Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
20319/16.8T8LSB.L1.S2
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
BANCO
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
DANO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
DEVER DE INFORMAÇÃO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 01/19/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. Nos termos do AUJ n.º 8/2022, “no âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano”.

II. Não tendo os autores logrado provar algum destes requisitos, não é possível acolher a sua pretensão de responsabilizar o intermediário financeiro.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. RELATÓRIO

1. AA e BB intentaram acção contra Banco BIC Português, S.A., pedindo a condenação deste a restituir e pagar aos autores a quantia de € 54.325,21 acrescida de juros à taxa supletiva legal para as operações comerciais desde a citação.

2. Na sentença julgou-se a acção improcedente e, em consequência, decidiu-se absolver o réu do pedido.

3. Recorrem os autores pugnando pela revogação da sentença e pela sua substituição por outra decisão que julgue a acção procedente.

4. Em 4.12.2018 o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu Acórdão em que julgou improcedente o recurso de apelação e confirmou a decisão do Tribunal de 1.ª instância.

5. Os autores interpõem recurso de revista.

Terminam a sua alegação com as seguintes conclusões:

A. O douto acórdão agora posto em crise resume-se a menos de nove páginas, das quais seis e meia reproduzem as conclusões efetuadas pelo ora recorrente nas suas alegações, enquanto a matéria decisória propriamente dita, onde se inclui a apreciação das impugnações ás respostas dadas pelo tribunal a quo à matéria de facto, se resume a página e meia.

B. Nas suas alegações, os recorrentes invocaram profusa prova testemunhal, nomeadamente, os depoimentos de CC e DD, funcionários do Banco réu à data dos factos, bem como o depoimento de EE, também ele lesado pelo Banco réu em condições similares à dos autores e vizinho destes, o qual explicou como também se tinha deixado convencer a comprar uma obrigação SLN 2006 (págs. 41 e 42 da transcrição).

C. Os recorrentes invocaram também os Docs. 8 e 9 da p.i., os quais não foram levados em conta nem pela 1.ª nem pela 2.ª instância.

D. Tanto a 1.ª como a 2.ª instância deixaram de ter em consideração factos admitidos por acordo e outros provados por documentos (os documentos n.º 8 e n.º 9 da p.i. referidos nos &s 44.º a 50.º da p.i.), violando, destarte, o disposto no artigo 607.º, n.º 4 do C.P.C.

E. A violação, pelo Tribunal da Relação, de uma disposição expressa de lei que fixe a força de determinado meio de prova pode ser objeto do recurso de revista – artigo 674.º, n.º 3 do C.P.C., in fine.

F. Nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 2 do C.P.C., “O acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º”.

G. O douto acórdão recorrido nem contem um relatório propriamente dito, limitando-se, a reproduzir as conclusões feitas pelos concorrentes, nem expõe de uma forma minimamente aceitável os fundamentos da decisão.

H. O douto acórdão recorrido também não procedeu a uma analise critica da prova, não especificando quais os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção e deixando de compatibilizar toda a matéria de facto adquirida e de extrair dos factos apurados as presunções impostas por lei e pelas regras da experiência.

I. Nos termos do disposto no artigo 666.º, n.º 1 do C.P.C., “É aplicável à 2.ª instância o que se acha disposto nos artigos 613.º a 617.º (…)”.

J. Os recorrentes invocaram os depoimentos de três testemunhas com conhecimento direto dos factos, sendo duas funcionárias do Banco recorrido e uma terceira, um lesado do Banco, e apresentou, como é de lei, as devidas transcrições.

K. A tudo isso, o douto acórdão agora posto em crise nada disse.

L. É nulo o acórdão quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

M. Por outro lado, a prolação do douto acórdão recorrido vai contra a jurisprudência constante e quase uniforme do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, pelo menos, desde 18/01/2018.

N. O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa prolatou, entre muitos outros, desde 18/01/2018, em sentido completamente oposto ao agora professado, em causas da mesma natureza e basicamente com os mesmos intervenientes, um grande conjunto de acórdãos, entre os quais, o aqui escolhido como acórdão fundamento.

O. Em todos os acórdãos suprarreferidos se discute a mesma questão fundamental de direito: aquilatar se o Banco réu, ora recorrido, violou ou não os deveres de informação a que estava adstrito, na qualidade de intermediário financeiro, ao comercializar as obrigações SLN, não alertando os clientes para o risco de perderem o capital investido na aquisição das mesmas, em caso de insolvência da entidade emitente, omitindo-lhes que, nesse caso, só seriam pagos depois de todos os credores que não fossem subscritores deste tipo de obrigações.

P. O entendimento professado no douto acórdão agora recorrido colide frontalmente com aquele professado naqueloutro acórdão de 18/01/2018, aqui escolhido como acórdão fundamento.

Q. Existe uma identidade total entre as causas: aqui obrigações subordinadas SLN 2006, lá obrigações subordinadas SLN Rendimento Mais 2004, vendidas, em ambos os casos, aos balcões do BPN, na área de ....

R. A contradição sobre matéria de idêntica natureza e sobre a questão fundamental de direito resumi-la-emos a dois pontos fundamentais: a) A responsabilização do Banco réu (ora recorrido), na qualidade de intermediário financeiro, pela violação dos deveres de informação, mormente, por não ter alertado os autores para o risco de perderem o capital investido na aquisição da obrigação SLN 2006, em caso de insolvência da entidade emitente, omitindo-lhes que, nesse caso, só seriam pagos depois de todos os credores que não fossem subscritores deste tipo de obrigações e b) O nexo de causalidade entre a ilicitude e o dano sofrido pelos autores (ora recorrentes).

S. Quanto à responsabilização do Banco réu, na qualidade de intermediário financeiro, pela violação dos deveres de informação, mormente, por não ter alertado os autores para o risco de perderem o capital investido na aquisição da obrigação SLN 2006, em caso de insolvência da entidade emitente, omitindo-lhes que, nesse caso, só seriam pagos depois de todos os credores que não fossem subscritores deste tipo de obrigações, o douto acórdão recorrido concluiu que “para a relevância do plano concreto da causalidade adequada, só se poderia admitir que foi o comportamento do réu que determinou os autores a investirem €50.000,00 na obrigação não reembolsada na data do vencimento da aplicação pela emergência da insolvência da sociedade devedora emitente da obrigação se entre os deveres omitidos pelo réu, integradores do ilícito desenvolvimento do serviço de intermediação, se incluísse a omissão de informação de advertência preventiva sobre a previsibilidade da insolvência da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., ou, posteriormente. Galilei, SGPS, S.A.. Simplesmente tal afirmação é impossível não só porque a correspondente matéria não foi alegada, mas também porque a realidade não comporta a possibilidade dessa previsão de insolvência.

Com efeito só dez anos após a aplicação, em 2016 (artigo 109.º da petição inicial), ficou a sociedade insolvente e depois de apenas só a partir de Abril de 2015 não serem pagos os juros da aplicação”.

T. No acórdão fundamento, a propósito de uma causa em tudo idêntica à dos presentes autos (referente a obrigações subordinadas SLN Rendimento Mais 2004), foi outro o entendimento do mesmo tribunal.

U. No referido douto acórdão fundamento, a págs. 17, considerou-se que “Na sentença recorrida considera-se que um dos fatores que exclui qualquer responsabilidade do Banco se prende com o facto de, em 2004, não ser previsível a insolvência da SLN, que de resto apenas foi declarada em 2015. Mas, salvo o devido respeito, não no parece que seja isso que está em causa. O incumprimento do dever de informação não tem relação com a situação financeira da SLN à data do lançamento das obrigações. Tem a ver com o que aconteceria aos montantes investidos pelo cliente em obrigações caso a SLN viesse a cair na insolvência, o que, mesmo que pouco provável na altura, sempre seria uma possibilidade. Ou seja, é um risco – e muito grande – previsto na Nota Informativa e que integra o regime da subscrição das obrigações SLN Rendimento Mais 2004, qualquer que fosse a situação financeira da SLN na altura.

As pessoas deviam ser esclarecidas que em caso de insolvência ou liquidação da SLN corriam o risco de perder todas as verbas investidas, já que só seriam pagos depois de todos os outros credores que não fossem subscritores deste tipo de obrigações. Uma vez informados, os clientes poderiam então sopesar a remuneração de juros acrescida proporcionada pela subscrição das obrigações ou a que recebiam nos seus depósitos a prazo, e o risco acrescido a que aludimos, e depois tomar uma decisão informada e fundamentada”.

V. A contradição entre ambas as decisões, aqui em apreço, é ostensiva e evidente.

W. No caso dos autos, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa faz “tábua rasa” à violação do dever de informação pelo Banco réu, plenamente demonstrado e provado, nomeadamente, em 5 dos factos assentes, para concluir, pasme-se, que “Não é possível afirmar que o prejuízo dos autores, emergente da insolvência da sociedade devedora emitente da obrigação, se cifra, previsivelmente, na quantia de €50.000,00”!...

X. Isto depois do tribunal de 1.ª instância ter dado por provado, entre outros, que “O BPN não explicou à A. que se tratava de obrigação subordinada”.

Y. É certo que, em 2006, não se entrevia o futuro financeiro da entidade emitente da obrigação dos autos, mas seria de crucial importância que o Banco recorrido, no cabal cumprimento do seu dever de informação, tivesse alertado a autora mulher para o facto de se tratar de uma obrigação subordinada, explicando-lhe que, em caso de insolvência da entidade emitente, aquela corria o risco de perder a totalidade do capital investido, sendo o mesmo apenas pago depois de serem pagos todos os outros credores não subordinados.

Z. A representação, razoavelmente feita pela autora mulher, de que o produto financeiro era seguro, com risco igual ao do Banco réu, e que poderia ser resgatado a qualquer altura, resultou de falsa informação prestada pelo Banco réu, que violou o dever de informação leal e verdadeira, não correspondendo aos “ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência”, assinalados no n.º 1 do artigo 304.º do C.V.M..

AA. Ao contrário do entendido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, cremos que, no caso dos autos, foi omitida relevante informação que os factos demonstraram ser crucial: o produto não era seguro, nem o Banco réu, ante a insolvência da SLN, reembolsou os autores, que perderam o valor investido, o que exprime o prejuízo sofrido de €50.000,00.

BB. Sendo certo que, perante factualidade rigorosamente igual, se decidiu no douto acórdão fundamento que “Se os AA soubessem que, em caso de insolvência ou liquidação da SLN corriam o risco de não receber o montante investido, já que só seriam pagos depois de todos os demais credores não subordinados, nem sequer recebendo a percentagem garantida, mesmo em caso de insolvência, aos depositantes a prazo, não teriam de certeza aceite subscrever as obrigações no montante de €100.000,00”.

CC. Quanto ao nexo de causalidade entre a ilicitude e o dano sofrido pelos autores (ora recorrentes), entendeu o tribunal recorrido que “(…) no caso que analisamos, como é notório, o alegado dano ocorreu em consequência da insolvência da emitente (circunstância anómala e não previsível, à data da subscrição das obrigações) e não devido a qualquer violação de deveres de informação ou de obrigação contratual a que o Banco estivesse, porventura, vinculado.

Por conseguinte, tendo presente as sobreditas considerações, bem como o circunstancialismo dado como provado é inquestionável que o resultado danoso não foi, em concreto e relevantemente, causado pela alegada conduta do Banco réu, pelo que é manifesta a inexistência de nexo de causalidade nos termos e para os efeitos suprarreferidos (…)”.

DD. Mais uma vez, incorreu o douto acórdão recorrido em manifesta e ostensiva contradição com o entendimento professado no acórdão fundamento.

EE. Socorremo-nos agora do douto acórdão que escolhemos como acórdão fundamento, quando ali se refere que “caso tivessem alertado o Autor para o facto de, em caso de insolvência da SLN, o montante investido só seria reembolsado depois de todos os demais credores não subordinados, o Autor nunca teria aceite subscrever as aludidas obrigações.

Em consequência de tal omissão de informação, o Autor, convencido para tal pelo Banco Réu, usou €100.000,00 da sua conta de depósitos a prazo no Réu para investir em obrigações SLN Rendimento Mais 2004 e, perante a insolvência da SLN perdeu tudo o que fora levado a investir. Por isto, entendemos que existiu ilicitude na conduta do Banco, enquanto intermediário financeiro, por não ter informado os AA dos riscos a que estariam sujeitos caso a SLN fosse declarada insolvente. Pouco interessa se tal insolvência era ou não expectável em 2004. Tratava-se de um elemento integrante do negócio e tanto assim que consta da Nota Informativa. Tal ilicitude levou a que os AA subscrevessem as obrigações e mais tarde, perante a efetiva insolvência da SLN perdessem tudo o que haviam investido. (…) é exatamente a falta de informação do intermediário financeiro relativa às consequências que adviriam para os Autores em caso de insolvência da emitente, por serem detentores de obrigações subordinadas nos termos acima descritos, que levou os Autores a subscreverem as obrigações e a perderem a totalidade do montante investido.

- Viola o dever de informação a que está adstrito, o Banco que enquanto intermediário financeiro, alicia os seus clientes com depósitos a prazo, a subscreverem obrigações de uma sociedade, sem os esclarecer do caracter subordinado de tais obrigações, ou seja, que em caso de insolvência da sociedade emitente o montante investido por esses clientes só será pago depois de todos os outros credores não subordinados.

- Provando-se que, caso tivesse conhecimento deste risco, o cliente nunca teria subscrito as obrigações, verifica-se o nexo de causalidade entre a conduta ilícita do Banco e o dano do cliente, consubstanciado no não reembolso do capital investido por insolvência da sociedade emitente” (Ac. Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 18/01/2018, relatado pelo Juiz Desembargador António Valente).

FF. Como ensina MENEZES CORDEIRO, in “Direito Bancário”, págs. 432 a 433: “Na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente, a falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade. Assim, numa situação de tipo obrigacional, a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado”.

GG. E como se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 17.03.2016 (Relatora: Maria Clara Sottomayor), in www.dgsi.pt, “Pese embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro se, no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir, em nome desse relacionamento contratual, também o reembolso do capital investido”.

HH. Como foi o caso dos autos.

II. Tendo o Banco réu violado o dever de prestar à autora mulher a informação completa, leal e diligente – que os seus deveres profissionais impunham – é ele responsável pela obrigação de indemnizar o prejuízo causado; não só o réu não ilidiu a presunção de culpa que sobre si impendia, nos termos do disposto nos artigos 314.º, n.º 2 do C.V.M. e 799.º, n.º 1 do C.C., como ficou plenamente demonstrada nos autos a sua culpa efetiva.

JJ. Existindo ilicitude, culpa e dano, consubstanciado este na não recuperação do valor investido que, afinal, não foi garantido pelo Banco, bem como o nexo de causalidade entre a atuação culposa e inadimplente do Banco réu, estão preenchidos os requisitos da obrigação de indemnizar, nos termos do disposto no artigo 483.°, n.° Ido C.C..

KK. Tanto o acórdão recorrido como o acórdão fundamento se debruçam sobre a mesma questão fundamental de direito: a de saber se o Banco Português de Negócios, S.A., hoje denominado Banco BIC Português, S.A., na qualidade de intermediário financeiro, violou o dever de informação ao não alertar os clientes para o risco de perderem o capital investido na aquisição das obrigações subordinadas da SLN (ao tempo sua dona), em caso de insolvência desta entidade, omitindo-lhes que, nesse caso, só seriam pagos depois de todos os credores que não fossem subscritores deste tipo de obrigações.

LL. Os Venerandos Desembargadores que prolataram o acórdão agora posto em crise responderam de modo negativo, enquanto outros desse mesmo Venerando Tribunal têm respondido de modo positivo.

MM. A apreciação da aludida questão é absolutamente necessária para uma melhor aplicação do direito, uma vez que, nesta altura, existe uma completa divergência entre tribunais sobre a mesma.

NN. Em nome dos princípios da economia processual e da segurança jurídica torna-se imprescindível que este Colendo Tribunal responda de modo positivo à seguinte questão fundamental de direito: Existe ou não violação do dever de informação por parte do Banco Português de Negócios, S.A., hoje denominado Banco BIC Português, S.A., na qualidade de intermediário financeiro, ao não alertar os clientes para o risco de perderem o capital investido na aquisição das obrigações subordinadas da SLN (ao tempo sua dona), em caso de insolvência desta entidade, omitindo-lhes que, nesse caso, só seriam pagos depois de todos os credores que não fossem subscritores deste tipo de obrigações?

OO. O douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 73.°; 74.°; 75.°, n.° 1 e 76.° do R.G.I.C.S.F., nos artigos 13.°, n.° 1; 323.°, n.° 1; 344.°, n.° 1; 406.°; 483.°; 485.°; 487.°; 563.°; 573.°; 762.°, n.° 1; 798.°; 799.° e 800.° do Código Civil, nos artigos 607.°, n.° 4 e n.° 5; 615.°, n.° 2, alíneas b) e c); 635.°, n.° 4; 639.°, n.° 1; 640.°, n.os 1 e 2; 662.°, n.° 1; 663.°, n.° 2; 666.°, n.° 1 e 674.°, n.° 3 do C.P.C. e nos artigos 1.°, n.°l, ai. a); 7.°; 30.°; 289.°; 290.°; 292.°; 293.°, n.° 1, ai. a); 304.°; 304.°-A; 305.°; 309.°-A; 309.°-B; 310.°; 312.°; 314.° e 325.° a 334.° do C.V.M.”.

6. O recorrente apresentou contra-alegações, defendendo que o Acórdão recorrido não padece de nulidade e pugnando pela sua confirmação.

7. Na sequência disto, foi proferido Acórdão em Conferência indeferindo a arguição de nulidade.

8. De seguida, o Exmo. Senhor Desembargador Relator proferiu despacho admitindo o recurso de revista excepcional, “nos termos e para os efeitos do artigo 672.º, n.º 3, do CPC”.

9. A Formação ordenou à remessa à distribuição nos termos gerais, dado que os recorrentes haviam começado por identificar a revista em termos normais e apenas subsidiariamente a título excepcional.

10. O Exmo. Senhor Conselheiro a quem o processo foi distribuído ordenou a suspensão da instância recursiva, atendendo a que estavam pendentes recursos de uniformização de jurisprudência sobre matéria relevante para a causa.

11. O processo foi distribuído à presente Relatora em virtude da jubilação da jubilação daquele Exmo. Senhor Conselheiro.


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Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), as questões a decidir, in casu, são as de saber se:

1.ª) o Acórdão recorrido enferma de nulidade por omissão de pronúncia; e

2.ª) o Banco réu deve ser responsabilizado pelos danos causados aos autores.


*

II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido:

1 - Antes da nacionalização da BPN - Banco Português de Negócios, S.A., o capital desta era totalmente detido pela BPN SGPS, S.A. e o capital desta era totahnente detido por SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.

2 - Os AA. eram titulares de conta bancária no BPN.

3 - A A. BB era pessoa conservadora na aplicação que fazia das poupanças.

4 - A A. BB subscreveu a compra de uma obrigação SLN 2006, a 10 anos, no valor nominal de € 50.000,00.

5 - O BPN não explicou à A. que se tratava de obrigação subordinada.

6 - A partir de 30 de abril de 2015, os juros referentes à obrigação subscrita pela A. BB não mais foram pagos através da conta bancária referida no ponto 2.

E são seguintes os factos considerados não provados no Acórdão recorrido:

1 - O BPN deu instruções aos seus funcionários para venderem as obrigações SLN 2006 como sucedâneo do depósito a prazo que, como tal, podia ser movimentado sempre que o titular assim o desejasse; e para não entregarem nem mostrarem aos clientes a nota informativa.

2 - Em Maio de 2006, a A. BB foi abordada pelo gerente da agência ... do BPN, que lhe disse que tinha um novo produto muito mais rentável que os depósitos a prazo e com características semelhantes a estes.

3 - Os funcionários do BPN afiançaram à A. BB que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo banco.

4 - Os funcionários do BPN disseram à A. BB que se tratava de um produto sem qualquer risco e que podia ser resgatado em qualquer altura, apenas com penalização nos juros como nos depósitos a prazo.

5 - O BPN comprometeu-se a recomprar a obrigação subscrita pela A. BB na data acordada, pelo valor da compra.

6 - O BPN não informou a A. BB qual era a exacta intervenção daquele na operação.

7 - Desde finais de 2008 que os AA. sabem que a A. BB subscreveu obrigação SLN.

O DIREITO

Questão prévia sobre a admissibilidade do recurso como revista normal

Os autores interpõem o presente recurso por via excepcional apenas a título subsidiário.

Cabendo apreciar da admissibilidade do recurso por via normal, conclui-se que não há dupla conforme nos termos e para os efeitos do artigo 671.º, n.º 3, do CPC, uma vez que não há fundamentação não essencialmente diferente.

É verdade que tanto o Tribunal de 1.ª instância como o Tribunal recorrido absolveram o réu do pedido de condenação em responsabilidade. No entanto, enquanto o primeiro o fez cm fundamento na falta do requisito “ilicitude”, o segundo fê-lo com fundamento na falta do requisito “causalidade”.

Pode ler-se, a final, no Acórdão recorrido:

(…) não se verifica nexo de causalidade adequada entre o invocado dano no montante de € 50.000,00, ou noutro montante pelas razões acima aduzidas e a determinar, e o pretenso serviço de intermediação ilicitamente desenvolvido pelo réu.

Daqui resulta, porque os autores, nos termos e para os efeitos dos artigos 342°, n.° 1, do CC e 581°, n.°s 3 e 4, do CPC, não demonstram a causalidade adequada constitutiva do seu invocado direito, a improcedência da acçâo”.


Da alegada nulidade do Acórdão recorrido

Arguem os recorrentes a nulidade do Acórdão recorrido (cfr. conclusões G, H, I, J, K, L e OO).

Apesar de na conclusão se referirem às als. b) e c) do artigo 615.º do CPC, dir-se-ia que os recorrentes parecem pretender referir-se às al als. b) e d).

Veja-se que os factos fundamentadores da arguição de nulidade são, no essencial, omissões:

- não existe um relatório do Acórdão propriamente dito;

- não se especificam os fundamentos decisivos para a formação da convicção sobre a prova (cfr, conclusão H);

- não há pronúncia sobre os depoimentos de certas testemunhas (cfr. conclusão J).

Diz-se no artigo 615.º, n.º 1, do CPC que é nula a sentença quando:

(…)

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; (…)

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”.

A verdade é que não se pode acompanhar os recorrentes nesta arguição de nulidade.

Não pode dizer-se que não exista um relatório ou que não se especificaram os fundamentos decisivos para a formação da convicção sobre a prova. Aquilo que poderá, eventualmente, dizer-se é que o relatório é breve e que os fundamentos são sintéticos. Mas a brevidade e o carácter sintético não originam nulidade por omissão de fundamentos da decisão.

Tão-pouco pode dizer-se que exista omissão de pronúncia porque o Tribunal não se pronunciou sobre os depoimentos de todas as testemunhas. A omissão de pronúncia refere-se exclusivamente a questões, sendo só em relação a elas que o Tribunal tem o dever de se pronunciar. Desde que possa dizer-se – como pode, neste caso, dizer-se – que o Tribunal recorrido respondeu a todas as questões suscitadas, não há omissão de pronúncia.

De qualquer forma, sempre se diga que o facto de o Tribunal não se referir expressamente a certa prova, ainda para mais sujeita ao princípio da livre apreciação, não deve levar a pensar que a não considerou.


Do objecto do recurso

Como é do conhecimento geral, a responsabilidade civil depende do preenchimento de determinados requisitos, entre os quais se contam a ilicitude da conduta do lesante e o nexo de causalidade entre a conduta e os danos sofridos pelos lesados.

Em particular em casos do tipo do dos autos – de responsabilidade do intermediário financeiro – é indispensável convocar o Acórdão de Uniformização de jurisprudência n.º 8/2022, de 6 de Dezembro de 2021.

Aí se esclarece que:

1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro — que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em "produtos de risco" — informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o "reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco"), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir”.

Significa isto, quanto ao requisito da ilicitude, que o intermediário financeiro tem o dever de informar “com clareza, lealdade e transparência os clientes acerca dos elementos caracterizadores dos produtos financeiros propostos para que os investidores possam tomar uma decisão de investimento esclarecida (artigo 7.º do CVM), sendo que a informação deve ser mais aprofundada quanto menor for o conhecimento do investidor […]”.

Entre os corolários do dever de informar estão os de que o intermediário financeiro deve comunicar ao cliente-investidor as características das obrigações e, em particular, as características das obrigações subordinadas[1] e os riscos da sua subscrição[2]; deve dar-lhe conta de que a remuneração e a restituição do capital investido depende sempre da solidez financeira da entidade emitente[3]; de que o banco não está obrigado a remunerar ou a restituir o capital investido, “com capitais próprios[4]; de que não há nem fundo de garantia nem “mecanismos [alternativos] de proteção contra eventos imprevisíveis”; de que o cliente-investidor não poderá levantar o capital quando quiser [5]; e de que tem uma relação de dependência com a entidade emitente, “na medida em que possa estar em causa um potencial conflito de interesses”.

Ora, não há dúvidas de que existe ilicitude no sentido propugnado no AUJ – que a informação prestada pelo intermediário financeiro se revela insuficiente para que a autora tivesse tomado uma decisão de investimento esclarecida.

Resta, portanto, a questão do nexo de causalidade.

Sucede que, perante os factos provados, não pode dar-se por assente o nexo de causalidade. Quer dizer: não consta daquele elenco, em resultado da actividade probatória desenvolvida pelos autores, nos termos referidos acima, que a prestação da informação devida levaria à decisão de não investir.

Havendo ilicitude mas não podendo dar-se por assente o nexo de causalidade, não é possível acolher a pretensão dos autores no sentido de responsabilizar o intermediário financeiro.


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III. DECISÃO

Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e confirma-se o Acórdão recorrido.


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Custas pelos recorrentes.


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Lisboa, 19 de Janeiro de 2023

Catarina Serra (Relatora)

Rijo Ferreira

Cura Mariano

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[1] Da fundamentação do AUJ n.º 8/2022 consta que “o intermediário financeiro deve esclarecer o cliente (investidor) no que consistem as "obrigações subordinadas", isto é, informar que, em caso de insolvência do emitente, os obrigacionistas apenas serão reembolsados depois dos demais credores de dívida não subordinada”.

[2] Da fundamentação do AUJ n.º 8/2022 consta que “compete ao intermediário financeiro o dever de esclarecer sobre as reais características das obrigações e sobre os riscos que a operação envolve (mesmo sem olvidar que nos depósitos bancários também há o risco de insolvência da entidade depositária, mas esse risco sempre é atenuado pela existência do Fundo de garantia de devolução de depósitos, pelo menos, parcialmente)”.

[3] Da fundamentação do AUJ n.º 8/2022 consta que “[se exige] que o intermediário financeiro preste uma informação detalhada e verdadeira sobre o tipo de investimento que propõe ao investidor, designadamente, dando-lhe conta de a restituição, quer do montante investido, quer dos juros contratados depender sempre da solidez financeira da entidade emitente e que não há fundo de garantia nem mecanismos de proteção contra eventos imprevisíveis”.

[4] Da fundamentação do AUJ n.º 8/2022 consta que “[i]sto significa que o intermediário financeiro deve informar o investidor que o risco de não retorno do capital investido corre por conta do cliente (investidor), não estando o Banco obrigado a restituir-lhe o valor investido nem a pagar-lhe os juros respetivos, com capitais próprios, tendo sempre em mente que para certo tipo de cliente (investidor) a garantia do reembolso do capital investido é essencial”.

[5] Da fundamentação do AUJ n.º 8/2022 consta que o intermediário financeiro deve “informar o cliente que não poderá levantar o capital e respetivos juros quando assim entender, tornando claro o sentido do endosso como mecanismo de transmissão — desmobilização do investimento — do produto”.