Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3884/16.7T8VIS.C1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ACÁCIO DAS NEVES
Descritores: HERANÇA INDIVISA
DISPOSIÇÃO TESTAMENTÁRIA
BENS COMUNS
HERDEIRO
QUOTA IDEAL
MEAÇÃO
Data do Acordão: 01/29/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DA FAMÍLIA / CASAMENTO / EFEITOS DO CASAMENTO QUANTO ÀS PESSOAS E AOS BENS DOS CÔNJUGES / DISPOSIÇÕES PARA DEPOIS DA MORTE – DIREITO DAS SUCESSÕES / ABERTURA DA SUCESSÃO E CHAMAMENTO DOS HERDEIROS E LEGATÁRIOS / ADMINISTRAÇÃO DA HERANÇA / SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA / CONTEÚDO DO TESTAMENTO / LEGADOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1685.º, N.ºS 1 E 2, 2091.º, N.º 1 E 2252.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

- DE 02-02-2011, PROCESSO N.º 202/06.6TBGDL.E1,IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

- DE 19-10-2015, PROCESSO N.º 443/14.2T8PVZ-A.P1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - Relativamente aos bens comuns integrantes da herança ainda indivisa, aberta por óbito da sua falecida primeira mulher, o testador apenas é titular do direito a uma quota meramente ideal, relativa à sua meação e à sua qualidade de herdeiro, incidente sobre a totalidade daqueles bens, que não de qualquer bem em concreto.

II - Assim, não podia legar às rés o invocado direito a metade de determinados prédios integrantes do acervo da herança, à luz do disposto no n.º 1 do art. 1685.º do CC.

III - E, desta forma, as rés apenas têm direito de exigir o respetivo valor em dinheiro, à luz do disposto no n.º 2 do mesmo artigo.

Decisão Texto Integral:

            Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

   AA intentou ação declarativa comum contra BB e marido, CC e DD, pedindo:

  a) Que fosse declarado inválido e ferido de nulidade o testamento celebrado pelo falecido AA, no dia ... de 2011, no cartório notarial da Dra. ---, lavrado a fls. 44 e 44 verso do livro 4-A;

  b) Que fossem declaradas nulas as disposições constantes daquele testamento, nos termos dos quais se instituem legatárias as rés dos imóveis aí identificados (prédios urbanos inscritos na matriz da freguesia de --- sob os artºs 4698º e 1671º e o prédio rústico daquela freguesia inscrito sob o artº 2254º);

  c) E que as rés fossem condenadas a restituírem às heranças abertas por óbito de EE e de AA os prédios identificados naquele testamento livres e devolutos de pessoas e coisas.

 Alegou para tanto e em resumo que em 24.02.201, faleceu AA, ... no regime de separação de bens com a ré DD (2ª ré), em segundas núpcias dele e em primeiras dela, e que o mesmo, por testamento de 21.03.2011, legou às rés o direito que lhe pertencia em dois prédios urbanos e num rústico, mas que o mesmo não era o dono de tais bens, dado que os mesmos pertencem à herança, ainda ilíquida e indivisa, aberta por óbito de EE, com quem o testador fora casado em primeiras núpcias de ambos, sendo que esta deixou como herdeiros, para além do cônjuge, os filhos do casal, entre os quais o autor e a 1ª ré.

Considerando que o testador não podia dispor dos referidos bens, conclui no sentido da nulidade do testamento,

Os réus contestaram, defendendo a validade do testamento e das disposições testamentárias nele inseridas, concluindo no sentido da improcedência da ação e da sua absolvição do pedido.

Realizada audiência prévia, foi proferido despacho saneador-sentença, no qual a ação foi julgada improcedente, sendo os réus absolvidos do pedido.

Na sequência e no âmbito de apelação do autor, a Relação de Coimbra, por acórdão constante dos autos, julgando parcialmente procedente o recurso:

- Revogou a sentença recorrida;

- Declarou que o testamento, referido no ponto 3 dos factos provados, é válido, no que concerne às disposições testamentárias, quanto ao seu valor e nulo/inválido quanto à substância;

- E condenou as rés a restituírem, livres de pessoas e bens, os prédios identificados no referido testamento às heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de EE e de AA.

Inconformados, interpuseram os réus/apelados o presente recurso de revista, no qual formularam as seguintes conclusões:

1ª - Tendo sido casados segundo o regime da comunhão geral de bens, todos os bens adquiridos pelo testador AA e pela sua então esposa EE passaram a constituir o seu património conjugal (art. 1732° do C.C.).

2ª - Após a morte de EE, ao testador naturalmente cabe, por direito próprio, a sua meação nos bens comuns e um quarto da meação da sua falecida mulher (cfr. art. 2139°, n° 1, do C.C.), sendo que apenas esta meação integra a herança indivisa e ilíquida da falecida EE. Ora,

3ª - Nos termos do disposto no art. 1685°, n° 1, do C.C., “cada um dos cônjuges tem a faculdade de dispor, para depois da morte, dos bens próprios e da meação dos bens comuns, sem prejuízo das restrições impostas por lei em favor dos herdeiros legitimários” - o que o testador fez.

4ª - É manifesto que o testador não dispôs de quaisquer bens certos e determinados, limitando-se a dispor do direito que detinha sobre os bens a favor das legatárias ora recorridas - como podia dispor livremente.

5ª - Nos precisos termos que constam do testamento, o testador AA legou, apenas e só, o seu direito, na exata medida que do mesmo era legítimo detentor, bastando atentar no teor do testamento para facilmente se concluir que o testador não deixou nem pretendeu transmitir para as RR. recorridas quaisquer bens certos, específicos e/ou determinados. Inversamente,

6ª - Apenas legou o direito que sobre os mesmos legalmente dispunha, dentro dos poderes e faculdades que a lei lhe conferia.

7ª - Tal direito está perfeitamente delimitado e identificado, o qual será feito valer na partilha subsequente a realizar.

8ª - Nem o testamento nem os legados instituídos pelo testador padecem de qualquer invalidade ou ilegalidade, sendo os mesmos perfeitamente válidos, eficazes e conformes à lei. Pois,

9ª - O testador AA dispôs válida e eficazmente dos direitos de que era titular e de que podia dispor inter vivos - ou, como fez, mortis causa.

Assim,

10ª - Não se consegue vislumbrar qualquer fundamento para a presente ação, carecendo a mesma, em absoluto, de qualquer suporte fáctico-legal. Sendo certo que,

11ª - Nenhuma censura merece a douta decisão proferida em 1ª instância, devendo a mesma ser repristinada, já que não incorreu nos erros e vícios que lhe são apontados pelo recorrente, não tendo sido violada qualquer norma legal. Pelo contrário,

12ª - Procedeu a um irrepreensível enquadramento jurídico dos factos e a uma exímia interpretação e aplicação da Lei, alicerçada numa sólida fundamentação de direito, demonstrando, de forma perfeitamente inteligível e sustentada, não existir qualquer nulidade seja do testamento, seja das disposições testamentárias nele insertas - razão pela qual improcedeu em 1ª instância a pretensão do A. recorrido.

13ª - Não obstante o entendimento vertido no douto acórdão recorrido ser respeitável, o mesmo incorre numa errónea interpretação e aplicação da lei, pelas razões e fundamentos ora expostos. Assim,

14ª - Deverá o douto acórdão recorrido ser revogado em conformidade e, em consequência, absolver-se os RR. dos pedidos contra si formulados.

15ª - Ao decidir como decidiu, o douto acórdão recorrido violou a lei, incorrendo em erro de interpretação e aplicação dos art.ºs 1685°, 2252°, 2040°, 2186°, 2187°, 280° e ss. (entre outros), todos do C.C., os quais deverão ser interpretados nos termos preditos, procedendo o presente recurso com as legais consequências daí advenientes e em consonância com o decidido em 1ª instância, absolvendo-se os RR..

Nestes termos, deve o presente recurso ser recebido, julgado procedente e, por via disso, ser concedida revista, revogando o acórdão recorrido e, em consequência, ser proferido douto acórdão que declare que o testamento e as disposições nele constantes não padecem de qualquer nulidade ou invalidade, sendo perfeitamente válidos e eficazes, nos precisos termos que constam da douta decisão proferida em 1ª instância, absolvendo-se os RR. dos pedidos contra si formulados. Assim decidindo, V. Exas. farão justiça.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir:

Em face das conclusões dos recorrentes, enquanto delimitadoras do objeto da revista, a questão de que cumpre conhecer consiste em saber se o testador podia proceder às deixas testamentárias nos termos em que o fez e se, em consequência, o testamento é válido também quanto à substância – devendo por isso a ação ser julgada totalmente improcedente nos termos decididos na 1ª instância.

É a seguinte a factualidade dada como provada pelas instâncias:

1 - No dia 24/2/2014 faleceu AA, casado no regime da separação imperativa de bens com a ré DD, em primeiras núpcias dela e segundas núpcias dele (artigo 1º petição inicial);  2 - O falecido deixou como únicos e universais herdeiros, a mulher e aqui ré, DD, e os filhos, FF, casada no regime da comunhão de adquiridos com GG, AA e BB, casada no regime da comunhão de adquiridos com CC, HH, casado no regime da comunhão de adquiridos com ..., e ... (artigo 2° da petição inicial);

3 - No dia 21 de Março de 2011, no Cartório Notarial da Dr. ---, o falecido AA outorgou um testamento em que institui legatárias as aqui rés, DD e BB, nos termos do qual declarou que “lega a DD, o direito que lhe pertence na casa de habitação de rés-do-chão, andar e logradouro, sita no lugar de ..., freguesia de ---, concelho de Viseu, que confronta do norte com CC, do nascente com Estrada Nacional n° 16, e do sul e poente com AA, inscrito na matriz sob o artigo 4698”, assim como declarou que “lega, por conta da quota disponível, à sua filha, BB, casada com ... sob o regime da comunhão de adquiridos, residente na Rua..., o direito que lhe pertence na casa de andar, lojas e logradouro, sita no lugar de ..., freguesia de ---, concelho de ..., que confronta do norte com ..., do nascente com Rua ... e do sul e poente com AA, inscrito na matriz sob o artigo 1671”; e ainda que, “Lega, em comum e partes iguais, às identificadas DD, e BB, esta por conta da quota disponível, o direito que lhe pertence no prédio rústico, composto de pinhal e mato, sito à ..., dita freguesia de ---, inscrito na matriz sob o artigo 2254” (artigos 3°, 4°, 5° e 6° da petição inicial);

4 - EE faleceu no dia 9/7/2004, no estado de casada no regime da comunhão geral de bens com o testador, em primeiras núpcias dela e dele (artigos 9° e 10° da petição inicial e 5° da contestação);

5 - A referida EE deixou como únicos e universais herdeiros, o marido AA, entretanto falecido, e os filhos do casal, FF, AA, BB, HH, permanecendo essa Herança ilíquida e Indivisa, pois que os seus herdeiros nunca procederam à partilha da mesma (artigos 11°, 12°, 13° da petição inicial);

6 - Isso não obstante ter sido instaurado judicialmente o Proc. de Inventário n° 3408/08.0TBVIS, que correu termos pelo 4° Juízo Cível deste Tribunal, que veio a ser julgado extinto, pela desistência da instância do requerente AA, homologada por sentença de 28/2/2011, transitada em julgado no dia 28 de Março de 2011 (artigos 13°, 14° da petição inicial);

7 - Do acervo daquela herança fazem parte os bens imóveis identificados no testamento outorgado pelo falecido AA, adquiridos pelo casal (artigo 15° da petição inicial, artigo 6° da contestação).

            Apreciando:

           Está em causa saber se os legados feitos pelo testador AA às rés, incidentes sobre o alegado “direito que lhe pertence” relativo a três prédios em concreto pertencentes ao acervo da herança ainda indivisa, que à data já se encontrava aberta por óbito da sua falecida 1ª mulher, devem ser considerados como inteiramente válidos, nos termos em que os mesmos foram efetuados – ou seja se por via disso, as rés têm direito a que lhes sejam adjudicados os direitos relativos a metade desses prédios ou se apenas têm direito ao valor correspondente a metade desses prédios, nos termos do disposto no nº 2 do art. 1685º do C. Civil (conforme considerou e decidiu a Relação).

           

Isto (e sendo certo não estarem em causa as exceções previstas no nº 3), tendo-se em conta que aquele artigo 1685º do C. Civil estabelece, nos seus nºs 1 e 2 o seguinte:

            “1. Cada um dos cônjuges tem a faculdade de dispor, para depois da morte, dos bens próprios e da sua meação nos bens comuns, sem prejuízo das restrições impostas por lei em favor dos herdeiros legitimários.

   2. A disposição que tenha por objeto coisa certa e determinada do património comum apenas dá ao contemplado o direito de exigir o respetivo valor em dinheiro”.

   E sobre a questão, importa ainda ter presente o que se estabelece no artigo 2252º do mesmo diploma:

            “1. Se o testador legar uma coisa que não lhe pertença por inteiro, o legado vale apenas em relação à parte que lhe pertencer, salvo se do testamento resultar que o testador sabia não lhe pertencer a totalidade da coisa, pois, nesse caso, observar-se-á, quanto ao restante o preceituado no artigo anterior” (artigo anterior esse cuja previsão também não está em causa nos autos).

            2. As regras do número anterior não prejudicam o disposto no artigo 1685º quanto à deixa de coisa certa e determinada no património comum dos cônjuges”.

  Conforme se alcança da respetiva sentença, a 1ª instância, aceitando ser aplicável ao caso o regime estabelecido no artigo 1685° do C. Civil veio a considerar que “várias decisões jurisprudenciais têm salientado que a ratio legis do preceito não se restringe a atos de disposição feitos na constância do matrimónio, abrangendo ainda o direito de o cônjuge sobrevivo dispor dos bens comuns, ainda indivisos, do seu dissolvido casal- Ac STJ de 29/5/791; Ac STJ 28/6/742; Ac STJ de 4/4/993”, e que “eleito o regime aplicável, inequivocamente se pode afirmar que a disposição que incida sobre bens certos e determinados pertencentes à comunhão (quer na pendência do matrimónio, quer após a sua dissolução mas enquanto o património comum se mantém indiviso) é sempre válida quanto ao valor, e, em princípio, nula quanto à substância”.

 Todavia, não obstante, acabou por considerar que os legados em questão não foram feitos em coisa certa e determinada, uma vez que “o testador não afirma deixar os bens mas sim o direito que lhe cabe em tais bens”- e daí que tenha concluído no sentido de não se poder afirmar a invalidade substancial do testamento à luz das referidas disposições e, consequentemente, no sentido da total improcedência da ação.

 Seguindo, relativamente a esta última parte, entendimento diferente, a Relação veio a considerar estarmos perante um legado de coisa certa e determinada – justificando tal entendimento nos seguintes termos:

            “A expressão utilizada no testamento pelo testador "lega o direito que lhe pertence" nos imóveis ali descriminados a favor das legatárias ali contempladas, não se nos afigura, salvo o devido respeito, muito feliz, e suscita alguma ambiguidade, pois que, por um lado, lega-lhes um direito cuja natureza não especifica, e, por outro, esse direito incide ou tem como objeto bens concretos e determinados sobre os quais não podia dispor já que integravam (tal como ainda agora) o património comum então (como agora) indiviso de que ele era titular e a sua predefunta mulher, mas que, como património comum coletivo, não lhe conferia, como vimos, até à sua divisão ou partilha, qualquer direito sobre tais concretos bens.

E daí que, quando assim sucede, perante tal ambiguidade, hão-de as disposições testamentárias ser interpretadas de acordo com o que parecer mais ajustado à voluntas testatori, ou seja, de acordo com a vontade do testador, conforme o contexto do testamento, tal como determina o art°. 2187°, n°. 1, do CC (cfr., esse propósito, ainda oprof. Galvão Teles, in "Ob. cit,"págs. 174/175"). Isto é, deve ir-se ao encontro da vontade do testador na interpretação dessas disposições testamentárias, ou seja, devendo para tal procurar-se saber qual foi a real intenção ou vontade do testador quando instituiu essas disposições.

Na falta de mais, melhores e seguros elementos (pois que nem sequer foram alegados), considerando que essas disposições incidem especificamente sobre aqueles concretos imóveis identificados no testamento, e não sobre quaisquer outros que compõem o referido património indiviso, e considerando - extraindo-se essa conclusão do pedido final do A. no sentido de as mesmas serem condenadas a restituírem-nos às heranças ilíquidas indivisas, abertas não só por óbito da mulher predefunta do testador, mas também por óbito do próprio testador, entretanto falecido - que esses imóveis se encontram na posse das rés contempladas com o referido testamento (o que as mesmas não questionaram), somos, assim, levados a concluir, nessa hermenêutica interpretativa, que a vontade real do testador, ao dispor nos aludidos termos em que o fez, foi legar efetivamente esses bens às rés, deixando-lhos.”

É contra tal entendimento que se manifestam os recorrentes, os quais sustentam e defendem o entendimento seguido pela 1ª instância.

Todavia o certo é que não podemos deixar de acompanhar o entendimento da Relação.

À data da outorga do testamento, o testador apenas tinha direito à sua meação nos bens comuns do extinto casal, integrantes da herança ainda indivisa, aberta por óbito da sua falecida primeira mulher (nos quais se integram os prédios em questão), sendo ainda titular do direito a uma quota da herança, relativamente à meação da falecida mulher, na qualidade de herdeiro desta.

Com efeito, conforme de resto bem se salienta na sentença da 1ª instância “o património comum pertence a ambos os cônjuges em bloco, não possuindo nenhum deles um direito próprio e específico sobre qualquer dos bens que integral tal património”.                         E para além disso, conforme resulta do disposto no nº 1 do art. 2091º do C. Civil, enquanto a herança permanecer na indivisão (conforme o caso dos autos), os herdeiros não têm direito próprio relativamente a qualquer dos bens que a integram, sendo apenas titulares do direito a uma quota ideal (vide acórdãos da Relação de Évora de 02.02.2011 – proc. nº 202/06.6TBGDL.E1 e da Relação do Porto, de 19.10.2015 – proc. nº 443/14.2T8PVZ-A.P1, ambos in www.dgsi.pt).

Assim, se o testador, quer enquanto meeiro, quer enquanto herdeiro, não tinha direitos incidentes especificamente sobre qualquer dos bens da herança indivisa, na qual se integram os imóveis em questão, sendo apenas titular, juntamente com os outos herdeiros, do direito a uma quota, meramente ideal, dos bens da herança – não se pode considerar, como o faz a 1ª instância, que o mesmo era titular do direito a metade de cada um dos prédios de que dispôs a favor das rés.

Era (e é) sim, e apenas, titular de um direito a uma quota ideal incidente sobre a totalidade dos bens da herança.

Desta forma, o testador não podia dispor dos seus alegados direitos a metade de cada dos três prédios identificados no testamento, simplesmente porque não detinha tais direitos – razão pela qual não poderia proceder às deixas testamentárias em questão, nos termos em que o fez, à luz do disposto no nº 1 do art. 1685º do C. Civil.

De resto, este artigo apenas concede a faculdade de disposição para depois de morte dos bens próprios (o que não é o caso) e da sua meação nos bens comuns – aludindo assim a “meação nos bens comuns” que não à “meação em qualquer dos bens comuns em concreto”.

Assim, haveremos de ter por correto o entendimento da Relação de que estamos perante um legado incidente sobre coisas certas e determinadas.

E daí que que, por força da aplicação ao caso dos autos do disposto no nº 2 daquele artigo 1685º, se deva concluir no sentido de que as disposições testamentárias em questão apenas dão às rés o direito de exigir o valor correspondente a metade dos imóveis objeto dos legados – ou seja, conforme decidido pela Relação, no sentido de que o testamento, “é válido, no que concerne às disposições testamentárias, quanto ao seu valor e nulo/inválido quanto á substância”.

Improcedem assim as conclusões dos recorrentes, impondo-se negar a revista.

Em síntese:

I. Relativamente aos bens comuns integrantes da herança ainda indivisa, aberta por óbito da sua falecida primeira mulher, o testador apenas é titular do direito a uma quota meramente ideal, relativa à sua meação e à sua qualidade de herdeiro, incidente sobre a totalidade daqueles bens, que não de qualquer bem em concreto.

II. Assim, não podia legar às rés o invocado direito a metade de determinados prédios integrantes do acervo da herança, à luz do disposto no nº 1 do artigo 1685º do C. Civil.

III. E, desta forma, as rés apenas têm direito de exigir o respetivo valor em dinheiro, à luz do disposto no nº 2 do mesmo artigo.

Termos em que se acorda em negar a revista e em confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.

                        Lisboa, 29 de janeiro de 2019

                       
Acácio das Neves



Fernando Samões



Maria João Vaz Tomé