Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1059/06.2TBVCD.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TAVARES DE PAIVA
Descritores: COOPERATIVA
DIRECÇÃO
DEVERES FUNCIONAIS
DÍVIDA DE VALOR
SEGURANÇA SOCIAL
IMPOSTO
OBRIGAÇÃO FISCAL
APRESENTAÇÃO À INSOLVÊNCIA
DEVER DE INFORMAR
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE DO GERENTE
CULPA
PRESUNÇÃO DE CULPA
NEGÓCIO CONSIGO MESMO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA
ÓNUS DA PROVA
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
JUSTA CAUSA
Data do Acordão: 10/25/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS/ PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÃO/ MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES/ OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO/ NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES
DIREITO COOPERATIVO/ ORGÃOS DAS COOPERATIVAS/ DIRECÇÃO / RESPONSABILIDADE DOS ORGÕES DAS COOPERATIVAS
DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS / ADMINISTRAÇÃO E FISCALIZAÇÃO / APRECIAÇÃO ANUAL DA SITUAÇÃO DA SOCIEDADE /RESPONSABILIDADE CIVIL PELA CONSTITUIÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E FISCALIZAÇÃO DA SOCIEDADE
Doutrina: - Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina 5ª ed., p. 446.
- Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil 2ª ed. Coimbra editora, pp. 466 e ss..
- Armando Manuel Triunfante, CSC Anotado, p.60.
- Cunha Gonçalves, Comentário, Vol. I, p. 427 e segs.
- Maria Adelaide Croca, “As contas do exercício perspectiva Civilística”, ROA, 1997, pp. 629-667.
- Menezes Cordeiro, Código das Sociedades Comerciais, 2009, em anotação ao art. 72º; Da Responsabilidade dos Administradores das Sociedades Comerciais, p. 493 e ss.; Manual de Direito das Sociedade, I, 2004, pp. 772 e ss..
- Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais, pp. 109-111.
- Pires Lima e A. Varela, C. Civil Anotado, vol. I 4ªed., pp.471, 502.
- Raul Ventura, Dissolução, II, pp. 120, 211 e ss..
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- Ricardo Ferreira, Direito das Sociedades em Revista, Março 2011, ano 3, vol. 5, p.221.
- Rita Lynce de Faria, “ A inversão do ónus da prova no Direito Civil Português”, Lex, Lisboa 2001, p. 52.
- Sérvulo Correia, Elementos de um Regime Jurídico da Cooperação, Separata de Estudos Sociais e Cooperativos, ano V, n.º 17, 1996, pp. 36/37.
- Vaz Serra, Direito Probatório Material, p. 157.
Legislação Nacional: CIRE: - ARTIGOS 18.º, NºS 1 E 3, 20.º, Nº1 AL. G), 186.º, NºS 1 E 3 ALS. A) E B).
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, Nº1, 344.º, 563.º, 799.º.
CÓDIGO COOPERATIVO (CCOOP): - ARTIGOS 2.º, 9.º, 44.º, N.ºS 1 E 2, 56.º, 64.º, 65.º
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 64.º, 66.º, N.ºS 1 E 2, 72.º, N.ºS 1 E 2, 73.º, N.º1, 75.º, 77.º, 78.º, N.º2
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 661.º, N.º2
DL N.º 309/81, DE 04-12: - ARTIGO 2.º.
DL N.º 132/93, DE 23-04 (CPEREF): - ARTIGOS 6.º, 8.º
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-ACÓRDÃOS PUBLICADOS NA COLECTÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA – ANOS VIII, TOMO III, PÁGINAS 124/125 E X, TOMO I, PÁGINAS 36/38;
-DE 31/03/2001, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 7/10/2003, PROCESSO N.º 2684/03, IN WWW.DGSI.PT ;.
-DE 9/05/2006, CSTJ ANO XIV, T. II, 2006;
-DE 27/9/2007, PROCESSO N.º 2197/07, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 3/02/2009, ACESSÍVEL IN WWW.DGSI.PT;
-DE 13/10/2011, PROCESSO Nº 1715/05 2.TVLSB. L1. S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Não se podem responsabilizar as RR , membros da direcção da cooperativa, desde 1985 até 27 de Junho de 2005, pelo elevado nível de endividamento da autora à Segurança Social e à Fazenda Nacional, não obstante o incumprimento do dever de requerer a insolvência perante o incumprimento das obrigações aquelas entidades e a falta de apresentação das contas dos exercícios das suas gerências, quando se prova também que até 2002 a produção da autora , dependia quase em exclusivo, de um cliente (M........) que assegurava , em maior valor os proveitos da autora e que a partir de Outubro de 2002 esta empresa reduziu significativamente as encomendas colocando a autora em sérias dificuldades financeiras para fazer face às despesas normais de exploração e que com o agravamento na crise no sector têxtil, a autora não conseguiu absorver capacidade produtiva instalada, tendo assim reduzido consideravelmente o seu volume de vendas e consequentemente os seus resultados da exploração.
II - Nos termos do art. 72.º, n.º 1, do CSC, ex vi do art. 9.º do CCoop as, aqui, RR, na qualidade de membros da direcção da autora (cooperativa), respondem para com a cooperativa pelos danos a esta causados por actos ou omissões com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa.
III - O citado art. 72.º, n.º 1 – ex vi do citado art. 9.º do CCoop – estabelece uma presunção de culpa que impende sobre os gerentes ou administradores, no caso em apreço, sobre as RR, como membros da direcção da cooperativa, presunção esta que pode ser ilidida se provarem que procederam sem culpa.
IV - Quando ocorre uma reiterada falta de apresentação das contas de vários exercícios (2001, 2002, 2003 e 2004) obrigação que sobre as RR impendia na qualidade de directoras da autora, existe violação ostensiva das disposições legais do arts. 56.º e 64.º do CCoop que fazem incorrer as RR, na responsabilidade civil solidária prevista no art. 65.º do CCoop ex vi do art. 72.º, n.º1, do CSC, aqui, observado por força do art. 9.º do CCoop, sendo certo que as RR não ilidiram a presunção de culpa estabelecida no citado normativo, porquanto não provaram como lhes competia que não tiveram culpa nos danos que provocaram na autora, nomeadamente quando fazem em nome da cooperativa negócios para proveito próprio (aquisição de veículo e recebimento de cheques em seu favor) que eram da cooperativa, sendo certo também que não provaram qualquer matéria exclusiva dessa responsabilidade, nomeadamente que actuaram em termos informados, livre de qualquer interesse pessoal e segundo critérios de racionalidade empresarial – cf. art. 72.º, n.º 2, do CSC).
V - As RR também são responsáveis à luz dos citados normativos pelo pagamento de uma importância que receberam de uma seguradora em nome da autora, na sequência de um sinistro (incêndio), nomeadamente quando as próprias RR não provaram o destino dessa importância, ónus, que, aliás, sobre elas sempre impendia, também por força da inversão do ónus da prova nos termos do art. 344.º do CC, inversão esta que tem a sua justificação no facto de as RR não apresentarem contas nos diversos exercícios das sua gerências, circunstância que sempre prejudica ou dificulta a A. de saber qual o destino que foi dado a essa verba .
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I - Relatório

AA C.R.L., intentou no Tribunal Judicial de Vila do Conde, acção declarativa sob a forma ordinária, contra

· BB, CC e DD, todas residentes em Vila do Conde,

pedindo a condenação solidária das rés no pagamento das quantias de € 1 651 093,30 (correspondente às dívidas contraídas pela autora junto da Fazenda Pública e da Segurança Social, durante a administração a cargo das rés; € 100 000,00 € relativa à quantia recebida pelas rés, por parte de companhia de seguros, e que se destinava à autora; e ainda das quantias que se vieram a apurar em liquidação de sentenças, pertencentes à autora e utilizadas pelas rés em proveito próprio.

Nos fundamentos invocou que as rés exerceram, respectivamente, as funções de Presidente da Direcção, Tesoureira da Direcção e Vogal da Direcção da autora.

O exercício de tais funções ocorreu no período de 1985 a 27-06-2005.

As rés não procederam à elaboração dos relatórios de gestão e contas relativos a esses períodos, razão por que as mesmas, de 2000 a 2004, não foram aprovadas em assembleia-geral.

Na sequência de incêndio ocorrido nas instalações da autora foi recebida pelas autoras uma indemnização, da qual também não deram conta à autora.

A primeira ré auferia o salário de € 6500,00, fazia compras em supermercados, almoçava e jantava em restaurantes de qualidade superior, pagava avultadas contas de telemóvel e comprava artigos para o lar, em tudo utilizando cartão de crédito da empresa.

As rés contestaram, por excepção e por impugnação, concluindo pela improcedência da acção.

Por excepção invocaram a falta de deliberação para a propositura da acção.

Quanto às despesas efectuadas, as mesmas reportam-se a exercícios positivos.

A autora passou a ter prejuízos pelo facto de trabalhar em grande parte para uma sociedade comercial – a M........ – a qual, desde 2002, diminuiu drasticamente as encomendas.

A fls. fls. 171 e ss. encontra-se junta procuração do administrador de insolvência a ratificar o processado na acção.

Foi proferido despacho saneador que se pronunciou pela validade e regularidade de todos os pressupostos processuais, seleccionando os factos assentes e controvertidos (base instrutória).

Procedeu-se a julgamento no âmbito do qual a autora juntou aos autos cópias autenticadas de diversas actas da Direcção, Assembleia-geral e livro de registo de presenças, arguindo a falsidade das actas da Assembleia-geral.

Sobre tal incidente foi proferido despacho de indeferimento, do qual foi interposto recurso de agravo.

A base instrutória encontra-se respondida pela forma que consta de fls. 1415 a 1433 dos autos.

A autora veio ainda invocar a nulidade decorrente da imperceptibilidade do depoimento de diversas testemunhas no suporte áudio efectuado em audiência de julgamento, indeferida por despacho judicial de 04-07-2011.

Foi proferida sentença julgando a acção improcedente e absolvendo as rés do pedido.

Inconformada a autora interpôs recurso de agravo quanto à decisão que julgou improcedente o incidente de falsidade e de apelação da decisão final, nela incluindo a nulidade adveniente dos vícios da gravação.

 E o acórdão da Relação acabou por julgar improcedente os recursos de agravo – referente ao incidente de falsidade – e de apelação confirmando na íntegra os doutos despachos e sentença recorridos.

É deste acórdão que a autora interpõe recurso para este Tribunal concluindo nas suas alegações de recurso com os seguintes fundamentos:

1.      Foram violadas, na sua interpretação e aplicação, as normas de arts.372.°, 377.° e 378.° do C.C. e 547.° do C.P.C.

2.      A Recorrente argui tempestivamente a falsidade das atas certificadas cuja junção aos autos foi ordenada pelo Mmo. Juiz do Tribunal de primeira instância.

3.      Tais documentos têm força probatória, e fazem prova plena dos fatos que atestam, diferente das cópias simples, que já se encontravam juntas aos autos, em data anterior.

4.      Acresce que não existe prazo de arguição de falsidade de documentos juntos pelo apresentante, pelo que, julgar-se extemporânea tal arguição sempre consubstanciaria a prática de um ato que a lei não prevê, em flagrante violação do disposto ao artigo 547.° do C.P.C.

5.      Foi ainda violado, na sua interpretação e aplicação, o disposto ao artigo 679.° do C.P.C.

6.      O despacho proferido em primeira instância, de indeferimento da arguição de nulidade, decorrente de inaudibilidade dos depoimentos gravados, é de mero expediente e, por isso mesmo, insuscetível de recurso autónomo e independente;

7.      Tal nulidade podia ser arguida pela parte somente nas alegações do recurso que ofereceu para a Relação, e dentro do prazo que dispunha para as mesma e dentro do período para o qual dispunha para dela conhecer.

8.      Por razões de celeridade processual, e por forma a obviar a subida do recurso e sua eventual subsequente descida, para repetição de julgamento, a Recorrente optou por arguir a nulidade ainda dentro do prazo que dispunha para alegar, mas em primeira instância

9.      Mas o despacho que impendeu sobre tal arguição de nulidade não pode, salvo o devido respeito por opinião diferente, impedir a parte arguente de repetir tal arguição de nulidade em sede de alegações;

10.    E tampouco pode impor à parte arguente que ofereça recurso autónomo e independente sobre matéria que sempre teria que ser julgada em segunda instância     e que razões de economia processual sempre determinariam que fosse julgada pelos mesmos Juízes que viriam a julgar o recurso;

11.    De outro modo, seriam eventualmente Juízes diferentes daqueles a decidirem o recurso, os que decidiriam da audibilidade ou não da gravação dos depoimentos;

Sem prescindir,

12.    Salvo melhor opinião, considera-se ainda terem os Venerandos Desembargadores violado o disposto aos artigos 64.°, 65.°, 66.°, 67.°, 68.° do C. Cooperativo e 71.° e 72.° do C.S.C, e arts.344.°, n.° 1 e 483.° do C.C.

13.    As rés não lograram demonstrar ter inexistido culpa, ilicitude ou nexo de causalidade entre a sua atuação e os danos e prejuízos causados à recorrente, bem antes pelo contrário.

14.    As rés tornaram-se civilmente responsáveis perante a Recorrente pelo fato de terem deixado de executar com fidelidade o seu mandato.

15.    A ré BB, Presidente da Direção da recorrente, não pode invocar a seu favor a incompetência ou a ignorância, quando auferia uma remuneração mensal superior a € 5.000,00, sendo que antes de ter alcançado tais funções era costureira a auferir a retribuição mínima nacional.

16.    A referida ré comprou para si um veículo que estava locado à Recorrente, tendo celebrado um negócio com bens ou direitos da Recorrente Cooperativa, o que lhe estava expressamente vedado pelo disposto ao art.64.° do C. Cooperativo.

17.    Apesar de ser exigida a culpa dos diretores das AAs, esta é presumida na Ré BB, e o nexo de imputação do prejuízo à sua atuação, violadora de preceitos legais e contratuais, não deixou de existir, porquanto não foi pela mesma provada ou demonstrada uma qualquer circunstância extraordinária que permitisse concluir que aquele sempre se verificaria.

18.    De resto, caso as contas da recorrente houvessem sido elaboradas e submetidas, nos diversos exercícios de 2000, 2001, 2002, 2003 e 2004, ao controlo do órgão máximo da Recorrente, a assembleia geral, esta podia ter adotado politicas diferentes de gestão da recorrente, a prevenir o prejuízo e dano que se veio a verificar.

19.    Ao que não são alheios atuações da Ré BB tendentes a criar e agravar tais prejuízos, tais como: a) manter-se uma remuneração de € 5.000,00, enquanto diretora, enquanto as dívidas à Segurança Social e fazenda da recorrente se avolumavam; b) continuar a utilizar o telemóvel da cooperativa e a gastar quantias significativas em telefonemas nacionais e internacionais, depois de ter cessado funções de Presidente da direção; c) não elaborar nem submeter as contas da cooperativa à assembleia geral, durante cinco anos seguidos, e apesar de sucessivas vezes interpeladas para o efeito; d) manterem-se de fato, e após termo de mandato, durante mais de cinco anos, na gestão da cooperativa, sem convocarem assembleia para aprovação de contas e eleição de novas direções;

20.    E, por isso mesmo, não tiveram as Rés uma gestão cuidadosa ou a diligência de um gestor criterioso e ordenado, bem cientes, como estavam, que geriam interesses e património alheio.

21.    Por isso mesmo inverteu-se o ónus da prova e cabia às Rés demonstrarem, o que se considera não terem feito, que nelas não residiu qualquer culpa em todos os supra aludidos atos.

Foram apresentadas contra-alegações pelas recorridas, que concluem pela improcedência do recurso.

Por despacho de fls. 2274 foi determinada a audição das partes quanto à inadmissibilidade do recurso sobre as questões suscitadas de incidente de falsidade das actas da assembleia-geral e nulidade de gravação dos depoimentos.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação

As instâncias deram, como provados os seguintes factos:


1. A autora é uma pessoa colectiva, do ramo do sector cooperativo da produção operária; (facto A)
2. É titular do número de identificação fiscal 0000000000 e do número de identificação da segurança social 0000000 e acha-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Vila do Conde sob o n.º13; (facto B)
3. Em 27 de Junho de 2005 foram eleitas como administradoras da autora: EE, FF e GG; (facto C)
4. A primeira ré exerceu, desde pelo menos o ano de 1985 e até 27 de Junho de 2005, o cargo de Presidente da Direcção da autora; (facto D)
5. A segunda ré exerceu, desde pelo menos o ano de 1985 e até 27 de Junho de 2005, o cargo de Tesoureira da Direcção da autora; (facto E)
6. A terceira ré exerceu, desde pelo menos o ano de 1985 e até 27 de Junho de 2005, o cargo de vogal da Direcção da autora; (facto F)
7. A autora deve ao Instituto da Segurança Social I.P. a quantia de € 1.266.495,33 (um milhão, duzentos e sessenta e seis mil, quatrocentos e noventa e cinco euros e trinta e três cêntimos), ao que acrescem juros de mora; (facto G)
8. A 27 de Junho de 2005 a autora era devedora pelo menos da quantia de € 384.598,00 (trezentos e oitenta e quatro mil, quinhentos e noventa e oito euros) de IVA à Fazenda Nacional, e sobre ela impendia o processo de execução fiscal n.º0000000000000000; (facto H)
9. O património da autora, correspondente ao bem imóvel onde é sita a sua sede e fábrica, e que se acha penhorado pelas dívidas ao Estado acima identificadas, ascende ao valor aproximado de €1.000.000,00 (um milhão de euros); (facto I)
10. A 10/8/2005 a autora apresentou processo de insolvência no Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, que corre termos pelo 1.º Juízo, sob o proc. n.º 507/05.3TYVNG, e onde foi já declarada insolvente por decisão transitada em julgado; (facto L)
11. A anterior administração ou Direcção da Autora não liquidava, há pelo menos um ano, as contribuições e quotizações devidas para a Segurança Social; (facto M)
12. Quando a actual administração ou Direcção da autora tomou posse, os saldos existentes em banco ou entretanto transferidos por conta de anteriores encomendas efectuadas pela Autora foram suficientes apenas para proceder ao pagamento dos salários dos trabalhadores e contribuições da segurança social correspondentes ao mês de Julho; (facto N)
13. Nos dias anteriores à tomada de posse a primeira ré, anterior Presidente da Administração da autora, emitiu e sacou um cheque, à sua ordem e a seu favor, no montante de €16.000,00 (dezasseis mil euros); (facto P)
14. Com recurso ao cartão de crédito da empresa, a primeira ré almoçou e jantou, desde 2000 até este ano, nos seguintes restaurantes de qualidade superior restaurantes do concelho de Vila do Conde e Póvoa de Varzim: Crisupa, Romando, Mar ao Forte, Caximar, 31 de Janeiro e outros; (facto Q)
15. No restaurante “Mar ao Forte” e numa única refeição a primeira ré utilizou e gastou da autora a quantia de €184,06; (facto R)
16. No Romando, e numa única refeição, a primeira ré utilizou e gastou da Autora a quantia de €448,47; (facto S)
17. A primeira ré gastava dinheiro e fundos da autora para comprar artigos para lar e casa, fazer compras no Feira Nova (€388,24) e para comprar flores em montante na ordem dos vários milhares de euros; (facto T)
18. Depois de ter cessado as suas funções de Presidente da Administração da autora, a primeira ré continuou a utilizar o telemóvel da empresa e a gastar quantias significativas em telefonemas nacionais e internacionais; (facto U)
19. As dívidas da autora, à Fazenda Nacional e à Segurança Social, em 27/6/2005, e mesmo 3, 6, 9 e 12 meses antes, ascendiam a quantia não inferior a € 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros); (facto AC)
20. A primeira ré, antes de assumir as funções de Presidente da Direcção, exercia as funções e tinha a categoria de costureira, em cuja actividade auferia quantia mensal nunca superior ao salário mínimo; (facto AD)
21. A nova Direcção da autora nunca emitiu ou entregou qualquer declaração para o Instituto de emprego, em relação à primeira ré, e nunca prescindiu dos seus serviços, tendo-lhe enviado uma carta a comunicar o abandono ao trabalho, ao fim de mais de 40 dias sem comparência ao serviço e sem qualquer tipo de justificação; (facto AE)
22. A autora viu penhorado o saldo credor que dispunha sobre a empresa HH, Lda., penhora esta efectuada através de carta enviada pela Direcção Geral de Impostos, Serviço de Finanças de Vila do Conde, com data de 21 de Outubro de 2005, e recebida por aquela empresa em 24 de Outubro de 2005, e que determinou que aquela empresa não tivesse pago à Autora a quantia aproximada de 40.000,00 (quarenta mil euros), suficiente e necessária ao pagamento das contribuições e quotizações devidas pela actual Direcção à Segurança Social e aos trabalhadores; (facto AF)
23. A autora deve a fornecedores quantia superior a € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros); (quesito 1º)
24. E o imobilizado da autora ascende a valor de cerca de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros); (quesito 1º-A)
25. Diversos trabalhadores da autora detinham em seu poder declarações de cessação do contrato de trabalho por extinção dos postos de trabalho por desnecessidade, assinadas pela anterior Administração, representada pelas rés, destinadas a serem entregues no Instituto de Emprego para efeitos de recebimento de Fundo de Desemprego; (quesitos 1º-B e 1º-C)
26. A primeira ré, com o conhecimento e consentimento das restantes rés, adquiriu para si o veículo automóvel de que havia celebrado contrato de locação financeira a favor da autora; (quesito 1º-D)
27. Em finais do mês de Outubro de 2004 ocorreu um incêndio nas instalações e sede da autora; (quesito 1º-E)
28. A autora, representada pelas aqui 1ª e 2ª rés. recebeu como indemnização de tal sinistro a quantia de €100.000,00 (cem mil euros) da Companhia de Seguros Global, S.A; (quesito 1º-F)
29. Encontra-se por liquidar o subsídio de férias dos trabalhadores, num montante superior a €30.000,00 (trinta mil euros); (quesito 2º)
30. Os documentos e contas dos diversos exercícios não foram entregues à nova administração da autora pela anterior administração representada pelas rés; (quesito 3º)
31. O relatório e as contas da Autora referentes aos anos de 2001, 2002, 2003 e 2004 não se acham aprovados em assembleia geral, nem foram submetidos a parecer do Conselho Fiscal, tinham parecer deste e estavam assinados pelo T.O.C; (quesito 4º)
32. Sendo que em relação aos anos anteriores a Autora dispõe do relatório e das contas e outra informação incompleta e sem o suporte documental; (quesito 10º)
33. As rés não deixaram nos cofres da empresa autora, à data da cessação das suas funções, quantias suficientes a pagar às trabalhadoras da autora os salários do mês de Junho, do mês de Julho ou os subsídios de férias, ou as quotizações e contribuições obrigatórias para a segurança social ou os impostos ao Estado e Fazenda Nacional; (quesito 11º)
34. A primeira ré, após a autora ter procedido ao pagamento do montante de todas as rendas devidas pela locação, pagou o valor residual de 1.700.000$00, ficando com o referido veículo na sua titularidade; (quesito 12º)
35. O incêndio referido em 1º-E. deixou parcialmente destruído o edifício, equipamentos e material propriedade da autora; (quesito 13º)
36. A autora, representada pela anterior administração, constituída pelas rés, após receber a quantia referida em 1º-F comunicou tal facto apenas ao Conselho Fiscal; (quesito 14º)
37. As rés deixaram, durante o exercício das suas funções, nos anos de 2000, 2001 e 2002, de convocar ou mandar convocar ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral as assembleias gerais ordinárias ou extraordinárias ou de salvaguardar o direito à informação das cooperadoras, colocando ao dispor destas os aludidos documentos que jamais apresentaram, para o efeito de aprovação das contas referentes aos anos citados; (quesito 15º)
38. A primeira ré auferia, na sua qualidade de Presidente da Direcção da Autora, o salário mensal de, pelo menos, 5.000,00 €: (quesito 16º)
39. No dia 10 de Outubro de 2005 a autora viu-se obrigada a entregar à Segurança Social, representada na pessoa da sua Directora de Contencioso, Dra. II, os documentos, título de registo de propriedade e livrete do único veículo da empresa Autora, destinado a fazer o transporte da mercadoria confeccionada por esta; (quesito 17º)
40. O que determinou que a autora ficasse impossibilitada de fazer o transporte de mercadoria e, consequentemente, a entrega de produto acabado e o recebimento e recolha de material para confecção ou acabamento; (quesito 18º)
41. Até ao ano de 2002 a produção da autora dependia, quase em exclusivo, da M........; (quesito 19º)
42. A facturação média mensal da autora à M........ ascendia a cerca de € 160.000,00; (quesito 20º)
43. Era a M........ quem assegurava, em maior valor, os proveitos com que a Autora fazia face aos custos normais de exploração; (quesito 21º)
44. As despesas correntes habituais da Autora dizem respeito, essencialmente, a salários, electricidade, água, nafta, linhas, telefone, produtos de limpeza, papel e peças para máquinas; (quesito 22º)
45. A partir de Outubro de 2002 a M........ reduziu significativamente as encomendas, colocando a autora em sérias dificuldades financeiras para fazer face às despesas normais de exploração; (quesito 23º)
46. Com o agravamento da crise instalada no sector têxtil, a autora não conseguiu encontrar clientes que absorvessem a sua capacidade produtiva instalada, tendo assim vindo a reduzir consideravelmente o seu volume de vendas, e, consequentemente, os resultados da exploração; (quesito 24º)
47. Como reflexo dessas dificuldades, a autora (através da sua Direcção), para não prejudicar a manutenção dos postos de trabalho e evitar o agravamento da situação financeira dos seus cooperadores, viu-se na necessidade de entrar em incumprimento das suas obrigações perante o Fisco e a Segurança Social; (quesito 25º)
48. As tais declarações de cessação de contratos de trabalho assinadas, referidas em 1º-B, integraram-se numa medida de saneamento financeiro da empresa (autora) por meio do emagrecimento do volume de salários a pagar; (quesito 26º)
49. Tais trabalhadores cessaram os seus contratos de trabalho sem qualquer indemnização e sem que se achassem com direito a ela; (quesito 27º)
50. Na ocasião havia apenas algumas encomendas até Novembro de 2005; (quesito 28º)
51. Sendo que a autora tinha um excedente número de trabalhadores para a satisfação dessas encomendas; (quesito 29º)
52. As rés iniciaram funções na Direcção em 1982; (quesito 30º)
53. Quando assumiu funções de Presidente daquele órgão a 1ª Ré encontrou a Autora numa situação financeira debilitadas, com dívidas a fornecedores, à Segurança Social e ao Fisco; (quesito 31º)
54. Durante período não concretamente apurado, e durante o exercício de funções da 1ª ré, a autora fechou as contas de exercício com resultados positivos; (quesito 32º)
55. O imobilizado corpóreo da autora, segundo uma reavaliação efectuada em 2004, ascendia a um valor não concretamente apurado; (quesito 33º)
56. No ano 2000 a autora ainda não era devedora de quaisquer quantias à Segurança Social ou à Fazenda Nacional; (quesito 34º)
57. A autora, num gesto de simpatia para com os membros da direcção, Conselho Fiscal e clientes, desde data não concretamente apurada, fez almoços, jantares e ofertas de Natal; (quesitos 39º e 40º)
58. Em relação ao veículo referido em 1º-D, a 1ª Ré adquiriu-o porque, na ocasião, a Autora não dispunha de liquidez para esse pagamento; (quesito 43º)
 59. Tal cedência ou transmissão ocorreu mediante aprovação da Direcção; (quesito 44º)
60. A 1ª Ré, entre 1981 e 1991 (data em que foi adquirido o veículo referido em 1º-D) sempre utilizou, para o exercício das funções de membro da Direcção, veículo próprio, suportando todas despesas inerentes a essa utilização, mormente em combustíveis e manutenções; (quesito 45º)
61. A 1ª ré efectuou pagamentos de salários do mês de Maio de 2005, no montante de €18.000,00; (quesito 48º)
62. O plano de actividades e orçamentos anuais nunca existiram nem foram prática da autora; (quesito 50º)
63. A autora exerce a actividade de confecção de artigos de vestuário, tendo trabalhado, exclusivamente, e desde sempre, a feitio (quesito 51º).

O mérito da causa:

O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso – art. 684.º, n.º 3 e 690.º, do Código de Processo Civil.

Do teor das conclusões da recorrente são as seguintes as questões a resolver:

A. O incidente de falsidade das actas;

B. Os pedidos formulados na acção - a responsabilidade civil das rés.

A - A questão prévia  do conhecimento O incidente de falsidade das actas e da violação do art. 679.º do CPC, atinente à deficiência da gravação dos depoimentos em primeira instância.

 A recorrente suscita nas suas conclusões a violação dos arts. 372.º; 377.º e 378.º, do CC, e 547.º, este do CPC, na decisão que julgou improcedente o incidente de falsidade das actas da Assembleia-geral, suscitado no decurso da audiência de julgamento, e do art. 679.º do CPC, por indeferir a arguição de nulidade decorrente da inaudição de depoimentos gravados.

Em recurso de revista, sendo aplicável a disciplina dos arts. 721.º, n.º 2; 722.º, n.ºs 2 e 3 e 754.º, n.º 2, todos do CPC, na redacção dos DL. n.º 329-A/95, de 12-12, 189/96, de 25-09 e 375-A/99, de 20-09 (ex vi do art. 11.º, n.º 1 e 12.º, n.º 1 do DL n.º 303-2007, de 24-08) ao Supremo Tribunal de Justiça é vedado conhecer conhecer da violação da lei de processo e da respectiva nulidade: o recurso de Revista tem por “fundamento específico” a violação de lei substantiva.

A violação da lei de processo, na aludida redacção anterior à reforma instituída pelo DL n.º 303/07, de 24-08, só é fundamento de recurso de revista quando se funde na violação das regras a que alude o n.º 2 do art. 678.º do CPC.

No que respeita a decisões interlocutórias, o recurso de revista só é de admitir quando o acórdão da 2.ª instância se mostre em oposição com outro proferido, no domínio da mesma legislação, pelo STJ ou por qualquer Relação, salvo se o acórdão estiver de harmonia com jurisprudência uniformizada. Para o efeito previsto no art. 754.º, n.º 3, do CPC, tem por objecto decisão que pôs termo, não ao processo, mas a um incidente, o recurso da decisão que julgou improcedente a falsidade das actas da Assembleia-geral.

Vale isto por dizer que só é admissível o recurso de agravo em segunda instância em duas situações: uma, no caso de oposição de julgados (pelo STJ ou por qualquer Relação) nas situações consignadas no segundo segmento do n.º 2 do art. 754.º do CPC; outra, no caso se de tratar de agravos que tenham por fundamento a violação das regras da competência internacional, em razão da matéria ou da hierarquia ou da ofensa de caso julgado, ou ainda de agravos de decisões que respeitem ao valor da causa, dos incidentes ou dos procedimentos cautelares, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre, ou ainda de agravos de decisões que na 1.ª instância tenham posto fim ao processo.

No caso dos autos do incidente de falsidade das actas e da nulidade da gravação dos depoimentos, apreciados em decisão interlocutória, que não colocou termo ao processo, não respeitam às matérias do art. 754.º, n.º 2 do CPC, pelo que o seu objecto não cabe no recurso de revista.

Nestes termos, e como questão prévia, não se conhece das questões suscitadas e, 1. a 4. (incidente de falsidade) e 5. a 7. (nulidade das gravações) das conclusões de recurso.

B- Dos pedidos formulados na acção: a obrigação de indemnizar

Pretende a autora a condenação das rés a:
 (a) pagar-lhe a quantia de € 1 651 093,30, correspondente ao montante total de dívida por si contraída junto da Fazenda Nacional e Segurança Social, contraída àqueles organismos pela autora, na égide e sob o exercício das rés, sem que as mesmas tivessem adoptado qualquer medida cerceadora ou limitadora de tal montante, designadamente accionando os mecanismos legais de falência, recuperação de empresa ou insolvência;
(b) pagar-lhe a quantia de € 100 000, recebida pelas 1.ª e 2.ª rés, da Companhia de Seguros Global, S.A., e não aplicada na empresa autora;
(c) pagar-lhe as quantias que se vierem a liquidar em execução de sentença, correspondentes a verbas da autora utilizadas pelas rés, individual ou conjuntamente, no seu proveito próprio e nos montantes correspondentes aos prejuízos, também a liquidar em execução de sentença, causados pelas rés à autora, em consequência da sua actuação.

 A Autora  com o fundamento  no facto de as RR não terem   accionado os mecanismos legais com vista à recuperação da autora  pretendem responsabilizá-las   pelo pagamento do montante em dívida à Fazenda Nacional e Segurança Social no montante  de €1.651.093,30.
 E pede também que as RR sejam condenadas a pagarem a quantia de €100.000,00, recebidas pelas RR da Companhia de Seguros Global SA e não aplicada na autora e ainda a pagar importâncias correspondente a verbas da Autora que as RR utilizaram em proveito próprio.

 Portanto, são duas as questões a resolver na presente revista, ou seja, uma saber se as RR podem ser responsabilizadas pelo nível do endividamento da autora junto da Segurança Social e Fazenda Nacional e outra saber se as RR podem ser responsabilizadas pelo pagamento das verbas que a  A reclama.

 Quanto à 1ª das questões enunciadas, responsabilização das RR pelo elevado nível do endividamento junto da Segurança Social e Fazenda Nacional.
 Vejamos:
 
São pressupostos da responsabilidade civil contratual o facto (uma acção humana controlável pela vontade do agente ou a omissão quando exista o dever de agir); a ilicitude (violação de norma destinada a proteger interesses alheios e no círculo de interesses privados que tal norma visa tutelar); a imputação do facto ao lesante (juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente ou culpa, que se presume no âmbito da responsabilidade civil contratual - art. 799.º do C. Civil); o dano (real, enquanto perda in natura que o lesado sofreu, e patrimonial, reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado) e o nexo de causalidade entre o facto e o dano. ( cfr.Pires Lima e A. Varela , C. Civil Anotado, vol. I 4ªed-pag.471 e Almeida Costa, Direito das Obrigações,  Almedina  5ª ed. Pag. 446).
 
As cooperativas de produção operária são pessoas colectivas autónomas, de livre constituição, de capital e composição variáveis, que, através da cooperação e entreajuda dos seus membros, com obediência aos princípios cooperativos visam, sem fins lucrativos, a satisfação das necessidades e aspirações económicas, sociais ou culturais daqueles – art. 2.º do Código Cooperativo (na redacção conferida pela Lei n.º 51/96, de 07-09 foi alterado pelos DL nº 343/98 de 6.11;131/99 de 21-04; 108/2001, de 6.04, 204/2004 de 19.08 e 76º-A /2006 de 29.03) – que têm por objecto principal a extracção, bem como a produção e transformação, de bens do sector industrial – art. 2.º do DL n.º 309/81, de 04-12.

“É no escopo funcional que a empresa cooperativa é distinta das outras empresas. Há quem, em face das diferenças, afirme que à cooperativa falta o escopo de empresa, o que manifestamente é confundir escopo de empresa com escopo lucrativo de empresário. A cooperativa é uma empresa, mas um empresa diferente porque a actividade exercida em ordem à produção ou troca de bens ou serviços não tem como destinatários terceiros, mas sim os próprios membros da cooperativa.(…) A actividade empresarial destina-se a satisfazer directamente certas necessidades dos membros da cooperativa, isto é, dos empresários, e não, como na empresa capitalista, a atribuir a estes ganhos com os quais depois procurarão os bens ou serviços de que necessitam” – Sérvulo Correia, Elementos de um Regime Jurídico da Cooperação, Separata de Estudos Sociais e Cooperativos, ano V, n.º 17, 1996, págs. 36/37.

Sob a epígrafe “Responsabilidade dos directores, dos gerentes e outros mandatários” dispõe o citado art. 65.º do aludido Código que «são responsáveis civilmente, de forma pessoal e solidária, perante a cooperativa e terceiros, sem prejuízo de eventual responsabilidade criminal e da aplicação de outras sanções, os directores, os gerentes e outros mandatários que hajam violado a lei, os estatutos, os regulamentos internos ou as deliberações da assembleia geral ou deixado de executar fielmente o seu mandato, designadamente:

a) Praticando em nome da cooperativa actos estranhos ao objecto ou aos interesses desta ou permitindo a prática de tais actos;

b) Pagando ou mandando pagar importâncias não devidas pela cooperativa;

c) Deixando de cobrar créditos que, por isso, hajam prescrito;

d) Procedendo à distribuição de excedentes fictícios ou que violem o presente Código, a legislação complementar aplicável aos diversos ramos do sector cooperativo ou aos estatutos;

e) Usando o respectivo mandato, com ou sem utilização de bens ou créditos da cooperativa, em benefício próprio ou de outras pessoas singulares ou colectivas ».

Os directores, gerentes e outros mandatários - tal como os administradores nas sociedades comerciais - das cooperativas estão assim adstritos aos deveres preceituados neste artigo, bem como aos de cuidado e lealdade, enunciados no art. 64.º do Código das Sociedades Comerciais, princípios que, não desrespeitando os cooperativos, constituem fonte, ainda que de direito subsidiário, de obrigações para a sua responsabilização – art. 9.º do C. Coop.
Dispõe aquele preceito que os gerentes ou administradores da sociedade devem observar deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso o ordenado (al. a) e deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores (al. b) – n.º 1 – e que os titulares de órgãos sociais com funções de fiscalização devem observar deveres de cuidado, empregando para o efeito elevados padrões de diligência profissional e deveres de lealdade, no interesse da sociedade - n.º 2.
Trata-se de um cláusula geral sobre a forma como os membros da administração devem nortear a sua actuação pautando-a pela observância dos deveres de cuidado, com a diligência de um gestor criterioso e ordenado e de lealdade.

A violação dos deveres contratuais e legais dos administradores, enquanto fonte de responsabilidade civil perante a sociedade, como entendem a jurisprudência deste Supremo Tribunal e doutrina maioritária, no âmbito de uma situação de responsabilidade obrigacional – cf. entre outros, Raul Ventura, Dissolução, II, pp. 211 e ss., Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais, pp. 109-111 e Menezes Cordeiro, Da Responsabilidade dos Administradores das Sociedades Comerciais, p. 493 e segs. seja por se entender que os administradores são mandatários (cf. Cunha Gonçalves, Comentário, Vol. I, pp 427 e segs.), seja porque negando-lhes essa qualidade, se reconhece como fonte directa das obrigações dos administradores o acto negocial da nomeação (Raul Ventura, Dissolução II, pág. 120) e Acs. do STJ de 03-02-2009, Cons. Paulo Sá e de 31-03-2001, Cons. Serra Baptista, ambos in www.dgsi.pt.

O aspecto mais relevante em termos da responsabilidade dos administradores é aquele que resulta do preceito supra assinalado o qual, tal como disposto no art. 72.º, n.º 1, do CSC, estabelece uma presunção de culpa relativamente à actuação dos administradores e gerentes, responsabilizando-os perante a própria sociedade.
Presunção que implica a responsabilidade solidária dos danos a ressarcir( cfr. art.73 nº1 do CSC)
No entanto, a lei prevê no nº2 do art. 72 do CSC uma regra que exclui a responsabilidade dos administradores que provem ter actuado com o conhecimento ( informados) sem interesse pessoal no acto( de que resulta a responsabilidade) e norteando-se por critérios de pura responsabilidade empresarial( cfr. Ricardo Costa , responsabilidade dos administradores , Reformas de Código das Sociedades, Colóquios 2003 , Almedina , 2007).
O padrão de comportamento exigível aos gerentes é de um gestor dotado de qualidade para o cargo ( e não apenas de um bom pai de família –cfr. entre outros os Ac. STJ de 9.05.2006, CSTJ ano XIV, t. II, 2006, e de 31.03.2001 Cons. Serra Baptista in www.dgsi.pt).

A propósito do nexo de causalidade, expressa a lei que, quem estiver obrigado a reparar um dano deve restituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (artigo 563º do Código Civil).
Como escrevem os Professores P. Lima e A. Varela in ob.cit vol I pag. 502, «a obrigação de reparar o dano supõe a existência de um nexo causal entre o facto e o prejuízo; o facto ilícito ou lícito, causador da obrigação de indemnizar, deve ser a causa do dano, tomada esta expressão agora no sentido preciso de dano real e não de mero dano de cálculo».

Reportando-se a indemnização aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, mas aplicável em geral, reconduz a lei a causalidade à probabilidade, ou seja, afasta-se da ideia de que qualquer condição é causa do dano, consagrando a concepção da causalidade adequada.

Dir-se-á, assim, decorrer do artigo 563.º do Código Civil não bastar que o evento tenha produzido certo efeito para que, de um ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele, antes sendo necessário que o primeiro seja uma causa provável ou adequada do segundo.

 Confrontando as referidas normas  com o  caso vertente , dir-se-á, por um lado que no processo causal pode ser conducente a uma situação de dano em que concorrem múltiplas circunstâncias: umas que se não tivessem ocorrido ele não teria eclodido, e outras que, mesmo não verificadas, não excluiriam a sua ocorrência.

E por outro, não ser suficiente, para que o mesmo se verifique   que a acção ou omissão do agente tenha sido conditio sine qua non do dano, exigindo-se que ela seja adequada em abstracto a causá-lo.

Assim, no referido contexto, o nexo de causalidade implica que a acção ou a omissão do agente seja uma das condições concretas do evento e que, em abstracto, seja adequada ou apropriada ao seu desencadeamento.

Em consequência, o juízo sobre a causalidade integra, por um lado, matéria de facto, certo que se trata de saber se na sequência de determinada dinâmica factual um ou outro facto funcionou efectivamente como condição desencadeante de determinado efeito.

E, por outro, matéria de direito, designadamente a determinação, no plano geral e abstracto, se aquela condição foi ou não causa adequada do evento, ou seja se, dada a sua natureza, era ou não indiferente para a sua verificação

Vem, no entanto, sendo pacificamente aceite - nomeadamente a nível da jurisprudência praticada pelo Supremo Tribunal de Justiça, como se pode confirmar pelos vários acórdãos publicados na Colectânea de Jurisprudência – anos VIII, Tomo III, páginas 124/125 e X, Tomo I, páginas 36/38 e do Ac. STJ de 15/04/1993, CJSTJ, t. II, pp. 5, por exemplo – que, no âmbito do direito civil, o artigo 563.º do Código Civil consagra a vertente mais ampla da causalidade adequada, ou seja, a sua formulação negativa – «o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto».


    Esta vertente negativa da causalidade adequada não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que admite: (i)
    não só a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não; (ii) como ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano.

Em recurso de revista, por constituir matéria de  facto, o conhecimento de que a verificação de um facto, de um acto ou omissão , é condição sine qua non, que deu causa ao evento danoso está subtraída aos poderes de conhecimento do Supremo tribunal de Justiça mas já não , por integrar matéria de direito , saber se em abstracto, aquela acção ou omissão que causou o  evento e é normalmente, idónea a produzir aquele resultado ou ele não é indiferente á sua produção cfr. neste sentido entre outros Acs. de 13-10.2011Revista nº 1715/05 2.TVLSB. L1. S1 Cons. João Bernardo e de 27.9/07 Revista 2197/07 Cons. Mota Miranda e Revista 2684/03 de 7.10.2003 Cons. Silva Salazar in www.dgsi.pt.

 Conforme resulta do disposto nos arts. 342 nº1 , 344 nº1 do CC , 799 nº1 do C Civil e art. 72 do CSC e 9º do Cod. Cooperativo  resulta que é à  autora que cumpre provar que  as acções ( ou omissões) das RR violadoras de um dever ( ilicitude) foram determinantes para o  elevado nível de endividamento junto da Segurança Social e Fazenda Nacional.

 Neste domínio vem provado:

Os documentos e contas dos diversos exercícios não foram entregues à nova administração da autora pela anterior administração, representada pelas RR e os relatórios e contas da autora referentes aos anos de 2001, 2002,2003 e 2004 não se acham aprovados em assembleia geral, não foram submetidos a parecer do Conselho Fiscal , não tinham parcer deste nem estavam assinados pelo TOC.

 A anterior administração ou direcção da autora não liquidava há pelo menos um ano, as contribuições e quotizações devidas para a Segurança Social , as dívidas da autora  à Segurança Social e à Fazenda Nacional em 27/06/2005  e mesmo 3, 6, 9 e 12 meses antes ascendiam a quantia não inferior a €1.500.000,00;

 A autora viu penhorado o saldo credor que dispunha sobre a empresa HH Ldª penhora esta efectuada pela DGI em 21/10/2005  e que determinou que aquela empresa não tivesse pago á autora a quantia  aproximada de €40.000,00

 A 10/8/2005 a autora apresentou processo de insolvência, onde já foi declarada insolvente por decisão transitada em jugado.

O incumprimento do dever de requerer a insolvência nos 60 dias seguintes à data do conhecimento da sua situação de insolvência, conhecimento que se presume decorridos 3 meses de incumprimento generalizado de dívidas tributárias e contribuições e quotizações para a Segurança Social, dever que até 15.09.2004 advinha do preceituado nos arts. 6º e 8º do CPEREF( DL 132/93 de 23/04)e após a tal data dos arts. 18º nºs 1 e 3 e 20º nº1 al. g) do CIRE ao que acresce também o incumprimento do dever de elaborar e apresentar as contas anuais, constituem presunção ilidível de culpa grave na criação / agravamento da situação de insolvência- cfr. art. 186 nº 1 e 3 als. a) e b) do CIRE.

Aceite o facto, a sua ilicitude e a culpa das Rès na criação do agravamento da situação de insolvência a mesma, não permite, no entanto,

extrair dos factos  provados pelas instâncias, em abstracto um nexo de causalidade exigido pela norma – Cfr. Menezes Cordeiro Código das Sociedades Comerciais , 2009 em anotação ao art. 72º - quanto ao montante das dívidas contraídas junto da Segurança Social e da  Fazenda nacional.

 Efetivamente, se na conduta omissiva o nexo de causalidade exige que se conclua pela sua idoneidade a produzir o dano , que não teria ocorrido  se não fosse a omissão , a matéria de facto provada- e sobre a qual este Supremo não pode sindicar-não permite concluir que a falta da prestação de contas e do respectivo relatório ou mesmo a não apresentação tempestiva à insolvência, teria seguramente impedido a autora de acumular as dívidas junto daquelas entidades, isto, porque, por um lado não se estabeleceu uma conexão temporal entre os anos de resultados negativos da autora  e o não pagamento a essas entidades e, por outro há que ter   também em atenção, que se apurou que até 2002 a produção da autora dependia, quase em exclusivo da M........ , que assegurava em maior valor os proveitos com que  a autora fazia face aos custos normais da exploração ( 21º) e que a partir de Outubro de 2002 esta empresa reduziu significativamente as encomendas, colocando a autora em sérias dificuldades financeiras para fazer face às despesas normais de exploração( 23º) e que com o agravamento da crise instalado no sector têxtil, a autora não conseguiu encontrar clientes que absorvessem a sua capacidade produtiva instalada , tendo assim reduzido consideravelmente o seu volume de vendas e consequentemente os resultados da exploração( 24º) , em resultado do que, através da sua direcção-para não prejudicar a manutenção dos postos de trabalho e evitar o agravamento da situação financeira dos seus cooperadores – a autora se viu na necessidade de entrar em incumprimento das suas obrigações perante o Fisco e Segurança Social.( 25º)

 Efectivamente,  ao incumprimento do dever de requerer a insolvência  e   à  reiterada falta de prestação de contas não se pode abstrair, para se aferir em concreto  da causalidade, aqui, em causa, que a partir do ano de 2002 houve uma baixa significativa da produção provocada pela redução de encomendas da  principal cliente da autora, a M........, redução essa que seguramente também teve influência nos resultados da empresa.

Significa que  atento o referido contexto empresarial em que se desenvolveu  actividade da autora, não se possa afirmar que o elevado nível de endividamento junto da Segurança Social e da Fazenda Nacional seja consequência exclusiva  das acções  e omissões  ocorridas no decurso da gerência das RR a ponto de serem responsabilizadas pela totalidade desse endividamento nos termos em que a Autora o faz.     

  Não se mostram, assim, demonstrados os pressupostos para responsabilizar as RR pelo  dívida contraída junto da Segurança Social e Fazenda Nacional, não merecendo, neste particular, censura o Acórdão recorrido.

 Quanto à segunda das questões enunciadas, relacionadas com o pagamento das verbas reclamadas pela autora: 

   Como acima se referiu o administrador/ director, gerente  tem, atenta a presunção que sobre si recai, o ónus de provar a inexistência de culpa ( cfr. art. 72 nº1 do CSC)

À direcção da autora, de que as primeira, segunda e terceira rés são Presidente, tesoureira e vogal, respectivamente, incumbe elaborar anualmente e submeter ao parecer do conselho fiscal e à apreciação e aprovação da assembleia-geral o relatório de gestão e as contas do exercício, bem como o plano de actividades e o orçamento para o ano seguinte – art. 56.º, al. a) do C.Coop.
 O relatório de gestão é um dos documentos de prestação de contas e pretende relatar a situação patrimonial da sociedade relativamente a um determinado período da sua actividade (exercício social).
Informação destinada não só aos sócios, mas também aos credores e público em geral.
Deve conter uma exposição fiel e clara sobre os negócios societários e o desempenho e posição da sociedade no mercado durante o exercício, bem como dos principais riscos e incertezas com que a mesma se defronta (art. 66.º, n.º 1 e 2 do CSC), pronunciando-se ainda sobre a evolução da gestão nas áreas de actuação da sociedade e ainda, nomeadamente, a sua evolução previsível cfr.Menezes Cordeiro in Manual de Direito das Sociedade , I, 2004, pags. 772 e segs.e Também Maria Adelaide Croca , As contas do exercício perspectiva  Civilística , ROA 1997 629-667).

 Vejamos:
Para efectivar a responsabilidade do cumprimento do dever de actuar perante a sociedade e no seu interesse o legislador consagrou vários tipos de acções: (i) a acção sub-rogatória dos credores sociais, em que estes se substituem à sociedade para exigirem dos administradores a indemnização que àquela compete, como prevista no art. 78.º, n.º 2, do CSC; (ii) a acção social ut universi, a que alude o art. 75.º do CSC, que é aquela proposta pela própria sociedade, sendo o procedimento natural para obter o ressarcimento dos danos causados à sociedade, verificados os pressupostos da responsabilidade civil dos administradores; e (iii) a acção social ut singli, acção esta subsidiária em face da anterior, em que os sócios pedem a condenação dos administradores na indemnização pelos prejuízos causados à sociedade – e não directamente a si próprios – como preceituado no art. 77.º do CSC ( cfr. Ac. deste Supremo de 3.02.2009 acessível in www.dgsi.pt)

A  autora visa a condenação da ré no pagamento da quantia de €  100.000,00, quantia não aplicada na empresa autora.
Para o efeito, a autora invocou  que tal quantia nunca foi usada em seu proveito, nem dela nunca da mesma lhe deram as rés conta.
Apurou-se que em finais do mês de Outubro de 2004 ocorreu um incêndio nas instalações e sede da autora a qual, representada pelas aqui 1.ª e 2.ª rés, recebeu como indemnização de tal sinistro a quantia de € 100 000 (cem mil euros) da Companhia de Seguros Global, S.A e apenas comunicou tal facto apenas ao Conselho Fiscal.
Aqui chegados importa, no entanto, ter presente, como alega a recorrente, que nos termos do art. 344.º, n.º 2 do Código Civil, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, opera-se uma inversão do ónus da prova.
Para que esta inversão do ónus da prova opere é necessário que, cumulativamente, exista, primeiro, (i) a impossibilidade de produção de prova por parte do onerado (sendo esse meio o único possível para alcançar a prova) e, segundo, (ii) que essa impossibilidade tenha resultado de comportamento culposo da parte contrária.
Esta disposição do Código Civil justifica-se, por um lado, como uma sanção para a atitude culposa da contraparte, por outro traduz uma regra de experiência que leva a concluir que aquele que destruiu culposamente uma prova receia os seus resultados cfr. A. Varela , Miguel Bezerra e Sampaio Nora , Manual de Processo Civil 2ª ed. Coimbra editora, pag. 466 e segs.) Não levando a que se tenha por definitivamente provado o facto alegado, reverte-se para a parte contrária a prova do facto contrário ao alegado porque “não é justo que fique exposto às consequências da falta de prova o onerado que não pode produzi-la devido a culpa da outra parte” ( cfr. Vaz serra , Direito Probatório Material , pag. 157.
Como referem alguns autores “poderão enumerar-se inúmeras situações em que se verifica a impossibilidade de produção de prova por uma das partes, provocada por comportamento culposo da contraparte. Um exemplo muito elucidativo desta situação podemos encontrá-lo na situação em que o réu, contra o qual é arguida a nulidade do testamento o destrói.
Neste caso, embora, segundo as regras gerais, devesse caber ao autor a prova da nulidade do testamento, o facto de este documento ter sido culposamente destruído pelo réu faz com que seja este a ter de provar que o testamento não sofria de qualquer vício que produzisse a nulidade”.( cfr. Rita Lynce de Faria in A inversão do ónus da prova no Direito Civil Português , Lex , Lisboa 2001, pag. 52
Da transposição para o caso vertente, destinando-se as contas a expor os negócios levados a cabo pela sociedade, apurou-se que o relatório e as contas da autora referentes aos anos de 2001, 2002, 2003 e 2004 não se acham aprovados em assembleia-geral, nem foram submetidos a parecer do Conselho Fiscal, pelo que frustrada fica aquela exposição.
Note-se que a prestação de contas e, em particular, a aprovação das contas são necessárias em diversos contextos da vida em da sociedade . isso mesmo resulta da lei, que faz depender determinados actos e efeitos da aprovação das contas da sociedade.( cfr. Ricardo Ferreira in Direito das Sociedades em Revista , Março 2011 ano 3, vol. 5 pag.221)
 Acontece que   foi seguramente essa falta de apresentação das contas dos referidos exercícios manifestamente imputável às rés – que dirigiam a autora à data dos factos a que reportava tal documentação -  que de facto  impossibilita a prova da autora, quanto à entrada nas suas contas de tal quantia, já que também os documentos contabilísticos ao seu apuramento não lhe foram entregues.
 Essa falta da apresentação de contas, impossibilita ou prejudica decisivamente a prova por banda da autora e, por isso, não repugna enquadrar a situação na previsão do art.  344 do C. Civil.      
 No entanto e relativamente  à referida quantia importa salientar que  as RR alegaram que a documentação referente a tal quantia está documentada na contabilidade e foi usada para pagar dívidas à Segurança Social e salários ( cfr. arts.102 e 103 da contestação).
Factualidade que se não provou.
     E também nesta perspectiva  sempre impendia   sobre as RR fazer prova do que alegaram, nomeadamente que a verba foi  destinada  a pagar dívidas  à Segurança Social e salários , significando, então, que as próprias  RR não conseguiram  demonstrar o alegado destino das verba  e nessa medida têm de responder pelo seu montante.  
E sendo assim as RR têm de responder perante a autora nos termos do citado art. 72 nº1 do CSC ex vi do art. 9 do  Cod. Cooperativo, sendo certo também que não ilidiram a presunção que funcionava contra elas  e também não vem provada qualquer factualidade exclusiva dessa responsabilidade ( cfr. art. 72 nº2 doCSC). 
 
A autora invoca como danos os resultantes da aquisição de uma viatura; a apropriação do valor de um cheque, no valor de € 16 000,00; e o dispêndio de dinheiro da ré em telemóvel, compra de bens (artigos para o lar e flores) e refeições.
Quanto à aquisição da viatura, ainda que tenha ocorrido porque, na ocasião, a autora não dispunha de liquidez para esse pagamento, o certo é que os directores, gerentes e outros mandatários, bem como outros membros do conselho fiscal, não podem negociar por conta própria, directamente ou por interposta pessoa, nem exercer actividade concorrente com a desta, salvo, neste ultimo caso, mediante autorização da assembleia-geral – art. 64.º do CCoop, o que, aqui, manifestamente não aconteceu.
Estabelece-se aqui uma projecção do dever de lealdade pelo qual a empresa também deve ser dirigida de modo a prosseguir ou ter em vista o interesse da sociedade, sendo o mesmo uma das facetas do dever geral de diligência na gestão.
Associada ao dever de lealdade ser associado destaca-se a obrigação de não concorrência, obrigação de não aproveitar em benefício próprio eventuais oportunidades de negócio, de não actuação em conflito de interesses (cfr. Armando Manuel triunfante CSC Anotado pag.60).
Após a autora ter procedido ao pagamento do montante de todas as rendas devidas pela locação, a primeira ré adquiriu para si um veículo automóvel de que a autora havia celebrado contrato de locação financeira.
Ficando com o veículo na sua titularidade pelo valor residual, de Esc. 1.700.000$00.
O que fez como a autorização, não da assembleia-geral - órgão supremo da cooperativa em que participam todos os cooperadores no pleno gozo dos seus direitos, cf. art. 44.º, nos 1 e 2 do CC. – mas com o conhecimento e consentimento das restantes rés, pertencentes à Direcção e em violação do dever de lealdade.
De onde se concluir que aquela compra lesou a autora pelo valor pelo qual poderia ter integrado no seu património aquele veículo: € 8479,56 (Esc. 1.700.000$00:200,482- taxa de conversão para euros . art.1º do DL 323/2001 de 17/12 e Regulamento da CE nº 2866/99 do Conselho ).

Nos dias anteriores à tomada de posse a primeira ré, anterior Presidente da Direcção da autora, emitiu e sacou um cheque, à sua ordem e a seu favor, no montante de € 16.000,00 (dezasseis mil euros).
Quantia que recebeu (cfr. art.104 da contestação)
Provou-se ainda que, com recurso ao cartão de crédito da autora, a primeira ré almoçou e jantou, desde 2000 até 2006, nos seguintes restaurantes de qualidade superior restaurantes do concelho de Vila do Conde e Póvoa de Varzim onde numa única refeição a primeira ré chegou a gastar a quantia de € 448,47. Gastava dinheiro e fundos da autora para comprar artigos para lar e casa, fazer compras no Feira Nova (€ 388,24) e para comprar flores em montante na ordem dos vários milhares de euros.
Também aqui não resultou que tais actos fossem desempenhados para no exercício das suas funções (designadamente, quanto aos almoços que tenham ocorrido no âmbito daqueles levados a cabo num gesto de simpatia para com os membros da direcção, Conselho Fiscal e clientes), e dos interesses da autora (como manifestamente ocorre com os artigos para o lar), ou fizessem parte integrante da retribuição da ré.

Depois de ter cessado as funções de Presidente da Direcção da autora, a primeira ré continuou a utilizar o telemóvel da empresa e a gastar quantias significativas em telefonemas nacionais e internacionais.(18. facto U)
 
Não resultando da factualidade apurada que o uso do telemóvel fosse uma regalia ou contrapartida do exercício das funções de Direcção, ou mesmo de trabalhadora, tais quantias não eram devidas às rés, sendo devidas à autora pelos montantes que venham a ser apurados em liquidação de sentença.
  
O art. 661.º, n.º 2, do CPC, permite remeter para ulterior liquidação quando não houver elementos para determinar o objecto ou a quantidade.
Pressupõe-se, assim, a possibilidade de liquidação ulterior, quando se prove a existência de prejuízo (pressuposto da obrigação de indemnizar) sem que, contudo, tivesse sido possível quantificá-lo.
Não cabe, no entanto, de todo, na previsão contida na norma a possibilidade de demonstração a posteriori, em sede de liquidação ulterior, da existência de um dano que na acção declarativa se não conseguiu provar.

Porém, no caso dos autos, vem provado que as RR nomeadamente a 1ª Ré, já depois da cessação das funções como Presidente da Direcçao da autora continuou a utilizar o telefone da empresa, gastando à autora em telefonemas nacionais e internacionais quantias que não foram apuradas.( cfr.18.facto U

 Esses gastos são da responsabilidade das RR e devem ser liquidados em execução de sentença nos termos do citado normativo. 

Procedem, assim, parcialmente, as conclusões da recorrente, sendo  € 100 000 (cheque recebido da Companhia de seguros na sequência de incêndio, do qual  as RR não provaram o seu destino, ónus que sobre elas impendia ); € 25.316,27 (€ 16 000 (cheque recebido pela 1ª R  + 448,48 + 388,24 ( despesas pessoais) + 8 479,56  ( valor do veículo adquirido pela 1Ré)= 25.316,27, quantias pertencentes à autora.

 A estas quantias ora liquidadas devem acrescer ainda  as que se liquidarem em execução de sentença respeitantes a despesas em telefones  que as RR debitaram à autora a partir da data da cessação  das funções  das RR como membros da direcção da autora.

Portanto, as RR são solidariamente responsáveis  perante a autora, nos termos do citado art. 72 nº1 do CSC ex vi do citado art. 9º do Cod. Cooperativo pelas seguintes verbas:

 Pelos € 100.000,00 respeitante á importância que receberam da Companhia de Seguros em virtude do incêndio ocorrido nas instalações  da Aurora, recebimento esse embora  em nome da autora, mas que as RR não apesentaram contas dessa verba e não provaram o o destino dessa importância, ónus que sobre  elas impendia nos termos acima descritos.
Pelos 25.316,27referente ao cheque de €16.000,00 que receberam despesas pessoais (448,48+388, 24 e o valor do veículo adquirido (€8.479,56)
 Ao que acresce para liquidação de execução de sentença as despesas das R R suportadas pela autora, em telefones, depois da data da cessação de funções das RR, como membros da direcção da autora        

Em conclusão:

1.  Não se podem responsabilizar as RR , membros da direcção da cooperativa, desde 1985 até 27 de Junho de 2005, pelo elevado nível de endividamento da autora à Segurança Social e á Fazenda Nacional, não obstante o  incumprimento do dever de requerer a insolvência perante o incumprimento das obrigações aquelas entidades e a falta de apresentação das contas dos exercícios das suas gerências, quando se prova também que até 2002 a produção da autora , dependia quase em exclusivo, de um cliente ( M........) que assegurava , em maior valor os proveitos da autora e que a partir de Outubro de 2002 esta empresa reduziu significativamente as encomendas colocando a autora em sérias dificuldades financeiras para fazer face às despesas normais de exploração e que com o agravamento na crise no sector têxtil, a autora não conseguiu absorver capacidade produtiva instalada, tendo assim reduzido consideravelmente o seu volume de vendas e consequentemente os seus resultados da exploração.

2. Nos termos do art. 72 nº1 do CSC ex vi do art. 9º do Cod. Cooperativo as, aqui, RR, na qualidade de membros da direcção da autora( cooperativa), respondem para com a cooperativa pelos danos a esta causados por actos ou omissões com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa.

3.  O citado art. 72 nº1 ex v i do citado art. 9º do Cod. Cooperativo estabelece  uma presunção de culpa que impende sobre os gerentes ou administradores, no caso em apreço, sobre as RR, como membros da direcção da cooperativa,  presunção esta que pode ser ilidida se  provarem que  procederam sem culpa.

4.   Quando   ocorre uma reiterada falta  de apresentação das contas de vários exercícios (2001, 2002, 2003 e 2004) obrigação que sobre as RR impendia na qualidade de directoras da autora , existe violação  ostensiva das disposições legais do arts. 56 e 64 do Cod. Cooperativo que  fazem incorrer as RR,  na responsabilidade civil solidária   prevista no art. 65 do Cod. Cooperativa ex vi do art. 72 nº1  do C. S. C., aqui, observado por força do art. 9º do cod. Cooperativo, sendo certo que as RR não ilidiram a presunção de culpa estabelecida no citado normativo, porquanto não provaram como lhes competia que não tiveram culpa nos danos que provocaram na autora, nomeadamente quando fazem em nome da cooperativa negócios para  proveito próprio (aquisição de veículo e recebimento de cheques em seu favor)  que eram da cooperativa, sendo certo  também que  não provaram qualquer matéria exclusiva dessa responsabilidade, nomeadamente que  actuaram em termos informados , livre de qualquer interesse pessoal e segundo critérios de racionalidade empresarial ) cfr. art. 72 nº2 do CSC).

5. As RR também são responsáveis  à luz dos citados normativos pelo pagamento de uma importância que receberam de uma seguradora em nome da autora, na sequência de um sinistro ( incêndio), nomeadamente quando as próprias RR não provaram o destino dessa importância, ónus, que, aliás,  sobre elas  sempre impendia, também por força da inversão do ónus da prova nos termos do art. 344 do C. Civil, inversão esta que tem a sua justificação no facto de as RR não apresentarem contas nos diversos exercícios das sua gerências, circunstância que sempre  prejudica ou dificulta a A de  saber qual o destino que foi dado a  essa verba .

III - Decisão:

Nesta conformidade os Juízes deste Supremo acordam conceder parcialmente a revista e, revogando parcialmente o Acórdão recorrido  condenam solidariamente as RR a pagaram á autora a quantia de € 125.316,17(  €100.000,00 correspondente á importância recebidas pelas RR da seguradora na sequência do incêndio e €25.316,17 correspondente ao cheque de €16.000,00 recebido + € 8.479,56 valor do veículo recebido + 836,72 despesas pessoais) a que acresce ainda as despesas em telefone  feitas pelas RR suportadas pela Autora, a partir da data da cessação das funções das RR como membros da direcção da autora,  despesas  estas a liquidar em execução de sentença, mantendo-se no mais, o decidido pelo Acórdão recorrido quanto à absolvição dos RR do pedido do pagamento das quantias correspondentes às dívidas da Segurança Social e Fazenda Nacional.

Custas pela recorrente e recorridas na proporção do decaimento, sendo, quanto à parte ilíquida, conforme se venha a apurar em liquidação de sentença.

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 25 de Outubro de 2012

Tavares de Paiva (Relator)

Abrantes Geraldes

Bettencourt de Faria