Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06P4808
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: RODRIGUES DA COSTA
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
HAXIXE
AUTORIA
CUMPLICIDADE
OBJECTO DO CRIME
MEDIDA DA PENA
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Nº do Documento: SJ200703220048085
Data do Acordão: 03/22/2007
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: PROVIDO PARCIAL UNS E NEGADO OUTROS
Decisão: RECURSO PENAL
Sumário :
1 - Não obstante se tratar de haxixe, uma substância menos danosa do que a heroína e a cocaína, e de um simples transporte, a pena de 8 anos de prisão mostra-se ajustada a um indivíduo que se dispôs a ir a Marrocos efectuar um carregamento de 270 Kgs. daquela substância estupefaciente, a troco de € 5.000, utilizando uma aeronave da sua propriedade, equipada com instrumentos a bordo, nomeadamente um sistema de GPS, que lhe permitiu aterrar em Marrocos, e tendo contratado por € 1.000,00 a deduzir daqueles € 5.000,00, um outro indivíduo que o acompanhou, recolheu em Marrocos os fardos de haxixe, enquanto ele ficou aos comandos da aeronave, que conservou sempre com o motor a trabalhar, voltando a levantar voo logo de seguida, para aterrar, horas depois, no aeródromo de Beja, tendo o acompanhante lançado os referidos fardos à pista, onde já se encontravam outros indivíduos arguidos à espera.
2 - A colaboração prestada pelo referido acompanhante é de co-autoria e não de cumplicidade;
3 - Tendo o arguido que conduziu o veículo automóvel onde foram acondicionados os fardos lançados à pista se apercebido, só nesse momento, de que o produto em causa era droga – visto que fora abordado por outro arguido, seu acompanhante, para fazer esse transporte, sem menção da sua natureza e sem se ter provado qualquer contrapartida por esse trabalho – mas, mesmo assim, se dispôs a ajudar a recolher os referidos fardos e a acondicioná-los naquele veículo, conduzindo este, depois, com o fito de chegar ao destino – objectivo que foi frustrado por acção policial -, cometeu esse arguido, a título de co-autoria, o crime de tráfico de estupefacientes do art. 21.º, n.º 1 do DL 15/93, de 22/1, e não o tráfico de menor gravidade, previsto e punido no art. 25.º, n.º 1.
4 - A sua culpa é, no entanto, bastante menos acentuada, face a todo o condicionalismo objectivo, que não pode ter deixado de influenciar a sua liberdade de determinação, justificando-se a atenuação especial da pena.
5 - Porém, já não é de aplicar a suspensão da execução da pena, por a isso se oporem as exigências de prevenção geral, ou seja, por aquela não ser adequada a satisfazer as necessidades de punição do facto.
6 - A perda da aeronave a favor do Estado, nos termos do art. 35.º do DL 15/93, de 22/1, não merece censura, mesmo à luz daquela jurisprudência mais rigorosa, que exige que entre o objecto e a prática da infracção interceda uma relação de funcionalidade ou de instrumentalidade em termos de causalidade adequada, dado que aquela aeronave serviu de instrumento essencial à prática do crime.*

* Sumário elaborado pelo relator
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

1. No 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, no âmbito do processo comum colectivo n.º 247/04.0JELSB, foram julgados os arguidos AA, BB, CC e DD, acusados:
1 – AA:
- Em co-autoria material e na forma consumada, como reincidente, um crime de tráfico de produtos estupefacientes agravado p. e p. pelos artigos 75.º e 76.º do Código Penal e 24.º, alíneas b), c) e i), por referência ao 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, conjugados com as tabelas I-A, I-B e I-C anexas a este último diploma;
- Em autoria material e na forma consumada, dois crimes de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 275.º, n.º 3, com referência aos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. c), e 4.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17.04;
- Em autoria material e na forma consumada, um crime de detenção ilegal de arma p. e p. pelo art. 6.º, n.º 1, da Lei n.º 22/97, de 27.06;
2 – BB:
- Em co-autoria material e na forma consumada, um crime de tráfico de produtos estupefacientes p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, conjugado com as tabelas I-A, I-B e I-C a este anexas;
3 – DD:
- Em co-autoria material e na forma consumada, um crime de tráfico de produtos estupefacientes p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, conjugado com a tabela I-C a este anexa;
4 – CC:
- Em co-autoria material e na forma consumada, um crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo art. 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, conjugado com a tabela I-C a este anexa.

No decurso da audiência, foi proferido despacho do seguinte teor:
"O despacho de pronúncia imputou ao arguido AA, além do mais, a prática de dois crimes de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 275.º, n.º 3, com referência aos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. c), e 4.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17.04.
Ora, é concebível enquadrar juridicamente os factos que servem de fundamento a tal imputação de forma diversa.
Assim, relativamente à alegada detenção da espingarda automática do tipo "Kalashnikov", se for entendido que esta última é uma arma de guerra, poderá tal conduta constituir um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo n.º 1 do art. 275.º do Código Penal e não pelo n.º 3 do mesmo artigo, como consta do despacho de pronúncia.
No tocante à alegada detenção de uma pistola semi-automática de calibre 7,65 mm., se for entendido que esta última é uma arma de defesa, poderá tal conduta constituir um crime de detenção ilícita de arma de defesa p. e p. pelo art. 6.º, n.º 1, da Lei n.º 22/97, de 27.06, e não pelo n.º 3 do art. 275.º do Código Penal, como consta do despacho de pronúncia.
Ao arguido CC é imputada a prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo art. 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, conjugado com a tabela I-C a este anexa.
Porém, os factos que o despacho de pronúncia, através de remissão para a acusação, imputa a este arguido, podem vir a ser integrados no tipo do n.º 1 do art. 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, conjugado com a tabela I-C a este anexa.
Pelo exposto e em cumprimento do n.º 3, com referência ao n.º 1, do art. 358.º do Código de Processo Penal, comunico as mencionadas alterações aos arguidos AA e CC, para que estes possam exercer, se assim o entenderem, a faculdade ali prevista."

No final, foram os arguidos condenados:
O arguido AA:
- Pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, em vez do crime agravado do art. 24.º, alíneas b), c) e i) de que vinha acusado, numa pena de 8 (oito) anos de prisão;
- Pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção ilícita de arma de guerra p. e p. pelo artigo 275.º, n.º 1, do Código Penal (entretanto revogado pelo artigo 118.º, alínea o), da Lei n.º 5/2006, de 23.02), com referência ao artigo 7.º, al. d), do Decreto-Lei n.º 37.313, de 21.02.1949 (entretanto revogado pelo artigo 118.º, al. a), da Lei n.º 5/2006, de 23.02), aplicáveis nos termos do artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal, numa pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão;
- Pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção ilícita de arma de defesa p. e p. pelo artigo 6.º, n.º 1, com referência ao artigo 1.º, n.º 1, al. a), ambos da Lei n.º 22/97, de 27.06 (entretanto revogada pelo artigo 118.º, alínea h), da Lei n.º 5/2006, de 23.02), aplicável nos termos do artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal, numa pena de 10 (dez) meses de prisão;
- Pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção ilícita de arma de caça p. e p. pelo artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º 22/97, de 27.06, aplicável nos termos do artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal, numa pena de 2 (dois) meses de prisão;
Em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77.º, números 1 e 2, do Código Penal, na pena única de 10 (dez) anos de prisão.

O arguido BB:
Pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência às tabelas I-A, I-B e I-C anexas a este diploma legal, numa pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;

O arguido CC:
Pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-C anexa a este diploma legal, numa pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.

2. Inconformados, estes arguidos recorreram para este Supremo Tribunal.
A) Em resumo, o arguido AA insurge-se contra as penas aplicadas, entendendo que “a dosimetria certa in casu é uma pena de cinco anos pelo transporte ⌠entenda-se tráfico⌡e de dois anos pelas armas: quantum global de seis anos”.
Isto, porque:
- “as armas foram levadas sob uma única resolução criminosa e constituem de per si um único crime”;
- A culpa não foi intensa; tratou-se de efectuar um único transporte de alguns quilos de uma erva consumida legalmente em variados produtos e controlada pelo Estado e União Europeia (…) semelhante ao efeito nocivo do tabaco e álcool”;
- O arguido confessou e manifestou arrependimento.
O arguido insurge-se ainda contra a perda do avião da sua propriedade, entendendo que o tribunal se baseou apenas no art. 35.º, n.º 1 do DL 15/93, esse artigo é inconstitucional por violar o princípio da proporcionalidade e da intervenção mínima do direito penal, o tribunal não fundamentou em concreto o perdimento e violou as regras da experiência comum (art. 410.º, n.º 2 do CPP).

B) O arguido BB coloca também em causa a pena aplicada, pois teve “participação meramente residual”, não conhecia o “Milhafre” ⌠o indivíduo que propôs o transporte ao arguido AA⌡, o qual “detinha o controle material da operação”, estava “sem documentos num país estrangeiro, “num local ermo e deserto, rodeado de sujeitos armados e perigosos”, “sempre prestou colaboração às entidades policiais e jurisdicionais desde o momento da sua detenção”, devendo ser punido com uma pena “o mais aproximada do mínimo legal, isto é 4 anos de prisão”…

C) O arguido CC pretende:
A qualificação da sua conduta como cumplicidade, visto que o seu “desempenho foi acessório e marginal”, mas também que os factos provados devem ser subsumidos ao art. 25.º, n.º 1 do DL 15/93;
A pena deve ser fixada no âmbito da moldura penal prevista no referido artigo e não deve ser superior a 14 meses de prisão;
Se assim não for entendido, o arguido deve beneficiar de atenuação especial da pena, isto por força do reduzido lapso temporal em que decorreram os factos e a conduta ter-se confinado a uma única actuação.

3. Respondeu o Ministério Público junto do tribunal “a quo”, considerando correctas as penas aplicadas ao arguido AA, bem como a perda da aeronave , inadequada a alegação do arguido BB, por se basear em matéria de facto não provada, sendo certo que não existe fundamento para uma pena situada no mínimo, e quanto ao arguido CC, apesar de não ter interposto recurso da decisão, entende que ocorre diminuição acentuada da ilicitude, visto que este arguido só teve conhecimento dos factos ilícitos “num momento em que a sua capacidade de reflexão e decisão estavam condicionadas”, não tendo obtido nem procurado vantagens económicas ou outras. Daí que, por diminuição acentuada da ilicitude, mas também (menos acentuada) da culpa, se justifique o abaixamento da pena e a suspensão da sua execução.

4. Neste Supremo Tribunal, porque os arguidos AA e CC requereram alegações escritas, designou-se prazo para as referidas alegações e circunscreveram-se as questões a tratar.
Os arguidos alegaram em sentido idêntico ao das respectivas motivações e o Ministério Público concluiu as suas alegações no sentido de:
Se considerar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, mantendo-se a pena que lhe foi aplicada, bem como a declaração de perda a favor do Estado da aeronave;
Se considere também improcedente a pretensão do recorrente CC de convolação para o crime do art. 25.º e al. a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, mantendo-se a condenação pelo crime do n.º 1 do art. 21.º deste diploma, embora a pena possa ser especialmente atenuada, face ao n.º 1 do art. 72.º do Código Penal.

5. Colhidos os vistos, realizou-se a audiência de julgamento apenas no tocante ao arguido BB, dado que os dois restantes recorrentes optaram por alegações escritas.
O Ministério Público defendeu que a participação do recorrente BB foi essencial e não acessória do ponto de vista realização do facto típico e, por isso, a sua condenação como autor material está correcta. Quanto à pena, apontando em princípio para a correcção da medida que foi fixada, salientou a ilicitude do facto, de grau elevado, e a culpa, que, não sendo das mais acentuadas, já que o arguido não era o dono do negócio, era dependente de drogas e costumava adquirir heroína e cocaína para o arguido AA, que permitia, em troca, que ele consumisse consigo parte dessas drogas, é, todavia, uma culpa considerável, o tribunal, se assim o entendesse, poderia encontrar a pena mais adequada entre o mínimo aplicável – 4 anos – e os 5 anos e 6 meses que lhe foram aplicados.
A defesa argumentou como na motivação de recurso.



II. FUNDAMENTAÇÃO
6. Matéria de facto apurada
6.1. Factos dados como assentes:
1 - Em 14.05.2004, o arguido AA comprou a aeronave da marca "Piper", modelo "PA-32-260", com o número 32716 e a matrícula CS-ALZ, pelo preço de € 75.000;
2 - O arguido AA apetrechou essa aeronave com um aparelho "GPS Map 196" e um aparelho "GPS Pilot III";
3 - O arguido AA travou conhecimento com um indivíduo que conheceu pela alcunha de "Milhafre";

4 - Os arguidos AA e BB conheceram-se durante o ano de 2002, época em que ambos trabalhavam, como motoristas, numa empresa de transporte rodoviário;
5 - Sendo ambos consumidores de heroína e cocaína, ocasionalmente o arguido AA solicitava, ao arguido BB, que este, para seu consumo, lhe comprasse tais produtos estupefacientes; o arguido BB efectuava essas compras de heroína e cocaína e, como paga, o arguido AA permitia que ele consumisse consigo parte dos mesmos produtos;
6 - Em finais do ano de 2004, o "Milhafre" propôs, ao arguido AA, que este se deslocasse, na sua aeronave, a um local situado em Marrocos, onde carregaria canabis que, em seguida, transportaria para Portugal;
7 - O "Milhafre" ofereceu, ao arguido AA, uma remuneração de € 5.000 por esse transporte de canabis;
8 - O arguido AA aceitou essa proposta do "Milhafre", tendo este último comunicado ao primeiro que as entregas da quantia de € 5.000 e da canabis ocorreriam no aeródromo de Beja;
9 - Inteirado, pelo "Milhafre", do peso aproximado da canabis que iria transportar, o arguido AA propôs, ao arguido BB, que este o acompanhasse e auxiliasse no referido transporte, a troco da quantia de € 1.000;
10 - Esta quantia de € 1.000 seria paga pelo arguido AA, saindo da quantia de € 5.000 que este último receberia;
11 - O arguido BB aceitou a proposta que lhe foi feita pelo arguido AA, tendo ficado ciente de que o auxílio que este último de si pretendia era para o transporte de fardos de canabis de Marrocos para Portugal;
12 - O arguido AA suportaria o custo do funcionamento da sua aeronave, nomeadamente o preço do combustível que gastaria, que rondaria os € 250;
13 - Temendo que a operação que preparava fosse detectada pelas autoridades policiais e com o objectivo de ficar a salvo da acção destas últimas nessa eventualidade, o "Milhafre" encarregou o arguido DD, pessoa da sua confiança, de se deslocar ao aeródromo de Beja para, nesse local, se encontrar com o arguido AA, entregar os € 5.000 em dinheiro a este prometidos antes da partida para Marrocos e, no momento do regresso, receber a canabis e transportá-la para local que lhe indicou;
14 - Ciente dos pormenores da tarefa que o "Milhafre" lhe cometia, nomeadamente de que estava em causa um transporte de canabis, o arguido DD aceitou a referida incumbência, a troco da quantia de € 1.000;
15 - Com vista a possibilitar a deslocação do arguido DD a Beja, o recebimento da canabis e o ulterior transporte desta última já em território nacional, o "Milhafre" facultou a utilização da viatura da marca "Mercedes" com a matrícula …-…-…, de que era proprietário, ao arguido DD, entregando-lhe, ainda, a quantia de € 5.000 destinada ao arguido AA;
16 - Dias antes, o "Milhafre" facultara o …-…-… ao arguido DD, vindo este a ser detectado a conduzi-la sem que fosse titular de carta de condução;
17 - Por esse motivo, o arguido DD não quis arriscar-se a conduzir o veículo até Beja na data marcada para o transporte de canabis;
18 - Para resolver esse problema e também porque facilitaria e tornaria mais rápida a operação de transbordo da canabis da aeronave para o …-…-…, o arguido DD perguntou, ao arguido CC, se este estava disposto a acompanhá-lo numa deslocação a Beja, conduzindo aquele veículo;
19 - O arguido CC acedeu a tal solicitação;
20 - Assim, no dia 29.01.2005, os arguidos DD e CC empreenderam a viagem até Beja no 70-74-VV, conduzido pelo segundo;
21 - Em harmonia com o plano delineado pelo "Milhafre", os arguidos AA e BB, por um lado, e DD e CC, por outro, dirigiram-se, na madrugada de 30.01.2005, ao aeródromo de Beja;
22 - Nesse local, cerca das 02.30 horas, o arguido DD entregou, ao arguido AA, a quantia de € 5.000, em dinheiro, correspondente à remuneração que este último acordara com o "Milhafre";
23 - O arguido AA recebera, anteriormente, do "Milhafre", algum dinheiro, mas destinado exclusivamente ao pagamento dos custos de deslocações suas a Beja, nas semanas anteriores, para o mesmo fim, deslocações essas que vieram a revelar-se infrutíferas, já que a operação fora sucessivamente adiada pelo "Milhafre" até 30.01.2005;
24 - Ainda em obediência ao plano delineado pelo "Milhafre", cerca das 05.50 horas do dia 30.01.2005, a aeronave da marca "Piper", modelo "…-…-…", com o número ….. e a matrícula …-…, pertencente ao arguido AA, pilotada por este e com o arguido BB a bordo, como passageiro, levantou voo do aeródromo de Beja;
25 - Com o auxílio dos aparelhos "GPS Map 196" e "GPS Pilot III" instalados na sua aeronave, o arguido AA dirigiu esta última a uma pista de aterragem, sita em Marrocos, cujas coordenadas geográficas o "Milhafre" lhe fornecera previamente, a fim de receber o carregamento de canabis;
26 - Após a aterragem na referida pista situada em território marroquino, enquanto o arguido AA se manteve aos comandos da sua aeronave, cujo motor manteve em funcionamento, o arguido BB recebeu, das mãos de indivíduos desconhecidos que se encontravam em terra, e acondicionou no interior da aeronave, nove fardos de canabis com o peso global de 277 (duzentos e setenta e sete) kg;
27 - Após esta operação, que durou cerca de 4 minutos, o arguido AA fez a aeronave descolar, de regresso a Beja;
28 - Minutos antes da aterragem no aeródromo de Beja, o arguido AA estabeleceu contacto com o "Milhafre", que se encontrava nas imediações a vigiar, para saber se podia aterrar;
29 - Porque não detectou qualquer movimento suspeito, nomeada-mente a presença de autoridades policiais, o "Milhafre" ordenou ao arguido AA que aterrasse;
30 - Assim, cerca das 09.45 horas do referido dia 30.01.2005, os arguidos AA e BB aterraram no aeródromo de Beja, onde os arguidos DD e CC os aguardavam;
31 - Os arguidos DD e CC haviam-se feito transportar, novamente, no veículo automóvel com a matrícula …-…-…, conduzida pelo segundo, e aguardavam ao fundo da pista do aeródromo;
32 - Quando a aeronave se encontrava muito próxima do …-…-…, o arguido BB lançou os fardos de canabis para a pista;
33 - De imediato, os arguidos DD e CC correram para junto dos fardos, que recolheram e acondicionaram na bagageira e no habitáculo do …-…-…;
34 - Só aquando do lançamento dos fardos de canabis à pista e face à solicitação do arguido DD para que o ajudasse a apanhá-los e a introduzi-los no …-…-…, o arguido CC se inteirou de que o produto existente nos fardos era canabis; ainda assim, o arguido CC decidiu prestar o auxílio que lhe era solicitado;
35 - Logo que apanharam e colocaram dentro do …-…-… a totalidade dos fardos de canabis, os arguidos DD e CC introduziram-se naquele veículo;
36 - Em seguida, o arguido CC conduziu o …-…-…, com destino a um local, que não foi possível apurar, no qual a canabis seria entregue ao "Milhafre" ou a alguém por este enviado;
37 - Porém, agentes da Polícia Judiciária interceptaram o …-…-… na extremidade da pista do aeródromo oposta àquela onde os fardos de canabis haviam sido introduzidos naquele veículo e procederam à detenção dos arguidos DD e CC, os quais não ofereceram resistência;
38 - Entretanto, após o arguido BB ter lançado a totalidade dos fardos de canabis para a pista, o arguido AA conduziu a aeronave para uma outra zona da mesma pista, destinada ao estacionamento de aeronaves;
39 - Após a aeronave estar estacionada, os arguidos AA e BB saíram dela e, nesse momento, foram detidos por agentes da Polícia Judiciária, sem oferecerem resistência;
40 - No momento da sua detenção, o arguido AA tinha consigo cerca de 1,64 gramas de cocaína, destinada exclusivamente ao seu consumo pessoal;
41 - Na aeronave, entre os bancos dos pilotos, o arguido AA havia previamente colocado:
- Uma espingarda automática, tipo "Kalashnikov", de calibre 7,62 mm. M.43, modelo M70AB2, com o número de série 577648, originária da antiga Jugoslávia;
- O respectivo carregador com 31 munições próprias para essa arma;
- Uma pistola semi-automática da marca "Taurus", modelo PT57SC, de origem brasileira, com calibre 7,65 mm. Browning, com o número de série rasurado;
- O respectivo coldre e dois carregadores com 22 munições próprias para essa arma;
- Duas caixas com a inscrição "Magtech", uma contendo 50 munições e outra contendo 23 munições, todas de calibre 7,65 mm. Browning;
42 - O arguido AA detinha ainda, no quarto do hotel "Garbe", sito em Armação de Pêra, que ocupava, duas caixas contendo, cada uma delas, 20 munições de calibre 7,62 mm. M.43, da marca "Sellier & Bellot;
43 - Nesse mesmo dia 30.01.2005, na sequência de uma busca efectuada à residência do arguido AA sita em Santa Cruz, próximo de Torres Vedras, foram apreendidos, entre outros bens:
- Dois pedaços de canabis com o peso total de cerca de 35,14 gramas, substância essa destinada exclusivamente ao seu consumo pessoal;
- Um coldre e uma sovaqueira;
- Um coldre interior;
- Um livro de instruções de arma "AK-47";
- Duas caixas contendo, cada uma, 20 munições de calibre 7,62 mm. M.43;
- 50 munições de calibre 7,65 mm.;
44 - Ainda no dia 30.01.2005, na sequência de uma busca efectuada à residência do arguido AA sita em Fonte Grada, próximo de Torres Vedras, foram apreendidos, entre outros bens:
- Uma espingarda caçadeira semi-automática da marca "Fabarm Ellegi", calibre 12, com o número de série 453286;
- Uma caixa contendo 10 cartuchos de caça de calibre 12, marca "Globalshot", com copela de 23 mm. e corpo em plástico, carregados de bala e com as inscrições "RIO MG CAZA BALA";
- Uma caixa contendo 6 cartuchos de caça de calibre 12, marca "Nobel Sport", com copela de 23 mm. e corpo plástico translúcido, carregados de bala, apresentando as inscrições "Sauvestre 402";
45 - A espingarda caçadeira semi-automática da marca "Fabarm Ellegi", calibre 12, com o número de série …….., foi manifestada no Comando Geral da Polícia de Segurança Pública em 26.09.1985;
46 - Em 13.10.1995, o Comando da Polícia de Segurança Pública de Faro autorizou, a título permanente, o arguido AA a conservar no seu domicílio sito em Quinta Nossa Senhora do Ar, Salicos, Lagoa, a espingarda caçadeira semi-automática da marca "Fabarm Ellegi", calibre 12, com o número de série …….;
47 - O arguido AA foi titular de carta de caçador entre 13.12.1984 e 31.10.1993;
48 - O arguido AA foi titular de licença para uso e porte de arma de caça entre os anos de 1989 e 1993;
49 - Todos os arguidos sabiam que o produto acondicionado nos fardos que manusearam e transportaram era canabis e que estavam a cometer um crime de tráfico de produtos estupefacientes;
50 - O arguido AA conhecia a natureza estupefaciente da heroína e da cocaína que permitia que o arguido BB consumisse à sua custa como contrapartida pelo facto de lhe ir comprar tais produtos;
51 - O arguido BB sabia que a heroína e a cocaína que comprava e entregava ao arguido AA para consumo deste eram substâncias estupefacientes; procedeu a tais compra e entrega com o propósito de conseguir produtos estupefacientes para o seu próprio consumo;
52 - O arguido AA sabia que não era titular de licença de uso e porte de arma de caça válida, nem membro de qualquer força militar ou agente de autoridade policial;
53 - O arguido AA sabia que não estava autorizado a ter a espingarda caçadeira semi-automática da marca "Fabarm Ellegi", calibre 12, com o número de série ….., no seu domicílio sito em Fonte Grada, próximo de Torres Vedras;
54 - Não obstante, o arguido AA quis ter em seu poder a pistola semi-automática e seus carregadores, a espingarda automática e espingarda de caça semi-automática e respectivas munições;
55 - O arguido AA sabia que a espingarda automática tipo "Kalashnikov" era uma arma de guerra e, como tal, lhe estava vedada a sua detenção;
56 - O arguido AA sabia que também lhe estava legalmente vedada a detenção da pistola semi-automática de calibre 7,65 mm;
57 - O arguido AA foi condenado pela prática, em 23.05.1993, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, numa pena de 6 anos de prisão, a que foi perdoado 1 ano de prisão nos termos da Lei n.º 15/94, de 11.05; o acórdão foi proferido no dia 19.01.1995; a referida pena foi declarada extinta através de despacho proferido em 24.05.1998 e já transitado em julgado (processo n.º 63/94 do Tribunal de Círculo de Portimão);
58 - Posteriormente, o arguido AA cumpriu uma pena de prisão em França, tendo sido libertado no ano de 2001;
59 - O arguido BB sofreu as seguintes condenações:
- Pela prática, em 17.09.1999, de um crime de burla informática p. e p. pelo art. 221.º, n.º 4, al. a) do Código Penal, e de cinco crimes de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203.º e 204.º, n.º 1, al. f) do mesmo código, numa pena unitária de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por um período de 2 anos; o acórdão foi proferido no dia 16.12.2003 e transitou em julgado no dia 14.01.2004; esta pena foi declarada extinta nos termos dos artigos 56.º e 57.º do Código Penal (processo n.º 1283/99.2 PRLSB da 7.ª Vara Criminal de Lisboa, 1.ª Secção);
- Pela prática, em 15.05.2000, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário p. e p. pelo art. 347.º do Código Penal, numa pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por um período de 2 anos; a sentença foi proferida no dia 27.02.2004 e transitou em julgado no dia 15.03.2004 (processo n.º 421/00.9 GCLSB do 1.º Juízo Criminal de Loures);
(…)
61 - O arguido CC foi condenado pela prática, em 25.06.2002, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03.01, numa pena de 70 dias de multa; a sentença foi proferida no dia 25.06.2002; a pena foi declarada extinta por pagamento (processo n.º …. GTSTB do Tribunal Judicial da Comarca do Montijo);
62 - Entre o momento em que acabou de cumprir a pena de prisão que lhe foi imposta em França e o dia 30.01.2005, o arguido AA viveu com sua filha EE, nascida em 04.03.1989;
63 - Alguns meses antes da sua detenção à ordem deste processo, o arguido AA conheceu uma mulher de nacionalidade brasileira num bar de alterne;
64 - Desde então e até à data da sua detenção à ordem deste processo, o arguido AA viveu em união de facto com a referida mulher de nacionalidade brasileira, a qual tinha gastos pessoais significativos, que aquele suportava;
65 - Posteriormente ao cumprimento da pena de prisão em que foi condenado em França, o arguido AA exerceu várias profissões, nomeadamente as de piloto de táxi aéreo e de voos com mangas publicitárias, motorista e comerciante de veículos automóveis em segunda mão;
66 – À data da sua detenção, o arguido BB vivia em união de facto com a mãe dos seus dois filhos, de 4 e 5 anos de idade;
67 - A companheira do arguido BB não trabalhava;
68 - O agregado familiar do arguido BB sobrevivia com o dinheiro que este último conseguia obter através de trabalhos ocasionais;
69 - O processo sócio-educativo do arguido DD decorreu, inicialmente, junto dos pais e de 6 irmãos;
70 - O progenitor faleceu quando o arguido DD tinha 7 anos, tendo a mãe, empregada de limpeza, assumido o cuidado dos filhos;
71 - Pouco tempo depois, a mãe do arguido DD iniciou nova relação afectiva, da qual nasceu mais um filho;
72 - O arguido DD manteve um bom relacionamento com o padrasto, o qual, porém, faleceu poucos anos depois;
73 - Desta forma, a mãe do arguido DD protagonizou, no essencial, a prestação de cuidados aos filhos, tendo-a os mais velhos coadjuvado no apoio aos mais novos;
74 - O agregado tinha dificuldades económicas e habitava uma residência composta por três divisões, enquadrada num espaço tipo "pátio", na Amadora;
75 - Devido às exigências da sua profissão, a progenitora do arguido DD exerceu uma insuficiente supervisão do processo educacional dos filhos;
76 - O arguido DD não possui qualquer grau de ensino, tendo revelado dificuldades de aprendizagem;
77 - Aos 12 anos de idade, o arguido DD iniciou vida laboral numa oficina de mecânica auto, área de actividade onde detêm maior experiência; a sua integração não fio regular, tendo trabalhado para diversas entidades patronais; no período que antecedeu a sua detenção à ordem deste processo, apenas realizava "biscates", quando para tal era solicitado;
78 - O arguido DD tem uma filha com 10 anos de idade, fruto de uma relação marital que perdurou cerca de 11 anos e terminou poucos meses antes da sua detenção à ordem deste processo;
79 - Na sequência da sua separação, o arguido DD descurou a sua imagem pessoal e vivenciou um período de abuso do consumo de álcool; sempre que possível, mantinha proximidade com a filha e participava no sustento desta;
80 - Numa fase da sua vida anterior à relação marital acima referida, o arguido DD foi consumidor de cocaína;
81 - À data da sua detenção à ordem deste processo, o arguido DD residia com sua mãe (reformada, diabética e com fases de alguma demência), na habitação acima referida;
82 - O arguido DD tem mantido bom comportamento prisional e é apoiado pelos irmãos, que o visitam;
83 - O arguido CC vive com o padrasto e uma irmã; é empregado numa sociedade denominada "E……..", com sede em Mem Martins.

6.2. Factos dados como não provados:
A) Desde o ano de 1993 que, com algumas interrupções, o arguido AA vem fazendo do tráfico de estupefacientes o seu modo de vida;
B) O arguido AA comprou a aeronave da marca "Piper", modelo "…-…-…", com o número …. e a matrícula …-…, com os proventos proporcionados pela actividade de tráfico de estupefacientes;
C) Desde essa compra, face aos vários contactos que já tinha nos meios ligados ao tráfico de droga e à facilidade de movimentação facultada pela aeronave que comprara e instrumentos "GPS" de que a dotara, o arguido AA passou a receber solicitações de vários indivíduos para que, por conta deles, se deslocasse ao estrangeiro para recolher canabis e, depois, transportasse esta substância para Portugal, com o objectivo de aqui ser vendida;
D) Aquiescendo, o arguido AA passou efectivamente a fazer várias deslocações ao estrangeiro, nomeadamente ao reino de Marrocos, ali se abastecendo com várias dezenas de quilos de canabis em cada viagem efectuada;
E) Depois, transportava tal produto para o território nacional, entregando-o àqueles que lhe haviam encomendado o transporte;
F) Como pagamento pela actividade que desenvolvia, o arguido AA recebia, de quem lhe encomendava o transporte de canabis, quantias pecuniárias, bem como uma parte da canabis que transportara, parte essa que, depois, vendia a terceiros, por sua conta;
G) Nessas deslocações ligadas ao transporte de haxixe, para além de utilizar a sua aeronave e os instrumentos GPS já referidos, o arguido AA chegou a recorrer a aeronaves que alugou quando a sua se achou em reparação;
H) O arguido AA agiu deste modo para poder "operar" no tráfico de estupefacientes em maior escala e, desse modo, conseguir obter maiores proventos económicos com uma tal actividade, tal como efectivamente conseguiu;
I) Para estabelecer os contactos e combinações envolvendo tais actividades de transporte, venda e distribuição de estupefacientes, o arguido AA fez uso, entre outros, dos cartões telefónicos números ……., ………, ………, ………, …….. e ……… da rede espanhola, utilizando ainda, entre outros, os telemóveis com os IMEI …………., ………., ………. (Sony Ericsson), …………… (Nokia 1100), …………….. (Nokia 6100), …………… (Motorola – MC2), ……….. (Nokia 3310) e …………….. (Siemens);
J) Também para os mesmos fins, o arguido AA utilizava ainda o rádio VHF air band transceiver da marca "Icom", modelo …-…. com o n.º …. de série e bateria com o n.º ….. de série, bem como o telemóvel satélite de marca "Thuraya", modelo "Hughes", com o IMEI …………, mediante o cartão "Thuraya" n.º …………….., este último de modo a poder estabelecer os necessários contactos quando se achava a grande altitude;
L) Para transportar a canabis que ia buscar ao estrangeiro, levando-a a vários pontos do território nacional, o arguido AA utilizou diversos veículos automóveis, entre os quais o veículo da marca "Mitsubishi", modelo "Pagero", com a matrícula …-…-…, o veículo da marca "Mercedes Benz", modelo C220 CDI", com a matrícula …-…-…, o veículo "Opel", modelo "Frontera", com a matrícula …-…-… e o veículo "BMW" com a matrícula ….., para os quais fazia o transbordo do estupefaciente que transportara na aeronave;
M) Tais veículos foram adquiridos pelo arguido AA com os proventos obtidos na sua actividade de tráfico de estupefacientes;
N) O arguido AA utilizou os mesmos veículos na actividade de tráfico de estupefacientes;
O) Ainda com o propósito de expandir as suas vendas de estupefaciente de modo a alcançar um maior número de compradores para a droga que vendia e, desse modo, obter lucros mais avultados, pelo menos desde Novembro de 2004 que o arguido AA associou sua filha EE, nascida em 04.03.1989, à sua actividade de venda de estupefacientes;
P) O arguido AA entregou vários quilos de canabis a EE, pelo menos até meados do mês de Janeiro de 2005, produto que a menor vendeu a vários indivíduos cujas identidades se não apuraram, na região do Algarve;
Q) Para que EE melhor pudesse prosseguir a actividade de venda de canabis, o arguido AA facultou-lhe o uso dos cartões telefónicos números ……, …… e …….., os quais foram por aquela utilizados, quer em contactos com o pai, quer no recebimento de encomendas de estupefaciente por parte de terceiros, quer na divulgação, junto destes, da existência de canabis disponível para venda;
R) No ano de 2004, o arguido AA efectuou vários transportes de canabis de Marrocos para Portugal, ao comando de aeronaves, por conta de um indivíduo conhecido pela alcunha de "Milhafre";
S) Pelo transporte que efectuou por conta do "Milhafre", o arguido AA receberia uma quantia em dinheiro superior a € 5.000 (cinco mil euros), sendo o seu pagamento fraccionado: € 5.000 (cinco mil euros) em numerário pagos em avanço e o restante, em quantia monetária ou em estupefaciente, aquando da entrega da canabis ao "Milhafre" em Portugal;
T) O arguido BB comprou heroína e cocaína para consumo do arguido AA pelo menos em vinte ocasiões distintas, ao longo do ano de 2004 e até finais de Janeiro de 2005;
U) As duas últimas entregas de heroína e cocaína comprada pelo arguido BB para consumo do arguido AA verificaram-se no dia 26.01.2005, em Beja, e no dia 29.01.2005, em Armação de Pêra;
V) Nos contactos efectuados com o arguido AA com vista à realização do transporte de canabis de Marrocos para Portugal, o arguido BB fez uso dos seus cartões telefónicos números …….. e …….. e dos IMEI ………….., …………….., ……………, ……………. e ……………………;
X) O arguido AA destinava as armas e as munições que levava na sua aeronave à utilização contra eventuais agentes da autoridade que pudessem vir inviabilizar o sucesso da "missão" e que o pusessem em risco de ser detido;
Z) As 3 libras em ouro, o fio em ouro, os 3 anéis em ouro, o relógio imitação de marca "Eberhard", o material informático e as 44,09530 Up's BPI Reforma Investimento pertencentes ao arguido AA e apreendidos nos autos foram adquiridos com proventos da sua actividade de transporte e venda de canabis;
AA) Todos os arguidos sabiam que a canabis acondicionada nos fardos que manusearam e transportaram se destinava a ser vendida para consumo e a ser distribuída por um número elevado de consumidores em Portugal;
AB) O arguido AA vendeu a "Quinta Nossa Senhora do Ar", sita em Salicos, Lagoa, por Esc. 35.000.000$00, em 2002.

7. Questões a decidir:
A) - Arguidos AA e BB:
- A medida da pena (ambos) , a perda do objecto e a unidade criminosa na questão das armas (AA), a qualificação da participação - autoria ou cumplicidade (BB);

B) - Arguido CC:
- A qualificação dos factos e a medida da pena.

7.1. A determinação da medida concreta ou judicial da pena, inscrevendo-se na moldura penal abstracta prevista no respectivo tipo legal, obedece a determinados parâmetros com dois vectores fundamentais: a culpa e a prevenção, consistindo as finalidades da pena na tutela dos bens jurídicos e na reintegração do agente na sociedade. Estas finalidades convergem para um mesmo resultado: a prevenção de comportamentos danosos, com vista à protecção de bens jurídicos comunitariamente relevantes, cuja violação constitui crime.
À finalidade de prevenção, na sua vertente de prevenção geral positiva ou de integração, cabe fornecer a medida de tutela dos bens jurídicos entre um ponto considerado óptimo para a satisfação das expectativas comunitárias na manutenção ou reforço da norma jurídica violada e um ponto considerado mínimo, correspondente ao conteúdo mínimo de prevenção, sem a salvaguarda do qual periclita a defesa da ordem jurídica.
À culpa compete, nos termos do art. 41.º, n.º 2 do CP, a função de limitar as exigências de prevenção geral, impondo um limite para além do qual a pena deixaria de ter um fundamento ético para passar a instrumentalizar o condenado em função de puros objectivos de prevenção.
Entre o limite máximo e o limite mínimo traçado pela designada submoldura de prevenção, actuam as exigências de prevenção especial ou de socialização, as quais, devendo subordinar-se ao objectivo primordial de tutela dos bens jurídicos, constituem um elemento determinante na fixação da pena.
Os parâmetros a que deve obedecer a fixação concreta da pena, segundo a sua relevância em termos de culpa e de prevenção, são os indicados de forma não taxativa no n.º 2 do art. 71.º do CP: grau de ilicitude, modo de execução, gravidade das consequências, intensidade do dolo, fins ou motivos, condições pessoais do agente, conduta anterior e posterior ao facto.
O arguido AA entende que a pena fixada para o crime de tráfico é exagerada, sendo mais ajustada a de 5 anos, dado que “a culpa não foi intensa”, tendo consistido num único transporte, o estupefaciente em causa tem um efeito nocivo semelhante ao do tabaco e do álcool e o arguido confessou os factos e manifestou-se arrependido.
Encarando estas considerações:
Em relação à culpa, de modo algum se pode dizer que ela não foi intensa. Não só o arguido agiu com dolo directo e, portanto na modalidade mais intensa de culpa, como a sua acção, despoletada é certo pelo tal “Milhafre” – o mandante da operação – foi planeada com antecedência, preparada nos seus pormenores, ajustada pelo arguido com o seu acompanhante, o co-arguido BB, a quem propôs, autonomamente (isto é, por sua iniciativa) uma quantia para a sua colaboração, a deduzir daquela que o “Milhafre” havia ajustado com ele, assim também o aliciando para a viagem a Marrocos, o carregamento e o transporte da enorme quantidade de canabis (haxixe) na aeronave de que ele era o proprietário. Estes aspectos intensificam a culpa do recorrente, para além do dolo exigido pelo tipo legal.
Como se salienta com ajustada ponderação na decisão recorrida,
Sobressai, naturalmente, a grande distância dos restantes, a actuação do arguido AA. Era ele o proprietário da aeronave utilizada para o transporte, era ele quem a sabia pilotar, era ele quem possuía saber e experiência para efectuar um voo nas circunstâncias descritas, logo era ele uma peça essencial e dificilmente fungível do plano traçado pelo "Milhafre". Tendo em conta que o local de carregamento da canabis se situava em Marrocos, que de tratava de um voo "clandestino" e que o meio do tráfico de estupefacientes é perigoso mesmo para quem nessa actividade participa, tratava-se de uma operação que envolvia algum risco, o menor dos quais, como já acima se salientou, era o de ser descoberta pelas autoridades portuguesas. Ou seja, o arguido AA demonstrou perícia e coragem – infelizmente desbaratadas numa prática extremamente reprovável – na prática do crime, que tornam a sua culpa particularmente intensa.
Quanto à ilicitude, muito embora a canabis (haxixe) seja uma substância estupefaciente muito menos nociva do que a cocaína e a heroína (para só mencionarmos aqui duas das mais vulgarmente usadas), o certo é que a quantidade em causa é enorme, como se referiu já, sendo a gravidade do crime aqui aumentada pela quantidade em jogo, permitindo uma comercialização em grande escala, a possibilidade de percebimento de elevadíssimos lucros e um larga difusão por consumidores habituais ou potenciais consumidores.
Por outro lado, os meios utilizados são “sofisticados”, como foi referido na decisão recorrida, envolvendo uma aeronave da propriedade particular do arguido, o conhecimento e a experiência de métodos de pilotagem e navegação aérea, o uso de instrumentos técnicos de localização precisa, o ajustamento e coordenação temporal das acções das várias pessoas envolvidas, de modo a optimizar a operação dentro do mínimo espaço de tempo e com a menor visibilidade possível, tirando partido da rapidez do meio, que possibilitava fazer a viagem de ida e volta, atravessando o oceano, durante a noite.
Tudo isto se traduz numa intensificação da ilicitude, muito embora o recorrente não fosse o dono do negócio e não viesse a comparticipar dos respectivos lucros. Certo é que a contrapartida que lhe foi oferecida estava em consonância com a envergadura do negócio e com o risco da operação, permitindo ao recorrente contratar uma outra pessoa para o ajudar e acompanhar na viagem.
Diz o recorrente que confessou os factos e se mostrou arrependido. A decisão recorrida salienta o primeiro aspecto, mas não se referiu ao segundo, por não alinhado no número dos factos provados. Em relação à confissão e colaboração do arguido em julgamento, põe em destaque que “o arguido (…) nestes e noutros aspectos prestou esclarecimentos muito importantes para a descoberta da verdade e cuja credibilidade decorre da sua concordância com os factos cuja prova se fez por outros meios – é, nomeadamente, o caso das circunstâncias em que o € 5.000 lhe foram entregues e, posteriormente, apreendidos, que inculcam que se destinavam, efectivamente, a pagar um transporte efectuado por conta de outrem”.
Porém, a essa atitude francamente salientada como positiva pelo tribunal “a quo”, contrapõem-se os aspectos já salientados relativos à culpa e à ilicitude, e ainda o facto de o recorrente possuir antecedentes, tendo sido já condenado anteriormente pela prática de tráfico de produtos estupefacientes e, posteriormente a essa condenação, ter cumprido uma pena de prisão em França.
Assim, de um modo geral, pode dizer-se que a culpa e a ilicitude têm um relevo considerável, mitigado embora, no que se refere à culpa, pela atitude do recorrente no julgamento, e que as exigências de prevenção geral são acentuadas, sendo também de destacar as exigências de prevenção especial.
Neste contexto, não se nos apresenta como violadora dos critérios a que a lei manda atender a pena aplicada no âmbito do tipo legal fundamental de tráfico, para o qual o “tribunal a quo” “convolou” a acusação, depois de ter afastado fundamentadamente as agravantes das alíneas b), c) e i) do art. 24.º do DL 15/93, bem como, no domínio das agravantes modificativas gerais, a reincidência. Também se não mostra que essa pena seja desproporcionada no seu quantum, face às regras gerais da experiência comum, motivando uma intervenção correctiva deste Tribunal, no âmbito dos poderes cognitivos inerentes à revista.
No entanto, em relação à pena conjunta, esta deve sofrer uma redução, dado que, na globalidade dos factos, o crime de tráfico é que tem verdadeiramente peso, sendo que, quanto às armas, não se provou a intenção, por banda do arguido, de as utilizar, bem como às respectivas munições, contra agentes de autoridade que eventualmente pretendessem inviabilizar a operação, como se salienta na decisão recorrida, que alude, a tal propósito, à forma como o arguido se comportou ao ser detido sem oferecer resistência.
Assim, no binómio “conjunto dos factos – personalidade do agente”, não será de agravar a pena parcelar mais elevada em mais do que um ano de prisão, fixando-se a pena única em 9 (nove) anos de prisão.

7.2. Relativamente à declaração de perdimento da aeronave.
Rege a matéria o art.35.º do DL 15/93, de 22/1, com a redacção introduzida pela Lei n.º 45/96, de 3/9, que, sendo lei especial, prevalece sobre a lei geral (aqui, o Código Penal): «lex specialis derogat legi generali». Segundo a nova redacção, «são declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ...»
Deixou, assim, de ser requisito da decretação da perda do objecto a perigosidade do mesmo para a segurança das pessoas ou a ordem pública, ou a possibilidade de oferecer sério risco de ser utilizado para o cometimento de novos factos ilícitos, constante da redacção originária.
Basta que o objecto tenha servido ou estivesse destinado a servir para a prática da infracção, exigindo, todavia, a jurisprudência mais restritiva deste STJ, que entre o objecto e a prática da infracção interceda uma relação de funcionalidade ou de instrumentalidade, em termos de causalidade adequada, pois, de outro modo, sendo o objecto indiferente para a realização do facto, não se pode determinar a sua perda, apesar da sua utilização (Assim, acórdãos de 24/3/04, Proc. n.º 270/04 e de 19/5/04, Proc. n.º 1118/04, ambos da 3.ª Secção; de 18/11/04, Proc. n.º 3213/04 e de 14/12/2006, Proc. n.º 3938/06, estes da 5.ª Secção e relatados pelo mesmo relator deste processo).
Ora, no caso, não há dúvida nenhuma de que a aeronave serviu para a prática do crime, tendo sido um seu instrumento essencial, conforme resulta inquestionavelmente da matéria de facto e de todas as considerações anteriores.
O recorrente, reagindo um pouco atarantadamente ao que qualifica de “confisco”, ataca a decisão por falta de fundamentação e por violação das regras da experiência, invocando a propósito o art. 410.º, n.º 2 do CPP. Mas é evidente que não tem razão. Bastará ler a decisão recorrida, para detectarmos a falta de sentido de tal crítica:

O n.º 1 do art. 35.º do DL 15/93 dispõe que "são declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos".
Não se provou que, com excepção de € 5.000 em dinheiro que o arguido AA tinha consigo no momento em que foi detido, qualquer dos bens apreendidos seja directamente proveniente da prática do crime de tráfico de produtos estupefacientes ou tenha sido adquirido com o produto do mesmo tráfico.
Todavia, alguns desses objectos foram instrumento essencial para a prática do crime de tráfico de estupefacientes, a saber:
- A aeronave da marca "Piper", modelo "…-…-…", com o número ….. e a matrícula …-…, propriedade do arguido AA;
- Os aparelhos "GPS Map 196" e "GPS Pilot III" com que o arguido AA apetrechou essa aeronave;

Ora, a fundamentação está escorada na essencialidade da aeronave como instrumento do crime, e estes requisitos resultam também da matéria de facto provada e das considerações tecidas anteriormente pelo tribunal “a quo” a propósito da determinação concreta da pena, já sublinhados a itálico no ponto anterior deste acórdão.
E, quanto à violação das regras gerais da experiência comum, conexionadas com o art. 410.º, n.º 2 do CPP, é coisa que se não descortina, nem o recorrente explica muito bem.
Com relação à violação dos princípios da proporcionalidade, intervenção mínima do direito penal, etc., e deixando de lado a confusão de planos que o recorrente estabelece, diga-se, antes de mais, que a perda dos objectos ou instrumentos que serviram para praticar a infracção, sendo uma medida de segurança, não está directamente relacionada com os princípios do direito penal, podendo ser decretada a sua perda, mesmo no âmbito do direito penal geral, independentemente de culpa e da pertença do objecto ao agente do crime, pois até os objectos de terceiro podem ser declarados perdidos a favor do Estado. Por conseguinte, esta consideração basta para afastar o rigor de princípios que, no âmbito das penas, como restrições à liberdade das pessoas, têm de obedecer a parâmetros constitucionais muito apertados. Todavia, exigindo-se, ainda assim, a observância do princípio da proporcionalidade, não se pode dizer que esse princípio, decorrente do art. 13.º da Constituição, seja ofendido com uma disposição como a do art. 35.º do DL 15/93, de 22/1, estando em causa crimes de reconhecida gravidade, justificando inclusive, pelo seu grau de perigosidade, uma tutela antecipada dos respectivos bens jurídicos. Na verdade, o tráfico de droga assume consequências pessoais e sociais devastadoras (...) que justificam plenamente uma intervenção penal preventiva - escreveu-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 262/2001 – DR 2ª /S de 18/7/01). Ora, se assim é, temos de convir que não é ofensiva do referido princípio constitucional a consequência, legalmente estabelecida, da perda de objectos com ele instrumentalmente relacionados.

7.3. Passando, finalmente, à questão das armas.
Entende o recorrente que existe um único crime, porquanto só ocorre uma resolução criminosa.
Também aqui não tem razão.
É que, como salienta o Sr. Procurador-Geral Adjunto neste tribunal, as considerações do recorrente não resistem, desde logo, à imposição legal do art. 30.º do CP, a qual determina que “o número de crimes se determina pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime foi preenchido pela conduta do agente.”
Ora, o recorrente usou diferentes tipos de arma, de características muito diversas, e respectivas munições: uma arma de guerra – caso da espingarda automática tipo “Kalashnikov”, de calibre 7,62 mm – como tal classificada pelo art. 7.º, al. d) do DL 37.313, de 21/2/949, vigente à data dos factos, e actualmente – Lei n.º 5/2006, de 23/2 – como arma da classe A), e uma arma de defesa – caso da pistola semi-automática de calibre 7,62 mm, de marca Browning, como tal classificada pela lei vigente ao tempo da prática dos factos – Lei n.º 22/97, de 27/6, e actualmente, pela lei referida, como arma da classe B.
Para além disso, o arguido detinha na casa onde foi efectuada a busca uma outra arma – uma espingarda caçadeira semi-automática da marca “Fabarm Ellegi”, calibre 12, e uma caixa contendo 10 cartuchos de caça calibre 12, marca “Gobalshot” e outra, contendo 6 cartuchos de caça, calibre 12,masrca “Nobel Sport”.
Por conseguinte, ofendeu valores diversos, tutelados juridicamente de formas diversas, e quis, segundo a matéria de facto provada (Cf. factos provados sob os n.ºs 52 a 56 do ponto 6.1. ) ter em seu poder cada uma das referidas armas, sendo conhecedor das características de cada uma delas.
Deste modo, ocorre uma pluralidade de crimes, em consonância também com distintas resoluções criminosas, o que, se não oferece dificuldade de detecção na respectiva matéria de facto quanto às armas transportadas pelo arguido na viagem a Marrocos, muito menos oferecerá relativamente à espingarda caçadeira, pois esta não foi levada pelo arguido, mas detendo-a ele na sua casa.

7.4. As penas aplicadas a estes crimes não merecem censura, tendo o tribunal “a quo” optado pelo regime mais favorável ao arguido e fixado penas muito próximo do mínimo.
No entanto, em relação à pena conjunta, esta deve sofrer uma redução, dado que, na globalidade dos factos, o crime de tráfico é que tem verdadeiramente peso, sendo que, quanto às armas, não se provou a intenção, por banda do arguido, de as utilizar, bem como às respectivas munições, contra agentes de autoridade que eventualmente pretendessem inviabilizar a operação, como se salienta na decisão recorrida, que alude, a tal propósito, à forma como o arguido se comportou ao ser detido sem oferecer resistência.
Assim, no binómio “conjunto dos factos – personalidade do agente”, não será de agravar a pena parcelar mais elevada em mais do que um ano de prisão, fixando-se a pena única em 9 (nove) anos de prisão.
Deste modo, o recurso do arguido AA procede nesta parte.

8. O arguido CC, que também alegou por escrito, põe em causa a qualificação dos factos e a medida da pena.
Relativamente à qualificação dos factos, pretende ele, antes de mais, o seu enquadramento pelo art. 25.º, n.º 1 do DL 15/93, ou seja, pelo tipo de tráfico de menor gravidade. Mas não tem razão neste capítulo, como já o havia demonstrado o tribunal “a quo”, perante idêntica pretensão do Ministério Público, que acusou este arguido pelo referido normativo.
Este prevê uma pena de 1 a 5 anos de prisão para os casos em que o crime tipificado no art. 21.º, n.º 1 se mostre de ilicitude consideravelmente diminuída, tendo em conta, entre outras circunstâncias, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou a quantidade das plantas ou preparações.
Como tem referido a jurisprudência deste Supremo, as circunstâncias relevantes do ponto de vista da ilicitude têm de ser complexivamente analisadas, delas tendo de sobressair uma imagem global do facto acentuadamente diminuída, de forma a poder dizer-se que puni-lo pelo art. 21.º seria desproporcionado, já que a ilicitude que lhe corresponde se não enquadra no padrão de ilicitude que constitui o pressuposto da punição prevista no tipo-base de tráfico.
Ora, no caso dos autos, se está em causa uma substância, como o haxixe, que é das menos nocivas, em comparação com as outras duas principais drogas que entram no tráfico de estupefacientes, a verdade é que as quantidades envolvidas, como se referiu já, são consideráveis.
Por outro lado, os meios utilizados, tal como já foram caracterizados em 7.1., são de considerar como sofisticados e obedecendo a um esquema organizativo complexo.
É certo que o recorrente, como resulta da factualidade provada, só teve conhecimento das características do produto que ajudou a recolher e a condicionar no veículo-automóvel que ele próprio conduziu, a fim de levar tal produto ao seu destino, aquando do lançamento dos fardos à pista. Todavia, concordamos plenamente com a decisão recorrida, quando discorre:

Apesar disso, é entendimento do Tribunal que o mesmo facto não constitui fundamento para integrar a conduta do arguido CC no tipo privilegiado do art. 25.º, al. a), do DL 15/93. Embora num momento posterior aos restantes arguidos, o arguido CC decidiu cometer um crime de tráfico de estupefacientes. No momento em que tomou essa decisão, ele tinha a possibilidade de se recusar a colaborar na operação em curso e sair do local. Mais, se o arguido CC estivesse, como disse que estava, completamente "em branco" relativamente àquilo que estava a suceder, se ele não fizesse, como afirmou não fazer, a mais pálida ideia sobre aquilo que era esperado que ele fizesse, seria essa, segundo nos parece, a reacção natural de uma pessoa normal – perante o lançamento, para a pista, de nove fardos de produto estupefaciente (ao menos nessa altura, ele diz que percebeu do que se tratava), a partir de uma aeronave que acabara de aterrar, seria normal o arguido CC, no mínimo, fazer os possíveis por desaparecer do local para evitar envolver-se no grave crime que estava a ser cometido.
Porém, em vez disso, o arguido CC resolveu colaborar. Apanhou fardos e acondicionou-os no interior do veículo automóvel. Em seguida, conduziu este último dali para fora, apenas não tendo chegado ao destino graças à acção da Polícia Judiciária.
Nas circunstâncias em que os factos ocorreram e tendo em conta a quantidade de canabis traficada, não há fundamento para se afirmar que a ilicitude do facto se mostrava consideravelmente diminuída. Logo, a conduta do arguido CC não pode ser integrada no tipo privilegiado do art. 25.º, al. a), do DL 15/93, devendo, antes, sê-lo no tipo do art. 21.º, n.º 1.

Quanto à forma de comparticipação, o recorrente sugere que a sua actuação foi meramente acessória e prescindível, o que apontaria para uma comparticipação sob a forma de cumplicidade. Todavia, assim não é. Com efeito, o recorrente teve uma participação directa nos factos, realizando, à sua conta, actos que configuram modalidades típicas de realização do tipo legal de crime. Assim, não obstante o seu conhecimento tardio de que os fardos lançados da aeronave para a pista continham produto estupefaciente, o arguido colaborou na sua recolha e acondicionamento no veículo-automóvel e depois conduziu esse veículo, transportando nele o referido estupefaciente. Ora, estes actos são directamente visados pela norma incriminadora como actos proibidos e, só por si, configuradores de modalidades típicas de realização do ilícito criminal que a lei designa de tráfico de estupefacientes. Por conseguinte, o arguido participou directamente na execução do facto, assim se constituindo autor, nos termos do art. 26.º do CP, agindo por si e ao mesmo tempo em colaboração com os restantes arguidos, actuando conjuntamente com eles, com a consciência de colaborar na realização do facto típico ilícito.

Por conseguinte, a sua alegação claudica inteiramente no que diz respeito, quer à qualificação dos factos, quer à forma de comparticipação neles.
Porém, na esteira do Ministério Público neste Supremo Tribunal, se ao nível da ilicitude a sua conduta, como co-autor dos factos, não pode ser tida como consideravelmente diminuída, já o poderá ser ao nível da culpa.
Com efeito, a sua actuação foi episódica, se a compararmos com a dos restantes arguidos, o que não significa que tenha sido acessória e constitutiva de um mero favorecimento do cúmplice num facto alheio, como vimos acima. O facto de só se ter apercebido, já no local, isto é, no aeródromo, e quando a aeronave se preparava para aterrar, no momento em que os fardos foram lançados para a pista, que estes continham estupefaciente, e ter-se decidido a colaborar face à solicitação do arguido DD, constitui um condicionalismo objectivo que não pode ter deixado de influenciar a sua liberdade de determinação, com evidentes reflexos na culpa. Há como que uma compulsão das circunstâncias objectivas que impeliram para o prosseguimento da actividade que o arguido já tinha iniciado, levando-o a completar a tarefa a que se propusera, sem ter consciência dos contornos de ilicitude de que se revestia senão naquele momento, e que diminuíam a sua capacidade de resistência à prática do facto ilícito, sem no entanto lhe excluírem a liberdade para agir de outro modo, como ficou salientado. Acresce que, como referiu o Ministério Público, nas suas alegações escritas, “não se provou que o recorrente tivesse auferido alguma contrapartida remuneratória com a sua intervenção, provando-se, sim que foi contactado para conduzir o veículo, e sem o saber, ajudar a carregar os fardos de haxixe, porque o co-arguido DD não era titular de carta de condução e fora dias antes detectado a conduzir o veículo …-…-….
Deste modo, em face do exposto, será de atenuar especialmente a pena deste arguido, nos termos dos artigos 72.º e 73.º do CP, pois o condicionalismo exposto se traduz numa diminuição acentuada da culpa do agente, de tal sorte que, não obstante o legislador do Código Penal ter previsto, nos vários tipos legais de crime, molduras penais suficientemente flexíveis para nelas caberem as mais variadas situações da vida em que pode materializar-se a realização do facto típico ilícito, desde as mais graves às menos graves, punir o recorrente de acordo com a moldura penal prevista para o tipo em causa, seria uma violência. Justifica-se, assim, o recurso à tal válvula de segurança que constitui o instituto da atenuação especial da pena, para usarmos aqui a expressão de FIGUEIREDO DIAS (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, p. 304 e segs.)
Considerando os itens a que deve atender-se para a determinação concreta da pena, nos termos do art. 71.º do CP e que já foram explicitados na decisão recorrida, nomeadamente a ilicitude – acentuada -, a culpa, apesar de tudo tendo revestido a forma dolosa, o grau de participação nos factos – tendo-se limitado à fase final da operação – o facto de o arguido não ter recebido qualquer contrapartida pela sua actuação, ao contrário dos restantes, os antecedentes criminais limitarem-se, no seu caso, a uma condenação em pena de multa por condução de veículo sem habilitação legal – pena essa já declarada extinta – o seu comportamento francamente positivo na audiência de julgamento, colaborando com a justiça, o facto de estar inserido social, familiar e profissionalmente, considera-se ajustada, face às necessidades de prevenção, sobretudo de prevenção geral, a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Ponderando, ao abrigo do disposto no art. 50.º do CP, a possibilidade de substituição da pena de prisão pela pena de carácter não institucional aí prevista, entende-se que, não obstante se encontrar verificado o requisito formal de que depende a suspensão da execução da pena, não ser de proceder a tal substituição. Isto porque, face à gravidade do crime e às fortes exigências de prevenção geral, não se considera que as necessidades de punição fiquem satisfeitas com a simples censura do facto e a ameaça da pena, pelo que não se verifica o pressuposto material da referida substituição.

9. Quanto ao arguido BB, as conclusões da sua motivação começam por sugerir uma participação nos factos a título de cumplicidade e não de autoria, na medida em que o recorrente alude ao carácter acessório dessa participação, “meramente residual, pois nada conhecia da operação, nem qualquer indivíduo de nome “Milhafre”, que detinha o controle material da operação”. E mais adiante: “Este indivíduo controlava o quando, o como, onde e os locais onde o avião ia aterrar e o local de proveniência do produto estupefaciente”.
Ora, esta visão das coisas é frontalmente contrariada pelos factos provados. Segundo estes, o arguido foi contactado pelo co-arguido AA no sentido de o acompanhar a Marrocos e auxiliar no transporte da canabis, a troco da quantia € 1.000,00, proposta que o arguido BB aceitou, “tendo ficado ciente de que o auxílio que ⌠o arguido AA⌡de si pretendia era para o transporte de fardos de canabis de Marrocos para Portugal”.
No seguimento do acordado e na concretização do plano delineado pelo “Milhafre”, o arguido foi a bordo da aeronave pilotada pelo arguido AA, em direcção a Marrocos e, uma vez feita a aterragem numa pista de aviação do referido país, o arguido BB recebeu das mãos de desconhecidos nove fardos de canabis com o peso global de 277 Kgs., tendo depois ambos regressado a Portugal com a citada mercadoria a bordo. Quando a aeronave se fazia à pista do aeródromo de Beja, o arguido BB lançou os fardos para a pista, onde já estavam à sua espera os arguidos DD e CC.
Acresce a tudo isto que todos os arguidos, incluindo, portanto, o BB, sabiam que o produto acondicionado nos fardos que manusearam e transportaram era canabis e que estavam a cometer um crime de tráfico de estupefacientes.
Nestas circunstâncias, a actuação do arguido BB não foi acessória, nem incidental, mas de participação directa na execução do facto. A sua acção foi decisiva para a produção de vários eventos típicos que a norma incriminadora elege como proibidos: detenção, recebimento, transporte, transmissão a outrem do referido produto estupefaciente, com vista ao negócio da referida droga. Por conseguinte, o arguido, ao nível da sua participação nos factos e concertadamente com outros, em que cada qual tinha uma tarefa determinada que concorria para o êxito da operação, teve o domínio do facto característico da autoria.
É, portanto, comparticipante, a título de co-autoria, no crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21.º, n.º 1 do DL 15/93, de 22/1, nos termos do preceituado no art. 26.º do CP.
O facto de ter actuado em nome de outrem, que nem sequer conhecia, em nada altera esta perspectiva, salvo ao nível da culpa, no doseamento da pena concreta, como se considerou na decisão recorrida, aliás, em relação a todos os arguidos, embora com diferentes gradações.
Relativamente à pena fixada, também nada há a censurar à decisão recorrida, pois aquela foi bem determinada, de acordo com os parâmetros referidos a propósito da análise dos dois recursos anteriores e de acordo com o grau de culpa e a carga de ilicitude que competem a este arguido, assim aferidos pela decisão recorrida:

Passando aos "ajudantes" de cada um dos arguidos anteriormente referidos, surge, em primeiro lugar, o arguido BB. A sua participação foi muito relevante, pois implicou a sua deslocação a Marrocos, com os riscos já salientados a propósito do arguido AA.

Acresce que o arguido BB, para além de ter antecedentes criminais de algum relevo, como se salientou na decisão recorrida, teve um comportamento na audiência nada consentâneo com o reconhecimento da reprovabilidade da sua conduta, nem com a interiorização do desvalor da acção, fazendo declarações que não mereceram “a menor credibilidade”, como se lê na motivação da convicção, sendo os depoimentos prestados “em si mesmos destituídos de sentido”.
Nestas circunstâncias, a reclamada fixação da pena no mínimo da moldura penal abstracta é manifestamente improcedente, mostrando-se a pena fixada ajustada ao seu tipo de comportamento, como já foi salientado.
Deste modo, improcede totalmente o recurso deste arguido.

III. DECISÃO
10. Nestes termos, acordam no Supremo tribunal de Justiça em:
- Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido BB, confirmando integralmente a decisão recorrida;
- Conceder parcial provimento aos recursos interpostos pelos arguidos AA e CC, revogando a decisão recorrida e condenando:
a) - O arguido AA, na pena única de 9 (nove) anos de prisão
b) – O arguido CC, na pena especialmente atenuada de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, que se não suspende na sua execução.
No mais confirmam a decisão recorrida.

11. Custas pelos arguidos com 6 UCs. de taxa de justiça para o arguido BB, 5 UCs. para o arguido AA e 3 Ucs. para o arguido CC, na medida em que os recursos destes dois últimos improcederam em parte (quase totalmente no caso do arguido AA).

Supremo Tribunal de Justiça, 22 de Março 2007

Artur Rodrigues da Costa (com declaração de voto)
Arménio Sottomayor
Reino Pires
Carmona da Mota

Declaração de voto

Fui relator do acórdão no qual foi fixada a pena de 2 anos e 6 meses de prisão efectiva para o recorrente CC. Foi esse o sentido da maioria que se formou. No entanto, e não obstante a minha posição de relator, desejo aqui expressar que a minha posição era outra. Era e é. Ela vai no sentido de dever ter sido aplicada ao recorrente a pena de 3 anos de prisão, mas suspensa na sua execução pelo período de 3 anos. Isto, porque, com os factos dados como provados, seria possível fazer um juízo de prognose favorável ao recorrente no sentido de bastar a simples censura do facto e a ameaça da pena para satisfazer as finalidades da punição.
Conquanto que sejam fortes as necessidades de prevenção geral, a verdade é que o crime de tráfico revestiu uma fisionomia muito específica no caso do recorrente, quer em termos de modalidade de acção, quer sobretudo de culpa, para além de o recorrente se encontrar em liberdade, estar inserido social, familiar e profissionalmente e, de todos os arguidos, ser o que tem antecedentes criminais de pouco relevo: uma condenação em pena de multa por condução sem habilitação legal.
Ora, as exigências de prevenção geral também confluem aqui – segundo me parece – com as reduzidas exigências de prevenção especial, que permitem fazer o tal juízo de prognose favorável. É que a pena deve evitar o mais possível a quebra dos laços sociais, familiares e profissionais do condenado, visando obter em toda alinha possível a socialização em liberdade, em consonância com a finalidade político-criminal do instituto da suspensão da execução da pena, que é o afastamento do condenado da prática de novos crimes por meio da simples ameaça da pena, eventualmente com sujeição a deveres e regras de conduta. Por outro lado, a exigência de conteúdo mínimo de prevenção geral, dadas as circunstâncias atendíveis, não vai ao ponto de impor aqui uma pena de prisão efectiva, como forma extrema de assegurar as expectativas comunitárias de manutenção e reforço da norma jurídica violada. .

Lisboa, 22 de Março de 2007
Artur Rodrigues da Costa