Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3397/04.0TCLRS.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: ARRENDAMENTO COMERCIAL
PENHORA DO DIREITO AO TRESPASSE E ARRENDAMENTO
DEPOSITÁRIO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
FALTA DE PAGAMENTO DAS RENDAS
RESPONSABILIDADE DO PENHORANTE
Data do Acordão: 05/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / LOCAÇÃO / ARRENDAMENTO URBANO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE EXECUÇÃO / PENHORA DE BENS IMÓVEIS.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil” Anotado, volume II, 3.ª edição – reimpressão, 1981, Coimbra Editora, pág. 136; Processo de Execução, volume 2.º, reimpressão, 1985, Coimbra Editora, p. 136.
– Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, Coimbra Editora, 2ª edição, 1973, p. 165.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 767.º, N.º1, 1038.º, AL. A), 1039.º, N.º 1, 1187.º ALÍNEAS A) E C).
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 424.º, N.º5, 843.º, N.º1, 845.º, N.º1, 856.º.
REGIME DO ARRENDAMENTO URBANO (RAU): - ARTIGO 64.º, N.º 1, AL. A).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 24.11.1987, IN BMJ 371-427;
-DE 30.1.1997, PROC. N.º 96B825, IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :

1. A penhora do direito ao trespasse e ao arrendamento deixa incólume o contrato de arrendamento que se estabeleceu entre os sujeitos da relação locatícia.

2. Tal penhora, no caso da execução ser levada a seu termo pela venda judicial em qualquer das suas modalidades, extingue o direito ao trespasse e ao arrendamento na esfera jurídica do arrendatário, podendo o produto da venda reverter em favor do exequente, caso não seja preterido em eventual graduação de outros credores reclamantes.

3. O depositário judicial não exerce funções por conta do exequente ou do executado, mas no cumprimento de incumbência do tribunal que o nomeia, ao abrigo de uma relação não contratual, devendo agir com zelo e diligência, não sendo defeso a “qualquer interessado” nessa actuação criteriosa, alertar o Tribunal, senão mesmo pedir a remoção do cargo – art. 845º, nº1, do Código de Processo Civil.

4. No que respeita ao exequente/penhorante do direito ao trespasse e arrendamento, existente na esfera jurídica da ré arrendatária, podendo ele pagar as rendas em caso de omissão do arrendatário ou do depositário, como terceiro interessado no cumprimento da obrigação – art. 767º, nº1, do Código Civil – até para preservar, em caso de resolução do contrato medio tempore, o direito penhorado, sobre ele não impendia essa obrigação, e destarte, não pode ser condenado a pagar as rendas em mora.

5. Não estava obrigado pela sua condição de exequente a actuar como arrendatário. O citado normativo na sua pertinência ao caso, confere uma faculdade, não um dever.
Decisão Texto Integral:

Proc.3397/04.0TCLRS.L1

R-495[1]

Revista


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


           AA, S.A., instaurou, em 19.5.2004, no Tribunal Judicial da Comarca de ...., acção de despejo com processo ordinário, contra:

            - BB;

            - CC, Ldª.,

             - DD e EE.

          Pedindo que se declarem resolvidos os contratos de arrendamento celebrados entre a Autora e a 1ª Ré e que se condenem todos os Réus a entregarem imediatamente as instalações arrendadas, livres de pessoas e coisas, bem como a pagarem a quantia de € 49.941,80 de rendas vencidas, bem como as que se vencerem na pendência da acção e até efectivo despejo, à razão de € 1.197,11 e € 349,16.

           

            Os Réus não contestaram.

                       

            A Meritíssima Juíza ouviu a Autora sob a nulidade dos contratos de arrendamento, tendo a mesma respondido, pedindo que os Réus sejam condenados e entregar os locados e a pagarem uma indemnização pela utilização dos espaços correspondentes ao valor das rendas acordadas.

                       


***

            Foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu:

            1. Declarar a nulidade dos dois contratos de arrendamento celebrados entre a Autora AA, Lda., e a Ré BB, referentes a dois espaços com a área de 320 m2 cada um, pertencentes ao prédio misto denominado ...., sito no Lugar ...., freguesia de ...., descrito na Conservatória do Registo Predial de ...., sob o nº …;

               2. Condenar o Réu EE a entregar à Autora, livres e devolutos de pessoas e bens, os espaços aludidos em 1;

                3. Condenar os RR. BB e CC, Lda., a pagar à Autora € 1.197,11, a título de indemnização por cada mês de ocupação de cada um dos espaços aludidos em 1., desde Março de 2001 até à efectiva entrega dos mesmos à Autora;

               

               4. Condenar os RR. DD e EE a pagar à Autora € 1.197,11, a título de indemnização por cada mês de ocupação de cada um dos espaços aludidos em 1., sendo o primeiro com respeito ao período de Março a Abril de 2001, e o segundo desde Maio de 2001 até à efectiva entrega dos mesmos à Autora.

               5. Absolver no mais os RR. DD e EE dos pedidos formulados pela Autora.


***

           

           Inconformados, apelaram os Réus “CC” e EE para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por Acórdão de 9.7.2014 – fls. 451 a 458 –, concedeu parcial provimento ao recurso e, em consequência, revogou parcialmente a decisão, no que tange à indemnização a pagar pelos Apelantes e condenou-os no pagamento mensal do montante de € 1.197,11, por cada um dos espaços, desde a citação e até efectiva entrega dos mesmos.


***

           

           Inconformada, a Ré “CC, Ldª”, recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça, e alegando, formulou as seguintes conclusões:

            1. Nomeado à penhora o direito ao trespasse e arrendamento do executado, o exequente não fica obrigado ao pagamento de rendas a cargo do executado arrendatário;

            2. O conhecimento do não pagamento de rendas pela executada, aqui ocorrido posteriormente à penhora, não obriga a exequente a desistir da penhora do direito ao trespasse e arrendamento;

            3. A privação dos armazéns por parte da proprietária Recorrida, não determina, por si só, a titularidade de direito à indemnização;

           4. Para que haja direito à indemnização, é indispensável que estejam reunidos os pressupostos da responsabilidade civil;

           5. A responsabilidade civil pode ser contratual, extra-contratual ou por facto ilícito e ainda objectiva ou pelo risco;

          6. A Recorrente, ao penhorar o direito ao trespasse e arrendamento não ficou contratualmente vinculada a proceder ao pagamento de rendas a cargo da executada (como já referido na primeira conclusão), pelo que não há lugar a responsabilidade contratual);

           7. A Recorrente também não incorreu em responsabilidade extracontratual ou por facto ilícito nem em responsabilidade objectiva, que possa fundamentar uma condenação no pagamento de indemnização, pois não violou quaisquer norma legal do ordenamento jurídico, quer ao penhorar o direito quer ao não desistir da penhora;

           8. Também não há lugar à aplicação das regras do enriquecimento sem causa, uma vez que não houve qualquer benefício da Recorrente;

           9. Também não existe dano indemnizável resultante da manutenção da penhora e da privação de novo arrendamento, pois à Recorrida estava legalmente vedado arrendar os armazéns, já que só podem ser objecto de arrendamento os prédios com licença de utilização camarária, como o impõe o art. 9º do Dec-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, o que não era o caso;

           10. A Recorrida peticionou as rendas vincendas relativas contratos nulos que celebrou, mas não alegou factos essenciais que consubstanciem prejuízo que apenas poderia resultar do facto de a manutenção da penhora a ter privado de usar e fruir os armazéns.

           11. Não estão reunidos os pressupostos da responsabilidade civil, nem do enriquecimento sem causa, pelo que a Recorrente deve ser absolvida do pedido.

           12. A Recorrida deveria ter informado nos autos de execução que não existia arrendamento válido nem direito ao trespasse e arrendamento, o que conduziria à não subsistência da penhora;

            13. A reclamação de prejuízos resultantes da penhora efectuada seria, assim, um “venire contra factum proprium”, já que a penhora apenas se concretizou por culpa da Recorrida;

            14. A douta sentença e o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa enfermam de nulidade, ao condenar a Recorrente em quantia superior ao pedido, designadamente em condenar no valor mensal de € 1.197,11 por cada um dos dois espaços, quando a Autora apenas peticionou a quantia de € 1.197,11 para o primeiro espaço e € 349,16 para o segundo espaço, pelo que sempre deverá ser revogada a condenação, na parte em que excede o pedido;

           15. Mesmo na hipótese de manutenção da condenação, a aceitar-se a posição da Relação de Lisboa, a responsabilidade da exequente sempre cessaria com a desistência da execução, efectuada em 22.10.2010;

            16. O douto acórdão da Relação e a douta sentença não aplicam as normas jurídicas correspondentes ao caso, violando a norma do nº3 do art. 607º do Código de Processo Civil;

            17. Condenando também em quantia superior ao pedido, violam o art. 609º, do Código de Processo Civil, o que constitui nulidade prevista na al. e) do nº1 do arts 615º do Código de Processo Civil;

            18. Pelo que devem ser revogadas, solvendo-se a Recorrente do pagamento de indemnização correspondente às rendas vencidas ou pagamento de indemnização, nos termos referidos.

            19. Caso assim se não entenda, o que só por mera hipótese se admite, a indemnização deverá cingir-se aos valores peticionados, para cada espaço e apenas até 22.10.2010, data da desistência da execução, conforme certidão de fls. 365.

            Não houve contra-alegações.


***

           Por Acórdão de 19.2.2015, proferido em Conferência, o Acórdão recorrido foi alterado, por se ter reconhecido que a condenação decretada fora além do pedido, tendo decretado:

           “Assim, face ao exposto, dá-se parcial provimento ao recurso, e em consequência, revoga-se parcialmente a decisão, no que tange à indemnização a pagar pelos Apelantes e condenam-se estes no pagamento mensal do montante de € 1.197,11, pelo primeiro espaço e na quantia de € 349,16, pelo segundo espaço, desde a citação e até efectiva entrega dos mesmos. Mantém-se no mais todo o decidido.

            Proceda-se à necessária correcção no acórdão”.


***

            Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:

           1. A Autora dedica-se à venda e arrendamento de imóveis, adquiridos para esse fim.

           2. Está inscrita sob …, Ap. .., a aquisição, por compra, do prédio misto denominado ...., sito no Lugar ...., freguesia de ...., descrito na Conservatória do Registo Predial de ...., sob o nº …, a favor da Autora.

           3. A Autora e a Ré BB subscreveram dois escritos, ambos designados “Contrato Promessa de Arrendamento”, sendo um datado de 01.01.1997 e outro de 01.06.1997, respeitando ambos a espaços sitos no prédio aludido em 2., com a área de 320 m2.

            4. Ficou consignado em ambos os escritos aludidos em 3. que os espaços se destinam ao exercício da actividade da Ré Auto Reparadora, conforme o seu objecto, sendo o prazo de arrendamento de 1 ano, renovável por iguais períodos, com início em 01.01.1997 e 01.06.1997, respectivamente, para cada um dos contratos.

            5. Mais ficou consignado no primeiro escrito que a renda mensal seria de 200.000$00 até Junho de 1997, e que passaria a ser de 240.000$00 a partir de Julho de 1997, tendo sido consignado no segundo contrato que a renda mensal seria de 240.000$00, a pagar, em ambos os casos, na sede da Autora ou no local por esta indicado, até ao dia 1 do mês imediatamente anterior àquele a que disser respeito.

           6. Ficou por fim consignado em ambos os contratos que a Ré BB podia efectuar, por sua conta, as obras de adaptação que considerasse úteis para o fim a que se destinava o arrendamento, sem que por isso tivesse direito a indemnização ou retenção, ficando as mesmas parte integrante do imóvel.

           7. Os locais destinam-se a oficina de automóveis, e foram ocupados pela Ré BB para o exercício da sua actividade.

           8. No âmbito do Processo nº 268/00, que correu termos na 1ª Vara Mista de ...., a Ré “CC”, aí Requerente, peticionou o arresto do direito ao trespasse e arrendamento dos espaços aludidos, o qual veio a ser decretado.

           9. Em cumprimento da decisão aludida em 8., foram removidas as máquinas e todo o conteúdo do estabelecimento, sendo este encerrado e suspensa toda a actividade que nele se desenrolava, em diligência efectuada a 27.11.2000.

            10. Na diligência aludida em 9. foi nomeado Fiel Depositário do estabelecimento o aqui Réu DD.

            11. Em despacho proferido a 03.04.2001 foi nomeado novo Fiel Depositário o aqui Réu EE, em substituição do anterior Fiel Depositário, que havia pedido escusa do cargo.

           

            12. O arresto foi convertido em penhora por despacho proferido em 13.11.2001, no âmbito da Execução Ordinária nº 170/2001, que correu os seus termos nesta 2ª Vara Mista de .....

           13. A partir do mês de Março de 2001 as rendas relativas a ambos os espaços deixaram de ser pagas, não tendo sido também liquidada a indemnização correspondente ao atraso no pagamento de tais rendas.

           14. Nos autos de Execução aludidos em 12. foi solicitada, pela Ré “CC”, aí Exequente, a venda do estabelecimento comercial, o que não se logrou, tendo então sido apresentada desistência da execução pela mesma, e em consequência ordenada a sustação da execução e remessa dos autos à conta.

            Fundamentação:

           Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente, que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber:

           - se deve manter-se a condenação da recorrente a pagar à Autora/recorrida as rendas relativas à fruição dos armazéns identificados nos autos:

            - se o Acórdão é nulo por condenação além do pedido:

            Vejamos:

         Em breve síntese, a Autora “Apogeu”, ora recorrida, alegou ter celebrado com a Ré “BB” dois contratos de arrendamento comercial, o primeiro em 1.6.1997 e o segundo em 1.11.1998, mediante a renda mensal de, respectivamente, € 1.197,11 e € 349.16.

           Estando aquela Ré na fruição dos dois armazéns, a ora recorrente “CC” requereu e foi decretado o arresto do direito ao trespasse e arrendamento, de que era titular a arrendatária BB. O arresto, por despacho judicial de 3.11.2000, foi convertido em penhora, tendo sido nomeado fiel depositário, desde logo, o Réu DD e, depois, EE sócio-gerente da recorrente.

           

           Os bens existentes nos armazéns foram apreendidos no dia 27.11.2000 e, removidas as máquinas aí existentes, foi suspensa a actividade que era desenvolvida no estabelecimento da Ré arrendatária que encerrou os locais cedidos por via contratual.

            A renda referente ao mês de Março de 1991 não foi paga, nem ulteriormente o foi qualquer outra.

            Na petição inicial, a Autora sustentou que todos os demandados deveriam ser condenados a pagar as rendas vencidas e vincendas até a restituição dos arrendados, uma vez que, aduz no art. 20º da petição inicial, “por força da penhora do direito ao trespasse e arrendamento, a relação locativa que originariamente surgiu apenas com respeito ao arrendatário, passa a abranger, também o exequente e os depositários nomeados na execução.”

            Com consta da sentença – fls. 390 e segs. – de 25.11.2013 – a Autora foi notificada para se pronunciar sobre a “nulidade dos contratos de arrendamento por si invocados, com fundamento em vício de forma, a qual foi suscitada oficiosamente pelo Tribunal, tendo respondido, não se opondo a tal declaração formulando os pedidos de restituição do imóvel e de pagamento de uma indemnização pela ocupação do mesmo, contra todos os Réus”.

           Não se questionou a qualificação jurídico-contratual da relação estabelecida entre a Autora e a Ré “BB”. Como bem se ajuizou na sentença, apesar das partes terem acordado, por escritos datados de 1.1.1997 e 1.7.1998, que celebravam contratos promessas de arrendamento relativos aos identificados locais, do que se tratou foi da celebração de contratos de arrendamento comercial, para o exercício da actividade de reparação de automóveis, mediante o pagamento de uma renda monetária mensal.

           O Tribunal declarou oficiosamente nulos tais contratos de arrendamento, por inobservância da forma legal prescrita – arts. 1022º, 1023º, 1027º do Código Civil e 1º, 3º, nº1, e 110º do RAU então em vigor.   

           Com efeito, ao tempo da vinculação contratual, os contratos deviam ser solenizados por escritura pública notarial – arts. 7º, n°2, d. b) do RAU e 80°, al. l) Código Notarial. A omissão da formalidade legal implicava a nulidade dos contratos, nos termos do art. 220° do Código Civil.

           Entendeu-se que a Ré “BB”, não obstante a declaração de nulidade, deveria indemnizar a Autora pela fruição dos espaços arrendados, apesar do efeito retroactivo da declaração de nulidade, por se tratar de excepção à regra da restituição ao statuo quo ante, decorrente do art. 434º, nº2, do Código Civil “nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efectuadas, excepto se entre estas e a causa da resolução existir umas prestações já efectuadas, excepto se entre estas e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas”, ponderou-se que, tendo aquela Ré deixado de pagar as rendas a partir de Março de 2001, e que, antes dessa data, os direitos ao trespasse e ao arrendamento foram arrestados e depois penhorados, tendo sido removidos do seu interior os bens que aí se encontravam e o estabelecimento encerrado em 27.11.2000 e que quando as rendas deixaram de ser pagas já o estabelecimento não estava a ser fruído por aquela Ré “encontrando-se sujeito à administração do fiel depositário nomeado à data, o Réu DD, no interesse do credor peticionante do arresto, a Ré CC”, foram todos condenados a pagar as rendas peticionadas.

          A decisão da 1ª Instância, depois de referir que, entretanto, ocorreu desistência da instância executiva, tendo a execução sido sustada e o processo remetido à conta não se tendo procedido à venda do direito ao trespasse e ao arrendamento penhorado, respondendo à questão de saber quem, neste quadro factual, deveria pagar as rendas, depois de aludir a várias decisões jurisprudenciais sobre contra quem deveria ser intentada a acção de resolução do contrato com fundamento na falta de pagamento de rendas vencidas e vincendas, deduzindo pedido de pagamento de indemnização legal, concluiu:

            “Daqui decorre que o decretamento da resolução, ou, como sucedeu no caso em apreço, a declaração da nulidade dos contratos de arrendamento que constituem a causa de pedir da acção, deve ser feita perante o arrendatário, por ser a contraparte, e de igual modo perante o exequente, a fim de que lhe seja tal decisão oponível, atenta a sua inegável repercussão na acção executiva.

           Já no que respeita ao pedido de restituição do imóvel e de pagamento das rendas ou da correspondente indemnização, entendemos que devem os mesmos ser aferidos também na presença do fiel depositário.

           Na verdade, sendo uma evidência que o estabelecimento comercial em causa foi arrestado e penhorado, por conversão do arresto, encontrando-se entregue a um fiel depositário, quem deve proceder à entrega do mesmo é esse fiel depositário, não fazendo sentido que se peça tal entrega a quem não tem a disponibilidade do local.

            Deste modo, deve ser condenado na restituição do local o actual Fiel Depositário, o Réu EE.

           Finalmente, quanto ao pagamento da indemnização correspondente às rendas vencidas, porque o contrato de arrendamento não cessa com a penhora, como já se salientou acima, o arrendatário permanece vinculado a esse pagamento, ficando simultaneamente obrigado a esse pagamento o fiel depositário, que, aliás, tem a disponibilidade do local, e sendo interessado no mesmo pagamento o exequente, pelo que no caso em apreço devem todos responder pela indemnização de que se cura”.

           

            Na lógica de tal fundamentação os depositários foram também condenados a pagar as rendas, relativamente ao tempo em que exerceram a incumbência.

           A ora Recorrente e a Ré “BB” foram condenadas a pagar à Autora € 1.197,11, a título de indemnização por cada mês de ocupação de cada um dos espaços aludidos em 1., desde Março de 2001 até à efectiva entrega.

            A Relação manteve a condenação de todos os Réus, mas agora só é Recorrente “CC”, que fora exequente sendo executada/arrendatária a Ré “BB”, e, por isso, só quanto a ela importa a sua condenação.

           A Relação ponderou, no que respeita pretensão da ora Recorrente “CC”:

           “No que tange à responsabilidade pelo pagamento das rendas, esta incumbe em primeira linha ao arrendatário, sendo uma das suas obrigações, como decorre do disposto no artigo 1038º, alínea a), do Código Civil.

               O facto de o direito ao trespasse e arrendamento se encontrar penhorado não exime o inquilino da obrigação de proceder ao pagamento da renda.

              Todavia o exequente como interessado na manutenção do direito penhorado, pode proceder ao pagamento das rendas que o inquilino não pague, nos termos do artigo 767º, nº 1, do Código Civil.

                O fiel depositário tem a obrigação de administrar os bens com a diligência e o zelo de um bom pai de família, como dispunha o nº1, do artigo 843º do anterior Código de Processo Civil e nº 1, do artigo 760º, do actual Código de Processo Civil.

               No exercício da sua administração, incumbia ao fiel depositário, no caso de o inquilino não pagar as rendas, avisar o exequente para que este se substituísse no pagamento, bem como comunicar ao tribunal a aludida falta de pagamento para que este tomasse as medidas tidas por convenientes.

                O fiel depositário, não obstante dever ter em seu poder as chaves dos locados, não pode dispor das mesmas, nem entregá-las seja a quem for sem ordem do tribunal, já que o direito ao trespasse e arrendamento estava penhorado.

               Acontece, porém, que os contratos de arrendamento eram nulos, por falta da forma legalmente exigida à data (escritura pública), pelo que foi declarada a sua nulidade, nos termos do artigo 220º do Código Civil.

               Dispõe o artigo 289º, nº1, do Código Civil, que a nulidade tem efeitos retroactivos devendo ser restituído tudo o que tenha sido prestado.

               Se esta situação implica a restituição imediata dos locados, que já o não são por falta do respectivo título, o mesmo não acontece relativamente às contrapartidas pagas a título de renda.

                Como bem se explanou na sentença, o espaço foi usado e fruído, pelo que as aludidas prestações não têm de ser devolvidas.

               No que tange à responsabilidade dos Apelantes pela entrega dos espaços e pagamento de indemnização entendemos que as mesmas são devidas mas não da forma em que foram condenados.

                A administração dos espaços competia ao fiel depositário na sequência da conversão do arresto em penhora, do direito ao trespasse e arrendamento, mas afigura-se-nos que o fiel depositário não tinha a obrigação de se informar todos os meses junto do senhorio ou até do inquilino sobre o pagamento ou não das rendas.

              O senhorio é que perante a falta de pagamento deveria comunicar a mesma ao fiel depositário ou a este e ao exequente, para a partir daí e se estes não tomassem as devidas providências poder responsabilizá-los também por essa falta de pagamento e pela não entrega das chaves.

                É que o fiel depositário não pode entregar as chaves sem autorização do tribunal, entrega essa que pode decorrer do facto de o exequente desistir da penhora, ser vendido o direito ou extinta a execução.

               Se apesar de um desses factos ocorrer o fiel depositário não entregar as chaves, tanto este como o exequente constituem-se na obrigação de indemnizar o dono dos espaços pelos prejuízos causados.

               A indemnização no caso sub judice foi apurada em € 1.197,11, por mês para cada um dos espaços.

               A Apelada não alegou nem demonstrou que tanto a exequente como o fiel depositário tivessem conhecimento da falta de pagamento das rendas ou que os tivesse interpelado para a entrega das chaves.

                Daí que se tenha de entender que os Apelantes só tiveram conhecimento da falta de pagamento das rendas e consequente pedido de entrega dos espaços na altura em que foram citados para a acção.

               Nessa altura, deveria a Apelante/exequente, substituir-se no pagamento para manter a sua penhora, ou deveria ter desistido da penhora, proporcionando a entrega dos espaços.

                De igual modo, o fiel depositário deveria ter comunicado a situação ao tribunal para que este determinasse, nomeadamente, o que deveria fazer com a chave dos espaços.

               Ao não ter sido tomada nenhuma das ditas atitudes, a Apelada ficou sem poder usar e fruir os espaços, o que lhe causou um prejuízo no valor de € 1.197,11, por mês e por cada um dos espaços.

              Neste circunstancialismo e no que concerne aos Apelantes há que alterar a decisão, no sentido de os condenar a pagar ao Apelado, mensalmente a quantia de € 1.197,11, por cada um dos espaços, a título de indemnização, desde a citação e até à efectiva entrega dos espaços.

               Assim, face ao exposto, dá-se parcial provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se parcialmente a decisão, que no que tange à indemnização a pagar pelos Apelantes se condena estes no pagamento mensal do montante de € 1.197,11, por cada um dos espaços, desde a citação e até efectiva entrega dos mesmos”.

           A decisão recorrida, muito embora tivesse ponderado que, apesar da penhora do direito ao trespasse e arrendamento, competia à arrendatária a obrigação do pagamento das rendas nos termos do art. 1038º a) do Código Civil, considerou que o depositário nomeado, na sequência da penhora do direito ao trespasse e ao arrendamento teria obrigações perante o senhorio e perante o penhorante; com efeito, pode ler-se “no exercício da sua administração, incumbia ao fiel depositário, no caso de o inquilino não pagar as rendas, avisar o exequente para que este se substituísse no pagamento, bem como comunicar ao tribunal a aludida falta de pagamento para que este tomasse as medidas tidas por convenientes” (destaque e sublinhado nossos).

           Importa afirmar que a penhora do direito ao trespasse e ao arrendamento deixa incólume a relação de arrendamento que se estabeleceu entre os sujeitos da relação locatícia.

           

            A penhora do referido direito, no caso da execução ser levada a seu termo pela venda judicial em qualquer das suas modalidades, extingue-o na esfera jurídica do arrendatário, podendo o produto da venda reverter em favor do exequente, caso não seja preterido em eventual graduação de outros credores reclamantes.

         “A penhora não retira ao executado a propriedade dos bens, a qual só cessará pelos futuros actos executivos” – Anselmo de Castro, in “A Acção Executiva Singular, Comum e Especial”, Coimbra Editora, 2ª edição, 1973, pág. 165.

           Para FF, a penhora apenas produz efeitos processuais: os bens onerados ficam sujeitos à realização do objectivo da execução, independentemente dos actos praticados pelo executado.

           

           Afirma: “O direito do executado sobre ela coexiste, intacto em sua essência, com o vínculo público processual que o acto da penhora impôs sobre a mesma: qualquer forma de exercício daquele direito é permitido, enquanto praticamente possível, mas não altera este vínculo. Se a execução por qualquer motivo for desfeita, o terceiro que adquiriu eventualmente algum direito sobre os bens penhorados poderá pretender satisfazê-lo; mas enquanto a execução continuar, nada poderá fazer que prejudique o exequente ou outros credores concorrentes”.

            A penhora efectuada a requerimento do exequente “CC.” deixou intocada a posição do senhorio: em relação a ele é “res inter alios”. Este continua com direito às rendas devidas e a poder resolver o contrato no caso de incumprimento – arts. 1038º, al. a) e 1039º, nº 1, do Código Civil e 64º, nº 1, al. a) do RAU.

            Nos termos do art. 843º, nº1, do Código de Processo Civil – “Além dos deveres gerais do depositário, incumbe ao depositário judicial o dever de administrar os bens com a diligência e zelo de um bom pai de família e com a obrigação de prestar contas”.

            Os deveres gerais do depositário são os constantes do Código Civil, nomeadamente os de guardar a coisa e restituí-la, com os seus frutos – art. 1187.º alíneas a) e c), do Código Civil.

            No Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 24.11.1987, in BMJ 371-427 – decidiu-se:

           “Penhorado em acção executiva o “direito ao arrendamento e trespasse” de estabelecimento comercial instalado no prédio arrendado e entregue o mesmo a fiel depositário, incumbe a este o giro do estabelecimento bem como a obrigação de pagar as rendas (art. 843.° do Código de Processo Civil). Mas o pagamento pode ser feito pelo arrendatário executado que, não obstante a penhora, continua sujeito da relação locativa e portador de interesse em que ela não finde; ou, ainda, pelo credor exequente, detentor de similar interesse na manutenção do arrendamento (art. 767.°, nº1 do Código Civil).

               Em qualquer dos casos, o pagamento “radica-se” sempre na pessoa do arrendatário: se for ele a pagar, por evidência; se for o depositário, porque administra em nome do executado ou pelo menos, com reflexos no património deste; se o exequente, porque fica sub-rogado no respectivo direito (art. 592.° do Código Civil).

               Não sendo as rendas solvidas por qualquer dos sujeitos, nas condições aludidas, o senhorio tem o direito de obter a resolução do contrato com fundamento no art. 1093.°, n. 1, alínea a) do Código Civil e o pagamento das rendas em dívida. Se o depositário não administrar com a “diligência de um bom pai de família” – art. 843. °, n.° 1 do Código de Processo Civil – e por tal deixar de pagar as rendas, pode o arrendatário executado requerer a sua remoção nos termos do art. 845.° do mesmo Código”.

            No Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 30.1.1997 – Proc. 96B825 – in www.dgsi.pt (só o sumário) pode ler-se:

          “I – Penhorado o direito ao arrendamento e ao trespasse de estabelecimento comercial, essa penhora não afecta o direito de propriedade do senhorio sobre o prédio onde está situado esse estabelecimento, nem, consequentemente, a subsistência do contrato de arrendamento respectivo.

               II – Daí decorre que o executado continua obrigado a pagar as rendas vencidas antes e depois dessa penhora e que o senhorio mantém o direito de propor acção de despejo para resolução do contrato com o fundamento da falta de pagamento dessas rendas.

               III – Tal acção, deve ser proposta contra o arrendatário mesmo depois de ordenada aquela penhora”.

     Não consta provado qualquer facto – que nem sequer foi alegado pela Autora – revelador que os depositários não tivessem exercido com o grau de diligência exigível pelo padrão de actuação do bonus pater familias o cargo de depositário, mormente, se poderiam ter arrecadado as rendas durante o período em que subsistiu a penhora do direito ao trespasse e ao arrendamento, não se vê como se lhes imputar um comportamento lesivo do direito da Autora, enquanto locadora.

          O depositário judicial não exerce funções por conta do exequente ou do executado, mas no cumprimento de incumbência do tribunal que o nomeia, ao abrigo de uma relação não contratual, devendo agir com zelo e diligência, não sendo defeso a “qualquer interessado” nessa actuação criteriosa, alertar o Tribunal, senão mesmo pedir a remoção do cargo – art. 845º, nº1, do Código de Processo Civil.

            Ao depositário de bens arrolados cabem os poderes e deveres do depositário de bens penhorados – art. 424.º, n.º5, do Código de Processo Civil – cfr. Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, volume II, 3.ª edição – reimpressão, 1981, Coimbra Editora, pág. 136, e “Processo de Execução”, volume 2.º, reimpressão, 1985, Coimbra Editora, pág. 136.

           No caso, o senhorio, que não foi afectado pela penhora do direito ao trespasse e ao arrendamento, deveria ter informado o Tribunal de que não estava a receber as rendas, nem do depositário por incumbência do cargo, nem do executado, nem eventualmente do penhorante.

           Nos termos do art. 856º do Código de Processo Civil, na redacção aplicável, “a penhora de créditos consiste na notificação ao devedor de que o crédito fica à ordem do tribunal”, justamente para poder actuar em defesa do seu direito contratual que está afectado pela penhora. Nada nos autos se contém acerca do modo como o cargo foi exercido pelos dois depositários nomeados.

            No que respeita ao exequente/penhorante do direito ao trespasse e arrendamento, existente na esfera jurídica da ré arrendatária, podendo ele pagar as rendas em caso de omissão do arrendatário ou do depositário, como terceiro interessado no cumprimento da obrigação – art. 767º, nº1, do Código Civil –, até para preservar, em caso de resolução do contrato, medio tempore, o direito penhorado, sobre ele não impendia essa obrigação, e destarte, não pode ser condenado a pagar as rendas em mora.

           Não estava obrigado pela sua condição de exequente a actuar como arrendatário. O citado normativo[2] na sua pertinência ao caso, confere uma faculdade, não um dever.

           Apesar de directamente interessado na satisfação do crédito do senhorio, para obstar à resolução do contrato de arrendamento, esse interesse não justifica que o exequente, credor do arrendatário e penhorante do direito ao trespasse e arrendamento tenha sequer de intervir na acção pelo lado passivo para assegurar a legitimidade do locatário, por se tratar, em todo o caso, de terceiro estranho à relação controvertida e, ainda, porque a satisfação do crédito pode ser alcançada sem ter lugar essa participação na acção.

           Importa, ainda, afirmar que existindo fundamento resolutivo contratual, sendo o arrendamento comercial e nele funcionando um estabelecimento, não é o facto de dele terem sido retirados elementos corpóreos, que, ipso facto, se deve considerar que deixou de existir e, assim, inexistente a relação locatícia.

             Os locais onde se encontrava instalado o estabelecimento da ré arrendatária foram encerrados por iniciativa não se sabe de quem, mas esse facto não vale por afirmar que, sob o ponto de vista jurídico, o estabelecimento deixou de existir.

            Até ter sido decretada a resolução do contrato, estando em vigor a relação locatícia entre o locador e a locatária, incumbia a esta, em primeira linha, a obrigação do pagamento da renda e não ao exequente/penhorante do direito ao trespasse e arrendamento, a quem não pode ser assacada qualquer ilicitude de índole contratual, por omissão do pagamento das rendas.

           

            Neste entendimento, não pode a recorrente ser condenada a pagar as rendas que competiam à Ré arrendatária “BB”, pelo que a decisão recorrida não pode manter-se.

            Finalmente, importa afirmar que a acusada nulidade do Acórdão por condenação além do pedido, já sanada pelo Acórdão da Conferência, que supriu a nulidade e procedeu à condenação intra petitum, estaria agora prejudicada pelo desfecho do recurso.

            Sumário – art. 663º, nº7, do Código de Processo Civil

            Decisão:

            Nestes termos, concede-se a revista, revogando o Acórdão recorrido no que concerne à condenação da Recorrente que vai absolvida do pedido.

            Custas pela Autora/recorrida.

 Supremo Tribunal de Justiça, 19 de Maio de 2015

Fonseca Ramos (Relator)

Fernandes do Vale

Ana Paula Boularot

______________________
[1] Relator – Fonseca Ramos.
Ex.mos Adjuntos:
Conselheiro Fernandes do Vale.
Conselheira Ana Paula Boularot.

[2]A prestação pode ser feita tanto pelo devedor como por terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação”. Se o terceiro tiver interesse na satisfação do crédito, assisti-lhe o direito de se sub-rogar nos direitos do credor, nos termos do art. 592º do Código Civil.