Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
71/15.5T8PTL.G1.S2 
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: COMPRA E VENDA
DEFEITOS
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 11/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL / COMPRA E VENDA / VENDA DE COISAS DEFEITUOSAS / REMISSÃO.
Doutrina:
- Calvão da Silva, Compra e venda de coisas defeituosas, conformidade e segurança, p. 43;
- Pedro Romano Martinez, Cumprimento defeituoso, em especial na compra e venda e na empreitada, 2001, p. 190 e 191.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 913.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 21-05-1998;
- DE 29-11-2001;
- DE 13-03-2003;
- DE 23-11-2006;
- DE 19-02-2008, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-12-2016.
Sumário :

No regime da venda defeituosa previsto no n.º 1 do art. 913.º do CC, impende sobre os compradores o ónus da prova de que o vício já existia aquando da venda.

Decisão Texto Integral:
      


Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

1. AA e mulher BB instauraram a presente ação declarativa contra CC, formulando os pedidos de:

"a) Reconhecer-se que o contrato de compra e venda que incidiu sobre a fracção identificada no item 1. foi culposamente incumprido pelo R., pelo que deverá este ser responsabilizado e condenado pelos prejuízos causados, nomeadamente no pagamento das seguintes quantias:

b) A quantia de € 18.762,50, por conta da reparação dos defeitos, dos quais 13.162,16 € (treze mil cento e sessenta e dois euros e dezasseis cêntimos), são respeitantes a danos no interior da fracção e a quantia de 5.600,34 € (cinco mil e seiscentos euros e trinta e quatro cêntimos), referentes a quota-parte do AA. na reparação das partes comuns do prédio; e

c) A quantia de € 5.625,00, a título de privação do uso da fracção, acrescida dos montantes mensais, computados à razão de € 375,00, que se vierem a vencer até ao efectivo e integral pagamento da quantia referida na alínea precedente, na media em só nessa altura estarão os AA. dotados das necessárias condições para proceder a tais reparações; e

d) A quantia de €4.519,95 (quatro mil quinhentos e dezanove euros e noventa e cinco cêntimos), por conta dos prejuízos patrimoniais decorrentes das deslocações e perda de ganho dos AA., correspondendo € 2.519,95 (dois mil quinhentos e dezanove euros e noventa e cinco cêntimos) a despesas que os AA. tiveram de incorrer com deslocações a Portugal por conta do incumprimento contratual que o R. deu causa, e a remanescente quantia de € 2.000,00 (dois mil euros), a título de perda de ganho que os AA. tiveram com os 8 (oito) dias úteis que despenderam em tais deslocações; e

e) A quantia de € 6.000,00 (seis mil euros), a título de danos não patrimoniais que a conduta incumpridora do R. deu causa e cujos efeitos ainda não cessaram; e

f) Deve, ainda, o R. ser condenado no pagamento do quantitativo de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) mensais, a título de cláusula penal, por cada mês de atraso que se verifique na liquidação integral dos montantes referidos nas anteriores alíneas b) a e) do presente petitório, sendo esta devida a partir da data da citação; e,

g) Deve, ainda, o R. ser condenado a pagar os correspondentes juros de mora sobre todas as anteriormente individualizadas quantias, calculados à taxa de juro legal, contados desde da citação até efectivo e integral pagamento".
Para tanto alegaram, em síntese, que:

- a 30 de julho de 2013, compraram ao Réu a fração autónoma designada pelas letras "AT", correspondente ao 3.º andar do bloco A, do prédio urbano sito em ..., da freguesia e concelho de ...;

- em outubro de 2013 surgiram infiltrações de água na generalidade das divisões, devido a problemas estruturais do prédio;

- os quais eram do conhecimento do Réu, que os ocultou antes da celebração do negócio.

2. O réu contestou afirmando, em síntese, que habitou no imóvel com a sua família, de outubro de 1998 a maio de 2013, e que nunca constatou a existência de quaisquer infiltrações de água.

3. Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença em que se decidiu:

"Em face do exposto, julgo a acção proposta por AA e BB contra CC improcedente, por não provada."

4. Não se conformando com esta decisão, os Autores interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães.

5. O Tribunal da Relação de Guimarães julgou improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

6. Mais uma vez inconformado, os Autores / Apelantes vieram interpor revista a título excecional, a qual foi considerada admissível, conforme o acórdão de fls.942/944, proferido pela Formação dos Juízes deste Supremo Tribunal prevista no nº 3 do artigo 672º do Código de Processo Civil.

7. Os Autores / Recorrentes apresentaram alegações, em que formulam as seguintes (transcritas) conclusões – excluídas as conclusões que se reportavam à admissão do recurso de revista:

1ª. Admitido o recurso de revista nos termos explanados, está definitivamente assente a matéria de facto fixada pelas instâncias anteriores, constantes das alíneas a) a oo) do acórdão recorrido.

2ª. Considerada a factualidade provada pelas instâncias anteriores, a questão a decidir reside unicamente em saber se, no regime da venda de coisa defeituosa previsto no nº1, do artigo 913º, do Código Civil, impende sobre os AA., enquanto compradores, o ónus da prova de que o vício já existia aquando da venda, isto é, da sua anterioridade e contemporaneidade relativamente à venda, como decidiram as instâncias anteriores, ou, pelo contrário, se basta aos AA./compradores provar a existência do defeito, mas já não lhes competindo provar a sua origem e anterioridade/contemporaneidade relativamente à venda, cabendo ao R./vendedor ilidir essa presunção, provando que o defeito teve origem em facto posterior à sua entrega, tal como lhe cabia demonstrar as suas causa, pois trata-se de matéria de excepção – facto extintivo do direito.

3ª. Tendo por base a matéria de facto considerada provada, nomeadamente a constante das alíneas g), i), j), w) e oo), está demonstrado que o imóvel adquirido pelos Autores ao Réu padece de defeitos, conclusão que as instâncias anteriores perfilharam.

4ª. A questão que se coloca é simplesmente em saber se no regime da venda de coisa defeituosa, previsto no nº1, do artigo 913º, do Código Civil, impende sobre os compradores o ónus da prova de que o vício já existia aquando da venda, ou se lhe basta provar a existência do defeito, não lhe competindo provar a sua origem e anterioridade relativamente à venda, cabendo ao vendedor ilidir essa presunção, provando que o defeito tem origem posterior à sua entrega, tal como lhe cabe demonstrar as suas causas.

5.a A pretensão dos AA., formulada na petição inicial, funda-se no direito comum, mormente no regime da venda de coisa defeituosa previsto no artigo 913º e seguintes do Código Civil, e não em qualquer diploma ou legislação especial relativa ao direito do consumo.

6.a O nº1, do artigo 913º, do Código Civil, qualifica como defeituosa a coisa vendida que “sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor, ou necessárias para a realização daquele fim”, resultando do nº2 do mesmo artigo que “quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria”.

7.a A presunção que decorre automaticamente do artigo 913º, do Código Civil, é que o vendedor garante a conformidade ou bom funcionamento da coisa vendida na data da entrega, não sendo necessário o comprador demonstrar ou provar a falta de tais qualidades, bastando-lhe a prova da falta de conformidade ou falta de funcionamento, impendendo por sua vez sobre o vendedor o ónus da prova de que a causa do vício, desconformidade, ou mau funcionamento do bem, é posterior à entrega da coisa e imputável ao comprador ou terceiro, ou devida a caso fortuito.

8.a No sentido defendido pelos Recorrentes, veja-se o Acórdão-fundamento invocado, bem como os seguintes arestos, referidos na alegação: Acórdão do STJ de 3/4/1991 (Proc. nº079799; Relator: Ricardo da Velha, cujo sumário pode ser acedido, via internet, no sítio www.dgsi.pt; - Ac. da Rel. do Porto de 24/11/2008, proferido no Proc. nº0856163 relatado pela Desembargadora Maria Adelaide Domingos (cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt); - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/1/2008, proferido no Proc. nº2093/07-2 e relatado pelo Desembargador Manuel Marques (cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt; - Ac. da Rel. do Porto de 27/3/2006, proferido no Proc. nº0650794 e relatado pelo Desembargador Abílio Costa (cujo texto integral pode ser acedido, via Interne, no sítio www.dgsi.pt); Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8/6/2006 (Proc. nº2483/2006-8; Relator – Salazar Casanova), cujo texto integral está acessível, via Internet, no sítio www.dgsi.pt; Ac. da Relação de Lisboa, de 05.04.2011 (Processo nº480/07.3TBTVD.L1.1) Relatado pelo Exmo. Sr. Desembargador Rui Vouga, disponível em www.dgsi.pt);

9ª. A garantia que está aqui em causa é a garantia que decorre da norma geral do direito comum constante do artigo 913º, do Código Civil, a garantia de conformidade do bem ou bom funcionamento da coisa vendida na data da entrega e nos prazos constantes do artigo 916º do Código Civil.

10ª. A “garantia” que está em causa nos presentes autos e da qual beneficiam os Autores é a que se encontra prevista no artigo 913º, nº1, do Código Civil, isto é, da conformidade do bem ou do bom funcionamento da coisa.

11ª. Beneficiando os AA. Da garantia de conformidade do bem no momento da venda nos termos previstos no nº1 do artigo 913º, do Código Civil, tendo denunciado os defeitos e instaurado a competente acção dentro dos prazos previstos no artigo 916º do mesmo Código, e nesta sede demonstrado e provado os defeitos que a “coisa vendida” padece, era sobre o Réu/vendedor que impendia o ónus de infirmar que os visados defeitos tinham origem posterior à entrega do bem, tal como lhe cabia fazer a respectiva prova da sua causa, pois que se tratam de factos extintivos do direito dos AA.

12ª. Pois, na verdade, como aliás resulta do sumário do acórdão-fundamento indicado, “Tendo a lei estabelecido prazos curtos para o exercício dos direitos derivados do cumprimento defeituoso em matéria de compra e venda (…), pressupõe-se que qualquer defeito detectado nesse período curto é ele próprio anterior ou advém de causa preexistente”.

13ª. Ao contrário do vertido no Acórdão recorrido, era ao Réu/vendedor a quem incumbia o ónus da prova no tocante à origem (causa) dos comprovados defeitos e, bem assim, que tais vícios eram imputáveis ao comprador ou a terceiro, ou, no limite, que eram devidas a caso fortuito.

14ª. Nada tendo o Réu/Recorrido alegado e provado quanto a tal matéria, limitando-se a negar os vícios e a reiterar de forma lacónica e genérica a conformidade do bem aquando da entrega/venda, subsistindo a incerteza acerca da causa dos vícios provados e constatados quanto ao imóvel vendido pelo Réu aos Autores, essa dúvida acerca da causa ou origem dos defeitos constatados no imóvel resolve-se, tendo por base as presunções decorrentes do nº1, do artigo 913º do CC, e o cumprimento dos prazos previstos no artigo 916º do CC, comjugadas com o artigo 342º, do CC, e o artigo 414º do CPC, contra a parte onerada com a prova da causa dos vícios e que estes tenham resultado de causas imputáveis ao comprador ou a terceiro ou fossem devidas a caso fortuito, ou seja, o Réu/vendedor.

15ª. Por outro lado, entendem os AA./Recorrentes que dos factos provados pode-se extrair a conclusão de que na data da venda e entrega, o imóvel em causa já padecia dos defeitos que vieram a ser denunciados e neste sede demonstrados.

16ª. Isto porque se provou, sob as alíneas ss) e tt) dos factos provados, que antes da venda existiam “algumas fracções do condomínio com problemas de humidade e infiltrações e essa questão foi falada nas assembleias de condóminos de 30 de Março de 2012 e 1 de Fevereiro de 2013” e bem assim que “Na assembleia de 1 de Fevereiro de 2013 foi decidido que se elaborasse um “caderno de encargos” relativo às reparações necessárias para eliminar as “infiltrações de águas” existentes em vários apartamentos”.

17ª. Desses factos resulta que os defeitos apurados não têm a sua causa em deficiente utilização do imóvel, em acto de um terceiro ou em causas de força maior, o que conduz à conclusão de que a deficiência apenas pode derivar de erros de construção ou imperfeição dos materiais empregues (telas ou outros), e sendo assim, tal já se verificava na data da aquisição e entrega de fracção, estando assim provada a anterioridade do defeito.

18ª. Resultando ainda daqueles factos provados – alíneas ss) e tt) – a existência de vícios nas partes comuns do edifício anteriores à venda e entrega da fracção, os quais eram do R./Recorrido conhecidos por serem objecto das assembleias de condóminos, tais factos já seriam o bastante para o enquadramento na venda de coisa defeituosa e para a prova da anterioridade do defeito.

19ª. Os defeitos da fracção sub judice eram, considerando aquilo que está abrangido pelo conceito jurídico de propriedade horizontal, comprovadamente anteriores à compra da mesma por parte dos AA., o que, inclusive, derroga a subversão (acolhida no acórdão recorrido) da presunção probatória que dimana do nº1, do artigo 913º do CC, quando conjugada com o artigo 342º, do CC, e artigo 414º do CPC.

 E conclui pela procedência da revista, “revogando-se o acórdão impugnado e substituindo-o por outro que condene o Réu/Recorrido:
a) No pagamento aos AA. da quantia de €17.909,78 (dezassete mil novecentos e nove eurou e setenta e oito cêntimos) por conta da reparação dos defeitos existentes na fracção, dos quais €13.162,16 respeitam ao custo da reparação dos danos no interior da fracção (quantum provado sob as alíneas s) dos factos provados) e o valor de €4.747,62, respeitante à quota-parte dos AA. para custear as obras nas partes comuns do prédio (vide factos provados sob as alíneas t) e u));
b) No pagamento aos AA., a título de privação do uso da fracção, da quantia mensal de €350,00 (trezentos euros) – vide factos provados sob as alíneas w) e x)) -, calculados desde Outubro de 2013, data desde a qual estão os AA. impedidos de usar a fracção, até ao efectivo pagamento que permita a reparação integral dos defeitos, e que em Janeiro de 2015, momento da entrada em juízo da acção, se cifravam em €5.250,00 (cinco mil duzentos e cinquenta euros);
c) No pagamento aos AA. das quantias constantes das alíneas y), z), bb), dd), e ff), dos factos provados na sentença, e que totalizam o valor de €2.519,95 (dois mil quinhentos e dezanove euros e noventa e cinco cêntimos);
d) No pagamento aos AA., atento o facto provado sob a alínea gg), de quantum indemnizatório a título de danos não patrimoniais, a fixar doutamente por Vossas Excelências segundo critérios de proporcionalidade e adequação face à extensão do dano que se entende que nunca se deve cifrar em quantitativo inferior a €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), acrescida também esta quantia de juros de mora a contar da fixação;
e) No pagamento aos AA. dos correspondentes juros de mora calculados sobre cada uma das individualizadas quantias, à taxa de juro legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento;
f) No pagamento aos AA. dos correspondentes juros de mora calculados sobre cada uma das individualizadas quantias, à taxa de juro legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento;”

8. O Réu / Recorrido contra-alegou, pugnando pelo infundado da revista e formulando as seguintes (transcritas) conclusões (excluídas as que se reportavam à matéria da admissibilidade do recurso):

1ª. No regime de compra e venda de coisa defeituosa impende sobre os Autores/compradores o ónus da prova de que o vício já existia aquando da venda e qual a sua origem.

2ª. O acórdão fundamento, bem como os vários outros acórdãos proferidos pelos tribunais superiores a que os Recorrentes fazem referência reportam-se a situações concretas que pouco ou nada têm em comum com a presente acção.

3ª. De facto, reportam-se aquelas decisões a situações concretas de compra e venda em que na relação jurídica subjacente existe uma clara desigualdade entre comprador/vendedor, reportando-se a situações concretas em que o vendedor se encontra numa posição mais favorecida em relação ao comprador, seja porque é o construtor do prédio, seja porque foi o promotor da construção, seja porque se dedica à compra e venda de bens similares ao da coisa com defeito.

4ª. Em várias das situações previstas naqueles acórdãos encontra-se subjacente a garantia prestada pelo comprador do bom funcionamento/conformidade do bem.

5ª. Quando o vendedor garante o bom funcionamento/conformidade do bem, caso a coisa venha a apresentar vícios não se mostra necessária a prova pelo comprador da anterioridade do defeito com relação à data da celebração do contrato, pois inverte-se o ónus da prova, cabendo ao vendedor demonstrar que o defeito é posterior à venda e qual a sua origem.

6ª. Refere claramente o acórdão da Relação do Porto de 27/03/2006, invocado pelos recorrentes, que não competia ao comprador fazer prova da superveniência do defeito apenas e só porque o vendedor havia prestado garantia do bom funcionamento do bem. Não fosse esta prestação de garantia e ao comprador incumbia a prova da superveniência do defeito.

7ª Não havendo entre as partes a relação de vendedor/consumidor, a garantia de bom funcionamento apenas operará nos termos do artigo 9210 do código civil.

8ª. Não decorre dos usos, nem tão pouco foi acordado pelas partes, que o Recorrido prestaria qualquer garantia.

9ª. Nos termos do artigo 9130 e 9140 do código civil, o comprador que adquira coisa defeituosa tem o direito de exigir a reparação ou substituição da coisa, sendo certo que apenas será relevante  o defeito presente no momento da celebração do contrato.

10ª. Por seu turno, dispõe o artigo 342º do código civil que cabe à parte que invoca um direito o ónus de alegar e provar a existência desse direito.

11ª. Só existe o direito à reparação ou substituição da coisa se os defeitos e suas causas forem anteriores ou contemporâneos à celebração do contrato.

12ª. Por conseguinte, caberia aos recorrentes fazer prova, não só da existência da desconformidade da coisa, como também fazer prova de que tais desconformidades eram anteriores à celebração do contrato e quais as suas causas, pois não foi prestada pelo Recorrido qualquer garantia nos termos do artigo 921º do Código Civil.

13ª. Uma vez que a anterioridade dso defeito se apresenta como um facto constitutivo do direito invocado pelos Recorrentes, competia a estes não só a sua alegação, como também a sua comprovação.

14ª. E não colhe o argumento de que a prova da anterioridade do defeito se mostra difícil para o comprador, não o sendo para o comprador.

15ª. Tal argumento poderá ser válido nas situações em que o vendedor é o construtor do prédio, ou nas situações em que assume a posição de comerciante, por deter conhecimentos sobre a coisa que o comprador não detém, mas não será nas situações similares às dos presentes autos, em que o vendedor e comprador se encontram em posição de igualdade.

16ª. Mostrar-se-ia extremamente difícil ao vendedor, no caso de compra e venda de imóvel, demonstrar que á data da celebração do contrato o bem se encontrava em conformidade, não apresentando defeitos, e que tais defeitos são posteriores à celebração do contrato e qual a sua causa.

17ª. O artigo 913° do código Civil não prevê a garantia de conformidade do bem ou bom funcionamento da coisa vendida.

18ª. A inclusão do artigo 9210 do código civil no regime da venda de coisas defeituosas só terá sentido atendendo o facto de que o vendedor não garante, por força do artigo 913°, o bom funcionamento da coisa vendida.

19ª.Se houvesse essa garantia simplesmente por força do artigo 913°, como defendem os recorrentes, não se vê qual seria a utilidade do referido artigo 921º.

20ª. Só quando existe garantia de bom funcionamento (seja porque convencionada entre as partes, seja porque decorrente dos usos) é que se inverte o ónus da prova e cabe ao vendedor demonstrar que o vício da coisa é superveniente ao contrato de compra e venda e qual a sua origem, bastando ao Comprador demonstrar a existência do vício.

21ª. A garantia acrescenta algo mais aos direitos conferidos ao comprador pelo artº 913°."

22ª. A inversão do ónus da prova nas situações em que o vendedor garante o bom funcionamento da coisa vendida demonstra que no regime normal, onde tal garantia não existe, o ónus da prova da contemporaneidade do defeito à data da celebração do contrato cabe ao comprador.

23ª. Tem sido vastamente sustentado pela jurisprudência, nomeadamente pela jurisprudência produzida por este Supremo Tribunal de Justiça, que compete ao A. alegar e provar que os vícios de que a coisa padece são contemporâneos à data da celebração do contrato e qual a sua origem, nos termos do artigo 342º do código civil e 414º do código de processo civil. – vide acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça em 19/06/2007, no processo 07A1454, Acórdão proferido por este Venerando Supremo Tribunal de Justiça em 11/10/2007, no processo 07B3069, acórdão proferido em 21/05/1998 no processo nº98A298.

24ª. Resultou provado que à data da celebração do contrato a fracção não apresentava qualquer vício.

25ª. Foi antes feita prova no sentido de que os vícios e suas causas teriam necessariamente de ser posteriores à venda da fracção.

26ª. A testemunha DD quando vai ao apartamento encontra tudo em perfeitas condições e sem qualquer sinal de infiltrações ou humidades, e passados alguns dias quando volta à fracção encontra a mesma com várias humidades e infiltrações, escorrendo água a rodos.

27ª. As demais testemunhas nunca viram em momento anterior à venda qualquer deteorização do imóvel, antes pelo contrário, este sempre apresentou boas condições.

28ª. 0ra, face às regras da experiência comum, aferidas pelo homem médio, não é razoável concluir que tal deteorização se ficasse a dever a infiltrações e outras causas decorrentes de vícios nas partes comuns do prédio pré-existentcs à celebração do contrato.

29ª. 0s danos na fracção dos Recorrentes surgem, de forma abrupta e sem qualquer previsão, vários meses após a celebração do contrato de compra e venda.

30ª. Os danos existentes na fracção do Recorrente, a serem contemporâneos à data da celebração do contrato de compra e venda sempre seriam visíveis num curto espaço de tempo e nunca passados vários meses.

31ª.  0s danos presentes na fração demonstram uma rutura total e temporalmente localizada e impossível de ser conhecida pelo Recorrido.

32ª. 0 aparecimento tão repentino de tais problemas não é compatível com uma patologia existente há vários meses, mas antes com uma ocorrência fortuita e sempre posterior à data da celebração do contrato, o que por si só demonstra que os problemas na fração do Recorrente terão surgido em momento posterior ao da venda da fração.

33ª. Resultou provado pelas alíneas h) e jj) da matéria dada como provada que a fracção adguirida pelos Recorrentes, à data da celebração do contrato de compra e venda, não apresentava qualquer defeito.

Sem prescindir,

34ª. Ficou provado que os Recorrentes, aquando das visitas ao prédio, tiveram acesso às partes comuns, visualizando não só o terraço da fracção que adquiriram, como também as escadas, elevadores e naturalmente a própria fachada do prédio.

35ª. 0s Recorrentes conhecimento de que estavam a adquirir uma fracção num prédio Com mais de 15 anos, e que este denotava já o desgaste normal de um prédio de 15 anos.

36ª. É do conhecimento geral que um qualquer prédio em regime de propriedade horizontal com a idade do prédio em causa nos autos, mais cedo ou mais tarde, em virtude do seu desgaste normal, necessitará de uma intervenção na sua estrutura.

37ª. O homem mediano, o bom pai de família, colocado na situação dos Recorrentes, e face às regras de experiência comum, não podia ignorar que um prédio com terraço, face às questões de impermeabilidade e desgaste que os terraços apresentam, eventualmente necessitará de ser intervencionado.

38ª. Estamos perante um contrato de compra e venda de coisa usada e como tal a coisa usada, ao contrário da coisa nova, apresenta o seu desgaste normal.

39ª. Este desgaste não pode ser visto como defeito ou vício da coisa vendida, pois que o seu comprador bem sabe que como coisa usada que é esta apresentará tal desgaste.

40ª. Só existirá vício da coisa usada na medida em que este ultrapasse o desgaste normal da coisa.

41ª. 0 prédio em causa nos autos tem mais de 15 anos, pelo que os problemas que apresentava, e que eram do cabal conhecimento dos Recorrentes, resultavam do desgaste normal do prédio, pelo que não consubstanciam vício da coisa, nos termos do artigo 9130 do Código Civil. - neste sentido vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/04/2006, processo nº 06A866.

42ª. Sob o recorrido não impende qualquer responsabilidade de reparação ou substituição da coisa.

43ª. Dispõe o artigo 9140, parte final, do código civil, "esta obrigação não existe se o vendedor desconhecia sem culpa o vício ou falta de conformidade de qualidade de que a coisa padece."

44ª. Tal como resultou provado nos presentes autos, apenas se pode concluir pela impossibilidade de o Recorrido, aquando da celebração do contrato, conhecer com culpa os vícios alegados pelos Recorrentes.

45ª. Pelo que, nos termos do artigo 9140 do código civil, e tal como veio sustentado na decisão proferida pelo Tribunal de 1ª. instância, não se pode de qualquer modo imputar qualquer responsabilidade ao Recorrido.

E conclui pela improcedência do recurso.

   9. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelos Autores / ora Recorrentes decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:

- se no regime da  venda de coisa defeituosa, previsto no nº1 do artigo 913º do Código Civil, impende sobre os compradores o ónus da prova de que o vício já existia aquando da venda, ou se lhe basta  provar a existência do defeito;

- se a resposta for no sentido de que só lhe basta provar a existência do defeito, a apreciação dos pedidos formulados pelos Autores/Recorrentes.

                III. Fundamentação

1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1.1. Por escritura de compra e venda outorgada, em 30.07.2013, no Cartório Notarial de ..., sito em ..., lavrada a fls. 88 a 89 verso do livro de notas para escrituras diversas n.º 136-A, os Autores declararam comprar ao Réu, e este declarou vender, pelo preço de € 110 000,00 (cento e dez mil euros), a fracção autónoma designada pelas letras "AT", correspondente ao terceiro andar, bloco A (ala nascente), apartamento T2, destinado a habitação, com entrada pela porta designada pelas letras "AT", com duas varandas e uma garagem na cave, e o uso exclusivo do terraço/cobertura, fracção essa do prédio urbano sito em ..., descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o n.º 378-AT, e inscrita na matriz predial urbana sob o n.º 1084-AT, conforme se retira da cópia junta aos autos de fls. 36 a 40 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

1.2. O referido negócio de compra e venda foi objecto de mediação imobiliária por parte da sociedade designada por ... Mediação Imobiliária L.da;

1.3. Em Agosto de 2012, os Réus visitaram a fracção acompanhados pelo Réu e pela funcionária da agência imobiliária EE;

1.4. Aquando da visita, a fracção estava em bom estado de conservação;

1.5. O Autor marido voltou a visitar a fracção mais três vezes na companhia da referida funcionária da agência imobiliária enquanto negociava com esta o preço de transmissão da fracção, sendo que uma dessas visitas ocorreu em Janeiro ou Março de 2013;

1.6. O negócio descrito na alínea a), foi precedido da celebração de um acordo, em 2 de Abril de 2013, denominado pelas partes de "promessa de compra e venda contrato", nos termos das cláusulas constantes da cópia de 87 a 94 e 98 a 99 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

1.7. Em 26 de Outubro de 2013, a fracção tinha infiltrações de água na cozinha, na sala de estar, na despensa e casa de banho, sendo que, na cozinha, a água escorria em fio pelos focos de iluminação, tornando impossível a utilização da fracção para habitação;

1.8. Em Outubro de 2013, era do conhecimento da administração do condomínio da fracção em causa que o prédio tinha problemas de infiltrações de água da chuva, afectando algumas fracções, mas desconhecia se a fracção AT tinha qualquer problema de infiltração, uma vez que nunca tinham recebido qualquer queixa ou reclamação por parte do Réu;

1.9. Em Janeiro de 2014, a fracção AT tinha humidades:

(i) na cozinha, no interior da envolvente em tectos e sancas, dando origem a manchas, bolores e fungos, provocando a deterioração, empolamento e apodrecimento dos materiais,

(ii) na sala, no interior da envolvente exterior do tecto e alheta de remate, provocando escorridos no interior da parede exterior e deterioração dos materiais, designadamente, dos estanhados, com manchas de coloração e auréolas definidas por faixas de formação mais escuras e formação de sais,

(iii) na casa de banho, no interior da envolvente exterior do tecto e sanca, com deterioração dos materiais, nomeadamente, empolamentos no estuque,

(iv) na despensa, com deterioração do estuque no tecto e paredes;

(v) no quarto, no interior dos elementos da envolvente exterior dando origem a manchas no tecto, provocando a deterioração, empolamento e apodrecimento dos materiais,

(vi) no sótão, nos tectos, no interior dos elementos da envolvente exterior, dando origem a manchas bolores e fungos, provocando a deterioração e apodrecimento dos materiais;

1.10. Em consequência das ocorrências descritas nas alíneas g) e i), houve uma degradação dos revestimentos e das condições de conforto e salubridade da fracção, sendo que em Setembro de 2014 apareceu igualmente no hall de entrada da fracção uma mancha de humidade junto à armadura da iluminação;

1.11. O Réu foi notificado judicial, avulsa e pessoalmente pelo Autor, em 30 de Julho de 2014, nos termos que melhor constam de fls. 210 a 228 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

1.12. A reparação das ocorrências referidas nas alíneas i) e j) implica, quanto à cozinha, desmontar o armário da cozinha e substituir elementos deteriorados; remover tectos em gesso cartonado; remover revestimento estucado do tecto; remover sanca; executar novo revestimento estucado em tecto (em alternativa executar novo em gesso cartonado); executar tecto em gesso cartonado, incluindo emaçamento e pintura; executar sanca; executar pintura de tecto; recolocar armário de cozinha;

1.13. Quanto à despensa, remover revestimento estucado de tecto, remover revestimento estanhado em paredes; executar novo revestimento estanhado em tecto (em alternativa executar novo em gesso cartonado); executar novo revestimento estanhado; executar pintura de paredes e tecto;

1.14. Quanto à casa de banho, remover revestimento estucado de tecto, remover sanca, executar novo revestimento estanhado em tecto (em alternativa executar novo em gesso cartonado), executar sanca e executar pintura em tecto e sanca;

1.15. Quanto à sala, remover apainelados em ombreiras deterioradas, remover áreas de revestimento estanhado deteriorado; remover áreas deterioradas de tecto em cartão-gesso, executar novo revestimento estanhado, executar novo tecto em gesso cartonado, colocar novos apainelados, tratar alheta de transição parede/tecto, executar pintura em paredes e tectos;

1.16. No quarto, remover áreas de revestimento estanhado deteriorado, remover áreas de revestimento estucado deteriorado, remover tecto em gesso cartonado, executar novo revestimento estanhado; executar novo revestimento estucado; executar novo tecto em gesso cartonado, executar pintura em paredes e tectos;

1.17. No sótão, a substituição das janelas do sótão, a remoção das áreas de revestimento estucado deteriorado, a execução de um novo revestimento estucado e a execução de uma pintura em tecto;

1.18. No hall de entrada, a execução de pintura no tecto;

1.19. A reparação destas ocorrências implica o dispêndio do valor de € 10 700,94, a que acrescerá o IVA a taxa legal de 23%, perfazendo um total global de € 13 162,16;

1.20. Em assembleia extraordinária de condóminos realizada em 06.12.2014, foi deliberado por maioria dos presentes a realização de obras nas partes comuns do prédio, cujo valor global seria a dividir por todos os condóminos em função da respectiva permilagem;

1.21. Na assembleia de 30-1-2016 foi deliberada a aprovação do orçamento apresentado pela empresa designada por "...", cujo valor orçamentado ascende à quantia de € 135 245,90, acrescido de IVA à taxa legal em vigor;

1.22. Sendo que as clarabóias de velux dos sótãos ficaram a cargo de cada um dos condóminos;

1.23. Os Autores estão, desde Outubro de 2013, impedidos de usar a fracção devido às condições de salubridade que esta apresenta;

1.24. O arrendamento de uma fracção com as características da fracção AT, no mercado onde se insere, implica o pagamento por parte do inquilino de uma renda mensal no valor de € 350,00;

1.25. Na sequência dos factos referidos na alínea h), o Autor, que vive em França, deslocou-se propositadamente a Portugal, no dia 26 de Novembro, de avião, tendo regressado dia 29, a fim de resolver pessoalmente os problemas da fracção, tendo despendido a quantia de € 204,24 na viagem de avião;

1.26. E a quantia de € 138,45 no aluguer de uma viatura automóvel, bem como a quantia de € 34,70 em portagens;

1.27. Viu-se obrigado a voltar a Portugal no dia 20 de Dezembro de 2013 (sexta-feira), nomeadamente para acompanhar o Engenheiro incumbido da realização do relatório, tendo regressado no dia 22 do mesmo mês;

1.28. Os custos decorrentes desta deslocação ascenderam a € 474,53 com viagem de avião de ida e volta, € 248,78, com aluguer de viatura, € 33,60, com combustível, e, por fim, € 13,25 com portagens;

1.29. Regressou novamente a Portugal no dia 31 de Janeiro de 2014 (sexta-feira), com o intuito de estar presente na assembleia de condóminos realizada em 1 de Fevereiro de 2014, tendo regressado no dia 2 de Fevereiro seguinte;

1.30. Como custos provindos desta deslocação teve € 169,56, com viagem de avião de ida e volta, € 177,66, com aluguer de viatura, € 39,20, com combustível, e, por fim, € 16,35, com portagens;

1.31. Viu-se, ainda, obrigado a incorrer em nova deslocação a Portugal no dia 30 de Abril de 2014, com o intuito de estar presente na Assembleia de 3 de Maio de 2014, cuja ordem de trabalhos visava, sobretudo, discutir e aprovar os orçamentos então compilados sobre as obras a realizar no identificado prédio, presença essa que resulta corroborada pela subscrição do A. marido da acta em apreço, regressando a França no dia 4 de Maio;

1.32. Com esta deslocação despendeu € 581,86, com a viagem de ida e volta, € 329,32, com aluguer de viatura, € 58,45, com portagens;

1.33. Os Autores sentem-se agastados e tristes com a situação da sua fracção;

1.34. Quando foi celebrado o negócio descrito na alínea a), o Réu já não se encontrava a viver na fracção desde Abril de 2013, por que o Autor marido exigiu que o Réu saísse da fracção um mês após a assinatura do contrato-promessa;

1.35. A fracção AT teve uma infiltração de água no ano de 2009 na janela/clarabóia da casa de banho do sótão;

1.36. Com excepção da infiltração de água referida na alínea ii), o Réu não teve qualquer outra ocorrência relacionada com humidades, escorrências e infiltrações de água até declarar vender a fracção aos Autores;

1.37. O Réu viveu na fracção de 1998 até Abril de 2013;

1.38. Aquando das visitas à fracção, os Autores foram ao terraço da fracção AT;

1.39. Aquando da celebração do negócio descrito na alínea a), o prédio estava por pintar e em alguns terraços tinha crescido erva por falta de manutenção;

1.40. O condomínio onde se insere a fracção AT realizou obras de impermeabilização dos terraços depois de os Autores celebrarem o negócio descrito na alínea a);

1.41. Em 20 de Janeiro e em 10 de Maio de 2016, parte do tecto estucado da sala de jantar e parte do tecto estucado da casa de banho, respectivamente, caíram.

1.42. Havia algumas fracções do condomínio com problemas de humidades e infiltrações e essa questão foi falada nas assembleias de condóminos de 30 de Março de 2012 e de 1 de Fevereiro de 2013.

1.43. Na assembleia de condóminos de 1 de Fevereiro de 2013 foi decidido que se elaborasse um "caderno de encargos" relativo às reparações necessárias para eliminar as "infiltrações de águas" existentes em "vários apartamentos".

1.44. Na assembleia de condóminos de 1 de Fevereiro de 2014, onde a fracção dos autores se encontrava entre as "presentes", foi apresentado um "relatório das patologias existentes no edifício", tendo os condóminos tomado conhecimento do seu teor e decidido que se efectuasse um "levantamento de orçamentos de acordo com o caderno de encargos".

2. Do mérito do recurso

Como referem os Autores/Recorrentes a questão que se coloca (se decidida esta no mesmo sentido das decisões proferidas pelas instâncias, não é necessário conhecer da questão da indemnização reclamada pelos Autores/Recorrentes) é de saber se impende sobre o comprador o ónus da prova de que o vício já existia no momento da venda, no âmbito da venda defeituosa prevista no nº1 do artigo 913º do Código Civil, ou se cabe ao vendedor provar que o defeito tem origem posterior à entrega da coisa e as suas causas.

Os Autores/Recorrentes também afirmam, e com razão, que a sua pretensão, formulada na petição inicial, se funda no direito comum, mormente no regime da venda de coisa defeituosa previsto no artigo 913º e seguintes do Código Civil, e não em qualquer diploma ou legislação especial relativa ao direito do consumo

As instâncias entenderam que compete ao comprador, no caso presente aos Autores/Recorrentes, a prova de que a coisa tinha defeitos no momento da venda, por ser facto constitutivo do seu direito, nos termos do disposto nos artigos 913º e 342º, nº1, do Código Civil.

Os compradores, os ora Autores, no caso presente, não fizeram essa prova, pelo que as instâncias julgaram a ação improcedente.

2.1. Se no regime da venda de coisa defeituosa, previsto no nº1 do artigo 913º do Código Civil, impende sobre os compradores o ónus da prova de que o vício já existia aquando da venda, ou se lhe basta provar a existência do defeito

Prescreve o artigo 913º do Código Civil que:
1. Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes.
2. Quando do contrato não resulta o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria.

Por sua vez, o artigo 342º do Código Civil preceitua que:
1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.

Nos termos do nº1 do artigo 913º do Código Civil, a coisa vendida considera-se defeituosa quando:

- sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada;

- não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim.

E se do contrato não resultar o fim a que se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria (nº2 do artigo 913º do Código Civil).

Refere, quanto a esta questão, Calvão da Silva, “à luz do destino da coisa fixado pelas partes ou, na sua falta ou insuficiência, à luz do uso corrente ou função normal das coisas da mesma categoria, é que o tribunal apreciará da existência da defeituosidade, de vício que desvaloriza a coisa ou impede a realização do fim a que se destina e de falta de qualidades asseguradas ou necessárias para a realização do fim esperado”

(em Compra e Venda de Coisas Defeituosas – Conformidade e Segurança, pág.43)

Assim, defeitos serão tanto os vícios que tiram valor ou aptidão à coisa para uso ordinário ou previsto no contrato, como as desconformidades com o que as partes estipularam.

Por outro lado, “(…) o vício tem de ser preexistente ao ajuste ou à especificação; isto, no fundo, corresponde à ideia de que a existência do defeito é determinada na data da transferência do risco, a qual, no direito português, está associada à transmissão da propriedade.

(…) tem sido aceite que a garantia por defeito se aplica quando o vício já existia em germe, estando, por conseguinte, as suas causas ínsitas na prestação”

(Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em especial na compra e venda e na empreitada, 2001, págs. 190/191)

Ou, como se afirma no Acórdão do STJ de 19/02/2008, o vício ou defeito da coisa é determinada à data do cumprimento e a ela se reporta. Deve, pois, existir nesse momento, embora eventualmente oculto.

- consultável em www.gde.mj.pt

No caso dos autos, encontra-se provado que:

 Por escritura de compra e venda outorgada, em 30.07.2013, no Cartório Notarial de ..., sito em Ponte de Lima, lavrada a fls. 88 a 89 verso do livro de notas para escrituras diversas n.º 136-A, os Autores declararam comprar ao Réu, e este declarou vender, pelo preço de €110 000,00 (cento e dez mil euros), a fração autónoma designada pelas letras "AT", correspondente ao terceiro andar, bloco A (ala nascente), apartamento T2, destinado a habitação, com entrada pela porta designada pelas letras "AT", com duas varandas e uma garagem na cave, e o uso exclusivo do terraço/cobertura, fração essa do prédio urbano sito em ..., Lote 33, da freguesia e concelho de ..., descrita na respetiva Conservatória do Registo Predial sob o n.º 378-AT, e inscrita na matriz predial urbana sob o n.º 1084-AT, conforme se retira da cópia junta aos autos de fls. 36 a 40 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

E que antes da outorga da escritura, ainda no ano de 2012, e no ano de 2013, o Autor visitou a fração autónoma, tendo sido celebrado um contrato que as partes denominaram de contrato “promessa de compra e venda”.

Em 26 de outubro de 2013, a fração tinha infiltrações de água na cozinha, na sala de estar, na despensa e casa de banho, sendo que, na cozinha, a água escorria em fio pelos focos de iluminação, tornando impossível a utilização da fração para habitação;

Em outubro de 2013, era do conhecimento da administração do condomínio da fração em causa que o prédio tinha problemas de infiltrações de água da chuva, afetando algumas frações, mas desconhecia se a fração AT tinha qualquer problema de infiltração, uma vez que nunca tinham recebido qualquer queixa ou reclamação por parte do Réu;

Em janeiro de 2014, a fração AT tinha humidades:

(i) na cozinha, no interior da envolvente em tetos e sancas, dando origem a manchas, bolores e fungos, provocando a deterioração, empolamento e apodrecimento dos materiais,

(ii) na sala, no interior da envolvente exterior do teto e alheta de remate, provocando escorridos no interior da parede exterior e deterioração dos materiais, designadamente, dos estanhados, com manchas de coloração e auréolas definidas por faixas de formação mais escuras e formação de sais,

(iii) na casa de banho, no interior da envolvente exterior do teto e sanca, com deterioração dos materiais, nomeadamente, empolamentos no estuque,

(iv) na despensa, com deterioração do estuque no teto e paredes;

(v) no quarto, no interior dos elementos da envolvente exterior dando origem a manchas no teto, provocando a deterioração, empolamento e apodrecimento dos materiais,

(vi) no sótão, nos tetos, no interior dos elementos da envolvente exterior, dando origem a manchas bolores e fungos, provocando a deterioração e apodrecimento dos materiais;

Em consequência das ocorrências descritas nas alíneas g) e i), houve uma degradação dos revestimentos e das condições de conforto e salubridade da fração, sendo que em setembro de 2014 apareceu igualmente no hall de entrada da fração uma mancha de humidade junto à armadura da iluminação.

Assim, encontram-se provados os defeitos alegados pelos Autores.

Contudo, não está demonstrado que os defeitos existiam na data em que ocorreu a transferência de propriedade da fração autónoma (ou anteriormente).

E a prova desses factos, porque constitutivos do direito dos Autores, competia a estes nos termos do nº1 do artigo 342º do Código Civil, porquanto no caso presente não existe, como se afirma no Acórdão recorrido, qualquer prazo de garantia, quer convencional quer legal.

E é assim, porquanto a execução defeituosa da prestação contratual, como violação do contrato, é um ato ilícito, elemento integrante da responsabilidade contratual.

No domínio desta responsabilidade, presume-se a culpa, mas, na falta de norma que o permita, o mesmo não acontece relativamente aos restantes requisitos da responsabilidade civil.

Assim, há-de ser sobre quem invoca a prestação inexata da outra parte como fonte da responsabilidade que há-de recair o ónus de demonstrar os factos que integram esse incumprimento (facto ilícito), bem como os prejuízos dele decorrentes (dano) – artigo 342º, nº1, do Código Civil

(Acórdão do STJ, de 19/02/2008, consultável em www.dge.mj.pt)

Por outro lado, nestes autos, não estamos no âmbito da garantia de bom funcionamento a que se refere o artigo 921º do Código Civil (presunção de existência do defeito ao tempo da entrega que justifica e caracteriza tal garantia, bem como não é aplicável o regime da venda de bens de consumo (Decreto – Lei nº67/2003, de 8 de abril, que transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva nº1999/44/CE), como, aliás, reconhecem os Recorrentes, assim como não se verifica qualquer situação das previstas na Lei nº24/96, de 31 de julho, nem lhe é aplicável o disposto no artigo 1225º do Código Civil.

- cfr., no sentido de o ónus da prova competir ao comprador, na situação análoga à dos presentes autos, os acórdãos do STJ de: 14/12/2016; 19/02/2008; 23/11/2006; 13/03/2003; 29/11/2001; 21/05/1998 -

Deste modo, o recurso tem de improceder.


IV. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, e, em consequência, confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelos Autores/Recorrentes.

Lisboa, 13 de novembro de 2018

(Processado e integralmente revisto pelo relator, que assina e rubrica as demais folhas)

 (Pedro de Lima Gonçalves)


 (João Cabral Tavares)

(Fátima Gomes)