Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
129/11.0TCGMR.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: JOÃO TRINDADE
Descritores: DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ERRO DE JULGAMENTO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
USUCAPIÃO
DOMÍNIO PÚBLICO
DOMÍNIO PRIVADO
INCONSTITUCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
VENDA DE BENS ALHEIOS
NULIDADE DO CONTRATO
COMPRA E VENDA COMERCIAL
INOPONIBILIDADE DO NEGÓCIO
REGISTO PREDIAL
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DUPLA CONFORME / ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO / DIREITO DE PROPRIEDADE / AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA / VENDA DE BENS ALHEIOS
Doutrina: - Abrantes Geraldes, «Recursos no Código de Processo Civil», Almedina, pág. 283 e 284;
- Alberto dos Reis, «Código de Processo Civil Anotado», vol. V, Reimpressão, Coimbra, 143;
- Pires de Lima e Antunes Varela, «Código Civil Anotado», vol. II, Coimbra Editora, 2.ª edição, págs. 5-6;
- Pires de Lima e Antunes Varela, «Código Civil Anotado», vol. III, 2.ª edição, pág. 89;
- Penha Gonçalves, «Curso de Direitos Reais», 2.ª Edição, Universidade Lusíada, 243;
- Orlando de Carvalho, «Introdução à posse», RLJ, ano 122, n.º 3780, pág. 65 e ss.
- Manuel Rodrigues, «A posse», Almedina, pág. 195, 284-285, 288,
- Marcelo Caetano, «Manual de Direito Administrativo», vol. II, Coimbra, pág. 961.
- Freitas do Amaral, «Curso de Direito Administrativo», vol I, 2.ª edição, pág. 333, 345; 699, 715- 717
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, «Constituição da República Portuguesa Anotada», 3.ª edi. Coimbra, 127;
- Carlos Ferreira de Almeida, «Contrato II», Almedina, págs. 132 e 133
- Ferrer Correia, «Lições de Direito Comercial», Lex, pág. 42
- Raul Ventura, «Contrato de Compra e venda no Código Civil», ROA, ano 40, vol. II, pág. 306;
- Oliveira Ascensão, «Teoria Geral do Direito Civil», vol. III, 1992, pág. 473;
- Oliveira Ascensão, «Direito Reais», pág. 339.
- Carvalho Fernandes, «Teoria Geral do Direito Civil», vol. II, 3.ª ed., pág. 463 a 465, 479; 510;
- Mónica Jardim, «A evolução histórica da justificação de direitos de particulares para fins de registo predial e justificação na actualidade», Boletim da Faculdade de Direito, vol. LXXXV, pág. 524;
- Jacinto Rodrigues Bastos, «Notas ao Código Civil», vol. V, Rei dos Livros, pág. 54.
Legislação Nacional: CC: ART. 9.º, 202.º, 286.º, 291.º, 300.º, 396.º, 874.º, 879.º, AL. A), 892.º, 895.º, 897.º,939.º, 980.º, 1251.º, 1252.º, N.º 2, 1253.º, 1258.º, 1259.º, N.º 1, 1261.º, 1262.º, 1287.º, 1290.º, 1293.º, 1295.º, 1297.º, 1301.º, 1304.º, 1340.º;
CPC: ART. 150.º, N.º 1, 267.º, NCPC (2013): ART. 571.º, 576.º, 607.º,608.º, N.º 2, 615.º, N.º 1, D), 662.º, N.º 2, 663.º,666.º, 671.º, N.º 3, 672.º, N.º 3, 674.º, 679.º, 682.º, 683.º,
CÓDIGO COMERCIAL: ART. 2.º, 13.º, §2; 463.º, 467.º, N.º 2, 480.º,
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS: ART. 1.º, N.º 2,
CÓDIGO DE REGISTO PREDIAL: ART. 1.º, 16.º, 17.º
CÓDIGO DO NOTARIADO: ARTS. 70.º, 71.º
LEI N.º 41/2013, 26-06: ART. 5.º, N.º 1, ART. 7.º,
CRP: ART. 65.º, N.º 2, AL. B),84.º, 199.º, 209.º, N.º 1,
LOSJ (LEI N.º 62/2013, DE 26-08): ART. 46.º,
LEI N.º 54 DE 16-07-2013: ART. 1.º,
DL N.º 477/80, DE 15-10: ART. 4.º
DECRETO N.º 47344 DE 25-11-1966: ART. 3.º
Jurisprudência Nacional: - AC. STJ 10-12-2013, PROC. N.º 675/08.2TBCRB.C1.S1;
- AC. STJ 23-01-2014, PROC. N.º 9352/08.3TBOER.L1.S1;
- AC. STJ 13-03-2014, PROC. N.º 9352/08.3TBOER.L1.S1
- AC. STJ 15-05-2014, PROC. N.º 5869/09.0TBMTS.P1.S1;
- AC. STJ 03-07-2014, PROC. N.º 1122/08.5TBAMD.L1.S1
- AC. STJ 11-01-2000, BMJ, N.º 493.º-387;
- AC. R.P. 02-10-1979, CJ, TOMO IV, PÁG. 1273;
- AC. STJ 18-02-1993, BMJ, N.º 424.º-678;
- AUJ DE 14-05-1996; DR II S, 24-06-1996;
- AC. STJ 23-10-1986, IN BMJ, N.º 360.º-609;
- AC. STJ 08-05-2007, PROC. N.º 07A981, WWW.DGSI.PT;
- AC. STJ DE 01-03-1997, IN CJSTJ, TOMO I, PÁG. 156;
- AC. STJ 06-12-1994, BMJ N.º 342-379;
- AC. STJ DE 22-04-1999, PROC. N.º 99B087, WWW.DGSI.PT;
- AC. STJ 29-013-2001, PROC. N.º 441/01
- AC. STJ DE 14-11-2006, PROC. N.º 3343/06;
- AC. R.P. 21-12-1993; PROC. 9340522, WWW.DGSI.PT;
- AC. RP 20-06-1994, PROC. N.º 9351291; WWW.DGSI.PT;
- AC. RC 16-12-2003, PROC. N.º 648/03, WWW.DGSI.PT;
- AC. RL 08-02-1978, CJ, T II, 1978, PÁG. 94;
- AC. RL 03-02-1987, CJ, T I, 1987, PÁG. 115;
- AC. RE 30-04-1998, CJ, T II-1998, PÁG. 291
- AC. TC N.º 724/2014, 28-10, DR, N.º 234, II S, 03-12-2014;
- AC. STJ 07-05-1996, CJ STJ, T II – 1996, 50;
- AC STJ 09-10-2008, PROC. 08B2720, WWW.DGSI.PT;
- AC STJ 18-02-2003, CJ STJ, T I, PÁG. 106;
- AC. STJ DE 16-11-2010;
- AC. STJ DE 03-10-2013, PROC. N.º 6690/07.6TBALM.L1.S1;
- AUJ N.º 1/2008, DR I S, 31-03-2008;
- AC. STJ 09-12-2004, PROC. N.º 04B3891;
- AC. STJ 14-09-2010, PROC. N.º 1618/04.8TBLLE.E1.S1;
- AC. STJ 16-11-2010, PROC. N.º 42/2001.C1.S1;
- AC. STJ DE 29-03-2012, PROC. N.º 2441/05.8TBVIS.C1.S1
- AC. STJ DE 29-04-2014, PROC. N.º 353/2002.P1.S1
- AC. STJ 30-09-2008, PROC. N.º 08ª2327;
Sumário :
I - A verificação da dupla conformidade prevista no n.º 3 do art. 671.º do NCPC (2013) tem, ademais, como óbice o emprego, pela 2.ª instância, de “fundamentação essencialmente diferente” na manutenção do decidido na 1.ª Instância, expressão que enquadra os casos em que a confirmação da sentença na 2.ª Instância assenta num enquadramento normativo absolutamente distinto daquele que foi ponderado na decisão da 1.ª Instância, o que equivale por dizer que irrelevam uma eventual modificação da decisão de facto efectuada nesta última sede, dissensões secundárias, a não aceitação de um dos caminhos percorridos, ou a mera adição de fundamentos.

II - Tendo o aresto recorrido sido lavrado sem voto de vencido e se movido dentro do mesmo quadro jurídico em que se moveu a sentença de 1.ª Instância para alcançar, no que toca aos pedidos contidos na petição inicial, um resultado idêntico àquele que se obtivera na 1.ª Instância e limitando-se a rejeitar uma das vias ali seguidas é de concluir que, na Relação, não se adoptou uma fundamentação que deva ser tida como essencialmente diferente, o que impede o conhecimento do objecto do recurso, no segmento em que versa sobre esse aspecto, independentemente de não ter sido admitido o recurso interposto pela recorrente da decisão de 1.ª Instância.

III - Como as questões em sentido técnico não podem ser confundidas com factos, a falta de consideração de um facto tido pela recorrente como demonstrado ou um suposto erro na apreciação da prova, não integra a nulidade prevista na primeira parte da alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do NCPC (2013), o mesmo se podendo afirmar relativamente a argumentos ou invocações que não integram os fundamentos da causa de pedir (da acção ou da reconvenção) ou de excepções.

IV - Tendo o Autor impetrado o cancelamento dos registos lavrados a favor dos intervenientes e arguido a nulidade dos negócios a eles subjacentes, o acórdão recorrido não incorreu na nulidade decorrente do excesso de pronúncia se o determinou com base nessa arguição.

V - Do n.º 3 do art. 674.º e n.º 2 do art. 682.º, ambos do NCPC (2013) evola que o STJ, enquanto tribunal de revista, só pode conhecer da matéria de facto quando ocorra ofensa expressa de lei que exija prova vinculada ou estabeleça o valor de determinado meio probatório, sem prejuízo de, com as devidas cautelas, poder sindicar o uso, pela Relação, dos poderes que lhe são conferidos pelo n.º 2 do artigo 662.º do mesmo diploma.

VI - O facto de o recurso de apelação interposto pela recorrente não ter sido admitido não faculta a esta, à luz de qualquer norma vigente no nosso ordenamento jurídico ou de qualquer princípio, a possibilidade de impetrar a este Supremo Tribunal de Justiça a reapreciação da matéria de facto com base na valoração de segmentos de depoimentos testemunhais, tanto mais que estamos perante meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador.

VII - O art. 1.º da Lei n.º 54, de 16-07-1913, está em vigor, é aplicável ao instituto da usucapião quando este verse sobre bens afectos ao domínio privado de institutos públicos integrados na administração indirecta do Estado e não enferma de inconstitucionalidade material por violação do princípio da igualdade.

VIII - Não se tendo alegado que a aquisição efectuada pela recorrente aos Réus visava a revenda do prédio em causa nos autos, a mesma não se pode ter como comercial, pelo que, demonstrando-se que esse bem pertencia ao recorrido, estamos em presença de uma transacção nula por falta de legitimidade daqueles para a transmissão, o mesmo se concluindo relativamente à venda daquele bem aos demais recorrentes.

IX - Sendo as alienações posteriores do imóvel somente inoponíveis ao recorrido, os recorrentes não se podem prevalecer do disposto no art. 291.º do CC, o qual tem o seu campo de aplicação cingido à nulidade e à anulabilidade.

X - Ainda que fosse aplicável tal preceito, o certo é que, sendo os negócios referidos em VIII os únicos afectados pelo vício, a circunstância de terem sido concluídos menos de três anos antes da propositura e registo da presente acção sempre obviaria a que se reconhecessem os direitos dos recorrentes sobre o imóvel transaccionado.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça :


1 - O Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana, I.P.

intentou,em 2011-03-18   contra

AA e esposa BB, pedindo que, pela sua procedência, se declare:

a) impugnado, para todos os efeitos legais, o facto justificado na escritura pública de justificação outorgada em 30-06-2006, referente à aquisição, pelo Réu, por usucapião, do prédio identificado nos art.ºs 4.º e 10.º da petição inicial;

b) ineficaz e de nenhum efeito essa mesma escritura de justificação notarial, por forma a que os Réus não possam através dela registar quaisquer direitos sobre o prédio nela identificado;

c) o cancelamento do registo operado com base no documento impugnado na acção, nos termos do art.º 8.º do Código do Registo Predial.


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2 - Para tanto e em síntese alega que é um instituto público, integrado na administração directa do Estado, tendo sucedido nos direitos e obrigações do Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado (IGAPHE), que, por seu turno, sucedera ao Fundo de Fomento Habitacional.

Em Fevereiro de 1978 foi adjudicada a esta última entidade, no âmbito de um processo de expropriação que correu termos no Tribunal Judicial da comarca de Guimarães, a propriedade, entre outros, de um conjunto de prédio urbanos, no qual se incluía o seguinte:

- prédio composto por um andar com terreno de quintal, com a área de 2050m2, sito na freguesia de …, descrito na CRP de Guimarães sob o n.º … e inscrito na matriz predial sob os art.ºs 9.º e 10.º.

Por força da sucessão legal das instituições atrás referidas o prédio em causa foi transferido para o seu património, sendo tal aquisição inscrita no registo a seu favor em Abril de 2008, correspondendo actualmente ao art.º ….

Em 30 de Junho de 2006 os Réus outorgaram uma escritura pública, na qual o Réu marido declarou que era dono e possuidor do seguinte prédio:

- prédio urbano, composto de casa de habitação de rés-do-chão, com logradouro, com a área total de 1.557,90 m2, não descrito na CRP de Guimarães e inscrito na matriz predial em nome do justificante sob o art.º ….

Nessa escritura pública o Réu marido justificou a titularidade do prédio com a sua aquisição por usucapião, a pretexto de o prédio lhe ter sido doado, em 1984, pelos seus avós paternos e do facto de o ter possuído desde então.

O prédio a que se refere a escritura pública de justificação coincide com o prédio que faz parte do seu património.

Acresce que não estão verificados os pressupostos para que os Réus tenham, de facto, adquirido tal prédio por usucapião, além do que sempre lhes caberia prová-lo.


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3 - Devidamente citados para a causa, os Réus contestaram impugnando a generalidade dos factos alegados pelo Autor na sua petição e invocaram que a avó do Réu marido, a partir de 1978, até à sua morte em 15 de Fevereiro de 1993, possuiu o prédio em questão de forma contínua e ininterruptamente e à vista de toda a gente.
Depois da sua morte, os contestantes continuaram, de forma contínua e interrupta e à vista de toda a gente, a possuir o prédio, o que aconteceu depois de a avó do Réu marido, em 1984, o ter doado verbalmente, assim se concretizando a transferência da posse para os mesmos.
Ora, o Autor nunca reivindicou o prédio em causa; assim, o Réu, juntando à sua a posse da anterior possuidora, por intermédio do instituto da acessão na posse, adquiriu o prédio por via da usucapião, sendo certo que tal posse perdurou por um período total de 31 anos.
De resto, tendo a aquisição a favor dos contestantes sido inscrita no registo em momento anterior à da inscrição do Autor, é a este que incumbe provar os fundamentos da sua pretensão.
Os Réus contestantes invocaram ainda, que, na procura de melhores condições de habitação, permutaram o prédio em questão por uma fracção autónoma tipo T2, designada pela letra “H”, no 1.º andar, esquerdo superior, entrada A, com garagem na cave, de um edifício em propriedade horizontal, propriedade da sociedade comercial “Construções CC, Ldª.”, o que fizeram por escritura pública outorgada em cartório notarial em 16 de Julho de 2009. Posteriormente, em 4 de Março de 2011, a proprietária do prédio justificado vendeu-o a DD, por contrato de compra e venda.

O Autor replicou, impugnando os factos alegados pelos Réus, quer quanto à sua verificação, quer quanto ao efeito jurídico que os Réus deles pretendem retirar, explicitando, ainda, o entendimento de que um terceiro adquirente, mesmo que de boa fé, não verá reconhecido o seu direito mesmo que o tenha registado, não beneficiando da tutela prevista no art.º 291.º do Código Civil.
Na réplica, o A. deduziu incidente de intervenção principal provocada, requerendo o chamamento, para intervirem na acção como associados dos Réus, das pessoas que, de acordo com a contestação destes, teriam beneficiado das transmissões descritas nessa articulado, a sociedade comercial Construções CC, Ldª. e os posteriores adquirentes EE e mulher FF.
Finalizou a sua pretensão, requerendo, ainda, nos termos do art.º 273.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, a ampliação do pedido inicialmente deduzido, no sentido da declaração de cancelamento dos registos de aquisição posteriores aos dos Réus, relativos ao prédio descrito sob o n.º …, da freguesia de …, Guimarães.
Na sequência do convite constante do despacho de fls. 139 a 141, o A. suscitou ainda a intervenção de terceiros como associados dos Réus, dos restantes outorgantes da escritura pública de justificação impugnada, GG, HH e II.

Por despacho proferido nos autos, transitado em julgado, foi deferido o incidente deduzido pelo Autor, sendo que, em consequência, foram citadas as pessoas cujo chamamento foi pedido.

Tanto a interveniente Construções CC, Ldª., como EE e mulher contestaram. A primeira reconheceu ter celebrado o negócio pelo qual adquiriu o prédio em discussão nos autos, encontrando-se na sua posse por si e pelos antepossuidores em termos que permitiriam já a sua aquisição por usucapião. Os segundos, alegaram que é sobre a A. que recai o ónus de provar que é proprietária do prédio em discussão nos autos e referiram que adquiriram o prédio por contrato de compra e venda, bem como por via da usucapião e que o fizeram de total boa fé, não lhe sendo oponível qualquer nulidade de negócios anteriormente celebrados. Por outro lado, adquiriram o prédio a comerciante, ou seja, à Interveniente Construções CC, Ldª., pelo que, a exigir-se a restituição do prédio, têm direito a ver devolvido o preço da aquisição por parte de quem demanda.

O Autor replicou às contestações dos Intervenientes, mantendo a sua posição quanto aos termos da causa já anteriormente manifestada e pugnando pela improcedência da argumentação expendida pelos Intervenientes.
Admitida a ampliação do pedido requerida pelo Autor e fixado o valor da causa foi, depois, proferido despacho saneador tabelar e seleccionada a matéria de facto assente e controvertida (v. fls. 301 a 310), o que mereceu a reclamação do Autor de fls. 317 e 318, desatendida por despacho de fls. 345.

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4 - Foi proferido despacho que saneou o processo e fixou os factos tidos como provados, elaborando-se base instrutória com os que subsistiam como controvertidos.

5 - Após realização da audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, declarou:
a) impugnado, para todos os efeitos legais, o facto justificado na escritura pública de justificação outorgada em 30-06-2006, referente à aquisição, pelo Réu, por usucapião, do prédio identificado nos art.ºs 4.º e 10.º da petição inicial;
b) ineficaz e de nenhum efeito essa mesma escritura de justificação notarial, por forma a que os Réus não possam através dela registar quaisquer direitos sobre o prédio nela identificado;
c) determinar o cancelamento da inscrição no registo operada pelo Réu AA com base no documento impugnado na acção;
d) não ordenar o cancelamento dos registos efectuados relativamente a tal prédio por parte dos Intervenientes Construções CC, Ldª. e EE e esposa FF.

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6 - Inconformados, recorreram desta decisão os RR. AA e mulher, BB .
O Instit. de Reabilitação Urbana interpôs recurso subordinado.
7 - A Relação decidiu julgar
- improcedente a apelação interposta pelos RR. e
- procedente o recurso subordinado, revogando a sentença recorrida na parte em que não ordena o cancelamento dos registos efectuados relativamente a tal prédio por parte dos intervenientes Construções CC, Ldª. e EE e esposa FF, e em consequência, ordenam o cancelamento dos registos de aquisição efectuados em nome dos intervenientes, mantendo o demais decidido.

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8 - É desta decisão que em 2014-05-16- foi interposta revista

- pela interveniente Construções CC, Ldª (fls.744) que encerra as alegações com as seguintes conclusões:

1 - O tribunal de 1ª instância, na presente acção declarativa de simples apreciação negativa, declarou impugnado o direito de propriedade dos réus, justificado por escritura pública, com o argumento de que a invocada usucapião não ocorrera, por inexistência de animus possidendi dos réus justificantes, e por

insuficiência do prazo da sua posse, por entender que este, tratando-se de bens do domínio público do Estado, era o previsto pelo artigo 1º da Lei 54 de 16 de Junho de 1913, mas, no mais, julgou a acção improcedente, não ordenando o cancelamento dos registos posteriores à aquisição - o primeiro a favor da ora recorrente, por permuta, o segundo a favor dos outros intervenientes, por venda da recorrente - porque a causa de pedir da acção respeitava apenas à invalidade ou ineficácia da escritura pública de justificação, e não a quaisquer vícios dos posteriores actos de transmissão.

2 - Apesar dessa decisão, a interveniente Construções CC Lda., interpôs dela recurso de apelação, por entender que era directa e efectivamente prejudicada (artigo 631° n.°2 do Código de Processo Civil), recurso que, porém, não foi recebido, porque a interveniente não fora vencida, mesmo após reclamação para a conferência, deduzida nos termos do artigo 700° n.°l al. b) e 704° do Código de Processo Civil.

3 - O acórdão que veio a ser produzido sobre o fundo da questão, revogou a decisão recorrida, embora decidindo que os réus provaram o corpus e o animus, por a sua posse não ter durado pelo tempo suficiente, contado conforme aquela lei n.° 54 de 16 de Julho de 1913, e decidiu ainda, na procedência do recurso do autor, que também as transmissões posteriores à justificada eram nulas, e que era oficioso o conhecimento desta nulidade, decisão que directa e efectivamente afecta os direitos da citada interveniente, pelo que esta da mesma recorre de revista.

RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO

4 - O recurso de revista, nas circunstâncias expostas, e pretendendo a recorrente impugnar o modo como foi decidida a matéria de facto, sendo, como é, produzido em segundo grau de jurisdição, não deve estar sujeito às limitações impostas pelo artigo 682° n.° 2 do Código de Processo Civil, sem prejuízo de, apesar de assim entender, a interveniente entender também que o recurso quanto à matéria de facto sempre teria cabimento, por se integrar na competência jurisdicente própria do Supremo.

5 - Na verdade, sendo exacto que "a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada salvo o caso excepcional previsto no n.°3 do artigo 674º", ou seja, quando ocorrer "erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa", o recurso de revista também é admissível quando houver "ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (art. 682° n.°2 do Código de Processo Civil)".

6 - Constitui também fundamento de revista a comissão de qualquer das nulidades previstas nos artigos 615° e 666° do Código de Processo Civil (artigo 674° n.° l al. c) do Código de Processo Civil), ou seja, qualquer das nulidades da sentença ou quando o acórdão é lavrado contra o vencido ou sem necessário vencimento.

7 - Ante uma decisão da Relação que omita factos fundamentais da causa, demonstrados por documentos, e que, por isso, não podiam ser questionados, o Supremo pode, conhecendo do erro, anular a decisão da Relação e julgar logo do fundo da questão, como fez no acórdão de 12 de Março de 1998 (Col. Jurisp. STJ 61, pág. 124) ou optar pela solução de exercer uma "discreta censura" sobre a decisão, anulando o acórdão recorrido para o recurso ser de novo julgado nas partes viciadas pelo Tribunal da Relação, como decidiu, por exemplo, no acórdão do STJ de 12 de Janeiro de 1994 (in Col. Jurisp. STJ 1994,1, 31).

8 - Ora, o acórdão recorrido, tal como a decisão de 1ª instância, não considerou na matéria de facto provada, apesar de a mesma se encontrar plenamente assente por confissão e documentos, que, como a recorrente alegou no artigo 16 da sua contestação, "(...) a referida interveniente é, há vários anos, comerciante, negociando e estando colectada como sociedade de construção imobiliária e de compra e venda de imóveis, tendo recebido um prédio registado em nome do alienante e tendo alienado já registado no seu próprio nome"(cfr. os does. de fls. 167, 171, 365, 388, 393 e 444).

9 - Ambas as instâncias, por outro lado, julgaram a matéria de facto respondendo aos quesitos 21° e 22° não se ter provado que os réus possuíam o prédio na convicção de exercerem um direito próprio e sem lesar direitos de outrem (quesito 21°) e não se ter provado que a avó do réu lhe doou verbalmente o prédio em 1984 (quesito 22°) mas erradamente decidiram.

10 - Com efeito, bastaria atentar nos depoimentos de duas testemunhas (JJ e KK cujos depoimentos foram gravados e estão reproduzidos atrás, in CD n° 1 depoimento de 25,43m e CD n° 1 depoimento de 28:10 m) para - sem qualquer desmentido poder concluir que esses quesitos deviam ter resposta de "Provado"; considerando que ambos referiram que os réus se declaravam donos do prédio e nele fizeram obras de fundo e de restauro, que a avó do réu dizia também que o prédio dela, só saía dele quando morresse e que, depois, era para o neto, aqui réu (cfr. depoimentos transcritos no texto) e só por isso nele gastava dinheiro com obras o que seguramente implica "inversão do título de posse".

11 - No que respeita à correcção proposta para as respostas aos quesitos 21° e 22°, a recorrente - que recorre em segundo grau de jurisdição deve lembrar-se, cumpriu, como se viu, o ónus de especificar os meios probatórios que impõem as diversas respostas que se propõem e indicou as respostas sugeridas, no sentido de se dar por provado a posse e propriedade dos réus sobre o prédio reivindicado.

RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO

12 - Em consequência da omissão a que se alude na conclusão 8ª, erradamente, por isso, se pronunciou o acórdão recorrido, julgando-se estar perante vendas regidas pelo Código Civil, quando as mesmas são, antes, objectiva e subjectivamente comerciais, mas esse erro é sindicável pelo Tribunal de revista, por ocorrer, pelo menos, manifesta omissão dos factos fixados em relação aos alegados, acarretando a nulidade do artigo 615° n.° l al. d) do Código de Processo Civil, por erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, o que deve dar lugar à adopção de uma das duas medidas correctoras supra referidas (conclusão 7ª).

13 - Considerando tal facto, ainda que se entenda não haver necessidade de o acrescentar formalmente aos já fixados, impõe-se classificar como negócios mercantis aqueles em que a interveniente participou (escritura de permuta com os réus e escritura de venda aos outros intervenientes, com a consequência de, por aplicação do disposto nos artigos 2°, 463° n.°3 e 467° n.°2 do Código Comercial, julgando-se esses negócios inteiramente válidos, e daí deverem manter-se integralmente os registos que a relação decidiu eliminar (cfr. o acórdão da Relação de Lisboa de 18/07/2007 in www.dgsi.pt : "Na venda mercantil, diversamente da venda civil, a alienação de coisa alheia é válida.").

14 - De resto, conforme se decidiu em 1ª instância, a causa de pedir da acção era apenas a declaração de invalidade ou de ineficácia da escritura de justificação notarial, e de nenhuma outra, pelo que o acórdão recorrido não podia nunca considerar-se legitimado para, violando o princípio do pedido, declarar a nulidade dos negócios posteriores, porque não pedida, nem, por isso, objecto de apreciação e prova em julgamento.

15 - Sem prescindir, o acórdão recorrido, no seguimento da sentença que o precedeu, na procedência parcial da acção, condenou os réus a ver declarado impugnado, para todos os efeitos legais, o facto justificado na escritura de justificação de 6/06/2006 referente ao prédio identificado na inicial, julgou ineficaz essa escritura, e determinou o cancelamento do registo de propriedade feito pelos mesmos réus e pelos intervenientes;

16 - O tribunal de 1ª instância entendeu que os réus não obstante ocuparem esse prédio por si e sua antepossuidora, sua avó, que alegadamente lho doou verbalmente, há 33 anos, e ser essa ocupação pública, pacífica, contínua e sem oposição de ninguém, não podiam ter adquirido o prédio por usucapião (por falta de "ânimo"), nem por "tradição", da avó, quer por falta de posse, quer por não se ter provado sequer essa doação verbal, mas a decisão, nessa parte, não foi confirmada pelo acórdão recorrido, que julgou verificado corpus e animus do possuidor, susceptíveis de levarem à aquisição por usucapião, só não tendo esta por verificada por entender aplicar-se ao caso o prazo de 30 anos, previsto pelo artigo Io da Lei 54 de 16 de Julho de 19, e daí julgou impugnado o facto justificada e as transmissões posteriores, estas por "nulidade sequencial", já que se trataria de transmissões a non domino, aplicando erradamente, e para mais, sem justificação alguma, oficiosamente os artigos 286° e 291° nos 1 e 2 do Código Civil.

17 - Estando preenchidos, como estavam, todos os requisitos de facto exigidos pelos artigos 1251°, 1255°, 1263°, 1287° e 1296° do Código Civil, as instâncias deviam ter reconhecido a aquisição da propriedade pelos réus por usucapião, e julgado a acção improcedente, até por abandono do autor em relação ao prédio reivindicado.

18 - De resto, mesmo que se entendesse não se ter provado que os réus possuíram o prédio com ânimo de quem exerce direito próprio, de propriedade, certo é que, tendo-se provado, como se provaram, todos os elementos que integram o corpus possessório, susceptíveis de levarem à aquisição do correspondente direito real de propriedade por usucapião, devia ter sido julgado provado o animus.

19 - Com efeito, a falta de prova do animus não podia impedir o reconhecimento do direito real de propriedade pois o animus deve presumir-se, uma vez que a existência do animus, como a doutrina e a jurisprudência "nemine discrepante" têm sustentado, presume-se a partir da prova do corpus (Ac. Rel. do Porto 23/10/1997, in Col. Jur. 1997, 4, pág. 226, Ac. STJ de 26/4/1994, in Col. Jur. STJ 1994, 2, pág. 62 e Mota Pinto, Direitos Reais, 1970, pág. 191);

20 - Devendo entender-se que provado o corpus se presume o animus, igualmente se deve entender que recai então "sobre a contraparte o ónus de alegar e provar que o facto presumido não se verifica" (cfr. Ac. Rel. do Porto de 23/10/1997 in Col. Jur. 1997, 4, pág. 226), de onde deve concluir-se que era do autor e não dos réus o ónus da alegação e prova da inexistência de animus.

21 - A consequência jurídica do facto de o autor, enquanto expropriante, nada ter oposto durante 33 anos à ocupação do prédio pelos réus, que bem conhecia - nem sequer ter promovido o seu registo do prédio em seu nome- é, naturalmente a de que os réus que, em contraponto afirmavam ser proprietários do prédio, eram, mais do que meros detentores do prédio, ou como exercendo sobre ele mas uma "posse em nome alheio", mas antes uma posse em nome próprio, única que poderia levar à aquisição do direito, como levou.

22 - Os artigos 1255° e 1256° do Código Civil admitem a sucessão na posse ou a transmissão desta quando as "posses", inicial e subsequente, têm a mesma natureza e são homogéneas, o que, no caso, se verificava (cfr. o acórdão do STJ de 6 de Julho de 1976, in BMJ, 259, 227).

23 - No caso, além do mais, provou-se ainda a inversão do título de posse pelos réus (porque a avó do réu logo se apoderou, após a expropriação, do prédio em causa, habitando-o e agricultando-o, fazendo nele obras e proclamando que o prédio era para o neto e não sairia dele se não para o cemitério), demonstrando-se ainda o abandono pelo autor (porque este jamais o ocupou, usou, fruiu, nele fez qualquer intervenção, ou pagou contribuições e impostos, durante mais de 30 anos, nem sequer o tendo registado se não após conhecer os efeitos da escritura de justificação).

24 - Não podiam ainda as instâncias deixar de, na procedência do reconhecimento da propriedade dos réus e por isso na improcedência da acção, julgar que os réus tinham "posse", quer material, quer jurídica, do prédio porque a "posse" é unicamente relacionável com direitos reais e porque eles não eram meros "detentores" ou "possuidores em nome de outrem", antes tinham a posse indiscutível do prédio, justificando-a por uma cadeia sucessiva de posses ininterruptas: sucederam na posse à avó do réu marido, como esta sucedeu na posse ao autor, a quem nunca reconheceu qualquer direito, desde há mais de 30 anos, e a quem o autor no mesmo período nada exigiu.

25 - Não é também aceitável a decisão das instâncias de que ao caso se aplicava, em matéria de contagem do prazo, para o prédio ser usucapível pelos réus, o art°. 1º da Lei 54 de 16 de Julho de 1913 (as prescrições contra a Fazenda Nacional só se completam quando aos prazos normais acrescem mais metade) pois essa norma refere-se apenas a dividas fiscais e a dividas "fiscais actuais" como do seu texto resulta, e a bens que se integram no domínio privado do Estado, enquanto o prédio em causa, pertencente que era de um instituto público, pertencia ao domínio privado desse instituto e as duas situações não podem deixar de se distinguir (cfr. Meneses Cordeiro, Direitos Reais, 1979, pág. 178 e Marcello Caetano, Manual, 8a ed., pág. 213).

26 - Para além disso, o privilégio que essa norma concede ao Estado em relação ao comum dos cidadãos, não pode deixar de se considerar inconstitucional por violação do princípio da igualdade aludido no artigo 13° da Constituição, pelo que a norma em causa não pode ser aplicada pelos tribunais (art° 204° da Constituição).

27 - O acórdão recorrido violou, assim, entre o mais o artigo 3º do DL 47344 e o artigo 1304° do Código Civil, pois, com a entrada em vigor deste, ficou revogada "toda a legislação civil relativa às matérias que este diploma abrange", ficando igualmente sujeito ao Código Civil "o domínio das coisas pertencentes ao Estado ou a quaisquer outras pessoas colectivas públicas".

Temos em que na procedência do recurso, deve revogar-se o acórdão recorrido, corrigir-se a matéria de facto nos termos propugnados e julgar-se a acção inteiramente improcedente e não provada com as legais consequências, no que à recorrente respeita.

Quando, porém, assim se não entenda, e mesmo que se mantenha a matéria de facto sem qualquer correcção, deve sempre a acção ser julgada inteiramente improcedente e não provada.

- pelos RR. EE e FF (fls. 784)

A) A decisão da 1ª instância quedou-se apenas pelo conhecimento da validade da escritura de justificação, razão pela qual em momento algum apreciou a "argumentação expendida pelos intervenientes nas suas contestações", que ficou prejudicada.

B) Conforme resulta da decisão recorrida, os recorrentes na sua contestação alegaram:

- Que adquiriram o prédio a comerciante, ou seja, à interveniente Construções CC, Ldª.

- Não lhes é oponível a declaração de nulidade por serem 3°s para efeitos de boa-fé,

- A exigir-se a restituição do prédio, têm direito a ver devolvido o preço da aquisição, por parte de quem os demanda.

C) O Acórdão recorrido, conheceu oficiosamente da nulidade decorrente da venda de coisa alheia, revogou a decisão proferida em 1ª instância e ordenou o cancelamento dos registos de aquisição efectuado em nome dos intervenientes.

D) Contudo, nem junto da 1ª instância, nem junto do Tribunal da Relação, as decisões versaram acerca das consequências jurídicas que derivam do facto dos recorrentes terem celebrado negócio com comerciante (expressamente alegado em 32° da sua contestação) e, de seguida, da aplicabilidade do disposto no artigo 1301° do C.C., ou da aplicabilidade do disposto no artigo 467° do Código Comercial.

E) Estas questões expressamente alegadas na contestação dos recorrentes quedaram-se sem resposta por parte de qualquer uma das instâncias judiciais, o que importa nulidade da decisão recorrida, por falta omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615° / n° 1 alínea d) do C.P.C.

F) Por outro lado, entende-se que o Acórdão recorrido excedeu o seu dever de pronúncia, na parte em que conheceu oficiosamente da nulidade decorrente da venda de coisa alheia,

G) Já que os Senhores Desembargadores sobrepuseram-se ao pedido efectivamente formulado, pois que, a A. manifestou ao longo dos autos a propensão para optar não pelo pedido de declaração de nulidade, mas pela via da declaração de ineficácia, de modo a "fugir" da norma prevista no artigo 291° do C.C.

H) Mais entendem os recorrentes que o Acórdão recorrido fez incorrecta interpretação e aplicação do disposto no artigo 291° do C.C.

I) O Acórdão recorrido entendeu não ser de aplicar o previsto no artigo 291° do C.C., já que, no entendimento da decisão recorrida, foi efectuado o registo da acção onde se invoca a nulidade nos 3 anos subsequentes à venda.

J) Para tanto, sublinha o Acórdão recorrido que a acção foi registada em 20/07/2011 e que a permuta a favor da 1ª interveniente data de 16/074/2009, enquanto a compra e venda a favor dos ora recorrentes data de 13/01/2011.

K) Acontece porém que, o negócio impugnado é o de 30/06/2006, melhor identificado no facto provado n° 7, ou seja, a escritura pública de justificação.

L) A A. deveria ter proposto e registado a sua acção judicial, em que "pede" a nulidade dos negócios impugnados no prazo de 3 anos, contados da justificação notarial, ou seja, até 29/06/2009.

M) Assim entendeu o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 29/03/2012 (processo n° 2441/05.8TBVIS, publicado em www.dgsi.pt) de onde se extrai que "a Acção de nulidade da escritura pública de justificação notarial da aquisição de um prédio, se não for proposta e registada nos 3 anos posteriores à conclusão do negócio impugnado é inoponível a 3°s de boa-fé".

N) No caso dos autos, deve entender-se que o prazo de 3 anos de período cerrado para efeitos do disposto no artigo 291° / n° 2 do C.C. se conta desde a data da conclusão do negócio impugnado, ou seja, da escritura de justificação notarial.

O) Os recorrentes são terceiros para efeitos do disposto no artigo 291°, estão de boa-fé, adquiriram o prédio de forma onerosa, registaram a sua aquisição antes do registo da presente acção, pelo que atento o que se deixou dito, a nulidade não lhes é oponível.

Por fim,

P) Em 32° da sua contestação os recorrentes alegaram ter adquirido o prédio em causa nos autos, à 1ª interveniente, comerciante do ramo, que por sua vez, conforme consta do título que permite a sua aquisição, o havia permutado com destino a revenda.

Q) A. exige aos recorrentes coisa que comprou de boa-fé, a comerciante, que negoceia em coisas do mesmo género.

R) São acrescidas as necessidades de tutela dos terceiros, como são os recorrentes, pelo que, se se entender não ser de aplicar à compra e venda datada de 13/01/2011, a norma prevista no artigo 467° do Código Comercial, sempre os recorrentes, nos termos do disposto no artigo 1301° do C.C., teriam direito a exigir da A. a restituição do preço que o os recorrentes deram pelo prédio

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, e consequentemente, revogar-se o Acórdão recorrido.


Foram apresentadas contra-alegações com as seguintes conclusões:

a. Deve ser rejeitado o recurso de revista da Interveniente Construções CC, Ldª., na parte em que pede a reapreciação do julgamento da matéria de facto e da decisão das questões que já foram objecto de valoração e decisão conforme pela 1ª Instância e pelo Tribunal da Relação de Guimarães;
b. A decisão recorrida não padece de nenhum dos vícios invocados pelos recorrentes, pelo que não merece qualquer tipo de censura quanto à interpretação do direito aplicável.

A Relação conheceu das nulidades invocadas na revista :
Construções CC, Ldª. e EE e mulher, FF, vieram interpor recurso de revista do acórdão que antecede. No recurso que interpõem os recorrentes suscitam a nulidade do acórdão recorrido.
Cumpre apreciar as suscitadas nulidades em conferência (art° 617/1 do CPC ex vi do art° 666° 1 e 2 do CPC):
São as seguintes as nulidades invocadas pelos recorrentes:
Nulidade prevista na alínea d) do n° 1 do art° 615° do CPC (conclusões 8 e 12ª do recurso da recorrente Construções CC e alíneas D) e E) das conclusões dos recorrentes EE e mulher) por entenderem que o acórdão recorrido não considerou na matéria de facto provada, apesar de a mesma se encontrar plenamente provada por confissão e documentos, os factos alegados pela recorrente Construções CC no artigo 16 da sua contestação, relativos à sua qualidade de comerciante e consequentemente não atentou na qualidade de comerciante da recorrente, regulando o caso dos autos pelo Código Civil quando o deveria ter feito pelo Código Comercial.
O vício que os recorrentes apontam ao acórdão recorrido não constitui uma causa de nulidade. A ter-se verificado, configurará um erro de julgamento que poderá importar a revogação da decisão recorrida, mas que não determina a sua nulidade, razão porque se entende, desde logo, não ter sido cometida a nulidade invocada.
Nulidades previstas nas alíneas 615/d) e e) do CPC, invocadas respectivamente nas alíneas E) e F) das conclusões dos recorrentes EE e mulher e na conclusão 14ª das conclusões das Construções CC, alegando-se que o acórdão recorrido conheceu de questão sobre a qual não podia pronunciar-se - a nulidade dos negócios jurídicos posteriores - e violou o princípio do pedido ao declarar a nulidade dos negócios jurídicos posteriores.
Na réplica, o A. requereu, , nos termos do art.° 273.°, n.° 2 do Código de Processo Civil, a ampliação do pedido inicialmente deduzido, no sentido da declaração de cancelamento dos registos de aquisição posteriores aos dos Réus, relativos ao prédio descrito sob o n.° …, da freguesia de …, Guimarães, ampliação que foi admitida.
Como se refere no acórdão recorrido, a nulidade dos negócios foi invocada. O A. invocou a nulidade dos negócios, tanto na réplica que apresentou, na sequência das contestação apresentada pelo interveniente principal Construções CC, Ldª. (art°s 8o e 9o e 26°), como na que apresentou em resposta à contestação dos RR. (art°s 38° e 39°). Ainda que assim não se entendesse, sempre a nulidade era de conhecimento oficioso, devendo ser conhecida e declarada (art° 286° do CC) pelo que, em nosso entender, o acórdão recorrido não conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento.
Por outro lado, basta atentar na parte decisória do acórdão recorrido para concluir que não condenou para além do pedido. Ainda que o acórdão tivesse declarado na parte decisória a nulidade dos negócios, entende-se que o pedido que requer o cancelamento de determinados registos como decorrência da nulidade de determinados negócios, contém implicitamente o pedido de declaração de nulidade, pelo que sempre tal decisão estaria contida dentro dos limites do pedido.
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em não suprir as invocadas nulidades.


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9 - Matéria de facto:

1.- O autor é um Instituto Público, integrado na administração indirecta do Estado, que prossegue atribuições do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, sob superintendência e tutela do respectivo ministro (al. A dos factos assentes).

2.- É o sucessor legal do Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado (IGAPHE), o qual, por sua vez, já havia sucedido ao também extinto Fundo de Fomento Habitacional (al. B dos factos assentes).

3.- Por despacho judicial proferido no dia 28 de Fevereiro de 1978, no processo de expropriação por utilidade pública que, com o n.º 30/78, correu termos pelo 1.º Juízo, 2.ª Secção, do Tribunal Judicial de Guimarães, foi adjudicada ao Fundo de Fomento Habitacional a propriedade, entre outros bens, de um conjunto de prédios urbanos, entre os quais se incluía o seguinte:

.- prédio composto por um andar, com terreno de quintal, com a área de 2.050m2, sito na freguesia de Fermentões, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º …, a fls. 83, do L.º B-55, e inscrito sob os art.ºs 9.º e 10.º da matriz urbana da freguesia de …, concelho de Guimarães (documento de fls. 17 a 21) (al. C dos factos assentes).

4.- A expropriação a que se alude em 3 destinava-se à execução do “Plano Integrado de Guimarães”, que previa para as parcelas expropriadas a implantação de um bairro social (al. D dos factos assentes).

5.- Na Conservatória do Registo Predial de Guimarães mostra-se inscrita a favor do autor, sob o n.º … e desde 16-04-08, a aquisição do prédio a que se alude em 3, ali descrito como sendo um prédio urbano, situado no lugar da Conceição, com a área total de 2.050m2, sendo a coberta de 153 m2 e a descoberta de 1897 m2, constituindo um edifício de um piso e logradouro, a confrontar do norte e do nascente com caminho público e do sul e do poente com o próprio autor (documento de fls. 22 e 23) (al. E dos factos assentes).

6.- A aquisição a que se alude em 5 fundou-se, nos termos da mesma inscrição predial, em “transferência de património”, concretizada, em primeiro lugar, a 20-06-07, do Fundo de Fomento de Habitação para o IGAPHE – Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado e, depois, na data referida em E, deste último para o autor (documento de fls. 22 e 23) (al. F dos factos assentes).

7.- Por escritura pública de justificação, outorgada no dia 30 de Junho de 2006, perante a Ex.ma Sr.ª Notária LL, no seu Cartório Notarial sito no Largo das …, Edifício das Hortas, 1.º andar, loja …, em Guimarães, os réus AA e BB - como primeiros outorgantes -, e os intervenientes GG, HH e II - como segundos outorgantes - declararam, além do mais, o seguinte:

.- o primeiro outorgante marido “que é dono e legítimo possuidor, com exclusão de outrem, do seguinte bem imóvel:

.- prédio urbano, composto por casa de habitação de rés do chão com logradouro, com a superfície coberta de” 287,30 m2 e “descoberta” de 1260,70 m2”, a confrontar do norte e nascente com Rua Nossa Senhora da Conceição e sul e poente com Rua Nossa Senhora da Conceição e Rua da Silveira, sito na referida Rua Nossa Senhora da Conceição, freguesia de …, concelho de Guimarães, não descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de Guimarães e inscrito na respectiva matriz, em nome do justificante sob o art.º …, com o valor patrimonial tributário e atribuído de sessenta e sete mil trezentos e dez euros”.

Que entrou na posse do identificado prédio ainda no estado de solteiro, em dia e mês que não pode precisar no ano de” 1984, “por doação verbal de seus avós paternos, MM e marido NN, residentes que foram nessa mesma Rua Nossa Senhora da Conceição, da qual não chegou a lavrar a respectiva escritura pública, pelo que ficou sem qualquer título formal que lhe permita fazer prova do seu direito de propriedade e obter o registo na Conservatória.

Porém, desde aquele ano de ” 1984 “que está na posse do referido prédio, possa que exerce em nome próprio há mais e vinte anos, sem interrupção, com o conhecimento da generalidade das pessoas e sem a oposição de ninguém, praticando sobre ele vários actos materiais de uso e aproveitamento, nomeadamente, habitando a casa e nela guardando todos os seus haveres, fazendo-lhe regularmente limpezas e obras de conservação, cultivando o logradouro com diversos produtos hortícolas, colhendo e consumindo os seus frutos, após a sua inscrição na matriz pagando os respectivos impostos e ocorrendo aos demais encargos do prédio, agindo assim sempre de forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, de boa fé, por ignorar lesar direito alheio, pacificamente porque sem violência, pública e continuamente, porque com o conhecimento de toda a gente e sem qualquer interrupção ou oposição de quem quer que seja.

Que dadas as características de tal posse, adquiriu o identificado prédio por usucapião, que invoca, justificando assim o correspondente direito de propriedade para efeitos de primeira inscrição no Registo Predial, causa esta de adquirir, que não é susceptível de ser comprovada por qualquer outro título formal extrajudicial”;

.- a primeira outorgante mulher que “confirma integralmente as declarações prestadas pelo seu marido, nomeadamente, a natureza de seu bem próprio do imóvel por ele justificado”;

.- os segundos outorgantes que “por serem do seu perfeito conhecimento e verdadeiras, confirmam inteiramente as declarações anteriormente prestadas pelos primeiros” (al. G dos factos assentes).

8.- Por escritura pública outorgada no dia 16 de Julho de 2009, no Cartório Notarial do Ex.mo Sr. Notário OO, PP e QQ - como primeiros outorgantes e em representação, como gerentes, da sociedade Construções CC, Ldª. - e os réus AA e BB – como segundos outorgantes - declararam, além do mais, o seguinte:

.- os primeiros, que a sua representada era proprietária e possuidora da fracção autónoma designada pela letra “H”, primeiro andar, esquerdo superior, entrada A, para habitação, tipo T-2, com a garagem n.º 27, na cave, identificada pela letra “H”, descrita na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º …-H, da freguesia de … e registada a seu favor pela inscrição 27, inscrita na matriz predial sob o art.º ….º-H, localizada no prédio urbano situado no lugar da Quinta do …, Lote Número Dois, freguesia de …, concelho de Guimarães;

.- o segundo outorgante marido, que era dono e possuidor do prédio referido em G;

.- os primeiros (em nome da sua representada) e o segundo que, por tal escritura, celebravam um contrato de permuta, mediante o qual os primeiros, em nome da sua representada, transmitiam ao segundo, a título de permuta, a fracção autónoma “H” acima identificada, no valor atribuído de € 130.000,00; em contrapartida, o segundo transmitia à sociedade representada dos primeiros, a título de permuta, o prédio urbano acima referido, no valor atribuído de € 130.000,00;

.- a segunda outorgante mulher, que ao respectivo cônjuge prestava o consentimento para a outorga da escritura pública (al. H dos factos assentes).

9.- Por documento escrito denominado “Titulo de Compra e Venda”, subscrito em 13 de Janeiro de 2011, na Primeira Conservatória do Registo Predial de Guimarães, PP e QQ, em representação, como gerentes, da sociedade Construções CC, Ldª. – como primeiros outorgantes e como representantes da parte vendedora – e EE – intervindo como segundo outorgante e na qualidade de parte compradora -, declararam, além do mais, que os primeiros, em nome da sua representada, vendiam ao segundo o prédio urbano a que se alude em G, pelo preço de € 75.000,00 e que todos aceitavam o negócio nos termos exarados (al. I dos factos assentes).

10.- Na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães mostra-se inscrito a favor dos intervenientes EE e FF, sob o n.º … e desde 31 de Janeiro de 2011, a aquisição, por compra, do prédio a que se alude em G (al. J dos factos assentes).

11.- O imóvel a que se alude em 7 é o mesmo imóvel a que se alude em 3 e 5 (resposta ao quesito 1.º).

12.- O réu AA, em 1964, e acompanhado pelo pai, instalou-se na casa da avó paterna, MM, correspondente ao prédio a que se alude em 7 (resposta ao quesito 2.º).

13.- Aquando do seu casamento com a ré BB, passou a dormir num anexo referido em 20 (resposta ao quesito 3.º).

14.- A avó do réu AA, a partir de 1978, até à sua morte em 15 de Fevereiro de 1993, numa parte do logradouro do prédio que estava afecta ao seu uso, cultivou e colheu couves, batatas, nabiças e cebolas, recolheu, pelo menos, castanhas e tratou e vindimou uma vinha (resposta ao quesito 4.º).

15.- Depois da morte da MM, o réu e a ré, casados entre si, continuaram a cultivar e a colher couves, batatas, nabiças e cebolas, a recolher castanhas e a tratar da vinha, na mesma parte do logradouro do prédio referida em 14, estendendo, depois, a sua ocupação, com o cultivo e a recolha dos seus frutos, à parte restante do logradouro do mesmo prédio (resposta ao quesito 8.º).

16.- Em data não concretamente apurada, mas por alturas de 1978, com o consentimento da avó do réu AA, foi edificado na parte do logradouro que estava afecta ao uso desta, um anexo em tijolo (resposta ao quesito 9.º).

17.- Esse anexo serviu de ponto de encontro do réu com os amigos (resposta ao quesito10.º).

18.- Em datas não concretamente apuradas, mas entre os anos de 1978 e 1980, a MM:

- substituiu o telhado velho por novo, para impedir infiltrações de água;

- substituiu a porta de entrada da casa em madeira por uma outra em alumínio;

- substituiu janelas e respectivos vidros por novas, com estores;

- colocou, pelo menos nos quartos, teto falso, em platex (respostas aos quesitos 12.º,13.º, 14.º e 16.º).

19.- A MM viveu no prédio desde data não concretamente apurada (resposta ao quesito 15.º).

20.- Em 1985, o réu, com o propósito de casar, edificou um anexo acoplado à casa em tijolo cimentado (resposta ao quesito 17.º).

21.- O descrito em 11 a 20 ocorreu de forma contínua e ininterrupta (resposta ao quesito 18.º).

22.- À vista e com o conhecimento de toda a gente (resposta ao quesito 19.º).

23.- Sem oposição de ninguém (resposta ao quesito 20.º).

24.- O referido em 15 ocorreu de forma contínua e ininterrupta, à vista e com o conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém (resposta ao quesito 24.º).

25.- O autor sempre foi conhecedor da ocupação que a MM fazia do prédio referido em 7 (resposta ao quesito 27.º).

26.- A Interveniente Construções CC, Ldª., com a escritura pública referida em 8, passou a ocupar o imóvel descrito nessa escritura pública.

27.- Assim passou a ocupar o prédio usando-o, fruindo-o, pagando as contribuições e os impostos que lhe respeitava, sujeitando-se a imposições camarárias, correspondentes às de verdadeiro proprietário (resposta ao quesito 27.º).

28.- Tal passou a ocorrer na convicção de que com tal ocupação não prejudicava direitos de quem quer que fosse e ignorando lesar direitos de outrem (resposta ao quesito 28.º).

29.- Dia a dia, até à data a que se acide em 9, e à vista de toda a gente (resposta ao quesito 29.º).

30.- Com o ânimo de quem usa e frui coisas próprias e no próprio nome de quem ocupa (resposta ao quesito 30.º).

31.- Os intervenientes EE e FF, com o ato a que se alude em 9, e a Interveniente Construções CC, com a escritura pública a que se alude em H, passaram a ocupar o imóvel descrito no documento aí mencionado, cortando matos, pagando impostos, vedando o terreno e dando entrada de projectos junto da Câmara Municipal que permitam uma edificação no local.

32.- Passaram a efectuar tal ocupação à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse e de forma continuada (resposta ao quesito 32.º).

33.- Tais actos sempre foram praticados à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse e de forma continuada (resposta ao quesito 33.º).

34.- Na convicção de quem exerce poderes sobre a coisa que lhe pertence, como verdadeiro dono (resposta ao quesito 34.º).

35.- E de quem não lesa direitos alheios (resposta ao quesito 35.º).

36.- Os intervenientes EE e esposa FF fizeram o acordo a que se alude em 9 julgando que o dono do prédio nele referido era a interveniente Construções CC, Ldª. (resposta ao quesito 36.º).


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10 - O mérito da causa:

O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil.

As questões a resolver são as seguintes:

A. Da inadmissibilidade parcial da revista da interveniente “Construções CC, Ldª.” em virtude da existência de dupla conforme.

B. Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia e por excesso de pronúncia (conclusões 6.ª a 8.ª e 12.ª e 14.ª da minuta de recurso da recorrente “Construções CC, Ldª.” e conclusões A) a G) das alegações dos recorrentes EE e FF);

C. Alteração da matéria de facto fixada pelas instâncias (conclusões 4.ª, 5.ª a 9.ª a 11ª da minuta de recurso da interveniente “Construções CC, Ldª.”);

D. Aquisição originária da propriedade do imóvel em causa nos autos por parte dos Réus e a conformidade, face à Constituição da República Portuguesa, do disposto no artigo 1.º da Lei n.º 54 de 16 de Julho de 1913 (conclusões 15.ª a 27.ª da minuta de recurso da recorrente “Construções CC, Ldª.”);

E. Venda de bem alheio e posição dos recorrentes face às suas consequências (conclusão 13.ª da minuta de recurso da recorrente “Construções CC, Ldª.” e conclusões H) a R) das alegações dos recorrentes EE e FF;

A - Da inadmissibilidade parcial da revista da interveniente “Construções CC, Ldª.” em virtude da existência de dupla conforme  

Primeiramente, impõe-se constatar que os presentes autos ingressaram em juízo em 17 de Março de 2011 (i.e. a data em que foi remetido o formulário que constitui a petição inicial - fls. 37 - e o disposto no n.º 1 do artigo 150º e no n.º 1 do artigo 267º, ambos do Código de Processo Civil na redacção à data vigente) e que a decisão recorrida data de 14 de Abril de 2014.

Assim, em decorrência do disposto no n.º 1 do artigo 5.º e do n.º 1 do artigo 7.º (a contrario), ambos da Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho, afigura-se-nos ser perfeitamente claro que a actual redacção do Código de Processo Civil é aplicável à lide recursória.

Importa, pois, considerar o que consta no n.º 3 do artigo 671.º deste último diploma, onde se lê que:

“3 – Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.”.

A dupla conformidade prevista como regra neste preceito foi, no domínio do processo civil, instituída pelo Decreto-Lei n.º 303/2007 de 24 de Agosto e constitui uma solução de compromisso entre as posições que preconizavam um irrestrito acesso ao Supremo Tribunal de Justiça e aquelas que defendiam a necessidade de reduzir o volume de recursos, por razões que se prendem com a racionalização dos meios processuais, com a gestão equilibrada dos meios humanos e materiais e com a valorização da intervenção deste Tribunal ([1]).

O cariz restritivo da dupla conforme é, todavia, temperado pela admissibilidade da revista excepcional (cfr. n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil), a qual, conforme amiúde se preconiza([2]) , é, verificados certos pressupostos, admissível nos mesmos casos em que seria admitida a revista “normal”, não fora a dupla conformidade verificada.

A versão inicial da figura a que vimos aludindo sofreu uma ligeira alteração com a versão actualmente vigente do Código de Processo Civil.

Ao invés do que sucedia até então, passou a relevar, além da inexistência de voto de vencido, o cariz da fundamentação empregue pela Relação na confirmação da sentença apelada.

Ao eleger a “fundamentação essencialmente diferente” como óbice à verificação da dupla conforme o legislador teve em vista os casos em que a confirmação da sentença na 2.ª Instância assenta num enquadramento normativo absolutamente distinto daquele que foi ponderado na decisão da 1.ª Instância, o que equivale por dizer que irrelevam uma eventual modificação da decisão de facto efectuada nesta última sede, dissensões secundárias, a não aceitação de um dos caminhos percorridos, ou a mera adição de fundamentos .

Regressemos ao caso.

Como decorre do relatório que antecede, o acórdão recorrido manteve a sentença de que foi interposto recurso de apelação pelos Réus, apenas alterando aquela decisão no que tange ao pedido formulado pelo Autor na primeira réplica apresentada por este.

Tal aresto foi lavrado sem qualquer voto de vencido.

Assim, tendo as instâncias apenas dissentido entre si no que respeita a essoutro pedido, resta apenas determinar - para aquilatar a existência da dita dupla conforme - se a Relação, ao confirmar a sentença recorrida no que toca aos demais pedidos formulados pelo Autor, empregou fundamentação substancialmente distinta.

Na 1.ª instância, observou-se que não se demonstrara que MM invertera o título da posse ou sequer que actuara sobre o prédio em causa com a convicção de que dele era dona. Mais se argumentou que o Réu não podia invocar a transmissão da posse em seu benefício ou a inversão do título da posse e, bem assim, que este não demonstrara o elemento subjectivo da posse.

Defendeu-se ainda que, mesmo que assim não fosse, haveria que ter em consideração que, na data referida no ponto n.º 16 do elenco factual, não havia ainda decorrido o prazo legalmente exigível para a verificação da aquisição da propriedade do imóvel por usucapião (fls. 484 a 492), o que conduziu ao sucesso das pretensões deduzidas na petição inicial pelo Autor.

Na segunda instância, sustentou-se, ex adverso, que se deveria presumir a existência de posse por parte de quem detinha a coisa, i.e. os Réus, o que dispensava o recurso à figura da inversão do título da posse. Considerou-se, porém e ainda assim, a falta de compleição do prazo previsto que facultava aos Réus a aquisição por usucapião (fls. 726 a 732), o que, a acrescer ao demais aí ponderado, conduziu ao soçobrar da pretensão recursiva por estes apresentada perante o tribunal recorrido.

Aqui chegados, impõe-se a conclusão de que o aresto recorrido se moveu dentro do mesmo quadro jurídico em que se moveu a sentença de 1.ª Instância, i.e. a aquisição da propriedade por usucapião e os respectivos pressupostos.

E, para alcançar um resultado idêntico (no que toca aos já referenciados pedidos inicialmente formulados), àquele que se obtivera na 1.ª Instância, o tribunal a quo limitou-se a rejeitar uma das vias ali seguidas – a inexistência de inversão do título da posse e a falta de comprovação do elemento subjectivo desta figura jurídica – mas perfilhou idêntico entendimento quanto à outra – a falta de decurso do prazo tido como exigível -.

Assim, é de concluir que, na Relação, não se adoptou uma fundamentação que deva ser tida como essencialmente diferente.

Conjugando todos estes elementos, crê-se ser apodíctico que se verifica a dupla conformidade entre as duas decisões no que respeita ao supra identificado segmento do objecto da causa. 

Ora, o objecto do recurso, no trecho em que é definido nos segmentos delimitados pelas 4.ª, 5ª, 9.ª a 11.ª, 17.ª a 25.ª e 27.ª conclusões recursórias da recorrente “Construções CC, Ldª.”, reconduz-se essencialmente a colocar em crise o entendimento e as decisões das instâncias (e, ao contrário do que seria normal, não só da Relação) sobre aqueles pedidos e respectivos fundamentos.([3])

Por isso, em decorrência do que se dispõe no n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, não pode esse trecho ser apreciado nesta sede.

E, na medida em que a lei não o refere nem existe qualquer princípio que o imponha, a circunstância de não ter sido admitido o recurso de apelação interposto pela recorrente “Construções CC, Ldª.” não invalida esta conclusão, tanto mais que poderia ter contraditado o recurso subordinado interposto pelo Autor da sentença de 1.ª Instância e não o fez.


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B - Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia e por excesso de pronúncia (conclusões 6.ª a 8.ª e 12.ª e 14.ª da minuta de recurso da recorrente “Construções CC, Ldª.” e conclusões A) a G) das alegações dos recorrentes EE e FF);

Sustentam os recorrentes a nulidade do acórdão recorrido, invocando a existência de omissão de pronúncia decorrente da circunstância de este não terem considerado as alegações inscritas, respectivamente, no artigo 16.º e no artigo 32.º dos articulados que, respectivamente, apresentaram.

Lê-se na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (ex vi n.º 1 do artigo 666.º do mesmo diploma) que: “É nula a sentença quando: (…)

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (…)”.

A nulidade que se imputa à decisão deriva da violação do disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil, onde se prevê que: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.

Contudo, é diferente “(…) deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão (…)”([4]) .

Assim, deve-se considerar que os fundamentos (de facto ou direito) apresentados pelas partes para defender a sua posição, os raciocínios, argumentos, razões, considerações ou pressupostos - que, podem, na terminologia corrente, ser tidos como “questões” - não integram matéria que deva ser objecto de pronúncia judicial. Na verdade, esta deve apenas incidir sobre a causa de pedir, o pedido, as excepções dilatórias e peremptórias invocadas e os pressupostos processuais, se for controvertida a sua verificação ([5]).

Face ao que se veio de expor, a invocada desconsideração dos referidos factos é manifestamente inidónea para que se possa considerar que o acórdão recorrido incorreu na nulidade a que vimos aludindo. Com efeito, um facto ou um acervo de factos não se confundem com uma questão.

Por os erros na fixação dos factos e na apreciação das provas – invocados pela recorrente “Construções CC, Ldª.” (cfr. conclusão 12.ª da sua minuta) – não serem, obvia e igualmente, sobreponíveis ao conceito de questão de que demos nota, impõe-se extrair idêntica conclusão quanto a tais invocações.

Refira-se que a falta de consideração daquele facto constituirá, quando muito, um erro de julgamento que poderia ser suprido por este Supremo mediante a inclusão daquela factualidade no elenco dos factos provados (cfr. 2ª parte do artigo 607º ex vi n.º 2 do artigo 663º e artigo 679º, todos do Código de Processo Civil), não havendo, pois, necessidade de este Supremo exercer os poderes que legalmente lhe são conferidos perante uma deficiente fixação factual operada pelas instâncias (n.º 3 do artigo 682.º e artigo 683º, ambos do mesmo diploma).

Mas, a nosso ver, nem sequer tal inclusão é devida na medida em que, sem prejuízo do que infra se explanará acerca da invocação do cariz comercial da venda a que se reporta o ponto n.º 24 do elenco factual, a qualificação da recorrente “Construções CC, Ldª.” como comerciante emerge da lei como decorrência do facto de, inequivocamente, ser uma sociedade comercial (parágrafo 2.º do artigo 13.º do Código Comercial e n.º 2 do artigo 1.º do Código das Sociedades Comerciais) e, de, por natureza, ter escopo exclusivamente lucrativo (como deriva da própria noção de sociedade – artigo 980º do Código Civil).

No mais, são absolutamente irrelevantes para o desfecho da causa as actividades que aquela declarou exercer perante a administração tributária e a regularidade registral do imóvel transaccionado, ambas invocadas nesse artigo 16.º.

Sustentam ainda os recorrentes, praticamente em termos uníssonos, que o acórdão recorrido incorreu em nulidade ao não tomar posição sobre a pretensa comercialidade da venda aludida no ponto n.º 24 do elenco factual. Apontam ainda os recorrentes EE e FF que o mesmo aresto padece da mesma nulidade por não se ter pronunciado sobre a invocação do artigo 1301.º do Código Civil.

Desde já se diga que nem uma nem outra invocação se reconduzem à alegação de factos que extingam, impeçam ou modifiquem o efeito jurídico pretendido pelo Autor, i.e. não podem ser consideradas como excepções peremptórias (cfr. n.º 2 do artigo 571.º e n.º 3 do artigo 576.º, ambos do Código de Processo Civil).

E, em particular e no que tange à invocação do disposto no artigo 1301.º do Código Civil, há a notar que os referidos recorrentes não fundaram naquela qualquer pretensão reconvencional contra o Autor.

Por isso, tais invocações não podem, com propriedade, ser enquadradas no conceito de questão de que supra demos nota, não constituindo mais do que linhas de argumentação que invocam na defesa das suas teses.

Mas ainda que se entendesse diferentemente e se considerasse que a invocada comercialidade da venda assumia foros de “questão”, o certo é que, no dito articulado ou em qualquer momento processual anterior à prolação do acórdão recorrido (com ressalva das alegações do recurso de apelação apresentado pela interveniente “Construções CC, Ldª.” que a Relação entendeu não admitir), os recorrentes suscitaram tal argumentário, limitando-se a invocar a qualidade de comerciante da “Construções CC, Ldª.” (v. o conteúdo dos artigos 16.º e 32.º dos respectivos articulados). 

Estamos, pois, em face do que se deve qualificar como uma “questão nova”, i.e. uma questão que não foi atempada e devidamente suscitada perante o tribunal “ad quo” e que, por isso, não poderia ser por ele resolvida.

Ora, assim e sob pena de se desvirtuar a finalidade dos recursos - qual seja a reapreciação de questões já judicialmente decididas e não a tomada de posição sobre questões inovadoramente apenas colocadas em sede recursória -, o conhecimento dessa questão estava vedado ao tribunal e é vedado a este Supremo.

Por isso, não se divisa, também por este motivo, que o aresto sob censura haja incorrido na sobredita nulidade.

 

Abordemos a nulidade a que se refere a segunda parte do preceito do Código de Processo Civil atrás reproduzido.

Neste âmbito e diferentemente dos casos que, como demos nota, estão contemplados na primeira parte da mesma norma, a causa da nulidade reside na inobservância do disposto na segunda parte do n.º 2 do artigo 608.º do mesmo diploma, onde consta que o juiz não “(…) pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. (…)”.

Este preceito postula, por um lado, o conhecimento, na sentença, de todas as questões de mérito que a apreciação do pedido e causa de pedir apresentadas pelo Autor suscitam e, por outro, confina a estas a actividade judicativa, com excepção daquelas que o julgador deva conhecer oficiosamente.

Segundo os recorrentes, o aresto recorrido teria incorrido na nulidade em análise em virtude de ter conhecido oficiosamente da nulidade dos negócios aludidos nos pontos n.ºs 20 e 24 do elenco factual.

Releve-se, desde já, que os recorrentes parecem olvidar que a ampliação do pedido foi objecto de decisão pacificamente passada em julgado.

Por seu intermédio, o pedido do cancelamento dos registos de aquisição posteriores àqueles de que beneficiavam os Réus passou a fazer parte do objecto da causa.

Mas, como sucede com qualquer outro pedido, o mesmo necessita de ter uma causa eficiente.

E, posto que não foi invocado qualquer vício intrínseco de tais registos (cfr. artigo 16º do Código de Registo Predial), a sua causa de pedir, como justamente se reconheceu na decisão recorrida, residia na circunstância de tais negócios consistirem em vendas a non domino.

O vício legalmente assacado a tais negócios – a nulidade – foi expressamente invocado pelo Autor nos artigos 8º, 9º e 26º da réplica apresentada aos articulados dos recorrentes, sendo que, já na réplica à contestação dos Réus, o Autor sustentara que o vício então assacado aos mesmos determinava a nulidade dos registos.

Ora, assim sendo e independentemente do mérito de tal solução, facilmente se conclui que a Relação não extravasou o objecto da causa tal como ele passou a ser configurado com a ampliação do pedido e com a invocação do vício substantivo que afecta os negócios a que vimos aludindo.

Daí que não se possa considerar que, ao determinar o cancelamento dos registos em causa (repare-se que nem sequer se declarou a nulidade dos mesmos), o acórdão recorrido incorreu na nulidade processual a que vimos aludindo e, muito menos, que extravasou os limites intangíveis do pedido.

Improcedem, pois, as arguições em apreço, o que equivale por dizer que não merecem acolhimento as conclusões em que assentam.


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C - Alteração da matéria de facto fixada pelas instâncias (conclusões 4.ª, 5.ª a 9.ª a 11ª da minuta de recurso da interveniente “Construções CC, Ldª.”);

Impetra a recorrente “Construções CC, Ldª.” a modificação da matéria de facto, com base na valoração de segmentos de depoimentos testemunhais que transcreve (conclusões 4.ª e 5ª e 9.ª a 11.ª das respectivas alegações), os quais já apresentara em sede de apelação.

Como demos nota, esta questão deve-se considerar excluída do objecto do recurso em virtude da preponderância da dupla conforme.

Ainda assim, sempre se dirá, em brevíssimo excurso, o seguinte.

Como a mesma não desconhece (até porque cita os pertinentes preceitos do Código de Processo Civil nas doutas alegações) os poderes do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de facto são exíguos.

Sendo ocioso reproduzir os ditos preceitos, é de referir que deles evola que o Supremo Tribunal de Justiça só pode conhecer da matéria de facto quando ocorra ofensa expressa de lei que exija prova vinculada ou estabeleça o valor de determinado meio probatório (n.º 3 do artigo 674.º e n.º 2 do artigo 682.º, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo de, com as devidas cautelas, poder sindicar o uso, pela Relação, dos poderes que lhe são conferidos pelo n.º 2 do artigo 662.º do mesmo diploma.

Por isso, bem se pode dizer que o erro na apreciação da prova é alheio à sindicância do Supremo Tribunal de Justiça.

E esta é a jurisprudência pacífica e uniforme deste Supremo ([6]).

Compreende-se que assim seja.

Da conjugação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 209.º da Constituição da República Portuguesa, no artigo 46º da Lei Orgânica do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013 de 26 de Agosto) e no n.º 1 do artigo 682.º do Código de Processo Civil extrai-se que o Supremo Tribunal de Justiça funciona, em regra, como tribunal de revista e não como um tribunal de instância, o que significa que lhe cabe, tão só, apreciar a justeza e correcção da solução jurídica dada ao caso aos factos definitivamente julgados pelos tribunais de hierarquia inferior.

Regressemos ao caso vertente.

Em primeiro lugar, há a ter em conta que o facto de o recurso de apelação interposto pela recorrente não ter sido admitido não faculta a esta, à luz de qualquer norma vigente no nosso ordenamento jurídico ou de qualquer princípio, a possibilidade de impetrar a este Supremo Tribunal de Justiça a reapreciação da matéria de facto com base na valoração de segmentos de depoimentos testemunhais.

Em segundo lugar, é de notar que não se verifica qualquer um dos casos excepcionais previstos no n.º 3 do artigo 674.º do Código de Processo Civil, estando-se, ao invés, perante a valoração de meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador (artigo 396.º do Código Civil).

Em terceiro lugar, cabe referir que, na decisão da matéria de facto proferida em 1.ª Instância (nem, de resto, a recorrente a aponta, limitando-se a valorar diferentemente a prova testemunhal produzida e indicar – como vimos, sem razão –, a falta de consideração de um facto que até estaria provado por documento), não se descortina qualquer deficiência, obscuridade, ou contraditoriedade que não pudesse ser suprida pela Relação e que determinasse o uso, por esta, dos poderes conferidos, pela alínea b) do n.º 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, cuja violação se imputa à decisão recorrida.

Por todos estes motivos, sempre se concluiria pelo não acolhimento da pretensão a que vimos aludindo e, correspondentemente, das conclusões que a sustentam.


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D - Aquisição originária da propriedade do imóvel em causa nos autos por parte dos Réus e a conformidade, face à Constituição da República Portuguesa, do disposto no artigo 1.º da Lei n.º 54 de 16 de Julho de 1913 (conclusões 15.ª a 27.ª da minuta de recurso da recorrente “Construções CC, Ldª.”);

Sem prejuízo do que expusemos acerca da verificação da dupla conforme mas tendo presente que importa discutir a conformidade constitucional da Lei n.º 54 de 16 de Julho de 2013 ao caso vertente, impõe-se que tenhamos presente estes brevíssimos apontamentos sobre a posse e a usucapião.

A usucapião é, por certo, o efeito mais relevante da posse formal (artigo 1251º do Código Civil), já que faculta ao possuidor a aquisição do direito real de gozo correspondente à própria posse, sancionando, desse modo, a inércia do proprietário.

Em termos dogmáticos, a posse é uma situação fáctica cuja tutela jurídica se justifica pela aparência do exercício de um direito real de gozo ([7]) e, na esteira da teoria subjectivista primeiramente defendida por SAVIGNY e maioritariamente seguida na doutrina e na jurisprudência nacionais, entende-se que compreende dois elementos essenciais, quais sejam a actuação de facto sobre a coisa possuída – elemento comummente designado como “corpus” (cfr. n.º 2 do artigo 1252º do Código Civil) – e a vontade de possuir aquela coisa como se fosse titular do direito real de gozo a cujo exercício corresponde essa posse – elemento comummente designado como “animus possidendi” ou “animus sibi habendi” (cfr. alínea a) do artigo 1253.º do Código Civil)([8]) .

O artigo 1287.º do Código Civil define a usucapião como “a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação (...)”([9]) .

Conforme decorre da definição legal, a usucapião assenta em 2 pressupostos fundamentais, a saber:

• a posse (artigo 1290.º do Código Civil);

• mantida durante certo lapso de tempo.

Para efeitos de usucapião releva a posse pacífica e pública (cfr. artigos 1258º, 1297.º e alínea a) do artigo 1293.º, ambos do Código Civil), já que a posse violenta ou oculta apenas assume relevância quando se ponha termo à violência ou se dê publicidade à posse (o que evidencia o carácter sancionatório da inércia inerente a este instituto).

A posse pacífica define-se como aquela que foi adquirida sem coacção física ou moral (cfr. artigo 1261.º do Código Civil), ao passo que a posse pública é definida pela lei como aquela que é exercida em termos tais que é passível de ser conhecida por todos quantos sejam, directa ou indirectamente, por ela afectados ou se ache registada (cfr. artigo 1262º do mesmo diploma).

Por sua vez, o lapso de tempo durante o qual se deve manter o exercício da posse é definido pela lei em função de diversos factores, como seja a natureza do bem objecto da posse e a existência de título para a posse.

Regressando ao caso vertente, temos que, dissentindo do que se decidira em 1.ª Instância, o aresto sob censura considerou que os Réus exerceram efectivamente uma posse relevante para efeitos de usucapião sobre o imóvel aludido no ponto n.º 2 do mesmo elenco.

Tal posição assentava, por um lado, na valoração da prática de diversos actos materiais (os descritos nos pontos n.ºs 6 a 12 do elenco supra) que correspondiam ao exercício do direito de propriedade e, por outro lado, na consideração da presunção legal (que deriva dessa prática) do elemento subjectivo da posse (n.º 2 do artigo 1252.º do Código Civil )([10]).

Mais se ponderou que a aquisição (originária) da posse assim efectuada dispensava a ponderação da inversão do título da posse -, concluindo-se, contudo e à semelhança do que se decidira naqueloutra instância, que não havia decorrido o lapso de tempo legalmente exigido.

Perante esta constatação – já antes efectuada e agora mais detalhadamente exposta -, não se pode deixar de salientar a manifesta inutilidade das conclusões 15.ª a 24.ª face ao decidido no aresto sob censura, o que não será alheio o facto de, com ressalva de ligeiríssimas alterações, aquelas constituírem a mera reprodução das alegações da apelação da recorrente “Construções CC, Ldª.” (cfr. fls. 536 a 539).

Assim, estando assente a aquisição e exercício de posse relevante para efeitos de usucapião e dado que tal matéria está apartada do objecto do presente pela premência da dupla conforme, não nos detenhamos mais sobre ela.

Não é questionável face à factualidade definitivamente fixada pelas instâncias (e nem sequer é questionado) que a posse exercida pelos Réus, sendo pública e pacífica, se deve qualificar como sendo não titulada (não se demonstrou que lhe estivesse subjacente uma doação verbal da avó do Réu - cfr. n.º 1 do artigo 1259.º do Código Civil) e, como tal, presuntivamente de má fé (n.ºs 1 e 2 do artigo subsequente do mesmo diploma).

Tendo a mesma sido exercida sobre um imóvel e não havendo registo, o prazo relevante a considerar computa-se em 20 anos (artigo 1295.º daquele diploma).

Porém, há a notar que o prédio em causa foi, no âmbito de um processo de expropriação, adjudicado ao antecessor do Autor (pontos n.ºs 2 e 14), sendo que este é um instituto público integrado na administração indirecta do Estado que prossegue atribuições do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, sob superintendência e tutela do respectivo ministro (ponto n.º 13 do elenco factual).

Determinará tal circunstância um acrescento a esse prazo?

Sem embargo de, em virtude da dupla conforme, se poder, desde já, dar por respondida tal interrogação, ponderemos o seguinte, tendo em vista a arguida inconstitucionalidade da Lei n.º 54 de 16 de Julho de 2013.

Dispõe o artigo 1º desse diploma:

“As prescrições contra a Fazenda Nacional só se completam desde que, além dos prazos actualmente em vigor, tenha decorrido mais metade dos mesmos prazos.

§ único. A disposição deste artigo não abrange os bens que à data da promulgação desta lei estejam prescritos nos termos legais, nem as prescrições de dívidas ao Estado por contribuições.”.

A prescrição a que se refere o corpo do preceito – e a única que releva para o caso dos autos - é a chamada prescrição positiva a que corresponde, nos dias de hoje, a designação mais tradicional de usucapião ([11]).

Da interpretação desse segmento normativo à luz dos cânones contidos no artigo 9º do Código Civil parece resultar que, no âmbito da usucapião de bens do Estado (a que corresponde a tradicional expressão “Fazenda Pública”), se devem ter em conta os prazos em vigor acrescidos de metade ([12]) .

Impõem-se três precisões.

Em primeiro lugar, é seguro que não está em causa, nesse segmento normativo, a prescrição negativa (que, actualmente, denominaríamos extintiva – cfr. artigos 300.º e ss. do Código Civil) de dívidas fiscais, como a recorrente “Construções CC, Ldª.” parece fazer crer na conclusão recursória n.º 25.

Por outro lado, posto que os bens afectos ao domínio público (enumerados, de forma não taxativa, no n.º 1 do artigo 84.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 477/80 de 15 de Outubro) são, por natureza([13]) , insusceptíveis de usucapião (n.º 2 do artigo 202.º do Código Civil), os bens do Estado susceptíveis de serem usucapidos são somente aqueles que se inserem no seu domínio privado, i.e. aqueles que integram um conjunto de bens que lhe estão afectos em termos de direito privado e inseridos no comércio jurídico correspondente .([14])

Em terceiro lugar e porque nada indica que o citado artigo 1º da Lei n.º 54 se destinasse a ter uma vigência temporária, crê-se que o emprego do advérbio “actualmente” ali contido não visa os prazos para a consolidação da aquisição por usucapião que estavam em curso ao tempo da sua publicação mas antes aqueles que, em abstracto, eram legalmente previstos para esse efeito.

Sustenta a recorrente “Construções CC, Ldª.” que tal diploma não está em vigor.

Vejamos.

Como emerge do artigo 1304.º do Código Civil, o domínio privado do Estado e de outras pessoas colectivas públicas rege-se fundamentalmente pelo Direito Civil .([15])

Porém, esta norma ressalva a vigência de regras especiais que regulem esse domínio, sendo a intenção do legislador afastar as dúvidas que, perante o disposto no artigo 3.º([16])  do Decreto n.º 47344 de 25 de Novembro de 1966, poderiam surgir na falta de norma que expressamente as contemplasse([17]) , não sendo, pois, intenção do legislador sujeitar os bens integrados naquele domínio apenas ao Código Civil.

Ora, como é bom de ver, a Lei n.º 54 de 13 de Julho de 1913, na medida que prorroga o prazo que se deve ter conta quando esteja em causa a aquisição por usucapião dos prédios inseridos no domínio privado, é, independentemente da sua proveniência (sendo que o próprio texto do diploma assegura que aquele é emanado do Congresso da República e não do Ministério das Finanças), uma norma que, em termos diferenciados, disciplina um aspecto essencialmente privatístico do regime desse domínio.

Como tal, o mesmo diploma deve considerar-se excluído da revogação expressa contida no artigo 3.º do Decreto n.º 47344, por força da ressalva contida na parte final deste preceito, entendida em conjugação com o que consta da parte final do artigo 1340.º do Código Civil . ([18])

Vejamos agora se tal disposição se pode ter como aplicável ao caso dos autos.

Um instituto público define-se como “(…) uma pessoa colectiva pública de tipo institucional criada para assegurar o desempenho de determinadas funções administrativas de carácter não empresarial, pertencentes ao Estado ou a outra pessoa colectiva pública. (…)”([19]) .

Decorre do n.º 1 do artigo 3.º e do n.º 1 do artigo 4.º - ambos da Lei n.º 3/2004 de 15 de Janeiro - que os institutos públicos se integram na administração indirecta do Estado e que são pessoas colectivas de direito público, dotadas de órgãos e património próprio.

Por administração estadual indirecta deve-se, justamente, entender aquela que é realizada por entidades públicas - com personalidade jurídica própria e autonomia administrativa e financeira - criadas pelo Estado para prosseguir fins deste ([20]).

Podemos assim considerar, como a recorrente “Construções CC, Ldª.”, que o Autor é uma pessoa colectiva distinta do Estado.

Mas não se pode olvidar que o órgão que encabeça a pessoa colectiva Estado também superintende e tutela a administração indirecta (alínea d) do artigo 199.º da Constituição da República Portuguesa).

A tutela administrativa “(…) consiste no conjunto de poderes de intervenção de uma pessoa colectiva de direito público na gestão de outra pessoa colectiva, afim de assegurar a legalidade ou o mérito da sua actuação (…)”  ao passo que a superintendência se define como “(…) o poder conferido ao Estado, ou a outra pessoa colectiva de fins múltiplos, de definir os objectivos e guiar a actuação das pessoas colectivas públicas de fins singulares colocadas por lei na sua dependência (…)” ([21]).

E é assim porque os poderes dos entes que se inserem na administração indirecta do Estado pertencem apenas a este e são, num regime de devolução (aqui entendida como transmissão) de poderes, exercidos no seu interesse, sendo aqueles meros auxiliares dependentes deste, o qual tem também o poder de definir a sua actividade ([22]).

Avulta ainda que o artigo 1.º da Lei n.º 54 de 16 de Julho de 2013 não distingue entre a administração directa ou indirecta do Estado (ou sequer entre este e outras pessoas colectivas públicas )([23]), o que bem se percebe se levarmos em linha de conta que a razão de ser da norma – o privilegiamento do interesse colectivo em detrimento do interesse individual que subjaz à usucapião – deve ser tida como sendo comum a ambas.

Na verdade, os interesses supra individuais que o Estado está encarregado de prosseguir são passíveis de ser - à partida, indistintamente - prosseguidos por ambas ([24]).

Se reconduzirmos estas considerações ao caso concreto e confrontarmos a finalidade que presidiu à adjudicação ao Autor do imóvel em causa – a implantação de um bairro social (ponto n.º 3 do elenco factual) – com o comando programático contido na alínea b) do n.º 2 do artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa, crê-se ficar evidenciado o acerto desta posição.

Daí que, pese embora a referida constatação, propendamos a concluir que a razão de ser da norma é, por esse motivo, comum às duas modalidades de administração a que nos referimos, sendo, por isso, o artigo 1.º da Lei n.º 54 de 16 de Julho de 1913 aplicável também aos institutos públicos.

Na posse destas considerações, enfrentemos agora a invocada desconformidade desse preceito com o disposto no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.

Aí, sobre a epígrafe “Princípio da igualdade”, lê-se:

“1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”.

Como repetidamente tem sido salientado pelo Tribunal Constitucional ,([25]) uma das vertentes do princípio da igualdade é a proibição do arbítrio legislativo.

Acentuam Gomes Canotilho e Vital Moreira([26])  que “A proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos. Nesta perspectiva, o princípio da igualdade exige, positivamente, um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes. Porém, a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois a ele pertence, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente. Só quando os limites externos da «discricionariedade legislativa» são violados, isto é, quando a medida legislativa não tem adequado suporte material, é que existe uma «infracção» do princípio da igualdade enquanto proibição do arbítrio. (…)”.

Ora, como se exarou no acórdão recorrido, uma pessoa colectiva pública tem uma ligação com as coisas que lhe pertencem que não é assimilável à proximidade que usualmente caracteriza a ligação entre um proprietário e os seus bens, o que naturalmente dificulta a possibilidade de conhecer, a todo o tempo, as pretensões e posições dos particulares relativamente àqueles.

Por outro lado, importa não esquecer que a usucapião de um bem integrado no domínio privado de uma pessoa colectiva pública acarreta uma lesão no interesse colectivo, o que, como se crê ser evidente, tem uma ressonância económica e social maior do que a aquisição, pela mesma via, de um bem que estava na esfera de um privado ou de uma pessoa colectiva privada.

Daí que a necessidade de protecção desses bens justifique o diferenciado tratamento legislativo que deriva da vigência da Lei n.º 54 (e que consiste no simples alargamento do prazo da protecção dos bens do domínio privado face à usucapião), o que equivale por dizer que o princípio da igualdade, na dimensão a que fizemos referência, não se pode considerar tangido ([27]).

Improcede, por isso, a conclusão 26.ª das alegações de recurso da interveniente “Construções CC, Ldª.”. 


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E - Venda de bem alheio e posição dos recorrentes face às suas consequências (conclusão 13.ª da minuta de recurso da recorrente “Construções CC, Ldª.” e conclusões H) a R) das alegações dos recorrentes EE e FF;  

Defende a recorrente “Construções CC, Ldª.” que estamos perante uma compra e venda comercial em que seria lícito a negociação de bens alheios ao passo que os recorrentes EE e FF sustentam que o acórdão recorrido fez incorrecta interpretação do disposto no artigo 291.º do Código Civil.

Sem prejuízo de, como se disse, se tratar de uma questão nova, ainda assim se dirá o seguinte sobre a invocação da primeira recorrente.

O negócio ajustado entre a recorrente “Construções CC, Ldª.” (ponto n.º 20 do elenco factual) é recondutível ao contrato de permuta ([28]).

Ao contrato de permuta são, em princípio, aplicáveis as regras da compra e venda (artigo 939.º do Código Civil). No mesmo sentido, dispõe o artigo 480.º do Código Comercial que “O escambo ou troca será mercantil nos mesmos casos em que o é a compra e venda, e regular-se-á pelas mesmas regras estabelecidas para esta, em tudo quanto forem aplicáveis às circunstâncias ou condições daquele contrato.”.

Assim, impõe-se que se verifique se se tratou de uma compra e venda mercantil.

De acordo com artigo 463.º do Código Comercial e tendo em conta que se transaccionou um bem imóvel, temos que são consideradas comerciais (…) 4º As compras e revendas de bens imóveis ou de direitos a eles inerentes, quando aquelas, para estas, houverem sido feitas (…)”.

Ora dos factos provados (e, bem assim, das alegações a este respeito produzidas) não se extrai que a permuta ajustada com o Réu pela interveniente “Construções CC, Ldª.” tenha tido em vista a revenda do prédio aludido no ponto n.º 2 do elenco factual. Aliás, como resulta dos pontos n.ºs 21 e 22 do mesmo elenco, o imóvel em causa foi usado e fruído pela mesma recorrente, como se fosse sua proprietária.

Daí que não devamos concluir que a dita permuta se devia considerar como mercantil([29]) , i.e. como um acto objectivamente comercial em face do disposto na primeira parte do artigo 2º do Código Comercial. E a simples circunstância de, como vimos, estarmos perante uma comerciante não transforma o contrato de permuta num acto objectivamente comercial.

E mesmo que se houvesse efectuado essa alegação e prova, o certo é que não se alegou nem demonstrou que o Réu ou a recorrente “Construções CC, Ldª.” empreenderam qualquer esforço no sentido de adquirirem (ao recorrido), por título legítimo, a propriedade da coisa que respectivamente permutaram e vendeu, pelo que os negócios – em si mesmo viciados, por continuarem a constituir alienações de bem que não pertencia a qualquer um deles -, não se poderiam considerar convalidados pelo cumprimento da obrigação de resultado contida no n.º 2 do artigo 467.º do Código Comercial.

Destarte, não pode ser acolhido o que se expende na conclusão 13.ª da recorrente “Construções CC, Ldª.”.

E desde já se diga que as conclusões da mesma que não foram referidas até ao momento constituem somente uma súmula da tramitação processual, pelo que não cabe tomar posição sobre elas.

Vejamos agora a invocação protagonizada pelos recorrentes EE e FF.

Mesmo considerando que MM exercera posse sobre o imóvel em causa nos autos e que esta posse se poderia juntar à posse exercida sobre o mesmo pelos Réus, a verdade é que, desde 1978 (data em que aquela começou a praticar os actos materiais supra referidos) e até à data da celebração da escritura de justificação notarial parcialmente transcrita no ponto n.º 16 do elenco factual – i.e. até 30 de Junho de 2006 – (recorde-se que estamos perante uma acção de impugnação de justificação notarial pelo que é esta data que importa reter), não havia ainda decorrido o prazo de 30 anos (cfr. artigo 1295.º do Código Civil e artigo 1.º da Lei n.º 54 de 13 de Julho de 1913) legalmente assinalado para a consolidação da aquisição por usucapião, ao invés do que o Réu fez falsamente constar nesse acto notarial.

Ora a indemonstração dos factos inscritos nessa escritura e o facto de o imóvel em causa ter sido judicialmente adjudicado a um antecessor legal do Autor (cfr. ponto n.º 2 do elenco factual) conduzem à conclusão de que o legítimo proprietário do referido bem imóvel era e sempre foi aquele e, depois, os seus sucessores.

Por isso, não se podendo o Réu arvorar a titularidade do direito de propriedade incidente sobre tal bem, é de concluir que o mesmo carecia de legitimidade para permutar o imóvel aludido no ponto n.º 2 do elenco factual com a recorrente “Construções CC, Ldª.”. Por sua vez, não tendo esta adquirido aquele direito real, não o podia logicamente transmitir aos demais recorrentes, como, contudo, veio a fazer (ponto n.º 24 daquele elenco).

Vejamos quais as consequências destas constatações.

Nos termos do artigo 874º do Código Civil a compra e venda define-se como “(…) o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço (…)”.

Desta noção depreende-se que o contrato de compra e venda é um contrato translativo de direitos (de propriedade ou outros) sobre um bem mediante o pagamento de um preço.

A transmissão da propriedade sobre a coisa vendida é, de acordo com o estatuído na alínea a) do artigo 879º do Código Civil, um dos efeitos obrigacionais do contrato a que vimos aludindo.

Como é natural, o cumprimento dessas obrigações pressupõe que o transmitente seja titular do direito transmitido.

Decorrentemente e em homenagem ao princípio “nemo plus iuris” consagra-se, no artigo 892º do Código Civil, que:

“É nula a venda de bens alheios sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar; mas o vendedor não pode opor a nulidade ao comprador de boa fé, como não pode opô-la ao vendedor de boa fé o comprador doloso.”.

Esta disposição visa acautelar o “(…) perigo de aparências enganadoras que lancem confusão e tragam incómodos e prejuízos (…) evitando estimular “(…) desonestos e aventureiros a tentativas de intromissão ilícita na órbita alheia. (…)” [30].

A nulidade prevenida no preceito citado é passível de ser convalidada (artigos 895º e 897º, ambos do Código Civil), estabelecendo-se regras especiais quanto à sua invocação pelas partes, em derrogação do preceituado no artigo 286º do Código Civil (mantendo-se, porém, a possibilidade de conhecimento oficioso e de invocação por terceiros).

Note-se, porém, que a invalidade nela prevista apenas opera entre as partes, já que, quanto ao verdadeiro proprietário do bem indevidamente vendido, o negócio que sobre este incida será somente ineficaz ([31]) , podendo aquele reivindicar a coisa de terceiro sem ter que discutir a validade do contrato ou demonstrar que não consentiu na venda e sem necessidade de promover a prévia declaração judicial de nulidade do respectivo contrato. É, como usualmente se diz, “res inter alios acta”.

Face a estes considerandos, é patente que a permuta ajustada entre os Réus e a recorrente “Construções CC, Ldª.” deve ser tida como nula (em virtude da remissão contida no artigo 939.º do Código Civil), o mesmo sucedendo quanto ao negócio ajustado entre esta e os recorrentes EE e FF.

Ora, não sendo os negócios em causa substantivamente válidos e destinando-se o registo predial a publicitar a situação jurídica dos prédios (artigo 1.º do Código de Registo Predial), não se poderia deixar de determinar o cancelamento do registo de aquisição aludido no ponto n.º 25 do elenco factual em consequência da nulidade ([32]).

Aliás, o mesmo sucederia em relação ao registo que foi lavrado em nome da recorrente “Construções CC, Ldª.” (cfr. a certidão de registo predial de fls. 322 e o teor da ap. n.º 4070 da ficha da Conservatória do Registo Predial de Guimarães aí reproduzida), não fosse dar-se o caso de este já ter sido cancelado (cfr. a informação de fls. 108).

Ademais e como bem assinala o recorrido, existindo dois registos incidentes sobre o mesmo bem (cfr. pontos n.ºs 17 e 25 do elenco factual), as presunções de propriedade derivada deles decorrentes excluem-se mutuamente e não aproveitam ao titular inscrito, pelo que há que recorrer às normas substantivas para resolver a questão.

Impedirá, no caso, o disposto no artigo 291.º do Código Civil que se extraia esta consequência?

O artigo 291.º do Código Civil, sob a epígrafe “Inoponibilidade da nulidade e da anulação”, preceitua:

“1. A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio.

2. Os direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio.

3. É considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável.”.

A norma antes citada visa a protecção de terceiros quanto ao efeito retroactivo da declaração de nulidade (n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil), destinando-se a resolver um conflito entre quem se pretende prevalecer do mesmo e o interessado na manutenção do negócio e que se funda na fé pública do registo, i.e. na aparência decorrente do registo ([33]).

Para que seja aplicável, é necessário que se alegue e demonstre que o terceiro é titular de um direito real, que esse direito foi adquirido a título oneroso, que tem por objecto uma coisa imóvel ou coisa móvel sujeita a registo, que aquele está de boa fé, que a propositura da acção se deu 3 anos após a conclusão do negócio aquisitivo e que o registo da aquisição é anterior ao registo da acção ou do acordo sobre a invalidade ([34]).

No caso vertente, como se disse, os negócios sucessivamente realizados pelos Réus e pela recorrente “Construções CC, Ldª.” são, no que respeita a quem neles interveio, nulos. Mas, no prisma do recorrido, tais negócios são simplesmente ineficazes em relação a si, i.e. inoponíveis e não inválidos.

Ademais, a procedência do pedido da impugnação da escritura de justificação notarial a que alude no ponto n.º 16 do elenco factual (cfr. a que se reconduz o petitório do Autor formulado a fls. 9 e 10), tem apenas como a consequência da ineficácia daquela ([35])  e não a sua nulidade (note-se que, entre causas da invalidade de uma escritura não figura a falsidade das declarações nela efectuadas – cfr. artigos 70º e 71º do Código do Notariado).

Ora a ineficácia, em sentido próprio (i.e. a ocorrência de um “obstáculo exterior que se opõe à produção de efeitos jurídicos”([36]) ), não se confunde com a invalidade que tem como modalidades típicas a nulidade e a anulabilidade([37]) , às quais se restringe o campo de aplicação do disposto no artigo 291.º do Código Civil.

Daí que, desde já, se pudesse concluir pela inaplicabilidade desse preceito([38])  (e, bem assim, do disposto no n.º 2 do artigo 17.º do Código de Registo Predial, o qual é, aliás, apenas previsto para a invalidade registral que não está em causa), não havendo, pois, que conferir prevalência à aquisição tabular em detrimento da demonstração da efectiva titularidade do bem. 

Mas admitindo que se entenda diferentemente([39])  e sendo indubitável que os recorrentes EE e FF preenchem o conceito de terceiro contido no artigo 291.º do Código Civil ([40]), há a ponderar que, como evola da petição inicial, a presente acção tinha primeiramente, como único escopo, a impugnação da escritura de justificação notarial.

Só mais tarde e por via do aditamento do pedido de cancelamento dos registos posteriores àqueles que beneficiavam dos Réus (efectuado, como se disse, na réplica primeiramente apresentada - fls. 119 e ss. -), o objecto da acção passou, de forma indirecta, a abarcar também a permuta por estes efectuada com a recorrente “Construções CC, Ldª.” e a compra e venda celebrada entre esta e os recorrentes EE e FF.

Daí que, para usar a terminologia dos recorrentes, só então tais negócios se devem considerar impugnados pelo Autor.

Ora, sendo esses os negócios cuja intrínseca invalidade despoletou o questionado cancelamento do registo de aquisição aludido no ponto n.º 25 do elenco factual (e não o acto notarial que, inicialmente, estava na “mira” do Autor) e cuja subsistência se pretende assegurar, carece de sentido afirmar que o início do cômputo do prazo de 3 anos a que alude o n.º 2 do artigo 291.º do Código Civil se deveria reportar à data em que o Réu exarou, na escritura de justificação notarial, as declarações parcialmente transcritas no ponto n.º 16 do mesmo elenco.

Sustentam os recorrentes EE e FF que se decidiu em sentido diverso no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Março de 2012([41]) .

A este respeito, aí se pode ler que “(…) Efectivamente, os efeitos extintivos característicos da nulidade ou anulação do contrato mantêm-se, plenamente, durante o período de defeso cerrado dos três anos posteriores à conclusão do negócio impugnado, desde que a acção esteja sujeita a registo, se o contrato nulo ou anulado respeitar a bens que tiverem sido alienados ou onerados, a favor de terceiro, que tenha registado a sua aquisição, podendo os efeitos da nulidade ou anulação ter de ceder perante os direitos do terceiro adquirente, desde que o registo da aquisição deste seja anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação, se trate de uma aquisição, a título oneroso, e o adquirente tenha agido de boa fé[17].

Acontece que, na hipótese em discussão, provou-se, como já se salientou, que o réu adquirente registou o prédio justificado, no dia 22 de Maio de 2003, que os autores propuseram a presente acção, em 1 de Junho de 2005, que a registaram, em 13 de Fevereiro de 2006, isto é, dentro do aludido prazo dos três anos posteriores à conclusão do negócio, que ocorreu a 7 de Abril de 2003, o que teria, então, a virtualidade de evitar o reconhecimento dos direitos adquiridos pelos terceiros de boa-fé, ou seja, a ré CGD, que fez registar a hipoteca, a seu favor, em relação ao prédio reivindicado, com carácter definitivo, para garantia de uma dívida contraída pelo réu GG, desde 25 de Novembro de 2003.

Assim sendo, os direitos dos autores sobre o prédio reivindicado, objecto de justificação notarial de aquisição do domínio, declarada nula, prevalecem, em toda a linha, quer em relação à pretensa aquisição da propriedade, pelo réu GG, conforme já fora decidido pelo acórdão recorrido, quer em face do negócio constitutivo da hipoteca, com o qual aquele réu onerou o prédio, em favor da ré CGD, não obstante a demonstrada boa fé desta, por força do disposto pelo artigo 291º, nºs 1 e 2, do CC.” 

Desta forma, ao invés do que se pode extrair do respectivo sumário, facilmente se percebe que o douto aresto citado não decidiu de modo diverso sobre a mesma hipótese fáctica.

Ora, no caso que nos ocupa, temos que a acção em que, implicitamente, se invocou a nulidade dos negócios ajustados em que intervieram os recorrentes foi proposta, como se disse, em 17 de Março de 2011 e o seu registo data de 20 de Julho de 2011 (cfr. a cópia do despacho da 2.ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães de fls. 108 e certidão de registo predial de fls. 32).

A permuta ajustada entre os Réus e recorrente “Construções CC, Ldª.” data de 16 de Julho de 2009 (ponto n.º 20 do elenco factual) e a compra e venda celebrada entre este última e os recorrentes EE e FF data de 13 de Janeiro de 2011 (ponto n.º 25 do elenco factual).

Temos, assim, que, entre qualquer um dos negócios em causa e as datas em que foi proposta e registada a presente acção não decorreram mais de 3 anos.

Destarte, ainda que fosse aplicável ao caso dos autos o disposto no artigo 291.º do Código Civil, a previsão do seu n.º 2 sempre conduziria a que não se reconhecesse o direito invocado pelos recorrentes EE e FF, não obstante estes reunirem demais requisitos previstos nesse preceito.

Improcedem, pois, as conclusões recursórias constantes das alíneas H) a N) da sua minuta de recurso.

No que toca às conclusões vertidas nas alíneas P) a R), há apenas a referir o seguinte.

Como resulta da sua localização sistemática (insere-se numa secção respeitante à usucapião de coisas móveis), o artigo 1301.º do Código Civil é apenas aplicável a bens móveis não sujeitos a registo ([42]).

Ora, tendo os recorrentes EE e FF adquirido um bem imóvel à recorrente “Construções CC, Ldª.”, facilmente se conclui pela sua inaplicabilidade.

Daí que, sendo o referido preceito insusceptível de aplicação analógica ([43]), jamais poderia obstar à procedência dos pedidos formulados por aquele.

Não podem, pois, merecer acolhimento as conclusões em análise.

Em suma, não são acolher qualquer uma das conclusões recursórias, pelo que deve assim ser mantido, na íntegra, o decidido no acórdão recorrido.


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Conclusões:

1. A verificação da dupla conformidade prevista no n.º 3 do artigo 671.º do Código tem, ademais, como óbice o emprego, pela 2.ª Instância, de “fundamentação essencialmente diferente” na manutenção do decidido na 1.ª Instância, expressão que enquadra os casos em que a confirmação da sentença na 2.ª Instância assenta num enquadramento normativo absolutamente distinto daquele que foi ponderado na decisão da 1.ª Instância, o que equivale por dizer que irrelevam uma eventual modificação da decisão de facto efectuada nesta última sede, dissensões secundárias, a não aceitação de um dos caminhos percorridos, ou a mera adição de fundamentos;

2. Tendo o acórdão recorrido sido lavrado sem voto de vencido e se movido dentro do mesmo quadro jurídico em que se moveu a sentença de 1.ª Instância para alcançar, no que toca aos pedidos contidos na petição inicial, um resultado idêntico àquele que se obtivera na 1.ª Instância e limitando-se a rejeitar uma das vias ali seguidas é de concluir que, na Relação, não se adoptou uma fundamentação que deva ser tida como essencialmente diferente, o que impede o conhecimento do objecto do recurso, no segmento em que versa sobre esse aspecto, independentemente de não ter sido admitido o recurso interposto pela recorrente da decisão de 1.ª Instância;

3. Como as questões em sentido técnico não podem ser confundidas com factos, a falta de consideração de um facto tido pela recorrente como demonstrado ou um suposto erro na apreciação da prova, não integra a nulidade prevista na primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, o mesmo se podendo afirmar relativamente a argumentos ou invocações que não integram os fundamentos da causa de pedir (da acção ou da reconvenção) ou de excepções;

4. Tendo o Autor impetrado o cancelamento dos registos lavrados a favor dos intervenientes e arguido a nulidade dos negócios a eles subjacentes, o acórdão recorrido não incorreu na nulidade decorrente do excesso de pronúncia se o determinou com base nessa arguição;

5. Do n.º 3 do artigo 674.º e n.º 2 do artigo 682.º, ambos do Código de Processo Civil evola que o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, só pode conhecer da matéria de facto quando ocorra ofensa expressa de lei que exija prova vinculada ou estabeleça o valor de determinado meio probatório, sem prejuízo de, com as devidas cautelas, poder sindicar o uso, pela Relação, dos poderes que lhe são conferidos pelo n.º 2 do artigo 662.º do mesmo diploma;

6. O facto de o recurso de apelação interposto pela recorrente não ter sido admitido não faculta a esta, à luz de qualquer norma vigente no nosso ordenamento jurídico ou de qualquer princípio, a possibilidade de impetrar a este Supremo Tribunal de Justiça a reapreciação da matéria de facto com base na valoração de segmentos de depoimentos testemunhais, tanto mais que estamos perante meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador;

7. O artigo 1.º da Lei n.º 54 de 16 de Julho de 1913 está em vigor, é aplicável ao instituto da usucapião quando este verse sobre bens afectos ao domínio privado de institutos públicos integrados na administração indirecta do Estado e não enferma de inconstitucionalidade material por violação do princípio da igualdade;

8. Não se tendo alegado que a aquisição efectuada pela recorrente aos Réus visava a revenda do prédio em causa nos autos, a mesma não se pode ter como comercial, pelo que, demonstrando-se que esse bem pertencia ao recorrido, estamos em presença de uma transacção nula por falta de legitimidade daqueles para a transmissão, o mesmo se concluindo relativamente à venda daquele bem aos demais recorrentes;

9. Sendo as alienações posteriores do imóvel somente inoponíveis ao recorrido, os recorrentes não se podem prevalecer do disposto no artigo 291.º do Código Civil, o qual tem o seu campo de aplicação cingido à nulidade e à anulabilidade;

10. Ainda que fosse aplicável tal preceito, o certo é que, sendo os negócios referidos em 8. os únicos afectados pelo vício, a circunstância de terem sido concluídos menos de três anos antes da propositura e registo da presente acção sempre obviaria a que se reconhecessem os direitos dos recorrentes sobre o imóvel transaccionado.


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Caixa de texto: 11 - DECISÃO:
Nesta conformidade, acorda-se em negar provimento à revista dos recorrentes e confirmar o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes.
Notifique.


Lisboa, 2015-01-08                                                                                                                                     

         

João Trindade (Relator)

       

Tavares de Paiva

       

Abrantes Geraldes

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[1] No preâmbulo do referido diploma lia-se que “(…) a presente reforma dos recursos cíveis é norteada por três objectivos fundamentais: simplificação, celeridade processual e racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, acentuando-se as suas funções de orientação e uniformização de jurisprudência (…). Submetem-se claramente nesse desígnio de racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça a revisão do valor da alçada da Relação para € 30 000, que é acompanhada da introdução da regra de fixação obrigatória do valor da causa pelo juiz e da regra da dupla conforme, pela qual se consagra a inadmissibilidade de recurso do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1.ª instância (…)”; no mesmo sentido, v. ABRANTES GERALDES “Recursos no novo Código de Processo Civil”, Almedina, págs. 283 e 284 e, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2013 no processo n.º 675/08.2TBCBR.C1.S1 e acessível em www.dgsi.pt.
 
[2]  Assim, entre tantos outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Janeiro de 2014, proferido no processo n.º 9352/08.3TBOER.L1.S1 e sumariado pela assessoria cível deste Tribunal em www.stj.pt/  revista excepcional.
[3] - Assim, ABRANTES GERALDES, ob. cit., págs. 285 e 286 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Março de 2014 - proferido no processo n.º 9352/08.3TBOER.L1.S1 e sumariado pela assessoria cível deste Tribunal em www.stj.pt/revistaexcecional  -, de 15 de Maio de 2014 - proferido no processo n.º 5869/09.0TBMTS.P1.S1 e acessível em www.dgsi.pt -, de 3 de Julho de 2014 - proferido no processo n.º 1122/08.5TBAMD.L1.S1 e também aí acessível -.  
[4] Cita-se ALBERTO DOS REIS, “Código de Processo Civil Anotado”, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, pág. 143.
[5] No mesmo sentido, entre muitos outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Janeiro de 2000, B.M.J. n.º 493, pág. 387.
[6] Note-se que em nenhum dos arestos citados pela recorrente “Construções Corredoura, Lda.” se procedeu a essa modificação nos termos adiantados pela mesma nas suas alegações, considerando-se, apenas, num deles, essa possibilidade face a uma eventual violação, pela Relação, do disposto no artigo 514.º do Código de Processo Civil (na redacção então vigente), i.e. de uma disposição processual.
[7]   Mais desenvolvidamente, v. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA – com a colaboração de HENRIQUE MESQUITA - “Código Civil Anotado”, Vol. II, Coimbra Editora 2ª Edição, págs. 5 e 6.
 
[8]    No sentido de que o Código Civil consagrou esta teoria e nestes termos, v. PENHA GONÇALVES, “Curso de Direitos Reais”, 2ª Ed., Univ. Lusíada, pág. 245, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. cit., pág. 5, ORLANDO DE CARVALHO, “Introdução à posse”, in R.L.J. ano 122, n.º 3780, págs. 65 e ss.; na jurisprudência, v., inter alia, o Acórdão da Relação do Porto de 2 de Outubro de 1979, C.J., tomo IV, pág. 1273 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Fevereiro de 1993, B.M.J. n.º 424. pág. 678)
 
[9]    O que, aliás, representa uma emulação da definição clássica do jurisconsulto romano MODESTINO (citada por PENHA GONÇALVES, loc. cit.) e aqui reproduzida: “Adjectio domini per continuationem possessionis temporis lege definiti”.
[10]   A este respeito, v. o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Maio de 1996, publicado no D.R., II Série de 24 de Junho de 1996 e MANUEL RODRIGUES “A posse”, Almedina, pág. 195.
[11]   Assim MANUEL RODRIGUES, ob. cit., págs. 284 e 285.
 
[12]     Assim PENHA GONÇALVES, ob. cit., pág. 299, MANUEL RODRIGUES, idem, pág. 288 e, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Outubro de 1986, B.M.J. n.º 360, pág. 609.
[13]   Sobre os critérios e fundamentos da dominialidade pública, v. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Maio de 2007, proferido no processo n.º 07A981 e acessível em www.dgsi.pt.
.
[14]   Assim MARCELO CAETANO “Manual de Direito Administrativo”, vol. II, Coimbra, pág. 961.
 
[15]     Neste sentido, v., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Março de 1997, C.J.S.T.J., tomo I/1997, pág. 156.

[16]   Em que, sobre a epígrafe “Revogação do direito anterior” se lê que “Desde que principie a vigorar o novo Código Civil, fica revogada toda a legislação civil relativa às matérias que esse diploma abrange, com ressalva da legislação especial a que se faça expressa referência.”.
 
[17]  
  Assim PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA “Código Civil Anotado”, vol. III, 2ª Ed., Coimbra, pág. 89.
[18]   Neste sentido, OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit., pág. 339, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, loc. cit. e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Dezembro de 1994 – B.M.J. n.º 342, pág. 379 - e de 22 de Abril de 1999 – proferido no processo n.º 99B087 e acessível em www.dgsi.pt -; no mesmo sentido, mas defendendo que se trata de uma norma de natureza administrativa, v. MARCELO CAETANO, ob. cit., págs. 996 e 997, nota 1 e os arestos do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Março de 2001 – proferido no processo n.º 441/01 e sumariado pela assessoria cível deste Supremo Tribunal de Justiça em www.stj.pt/sumários – e de 14 de Novembro de 2006 – proferido no processo n.º 3343/06 e sumariado pela assessoria cível deste Supremo Tribunal de Justiça em www.stj.pt/sumários –. Na jurisprudência das Relações e além dos acórdãos citados no aresto sob censura, v., inter alia, os Acórdãos da Relação do Porto de 21 de Dezembro de 1993 – proferido no processo n.º 9340522 e acessível em www.dgsi.pt – e de 20 de Junho de 1994 – proferido no processo n.º 9351291 e acessível em www.dgsi.pt –,o Acórdão da Relação de Coimbra de 16 de Dezembro de 2003 – proferido no processo n.º 648/03 e acessível em www.dgsi.pt -, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 8 de Fevereiro de 1978, C.J., tomo I/1978, pág. 94 e de 3 de Fevereiro de 1987, C.J. tomo I/1987 pág. 115 e o Acórdão da Relação de Évora de 30 de Abril de 1998, C.J. tomo II/1998, pág. 291; não se localizou, na lição de MENEZES CORDEIRO – “Direitos Reais”, Reprint, LEX -, posição diferente sobre o tema.
 
[19]     Cita-se FREITAS DO AMARAL “Curso de Direito Administrativo”, Vol. I, 2ª Ed., Almedina, pág. 345.
  Assim, FREITAS DO AMARAL ob. cit., pág. 333.
[20]    Assim, FREITAS DO AMARAL ob. cit., pág. 333.
[21]   Cita-se FREITAS DO AMARAL, idem, respectivamente, págs. 699 e 717.
 
[22] Assim FREITAS DO AMARAL, ob. cit., págs. 715 e 716.
  No sentido de que este normativo tem aplicação também a autarquias locais, v. os citados Acórdão da Relação do Porto de 20 de Junho de 1994 e o Acórdão da Relação de Coimbra de 16 de Dezembro de 2003.
 [23]  No sentido de que este normativo tem aplicação também a autarquias locais, v. os citados Acórdão da Relação do Porto de 20 de Junho de 1994 e o Acórdão da Relação de Coimbra de 16 de Dezembro de 2003.
 [24]  Como refere FREITAS DO AMARAL – ob. cit., págs. 335 e 336 -, a existência da administração pública indirecta explica-se pela expansão e a complexificação das funções do Estado – de cariz técnico, social e económico –, pela maior conveniência em que estas sejam exercidas por organismos diferenciados e, num prisma mais obscuro, pela premência de afastar a aplicabilidade de certas regras de controlo político e financeiro.
[25]   Assim, entre outros e por último, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 724/2014 de 28 de Outubro, publicado no D.R., n.º 234, 2ª Série, de 3 de Dezembro de 2014, pág. 30389 e ss.

[26]   “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3.ª Edição, Coimbra, pág. 127.
[27]   Neste sentido, os citados Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Abril de 1999 e de 14 de Novembro de 2006.
 
[28] O contrato de permuta não consta actualmente do elenco dos negócios tipicamente regulados (o artigo 480.º do Código Comercial apenas lhe faz a referência inscrita no texto), podendo, contudo, nos socorrermos da definição do Código Civil de 1867, segundo a qual era o contrato pelo qual se dava uma coisa por outra ou uma espécie de moeda por outra espécie dela. A respeito do contrato de permuta, v. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, “Contratos II”, Almedina, págs. 132 e 133 e, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 1996, C.J.S.T.J., tomo II/1996, pág. 50.
[29]   Assim, FERRER CORREIA, “Lições de Direito Comercial”, Reprint, Lex, pág. 42 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Outubro de 2008, proferido no processo n.º 08B2720 e acessível em www.dgsi.pt.
[30]   Cita-se GALVÃO TELLES apud PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA “Código Civil Anotado”, vol. II, 3ª Edição, Coimbra, pág. 189. No mesmo sentido, pode consultar-se RAUL VENTURA “Contrato de compra e venda no Código Civil”, ROA, ano 40, vol. II, pág. 306.
[31]   Neste sentido, v., PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, loc. cit. e RAUL VENTURA, ob. cit., pág. 307 e entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Fevereiro de 2003 - C.J.S.T.J., Tomo I, pág. 106 –, de 16 de Novembro de 2010 – sumariado pela assessoria cível deste Supremo em www.stj.pt/sumarios – e de 3 de Outubro de 2013 proferido no processo n.º 6690/07.6TBALM.L1.S1 e acessível em www.dgsi.pt -.
[32]   Como afirma OLIVEIRA ASCENSÃO, “Teoria Geral do Direito Civil” Vol. III, 1992, pág. 473, “O registo que for contrário à legalidade substantiva pode ser destruído”.
[33]   Assim OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit., pág. 474.
 
[34]  Assim CARVALHO FERNANDES “Teoria Geral do Direito Civil”, vol. II, 3ª Edição, Universidade Católica Editora, pág. 479.
[35] A este respeito, v. o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2008, in D.R. Série I de 31 de Março de 2008, págs. 1871 e ss..
[36]   Cita-se CARVALHO FERNANDES, ob. cit., pág. 510.
[37]   A este respeito, v. CARVALHO FERNANDES, ob. cit., págs. 463 a 465.
[38]   Neste sentido, v. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Dezembro de 2004 - proferido no processo n.º 04B3891 e acessível em www.dgsi.pt -, de 14 de Setembro de 2010 proferido no processo n.º 1618/04.8TBLLE.E1.S1 e acessível em www.dgsi.pt - de 16 de Novembro de 2010 - proferido no processo n.º 42/2001.C1.S1 e acessível em www.dgsi.pt –, de 29 de Março de 2012 - proferido no processo n.º 2441/05.8TBVIS.C1.S1 e acessível em www.dgsi.pt - e  de 29 de Abril de 2014 - proferido no processo n.º 353/2002.P1.S1 e acessível em www.dgsi.pt -; no mesmo sentido, embora considerando que os aludidos negócios se devem ter como inexistentes perante o recorrido, v. MÓNICA JARDIM, “A evolução histórica da justificação de direitos de particulares para fins de registo predial e a justificação na actualidade” in Bol. Fac. Dto., vol. LXXXV, pág. 524; em sentido diverso, v. RAUL VENTURA, ob. cit., pág. 310.
[39] Neste sentido, v. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Setembro de 2008, proferido no processo n.º 08A2327 e acessível em www.dgsi.pt.
[40]   Com efeito, tratam-se de subadquirentes do primeiro transmitente. Sob o conceito de terceiro para efeitos do artigo 291.º do Código Civil, v., inter alia, os arestos deste Supremo de 16 de Novembro de 2010 e de 29 de Abril de 2014, citados na penúltima nota e OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. ultimamente cit., pág. 472.
[41] Já citado na nota n.º 38.
[42] Neste sentido, o já citado acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Outubro de 2008.
[43] Assim, JACINTO RODRIGUES BASTOS “Notas ao Código Civil”, vol. V, Rei dos Livros, pág. 54.