/01/2012.
         XVIII. Da conjugação dos pontos 26, 47, 48 e 86 da factualidade apurada resulta que a remuneração do Autor estava dependente da efetiva prestação de serviços por parte daquele, constituindo esta forma de remuneração um elemento caracterizador do regime de prestação de serviç[o] e não de uma relação de trabalho subordinado.
           XIX.  Do facto de o Autor “prestar a sua atividade a terceiros, sem qualquer oposição da Ré”, o que importa destacar é a liberdade que aquele dispunha de prestar atividade a terceiros “mesmo que concorrentes da Ré”, circunstância esta totalmente atípica nas relações de trabalho subordinado e característica do regime de prestação de serviç[o].
            XX.   As considerações do Autor mostram-se alicerçadas em virtualidades sem qualquer correspondência com a realidade factual, não se vislumbrando, refira-se, qual a sustentabilidade para a afirmação de um suposto controlo de assiduidade através das fichas de trabalho, quando o que resultou apurado foi que as “fichas” eram “uma forma de a Ré contratar a efetiva prestação de tarefas e os honorários a pagar”.
           XXI.  As conclusões da Autor improcedem in totum, não havendo quaisquer dúvidas de que o Venerando Tribunal a quo fez uma correta apreciação da factualidade apurada e uma acertada aplicação do Direito, devendo, por isso, a douta Decisão, no que ao objeto do recurso interposto pelo Autor diz respeito, ser integralmente mantida.
        XXII. Por lógica decorrência, improcedem as conclusões do Autor quanto ao nível salarial a partir de Maio de 2008.
        RECURSO SUBORDINADO
        XXIII.  No entanto, quanto a este último ponto — da reclassificação profissional — a douta decisão merece reparo, por incorreta apreciação dos factos e das correspondentes normas aplicáveis, devendo ser revogada por decisão que considere o enquadramento profissional do Autor no nível de desenvolvimento I A desde Maio de 2008.
        XXIV.  Desde logo, o Venerando Tribunal a quo desconsiderou que foi o próprio Autor que, ao sustentar o pedido de reclassificação profissional, mencionou que só se deveria ter em consideração as tarefas por si exercidas a partir de Maio de 2008, sendo assim claro, até para o próprio, que não houve qualquer solução de continuidade no relacionamento entre as partes.
         XXV.   Além disso, conforme resulta dos elementos dos autos, a Ré expressamente propôs ao Autor a “atribuição da categoria profissional de Editor de Imagem e enquadramento no Nível de Desenvolvimento I A”, tendo, por sua vez, o Autor declarado que aceitava “sem qualquer reserva, os termos e condições” apresentados (vide doc. 7 junto com a p.i.).
        XXVI.  Deste facto resulta uma manifestação inequívoca de vontade e concordância por parte do Autor relativamente ao enquadramento profissional atribuído, bem como o conhecimento e consciência quanto a este ponto. Acresce que, no contrato de trabalho, não consta uma qualquer referência à prévia colaboração mantida entre as partes, não constando, igualmente, dos autos que o Autor tivesse reclamado da integração no Nível de Desenvolvimento I A, nem qualquer facto que tivesse viciado a vontade por si declarada aquando da celebração do contrato de trabalho.
       XXVII.  Com o devido respeito, a conclusão do Venerando Tribunal a quo, no sentido de que a Ré “anuiu à realização dessa atividade nos termos que ficaram provados”, vislumbrando “nessa atitude, uma manifestação de vontade tácita no sentido de concordar que o A. continuasse a desempenhar a respetiva atividade nesses moldes”, assenta num manifesto equívoco, pois não houve uma qualquer solução de continuidade, muito menos estabelecida tacitamente entre as partes.
      XXVIII. À luz das regras previstas no ACT RTP (BTE n.º 22, 1.ª série, de 15.07.2007 — cláusulas 10.ª, n.os 1 e 3 e 11.ª, n.º 1 e do Modelo de Carreiras previsto no Anexo II-A), a passagem de Nível de Desenvolvimento para Nível seguinte ocorre por promoção, tendo em conta o efetivo exercício de funções e uma avaliação anual de desempenho realizada pelas respetivas chefias, isto é, por mérito no desempenho das funções, conforme resulta do “Modelo de Avaliação de Desempenho”, junta aos autos como doc. n.º 1 com a contestação, bem como dos pontos 100 e 101 da factualidade assente, aspetos estes erradamente desconsiderados pelo Venerando Tribunal a quo.
       XXIX.   Por sua vez, atendendo ao âmbito funcional da categoria de editor de imagem previsto no ACT RTP e ao descritivo funcional respetivamente previsto para os Níveis de Desenvolvimento I e II, é forçoso concluir-se que da factualidade apurada não resulta que o Autor, em Maio de 2008, desempenhava efetivamente funções e tarefas correspondentes ao descritivo funcional correspondente ao Nível II A da categoria de Editor de Imagem, matéria esta que lhe incumbia demonstrar nos termos do artigo 342.º, 2 do Código Civil, enfermando, assim, a decisão proferida de claro erro de análise.
         XXX.   Para além da factualidade apurada não conter a contextualização temporal das tarefas e funções desempenhadas pelo Autor após ter entrado para os quadros da Ré, os factos considerados pelo Venerando Tribunal a quo não consubstanciam o desempenho de funções e tarefas enquadráveis e em conformidade com as exigências previstas no Nível de Desenvolvimento II, decorrendo tais factos somente do âmbito funcional previsto para a categoria de Editor de Imagem.
        XXXI.  Não ficaram minimamente apuradas as efetivas exigências e tarefas executadas pelo Autor no manuseamento dos equipamentos indicados na factualidade apurada e na emissão dos respetivos programas, sendo que só assim se poderia enquadrar tais funções no correspondente descritivo funcional.
      XXXII.   O Autor não logrou demonstrar, nem sequer alegou, quais as concretas funções e tarefas por si desempenhadas e executadas que implicaram a “realização de trabalho técnico e criativo para a ilustração visual e sonora de textos e programas”. Assim como não logrou demonstrar, nem sequer alegou quais as concretas funções e tarefas por si desempenhadas e executadas que implicaram a “análise e interpretação de directrizes genéricas traçadas por Jornalistas, Produtores e Realizadores”, conforme vem exigido no Nível Desenvolvimento II.
     XXXIII.  Este aspeto funcional, ao nível de execução e desempenho de tarefas, é que efetivamente distingue o Nível de Desenvolvimento II do Nível 1. Por muitos equipamentos manuseados pelo Recorrido e por muitos programas em que tivesse colaborado, do acervo factual apurado não resulta que tivesse implicado da parte daquele a realização de trabalho técnico e criativo.
     XXXIV.  Acresce que, contrariamente do que entendeu o Venerando Tribunal recorrido, do acervo factual não resulta qualquer facto de que o Recorrido possuísse “conhecimentos técnico-‑funcionais para atuar com autonomia e assegurar o controle de qualidade dos sinais de vídeo e áudio, procedendo à sua regulação e valorização”. Com efeito, em nenhum momento se demonstrou ou alegou que as funções de operador de videotape, de Moving Picture Box, de Live Slow Motion e de Avid Media Composer correspondem a uma exigência criativa e a um nível de autonomia técnico correspondente ao Nível de Desenvolvimento II.
      XXXV.   Da análise da factualidade assente não é possível determinar quais as características das tarefas em causa, de modo a que seja percetível quais as razões que levam a considerar o Autor como corretamente enquadrado no Nível de Desenvolvimento II, sendo evidente que não ficou demonstrada a “concepção de grafismos”, nem a coordenação da “atividade de trabalhadores de menor qualificação”, tal como vem previsto e exigido no Nível de Desenvolvimento II.
     XXXVI.  Pelo exposto, é forçoso concluir-se que da factualidade apurada não resulta demonstrado que o Recorrido em Maio de 2008 (e desde então) desempenhava e realizava funções e tarefas com o grau de exigência funcional, criativo, autónomo, concetivo e coordenativo condicente com o Nível de Desenvolvimento II.
    XXXVII.  A Decisão proferida enferma, assim, de erro de análise, cuja devida correção impõe a sua revogação, por violação das normas previstas nos artigos 111.º, 150.º e 151.º do Código do Trabalho de 2003 e das normas previstas no ACT-RTP, e a consequente absolvição da Ré dos correspondentes pedidos.»

O autor não respondeu à ampliação do âmbito do recurso independente, nem às alegações pertinentes ao recurso de revista subordinado interposto pela ré.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta concluiu que as revistas deviam ser negadas, parecer que, notificado às partes, não obteve resposta.
3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede:

                Se padece de nulidade a contratação do autor, no período entre Outubro de 2003 e Setembro de 2004, mediante contrato de trabalho temporário, devendo considerar-se o autor vinculado à ré, por contrato de trabalho sem termo, a partir de Outubro de 2003 (conclusões I a XVII e XLI, na parte atinente, da alegação do recurso de revista do autor);
                Se estão prescritos os direitos reclamados pelo autor relativos ao período compreendido entre Outubro de 2003 e Setembro de 2004 (conclusão XII da contra-alegação da ré, em sede de ampliação do âmbito do recurso);
                Se, entre Setembro de 2004 e Maio de 2008, vigorou entre as partes uma relação contratual de trabalho subordinado (conclusões XVIII a XXXVIII e XLI, na parte atinente, da alegação do recurso de revista do autor);
                Se o autor não tem direito à reclassificação, desde 12 de Maio de 2008, na categoria de editor de imagem, com o nível de desenvolvimento II A (conclusões XXIII a XXXVII da alegação do recurso subordinado da ré);
                Se o autor tem direito à retribuição base, por inteiro, atinente à categoria de editor de imagem, nível de desenvolvimento II A, desde Maio de 2008 (conclusões XXXIX a XLI, na parte atinente, da alegação do recurso de revista do autor).

Preparada a deliberação e realizado o julgamento, tendo o relator primitivo ficado vencido quanto ao deliberado no concernente à 4.ª questão acima explicitada, o primeiro adjunto vencedor foi designado para elaborar o acórdão.

                                              II

1. O tribunal recorrido deu como provados os factos seguintes:
1) O A., bacharel em Tecnologia da Comunicação Audiovisual pelo Instituto Politécnico do Porto, é editor de imagem, planeando, concebendo e executando as acções necessárias ao registo, reprodução, tratamento e edição vídeo e áudio, com equipamentos de produção e pós-produção e bem assim, controla os níveis técnicos dos sinais de vídeo e áudio e assegura a harmonização das sequências dos conteúdos;
2) A Ré é por todos conhecida como uma sociedade anónima de capitais públicos, que se dedica à radiodifusão televisiva;
3) No exercício da actividade de editor de imagem, o A. executa as operações necessárias ao registo, reprodução e à edição de peças para notícias ou programas, assegura a comutação, recepção e encaminhamento das fontes de sinal, sendo responsável pelo controlo de qualidade desses sinais, procedendo à sua regulação e valorização e à ilustração visual e sonora de textos e programas, acrescendo as tarefas de concepção de grafismos e efeitos especiais, operando na execução dessas funções sistemas de captura e de tratamento de imagem e de som;
4) Em Agosto de 2003, foi o A. contactado pela Ré, na pessoa de CC, funcionário desta, a fim de lhe prestar a actividade de Operador de Videotape, tal como era definida no AE da época, iniciando-a em Setembro seguinte;
5) Entre Setembro e Outubro de 2003, passou assim o A. a executar aquela actividade (agora denominada editor de imagem) para a Ré [redacção alterada pelo Tribunal da Relação];
6) O A. foi encaminhado pela Ré a celebrar contrato de trabalho temporário com a sociedade BB – Empresa de Trabalho Temporário, Unipessoal Lda., cujo objecto social consiste no recrutamento, planeamento e orientação de trabalhadores temporários [redacção alterada pelo Tribunal da Relação];
7) Sob pena de não o fazendo, o A. não poder desempenhar as funções de editor de imagem na R.T.P.;
8) [facto eliminado pelo Tribunal da Relação];
9) E assim se manteve o A. até Outubro de 2004;
10) Nesse período temporal, o A. outorgou sucessivos contratos de trabalho temporário, juntos sob o doc. n.º 1 a fls. 62 e segs., e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;
11) No mesmo período, o A. trabalhou para a Ré com a categoria de operador de imagem, com um vencimento enquadrado na Tabela Salarial do Acordo de Empresa em vigor na Ré, conforme recibos de vencimento emitidos pela BB, que estão juntos sob o doc. n.º 2 a fls. 138 e segs. e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;
12) Em todos os contratos de trabalho temporário celebrados consta, como motivo justificativo, o de acréscimo temporário ou excepcional de atividade, incluindo o devido a recuperação de tarefas ou da produção, com especificações referentes à emissão dos programas neles mencionados, designadamente à emissão dos programas «...», «...», emissão dos programas da RTPN (NTV) e bem assim de encontros desportivos;
13) A RTPN (extinta NTV) é um canal de televisão cujo sinal é difundido 24 horas por dia e os programas «...» e «...» são emitidos diariamente, com excepção dos fins-de-semana;
14) [facto eliminado pelo Tribunal da Relação];
15) [facto eliminado pelo Tribunal da Relação];
16) [facto eliminado pelo Tribunal da Relação];
17) Correspondentes aos contratos de trabalho temporário que o A. outorgou com a BB, foram outorgados entre esta e a Ré contratos de utilização desse trabalho temporário, cujas cópias foram juntas a fls. 398 a 458 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
18) [facto eliminado pelo Tribunal da Relação];
19) [facto eliminado pelo Tribunal da Relação];
20) Em Outubro de 2004, foi assinado, entre A. e Ré, o primeiro de sucessivos contratos intitulados de prestação individual de serviços [redacção alterada pelo Tribunal da Relação];
21) [facto eliminado pelo Tribunal da Relação];
22) [facto eliminado pelo Tribunal da Relação];
23) A. e Ré, por determinação desta, outorgaram um designado e inicial «Contrato de Prestação Individual de Serviços», apresentado pela Ré e assinado por ambas as partes e depois deste, uma sucessão de iguais documentos, cujas cópias de que o A. dispunha foram juntas sob o doc. n.º 3 a fls. 146 e segs. e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido [redacção alterada pelo Tribunal da Relação];
24) Nalguns dos contratos juntos não consta a indicação da duração dos mesmos e noutros não consta o valor da retribuição auferida pelo A.;
25) [facto eliminado pelo Tribunal da Relação];
26) A remuneração do A. era encontrada pelo pagamento da soma das valorizações, fixadas pela Ré, por cada meio dia de trabalho, um dia de trabalho e um dia mais doze horas de trabalho, conforme resulta das fichas de trabalho elaboradas pela Ré e assinadas por um responsável da empresa para cada mês e que estão juntas, a título exemplificativo, sob o doc. n.º 4 a fls. 179 e segs, dando-se o respectivo conteúdo aqui por integralmente reproduzido;
27) Todas as despesas com transportes eram custeadas pela Ré, bem como as refeições e alojamento fora do local de residência;
28) A Ré sempre forneceu ao A. os equipamentos utilizados no desempenho das suas funções e efectua a manutenção dos instrumentos de trabalho deste, através dos seus serviços técnicos;
29) [facto eliminado pelo Tribunal da Relação];
30) O horário do A. era, com antecedência, estabelecido pela Ré para cada mês — cfr. horários juntos sob o doc. n.º 5 a fls. 196 e segs. e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;
31) [facto eliminado pelo Tribunal da Relação];
32) No que respeita aos recibos de remuneração do A., a Ré exigia-lhe a forma dos designados «recibos verdes» — cfr. doc. n.º 6 a fls. 227 e segs. e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;
33) Se assim não fizesse, não lhe seria paga qualquer quantia retributiva;
34) A Ré sempre procedeu a retenções de I.R.S. nas remunerações do A.;
35) O A. nunca recebeu quaisquer remunerações a título de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal;
36) O A. trabalhou também em fins-de-semana, em dias feriados, de dia e de noite, não tendo um horário fixo;
37) Os horários que estavam estabelecidos pela Ré eram por vezes alterados ao longo do mês, havendo solicitação de outros serviços com 24 horas de antecedência, atendendo sobretudo a critérios e aos interesses da empresa;
38) À vontade do A., foi sempre de igual modo alheia, a escolha do equipamento para realização da sua atividade, cabendo à Ré o exercício de tal faculdade [redacção alterada pelo Tribunal da Relação];
39) [facto eliminado pelo Tribunal da Relação];
40) [facto eliminado pelo Tribunal da Relação];
41) Nas deslocações em trabalho, o A. utilizava geralmente veículos automóveis propriedade da Ré;
42) [facto eliminado pelo Tribunal da Relação];
43) Quando a Ré contrata um novo funcionário para a área do A., é a este, entre outros, que incumbe ministrar formação, quer quanto aos equipamentos utilizados (Live Slow Motion), quer no que concerne à explicação do modo de funcionamento dos estúdios;
44) É a Ré quem determina o local de trabalho onde deve ser realizada a actividade profissional do A., tendo como parâmetro o programa a efectuar [redacção alterada pelo Tribunal da Relação];
45) Local esse, que pode ser nas instalações da Ré, em Vila Nova de Gaia, como no exterior, o que aconteceu inúmeras vezes [redacção alterada pelo Tribunal da Relação];
46) Em deslocação alguma que o A. efectuou, recebeu este qualquer subsídio por impossibilidade de pernoitar no seu domicílio habitual;
47) No final de cada jornada de trabalho, a ficha do A. era assinada pelo Responsável Operacional de Serviço, sendo esta uma forma de a Ré controlar a efectiva prestação das tarefas e os honorários a pagar ao A. — cfr. doc. n.º 4 [redacção alterada pelo Tribunal da Relação];
48) A retribuição que a Ré pagava ao A., de Outubro de 2004 a Maio de 2008, era calculada segundo valores previamente estabelecidos, a saber:
– Por cada meio dia de trabalho, a quantia de € 75;
– Por cada dia de trabalho, a quantia de € 100;
– Até catorze horas de trabalho por dia, a quantia de € 125;
– Por mais de catorze horas de trabalho por dia, a quantia de € 150;
– Por cada trabalho em exterior, com uma refeição, a quantia de € 110;
– Por cada trabalho em exterior, com duas refeições, a quantia de € 120;
– Por trabalho que implique a condução de viatura da R., a quantia de € 15;
49) Após o A. ter apresentado candidatura ao concurso externo, aberto pela Ré, em Dezembro de 2007, foi seleccionado por esta — cfr. comunicação de selecção de candidatura junta sob o doc. n.º 8 a fls. 258 e seg. e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;
50) Em conformidade, e em 6 de Maio de 2008, A. e Ré celebraram formalmente contrato de trabalho —  cfr. contrato junto sob o doc. n.º 9 a fls. 265 e segs. e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido [redacção alterada pelo Tribunal da Relação];
51) [facto eliminado pelo Tribunal da Relação];
52) [facto eliminado pelo Tribunal da Relação];
53) Até Maio de 2008, o A. não trabalhava nunca mais do que onze dias por mês, por determinação da Ré que lhe foi comunicada [redacção alterada pelo Tribunal da Relação];
54) [facto eliminado pelo Tribunal da Relação];
55) O A. manteve a execução de funções idênticas às que desempenhava na Ré desde Setembro/Outubro de 2003, alargadas na área da edição e pós-produção  [redacção alterada pelo Tribunal da Relação];
56) Desde o início, o A. não detinha o controlo da sua atividade profissional de editor de imagem, na medida em que todos os parâmetros lhe eram alheios, designadamente e desde logo, os programas, o local em que os mesmos iriam decorrer, os dias em que iriam ter lugar, as horas em que se iriam realizar, os meios e os suportes técnicos utilizados;
57) No contrato celebrado em 6 de Maio de 2008, a Ré integrou-o na categoria de editor de imagem, nível de desenvolvimento I A, pagando-lhe 85% do salário correspondente a esta categoria — cfr. cláusula quarta do doc. n.º 9;
58) Na qualidade de editor de imagem, o A. executava e continua a executar as operações necessárias ao registo, reprodução e à edição de peças para notícias ou programas, assegura a comutação, recepção e encaminhamento das fontes de sinal, sendo responsável pelo controlo de qualidade desses sinais, procedendo à sua regulação e valorização e à ilustração visual e sonora de textos e programas, acrescendo as tarefas de concepção de grafismos e efeitos especiais, operando na execução dessas funções sistemas de captura e de tratamento de imagem e de som;
59) O A. executava e executa funções de operador de videotape, de moving picture box e de Live Slow Motion, executando actualmente também funções de edição com Avid Media Composer;
60) Como operador de videotape, o A. efectua tarefas ao nível da reprodução e de registo magnético de diversos formatos, tais como EVS/LSM, Videotape, sistema de Moving Picture Box e Quantel SQPlay, mais efectuando o endereçamento e teste de sinais através de matriz de vídeo e áudio, mesa de mistura vídeo e ainda de replays em Betacam SP, Betacam Digital e Live Slow Motion, tarefas que desempenhou e desempenha para a Ré nos seguintes programas:
a) ...;
b) ...;
c) …;
d) …;
e) …;
f) …;
g) …;
h) …;
i) …;
j) …;
k) …;
l) …;
m) …;
n) …;
o) …;
p) …;
q) …;
r) …;
s) …;
t) …;
61) Já como operador de Moving Picture Box e SQPlay, o A. manuseia a Quantel Moving Picture Box e Quantel SQPlay, tarefa que consiste na reprodução e encaminhamento de grafismo e vídeo, o que executa nos seguintes programas de informação:
a) …;
b) …;
c) ..;
d) …;
e) …;
f) …;
g) …;
h) …;
i) …;
j) …;
k) …;
l) …;
m) …;
n) …;
o) …;
p) …;
q) …;
r) …;
s) …;
62) Como operador de EVS/Live Slow Motion, o A. efectua a gravação digital para a sua posterior repetição na transmissão de replays, acrescendo a função de construção de sequências editadas de vídeos, o que executou e executa nos seguintes programas da R.:
a) Futebol: Primeira Liga, Taça de Portugal, Selecções, Liga dos Campeões, Taça UEFA, Torneios e Jogos Particulares;
b) Basquetebol;
c) Voleibol;
d) Andebol;
e) Hóquei em Patins: Campeonato Nacional, Liga dos Campeões;
f) Atletismo;
g) Natação;
h) Pólo Aquático;
i) Corfball;
j) Karting;
k) Rally Lisboa-Dakar (20…);
m) …;
n) ...;
o) ...;
p) …;
63) Graças à sua capacidade técnica e conhecimentos adquiridos, a Ré foi atribuindo ao A. trabalhos de maior responsabilidade, sublinhando-se o facto deste trabalhador possuir liberdade criativa que envolve a edição, concebendo grafismos e efeitos especiais, tendentes à ilustração visual e sonora de peças dos programas, trabalho que articula com produtores e realizadores;
64) Com a realização, a qual é responsável pela «forma» das peças do programa (aspecto visual), o A. colabora nos trabalhos no sentido de ver definidos os meios técnicos necessários para cada peça de programa e a planificação da mesma (tipo e duração de planos, assim como a forma de ligação entre os mesmos);
65) Em trabalhos no exterior, e enquanto operador de LSM, o A. coordena o trabalho de certos colegas editores de imagem, uma vez que é um dos funcionários da delegação do Norte com mais experiência e competência nesse tipo de equipamento [redacção alterada pelo Tribunal da Relação];
66) Desse modo, destacam-se os seguintes programas da Ré, de grande responsabilidade e projecção, que envolvem avultados meios, nos quais o A. executa as descritas funções de editor de imagem: directos de informação desportiva nacional e internacional; «...», «...» e «...», tanto em estúdio, quanto em exterior;
67) A ré impulsionou a progressão e evolução das funções do A., em virtude do seu bom desempenho, e permaneceu indiferente quanto à reclassificação do A. [redacção alterada pelo Tribunal da Relação];
68) Nunca houve qualquer informação desfavorável do A., por parte da Ré, que indiciasse que a sua progressão funcional não estivesse a decorrer, pelo menos, de acordo com os padrões normais e expectáveis;
69) [facto eliminado pelo Tribunal da Relação];
70) [facto eliminado pelo Tribunal da Relação];
71) O A. realizou e realiza trabalhos de grande responsabilidade e complexidade técnica e criativa, os quais envolvem avultados meios humanos e técnicos;
72) O A. tem responsabilidades ao nível da ilustração visual e sonora, de análise dos comandos traçados por áreas afins, de controlo da qualidade dos sinais de vídeo e áudio, concepção de grafismos e efeitos especiais e coordenação da actividade de trabalhadores de menor qualificação, numa base regular;
73) Dos contratos de trabalho temporário juntos aos autos resulta que entre 3/10/2003 (data do 1.º) até 19/09/2004 (data do último), o A. prestou a sua atividade como operador em 105 dias, num total de 351 dias, o que equivale à média de 9 dias de actividade por mês;
74) Relativamente à duração daqueles contratos, deles resulta que 30 tiveram a duração de 1 dia, 21 de 2 dias e 11 de 3 dias;
75) Entre a celebração desses contratos mediaram sempre alguns dias, num máximo de 15;
76) Apesar de a Ré ter programas diários, a produção de cada um deles pode variar de dia para dia;
77) Há eventos, designadamente desportivos, cuja transmissão é decidida e programada apenas com uma semana de antecedência;
78) O programa ... não se limita ao estúdio onde é produzido, envolvendo por vezes directos de acontecimentos locais;
79) O mesmo sucede com o programa ..., lançado em 2003, no Porto;
80) Os programas informativos e noticiosos variam consoante os acontecimentos diários, podendo implicar «directos» e/ou «especiais» (relativamente a crises políticas, catástrofes e outros eventos);
81) O canal RTPN surgiu na sequência da aquisição pela Ré da NTV, que transformou este canal regional num de âmbito nacional;
82) Esse processo, iniciado em 2002, perdurou até meados de 2004, tendo implicado para a Ré mais serviço que o que tinha antes, embora tal acréscimo se tenha mantido no futuro;
83) Paralelamente a todos os contratos de trabalho temporário celebrados entre o A. e a BB, a Ré celebrou com esta correspondentes contratos de utilização do trabalho temporário, juntos a fls. 398 a 458 e cujo teor aqui se dá por reproduzido;
84) O montante dos honorários por cada dia ou meio dia de prestação de serviços foi indicado ao A. segundo tabela pré-existente e igual para todos, tendo o A. aceite, sem negociação, essas condições remuneratórias;
85) Quando não pudesse ou não quisesse aceitar os serviços, o A. podia comunicá-lo à Ré, não estando convencionado que tivesse de apresentar justificação;
86) As fichas de trabalho juntas como doc. n.º 4 serviam para atestar o período de colaboração e os programas/tarefas a que o A. tinha sido alocado, permitindo e sendo usadas para o processamento dos honorários no final de cada mês;
87) A actividade do A. decorre em estúdios e/ou carros de exteriores que já se encontram completamente equipados e cujo equipamento tem um custo e complexidade técnica dificilmente compatíveis com o recurso a equipamentos próprios dos colaboradores;
88) O A. podia comunicar previamente, para cada mês, as suas indisponibilidades, caso em que seriam atendidas na elaboração dos horários mensais;
89) Tais horários eram elaborados pela Ré atendendo, quer às indisponibilidades antecipadamente manifestadas pelos colaboradores, quer aos programas e tarefas que estavam previstas para o mês;
90) Podiam e eram alterados ao longo do mês, consoante havia alteração das previsões, fosse por cancelamento de alguns programas/serviços, fosse por surgimento de novos programas/tarefas;
91) Os novos programas/tarefas implicavam o contacto de colaboradores que não estavam «escalados» para aquele dia ou período, podendo eles dizer que estavam indisponíveis, o que era anotado nos mapas de horários, sendo contactados outros;
92) [facto eliminado pelo Tribunal da Relação];
93) Entre os dias em que o A. prestava serviços à Ré mediavam alguns dias de intervalo, chegando tais intervalos, por vezes, a 5, 10 ou até 15 dias;
94) O A. nunca prestou serviços em mais de 11 dias por mês;
95) O A. estava sujeito a orientações da Ré, designadamente de cariz técnico ou operacional, estas dadas pelos realizadores e produtores de cada um dos programas em que intervinha;
96) O local da prestação dos serviços era o dos estúdios da Ré ou dos eventos a «cobrir»;
97) O recurso a viaturas da Ré derivava de estas estarem equipadas e identificadas com os símbolos da empresa, o que facilitava o trabalho a realizar e até o estacionamento nos locais onde fosse necessário;
98) O A. prestava serviços a terceiros, sem qualquer oposição da Ré, mesmo que esses terceiros fossem concorrentes dela, não havendo qualquer obrigação de exclusividade;
99) Em Junho de 2006, a Ré aprovou o Modelo de Avaliação de Desempenho descrito no documento junto a fls. 317 a 324, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
100) Todos os trabalhadores (propriamente ditos ou do «quadro») estão sujeitos a essa avaliação de desempenho;
101) Tal avaliação serve para, designadamente, fundamentar a promoção de um trabalhador a um Nível de Desenvolvimento superior;
102) Entre 2004 e 2008, o A. apresentou, para efeitos de IRS, as declarações de rendimentos juntas a fls. 324 a 371, contemplando rendimentos de trabalho dependente e independente, pelos valores e com as demais menções aí inscritos e que aqui se dão por reproduzidos;
103) Entre 2005 e 2008, o A. passou recibos por rendimentos auferidos, não só da Ré mas também de outras entidades, tendo junto os exemplares de que dispunha a fls. 372 a 396, cujo teor também aqui se dá por reproduzido.

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra qualquer das situações referidas no n.º 3 do artigo 682.º do novo Código de Processo Civil, que é imediatamente aplicável, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, pelo que será com base nesses factos que hão-de ser resolvidas as questões suscitadas nos recursos.

2. Em primeira linha, o autor sustenta que devem «ter-se como inverídicos os motivos invocados nos contratos de trabalho temporário e nos de utilização, em manifesta violação do disposto nos artigos 9.º n.º 1 e 19.º, n.º 1, b), do DL 358/89» e na medida em que «os motivos apostos nos contratos de utilização e nos de trabalho temporário são falsos e que os contratos de trabalho temporário são nulos (como determinou, o Venerando Tribunal a quo), recai sobre o trabalhador o direito de optar pela entidade com a qual pretende vincular-se», pelo que, «tendo ficado demonstrado que foi a Recorrente quem convidou o Recorrido para lhe prestar trabalho — e não a empresa de trabalho temporário — e que após a cessação do regime de trabalho temporário, este se manteve a trabalhar para aquela, exercendo as mesmas funções, o vínculo só se poderia consolidar com a Recorrente», o autor deve ser considerado vinculado à ré, por contrato de trabalho sem termo, com início em Outubro de 2003.

Refira-se, preliminarmente, que, no dia 28 de Maio de 2014, foi proferido acórdão, no Processo n.º 234/09.2TTVNG.P1.S1, da 4.ª Secção, deste Supremo Tribunal, no qual estava em causa matéria de facto e de direito semelhantes àquelas que constituem o objecto dos presentes autos: naquele processo, a RTP também era demandada por um editor de imagem, por razões em tudo idênticas às sustentadas pelo aqui autor, sendo também similares as linhas argumentativas aduzidas pela ré.

Assim, seguir-se-á, de muito perto, a fundamentação ali explicitada.

2.1. Aos factos apurados e pressuposta a sua dimensão temporal — Outubro de 2003 a Setembro de 2004 — é aplicável o regime jurídico do trabalho temporário previsto no Decreto-Lei n.º 358/89, de 17 de Outubro (entretanto revogado pela Lei n.º 19/2007, de 22 de Maio), diploma a que pertencem os preceitos adiante citados, sem menção da origem, e que foi alterado pelas Leis n.os 39/96, de 31 de Agosto, 146/99, de 1 de Setembro, e 99/2003, de 27 de Agosto.

Segundo a respectiva nota preambular, o trabalho temporário apresenta a especialidade de se tratar de um contrato de trabalho «triangular» em que a posição contratual da entidade empregadora é desdobrada entre a empresa de trabalho temporário (que contrata, remunera e exerce o poder disciplinar) e o utilizador (que recebe nas suas instalações um trabalhador que não integra os seus quadros e exerce, em relação a ele, por delegação da empresa de trabalho temporário, os poderes de autoridade e de direcção próprios da entidade empregadora).

O trabalho temporário pressupõe, assim, a intervenção de uma empresa de trabalho temporário, um trabalhador temporário e um utilizador.

De acordo com o disposto no artigo 2.º, considera-se empresa de trabalho temporário, a «pessoa individual ou colectiva, cuja actividade consiste na cedência temporária a terceiros, utilizadores, da utilização de trabalhadores que, para esse efeito, admite e remunera» [alínea a)], trabalhador temporário, a «pessoa que celebra com uma empresa de trabalho temporário um contrato de trabalho temporário, pelo qual se obriga a prestar a sua actividade profissional a utilizadores, a cuja autoridade e direcção fica sujeito, mantendo, todavia, o vínculo jurídico-laboral à empresa de trabalho temporário» [alínea b)] e utilizador, a «pessoa individual ou colectiva, com ou sem fins lucrativos, que ocupa, sob a sua autoridade e direcção, trabalhadores cedidos por empresa de trabalho temporário» [alínea c)].

O trabalho temporário caracteriza-se, portanto, pela articulação entre um contrato de trabalho temporário celebrado entre uma empresa de trabalho temporário e um trabalhador, pelo qual este se obriga, mediante retribuição daquela, a prestar temporariamente a sua actividade a utilizadores [artigos 2.º, alínea d), e 18.º a 25.º], e um contrato de utilização de trabalho temporário, contrato de prestação de serviço estabelecido entre um utilizador e uma empresa de trabalho temporário, pelo qual esta se obriga, mediante remuneração, a colocar à disposição daquela um ou mais trabalhadores temporários [artigos 2.º, alínea e), e 9.º a 16.º].
Peculiar expressão da partilha da posição contratual do empregador, é o regime da prestação de trabalho consagrado nos artigos 20.º a 22.º, justificando-se destacar, nesta sede, que «[d]urante a execução do contrato de trabalho temporário, o trabalhador fica sujeito ao regime de trabalho aplicável ao utilizador no que respeita ao modo, lugar, duração de trabalho e suspensão da prestação de trabalho, higiene, segurança e medicina no trabalho e acesso aos seus equipamentos sociais» (artigo 20.º, n.º 1), que «[o] utilizador deve elaborar o horário de trabalho do trabalhador temporário e marcar o seu período de férias, sempre que estas sejam gozadas ao serviço daquele» (artigo 20.º, n.º 4), que «[o]s trabalhadores temporários não são considerados para efeito do balanço social e são incluídos no mapa de quadro de pessoal da empresa de trabalho temporário […]» (artigo 20.º, n.º 5) e que «[o] exercício do poder disciplinar cabe, durante a execução do contrato, à empresa de trabalho temporário» (artigo 20.º, n.º 6), sendo ainda de realçar que, nas matérias não reguladas no diploma em exame, «o contrato de trabalho temporário está sujeito ao regime legal do contrato de trabalho a termo» (artigo 20.º, n.º 9), prescrevendo, nesta linha, o n.º 2 do artigo 19.º que «[a] falta da menção exigida na alínea b) do número anterior [a qual previa como menção obrigatória do contrato de trabalho temporário a indicação dos motivos que justificam a celebração do contrato, com alusão concreta dos factos e circunstâncias que integram esses motivos] ou a inobservância de forma escrita têm a consequência prevista no n.º 3 do artigo 42.º do regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro», ou seja, considera-se o contrato de trabalho celebrado como um contrato sem termo.

Em suma, na relação tripolar característica do trabalho temporário, a empresa de trabalho temporário é a titular da posição jurídica de empregador, cabendo-lhe as respectivas obrigações contratuais, nomeadamente as remuneratórias, os encargos sociais e a contratação do seguro de acidentes de trabalho, pertencendo ao utilizador, por delegação da empresa de trabalho temporário, a direcção e organização do trabalho e ao trabalhador temporário o acatamento das prescrições do utilizador no que respeita ao modo, lugar, duração de trabalho e suspensão da prestação de trabalho, higiene, segurança e medicina no trabalho.

A lei prevê, taxativamente, nas alíneas do n.º 1 do artigo 9.º, os casos em que é permitida a celebração do contrato de utilização de trabalho temporário: a) substituição do trabalhador ausente ou que se encontre impedido de prestar serviço; b) necessidade decorrente da vacatura de postos de trabalho quando já decorrera processo de recrutamento para o seu preenchimento; c) acréscimo temporário ou excepcional da actividade, incluindo o devido a recuperação de tarefas ou da produção; d) tarefa precisamente definida e não duradoura; e) actividade de natureza sazonal ou outras actividades económicas cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado ou de outra causa relevante; f) necessidades intermitentes de mão-de-obra, determinadas por flutuações da actividade durante dias ou partes do dia, desde que a utilização não ultrapasse, semanalmente, metade do período normal de trabalho praticado no utilizador; g) necessidades intermitentes de trabalhadores para a prestação de apoio familiar directo, de natureza social, durante dias ou partes do dia; h) necessidades de mão-de-obra para a realização de projectos com carácter temporal limitado, designadamente instalação e reestruturação de empresas ou estabelecimentos, montagens e reparações industriais.

Aquele contrato de utilização é obrigatoriamente reduzido a escrito e, além da identificação das partes, das características genéricas do posto de trabalho, local e horário de trabalho, montante da retribuição mínima devida pelo utilizador, de acordo com a lei ou instrumento de regulamentação colectiva aplicável ao utilizador, a trabalhador do quadro próprio que ocupasse o mesmo posto de trabalho, montante da retribuição devida pelo utilizador à empresa de trabalho temporário, início e duração, certa ou incerta, do contrato e data da celebração [artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e c) a g)], deve conter a indicação dos motivos de recurso ao trabalho temporário por parte do utilizador [artigo 11.º, n.º 1, alínea b)], estatuindo o n.º 4 do artigo 11.º que «[n]a falta de documento escrito ou no caso de omissão da menção exigida pela alínea b) do n.º 1, considera-se que o trabalho é prestado ao utilizador com base em contrato de trabalho sem termo, celebrado entre este e o trabalhador».

Quanto à duração do contrato de utilização, sendo caso de substituição de trabalhadores ausentes ou que se encontrem impedidos de prestar serviço, «a duração do contrato não pode exceder a cessação da causa justificativa» [artigo 9.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3], e no caso de acréscimo temporário ou excepcional de actividade, «a duração do contrato não pode exceder 12 meses, podendo ser prorrogada até 24 meses, desde que se mantenha a causa justificativa da sua celebração, mediante autorização da Inspecção-Geral do Trabalho» [artigo 9.º, n.º 1, alínea c), e n.º 5].

2.2. A este propósito, o acórdão recorrido teceu as considerações seguintes:

                  «Resulta da matéria de facto apurada que entre outubro de 2003 e outubro de 2004, o A. celebrou vários contratos de trabalho temporário com a BB, datados de 03/10/2003 a 17/09/2004, para prestar a sua atividade à Ré, com a seguinte motivação: “acréscimo temporário ou excecional de atividade, incluindo o devido a recuperação de tarefas ou da produção”, com especificações referentes à emissão dos programas neles mencionados, designadamente à emissão dos programas “...”, “...”, emissão dos programas da RTPN (NTV) e bem assim de encontros desportivos (facto supra sob o n.º 12).
                      Correspondentes aos contratos de trabalho temporário que o A. outorgou com a BB, foram outorgados entre esta e a Ré contratos de utilização desse trabalho temporário, cujas cópias foram juntas a fls. 398 a 458 (factos supra sob os n.os 17 e 83), sendo neles expressa motivação igual à dos primeiros.
                      Continuando a citar o acórdão desta secção supra referido:
                      “O que se considerou na sentença recorrida foi que essa motivação era inverídica e, no que concerne aos contratos de trabalho temporário, insuficiente. E foi essa, como vimos, a par da sucessividade exacerbada de idênticos contratos de trabalho a termo entre as mesmas partes, que determinou a conclusão tirada pelo tribunal recorrido de que a relação contratual mantida entre as partes, neste período, não foi temporalmente limitada, mas deve considerar-se, sim, por tempo indeterminado.
                      Já vimos que a Ré se insurge contra este entendimento. E, quanto a nós, com inteira razão, apesar da aparente força da argumentação do A., em que se inclui o número de contratos celebrados, e do esforço de fundamentação da sentença recorrida que, sem dúvida, são meritórios.
                      Comecemos por analisar a alegada falta de correspondência da motivação contratual com a realidade.
                      A sentença recorrida assinalou essa desconformidade, afirmando que ‘não resultou provado da audiência de julgamento os invocados motivos, nomeadamente que a atividade em causa desenvolvida pela Ré fosse excecional e gerasse um acréscimo excecional de trabalho, justificando o recurso ao trabalho temporário e nomeadamente à contratação do A.’ […].”
                      Ora, da matéria de facto apurada resulta que: apesar de a Ré ter programas diários, a produção de cada um deles pode variar de dia para dia; há eventos, designadamente desportivos, cuja transmissão é decidida e programada apenas com uma semana de antecedência; o programa ... não se limita ao estúdio onde é produzido, envolvendo por vezes diretos de acontecimentos locais; o mesmo sucede com o programa ..., lançado em 2003, no Porto; os programas informativos e noticiosos variam consoante os acontecimentos diários, podendo implicar “diretos” e/ou “especiais” (relativamente a crises políticas, catástrofes e outros eventos);o canal RTPN surgiu na sequência da aquisição pela Ré da NTV, que transformou este canal regional num de âmbito nacional; esse processo, iniciado em 2002, perdurou até meados de 2004, tendo implicado para a Ré mais serviço que o que tinha antes, embora tal acréscimo se tenha mantido no futuro.
                      É certo que não resulta, nem tinha de resultar, desta matéria que este acréscimo foi excecional. Aliás, precisamente por conter matéria conclusiva é que o n.º 14 da matéria de facto apurada foi considerado não escrito, nomeadamente, que a contratação do A. ocorreu, em grande parte, para serviços permanentes ou continuados da Ré, não tendo por base, pelo menos apenas, circunstâncias temporárias ou excecionais de actividade. Este carácter excecional não é um facto mas uma conclusão que cumpre retirar dos factos apurados, sendo que, é em torno da mesma que gira a problemática ora em análise.
                      Assim, sem mais, não colhe o citado argumento que ficou a constar da sentença recorrida.
                      No entanto, mais consta da sentença recorrida que:
                      “Aliás, a sucessão dos contratos de trabalho temporário, a repetição de iguais justificações, em boa parte relativas a programas diários ou regulares, a passagem quase continuada dos contratos de trabalho temporário aos contratos de prestação de serviços à R., o modo semelhante como o A. executou as suas funções para entre Outubro de 2003 e Maio de 2008, altura em que celebrou com a R. um contrato de trabalho por tempo indeterminado, são tudo factores que demonstram que a contratação do A. não foi determinada para acorrer a qualquer excecionalidade do trabalho da Ré; ainda que possa ter havido um acréscimo inicial, designadamente com a incorporação da NTV e emissão da RTPN, a verdade é que esse acréscimo se veio a revelar regular e permanente durante mais de cinco anos, justificando a contratação do A. todos os meses para o exercício das mesmas funções.
                      Assim, podemos concluir que, quer os contratos de utilização de trabalho temporário, quer os de trabalho temporário, foram celebrados com base em pressupostos que, na realidade, não têm correspondência com as exigências legais — cfr. o art. 9, n.º 1 e 19.º, n.º 1, al. b) do DL. 358/89 —, pois que os motivos indicados não se mostram conformes à realidade, tendo a contratação do A. se destinado a concretizar a programação habitual e corrente da Ré e não qualquer acréscimo temporário ou excecional da sua atividade.”
                      Acontece que, face aos factos supra apurados, nomeadamente, os com os n.os 76 a 82, os argumentos ora em análise da sucessão dos contratos de trabalho temporário com idênticas justificações; da passagem quase continuada destes aos contratos de prestação de serviços à Ré e da semelhança na execução das funções ao logo do tempo até à celebração do contrato de trabalho, sem mais, também não colhem no sentido de dos mesmos ser retirada a conclusão de que o A. não foi contratado para ocorrer a qualquer excecionalidade do trabalho da Ré.
                      Regressando ao acórdão que vimos seguindo de perto: 
                      “Mas onde, verdadeiramente, se centra a principal crítica da Ré, e a nosso ver com razão, é no modo como foi formulado o juízo que conduziu à conclusão de que a contratação do A. não foi para fazer face a qualquer acréscimo temporário ou excecional da atividade da Ré.
                      Efetivamente, partindo da natureza da RTPN (extinta NTV), do período horário da sua emissão e de alguma da sua programação, como sejam os programas ‘...’ e ‘...’, […] a sentença recorrida sustenta a ausência do aludido acréscimo de atividade com base no ulterior relacionamento contratual que aquela manteve com o A., seja em regime de prestação de serviços, seja em regime de trabalho subordinado. Dito por palavras simples: não houve acréscimo excecional de atividade porque esse acréscimo se veio a revelar nos anos subsequentes como duradouro.
                      Ora este, salvo o devido respeito, parece-nos um raciocínio viciado na sua argumentação. O que se impõe fazer é um juízo à luz das circunstâncias contemporâneas da contratação. Isto é, averiguar, à luz dessas circunstâncias (conhecidas e cognoscíveis pelas partes, como dissemos) se entre 03/10/2003 e 26/09/2004 houve, ou não, um acréscimo excecional da atividade da Ré.
                      Ora, que houve esse acréscimo não só a matéria de facto o confirma, como até a sentença recorrida o reconhece, quando refere ‘ainda que possa ter havido um acréscimo inicial’ […].
                      Como já referimos, resultou provado que apesar de a Ré ter programas diários, a produção de cada um deles pode variar de dia para dia; há eventos, designadamente desportivos, cuja transmissão é decidida e programada apenas com uma semana de antecedência; o programa ... não se limita ao estúdio onde é produzido, envolvendo por vezes diretos de acontecimentos locais; o mesmo sucede com o programa ..., lançado em 2003, no Porto; os programas informativos e noticiosos variam consoante os acontecimentos diários, podendo implicar ‘diretos’ e/ou ‘especiais’ (relativamente a crises políticas, catástrofes e outros eventos) e que o canal RTPN surgiu na sequência da aquisição pela Ré da NTV, que transformou este canal regional num de âmbito nacional, sendo que, este processo, iniciado em 2002, perdurou até meados de 2004, tendo implicado para a Ré mais serviço que o que tinha antes (com os necessários eventos ou programas, dizemos nós).
                      Assim sendo, e uma vez que o A. foi contratado em regime de trabalho temporário, pela primeira vez, em 03/10/2003, mantendo-se nesse regime de contratação até 19/09/2004, os efeitos do citado acréscimo de serviço ainda se faziam sentir neste período.”
                      “Por outro lado, é inegável, do nosso ponto de vista, que se tratou de um acréscimo excecional, extraordinário, de atividade. Do que se tratou, no fundo, de acordo com a factualidade provada, não foi da realização de um novo programa televisivo. Foi da aquisição de um novo canal de televisão, que era um canal regional e foi transformado num canal de abrangência nacional, com difusão diária, durante vinte e quatro horas. […] Ou seja, passou, a par dos canais já existentes explorados pela Ré, a constituir um novo canal televisivo, com todas as exigências que isso comporta. E se nos recordarmos da dimensão da Ré à época, com o número de canais que então difundia — o que é um facto notório —, logo percebemos que não é questão de menor importância o acréscimo de um novo canal televisivo, com novas grelhas, novos conteúdos e novos programas.
                      Poderia, ainda assim, objetar-se que, representando esta aquisição um acréscimo excecional de atividade para a Ré, passou ele, desde logo, a ser continuado e permanente, na medida em houve um alargamento estrutural daquela, e não episódico. O que lhe retiraria aquelas características de excecionalidade.
                      Ora esta ideia não é confirmada pela factualidade apurada.
                      Do que se trata de saber, no fundo, é se esse aumento de dimensão da Ré foi inicialmente desenhado e previsto, com o que se poderia falar da necessidade de imediata adequação dos correspondentes recursos humanos, ou se, pelo contrário, foi um processo construído ao longo do tempo e, nessa medida, com necessidade de consequentes ajustamentos, àquele nível.”
                      Na verdade, o que ressalta da matéria de facto apurada é que aquele processo de aquisição da NTV pela Ré e que implicou mais serviço para esta, iniciado em 2002, perdurou até meados de 2004.
                      “Ou seja, foi um processo dinâmico, que se foi desenvolvendo. O que é contrário a qualquer ideia de cristalização inicial no dimensionamento dos recursos humanos. Até porque, se observarmos a colaboração do A. com a Ré, no período em análise, ela é intermitente. O que aponta no mesmo sentido.
                      De modo que temos para nós que não se podem ter por inverídicos os motivos invocados quer nos contratos de trabalho temporário celebrados pelo A., quer nos contratos de utilização que os precederam.
                      A questão que se coloca, ainda assim, é a de saber se, sob o ponto de vista formal, esses motivos, tal qual estão espelhados nos primeiros contratos que referimos (contratos de trabalho temporário), cumprem, ou não, a exigência contida no art. 19.º, n.º 1 al. b) do Dec. Lei n.º 358/89, na versão que já indicámos; isto é, se, através deles, é possível verificar a veracidade das justificações invocadas e até da adequação da duração convencionada para cada um desses contratos.
                      Ora, nesta parte, tal como na sentença recorrida, entendemos que a resposta só pode ser negativa.
                      Acentuámos a exigência de que a verificação dos motivos da contratação tem de ser feita através do texto dessa mesma contratação. E, não foi por acaso. Na verdade, tendo nós concluído que houve um acréscimo excecional da atividade da Ré no período subsequente ao ano de 2002, poderia ser-se tentado a concluir igualmente que estava inteiramente legitimada, sob o ponto de vista legal, o recurso ao trabalho temporário do A. Isto porque uma das razões para a utilização de mão de obra nesse regime é, justamente, o acréscimo anormal da atividade da empresa utilizadora [art.s 9.º n.º 1 al. b) e 18.º n.º 1 da LTT). Mas, como facilmente se depreende da nossa anterior fundamentação, essa conclusão só foi possível por recurso a factos que, na sua larga maioria, estão fora dos textos dos contratos em que o A. foi outorgante. E nesses textos nada mais se acrescenta para além do que já referenciámos;  […] O que, por si só, como se diz na sentença recorrida, não permite perceber porque é que os acréscimos referidos tiveram lugar e revestiram natureza excecional.
                      De modo que, exigindo a lei a concreta descrição dos factos motivadores nos contratos de trabalho temporário outorgados pelo A. [art. 19.º n.º 1 al. b) da LTT], a insuficiência desses factos inquina a validade jurídica das motivações neles apresentadas, que, assim, são nulas. Ou seja, os termos apostos nos contratos de trabalho celebrados pelo A. são todos nulos.
                      Quando assim é, a lei estipula, atualmente, que os contratos de trabalho temporário celebrados em tais termos se consideram celebrados por tempo indeterminado, entre o trabalhador e a empresa de trabalho temporária  (art. 181.º n.º 2 do CT2009). E, já à época da contratação do A., era essa a opinião dominante, por força do disposto no art.s 18.º n.º1 e 19.º n.os 1 al. b) e 2 da LTT, art. 42.º n.º 3 do Dec. Lei n.º 64-A/89 de 27/02, revogado pelo art. 21.º al. m) da Lei n.º 99/2003 de 27/08, que aprovou o Código do Trabalho de 2003, o qual passou a prever idêntica consequência no seu art. 131.º n.º 4, como já referido. 
                      Por conseguinte, a referida nulidade também não determina a vinculação do A. à Ré, almejada por aquele.
                      A sentença recorrida chamou ainda à colação a sucessividade de contratos para concluir que, também por essa via, se chegaria à conclusão de que o A. é titular de um contrato de trabalho por tempo indeterminado. Nela se escreveu, a propósito desta matéria, o seguinte: ‘A sucessividade [de contratos], conforme já supra se expôs, para o exercício pelo A. das mesmas funções, na mesma categoria profissional e para assegurar a programação corrente da Ré […] é evidente, pese embora a intervenção da BB como empresa de trabalho temporário. Assim e de acordo com o disposto no [art.] 41.º-A do DL. N.º 64-A/89, de 27.02 e posteriormente do artigo 132.º do CT ex vi arts. 20.º, n.º 9, e 23.º do DL n.º 358/89, a celebração sucessiva e/ou intervalada de contratos a termo entre as mesmas partes, para o exercício das mesmas funções ou para satisfação das mesmas necessidades do empregador, determina a conversão automática da relação jurídica em contrato sem termo’.
                      Ora, mesmo somando todos os períodos de inatividade laboral do A. neste contexto, não chegou ele sequer a estar vinculado em regime de trabalho temporário por um ano completo. Esteve apenas de 03/10/2003 a 28/09/2004.
                      Não há, pois, a nosso ver, fundamento para a aplicação subsidiária do regime jurídico dos contratos de trabalho a termo, pois que as regras que enquadravam, à época, o trabalho temporário consentiam o prolongamento deste vínculo, desde que, obviamente, justificado nos termos previstos na lei (art. 9.º n.º 2, 5, 8 e 9 da LTT)[…].
                      Daí que também não se possa equacionar, por esta via, a vinculação do A. à Ré em regime de trabalho por tempo indeterminado, em relação ao período temporal em apreço.
                      Em resumo: não há fundamento jurídico para considerar que entre o A. e a Ré se estabeleceu qualquer contrato de trabalho sem termo, no período temporal em apreço.” […]»

Tudo ponderado, subscrevem-se as considerações transcritas e, bem assim, o juízo decisório enunciado.

2.3. Na verdade, tal como se consignou no citado acórdão de 28 de Maio de 2014, «ao contrário do aduzido pelo autor, não resulta da matéria de facto provada que sejam inverídicos os motivos invocados para a celebração dos contratos de trabalho temporário com o autor e dos atinentes contratos de utilização. E, por outro lado, embora sejam nulos os termos apostos nos contratos de trabalho celebrados pelo autor, a referida nulidade não gera a vinculação laboral do autor à ré, antes determina que os contratos de trabalho temporário firmados em tais termos se considerem celebrados por tempo indeterminado, entre o trabalhador e a empresa de trabalho temporário, sendo certo que não se mostra preenchida a previsão acolhida no n.º 4 do artigo 11.º, nos termos da qual se considera que o trabalho é prestado ao utilizador com base em contrato de trabalho sem termo, celebrado entre este e o trabalhador, quando falte documento escrito ou no caso de omissão da menção exigida pela alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º, o que, no caso, não se verifica.

Improcedem, portanto, as conclusões I a XVII e XLI, na parte correspectiva, da alegação do recurso de revista do autor.
             
Tendo-se concluído que não há fundamento jurídico para considerar que entre o autor e a ré se estabeleceu uma relação contratual de trabalho subordinado, no período compreendido entre Outubro de 2003 e Setembro de 2004, fica prejudicado o conhecimento da questão enunciada na conclusão XII da contra-alegação da ré, em sede de ampliação do âmbito do recurso.

De facto, o n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil, aplicável aos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto nos conjugados artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do mesmo Código, estabelece que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

3. O autor pugna, também, que, no período entre Outubro de 2004 e Maio de 2008, ficou demonstrado que «desempenhou as funções de editor de imagem em subordinação jurídica», devendo ser reconhecido como trabalhador efectivo da ré.

Também, neste segmento, se acompanhará, muito de perto, o entendimento afirmado no acórdão deste Supremo Tribunal, de 28 de Maio de 2014, proferido no Processo n.º 234/09.2TTVNG.P1.S1, da 4.ª Secção, que apreciou matéria de facto e de direito semelhantes àquelas que integram o objecto dos presentes autos.

Estando em causa ajuizar se a relação jurídica estabelecida entre o autor e a ré, desde Outubro de 2004 até Maio de 2008, reveste a natureza de contrato de prestação de serviço ou contrato de trabalho, aplica-se o regime instituído no Código do Trabalho de 2003, vigente a partir do dia 1 de Dezembro de 2003 (artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto), diploma a que pertencem as normas adiante referidas, sem menção da origem.

Os contratos referidos têm a sua definição na lei.

De harmonia com o preceituado no artigo 10.º do Código do Trabalho, que transcreve, com ligeiras alterações, o disposto no artigo 1152.º do Código Civil, contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas.

Por sua vez, segundo o artigo 1154.º do Código Civil, contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.

A prestação de serviço é uma figura próxima do contrato de trabalho, não sendo sempre fácil distingui-los com nitidez; porém, duma maneira geral, tem-se entendido que é na existência ou inexistência da subordinação jurídica que se deve encontrar o critério de distinção.

Pode, assim, concluir-se que o contrato de trabalho se caracteriza essencialmente pelo estado de dependência jurídica em que o trabalhador se coloca face à entidade patronal, sendo que o laço de subordinação jurídica resulta da circunstância do trabalhador se encontrar submetido à autoridade e direcção do empregador que lhe dá ordens, enquanto na prestação de serviço não se verifica essa subordinação, considerando-se apenas o resultado da actividade.

A subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho decorre precisamente daquele poder de direcção que a lei confere à entidade empregadora (artigo 150.º do Código do Trabalho) a que corresponde um dever de obediência por parte do trabalhador (artigo 121.º, n.os 1, alínea d), e 2, do Código do Trabalho).

Neste particular, o acórdão recorrido acolheu a fundamentação subsequente:

                    «De acordo com os factos apurados, o A. e a Ré, por determinação desta, outorgaram o primeiro de vários e sucessivos contratos intitulados de prestação individual de serviços, de janeiro de 2005 a fevereiro de 2008, juntos a fls. 146 a 178 , no total de 33, constando de alguns desses contratos, (os celebrados de junho a fevereiro de 2008 — fls. 171 a 178), que o A. reconheceu expressamente que, pelo mesmo contrato, não ficava inserido na estrutura organizativa da Ré, nem realizava o seu trabalho sob as orientações da mesma (cláusula 9.ª).
                      “De modo que, não sendo estas declarações negociais decisivas para definir o modelo contratual efetivamente adotado pelas partes, também não podem ser ignoradas ao ponto de lhes retirar qualquer valor interpretativo para essa finalidade, como parece pretender o A. Até porque, não tendo sido demonstrada qualquer falta ou vício de vontade juridicamente relevantes, da sua parte, é de presumir que as aludidas manifestações de vontade corresponderam à sua vontade real (art. 236.º, n.os 1 e 2 do C.Civil).
                      Com isto não ignoramos que o A. alega que só aceitou vincular-se deste modo porque a Ré lho impôs (art.s 51.º, 55.º da petição inicial). Mas, como dissemos oportunamente, essa imposição não pode ter o relevo que o A. lhe atribui, uma vez que, em rigor, o mesmo não tinha nenhuma obrigação jurídica de aceitar este tipo de vínculo ou de outro. O A. era livre de aceitar ou rejeitar as propostas negociais que a Ré lhe foi dirigindo, apenas se sujeitando a ficar privado do correspondente rendimento; o que, podendo ser muito relevante do ponto de vista prático, não é suficiente para, em termos jurídicos, descaracterizar a sua conduta. Tanto mais que essa é uma contingência com que se vêm confrontados muitos dos que dependem da sua força de trabalho para sobreviver (devido à inferioridade do seu poder negocial) e não é pelo facto de aceitarem um modelo contratual que lhes é financeiramente desvantajoso, que esse modelo é destituído de efeitos jurídicos.
                      É necessário, pois, conferir os restantes índices presentes no relacionamento contratual havido entre as partes para perceber que modelo foi efetivamente executado.
                      Já vimos que o A. foi contratado para desempenhar as funções de editor de imagem para a Ré, que se dedica à radiodifusão televisiva.
                      Essas são funções essenciais a esta atividade, não podendo a Ré delas prescindir. Ou seja, a Ré […] necessita e sempre necessitará de editores de imagem […] os quais, tal como o A., executam ‘operações necessárias ao registo, reprodução e à edição de peças para notícias ou programas’, asseguram a ‘comutação, receção e encaminhamento das fontes de sinal’, sendo responsáveis pelo ‘controlo de qualidade desses sinais, procedendo à sua regulação e valorização e à ilustração visual e sonora de textos e programas’, bem como à ‘conceção de efeitos especiais e escolha e mistura de grafismos pré-concebidos por uma equipa técnica, operando na execução dessas funções com sistemas de captura e de tratamento de imagem e de som’.
                      Esta variedade de funções, no entanto, não condiciona, por si só, o modelo contratual em que as mesmas têm necessariamente de ser exercidas. E, assim, tanto o podem ser por operadores contratados em regime de prestação de serviços, em regime de trabalho subordinado ou ainda noutro regime qualquer que a Ré e os fornecedores desses serviços entendam por conveniente.
                      Por outro lado, também não é decisiva na definição do modelo contratual em que as referidas tarefas são prestadas, a circunstância das mesmas terem lugar na sede da Ré ou noutro local por ela definido (pontos 57 e 58 dos factos provados), uma vez que mal se perceberia que, destinando-se essas tarefas a concretizar a atividade principal por aquela desenvolvida e articulando-se com muitas outras, a mesma não pudesse decidir o local em que elas têm lugar.
                      E o mesmo se diga da ocasião em que essas tarefas são executadas. Na verdade, se haverá funções, de entre as descritas, que um editor de imagem pode realizar isoladamente, muitas outras estão dependentes do trabalho alheio (pense-se na recolha da própria imagem) ou são integradas num trabalho de equipa que só pode ser realizado quando todos os elementos que a compõem estão presentes, o que requer, evidentemente, a definição de um lugar e tempo de trabalho.
                      E mesmo a titularidade dos meios de produção ou dos instrumentos de trabalho que não se revela aqui de decisiva importância para a operação de qualificação contratual que urge realizar.
                      Com efeito, como se apurou, trata-se de equipamentos ‘que, pelo seu custo e complexidade técnicas não é viável serem adquiridos por particulares […]’ (ponto 46 dos factos provados ). […].”
                      Daí que não consideremos particularmente relevante, para estes efeitos, o facto provado de a Ré sempre ter fornecido ao A. os equipamentos utilizados no desempenho das suas funções (facto supra sob o n.º 28), ou de ter sido sempre alheia à sua vontade a escolha do equipamento para a realização da sua atividade, cabendo à Ré fazê-lo (facto supra sob o n.º 38).
                      “É de admitir que assim seja perante as apontadas características desses equipamentos […].
                      Em suma: qualquer um dos apontados elementos, ou seja, o local e tempo de trabalho do A. ou mesmo a pertença dos equipamentos pelo mesmo utilizados na sua atividade de editor de imagem, não são, neste caso concreto, fatores decisivos para se poder afirmar que aquele manteve com a Ré uma relação de trabalho subordinado .
                      Importa, por isso, aprofundar a pesquisa, socorrendo-nos dos outros factos apurados. Particularmente, daqueles que dizem respeito à dinâmica da própria relação contratual e dos direitos e deveres a que nela o A. estava submetido.
                      Pois bem, quanto ao primeiro aspeto, provou-se que, por regra, a atividade do A. era previamente planeada e inscrita num mapa de previsão de tarefas que aquele haveria de realizar durante um mês.”
                      Por outro lado, apurou-se que o A. até maio de 2008 não trabalhava nunca mais do que 11 dias por mês, por determinação da Ré que lhe foi comunicada; nunca prestou serviços em mais de 11 dias por mês, sendo que, entre os dias em que prestava serviços à Ré mediavam alguns dias de intervalo, chegando tais intervalos, por vezes, a 5, 10 ou até 15 dias, trabalhando em fins de semana, em dias feriados, de dia e de noite, não tendo um horário fixo.
                      E citando o mesmo acórdão desta Relação:
                      “Tratou-se, portanto, de uma colaboração a tempo parcial, que poderia ser prestada tanto num dia completo como apenas numa parte dele, aos fins de semana, em dias feriados, de dia ou de noite, mas, em qualquer caso, nunca em regime de horário fixo.
                      Neste contexto, e na sequência do planeamento já referido, o A., quando era contactado pelos serviços da Ré para apurar a sua disponibilidade para realizar as funções que era previsível serem-lhe distribuídas, podia assumir uma de duas atitudes: ou aceitava o trabalho que lhe era proposto ou, pelo contrário, recusava a sua colaboração. No primeiro caso, passava a integrar a equipa que fazia parte do referido plano. No segundo, era anotada a sua indisponibilidade no mapa já referenciado e contactado um substituto. 
                      Nem sempre, porém, as coisas se passavam deste modo. Situações havia em que o plano era alterado […], fosse porque a programação era modificada supervenientemente, fosse porque algum dos colaboradores se mostrava indisponível para a realização do trabalho já agendado. Quando assim sucedia, era desencadeado o correspondente processo de ajustamento, mas o A. podia, em qualquer caso, aceitar ou recusar a sua colaboração […]”, não estando convencionado que tivesse de apresentar justificação — factos supra sob os n.os 85 e 88 a 91, o que, sem mais, também não significa que a mesma não fosse apresentada.
                      No entanto,
                      “[…] esta é, sem dúvida, uma margem de liberdade que um trabalhador subordinado não tem. Como referem Bernardo da Gama Lobo Xavier e outros, Manual de Direito do Trabalho, Verbo, 2011, pág. 296, ‘contratando, o trabalhador vincula-se a prestar um certo tipo de atividade e mais se sujeita (encontramos aqui a ideia da subordinação) a que ela seja concretamente determinada por uma espécie de escolha da entidade empregadora. Não promete, pois, apenas a atividade, mas também concorda executá-la naqueles precisos termos que o empregador venha a exigir. A este último pertence, a cada momento e em certos limites, dirigir a execução efetiva da prestação do trabalho, ordenando-a na sua atuação concreta.’
                      O que não se passava, como vimos, no caso em apreço, em que o A. podia, ou não, aceitar as propostas de trabalho que lhe eram dirigidas, sem que para si decorresse qualquer penalização disciplinar.”
                      Certo é que, como já referimos, o A. não trabalhava mais de 11 dias por mês por determinação da Ré, mas esta foi-lhe comunicada, razão pela qual, tal facto não tem qualquer relevância jurídica para esta sede, tratando-se de uma estratégia negocial.
                      “Podemos, pois, concluir, com segurança, que a liberdade de que o A. dispunha, neste aspeto, é imprópria de um vínculo contratual de natureza subordinada, no qual o trabalhador está sempre sujeito às ordens e orientações do seu empregador sobre a distribuição dos respetivos tempos de trabalho e das tarefas que neles deve desempenhar, dentro do âmbito a que contratualmente se vinculou.
                      Por outro lado, igualmente atípica nas relações de trabalho subordinado é a circunstância do A. só ser remunerado em função das suas diversas intervenções concretas ao serviço da Ré, nunca lhe tendo sido paga qualquer quantia nos dias em que não trabalhou, nem nas férias ou mesmo a título de subsídios de férias ou de Natal, […] [factos supra sob os n.os 26, 32, 35, 48 e 84].
                      Por regra, o que se remunera no regime de trabalho subordinado é a disponibilidade da força de trabalho e não o trabalho concretamente prestado pelo trabalhador. De modo que também a citada modalidade de remuneração, referida a trabalho efetivo, se afasta da relação de trabalho subordinado que o A. quer ver reconhecida. Designadamente, porque só recebia quando trabalhava e em função desse concreto trabalho, dando quitação das contrapartidas que por ele recebia mediante recibos próprios (os denominados ‘recibos verdes’), nos quais anotava como proveniência a prestação de serviços à Ré […] [ponto 32 do elenco dos factos provados a fls. 227 a 254].
                      E em igual sentido apontam a ausência de avaliações de desempenho a que o A. tivesse sido sujeito pela Ré no período em análise, bem como a liberdade que aquele tinha de prestar, como se provou que prestou, a sua atividade para terceiros, ainda que concorrentes daquela […] [pontos 98, 100, 102 e 103 do elenco dos factos provados]. Na verdade, sendo lícito o pluriemprego, não constitui o mesmo a regra e, menos ainda, para empresas concorrentes. Até pelo risco que envolve de desvio de clientela, que poucos empregadores se habilitam a autorizar.
                      Daí que também por esta via o modelo contratual executado pelo A. se afaste da categoria em que aquele o quer ver inserido.
                      O que nos resta, assim, averiguar é se, neste contexto, o controlo que a Ré exercia sobre a atividade do A., anotando por escrito os serviços pelo mesmo prestados e em que local (nos estúdios ou no exterior), o período efetivamente trabalhado, bem como a eventual condução de viaturas, são sinónimo de subordinação jurídica.   
                      Ora, servindo esse controlo, como se provou, apenas ‘para atestar o período de colaboração e os respetivos programas e/ou tarefas a que o Autor havia sido alocado para efeitos de processamento de honorários’ […] , a resposta só pode ser negativa, na medida em que se trata de uma verificação posterior, com uma finalidade especifica, distinta do controlo de assiduidade que é comum nas relações de trabalho subordinado.”
                      Também em nada altera o que ficou dito, o facto de se ter apurado que o A. estava sujeito a orientações da Ré, designadamente de cariz técnico ou operacional, dadas pelos realizadores e produtores de cada um dos programas em que intervinha, sendo certo que, de outra forma não poderia ser, já que se trata de um trabalho de equipa e, por outro lado, tal facto isolado e sem mais, não permite a caracterização da relação existente entre o A. e a Ré como de trabalho subordinado.
                      Concluindo, face à matéria de facto provada, não colhe a tese do A. de que exerceu as suas funções para a Ré, também neste período, numa relação de trabalho subordinado.
                      Assim sendo, todos os créditos do A. provenientes da existência de um contrato de trabalho e que lhe foram reconhecidos na sentença recorrida, devem ser julgados improcedentes, impondo-se a sua revogação, em conformidade.»

Tudo ponderado, sufragam-se as considerações transcritas e confirma-se o julgado, neste preciso segmento decisório.

Na verdade, tal como se escreveu no citado acórdão de 28 de Maio de 2014, «apreciando globalmente os indícios que emergem da relação contratual estabelecida entre as partes, os quais se mostram acolhidos na matéria de facto tida por provada, impõe-se concluir que não se apuraram factos bastantes para caracterizar tal relação como contrato de trabalho, sendo que o ónus da prova relativo aos factos de que se pudesse concluir pela existência desse contrato impendia sobre o autor (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil)», pelo que improcedem as conclusões XVIII a XXXVIII e XLI, na parte atinente, da alegação do recurso de revista do autor.

4. A ré, no recurso subordinado que interpôs, insurge-se quanto à categoria reconhecida ao autor pelo acórdão recorrido, sustentando (i) que o autor manifestou inequívoca vontade e concordância relativamente ao enquadramento profissional atribuído, (ii) que a passagem de um nível de desenvolvimento para o nível seguinte ocorre por promoção, tendo em conta o efectivo exercício de funções e uma avaliação anual de desempenho realizada pelas respectivas chefias, sendo que o autor não foi submetido a qualquer avaliação de desempenho, e (iii) que a factualidade apurada não permite o enquadramento do autor na categoria reconhecida.

Seguir-se-á, neste conspecto, a fundamentação do acórdão deste Supremo Tribunal, de 28 de Maio de 2014, proferido no Processo n.º 234/09.2TTVNG.P1.S1, da 4.ª Secção, no qual se apreciou matéria de facto e de direito semelhantes àquelas que integram o objecto dos presentes autos, sendo oportuno enfatizar que, consoante o preceituado no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil, «[n]as decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito».

O enquadramento temporal das questões enunciadas demanda a aplicação do Código do Trabalho de 2003 e do Acordo Colectivo de Trabalho entre a Rádio e Televisão de Portugal, SGPS, S. A., e outras, e o STT – Sindicato dos Trabalhadores de Telecomunicações e Comunicações Audiovisual e outros, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 16, de 29 de Abril de 2006), com posteriores alterações salariais.

Ora, o trabalhador deve, em princípio, exercer as funções correspondentes à actividade para que foi contratado, conforme determina o n.º 1 do artigo 151.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, sendo certo que a posição do trabalhador na organização empresarial em que se insere define-se pelo conjunto de serviços e tarefas que forma o objecto da sua prestação de trabalho.

Essa posição, assim estabelecida, traduz a qualificação ou a categoria do trabalhador e é com base nela que se dimensionam alguns dos respectivos direitos e garantias. A categoria assume, pois, a natureza de conceito normativo, no sentido em que circunscreve positiva e negativamente as funções a exercer em concreto pelo trabalhador, ou, noutros termos, que nela se subsumem as tarefas prometidas e se excluem actividades diferentes, e, por conseguinte, se estabelece uma relação de necessidade entre o exercício de certa função e a titularidade de certa categoria.
Refira-se que é entendimento unânime da Jurisprudência que a categoria profissional de um determinado trabalhador afere-se não em razão do nomen juris atribuído pelo empregador, mas sim em razão das funções exercidas efectivamente pelo trabalhador, em conjugação com a norma ou convenção que, para a respectiva actividade, indique as funções próprias de cada uma, sendo elemento decisivo o núcleo funcional que caracteriza ou determina a categoria em questão.

O autor, aquando da celebração do contrato de trabalho aludido no facto provado 57), foi integrado na categoria profissional de editor de imagem, nível de desenvolvimento I, auferindo 85% da retribuição correspondente a essa categoria.

A mencionada categoria profissional, prevista no Anexo II-A, do ACT RTP-‑STT, pressupõe que o  trabalhador realize trabalho variado, segundo planos, relativo à execução das operações necessários ao registo, à reprodução e à edição de notícias ou programas, devendo possuir conhecimentos específicos para a realização das operações com sistemas simples e complexos de produção e pós-produção vídeo e áudio e assegurar a comutação, recepção e encaminhamento das fontes de sinal, podendo operar sistemas de captação e de tratamento de imagem e som.  

O autor reclama a categoria de editor de imagem, nível de desenvolvimento II, categoria cujas pertinentes funções são, de acordo com o mesmo instrumento de regulamentação colectiva, as de realização de trabalho técnico e criativo para a ilustração visual e sonora de textos e programas, analisando e interpretando as directrizes genéricas traçadas pelo jornalista, produtor ou realizador, devendo o trabalhador possuir conhecimentos técnico-funcionais para actuar com autonomia e assegurar o controlo de qualidade dos sinais de vídeo e áudio, procedendo à sua regulação e valorização e efectuar a concepção de grafismos e efeitos especiais a utilizar nos programas (informáticos e ou lúdicos), podendo, ainda, coordenar a actividade de trabalhadores de menor qualificação.

Neste plano de consideração, o acórdão recorrido deliberou o seguinte:

                  «No caso presente, as partes escolheram esta última modalidade no contrato de trabalho escrito que entre elas celebraram no dia 06/05/2008. Isto é, determinaram o objeto desse contrato por remissão para a convenção coletiva em vigor na Ré. Concretamente, convencionaram que esta última admitia o A. ao seu serviço, para “desempenhar as funções inerentes à categoria de Editor de Imagem, Nível de Desenvolvimento 1A, nos termos do Acordo Coletivo de Trabalho em vigor, bem como outras funções para as quais possua qualificação profissional adequada e que não impliquem desvalorização profissional, desde que sejam afins ou funcionalmente ligadas às daquela categoria”.
                      Parece, pois, que tendo esta ação sido instaurada no dia 26/02/2009, ou seja, pouco mais de nove meses e meio após aquele convénio, não haveria razões para ter dúvidas acerca do objeto do contrato de trabalho celebrado entre as partes. Esse objeto não tinha ainda tempo para se considerar modificado por consenso tácito e, nessa medida, a prestação a que o A. estava obrigado era aquela a que o mesmo inicialmente se vinculou.
                      Mas o A., além de invocar todo o histórico do seu relacionamento contratual com a Ré, vem prevalecer-se daquilo a que muitos autores chamam o “princípio da realidade”; ou seja, o princípio da proeminência e prevalência do contrato real sobre o contrato aparente. Afirma, em síntese, que à data da celebração do referido contrato já desempenhava, por acordo com a Ré, as funções que integram o conteúdo funcional do Nível de Desenvolvimento II da categoria de Editor de Imagem e que, portanto, tendo continuado sempre a desempenhá-las do mesmo modo, o objeto do convénio laboral com a Ré é constituído, não pelas funções que integram a subcategoria em que foi formalmente integrado naquele contrato escrito, mas por aqueloutras que então efetivamente exercia. Por outras palavras, a vontade real das partes não foi a que, a este respeito, declararam por escrito naquele contrato, mas, sim, aquela que já então estava a ser executada.
                      Do que se trata de saber, pois, em primeiro lugar, é se ocorre esta divergência e, só depois, se justifica averiguação da alegada incorreção do enquadramento normativo.
                      Já vimos que o relacionamento contratual entre as partes anterior a 06/05/2008, não pode ser qualificado como traduzindo um vínculo de trabalho subordinado. Isso não significa, porém, que esse relacionamento contratual se negue ou seja mesmo totalmente irrelevante. Pelo contrário, existiu, produziu efeitos jurídicos, ainda que noutras modalidades contratuais, e só através dele se compreende quer a evolução profissional do A., em termos de desempenho (desde outubro de 2003, desempenhava umas funções e, desde meados de 2008, passou a acumular outras […]), quer a própria preferência que a Ré lhe deu na sua contratação formal como trabalhador subordinado.
                      De modo que, neste contexto, é pertinente questionar se as partes propositadamente ignoraram, por completo, esse seu anterior relacionamento ou se, pelo contrário, lhe deram continuidade, ainda que noutra modalidade contratual. É que, na primeira hipótese, o objeto do contrato de trabalho que reduziram a escrito é o que prevalece. Na hipótese contrária, esse objeto deve considerar-se apenas aparente.
                      Vejamos então.
                      Do nosso ponto de vista, a chave para a solução desta questão está na própria atitude das partes após a recíproca vinculação das mesmas por escrito. Na verdade, não tendo a Ré, por qualquer meio, obstaculizado a atividade do A. antes da propositura desta ação, podemos concluir, por presunção judicial, que a mesma anuiu à realização dessa atividade nos termos que ficaram provados (art.s 349.º e 351.º do C.Civil). Vemos, portanto, nessa atitude da Ré, uma manifestação de vontade tácita  no sentido de concordar que o A. continuasse a desempenhar a respetiva atividade nesses moldes (art. 217.º n.º 1 do C.Civil). Não se imagina sequer que a Ré, se quisesse o contrário, não o proibisse. É uma questão de normalidade social, no contexto empresarial em que a dita atividade teve lugar, mas é também a decorrência de um ónus que estava a seu cargo, enquanto detentora do poder de direção sobre a atividade do trabalhador, ora A. (art. 150.º do CT2003 e 97.º do CT2009).
                      De modo que, não tendo a Ré exercido esse ónus, é para nós plenamente concludente que a mesma deu sua total aquiescência à realização daquele objeto real. E o A. também, obviamente. Basta atentar na sua postura nestes autos.
                      O que resta averiguar, assim, é se esse objeto se identifica com o que foi acordado entre as partes por escrito ou se, ao invés, se integra naquele que é reclamado pelo A. Ou, dito por outras palavras, se este deve ser enquadrado no Nível de Desenvolvimento IA, ou se, pelo contrário, corresponde ao Nível de Desenvolvimento II, sempre da categoria de um Editor de Imagem, tal como esses níveis são definidos na regulamentação coletiva aplicável.
                      Porque estamos a tratar apenas da relação contratual que se iniciou em maio de 2008, só tem interesse para este efeito o ACT publicado no BTE, 1.ª Serie, n.º 16, de 29/04/2006. Os subsequentes, como nos parece consensual entre as partes, não introduziram modificações relevantes para esta matéria.
                      Pois bem, de acordo com esse instrumento de regulamentação coletiva, os trabalhadores por ele abrangidos “são integrados nas funções tipo/categorias e áreas de conhecimento constantes dos anexos II”, sendo aquelas referenciadas a estas últimas e “integradas na tabela salarial de acordo com a avaliação das respetivas funções”, exercendo-as, por regra, de acordo com essa integração (cl.ªs 10.ª, n.os 1 e 3, e 11.ª, n.º 1).
                      E também os novos trabalhadores, sem qualquer vínculo contratual de trabalho subordinado à Ré, passam a ser admitidos em função dos requisitos estabelecidos num desses anexos (II-A) — cl.ª 7.ª, n.º 2). O que significa que não têm de ser sujeitos a qualquer avaliação subsequente à contratação, mas antes e quando muito, prévia, sendo a Ré livre de a realizar, ou não.
                      Para que se perceba este modelo de carreiras, importa recordar o seu enquadramento, tal qual resulta do referido anexo (II-A).
                      Assim:
                      “O Modelo de Carreiras é um instrumento de gestão que visa enquadrar o conjunto de carreiras profissionais na perspetiva de uma maior adequação à forma como a atividade é desenvolvida, à evolução do setor e mercado, ao mercado de trabalho, à multidisciplinaridade e mutação dos conceitos funcionais.
                      O modelo de carreiras permite definir formas de evolução profissional possíveis de serem realizadas pelos profissionais afetos ao grupo e evidenciar a todos os colaboradores qual o percurso profissional proporcionado, promovendo o alinhamento entre as expectativas estabelecidas pelo grupo e as individualmente geradas.
                      O novo modelo de carreiras desenvolvido assenta nos seguintes conceitos:
                      “Área de conhecimento“ — conjunto de funções tipo/categorias que assentam em atividades cuja natureza do trabalho e ou complexidade e ou nível de conhecimentos são similares;
                      “Função tipo/categoria“ — conjunto de actividades, de conteúdo, âmbito de intervenção e impacte na organização afins. No âmbito da mesma função tipo/categoria, cada colaborador poderá ser chamado a exercer atividades para as quais tenha aptidão ou que se integrem no domínio da sua especialidade. Quando dentro da mesma função tipo/categoria for identificada a existência de subfunções a que possa ser reconhecida a natureza de especialidade, tal não inibe o exercício de atividades de outra especialidade, sendo também fator de qualificação no nível de desenvolvimento/carreira o seu exercício;
                      “Nível de desenvolvimento/carreira“ — o desenvolvimento preconizado para as diferentes funções tipo/categorias reflete as necessidades do grupo em termos de:
                      Retenção de conhecimentos críticos; Desenvolvimento interno de competências e conhecimentos;
                      Coordenação funcional;
                      A integração num nível de desenvolvimento superior compreende o desempenho de todas as actividades descritas nos níveis de desenvolvimento inferiores;
                      “Formação e conhecimentos“ — como componente do perfil da função, tem como objetivo identificar a formação e conhecimentos que o trabalhador deve possuir para desempenhar corretamente a função tipo/categoria no respetivo nível de desenvolvimento. Os requisitos de formação e conhecimentos indicados em cada nível de desenvolvimento são os exigidos nas admissões do exterior.”
                      Os editores de imagem estão incluídos na área de conhecimento correspondente à operação de sistemas, que integra as “atividades operacionais necessárias à produção e à emissão de rádio e televisão” e estão distribuídos por três níveis de desenvolvimento.
                      Porque no caso presente só os dois primeiros níveis estão em causa, importa conhecer o seu descritivo funcional.
                      Assim, o Editor de Imagem do Nível de Desenvolvimento I, é aquele que: “realiza trabalho variado, segundo planos, relativo à execução das operações necessárias ao registo, reprodução e à edição notícias ou programas, possui conhecimentos específicos para a realização das operações com sistemas simples e complexos de produção e pós-‑produção vídeo e áudio; assegura a comutação, receção e encaminhamento das fontes de sinal; pode operar sistemas de captação e de tratamento de imagem e som.”
                      Por sua vez, o Editor de Imagem do Nível de Desenvolvimento II é aquele que: “realiza trabalho técnico e criativo para a ilustração visual e sonora de textos e programas, analisando e interpretando as diretrizes genéricas traçadas pelo Jornalista, Produtor ou Realizador; possui conhecimentos técnico-funcionais para atuar com autonomia e assegurar o controle de qualidade dos sinais de vídeo e áudio, procedendo à sua regulação e valorização; efetua a conceção de grafismos e efeitos especiais a utilizar nos programas (informáticos e/ou lúdicos); pode coordenar a atividade de trabalhadores de menor qualificação.”
                      Ora, confrontando estes descritivos com a factualidade julgada provada, não temos qualquer dúvida em afirmar que o A. executa as funções próprias de um Editor de Imagem do Nível de Desenvolvimento II.
                      Com efeito, como se provou, além das funções próprias de um Editor de Imagem do Nível de Desenvolvimento I, relativas à “execução de operações necessárias ao registo, reprodução e à edição de peças para notícias ou programas”, à “comutação, receção e encaminhamento das fontes de sinal” […] , o A. realiza ainda as seguintes tarefas:
                      a) É responsável pelo controlo de qualidade dos sinais já referidos, “procedendo à sua regulação e valorização e à ilustração visual e sonora de textos e programas”, “acrescendo as tarefas de conceção de efeitos especiais e escolha e mistura de grafismos pré-‑concebidos por uma equipa técnica, operando na execução dessas funções com sistemas de captura e de tratamento de imagem e de som” […].
                      b) Executava e executa funções de operador de videotape, de moving picture box e de Live Slow Motion, executando atualmente também funções de edição com AVID MEDIA COMPOSER” […].
                      c) “Efetua tarefas ao nível da reprodução e de registo magnético de diversos formatos, tais como […] , mais efetuando o endereçamento e teste de sinais através de […] matriz de vídeo  e ainda de replays em Betacam SP, Betacam Digital e Live Slow Motion, em diversos programas, nomeadamente ...; ...; […]; …; …; …; …; …”[…].
                      d) “Manuseia a Quantel Moving Picture Box, […] e SQPlay […], tarefa que consiste na reprodução e encaminhamento de grafismo e vídeo, que o A. executa em diversos diretos de informação” […].
                      e) “Efetua a gravação digital, […], para a sua posterior repetição na transmissão de replays, acrescendo a função de […] , o que executou e executa em diversos diretos de informação desportiva nacional e internacional, ... e ...” […].
                      f) “Com a realização, a qual é responsável pela ‘forma’ das peças do programa (aspeto visual), o A. colabora nos trabalhos no sentido de ver definidos os meios técnicos necessários para cada peça de programa e a planificação da mesma (tipo e duração de planos, assim como a forma de ligação entre os mesmos)” […] .
                      g) [E em trabalhos no exterior, enquanto operador de LSM, o A. coordena o trabalho de certos colegas editores de imagem — ponto 65 dos factos provados …].
                      Ora, com este último grupo de tarefas [descritas de a) a g)], é inegável que o A. preenche os requisitos para a integração no Nível de Desenvolvimento II.
                      E não se diga, como faz a Ré, que o A. não realiza trabalho técnico e criativo, que não analisa e interpreta diretrizes genéricas traçadas por jornalistas, produtores e realizadores e que não atua com autonomia ou não conceba efeitos especiais.
                      Na verdade, deixando de lado o trabalho técnico, que nos parece por demais evidente devido ao manuseio dos equipamentos referidos, resulta ainda da factualidade provada que o A., designadamente, concebe efeitos especiais, mistura grafismos, edita filmes curtos e colabora em trabalhos de pós-produção, o que, necessariamente, envolve algum trabalho criativo.
                      Por outro lado, também não merece ser acolhida a crítica da Ré no sentido de que o A. não analisa e interpreta diretrizes genéricas traçadas por jornalistas, produtores e realizadores. Grande parte do trabalho do A. supra descrito tem necessariamente subjacente essa análise e interpretação. Além disso, especificamente, a colaboração com a equipa de realização encontra-se provada. De modo que temos este item também como preenchido.
                      Por fim, além da conceção de efeitos especiais estar demonstrada, é manifesto, do nosso ponto de vista, que o A., não só atua com autonomia, como exerce funções de responsabilidade que a pressupõem. Desde logo, é responsável pelo controlo de qualidade de alguns dos sinais emitidos. E, “enquanto operador de LSM, o A. é um dos funcionários da Delegação norte com mais experiência e competência nesse tipo de equipamento” […]. A tal ponto que a Ré incumbiu-o de ministrar formação a outros funcionários quanto aos equipamentos utilizados em Live Slow Motion (LSM) […].
                      De modo que, a nosso ver, a referida integração profissional do A., em termos de carreira, é não só justa como adequada. O que significa que tendo o A. exercido as descritas funções, também após a assinatura do contrato de trabalho que celebrou com a Ré, com a aceitação desta, o objeto real desse contrato foi sempre constituído por essas funções e não por aqueloutras que formalmente foram indicadas nesse contrato, o qual (objeto) é apenas aparente e, nessa medida, insuscetível de produzir qualquer efeito jurídico. Seja para o conjunto de obrigações a que o A. está sujeito, seja para os correspondentes direitos, inclusive no plano remuneratório.»

Tudo ponderado, subscrevem-se as considerações transcritas e, bem assim, o juízo decisório enunciado.

Efectivamente, o autor, executando, genericamente, as funções típicas da categoria de editor de imagem, desenvolve, igualmente, na específica vertente da sua integração fáctica, funções que se enquadram na categoria que reclama e não na que consta do contrato que firmou com a ré em 6 de Maio de 2008.

É o que se acolhe nos factos provados 3), 43), 58), 59), 60), 61), 62), 63), 64), 65), 66), 71) e 72), dos quais resulta que o autor não está no embrionário nível de desenvolvimento da categoria de editor de imagem — a que corresponde o Nível I — mas antes executa tarefas de maior complexidade, responsabilidade e de criação que, rigorosamente, apenas são compatíveis com a integração no nível reclamado.

No recurso subordinado, a ré propugna que o autor aceitou, sem qualquer reserva, o enquadramento que lhe foi conferido, donde emergiria uma «manifestação inequívoca de vontade e concordância […] relativamente ao enquadramento profissional atribuído, bem como o conhecimento e consciência quanto a este ponto».

Ora, a categoria obedece ao princípio da efectividade e não ao nomen juris que as partes entendam por bem atribuir ao vínculo que celebram. Isto é, o que releva, para efeitos de aferição do estatuto profissional do autor são as tarefas que, concretamente, execute e não a categoria que lhe seja atribuída. Não coincidindo, in casu, a categoria atribuída com as tarefas realmente executadas pelo autor, a atracção há-de ser feita para a categoria correspondente a estas funções, isto é, às de editor de imagem do nível de desenvolvimento II.

Aduz, também, a ré que «[à] luz das regras previstas no ACT RTP (BTE, n.º 22, 1.ª série, de 15.07.2007 — cláusulas 10.ª, n.os 1 e 3 e 11.ª, n.º 1 e do Modelo de Carreiras previsto no Anexo II-A), a passagem de Nível de Desenvolvimento para Nível seguinte ocorre por promoção, tendo em conta o efetivo exercício de funções e uma avaliação anual de desempenho realizada pelas respetivas chefias, isto é, por mérito no desempenho das funções, conforme resulta do “Modelo de Avaliação de Desempenho”, junta aos autos como doc. n.º 1 com a contestação, bem como dos pontos 100 e 101 da factualidade assente, aspetos estes erradamente desconsiderados pelo Venerando Tribunal a quo».

Nesta sede, resultou provado que «[n]unca houve qualquer informação desfavorável do A., por parte da Ré, que indiciasse que a sua progressão funcional não estivesse a decorrer, pelo menos, de acordo com os padrões normais e expectáveis», que, «[e]m Junho de 2006, a Ré aprovou o Modelo de Avaliação de Desempenho descrito no documento junto a fls. 317 a 324», que «[t]odos os trabalhadores (propriamente ditos ou do “quadro”) estão sujeitos a essa avaliação de desempenho», que «[t]al avaliação serve para, designadamente, fundamentar a promoção de um trabalhador a um Nível de Desenvolvimento superior» [factos provados 68) e 99) a 101)].

Ora, a circunstância de o autor, ao longo do tempo que esteve vinculado à ré, nunca ter sido submetido a avaliação de desempenho decorre, por um lado, da circunstância de só numa fase já avançada da contratação esse modelo de avaliação ter sido aprovado, e, por outro lado, por força dos regimes contratuais a que a ré recorreu para contratar a prestação da actividade profissional do autor, o que não pode funcionar em desfavor deste.

A ré defende, ainda, que o autor não logrou provar que as funções que desempenhava correspondiam às características da categoria que reclama, bem como não logrou contextualizar temporalmente essas funções, o que se lhe impunha nos termos do estipulado no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil.

Relativamente ao primeiro argumento, remete-se para o que antes se deixou exposto, não se justificando outras considerações. Já a contextualização temporal das funções exercidas decorre da respectiva explicitação no âmbito da matéria de facto.

Nestes termos, improcedem as conclusões XXIII a XXXVII da alegação do recurso subordinado da ré.
             
5. Em derradeiro termo, o autor invoca que, impondo-se o reconhecimento como trabalhador da ré, por tempo indeterminado, desde Outubro de 2003, «deve ser integrado no nível de desenvolvimento II A, com efeitos a Maio de 2008, [uma vez que] nessa data não era nem estagiário nem o ano de 2008 era o primeiro ano de exercício de funções de editor de imagem», não se vislumbrando, assim, motivos para reduzir o seu salário mensal «a 85% do valor base da categoria, mas antes a atribuir-lhe a retribuição por inteiro».

Tal como foi deliberado, no plano remuneratório, pelo tribunal recorrido:

                  «Neste último plano, o ACT referido prevê três níveis salariais (A, B e C), sendo que “os estagiários ou trabalhadores admitidos do exterior, durante o primeiro ano de exercício de funções, auferirão uma remuneração correspondente a 85% da remuneração referente à respetiva categoria, nível de desenvolvimento e nível salarial”. E igual previsão contém o ACT, publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 23, de 22/06/2008, cujos efeitos, em termos de atualização salarial, foram reportados a 01/01/2008.
                      Assim, tendo o A. iniciado a sua relação de trabalho subordinado com a Ré no dia 12/05/2008, é-lhe aplicável esta redução. O que significa que, auferindo, à data, um Editor de Imagem do Nível de Desenvolvimento II A, uma remuneração mensal de 1.297,00 €, o A. tinha direito a receber 1.102,45 € ao mesmo título, desde aquela data. Como, porém, a Ré só lhe atribuiu uma remuneração mensal de apenas 858,50 € [ponto 57 dos factos provados], o A. tem direito às correspondentes diferenças salariais, incluindo a título de subsídios de férias e de Natal, até ao trânsito em julgado do presente acórdão, como peticionado. A liquidação dessas diferenças, todavia, uma vez que se ignoram os valores concretos entretanto pagos ao A., terá de ser objeto de liquidação em execução de sentença, como determinado pelo art. 609.º n.º 2 do C.P.Civil, ora em vigor (art. 661.º n.º 2 do C.P.Civil anterior). E sobre todas essas diferenças, acrescerão ainda juros de mora desde o primeiro dia subsequente à data de vencimento de cada uma das prestações em falta, até integral pagamento, à taxa legal (art. 269.º n.º 4 do CT2003, art. 278.º n.º 5 do CT2009 e art.s 805.º n.º 2 al. a) e 806.º n.os 1 e 2 do C.Civil).
                      Em resumo: o A. mantém o direito, que lhe foi reconhecido na sentença recorrida, à respetiva reclassificação profissional, desde 12/05/2008 (data em que o contrato de trabalho teve início), bem como ao pagamento das correspondentes diferenças salariais nos termos já indicados […].»

Subscrevem-se as considerações transcritas e, bem assim, o juízo decisório enunciado, pelo que improcedem as conclusões XXXIX a XLI, na parte atinente, da alegação do recurso de revista do autor.

                                              III

Pelos fundamentos expostos, delibera-se negar as revistas, não conhecer da ampliação do âmbito do recurso independente e confirmar o acórdão recorrido.
Custas de cada recurso de revista pelos respectivos recorrentes.

Anexa-se o sumário do acórdão.

                             Lisboa, 25 de Setembro de 2014

Pinto Hespanhol (Relator)

Fernandes da Silva

Mário Belo Morgado (Declaração de voto anexa)

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DECLARAÇÃO DE VOTO

Vencido, no tocante à reclassificação do autor em categoria superior à contratada, pelas razões que se passam a expor.

1. O regime legal desta matéria é função de dois eixos problemáticos, basicamente consistentes em:

- Saber se a atividade desenvolvida pelo trabalhador se situa: (i) no âmbito do núcleo essencial da atividade contratada; (ii) fora deste núcleo, embora ainda no âmbito da “atividade contratada”, entendida esta em sentido amplo (ou seja, compreendendo as “funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas”, por tal se considerando, “designadamente”, as ”atividades compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional”); (iii) para além do âmbito da “atividade contratada”.

- Saber (apenas neste último caso) se o exercício de funções não compreendidas na atividade contratada (no seu sentido mais lato), tem (i) natureza temporária ou (ii) vocação permanente.

2. Conjugando todos estes elementos, retiro da leitura integrada dos arts. 151.º, 152.º e 314.º do CT/2003 (e, similarmente, dos arts. 118.º a 120.º e 267.º do CT/2009) as seguintes situações-tipo:

a) O trabalhador é incumbido de funções não compreendidas na atividade contratada(mesmo na mais lata e flexível aceção desta):

- Temporariamente: verificados os respetivos requisitos, aplica-se o regime da mobilidade funcional (art. 314.º do CT/2003 e art. 120.º do CT/2009); inverificados tais requisitos, o trabalhador tem direito à reclassificação.

- Com vocação permanente: O trabalhador tem direito à reclassificação.

b) O trabalhador é incumbido de funções que, excedendo o núcleo essencial da atividade contratada, lhe estão ligadas por um nexo de afinidade ou funcionalidade, como é o caso, paradigmaticamente, das atividades compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional. Nesta situação, ele tem (apenas) direito à retribuição mais elevada que corresponda às funções exercidas (art. 152.º do CT/2003 e art. 267.º do CT/2009).

3. No caso dos autos, não vejo que a atividade desenvolvida pelo trabalhador exceda o círculo formado pelas funções conexas (por via de laços de afinidade ou funcionalidade) com o núcleo essencial da atividade contratada, pelo que concluo, como já foi referido, que o mesmo não tem direito à pretendida reclassificação.

Mais duas ordens de razões apontam, salvo o devido respeito, no mesmo sentido.

4. Por um lado:

Conexamente com a matéria regulada nos arts. 151.º, n.ºs 2 e 3, e 152º, do CT/2003, estabelece a cláusula 11.ª do ACT/2006 da RTP, nos seus n.ºs 2 e 3: “(…). 2 - A empresa pode determinar o exercício de funções não compreendidas na função tipo/categoria do trabalhador desde que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, o trabalhador detenha a qualificação profissional adequada e não impliquem desvalorização profissional. 3 - Nos termos do presente acordo coletivo, sempre que o trabalhador seja incumbido de exercer funções não compreendidas na sua função tipo/categoria por período superior a 30 dias seguidos, quando aos serviços temporariamente desempenhados corresponder um tratamento mais favorável, o trabalhador terá direito a esse tratamento. (…)”. Também daqui resulta que, em caso de exercício de funções afins ou funcionalmente ligadas à “função tipo/categoria”, o trabalhador apenas tem direito (verificados determinados requisitos) a acréscimo remuneratório (sem direito a reclassificação).

Acresce, que na RTP todos os trabalhadores estão sujeitos a avaliação de desempenho, a qual serve, designadamente, para fundamentar a promoção de um trabalhador a um ”nível de desenvolvimento” superior (cfr., para além do que a este propósito se dispõe no ACT e no ”Modelo de Avaliação do Desempenho”, os n.ºs 100 e 101 dos factos provados); e cada ”nível de desenvolvimento” compreende escalões remuneratórios, cuja atribuição é função do efetivo exercício de funções durante certo período de tempo, pelo que só razões muito excecionais poderão justificar que se proceda a uma “promoção automática”, à margem dos procedimentos supostos.

5. Por fim, enfrentando agora a questão num plano diverso:

Tendo sempre na sua génese o binómio proposta/aceitação, o contrato de trabalho é um negócio jurídico bilateral, de natureza obrigacional, regulado, pois, por normas e princípios que – essencialmente – são de direito privado.

Antes do mais, vale isto por dizer que o mesmo se encontra sujeito ao princípio da autonomia privada (liberdade de celebração e de estipulação – art. 405º, C. Civil), embora mitigadamente, uma vez que nesta matéria, como se sabe, a vontade das partes se encontra restringida por uma intromissão heterónoma (da lei) que – em grande parte – reveste natureza imperativa, bem como por normas de origem convencional-coletiva (autonomia coletiva).

In casu, depois de alguns anos pautados por vínculos contratuais de natureza precária, as partes celebraram um contato de trabalho por tempo indeterminado, em 6 de maio de 2008, do qual consta, nomeadamente, que a RTP admitiu o A. para “desempenhar as funções inerentes à categoria de Editor de Imagem [Nível de Desenvolvimento 1, Escalão A], nos termos do Acordo Coletivo de Trabalho em vigor, bem como outras funções para as quais possua qualificação profissional adequada e que não impliquem desvalorização profissional, desde que sejam afins ou funcionalmente ligadas àquela categoria” (cláusula 1.ª).

Por outro lado, e com a maior relevância, o A. declarou - prévia e separadamente - por documento datado de 24/4/08 (cfr. fls. 257), li, compreendi e aceitei, sem qualquer reserva, os termos e condições (…) estipulados”, isto em resposta à carta que lhe foi dirigida em 21/4/2008 pela Direção de Recursos Humanos da R. (cfr. fls. 258 – 259), na qual se comunicava ao A. a “nossa intenção de proceder à admissão de V.Exa. (…) no caso de as condições previstas merecerem a [sua] total concordância e aceitação”, assim gerando uma situação objetiva e subjetiva de confiança na contraparte.

Todavia - olvidando a autovinculação inerente à circunstância de expressis verbis ter acordado com a ré que às funções em causa (que já vinha exercendo à data do contrato e que continuou a exercer nos mesmos moldes) correspondia o nível de desenvolvimento I (e não o II) -, em 26/2/2009 (data da propositura da ação), volvidos apenas 9 meses e 20 dias sobre a data do contrato, já o autor reclamava uma significativa alteração da situação jurídica contratada, sem para tanto invocar qualquer alteração superveniente das funções exercidas. Em evidente contraste, pois, com o seu comportamento anterior e assim frustrando o correspondente “investimento de confiança” da ré.

Ora, “com a conclusão do contrato, as partes põem em vigor um regulamento a que sujeitam a sua conduta futura”, saindo do “reduto da sua subjetividade para se situarem num contexto normativo intersubjetivamente (objetivamente) vinculante” que obriga as partes a comportar-se segundo critérios de razoabilidade e de boa-fé, ou seja, “como se pode esperar de um contraente que pense com lealdade” (cfr. Baptista Machado, A Cláusula do Razoável, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 119, p. 162, 163, 262 e 263).

Independentemente das demais razões, afigura-se-me, assim, que pretensão do A., ora em análise, sempre deveria improceder, por abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, nos termos do art. 334º, do C. Civil.



(Mário Belo Morgado)