Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2ª SECÇÃO | ||
Relator: | TAVARES DE PAIVA | ||
Descritores: | COOPERATIVA DIRECÇÃO DEVERES FUNCIONAIS DÍVIDA DE VALOR SEGURANÇA SOCIAL IMPOSTO OBRIGAÇÃO FISCAL APRESENTAÇÃO À INSOLVÊNCIA DEVER DE INFORMAR RESPONSABILIDADE CONTRATUAL RESPONSABILIDADE DO GERENTE CULPA PRESUNÇÃO DE CULPA NEGÓCIO CONSIGO MESMO OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA ÓNUS DA PROVA INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA JUSTA CAUSA | ||
Data do Acordão: | 10/25/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS/ PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÃO/ MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES/ OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO/ NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES DIREITO COOPERATIVO/ ORGÃOS DAS COOPERATIVAS/ DIRECÇÃO / RESPONSABILIDADE DOS ORGÕES DAS COOPERATIVAS DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS / ADMINISTRAÇÃO E FISCALIZAÇÃO / APRECIAÇÃO ANUAL DA SITUAÇÃO DA SOCIEDADE /RESPONSABILIDADE CIVIL PELA CONSTITUIÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E FISCALIZAÇÃO DA SOCIEDADE | ||
Doutrina: | - Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina 5ª ed., p. 446. - Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil 2ª ed. Coimbra editora, pp. 466 e ss.. - Armando Manuel Triunfante, CSC Anotado, p.60. - Cunha Gonçalves, Comentário, Vol. I, p. 427 e segs. - Maria Adelaide Croca, “As contas do exercício perspectiva Civilística”, ROA, 1997, pp. 629-667. - Menezes Cordeiro, Código das Sociedades Comerciais, 2009, em anotação ao art. 72º; Da Responsabilidade dos Administradores das Sociedades Comerciais, p. 493 e ss.; Manual de Direito das Sociedade, I, 2004, pp. 772 e ss.. - Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais, pp. 109-111. - Pires Lima e A. Varela, C. Civil Anotado, vol. I 4ªed., pp.471, 502. - Raul Ventura, Dissolução, II, pp. 120, 211 e ss.. - Ricardo Costa, “Responsabilidade dos administradores”, Reformas de Código das Sociedades, Colóquios 2003, Almedina, 2007. - Ricardo Ferreira, Direito das Sociedades em Revista, Março 2011, ano 3, vol. 5, p.221. - Rita Lynce de Faria, “ A inversão do ónus da prova no Direito Civil Português”, Lex, Lisboa 2001, p. 52. - Sérvulo Correia, Elementos de um Regime Jurídico da Cooperação, Separata de Estudos Sociais e Cooperativos, ano V, n.º 17, 1996, pp. 36/37. - Vaz Serra, Direito Probatório Material, p. 157. | ||
Legislação Nacional: | CIRE: - ARTIGOS 18.º, NºS 1 E 3, 20.º, Nº1 AL. G), 186.º, NºS 1 E 3 ALS. A) E B). CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, Nº1, 344.º, 563.º, 799.º. CÓDIGO COOPERATIVO (CCOOP): - ARTIGOS 2.º, 9.º, 44.º, N.ºS 1 E 2, 56.º, 64.º, 65.º CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 64.º, 66.º, N.ºS 1 E 2, 72.º, N.ºS 1 E 2, 73.º, N.º1, 75.º, 77.º, 78.º, N.º2 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 661.º, N.º2 DL N.º 309/81, DE 04-12: - ARTIGO 2.º. DL N.º 132/93, DE 23-04 (CPEREF): - ARTIGOS 6.º, 8.º | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -ACÓRDÃOS PUBLICADOS NA COLECTÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA – ANOS VIII, TOMO III, PÁGINAS 124/125 E X, TOMO I, PÁGINAS 36/38; -DE 31/03/2001, IN WWW.DGSI.PT ; -DE 7/10/2003, PROCESSO N.º 2684/03, IN WWW.DGSI.PT ;. -DE 9/05/2006, CSTJ ANO XIV, T. II, 2006; -DE 27/9/2007, PROCESSO N.º 2197/07, IN WWW.DGSI.PT ; -DE 3/02/2009, ACESSÍVEL IN WWW.DGSI.PT; -DE 13/10/2011, PROCESSO Nº 1715/05 2.TVLSB. L1. S1, IN WWW.DGSI.PT. | ||
Sumário : | I - Não se podem responsabilizar as RR , membros da direcção da cooperativa, desde 1985 até 27 de Junho de 2005, pelo elevado nível de endividamento da autora à Segurança Social e à Fazenda Nacional, não obstante o incumprimento do dever de requerer a insolvência perante o incumprimento das obrigações aquelas entidades e a falta de apresentação das contas dos exercícios das suas gerências, quando se prova também que até 2002 a produção da autora , dependia quase em exclusivo, de um cliente (M........) que assegurava , em maior valor os proveitos da autora e que a partir de Outubro de 2002 esta empresa reduziu significativamente as encomendas colocando a autora em sérias dificuldades financeiras para fazer face às despesas normais de exploração e que com o agravamento na crise no sector têxtil, a autora não conseguiu absorver capacidade produtiva instalada, tendo assim reduzido consideravelmente o seu volume de vendas e consequentemente os seus resultados da exploração. II - Nos termos do art. 72.º, n.º 1, do CSC, ex vi do art. 9.º do CCoop as, aqui, RR, na qualidade de membros da direcção da autora (cooperativa), respondem para com a cooperativa pelos danos a esta causados por actos ou omissões com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa. III - O citado art. 72.º, n.º 1 – ex vi do citado art. 9.º do CCoop – estabelece uma presunção de culpa que impende sobre os gerentes ou administradores, no caso em apreço, sobre as RR, como membros da direcção da cooperativa, presunção esta que pode ser ilidida se provarem que procederam sem culpa. IV - Quando ocorre uma reiterada falta de apresentação das contas de vários exercícios (2001, 2002, 2003 e 2004) obrigação que sobre as RR impendia na qualidade de directoras da autora, existe violação ostensiva das disposições legais do arts. 56.º e 64.º do CCoop que fazem incorrer as RR, na responsabilidade civil solidária prevista no art. 65.º do CCoop ex vi do art. 72.º, n.º1, do CSC, aqui, observado por força do art. 9.º do CCoop, sendo certo que as RR não ilidiram a presunção de culpa estabelecida no citado normativo, porquanto não provaram como lhes competia que não tiveram culpa nos danos que provocaram na autora, nomeadamente quando fazem em nome da cooperativa negócios para proveito próprio (aquisição de veículo e recebimento de cheques em seu favor) que eram da cooperativa, sendo certo também que não provaram qualquer matéria exclusiva dessa responsabilidade, nomeadamente que actuaram em termos informados, livre de qualquer interesse pessoal e segundo critérios de racionalidade empresarial – cf. art. 72.º, n.º 2, do CSC). V - As RR também são responsáveis à luz dos citados normativos pelo pagamento de uma importância que receberam de uma seguradora em nome da autora, na sequência de um sinistro (incêndio), nomeadamente quando as próprias RR não provaram o destino dessa importância, ónus, que, aliás, sobre elas sempre impendia, também por força da inversão do ónus da prova nos termos do art. 344.º do CC, inversão esta que tem a sua justificação no facto de as RR não apresentarem contas nos diversos exercícios das sua gerências, circunstância que sempre prejudica ou dificulta a A. de saber qual o destino que foi dado a essa verba . | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I - Relatório
AA C.R.L., intentou no Tribunal Judicial de Vila do Conde, acção declarativa sob a forma ordinária, contra · BB, CC e DD, todas residentes em Vila do Conde, pedindo a condenação solidária das rés no pagamento das quantias de € 1 651 093,30 (correspondente às dívidas contraídas pela autora junto da Fazenda Pública e da Segurança Social, durante a administração a cargo das rés; € 100 000,00 € relativa à quantia recebida pelas rés, por parte de companhia de seguros, e que se destinava à autora; e ainda das quantias que se vieram a apurar em liquidação de sentenças, pertencentes à autora e utilizadas pelas rés em proveito próprio. Nos fundamentos invocou que as rés exerceram, respectivamente, as funções de Presidente da Direcção, Tesoureira da Direcção e Vogal da Direcção da autora. O exercício de tais funções ocorreu no período de 1985 a 27-06-2005. As rés não procederam à elaboração dos relatórios de gestão e contas relativos a esses períodos, razão por que as mesmas, de 2000 a 2004, não foram aprovadas em assembleia-geral. Na sequência de incêndio ocorrido nas instalações da autora foi recebida pelas autoras uma indemnização, da qual também não deram conta à autora. A primeira ré auferia o salário de € 6500,00, fazia compras em supermercados, almoçava e jantava em restaurantes de qualidade superior, pagava avultadas contas de telemóvel e comprava artigos para o lar, em tudo utilizando cartão de crédito da empresa. As rés contestaram, por excepção e por impugnação, concluindo pela improcedência da acção. Por excepção invocaram a falta de deliberação para a propositura da acção. Quanto às despesas efectuadas, as mesmas reportam-se a exercícios positivos. A autora passou a ter prejuízos pelo facto de trabalhar em grande parte para uma sociedade comercial – a M........ – a qual, desde 2002, diminuiu drasticamente as encomendas. A fls. fls. 171 e ss. encontra-se junta procuração do administrador de insolvência a ratificar o processado na acção. Foi proferido despacho saneador que se pronunciou pela validade e regularidade de todos os pressupostos processuais, seleccionando os factos assentes e controvertidos (base instrutória). Procedeu-se a julgamento no âmbito do qual a autora juntou aos autos cópias autenticadas de diversas actas da Direcção, Assembleia-geral e livro de registo de presenças, arguindo a falsidade das actas da Assembleia-geral. Sobre tal incidente foi proferido despacho de indeferimento, do qual foi interposto recurso de agravo. A base instrutória encontra-se respondida pela forma que consta de fls. 1415 a 1433 dos autos. A autora veio ainda invocar a nulidade decorrente da imperceptibilidade do depoimento de diversas testemunhas no suporte áudio efectuado em audiência de julgamento, indeferida por despacho judicial de 04-07-2011. Foi proferida sentença julgando a acção improcedente e absolvendo as rés do pedido. Inconformada a autora interpôs recurso de agravo quanto à decisão que julgou improcedente o incidente de falsidade e de apelação da decisão final, nela incluindo a nulidade adveniente dos vícios da gravação. E o acórdão da Relação acabou por julgar improcedente os recursos de agravo – referente ao incidente de falsidade – e de apelação confirmando na íntegra os doutos despachos e sentença recorridos. É deste acórdão que a autora interpõe recurso para este Tribunal concluindo nas suas alegações de recurso com os seguintes fundamentos: 1. Foram violadas, na sua interpretação e aplicação, as normas de arts.372.°, 377.° e 378.° do C.C. e 547.° do C.P.C. 2. A Recorrente argui tempestivamente a falsidade das atas certificadas cuja junção aos autos foi ordenada pelo Mmo. Juiz do Tribunal de primeira instância. 3. Tais documentos têm força probatória, e fazem prova plena dos fatos que atestam, diferente das cópias simples, que já se encontravam juntas aos autos, em data anterior. 4. Acresce que não existe prazo de arguição de falsidade de documentos juntos pelo apresentante, pelo que, julgar-se extemporânea tal arguição sempre consubstanciaria a prática de um ato que a lei não prevê, em flagrante violação do disposto ao artigo 547.° do C.P.C. 5. Foi ainda violado, na sua interpretação e aplicação, o disposto ao artigo 679.° do C.P.C. 6. O despacho proferido em primeira instância, de indeferimento da arguição de nulidade, decorrente de inaudibilidade dos depoimentos gravados, é de mero expediente e, por isso mesmo, insuscetível de recurso autónomo e independente; 7. Tal nulidade podia ser arguida pela parte somente nas alegações do recurso que ofereceu para a Relação, e dentro do prazo que dispunha para as mesma e dentro do período para o qual dispunha para dela conhecer. 8. Por razões de celeridade processual, e por forma a obviar a subida do recurso e sua eventual subsequente descida, para repetição de julgamento, a Recorrente optou por arguir a nulidade ainda dentro do prazo que dispunha para alegar, mas em primeira instância 9. Mas o despacho que impendeu sobre tal arguição de nulidade não pode, salvo o devido respeito por opinião diferente, impedir a parte arguente de repetir tal arguição de nulidade em sede de alegações; 10. E tampouco pode impor à parte arguente que ofereça recurso autónomo e independente sobre matéria que sempre teria que ser julgada em segunda instância e que razões de economia processual sempre determinariam que fosse julgada pelos mesmos Juízes que viriam a julgar o recurso; 11. De outro modo, seriam eventualmente Juízes diferentes daqueles a decidirem o recurso, os que decidiriam da audibilidade ou não da gravação dos depoimentos; Sem prescindir, 12. Salvo melhor opinião, considera-se ainda terem os Venerandos Desembargadores violado o disposto aos artigos 64.°, 65.°, 66.°, 67.°, 68.° do C. Cooperativo e 71.° e 72.° do C.S.C, e arts.344.°, n.° 1 e 483.° do C.C. 13. As rés não lograram demonstrar ter inexistido culpa, ilicitude ou nexo de causalidade entre a sua atuação e os danos e prejuízos causados à recorrente, bem antes pelo contrário. 14. As rés tornaram-se civilmente responsáveis perante a Recorrente pelo fato de terem deixado de executar com fidelidade o seu mandato. 15. A ré BB, Presidente da Direção da recorrente, não pode invocar a seu favor a incompetência ou a ignorância, quando auferia uma remuneração mensal superior a € 5.000,00, sendo que antes de ter alcançado tais funções era costureira a auferir a retribuição mínima nacional. 16. A referida ré comprou para si um veículo que estava locado à Recorrente, tendo celebrado um negócio com bens ou direitos da Recorrente Cooperativa, o que lhe estava expressamente vedado pelo disposto ao art.64.° do C. Cooperativo. 17. Apesar de ser exigida a culpa dos diretores das AAs, esta é presumida na Ré BB, e o nexo de imputação do prejuízo à sua atuação, violadora de preceitos legais e contratuais, não deixou de existir, porquanto não foi pela mesma provada ou demonstrada uma qualquer circunstância extraordinária que permitisse concluir que aquele sempre se verificaria. 18. De resto, caso as contas da recorrente houvessem sido elaboradas e submetidas, nos diversos exercícios de 2000, 2001, 2002, 2003 e 2004, ao controlo do órgão máximo da Recorrente, a assembleia geral, esta podia ter adotado politicas diferentes de gestão da recorrente, a prevenir o prejuízo e dano que se veio a verificar. 19. Ao que não são alheios atuações da Ré BB tendentes a criar e agravar tais prejuízos, tais como: a) manter-se uma remuneração de € 5.000,00, enquanto diretora, enquanto as dívidas à Segurança Social e fazenda da recorrente se avolumavam; b) continuar a utilizar o telemóvel da cooperativa e a gastar quantias significativas em telefonemas nacionais e internacionais, depois de ter cessado funções de Presidente da direção; c) não elaborar nem submeter as contas da cooperativa à assembleia geral, durante cinco anos seguidos, e apesar de sucessivas vezes interpeladas para o efeito; d) manterem-se de fato, e após termo de mandato, durante mais de cinco anos, na gestão da cooperativa, sem convocarem assembleia para aprovação de contas e eleição de novas direções; 20. E, por isso mesmo, não tiveram as Rés uma gestão cuidadosa ou a diligência de um gestor criterioso e ordenado, bem cientes, como estavam, que geriam interesses e património alheio. 21. Por isso mesmo inverteu-se o ónus da prova e cabia às Rés demonstrarem, o que se considera não terem feito, que nelas não residiu qualquer culpa em todos os supra aludidos atos. Foram apresentadas contra-alegações pelas recorridas, que concluem pela improcedência do recurso. Por despacho de fls. 2274 foi determinada a audição das partes quanto à inadmissibilidade do recurso sobre as questões suscitadas de incidente de falsidade das actas da assembleia-geral e nulidade de gravação dos depoimentos. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II - Fundamentação As instâncias deram, como provados os seguintes factos: O mérito da causa: O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso – art. 684.º, n.º 3 e 690.º, do Código de Processo Civil. Do teor das conclusões da recorrente são as seguintes as questões a resolver: A. O incidente de falsidade das actas; B. Os pedidos formulados na acção - a responsabilidade civil das rés. A - A questão prévia do conhecimento O incidente de falsidade das actas e da violação do art. 679.º do CPC, atinente à deficiência da gravação dos depoimentos em primeira instância. A recorrente suscita nas suas conclusões a violação dos arts. 372.º; 377.º e 378.º, do CC, e 547.º, este do CPC, na decisão que julgou improcedente o incidente de falsidade das actas da Assembleia-geral, suscitado no decurso da audiência de julgamento, e do art. 679.º do CPC, por indeferir a arguição de nulidade decorrente da inaudição de depoimentos gravados. Em recurso de revista, sendo aplicável a disciplina dos arts. 721.º, n.º 2; 722.º, n.ºs 2 e 3 e 754.º, n.º 2, todos do CPC, na redacção dos DL. n.º 329-A/95, de 12-12, 189/96, de 25-09 e 375-A/99, de 20-09 (ex vi do art. 11.º, n.º 1 e 12.º, n.º 1 do DL n.º 303-2007, de 24-08) ao Supremo Tribunal de Justiça é vedado conhecer conhecer da violação da lei de processo e da respectiva nulidade: o recurso de Revista tem por “fundamento específico” a violação de lei substantiva. A violação da lei de processo, na aludida redacção anterior à reforma instituída pelo DL n.º 303/07, de 24-08, só é fundamento de recurso de revista quando se funde na violação das regras a que alude o n.º 2 do art. 678.º do CPC. No que respeita a decisões interlocutórias, o recurso de revista só é de admitir quando o acórdão da 2.ª instância se mostre em oposição com outro proferido, no domínio da mesma legislação, pelo STJ ou por qualquer Relação, salvo se o acórdão estiver de harmonia com jurisprudência uniformizada. Para o efeito previsto no art. 754.º, n.º 3, do CPC, tem por objecto decisão que pôs termo, não ao processo, mas a um incidente, o recurso da decisão que julgou improcedente a falsidade das actas da Assembleia-geral. Vale isto por dizer que só é admissível o recurso de agravo em segunda instância em duas situações: uma, no caso de oposição de julgados (pelo STJ ou por qualquer Relação) nas situações consignadas no segundo segmento do n.º 2 do art. 754.º do CPC; outra, no caso se de tratar de agravos que tenham por fundamento a violação das regras da competência internacional, em razão da matéria ou da hierarquia ou da ofensa de caso julgado, ou ainda de agravos de decisões que respeitem ao valor da causa, dos incidentes ou dos procedimentos cautelares, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre, ou ainda de agravos de decisões que na 1.ª instância tenham posto fim ao processo. No caso dos autos do incidente de falsidade das actas e da nulidade da gravação dos depoimentos, apreciados em decisão interlocutória, que não colocou termo ao processo, não respeitam às matérias do art. 754.º, n.º 2 do CPC, pelo que o seu objecto não cabe no recurso de revista. Nestes termos, e como questão prévia, não se conhece das questões suscitadas e, 1. a 4. (incidente de falsidade) e 5. a 7. (nulidade das gravações) das conclusões de recurso. B- Dos pedidos formulados na acção: a obrigação de indemnizar Pretende a autora a condenação das rés a: Sob a epígrafe “Responsabilidade dos directores, dos gerentes e outros mandatários” dispõe o citado art. 65.º do aludido Código que «são responsáveis civilmente, de forma pessoal e solidária, perante a cooperativa e terceiros, sem prejuízo de eventual responsabilidade criminal e da aplicação de outras sanções, os directores, os gerentes e outros mandatários que hajam violado a lei, os estatutos, os regulamentos internos ou as deliberações da assembleia geral ou deixado de executar fielmente o seu mandato, designadamente: a) Praticando em nome da cooperativa actos estranhos ao objecto ou aos interesses desta ou permitindo a prática de tais actos; b) Pagando ou mandando pagar importâncias não devidas pela cooperativa; c) Deixando de cobrar créditos que, por isso, hajam prescrito; d) Procedendo à distribuição de excedentes fictícios ou que violem o presente Código, a legislação complementar aplicável aos diversos ramos do sector cooperativo ou aos estatutos; e) Usando o respectivo mandato, com ou sem utilização de bens ou créditos da cooperativa, em benefício próprio ou de outras pessoas singulares ou colectivas ». A propósito do nexo de causalidade, expressa a lei que, quem estiver obrigado a reparar um dano deve restituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (artigo 563º do Código Civil). Reportando-se a indemnização aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, mas aplicável em geral, reconduz a lei a causalidade à probabilidade, ou seja, afasta-se da ideia de que qualquer condição é causa do dano, consagrando a concepção da causalidade adequada. Dir-se-á, assim, decorrer do artigo 563.º do Código Civil não bastar que o evento tenha produzido certo efeito para que, de um ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele, antes sendo necessário que o primeiro seja uma causa provável ou adequada do segundo. Confrontando as referidas normas com o caso vertente , dir-se-á, por um lado que no processo causal pode ser conducente a uma situação de dano em que concorrem múltiplas circunstâncias: umas que se não tivessem ocorrido ele não teria eclodido, e outras que, mesmo não verificadas, não excluiriam a sua ocorrência. E por outro, não ser suficiente, para que o mesmo se verifique que a acção ou omissão do agente tenha sido conditio sine qua non do dano, exigindo-se que ela seja adequada em abstracto a causá-lo. Assim, no referido contexto, o nexo de causalidade implica que a acção ou a omissão do agente seja uma das condições concretas do evento e que, em abstracto, seja adequada ou apropriada ao seu desencadeamento. Em consequência, o juízo sobre a causalidade integra, por um lado, matéria de facto, certo que se trata de saber se na sequência de determinada dinâmica factual um ou outro facto funcionou efectivamente como condição desencadeante de determinado efeito. E, por outro, matéria de direito, designadamente a determinação, no plano geral e abstracto, se aquela condição foi ou não causa adequada do evento, ou seja se, dada a sua natureza, era ou não indiferente para a sua verificação Vem, no entanto, sendo pacificamente aceite - nomeadamente a nível da jurisprudência praticada pelo Supremo Tribunal de Justiça, como se pode confirmar pelos vários acórdãos publicados na Colectânea de Jurisprudência – anos VIII, Tomo III, páginas 124/125 e X, Tomo I, páginas 36/38 e do Ac. STJ de 15/04/1993, CJSTJ, t. II, pp. 5, por exemplo – que, no âmbito do direito civil, o artigo 563.º do Código Civil consagra a vertente mais ampla da causalidade adequada, ou seja, a sua formulação negativa – «o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto». Esta vertente negativa da causalidade adequada não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que admite: (i) não só a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não; (ii) como ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano. Em recurso de revista, por constituir matéria de facto, o conhecimento de que a verificação de um facto, de um acto ou omissão , é condição sine qua non, que deu causa ao evento danoso está subtraída aos poderes de conhecimento do Supremo tribunal de Justiça mas já não , por integrar matéria de direito , saber se em abstracto, aquela acção ou omissão que causou o evento e é normalmente, idónea a produzir aquele resultado ou ele não é indiferente á sua produção cfr. neste sentido entre outros Acs. de 13-10.2011Revista nº 1715/05 2.TVLSB. L1. S1 Cons. João Bernardo e de 27.9/07 Revista 2197/07 Cons. Mota Miranda e Revista 2684/03 de 7.10.2003 Cons. Silva Salazar in www.dgsi.pt. Conforme resulta do disposto nos arts. 342 nº1 , 344 nº1 do CC , 799 nº1 do C Civil e art. 72 do CSC e 9º do Cod. Cooperativo resulta que é à autora que cumpre provar que as acções ( ou omissões) das RR violadoras de um dever ( ilicitude) foram determinantes para o elevado nível de endividamento junto da Segurança Social e Fazenda Nacional. Neste domínio vem provado: Os documentos e contas dos diversos exercícios não foram entregues à nova administração da autora pela anterior administração, representada pelas RR e os relatórios e contas da autora referentes aos anos de 2001, 2002,2003 e 2004 não se acham aprovados em assembleia geral, não foram submetidos a parecer do Conselho Fiscal , não tinham parcer deste nem estavam assinados pelo TOC. A anterior administração ou direcção da autora não liquidava há pelo menos um ano, as contribuições e quotizações devidas para a Segurança Social , as dívidas da autora à Segurança Social e à Fazenda Nacional em 27/06/2005 e mesmo 3, 6, 9 e 12 meses antes ascendiam a quantia não inferior a €1.500.000,00; A autora viu penhorado o saldo credor que dispunha sobre a empresa HH Ldª penhora esta efectuada pela DGI em 21/10/2005 e que determinou que aquela empresa não tivesse pago á autora a quantia aproximada de €40.000,00 A 10/8/2005 a autora apresentou processo de insolvência, onde já foi declarada insolvente por decisão transitada em jugado. O incumprimento do dever de requerer a insolvência nos 60 dias seguintes à data do conhecimento da sua situação de insolvência, conhecimento que se presume decorridos 3 meses de incumprimento generalizado de dívidas tributárias e contribuições e quotizações para a Segurança Social, dever que até 15.09.2004 advinha do preceituado nos arts. 6º e 8º do CPEREF( DL 132/93 de 23/04)e após a tal data dos arts. 18º nºs 1 e 3 e 20º nº1 al. g) do CIRE ao que acresce também o incumprimento do dever de elaborar e apresentar as contas anuais, constituem presunção ilidível de culpa grave na criação / agravamento da situação de insolvência- cfr. art. 186 nº 1 e 3 als. a) e b) do CIRE. Aceite o facto, a sua ilicitude e a culpa das Rès na criação do agravamento da situação de insolvência a mesma, não permite, no entanto, extrair dos factos provados pelas instâncias, em abstracto um nexo de causalidade exigido pela norma – Cfr. Menezes Cordeiro Código das Sociedades Comerciais , 2009 em anotação ao art. 72º - quanto ao montante das dívidas contraídas junto da Segurança Social e da Fazenda nacional. Efetivamente, se na conduta omissiva o nexo de causalidade exige que se conclua pela sua idoneidade a produzir o dano , que não teria ocorrido se não fosse a omissão , a matéria de facto provada- e sobre a qual este Supremo não pode sindicar-não permite concluir que a falta da prestação de contas e do respectivo relatório ou mesmo a não apresentação tempestiva à insolvência, teria seguramente impedido a autora de acumular as dívidas junto daquelas entidades, isto, porque, por um lado não se estabeleceu uma conexão temporal entre os anos de resultados negativos da autora e o não pagamento a essas entidades e, por outro há que ter também em atenção, que se apurou que até 2002 a produção da autora dependia, quase em exclusivo da M........ , que assegurava em maior valor os proveitos com que a autora fazia face aos custos normais da exploração ( 21º) e que a partir de Outubro de 2002 esta empresa reduziu significativamente as encomendas, colocando a autora em sérias dificuldades financeiras para fazer face às despesas normais de exploração( 23º) e que com o agravamento da crise instalado no sector têxtil, a autora não conseguiu encontrar clientes que absorvessem a sua capacidade produtiva instalada , tendo assim reduzido consideravelmente o seu volume de vendas e consequentemente os resultados da exploração( 24º) , em resultado do que, através da sua direcção-para não prejudicar a manutenção dos postos de trabalho e evitar o agravamento da situação financeira dos seus cooperadores – a autora se viu na necessidade de entrar em incumprimento das suas obrigações perante o Fisco e Segurança Social.( 25º) Efectivamente, ao incumprimento do dever de requerer a insolvência e à reiterada falta de prestação de contas não se pode abstrair, para se aferir em concreto da causalidade, aqui, em causa, que a partir do ano de 2002 houve uma baixa significativa da produção provocada pela redução de encomendas da principal cliente da autora, a M........, redução essa que seguramente também teve influência nos resultados da empresa. Significa que atento o referido contexto empresarial em que se desenvolveu actividade da autora, não se possa afirmar que o elevado nível de endividamento junto da Segurança Social e da Fazenda Nacional seja consequência exclusiva das acções e omissões ocorridas no decurso da gerência das RR a ponto de serem responsabilizadas pela totalidade desse endividamento nos termos em que a Autora o faz. Não se mostram, assim, demonstrados os pressupostos para responsabilizar as RR pelo dívida contraída junto da Segurança Social e Fazenda Nacional, não merecendo, neste particular, censura o Acórdão recorrido. Quanto à segunda das questões enunciadas, relacionadas com o pagamento das verbas reclamadas pela autora: Como acima se referiu o administrador/ director, gerente tem, atenta a presunção que sobre si recai, o ónus de provar a inexistência de culpa ( cfr. art. 72 nº1 do CSC) A estas quantias ora liquidadas devem acrescer ainda as que se liquidarem em execução de sentença respeitantes a despesas em telefones que as RR debitaram à autora a partir da data da cessação das funções das RR como membros da direcção da autora. Em conclusão: 1. Não se podem responsabilizar as RR , membros da direcção da cooperativa, desde 1985 até 27 de Junho de 2005, pelo elevado nível de endividamento da autora à Segurança Social e á Fazenda Nacional, não obstante o incumprimento do dever de requerer a insolvência perante o incumprimento das obrigações aquelas entidades e a falta de apresentação das contas dos exercícios das suas gerências, quando se prova também que até 2002 a produção da autora , dependia quase em exclusivo, de um cliente ( M........) que assegurava , em maior valor os proveitos da autora e que a partir de Outubro de 2002 esta empresa reduziu significativamente as encomendas colocando a autora em sérias dificuldades financeiras para fazer face às despesas normais de exploração e que com o agravamento na crise no sector têxtil, a autora não conseguiu absorver capacidade produtiva instalada, tendo assim reduzido consideravelmente o seu volume de vendas e consequentemente os seus resultados da exploração. 2. Nos termos do art. 72 nº1 do CSC ex vi do art. 9º do Cod. Cooperativo as, aqui, RR, na qualidade de membros da direcção da autora( cooperativa), respondem para com a cooperativa pelos danos a esta causados por actos ou omissões com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa. 4. Quando ocorre uma reiterada falta de apresentação das contas de vários exercícios (2001, 2002, 2003 e 2004) obrigação que sobre as RR impendia na qualidade de directoras da autora , existe violação ostensiva das disposições legais do arts. 56 e 64 do Cod. Cooperativo que fazem incorrer as RR, na responsabilidade civil solidária prevista no art. 65 do Cod. Cooperativa ex vi do art. 72 nº1 do C. S. C., aqui, observado por força do art. 9º do cod. Cooperativo, sendo certo que as RR não ilidiram a presunção de culpa estabelecida no citado normativo, porquanto não provaram como lhes competia que não tiveram culpa nos danos que provocaram na autora, nomeadamente quando fazem em nome da cooperativa negócios para proveito próprio (aquisição de veículo e recebimento de cheques em seu favor) que eram da cooperativa, sendo certo também que não provaram qualquer matéria exclusiva dessa responsabilidade, nomeadamente que actuaram em termos informados , livre de qualquer interesse pessoal e segundo critérios de racionalidade empresarial ) cfr. art. 72 nº2 do CSC). 5. As RR também são responsáveis à luz dos citados normativos pelo pagamento de uma importância que receberam de uma seguradora em nome da autora, na sequência de um sinistro ( incêndio), nomeadamente quando as próprias RR não provaram o destino dessa importância, ónus, que, aliás, sobre elas sempre impendia, também por força da inversão do ónus da prova nos termos do art. 344 do C. Civil, inversão esta que tem a sua justificação no facto de as RR não apresentarem contas nos diversos exercícios das sua gerências, circunstância que sempre prejudica ou dificulta a A de saber qual o destino que foi dado a essa verba . III - Decisão: Nesta conformidade os Juízes deste Supremo acordam conceder parcialmente a revista e, revogando parcialmente o Acórdão recorrido condenam solidariamente as RR a pagaram á autora a quantia de € 125.316,17( €100.000,00 correspondente á importância recebidas pelas RR da seguradora na sequência do incêndio e €25.316,17 correspondente ao cheque de €16.000,00 recebido + € 8.479,56 valor do veículo recebido + 836,72 despesas pessoais) a que acresce ainda as despesas em telefone feitas pelas RR suportadas pela Autora, a partir da data da cessação das funções das RR como membros da direcção da autora, despesas estas a liquidar em execução de sentença, mantendo-se no mais, o decidido pelo Acórdão recorrido quanto à absolvição dos RR do pedido do pagamento das quantias correspondentes às dívidas da Segurança Social e Fazenda Nacional. Custas pela recorrente e recorridas na proporção do decaimento, sendo, quanto à parte ilíquida, conforme se venha a apurar em liquidação de sentença. Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 25 de Outubro de 2012 Tavares de Paiva (Relator) Abrantes Geraldes Bettencourt de Faria |