Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
747/18.5T8STR.E1.S2
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
PRESUNÇÃO DE CULPA
ILICITUDE
DANO
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
APLICAÇÃO FINANCEIRA
VALORES MOBILIÁRIOS
INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 01/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário : I - Sendo as questões a decidir em tudo semelhantes às que foram objeto do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/2022, proferido no Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A (publicado em Diário da República, I .ª Série, N.º 212, 3 de novembro de 2022, pp. 10 e seguintes), haverá apenas que verificar se o acórdão recorrido solucionou as questões de direito relativas à ilicitude e ao nexo causal entre o facto e o dano de forma compatível com o estipulado no AUJ, que fixou a seguinte orientação:

«I. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

II. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

III. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

IV. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir».  

II - Esta é a solução que resulta da circunstância de o acórdão de uniformização de jurisprudência, apesar de não gozar do caráter vinculativo das fontes de direito, constituir um “precedente judiciário qualificado”, dotado de especial força de persuasão.

III -  Tendo ficado provado que o gerente de conta do autor marido, emigrante e reformado por invalidez, lhe disse que tinha uma aplicação em tudo semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido pelo banco e com rentabilidade assegurada e que este aplicou a quantia de € 100.000, de que era titular juntamente com a autora, em Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, sem que soubesse concretamente em que consistia tal produto financeiro, ficou provada a violação do dever de informação pelo Banco intermediário financeiro.

IV –  Tendo ficado provado que «Se o autor marido tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, produto financeiro de risco em que o capital não era garantido pelo banco réu, jamais o teria autorizado» é inequívoco que está demonstrada a existência de nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I - Relatório

1. AA e BB, casados entre si, propuseram ação declarativa de condenação, com processo comum, contra o Banco BIC Português SA, formulando os seguintes pedidos:

1 - Condenação do réu a pagar aos autores a quantia global de € 112.000, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vincendos e contados desde 08.03.2018, sobre a quantia de € 100.000, até integral pagamento;

2 - Subsidiariamente, declaração da nulidade de qualquer eventual contrato de adesão que o réu invoque para ter aplicado o valor de € 100.000, que os autores lhe confiaram, em "Obrigações SLN Rendimento Mais 2004", sendo declarada ineficaz em relação aos mesmos autores a aplicação que o réu tenha feito desses montantes e, em consequência, ser o réu condenado a restituir aos autores a quantia de € 112.000, respectivos juros vencidos à taxa legal e juros moratórios legais vincendos desde 08.03.2018, inclusive, sobre a quantia de € 100.000, até integral pagamento;

3 - Em qualquer caso, condenação do réu a pagar aos autores a quantia de € 10.000 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios legais vincendos contados desde a data da citação até integral pagamento.

O réu contestou, invocando as exceções de incompetência territorial do tribunal e de prescrição e concluindo que a ação deve ser julgada improcedente.



Os autores responderam às exceções suscitadas pelo réu.

Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a exceção de incompetência territorial e se relegou para a sentença o conhecimento da exceção de prescrição. Procedeu-se à identificação do objeto do litígio e ao enunciado dos temas de prova.

2. Realizou-se a audiência final, na sequência da qual foi proferida sentença que condenou o réu a pagar aos autores a quantia de € 100.000, acrescida de juros de mora à taxa legal, calculados sobre essa quantia, desde 23.10.2014 até integral pagamento, e a quantia de € 7.000 a título de danos morais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados sobre essa quantia, desde a data da citação até integral pagamento.

3. O réu recorreu da sentença, tendo o Tribunal da Relação de Évora julgado o recurso improcedente e confirmado a sentença do tribunal de 1.ª instância.

4. Novamente inconformado, o réu interpôs recurso de revista excecional, ao abrigo do artigo 672.º, n.º 1, do CPC, que foi admitido pela Formação a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º do CPC.

5. Na sua alegação de recurso, à qual juntou dois pareceres jurídicos, formulou, para o que aqui releva, as seguintes conclusões:

«1. A decisão recorrida vem condenar o Banco R. por responsabilidade civil na qualidade de intermediário financeiro, por violação do dever de informação aquando da colocação de instrumento financeiro obrigacionista junto dos Autores.

2. Para tanto, o douto aresto dá por verificado o cumprimento dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, e concretamente a ilicitude – que identifica com a dita falsidade/omissão de informação –, a culpa – que se presume nos termos gerais do art.799.º do Código Civil e art.314.º do Código dos Valores Mobiliários –, e o dano – correspondente ao valor da prestação não cumprida pela entidade emitente.

3. Já no respeitante ao nexo de causalidade, o douto acórdão, caracterizando esta como uma responsabilidade contratual, limita-se a apreciar sumariamente toda a questão em torno do procedimento informativo.

4. Ignorando por completo elementos fulcrais para o justo desfecho da causa, tais como a circunstância de aos Autores terem sido remetidos, periodicamente e ao longo de vários anos, os extratos bancários relativos à carteira de títulos destes.

5. Extratos estes onde apareciam todos os produtos financeiros detidos pelos Autores, bem como os proveitos obtidos em função dos mesmos, devidamente identificados e separados entre si.

6. Tendo, assim, ao longo de vários anos os Autores recolhido o valor de juros remuneratórios associado às obrigações subscritas, sem nunca de tal terem reclamado.

7. Posteriormente, sem qualquer alicerce na prova e apenas com base num mero raciocínio judiciário, determinou o Tribunal da Relação que não fosse a suposta violação do dever de informação, quer quanto à omissão de informação, quer quanto à prestação de informação falsa, e os Autores nunca teriam subscrito tais obrigações.

8. Ao percorrer tal caminho, optou o mui douto Tribunal da Relação por não considerar determinados elementos, tanto factuais como jurídicos – e que são merecedores de maior atenção –, proferindo uma decisão que, do ponto de vista jurídico, não pode ser tida como aceitável.

9. No que concerne ao nexo de causalidade, incorreu o douto Tribunal da Relação por um caminho que tanto tem de simplista como de temerário, pois que, ao considerar a verificação do elemento do nexo causal nos termos em que o fez, decidiu sem que qualquer prova sobre o mesmo tivesse sido apresentada e produzida pelos Autores, acabando, ainda, o Tribunal Recorrido por não expor os devidos fundamentos e percurso cognoscitivo que o terão levado a decidir em tal sentido.

Ora,

10. Do texto do art.799.º, n.º 1 do Código Civil não resulta qualquer presunção de causalidade. E, de resto, nos termos do disposto no art.344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei.

11. Além do mais, sempre importa recordar que nunca tal solução seria adequada aos casos de incumprimento de prestações contratuais acessórias, apesar de cumprida a prestação principal – como se crê ser o caso.

12. Para o efeito, prestação principal será aquela que é típica de um contrato, que o define enquanto figura contratual.

13. No âmbito do contrato de intermediação financeira de receção e transmissão de ordens por conta de outrem, a prestação principal não pode deixar de ser reconduzida, só e apenas, à boa receção da ordem e consequente transmissão, a fim de ser executada perante o terceiro nos termos ordenados.

Assim,

14. A prestação de informação exaustiva, suficiente e clara sobre o produto em causa, prestada no âmbito da atividade intermediação financeira, sempre constituirá já uma prestação secundária daquela atividade, destinada a complementar ou tornar perfeito o cumprimento da prestação principal – mas que nunca se pode confundir com esta!

15. De todo o modo, no âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem – in casu, não foi sequer devidamente sustentado o elemento do nexo causal.

Acresce que,

16. Estando perante uma situação em que se configura existir dois contratos distintos e autónomos entre si: (i) contrato de intermediação financeira, e (ii) contrato de empréstimo obrigacionista entre os Autores e entidade terceira.

17. Quando deparados com a invocação de um incumprimento contratual por parte dos Autores, entende-se, nesta sede, que o resultado relevante será o referente ao reembolso do investimento efetuado.

18. Porém, neste caso, estamos perante uma falta de resultado no âmbito da subscrição obrigacionista, e não no âmbito do contrato de intermediação financeira –aliás, há muito cumprido.

19. Pelo que, nunca pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear a responsabilização contratual no âmbito de um outro contrato, ainda para mais no caso de este ter sido cumprido.

20. Quer isto dizer que, não bastará a mera invocação do incumprimento no seio do contrato de empréstimo obrigacionista para se apurar a responsabilidade do intermediário financeiro.

Deste modo,

21. Em sede de responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, sempre caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, o que de todo não se verificou no caso concreto.

De facto,

22. A prestação de informação falsa (ou a omissão de informação) está umbilicalmente ligada ao regime do erro, no que ao nexo de causalidade diz respeito.

Assim,

23.  Num primeiro momento, é indispensável que o investidor prove que, sem violação do dever de informação, não teria celebrado qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente daquele que celebrou. Num segundo momento, é necessário lograr fazer prova de que aquele concreto negócio produziu um dano. Por fim, e num terceiro momento, é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose póstuma objetiva ao tempo dos factos.

24. E nada disto foi, no nosso mais humilde entender, feito!

25. Nestes termos, ou os Autores alegavam e provavam que se tivesse sido cumprido o dever de informação, não teriam realizado o investimento, ou, então, tem que suportar as consequências de um investimento que se veio a tornar ruinoso, pois não há forma de, pela responsabilidade, corrigir a titularidade do risco.

26. O Tribunal a quo violou, portanto, por errónea interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 563.º e 799.º do Código Civil.

Em todo o caso,

27. Dever-se-á concluir estarmos perante um caso em que será admissível a interposição de Recurso de Revista Excecional, nos termos do disposto no artigo 672º, número 1, alíneas a), b) e c), do Código de Processo Civil, com fundamento na violação da lei substantiva, com base em erro de julgamento na aplicação de direito, nos termos do artigo 674º, número 1, alínea a) do Código de Processo Civil.

TERMOS EM QUE SE CONCLUI PELA PROCEDÊNCIA DO PRESENTE RECURSO E POR VIA DELE PELA REVOGAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA, E SUA SUBSTITUIÇÃO POR OUTRAQUEABSOLVAO RÉU DO PEDIDO, ASSIM SE FAZENDO INTEIRA E SÃ JUSTIÇA».

6. Os recorridos apresentaram contra-alegações nas quais pugnam pela manutenção do decidido.

7. As conclusões das alegações de recurso delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, nº 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne prejudicada pelo tratamento dado a outras questões (artigos 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2, do CPC).

Em consequência, as questões suscitadas pelo recorrente e que importa apreciar e decidir são os pressupostos da responsabilidade civil do Banco enquanto intermediário financeiro, designadamente a ilicitude e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.


Cumpre decidir.


II – Fundamentação

A - Os factos

Foram julgados provados os seguintes factos:

1. O banco réu, até 2012 denominado BPN - Banco Português de Negócios, S.A. e daí em diante com a actual denominação, dedicava-se e dedica-se ao exercício da actividade bancária com intuitos lucrativos.

2. Os autores eram e são clientes da agência de ... do banco réu, com a conta n.° ...01, na qual movimentam, tanto a crédito, como a débito, parte do seu dinheiro e possuem as suas poupanças.

3. Através daquela conta os autores subscreveram duas Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, no montante de € 50.000 (cinquenta mil euros) cada uma, perfazendo o total de € 100.000 (cem mil euros), cujo reembolso deveria ter ocorrido em data não concretamente apurada do mês de Outubro de 2014, o que não se verificou, nem naquela data, nem até hoje.

4. As Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 foram emitidas pela "SLN, SGPS, S.A.", sociedade titular de 100% do capital social do BPN, participação que deteve de forma permanente até Novembro de 2008, altura em que foi nacionalizado.

5. Em data não concretamente apurada do mês de Outubro de 2004, mas que se situa entre o dia 11 e o dia 22, o gestor de cliente na agência de ... do banco réu, CC, disse ao autor marido que tinha uma aplicação em tudo semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido pelo banco e com rentabilidade assegurada.

6. O gestor de cliente da agência de ... do banco réu, CC, sabia que o autor marido era uma pessoa que não possuía qualificações ou formação técnica que lhe permitisse saber os vários tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um deles.

7. Motivos pelos quais sempre havia aplicado as suas poupanças em depósitos a prazo.

8. O autor marido é reformado por invalidez e emigrante há várias décadas em ....

9. Em data não concretamente apurada do mês de Outubro de 2004, mas que se situa entre o dia 11 e o dia 22, o autor marido aplicou a quantia de € 100.000, de que era titular juntamente com a autora, em Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, sem que soubesse concretamente em que consistia tal produto financeiro.

10. O autor apenas autorizou a realização da aplicação porque o seu gestor de cliente na agência de ... do banco réu lhe disse que o capital era garantido pelo mesmo banco, que os juros eram pagos semestralmente e que podia dispor total ou parcialmente do capital e/ou juros quando entendesse, bastando avisar a agência.

11. O autor marido agiu convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura em tudo semelhante a um depósito a prazo, cuja responsabilidade de reembolso era exclusivamente do banco réu.

12. Se o autor marido tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, produto financeiro de risco em que o capital não era garantido pelo banco réu, jamais o teria autorizado.

13. Nunca foi intenção do autor marido investir em produtos financeiros de risco, o que era do conhecimento do gestor de cliente na agência de ... do banco réu, estando o autor convicto de que aquele lhe restituiria o capital logo que o solicitasse.

14. O gestor de clientes na agência de ... do banco réu assegurou ao autor que a aplicação que iria realizar tinha a mesma garantia que um depósito a prazo.

15. Donde a convicção do autor na segurança da aplicação cujos juros foram sendo semestralmente pagos, o que reforçou tal convicção e crença naquilo que lhe havia sido dito pelo gestor de clientes na agência de ... do banco réu, situação que se manteve até o banco réu deixar de pagar os respetivos juros.

16. A direção comercial do banco réu, anterior BPN, e os seus comerciais repetiam junto dos seus clientes, como fizeram com o autor marido, que se tratava de um investimento sólido, rentável e sem qualquer risco porque o banco garantia o reembolso do capital investido e dos juros.

17. O banco réu pretendia que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos financeiros e passassem a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e/ou juros, o que era garantido pelo próprio banco.

18. O gestor de clientes na agência de ..., CC, que lidava com o autor, sabia que este nunca havia em qualquer produto diverso de depósitos a prazo e nunca havia comprado ou vendido obrigações.

19. No mês seguinte ao da operação o autor recebeu por correio, em casa, um aviso de débito correspondente à subscrição efetuada, como também foi recebendo, desde então, um extrato periódico onde lhe aparecia essa obrigação como integrando a sua carteira de títulos.

20. Da mesma forma, quando eram creditados em conta os juros relativos aos cupões das obrigações, originava igualmente o competente registo nos seus extratos e até a emissão de avisos de lançamento que lhe eram enviados para casa.

21. Na data do vencimento, o banco réu não restituiu ao autor o montante de € 100.000 que este lhe havia confiado.

22. A atitude do banco réu causou e continua a causar aos autores grande preocupação e ansiedade, com medo de não saber se e quando vão recuperar o seu dinheiro, bem como lhes acarretou tristeza uma vez que contavam com aquelas poupanças para poder passar uma velhice mais descansada e livre de preocupações económicas.

As instâncias julgaram não provados os seguintes factos:

1. O banco réu logrou recolher a assinatura do autor marido num "papel" que terá sido preenchido pelo gestor de clientes da agência de ... sendo que a autora mulher nada assinou desconhecendo em absoluto a forma como foram adquiridas as Obrigações SLN Rendimento Mais 2004.

2. O investimento efetuado em Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 era um investimento seguro e não um investimento em qualquer "produto de risco".

3. Nesse momento não havia qualquer indicação de que a emissão pudesse vir a não ser paga ou qualquer ideia sobre o risco de insolvência do emitente.

4. Nunca o banco réu, através dos seus colaboradores, transmitiu aos seus clientes que garantia a emissão, até porque esse era um problema que não era sequer colocado pelos clientes ou imaginado pelos colaboradores.

5. O produto foi sempre apresentado com a obrigação de entrega do capital e dos juros ser da única e exclusiva responsabilidade da entidade emitente e não da entidade colocadora banco.

6. O banco réu, na pessoa dos seus funcionários, agiu de acordo com a vontade do autor marido.

7. O autor marido foi sempre uma pessoa informada, consciente, cuidadosa, que sempre investiu em produtos diferentes dos "normais" depósitos a prazo, como é o caso dos fundos de investimento.

8. O banco réu, tal qual estava obrigado, prestou ao autor informação completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, quanto às obrigações por ele subscritas.

9. No momento da subscrição, o banco réu informou o autor marido de que as obrigações eram emitidas pela sociedade que detinha o banco réu - a SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.

10. E que o reembolso antecipado da emissão só era possível por iniciativa da SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., a partir do quinto ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.

11. O autor marido foi, ainda, informado que a única forma do investidor liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso.

12. O banco réu cumpriu então com todos os seus deveres de informação, designadamente informando o autor marido sobre todos os elementos que constavam da nota informativa do produto, que ademais se encontrava disponível para consulta pelo mesmo.


B – O Direito

1. Sendo as questões a decidir em tudo semelhantes às que foram objeto do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/2022, proferido no Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A (publicado em Diário da República, I .ª Série, N.º 212, 3 de novembro de 2022, pp. 10 e seguintes), haverá apenas que verificar se o acórdão recorrido solucionou as questões de direito relativas à ilicitude e ao nexo causal entre o facto e o dano de forma compatível com o estipulado no AUJ, que fixou a seguinte orientação:

«1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir».  


2. Esta é a solução que resulta da circunstância de o acórdão de uniformização de jurisprudência, apesar de não gozar do caráter vinculativo das fontes de direito, constituir um “precedente judiciário qualificado” (cfr. Castro Mendes/Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume II, AAFDL Editora, Lisboa, p. 201), dotado de especial força de persuasão, conforme se deduz do regime do artigo 629.º, n.º 2, al. c), do CPC, preceito segundo o qual é sempre admissível interpor recurso contra qualquer decisão que contrarie a jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Apesar de não estarmos, rigorosamente, perante um precedente judiciário em relação ao acórdão recorrido, que foi proferido antes do AUJ n.º 8/2022, há que considerar que o presente processo esteve com a instância suspensa a fim de lhe ser aplicada a orientação que viesse a ser fixada no AUJ a proferir no processo n.º1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, pelo que estamos, num sentido substancial, perante uma decisão uniformizadora dotada de uma força especial de persuasão.


3. Inexiste controvérsia relativamente à qualificação da relação jurídica que se estabeleceu entre o recorrente e o recorrido como sendo de intermediação financeira.

Está apenas em causa saber se o Banco, na qualidade em que interveio na subscrição das "Obrigações SLN Rendimento Mais 2004", isto é, de intermediário financeiro, incorreu em responsabilidade civil. Mais precisamente, importa determinar  se o recorrente violou culposamente os deveres que a lei põe a cargo do intermediário financeiro em matéria de prestação de informação ao subscritor, a qualificação dessa culpa, a verificação de um prejuízo na esfera do subscritor e a indagação da existência de um nexo de causalidade entre a referida violação de deveres e o prejuízo ocorrido.


4. Primeira questão: saber se o acórdão recorrido decidiu de modo conforme ao AUJ n.º 8/2022, quando considerou que o Banco violou culposamente os deveres de informação que sobre si impendiam.

As obrigações SLN em litígio foram subscritas no domínio de vigência do Código de Valores Mobiliários, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 486/99, de 13 de novembro.

Para a determinação dos deveres de informação a cargo do intermediário financeiro e das consequências jurídicas da sua violação, importa atentar no disposto nos artigos 7.°, n.° 1, 304.°, 312.° e 314.° do Código dos Valores Mobiliários (CVM).

Uma vez que estamos perante factos ocorridos em 2004, teremos em consideração a redação dos referidos preceitos legais então vigentes interpretados à luz da orientação fixada no AUJ n.º 8/2022.

O artigo 7.º do CVM dispõe o seguinte: 

1- A informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às atividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.

2 – O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco.

3 – O requisito da completude da informação é aferido em função do meio utilizado, podendo, nas mensagens publicitárias, ser substituído por remissão para documento acessível aos destinatários.

4 – À publicidade relativa a instrumentos financeiros e a atividades reguladas no presente Código é aplicável o regime geral da publicidade.

Por sua vez, o artigo 304º, sob a epígrafe (Princípios), estabelece que:

1- Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2- Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.

(…)»

O artigo 309º (Conflito de interesses) preceitua o seguinte:

1 - O intermediário financeiro deve organizar-se e actuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco de conflito de interesses.

2 - Em situação de conflito de interesses, o intermediário financeiro deve agir por forma a assegurar aos seus clientes um tratamento transparente e equitativo.

3 - O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses dos clientes, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de empresas com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais e dos seus trabalhadores.

4 – (…).

E o artigo 310°, sob a epígrafe (Intermediação excessiva), dispõe no seu nº 1 que:

«1 – O intermediário financeiro deve abster-se de incitar os seus clientes a efetuar operações repetidas sobre valores mobiliários ou de as realizar por conta deles, quando tais operações tenham como fim principal a cobrança de comissões ou outro objectivo estranho aos interesses do cliente».

Deve ainda o intermediário financeiro, em especial, prestar informações que envolvam os “riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar”, sendo que a “extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente” (artigo 312.º, n.º 1, al. a) e n.º 2).

No artigo 314.º do CVM estabelece-se a responsabilidade do intermediário financeiro em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou regulamento emanado de autoridade pública:            

«1. Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação».

5. Para além das normas específicas do regime do CVM são ainda convocadas as disposições do Código Civil relativas à responsabilidade civil, na medida em que não tenham sido expressamente afastadas por aqueles preceitos.

Os requisitos da responsabilidade civil, quer pré-contratual quer contratual, são os previstos no artigo 798.º do Código Civil: o facto voluntário, enquanto comportamento dominável pela vontade, que pode revestir a forma da ação ou da omissão; a ilicitude, ou seja, a desconformidade entre a conduta devida e o comportamento do intermediário financeiro, traduzindo-se na inexecução da obrigação para com o cliente (investidor); no caso da responsabilidade pré-contratual, a ilicitude consiste na violação de algum dos deveres de boa-fé contratual, como o dever de informação, o dever de lealdade e o dever de diligência; a culpa, a qual se presume nos termos do n.º 1 do artigo 799.º do Código Civil; o dano (artigo 562 do Código Civil) e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (artigo 563.º do Código Civil)

6. Com o AUJ n.º 8/2022, ficou claro que não existem presunções legais de ilicitude nem de causalidade, cabendo ao investidor o ónus da prova da violação do dever de informação e do nexo causal entre o facto e o dano.

7. Quanto ao conteúdo e alcance do dever de informação a cargo do intermediário financeiro, o AUJ n.º 8/2022 atribui-lhe um sentido amplo, que abrange a explicação sobre as caraterísticas do produto financeiro e os seus riscos, com a consequência de, se o intermediário financeiro não informar investidores-clientes não profissionais sobre o risco, que, em abstrato, podem vir a suportar por força do incumprimento do emitente (maxime em virtude de insolvência) de obrigações (maxime subordinadas), viola os deveres legais de informação que sobre si impendem, designadamente nos termos do artigo 312.º, n.º 1, al. e), do CVM. Ou seja, conforme se conclui no segmento uniformizador, «2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.».

8. Apliquemos então esta orientação aos factos do caso:

Estamos perante um caso, em que, segundo a factualidade provada, o autor era um investidor não profissional, avesso ao risco e que só investia em depósitos a prazo, o que era do conhecimento do funcionário que o aconselhou a adquirir as obrigações SLN (facto provado n.º 6, 7, 13 e 18). Provou-se que o gestor da conta do autor, emigrante e reformado por invalidez (facto provado n.º 8), lhe disse que tinha uma aplicação em tudo semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido pelo banco e com rentabilidade assegurada (facto provado n.º 5). Provou-se que o autor marido aplicou a quantia de € 100.000, de que era titular juntamente com a autora, em Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, sem que soubesse concretamente em que consistia tal produto financeiro (facto provado n.º 9). O autor apenas autorizou a realização da aplicação porque o seu gestor de cliente na agência de ... do banco réu lhe disse que o capital era garantido pelo mesmo banco, que os juros eram pagos semestralmente e que podia dispor total ou parcialmente do capital e/ou juros quando entendesse, bastando avisar a agência (facto provado n.º 10). O gestor de clientes na agência de ... do banco réu assegurou ao autor que a aplicação que iria realizar tinha a mesma garantia que um depósito a prazo (facto provado n.º 14).

9. Do processo de subsunção, resulta que a informação prestada foi incompleta, falsa e obscura, nos termos exigidos pelo AUJ n.º 8/2022 porque não foi explicada ao Autor a característica da subordinação das obrigações, bem como não foi explicada a relação de dependência do Banco perante o emitente das obrigações e que o reembolso do capital aplicado não era garantido. Os termos e o contexto em que o funcionário Bancário levou o autor à subscrição do produto financeiro em causa não permitiam ao cliente (investidor) entender as especificidades do instrumento financeiro que adquiria, para assumir uma decisão livre e esclarecida.

As informações incorretamente prestadas ao Autor assumiam um cariz objetivo – pois o que relevava para o autor era saber se o reembolso do capital investido estava assegurado – e não estavam dependentes de quaisquer variantes analíticas ou evolução da conjuntura económico-financeira, antes decorrendo das próprias características do produto sobre as quais nada foi dito ao autor.

10. O incumprimento dos deveres de informação pelo Banco é sancionado no quadro da responsabilidade civil contratual, recaindo sobre o intermediário financeiro ou banco que age nessa veste uma presunção de culpa nos termos do artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil e 314.º, n.º 2, do CVM, na redação vigente à data da subscrição das obrigações (equivalente ao atual n.º 2 do artigo 304.º-A do CVM/2007), que estatui «A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação».

Competia ao Banco ilidir esta presunção (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil), o que não logrou fazer, pois nada nesse sentido decorre da matéria de facto dada como provada.

11. Considera-se, assim, que os factos provados permitem configurar a violação culposa do dever de informação que impendia sobre o Banco, e conclui-se pela existência de ilicitude e de culpa.

12. II - Nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano

Para serem indemnizáveis os danos devem ligar-se causalmente ao incumprimento do dever pré-contratual ou contratual (nexo de causalidade).

Prescreve o artigo 563.º, do Código Civil que «A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão», ou seja, não fora o incumprimento do dever de informação.

Na disposição normativa supra citada está consagrado o critério da causalidade adequada, pela formulação negativa, ou seja, o incumprimento contratual tem, em concreto, de ter constituído condição necessária ao dano, só se excluindo a responsabilidade se ele for, pela sua natureza, indiferente para a produção daquele tipo de prejuízos, isto é, se o lesante provar que apenas a ocorrência de circunstâncias extraordinárias ou invulgares determinou a aptidão causal daquele facto para a produção do dano verificado.

13. Nos termos do AUJ n.º 8/2022, a presunção de culpa do intermediário financeiro não abrange qualquer presunção legal de causalidade, cabendo ao investidor, nos termos do artigo 342.º, nº 1, do Código Civil o ónus da prova (ponto 1). O AUJ prossegue, afirmando no ponto 3. que «O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir» e no ponto 4. que «Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir». 

14. Para o efeito de determinar se ficou ou não preenchido o ónus da prova importa analisar a matéria de facto provada:

« 10. O autor apenas autorizou a realização da aplicação porque o seu gestor de cliente na agência de ... do banco réu lhe disse que o capital era garantido pelo mesmo banco, que os juros eram pagos semestralmente e que podia dispor total ou parcialmente do capital e/ou juros quando entendesse, bastando avisar a agência.

11. O autor marido agiu convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura em tudo semelhante a um depósito a prazo, cuja responsabilidade de reembolso era exclusivamente do banco réu.

12. Se o autor marido tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, produto financeiro de risco em que o capital não era garantido pelo banco réu, jamais o teria autorizado».

Nesta factualidade, é por demais evidente que se encontra verificado o nexo de causalidade entre o dano e a conduta do Banco Réu/recorrente, pois provou-se que o autor atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo,  e que, se tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações – um produto de risco sem capital garantido pelo BPN –não o teria autorizado.

15. Deu-se também a verificação de danos patrimoniais e não patrimoniais conforme decorre da matéria de facto:

«3. Através daquela conta os autores subscreveram duas Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, no montante de € 50.000 (cinquenta mil euros) cada uma, perfazendo o total de € 100.000 (cem mil euros), cujo reembolso deveria ter ocorrido em data não concretamente apurada do mês de Outubro de 2014, o que não se verificou, nem naquela data, nem até hoje. (destaque nosso)

(…)

21. Na data do vencimento, o banco réu não restituiu ao autor o montante de € 100.000 que este lhe havia confiado.

22. A atitude do banco réu causou e continua a causar aos autores grande preocupação e ansiedade, com medo de não saber se e quando vão recuperar o seu dinheiro, bem como lhes acarretou tristeza uma vez que contavam com aquelas poupanças para poder passar uma velhice mais descansada e livre de preocupações económicas».

16. Pelo que se conclui que o Banco Réu incorre na obrigação de indemnizar os autores.

 17. Não vindo questionada a forma como foi determinado o montante ou a extensão do dano indemnizável, confirma-se a decisão do acórdão recorrido e condena-se o Banco BIC a pagar aos autores a quantia de € 100.000, acrescida de juros de mora à taxa legal, calculados sobre essa quantia, desde 23.10.2014 até integral pagamento, e a quantia de € 7.000 a título de danos morais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados sobre essa quantia, desde a data da citação até integral pagamento.

18. Anexa-se sumário nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC:

I - Sendo as questões a decidir em tudo semelhantes às que foram objeto do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/2022, proferido no Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A (publicado em Diário da República, I .ª Série, N.º 212, 3 de novembro de 2022, pp. 10 e seguintes), haverá apenas que verificar se o acórdão recorrido solucionou as questões de direito relativas à ilicitude e ao nexo causal entre o facto e o dano de forma compatível com o estipulado no AUJ, que fixou a seguinte orientação:

«1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir».  

II - Esta é a solução que resulta da circunstância de o acórdão de uniformização de jurisprudência, apesar de não gozar do caráter vinculativo das fontes de direito, constituir um “precedente judiciário qualificado”, dotado de especial força de persuasão.

III -  Tendo ficado provado que o gerente de conta do autor marido, emigrante e reformado por invalidez, lhe disse que tinha uma aplicação em tudo semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido pelo banco e com rentabilidade assegurada e que este aplicou a quantia de € 100.000, de que era titular juntamente com a autora, em Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, sem que soubesse concretamente em que consistia tal produto financeiro, ficou provada a violação do dever de informação pelo Banco intermediário financeiro.

IV –  Tendo ficado provado que «Se o autor marido tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, produto financeiro de risco em que o capital não era garantido pelo banco réu, jamais o teria autorizado» é inequívoco que está demonstrada a existência de nexo de causalidade entre o facto e o dano.


III – Decisão

Pelo exposto, decide-se na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Supremo Tribunal de Justiça, 17 de janeiro de 2022


Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Pedro de Lima Gonçalves (1.º Adjunto)

Maria João Tomé (2.º Adjunto)