Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1254/17.9YRLSB.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA
DECISÃO ARBITRAL
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
AÇÃO DE ANULAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
DANOS FUTUROS
PRINCÍPIO DO PEDIDO
PROCESSO ARBITRAL
PROVA PERICIAL
PROVA DOCUMENTAL
PRINCÍPIOS DE ORDEM PÚBLICA PORTUGUESA
Data do Acordão: 10/01/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / CÁLCULO DE INDEMNIZAÇÃO.
Doutrina:
- A. Pedro Pinto Monteiro, Da ordem pública no processo arbitral, em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Lebre de Freitas, Vol. II, p. 649 e ss.;
- A. Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, p. 602 e 605;
- Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 71;
- Assunção Cristas e Mariana França Gouveia, CDP n.º 29, p. 56;
- Baptista Machado, Do princípio da liberdade contratual, em Obra Dispersa, Vol. I, p. 642;
- Esteves de Oliveira, Lei da Arbitragem Voluntária Comentada, p. 385 e 558;
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª ed., p. 339 e 340;
- Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3.ª ed., p. 715 e 716;
- Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2.ª ed., p. 553;
- Manuel Pereira Barrocas, Manual de Arbitragem, p. 434;
- Mariana França Gouveia, Curso de Resolução Alternativa de Litígios, 3.ª ed., p. 311;
- Menezes Cordeiro, Tratado da Arbitragem, p. 283 e 441 ; Tratado de Direito Civil Português, I, Tomo IV, p. 341, 346 e 349;
- Morais Carvalho, Os Limites à Liberdade Contratual, p. 87;
- Paula Meira Lourenço, A Função Punitiva da Responsabilidade Civil, p. 165 e ss.;
- Robin de Andrade, Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, AAVV, 3.ª ed., p. 149;
- Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 3.ª ed., p. 184 e 185;
- Sampaio Caramelo, Da condução do processo arbitral, Direito da Arbitragem, Ensaios, p. 144 e ss., 166 ; A Impugnação da Sentença Arbitral, 2.ª ed., p. 55;
- Vaz Serra, RLJ 114, p. 309 e 310 ; RLJ 113, p. 326.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 564.º, N.º 2.
LEI DE ARBITRAGEM VOLUNTARIA (LAV): - ARTIGOS 30.º, N.ºS 1 2 E 3, 31.º, N.º 1 E 46.º, N.º 3, ALÍNEA A).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 02-11-2010, 22-02-2011, 20-11-2012, 05-02-2015 E 30-04-2015, TODOS IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃOS N.ºS 409/99, 14/00, 245/00, 187/01, 275/02, 195/03, 522/06 E 134/07.
Sumário :
I - Não viola o disposto no art. 46.º, n.º 3, al. a), subal. v), da LAV, a decisão arbitral de atribuir indemnização por dano futuro (correspondente, no final do contrato entre a EE e a FF, à diferença de valor entre o montante que aquela vier a pagar a esta, no âmbito da execução do Acordo de 01-06-2014, e o valor previsivelmente mais baixo que a EE pagaria pelas mesmas toneladas de cobre se nas datas convencionadas utilizasse como valor de referência o valor correspondente no London Metal Exchange) que se funda, não obstante o pedido líquido deduzido pelos autores no valor de € 1 311 322,48, nos factos alegados e dados como provados e na interpretação feita em razão dos mesmos, não exorbitando, assim, os limites desse pedido, apesar de esse dano não se ter ainda verificado, atendendo à “probabilidade considerável” (art. 564.º, n.º 2, do CC) de o mesmo vir a ocorrer.

II - O poder dos árbitros está subordinado aos princípios fundamentais do processo arbitral (art. 30.º, n.º 1), às normas imperativas da LAV (art. 30.º, n.º 2) e às regras fixadas por acordo das partes (art. 30.º, n.os 2 e 3), devendo ser exercido tendo como objectivo a resolução célere e eficiente do litígio, como, em regra, se prevê nos regulamentos de arbitragem.

III- As regras particulares do processo estabelecidas pelo tribunal Arbitral, quanto à prova pericial, e ao sequente indeferimento do requerimento dos recorrentes, não violam o disposto no art. 46.º, n.º 3, al. a), subal. ii), da LAV, tanto mais que definiu que as partes poderiam apresentar relatório de peritos com os seus articulados, sendo, assim, manifesto que a perícia requerida pelos recorrentes não se conforma com essa regra processual estabelecida no início do processo arbitral.

IV - A decisão arbitral não viola os princípios da igualdade e do contraditório (art. 31.º, n.º 1, da LAV), tanto mais que o tribunal Arbitral estabeleceu regras particulares no que concerne à apresentação de documentos em poder da parte contrária (no caso, o pedido feito pelos recorrentes de notificação da recorrida para lhes entregar os relatórios da due diligence), as quais foram respeitadas, como, aliás, conclui o acórdão recorrido.

V - A decisão arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se este verificar que o seu conteúdo ofende princípios da ordem pública internacional do Estado Português (art. 46.º, n.º 3, al. b), subal. ii), da LAV). Em relação às arbitragens internas, em que, por regra, é aplicado o direito português, o sentido da norma parece claro: restringir a intervenção do conceito de ordem pública como fundamento de anulação das sentenças arbitrais.

VI - Só uma ofensa concreta e séria (grave) aos fins prosseguidos pelos princípios da ordem pública internacional pode e deve ser sancionada. No caso em apreço, o incumprimento por parte dos recorrentes foi relevante, não insignificante, não existindo motivos para considerar que houve um exercício ilegítimo – com desequilíbrio e desproporção intolerável – do direito de opção de compra, e que a cumulação dessa pena (de natureza compulsória) com a indemnização pelos danos futuros não é manifestamente desproporcional à relevância do referido incumprimento, nem viola, assim, os fins que os princípios enunciados em V. visam salvaguardar.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]:

I.

AA, S.A. e BB vieram intentar contra CC, S.A a presente acção de anulação da sentença arbitral que julgou parcialmente procedente a acção proposta pela Ré CC contra os aqui Autores, tendo estes sido condenados a pagar àquela demandante a totalidade dos danos futuros resultantes do incumprimento do Acordo Parassocial e a entregar à demandante a totalidade das suas acções no capital de DD por aplicação da pena convencional prevista na cláusula 13.ª do Acordo Parassocial.

Concluíram, em síntese, que a sentença arbitral ofendeu de modo grave e manifesto os princípios da proporcionalidade das prestações e das indemnizações, da proibição de indemnizações punitivas em matéria cível, proibição do abuso de direito, proibição das medidas discriminatórias ou espoliadoras, da proibição do locupletamento à custa de outrem, integradores da ordem pública internacional do Estado Português (art.º 46/3, alínea b), os princípios processuais de igualdade e do contraditório com influência na decisão do litígio (art.º 46/3/a da LAV) tendo a sentença condenado em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (art.º 46/3/a da LAV).

A Ré CC opôs-se ao pedido de anulação.

Em douto acórdão, a Relação de Lisboa julgou a acção improcedente, absolvendo a ré do pedido.

Inconformados com esta decisão, os autores vieram pedir revista, formulando as seguintes conclusões:

1. A acção de anulação da sentença arbitral foi directamente instaurada no Tribunal da Relação, que se pronuncia em primeira instância sobre as questões que fundamentam o pedido de anulação, pelo que o presente recurso é admissível (vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-11-2016 (processo 1052/14.1TBBCL.P1.S1, www.dgsi.pt.)

2. Os recorrentes não se conformam com o douto acórdão recorrido que julgou improcedente a acção de anulação da sentença arbitral proferida no processo que a ora recorrida CC, S.A instaurou contra os ora recorrentes no CENTRO DE ARBITRAGEM COMERCIAL da CÂMARA DE COMÉRCIO E INDÚSTRIA PORTUGUESA - vd. pág. 1 e 2 da sentença arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 4.

3. A mencionada sentença arbitral condenou os ora recorrentes a pagar à recorrida a totalidade dos danos futuros resultantes do incumprimento do Acordo Parassocial e a entregar a totalidade das suas ações no capital da DD, por aplicação da pena convencional estipulada na cláusula 13ª do Acordo Parassocial - vd. pág. 64 da certidão da sentença arbitral junta sob o documento nº 4.

4. A sentença arbitral foi proferida com declaração de voto do árbitro Prof. Menezes Cordeiro, por este entender que a dupla condenação conduz a uma situação de desequilíbrio no exercício do direito, oficiosamente judicável e vedada pela ordem pública internacional - vd. da certidão da sentença arbitral junta sob o documento nº 4.

São as seguintes as questões suscitadas na acção de anulação da decisão arbitral e que constituem o objecto do presente recurso, seguindo a sistematização elaborada a págs. 24/25 do douto acórdão recorrido:

I) VIOLAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL DO ESTADO PORTUGUÊS (art. 46.°, nº 3, alínea b), ii) da LAV)

5. Nesta sede o douto acórdão recorrido entendeu que a decisão arbitral não excedeu de forma manifesta os limites impostos pela boa-fé e bons costumes, nem o princípio da proporcionalidade ou qualquer outro princípio integrado na ordem pública, o que, com o devido respeito, não é correcto face aos elementos constantes do processo.

6. No que se refere aos comentários que o acórdão recorrido faz à declaração de voto do árbitro Prof. Dr. Menezes Cordeiro, cumpre esclarecer que Menezes Cordeiro é do entendimento de que por regra as decisões arbitrais devem ser tomadas por unanimidade, de modo a evitar enfraquecer as arbitragens, apenas admitindo o voto de vencido em casos excepcionais - Tratado da Arbitragem Comentário á lei 63/2011 de 14 de dezembro, Almedina, 2015 pág. 403

7. Foi precisamente isso que sucedeu no caso dos autos e que levou o árbitro Prof. Menezes Cordeiro a proferir voto de vencido, por ter havido uma dupla condenação, que conduz a uma situação de desequilíbrio no exercício do direito e que é proibida pela ordem pública internacional - vd. Declaração de voto anexa á sentença arbitral.

8. Tal como consta do objeto do litígio definido pelo Tribunal Arbitral, estão em causa as seguintes situações de incumprimento do Acordo Parassocial alegadas pela demandante CC (vd. pág. 5 da sentença arbitral junta sob o documento nº 4):

a) Incumprimento da declaração contida na Cláusula 5.1, alínea s), do Contrato de Opção de Compra de Ações (custos suportados pelo GRUPO EE)

b) Incumprimento da declaração contida na Cláusula 5.1, alíneas m) e o), do Contrato de Opção de Compra de Ações (falta de títulos válidos sobre imóveis necessários ao regular exercício da atividade do GRUPO EE)

c)       Violação do dever de lealdade subjacente à relação parassocial

d)      Incumprimento da declaração contida na Cláusula 5.1, alínea g), do Contrato de Opção de Compra de Ações (ocultação à Demandante da existência de uma obrigação decorrente de um acordo de fixação de preço celebrado entre a EE e a FF em 2011)

9. Todos os pedidos formulados pela demandante CC relacionados com as três primeiras questões acima elencadas de alegado incumprimento do Acordo Parassocial foram julgados improcedentes (págs. 41 e 44 da sentença arbitral).

10. Quanto à quarta questão (ocultação à Demandante da existência de uma obrigação decorrente de um acordo de fixação de preço celebrado entre a EE e a FF em 2011), o tribunal arbitral entendeu que o acordo de fixação de cobre de 2011 devia estar mencionado nas demonstrações financeiras da EE (pág. 36 da sentença arbitral) e que tal desconformidade não se deve a culpa dos demandados - pág. 39 da sentença arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 4.

11. Com vista a esclarecer as circunstâncias em que o Tribunal arbitral decidiu esta matéria, importa indicar previamente a seguinte matéria constante dos factos provados:

- A Cláusula 13.ª, nº 1, alínea b) do Acordo Parassocial prevê que se verifica uma "Situação de Incumprimento" se os recorrentes AA e/ou BB violarem ou incumprirem qualquer das obrigações, assim como das declarações e garantias prestadas em benefício do FUNDO DE REESTRUTURAÇÃO EMPRESARIAL, constantes da Cláusula 5.1 a 5.3 do Contrato de Opção – nº 12.2 dos factos provados a pág. 13 da sentença arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 4.

- A cláusula 13.ª, nº 2 do Acordo Parassocial prevê que no caso de uma situação de incumprimento, a parte não faltosa terá o direito de exercer uma opção de compra sobre todas as ações que a parte faltosa detenha – nº 12.3 dos factos provados a pág. 13/14 da sentença arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 4.

- A cláusula 13.ª, nº 5 do Acordo Parassocial, prevê que o incumprimento por qualquer das partes de obrigações por estas assumidas confere às demais partes o direito a receber da parte incumpridora uma indemnização pelos danos sofridos – nº 12.5 dos factos provados a pág. 15 da sentença arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 4.

O ACORDO DE FIXAÇÃO DE PREÇO DE COBRE CELEBRADO ENTRE A EE E A FF EM 2011

12. Como consta do nº 19 e nº 22 dos factos provados, em 10.02.2011 a EE e a FF celebraram um acordo de fixação de preço, relativo a 450 toneladas de cobre - pág. 16 e 17 da sentença arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 4.

13. As 450 toneladas de cobre representavam cerca de 3% do volume de cobre que a EE comprava anualmente – nº 29 dos factos provados a pág. 18 da sentença arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 4.

14. E como está consignado no nº 20 dos factos provados, a EE celebrou o referido acordo a fim de obter o cobre necessário para fabricar cabos encomendados por um cliente situado na ..., cabos esses que seriam fornecidos ao cliente final GG (GG) - pág. 17 da sentença arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 4.

15. Sucedeu que, como consta do nº 25 dos factos provados, a inopinada guerra civil da ..., que eclodiu em meados de fevereiro de 2011, afetou as relações comerciais da EE com os seus clientes ..., entre os quais a GG, e fez com que a GG suspendesse a encomenda - pág. 17 da sentença arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 4.

16. Por força de tal facto as 450 toneladas de cobre do acordo de 2011 não foram entregues pela FF nem foram pagas pela EE nas datas acordadas – nº 32 dos factos provados a pág. 18 da sentença arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 4.

17. Desde Junho de 2011 até Novembro de 2013 a FF não reclamou o pagamento das 450 toneladas de cobre á EE – nº 34 dos factos provados a pág. 19 da sentença arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 4.

18. A recorrida CC, por carta de 11.06.2014 (vd. documento A19 junto com a petição inicial do processo arbitral constante da certidão integral do processo arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 5), interpelou os ora recorrentes para sanarem alegados incumprimentos do Contrato de Opção e do Acordo Parassocial, reclamando uma indemnização no valor global de 3.014.096,37 Euros (nº 60 dos factos provados a pág. 23 da sentença arbitral).

19. Por carta de 09.07.2014 os recorrentes responderam às interpelações da recorrida, rejeitando a existência de qualquer incumprimento contratual (nº 62 dos factos provados a pág. 24 da sentença arbitral).

20. Por carta de 14.07.2014 (vd. documento A114 junto com a petição inicial do processo arbitral constante da certidão integral do processo arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 5), a recorrida CC considerou definitivamente incumprido o Contrato de Opção e o Acordo Parassocial e exerceu a pena contratual de aquisição da totalidade das acções da recorrente, alegando que os recorrentes não sanaram os alegados incumprimentos nem procederam ao pagamento da indemnização reclamada de 3.014.096,37 Euros (nº 63 dos factos provados a pág. 24 da sentença arbitral).

A DECISÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL QUANTO AO MODO E INTENSIDADE DO INCUMPRIMENTO DO ACORDO PARASSOCIAL RELATIVAMENTE À QUESTÃO DA FIXAÇÃO DO PREÇO DO COBRE.

21. Com base na matéria de facto acima indicada, a sentença arbitral considerou que não foi demonstrado que os recorrentes tivessem intencionalmente ocultado à recorrida o acordo de fixação de cobre celebrado entre a EE e a FF - pág. 36 da sentença arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 4.

22. A sentença arbitral também considerou que não ficou demonstrado que os administradores da DD/EE tenham recusado informações ou documentos que lhes tivessem sido solicitados no âmbito da auditoria (Due Diligence) efetuada às empresas por conta da recorrida - pág. 36 da certidão da sentença arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 4.

23. A sentença arbitral reconheceu inclusivamente que à data da celebração do Contrato de Opção e do Acordo Parassocial (07.12.2012) já tinha expirado o prazo para a execução do acordo de fixação de preço do cobre sem que nenhuma das partes tivesse até então reclamado o seu cumprimento à outra, nem até 2013, "o que leva este Tribunal a concluir que prescindiram dos prazos convencionados" - pág. 36 da sentença arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 4.

24. Apesar disto o Tribunal Arbitral entendeu que o acordo de fixação de cobre de 2011 devia estar mencionado nas demonstrações financeiras da EE (pág. 36 da sentença arbitral) e que tal omissão constitui um incumprimento relevante do acordo parassocial.

25. Para tanto, o Tribunal Arbitral estriba-se num relatório encomendado pela recorrida à empresa de auditoria BBB em 2014, o qual, como aliás é reconhecido na sentença arbitral, nem sequer é conclusivo quanto ao montante da provisão a criar para cada período - vd. pág. 37 da sentença arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 4.

26. Sendo de relevar que o art. 68 da NORMA INTERNACIONAL DE CONTABILIDADE IAS 37 (Jornal Oficial da União Europeia L 261/332 de 13.10.2003) pressupõe a existência de custos inevitáveis.

27. Ora, a demandante ora recorrida não logrou provar que os alegados custos relativamente ao acordo de fixação de cobre fossem "inevitáveis", custos que nem sequer estão quantificados no processo arbitral, pois foi considerado não provado e improcedente o pedido formulado a este título pela recorrida, no valor de 1.042.000€.

28. Adrede e como também refere o árbitro Prof. Menezes Cordeiro na sua declaração de voto, "tais custos nem se documentaram quantitativamente nem se sabe serem inevitáveis. Há pois e quando muito, dúvidas contabilísticas sobre o tratamento da matéria" - vd. declaração de voto anexa à sentença arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 4.

29. Resulta assim da sentença arbitral que a maioria dos árbitros considerou que os recorrentes não cumpriram as declarações que prestaram no Acordo de Opção de Compra de ações por razões contabilísticas, ou seja, em virtude de não terem mencionado nas demonstrações financeiras o montante da provisão a criar, apesar do relatório da BBB junto pela recorrida ser inconclusivo nesta matéria.

30. Para além disto, a sentença arbitral considerou que "essas desconformidades não se devem a culpa sua" - pág. 39 da sentença arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 4.

31. Ou seja, entendeu a sentença arbitral que, de todos os incumprimentos invocados pela recorrida como fundamento para a resolução do acordo parassocial e acionamento da cláusula penal de aquisição de todas as acções da recorrente, apenas houve um incumprimento contratual por parte dos recorrentes consubstanciado na omissão nas demonstrações financeiras do acordo de fixação do preço de cobre (acordo que representa apenas 3% das compras anuais de cobre da empresa) e que estes não agiram com culpa.

AS PENAS CONTRATUAIS APLICADAS PELO TRIBUNAL ARBITRAL PELO INCUMPRIMENTO DO ACORDO PARASSOCIAL NO QUE SE REFERE AO ACORDO DE FIXAÇÃO DE COBRE.

32. Relativamente ao pedido indemnizatório formulado pela demandante por alegadas perdas decorrentes do acordo de fixação do cobre de 2011, ficou provado que a demandante não sofreu os peticionados danos no montante de 1.042.000,00 Euros causados pelo desconhecimento do Acordo de cobre de 2011 – nº 53 da listagem dos factos provados, a pág. 22 da sentença arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 4.

33. Contudo, apesar de não terem ficado provados os danos peticionados pela demandante nesta sede, o Tribunal Arbitral entendeu que "existe uma probabilidade considerável de a EE vir a suportar uma perda no futuro", condenando os demandados na totalidade dos danos futuros eventualmente decorrentes da diferença de valor, no final da execução do contrato celebrado em 01.06.2014 entre a EE e a FF (alínea A), b) e alínea F), m) das conclusões da sentença arbitral a pág. 61 e 64), sendo que face à valorização do cobre nos últimos anos, que já em 2017 aumentou 30% e espera-se uma subida contínua até 2020, a recorrida até pode vir a ter um benefício (…).

34. Para além disto, o Tribunal Arbitral entendeu ainda e cumulativamente, aplicar a pena convencional peticionada pela recorrida, de aquisição coerciva de todas as acções da DD pertencentes á recorrente AA, com base no incumprimento relativo á "não revelação da existência de uma obrigação decorrente de um acordo de fixação de preço celebrado entre a EE e a FF" - cfr. alínea A), b) e alínea B), d) das conclusões, a pág. 61 e 62 da sentença arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 4.

PRINCÍPIOS DA ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL VIOLADOS PELA DECISÃO ARBITRAL

35. Resulta assim da sentença arbitral que, (i) face a um único incumprimento (todos os restantes alegados incumprimentos foram julgados não provados e improcedentes), (ii) considerado não culposo, (iii) de diminuta relevância (todos os danos peticionados a esse título pela recorrida foram julgados improcedentes e o acordo de fixação de cobre representa apenas 3% das compras anuais de cobre) e (iv) relativo a divergências contabilísticas quanto a um acordo de fixação de preço de cobre (acordo que de resto nunca foi cumprido nem pela EE nem pela fornecedora FF face ao eclodir da guerra civil da ...), o Tribunal Arbitral decidiu condenar os ora Autores na totalidade dos (inexistentes) danos futuros (pedido que não foi formulado pela recorrida), e ainda, qual pena de Talião, na sanção máxima de aquisição coerciva da totalidade das acções das empresas, detidas pela recorrente AA.

36. A Cláusula 13.ª do Acordo Parassocial, ao estipular para qualquer situação de incumprimento [Cláusula 13.ª, nº 1, alínea b)], a aplicação cumulativa de uma pena consubstanciada na aquisição coerciva da totalidade das ações da parte incumpridora (cláusula 13.ª, nº 2 do Acordo Parassocial) e de uma indemnização da totalidade dos danos sofridos (cláusula 13.ª, nº 5) [vd. Nºs 12.2, 12.3, 12.4 e 12.5 dos factos provados a págs. 13 a 15 da sentença arbitral], permite o exercício de direitos com lesão intolerável do devedor, criando uma situação desproporcional e irrazoável de manifesto desequilíbrio, qua tale, violadora de princípios da ordem pública internacional do Estado Português.

37. A sentença arbitral reconheceu inclusivamente que "O Tribunal não ignora que o conjunto "acordo parassocial/contrato de opção" pode constituir um modelo agressivo de funcionamento do capital de risco, visto que os fundos de capital de risco, enquanto investidores financeiros, podem ser tentados, independentemente de situações críticas de execução ou similares, a assumir o controlo das empresas. Por isso, algumas posições doutrinárias questionam a validade de cláusulas que, fora de contextos de execução ou de insolvência, permitam a aquisição total de empresas por fundos de capital de risco" - pág. 27 da sentença arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 4.

38. Apesar disso, a sentença arbitral considerou válida a mencionada cláusula 13.ª do Acordo Parassocial, ancorando-a no princípio da liberdade contratual (vd. pág. 27 e 28 da sentença arbitral), e decidiu aplicá-la perante um incumprimento que considerou não culposo, isto quando não houve qualquer incumprimento por parte dos recorrentes quanto a todas as demais situações alegadas pela recorrida.

39. Contudo a liberdade contratual termina quando contende com valores essenciais do ordenamento jurídico nacional (princípio da boa-fé, proibição do abuso de direito, proibição de indemnizações desproporcionadas ou punitivas em matéria cível, etc.), e por conseguinte integradores da ordem pública internacional do Estado português.

40. E como refere o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-03-2017 "O princípio da autonomia privada reconduz-se a uma permissão genérica de conduta a todos os sujeitos da ordem jurídica, possibilitando-lhes estabelecer os efeitos jurídicos que se irão repercutir na sua esfera jurídica, através da liberdade de celebração do contrato e de fixação de conteúdo do mesmo. Porém, a constatação de ter havido um abuso ou um aproveitamento excessivo da autonomia privada implica o reconhecimento de que o contrato não assentou numa igualdade jurídico-económica, ou seja, afinal, em tal autonomia, o que conduz à contenção da liberdade contratual, mediante a intervenção do Estado, no interesse colectivo, munido dos comandos resultantes, tanto da falada cláusula da "ordem pública", como dos da boa-fé e dos "bons costumes" (processo 103/13.1 YRLSB.51, www.dgsi.pt.).

41. Para o Prof. BAPTISTA MACHADO, a ordem pública tanto pode ser induzida por um conjunto de normas ou quadros normativos que imperativamente organizam as instituições jurídicas e de certos valores fundamentais, como ainda "da ideia de razoabilidade, no sentido do que os americanos chamam o negative clearing-test: no sentido de que o direito se recusa a dar cobertura ao exercício de uma discricionariedade manifestamente irrazoável (proibição de excesso) "- Obra Dispersa, vol. I, Braga, 1991, pág. 643/644.  

42. A sentença arbitral, ao condenar os ora recorrentes no ressarcimento integral de todos os (por ora inexistentes) danos futuros causados à recorrida e ainda na pena convencional de aquisição coerciva da totalidade das ações da recorrente, apesar de considerar que o incumprimento verificado não ocorreu com culpa, está a aplicar uma dupla sanção manifestamente desproporcional ao grau de incumprimento e por conseguinte manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.

43. Acresce que os incumprimentos alegados e indemnizações reclamadas na petição inicial do processo arbitral no valor global de 1.481.702,48€ (vd. pág. 2 da sentença arbitral) nem sequer correspondem com os incumprimentos alegados e indemnizações reclamadas no valor de 3.014.096,37€ nas cartas de interpelação e resolução (vd. documento A19 e documento A114 juntos com a petição inicial do processo arbitral constante da certidão junta com a acção de anulação sob o documento nº 5).

44. Pelo que a sentença arbitral, ignorando a diferença substancial dos valores indemnizatórios e dos fundamentos indicados na carta de interpelação relativamente aos indicados na ação arbitral, e considerando lícito e eficaz o exercício do direito de opção coerciva das ações da demandada por via das mencionadas cartas (Doc. A19 e Doc. A114 juntos com a petição inicial constante da certidão integral do processo arbitral junta sob o documento nº 5), violou também nesta sede princípios fundamentais da ordem pública internacional, nomeadamente o da proibição do abuso do direito.

45. A sentença arbitral violou o princípio da proibição do abuso do direito, na modalidade do desequilíbrio no exercício do direito, porquanto, face ao incumprimento verificado e à diminuta culpa do agente, aplicou uma sanção manifestamente desproporcional ao incumprimento, tendo ainda em conta que os incumprimentos alegados e as indemnizações reclamadas pela recorrida nas suas cartas de resolução não coincidem com os fundamentos e valores reclamados na petição inicial do processo arbitral.

46. Ficou provado que os ora recorrentes não agiram com culpa ao não incluir nas contas das sociedades a referência ao acordo de fixação de cobre de 2011, celebrado para clientes da ... (vd. pág. 39 da sentença arbitral), tendo em conta que em meados de fevereiro de 2011 eclodiu a inopinada guerra civil na ..., o que fez com que os clientes da ... suspendessem as encomendas (nº 25 dos factos provados) e que as 450 toneladas de cobre do acordo de 2011 não fossem entregues pela FF nem fossem pagas pela EE nas datas acordadas (nº 32 dos factos provados), e que enquanto a ora autora deteve a maioria ou totalidade das empresas a FF não reclamou o pagamento das 450 toneladas de cobre á EE (nº 34 dos factos provados).

47. Ficou inclusivamente provado que o acordo de fixação das 750 toneladas de cobre representava apenas cerca de 3% do volume de cobre que a EE comprava anualmente (nº 29 dos factos provados a pág. 18 da sentença arbitral constante da certidão junta sob o documento nº 4), o que demonstra, também por esta via, que a falta de menção do mencionado acordo de fixação de cobre nas demonstrações financeiras da EE nunca poderia constituir um "incumprimento relevante" (na terminologia usada pelo tribunal arbitral - vd. pág. 5 da sentença arbitral), nem, por conseguinte, motivo para aplicar uma dupla condenação.

48. E na esteira do propugnado pelo Prof. Menezes Cordeiro, a desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo exercício a outrem constitui um dos subtipos do abuso do direito integrados no exercício em desequilíbrio, incluindo-se aqui situações como o "desencadear de poderes-sanção por faltas insignificantes" e a "atuação de direitos com lesão intolerável de outras pessoas" - Tratado de Direito Civil, V, 2a Ed., 2015, pág. 377/348.

49. A sentença arbitral violou igualmente o princípio da proibição de indemnizações punitivas em matéria cível porquanto aplicou uma dupla sanção que vai muito além dos danos efetivamente (não) sofridos pela recorrida (que até pode ter um benefício dada a valorização do cobre nos últimos anos): face ao incumprimento verificado e à culpa mitigada do agente, a dupla condenação na indemnização total dos danos futuros e na aquisição coerciva da totalidade das ações da recorrente constitui uma grave punição que não é aceite pela ordem pública internacional do Estado Português.

50. Pronunciando-se sobre esta matéria, o douto Acórdão recorrido entendeu que o "juízo fáctico-jurídico sobre a culpa presumida dos demandados a que o Tribunal Arbitral chegou, ora Autores, não pode ser sindicada". (vd. pág. 68 do Acórdão recorrido), e que "o labor interpretativo do contrato, a subsunção jurídica efectuada naquele segmento da decisão não é susceptível de sindicância pela Relação, até porque o resultado interpretativo ali expresso não ofende nenhum dos mencionados princípios da ordem pública" (pág. 72 do Acórdão recorrido), e que "não há elementos que permitam concluir que a cumulação por desproporcional provoca um desequilíbrio contratual, desde logo porque os danos futuros, por o serem, apesar de previsíveis, não são desde já contabilizáveis" (pág. 74/75 do Acórdão recorrido)

51. Com o devido respeito não se pode de todo concordar com tal posição: desde logo porque dos quatro incumprimentos invocados pela recorrida e alegados na petição inicial da acção arbitral como fundamento para resolver o acordo parassocial, reclamar indemnizações e exercer o direito de aquisição coerciva das acções da recorrente, a sentença apenas deu como provado um único incumprimento (não estar refectido nas contas o acordo de fixação do cobre), e quanto a este ficou provado a ausência de culpa ou culpa mitigada dos recorrentes (vd. pág. 39 da sentença arbitral).

52. Por outro lado não é relevante para o efeito a consideração adiantada pelo douto Acórdão recorrido de que os danos futuros "não são desde já contabilizáveis", pois o que interessa é que os recorrentes foram condenados no pagamento de todos os danos decorrentes da omissão nas contas do acordo de fixação do cobre.

53. E segundo o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26-01-2010, "não há obrigação de indemnizar, ainda que antecipadamente definido o seu quantum, sem a comprovação da culpa. Podemos argumentar que, tratando-se de um ilícito contratual, a culpa do devedor se presume (artigo 7990, 1, do Código Civil), mas os factos provados permitem ajuizar pela sua ausência de culpa, o mesmo é dizer, que conduzem à ilisão da presunção de culpa." (processo 1782/08.7TBGRD.C1 in www.dgsi.pt)

54. Segundo o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-03- 2017 (processo 103/13.1YRLSB.51, www.dgsi.pt.). incluem-se no conteúdo da cláusula geral da ordem pública internacional os princípios fundamentais da boa-fé, dos bons costumes, da proibição do abuso de direito, da proporcionalidade, da proibição de medidas discriminatórias ou espoliadoras, da proibição de indemnizações punitivas em matéria cível.

55. O Prof. MENEZES CORDEIRO, referindo-se à ordem pública internacional em questões patrimoniais, salienta que "existem no nosso Direito, como firmes institutos imperativos, duas regras interligadas: a) a proibição de abdicar de bens futuros; b) a proporcionalidade das prestações e das indemnizações" - Tratado da Arbitragem, Comentário á lei 63/2011 de 14 de Dezembro, almedina, 2015, pág. 450.

56. No tocante ao princípio da proporcionalidade, dispõe o art. 811, nº 3 do CC que o credor não pode em caso algum exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal, salientando Menezes Cordeiro que "a resolução do negócio por um incumprimento de escassa importância não pode ter lugar (802.º/2) e a cláusula penal manifestamente excessiva pode ser reduzida pelo Tribunal, sendo nula qualquer cláusula em contrário (812.º/1, todos do CC) - Tratado da Arbitragem, Comentário á lei 63/2011 de 14 de Dezembro, almedina, 2015, pág. 451.

57. Segundo o mesmo autor, uma das situações clássicas que levam à aposição da reserva da ordem pública internacional é precisamente a das indemnizações desproporcionadas aos danos a ressarcir - Tratado da Arbitragem, Comentário á lei 63/2011 de 14 de Dezembro, almedina, 2015, pág. 451.

58. Para MENEZES CORDEIRO "Há desencadear de poderes-sanção por faltas insignificantes quando o titular-exercente mova a excepção do contrato não cumprido por uma falha sem relevo de nota na prestação da contraparte, em termos de causar, a esta, um grande prejuízo ou quando resolva o contrato alegando o seu desrespeito pela outra parte, em termos, também, sem peso" - Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, V, 2ª Ed., 2015, pág. 378.

59. A sentença arbitral violou assim de forma grave e manifesta diversos princípios pacificamente aceites como constituintes da ordem pública internacional do Estado Português, nomeadamente, o princípio da proporcionalidade, a proibição de indemnizações punitivas em matéria cível, o princípio da boa-fé; a proibição do abuso de direito.

II) VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS PROCESSUAIS BÁSICOS E DAS REGRAS PROCESSUAIS (art. 46.°, nº 3, alínea a), ii) da LAV)

II.1 - A PROVA DOCUMENTAL REQUERIDA AO ABRIGO DO DEVER DE COLABORAÇÃO DA DESCOBERTA DA VERDADE, NOS TERMOS DO ART. 31.°, N° 3 DO REGULAMENTO DE ARBITRAGEM DE 1 DE MARÇO 2014 (ARTS. 417.° E 429.° DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL)

60. Os recorrentes, por requerimento enviado á recorrida CC e ao tribunal arbitral solicitaram cópia integral da Due Diligence, incluindo todos os anexos, efetuada à DD e Sociedades Subsidiárias, no âmbito do Contrato de Opção de Compra e Venda de Ações celebrado entre o FUNDO DE REESTRUTURAÇÃO EMPRESARIAL FCR e os recorrentes, para prova de determinada matéria alegada na contestação - vd. requerimento dos demandados ora recorrentes de 03.02.2016 constante da certidão integral do processo arbitral junta sob o documento nº 5 e pág. 3 da sentença arbitral junta sob o documento nº 4.

61. Nesse requerimento, os recorrentes sublinharam que a mencionada Due Diligence era "fundamental para a descoberta da verdade material e de especial relevância probatória, porquanto a autora se baseia nesse documento para fundamentar a ocultação por parte dos demandados de elementos que alegadamente constituem violação das declarações e garantias, documento que nunca foi disponibilizado aos demandados, sendo firme convicção dos demandados que toda a informação solicitada no âmbito da Due Diligence foi prestada, que o Eng. HH disponibilizou toda a documentação pedida para o efeito, e que a Due Diligence não contém quaisquer limitações ou reservas quanto às matérias que a autora põe em causa na presente ação, motivos por que requerem a apresentação do aludido documento e do qual não prescindem."- vd. Certidão junta sob o documento nº 5.

62. De igual modo, os recorrentes requereram na contestação do processo arbitral, a notificação da recorrida para juntar aos autos o mencionado documento constituído por cópia integral da Due Diligence e alegaram a importância deste documento em termos probatórios (vd. pág. 3 da sentença arbitral junta sob o documento nº 4).

63. Contudo, a recorrida não entregou aos recorrentes a cópia integral da Due Diligence efetuada à DD e Sociedades Subsidiárias, limitando-se a entregar centenas de documentos sem qualquer critério ou ordenação, e sem possibilidade de saber se de facto são esses os documentos que integram a Due Diligence, já que não juntou os respetivos relatórios, esses sim fundamentais para a descoberta da verdade material.

64. Em face da recusa por parte da recorrida da entrega da Due Diligence, os ora recorrentes deram conhecimento de tal facto ao Tribunal Arbitral - vd. requerimento dos demandados de 29.02.2016 junto ao processo arbitral, constante da certidão integral do processo junta com a acção de anulação sob o documento nº 5.

65. Contudo, o árbitro Presidente, por despacho de 20 de abril de 2016, embora admitindo que os Demandados pediram à Demandante, no dia 3 de fevereiro de 2016, a entrega de "cópia integral da Due Diligence" realizada ao GRUPO EE, entendeu que os recorrentes deviam identificar quanto possível os documentos pretendidos, e que não fizeram referência no seu pedido a quaisquer relatórios - vd. despacho do tribunal arbitral de 20.04.2016 constante da certidão integral do processo arbitral junta sob o documento nº 5.

66. Ou seja, o Tribunal Arbitral indeferiu o pedido formulado pelos recorrentes, de entrega integral da Due Diligence, por entender que (i) os relatórios da Due Diliqence não estavam incluídos no pedido apresentado pelos recorrentes, e que (ii) a recorrida entregou aos demandados todos os documentos facultados durante a Due Diliqence.

67. A Due Diliqence, tal como definida contratualmente, compreende a "auditoria legal, laboral, comercial, operacional, financeira, contabilística e fiscal, a realizar à Sociedade e às Subsidiárias, nos termos e para efeitos deste contrato" (vd. cláusula 1 (Definições) do contrato de opção de compra de acções junto ao processo arbitral com a petição inicial sob o Doc. A5, constante da certidão integral do processo arbitral junta sob o documento nº 5.

68. E os ora recorrentes não tinham que pedir relatórios, análises, estudos, auditorias ou o que lhe queiram chamar, até porque nem sequer conhecem o teor e a sistematização da Due Diliqence realizada; por isso que solicitaram cópia integral da Due Diligence, incluindo todos os anexos, de modo a abranger todos os elementos que compõem a Due Diligence, o que é claro, inteligível e sem margem para dissídio.

69. A entrega avulsa de documentos desacompanhados da Due Diliqence não tem qualquer utilidade ou valor probatório, na medida em que não permite conhecer as conclusões e eventuais reservas da Due Diliqence, nem confirmar quais foram os documentos efetivamente solicitados pelos auditores às empresas, os quais, como é prática corrente, devem constar de uma "check list" que faz parte integrante da Due Diligence.

70. Aliás, o douto Acórdão recorrido reconhece que "ao solicitar-se a Due Diligence completa tal incluiria, naturalmente, os relatórios das auditorias, independentemente de serem ou não matéria sujeita a confidencialidade" (vd. pág. 61 do Acórdão)

71. A decisão do Tribunal Arbitral, constante do despacho de 20 de abril de 2016, consubstancia assim uma manifesta violação dos mais elementares princípios da cooperação, da igualdade e do contraditório.

72. Sendo firme convicção dos recorrentes que a Due Diligence não contém quaisquer limitações ou reservas quanto às matérias que a recorrida pôs em causa na ação arbitral, elemento de prova que decerto levaria a uma decisão diversa, ou seja, de que as sociedades entregaram todos os elementos solicitados pelas equipas que realizaram a Due Diligence e de que nada foi ocultado e que a recorrida tinha conhecimento de todas as situações relevantes, incluindo as fixações do cobre, tendo havido a maior transparência e rigor na informação disponibilizada, o que levaria á total improcedência da acção arbitral.

73. Não se compreende porque é que o Tribunal Arbitral, ao invés de ordenar à recorrida em nome da imparcialidade e da igualdade das partes, que entregasse a cópia integral da Due Diligence, optou por o indeferir com base em argumentos formais de fraca sustentação e violadores das mais elementares regras processuais.

74. E como decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-01-2017 (processo nº 873/10.9T2AVR.P1.S1): I. A realização da justiça no caso concreto deve ser conseguida no quadro dos princípios estruturantes do processo civil, como são os princípios do dispositivo, do contraditório, da igualdade das partes e da imparcialidade do juiz, traves-mestras do princípio fundamental do processo equitativo proclamado no artigo 20.°, n. ° 4, da Constituição da República.

75. Também segundo o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21-04-2015, "uma dimensão ineliminável do direito ao processo equitativo é, seguramente, a do direito à prova".

II.2 - A PROVA PERICIAL REQUERIDA PELOS DEMANDADOS ORA RECORRENTES

76. Os demandados, na contestação do processo arbitral, requereram perícia informática aos servidores da EE - …, SA, com vista a verificar se se encontravam disponíveis nos computadores da empresa em 2011 e posteriormente, a informação referente às fixações do cobre, e perícia às contas da mesma empresa, para apurar se existem vendas ao cliente da ... GG ou outros fornecidos pela GG, após 31.12.2013 a 2014, se a EE continuou a fazer fixações de cobre após 31.12.2013 a 2014 e, em caso afirmativo, se a EE contabilizou alguma variação entre o cobre fixado e o valor da cotação a 31 de Dezembro de 2013 e 2014, para prova de determinada matéria alegada na contestação - vd. contestação constante da certidão integral do processo arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 5.

77. O Tribunal Arbitral, por despacho de 20 de abril de 2016 indeferiu a prova pericial requerida, alegando que os demandados "agiram à revelia das regras particulares do processo" - vd. despacho de 20.04.2016 constante da certidão integral do processo arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 5.

78. De facto, o Tribunal arbitral, a sugestão da recorrida, decidiu que as partes apenas podem apresentar relatórios com os seus articulados (vd. Ata de instalação do Tribunal Arbitral de 04.06.2015 e respetivo Anexo com as regras particulares do processo constante da certidão integral do processo arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 5)

79. Contudo os ora recorrentes opuseram-se na audiência preliminar à não admissão da perícia colegial, tal como decorre do texto da Acta de Instalação do tribunal Arbitral de 04.06.2015, onde vem expressamente referido que não houve concordância das partes quanto ao modo de realização da prova pericial - vd. Acta de Instalação do Tribunal Arbitral de 04.06.2015 constante da certidão integral do processo arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 5.

80. E isto porque de nada serviria aos recorrentes apresentar com a sua contestação um "relatório de parte", em virtude de não terem acesso às instalações das empresas onde se encontravam os servidores, programas informáticos e toda a documentação contabilística e demais elementos que os peritos deveriam analisar no âmbito do objeto da perícia requerida (ao contrário da recorrida, acionista maioritária das empresas, que as controla e gere e tem acesso a toda a informação).

81. Como sempre manifestado pelos recorrentes no processo arbitral, a apresentação de "relatórios de parte" não é exequível e não tem qualquer utilidade, uma vez que os recorrentes não têm acesso às empresas, seja no que respeita aos servidores, seja relativamente às encomendas e faturas de cobre do cliente GG, o que impede a análise dos respetivos elementos e, por conseguinte, a elaboração de qualquer relatório pericial por manifesta ausência de objeto e igualdade de armas, pelo que não se pode concordar com o douto acórdão recorrido quando refere que "o Tribunal Arbitral não excluiu a prova pericial apenas definiu o modo de constituição da prova pericial" (pág. 55 do Acórdão)

82. Segundo o disposto no art. 30.°, nº 1, alínea b) da LAV, as partes são tratadas com igualdade e deve ser-lhes dada uma oportunidade razoável de fazerem valer os seus direitos, por escrito ou oralmente, antes de ser proferida a sentença final, dispondo a alínea c) do nº 1 do mesmo normativo que em todas as fases do processo é garantida a observância do princípio do contraditório.

83. Como refere Mário Esteves de Oliveira, entre esses princípios fundamentais temos os respeitantes à exigência de tratamento igual dos litigantes pelos árbitros, o respeito pelo princípio do contraditório em todas as fases do processo, e também a "violação do princípio da tutela judiciai efectiva, inominado no art. 30.°, mas a ele imanente, como salientámos a propósito do art. 30.°, por decorrência da garantia fundamental do art. 20.º da CRP"- Lei da Arbitragem Voluntária Comentada, Almedina, 2014, pág. 557.

84. A regra estabelecida pelo Tribunal Arbitral quanto à prova pericial viola efetivamente o direito constituído, nomeadamente o disposto no art. 388.º do Código Civil, que define o modo e objeto da prova pericial, como aquela que tem por fim a "percepção ou apreciação de factos por meio de peritos".

85. Pelo que o Tribunal Arbitral, ao impedir a realização da perícia aos equipamentos informáticos e às contas das empresas, fragilizou gravemente a posição processual dos recorrentes, uma vez que tais perícias iriam certamente provar que nada foi ocultado à recorrida sobre o acordo de fixação de cobre de 2011 e que a recorrida tinha efetivo conhecimento de todos os factos desde pelo menos Março de 2013, data em que a recorrida exerceu a opção de compra da maioria do capital da DD (GRUPO EE) e passou a controlar as empresas através dos administradores que indicou ao abrigo dos direitos constantes do acordo parassocial.

86. As perícias requeridas iriam inclusivamente demonstrar (como aliás foi alegado pelos ora recorrentes em sede de contestação no processo arbitral), que a recorrida tinha efetivo conhecimento da situação do acordo de fixação de preço do cobre com a FF desde a data da Due Diligence e pelo menos desde Março de 2013, ou seja, há muito mais de três meses, quando notificou por carta datada de 14.07.2014 as demandadas do exercício da opção de compra das acções por alegado incumprimento do acordo parassocial (vd. cláusula 13.2 do Acordo Parassocial em 12.3 dos factos provados da sentença arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 4)

87. O que, além do mais, determinaria a caducidade do direito da recorrida, uma vez que a cláusula 13.2 do Acordo Parassocial estabelece que em caso de incumprimento a parte não faltosa terá o direito de exercer o direito de aquisição coerciva sobre todas as ações do inadimplente, mediante notificação por escrito efetuada nos três meses seguintes ao conhecimento da situação de incumprimento - vd. Acordo Parassocial junto sob o DOC. A1 com a petição inicial do processo arbitral constante da certidão integral junta com a acção de anulação sob o documento nº 5.

88. E como decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21-04-2015 (processo 3486/12.7TBLRA.C1, www.dsgi.pt). relativamente ao direito à prova e à sua essencialidade na decisão relativamente à acção de anulação, que "deve ter-se por suficiente a prova da verosimilhança ou plausibilidade - que pode ser obtida por aplicação de uma regra de probabilidade - i.e., de que caso o meio de prova recusado tivesse sido produzido, se deve admitir, como plausível ou provável, a modificação da decisão da questão de facto e, correspondentemente, a alteração da decisão final da causa arbitral (vd. no mesmo sentido, Mário Esteves de Oliveira, Lei da Arbitragem Voluntária Comentada, Almedina, 2014, pág. 558).

89. Pelo que também não assiste razão ao douto Acórdão recorrido quando refere que "os apelantes não lograram demonstrar que a falta de realização dessas perícias contabilística e informática com o específico objecto apontado nos requerimentos de prova teve influência decisiva na resolução do litígio" (pág. 55 do Acórdão).

III) DA CONDENAÇÃO EM QUANTIDADE SUPERIOR (ULTRA PETITUM) OU EM OBJECTO DIVERSO DO PEDIDO (art. 46.°, nº 3, alínea a), v) da LAV)

90. A ora recorrida, no pedido (vii) da petição inicial do processo arbitral, pediu a condenação dos ora recorrentes no pagamento de todos os danos em que alegadamente incorreu, no valor total de 1.311.322,48€, ou seja, formulou um pedido indemnizatório líquido - vd. pág. 2 da sentença arbitral junta sob o documento nº 4 e petição inicial constante da certidão integral do processo arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 5.

91. Ora, não ficaram provados quaisquer dos alegados danos, incluindo os que a recorrida quantificou em 1.042.000€, relativos ao desconhecimento do Acordo de cobre de 2011 celebrado com a FF (pág. 22 da sentença arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 4).

92. Contudo, a sentença arbitral foi mais além e, à revelia dos pedidos deduzidos pelas partes e contradizendo a matéria constante do nº 53 da listagem dos factos provados, considerou a existência de ficcionados danos futuros, isto quando a recorrida nem sequer deduziu qualquer pedido ilíquido de danos futuros, mas apenas e tão só um pedido líquido e determinado de 1.042.000,00 Euros que foi julgado improcedente.

93. A condenação em danos futuros consubstancia uma indemnização diferente e, nessa medida, autónoma (e como refere Menezes Cordeiro, o tribunal arbitral está limitado pelo que lhe seja pedido: "trata-se do princípio do dispositivo. Assim, ele não pode condenar em algo diverso ou superior ao pedido (ultra petitum) ou conhecer de questões de que não podia conhecer" - Tratado da Arbitragem, Comentário á lei 63/2011 de 14 de Dezembro, almedina, 2015, pág. 441).

94. No mesmo sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-05-2015 (processo nº 4572/09.6YYPRT-A.P2.S1) e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-01-2017 (processo nº 873/10.9T2AVR.P1.S1):

II. A decisão judicial, enquanto prestação do dever de julgar, deve conter-se dentro do perímetro objetivo e subjetivo da pretensão deduzida pelo autor, em função do qual se afere também o exercício do contraditório por parte do réu, não sendo lícito ao tribunal desviar-se desse âmbito ou desvirtuá-lo.

95. E como refere o Acórdão Uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça de 14-05-2015, "O princípio do pedido tem consagração inequívoca no art. 3º, nº 1, do CPC: o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes (...). É ao autor que, naturalmente, incumbe definir a sua pretensão, requerendo ao tribunal o meio de tutela jurisdicional adequado a satisfazê-la. Será na petição inicial que o autor deve formular esse pedido - art. 552º, nº 1, e) do CPC -, dizendo "com precisão o que pretende do tribunal - que efeito jurídico quer obter com a acção". (processo nº 873/10.9T2AVR.P1.S1, ASSENTO NO 13/94, de 15.06.1994)

96. Resulta assim do exposto que (i) o conteúdo da sentença arbitral ofendeu de modo grave e manifesto o princípio da proporcionalidade das prestações e das indemnizações, o princípio da proibição de indemnizações punitivas em matéria cível, o princípio da proibição do abuso de direito, o princípio da proibição das medidas discriminatórias ou espoliadoras, o princípio da proibição do locupletamento à custa de outrem, integradores da ordem pública internacional do Estado português (art. 46.°, nº 3, alínea b), ii) da LAV), (ii) foram violados no processo arbitral os mais elementares princípios processuais da igualdade e do contraditório com influência determinante na resolução do litígio (art. 46.°, nº 3, alínea a), ii) da LAV), e (iii) a sentença arbitral condenou em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (art. 46.°, nº 3, alínea a), v) da LAV).

Nestes termos, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser o Acórdão recorrido revogado e substituído por outro que decrete a anulação da sentença arbitral.

A recorrida contra-alegou, concluindo pela improcedência de todas as conclusões apresentadas pelos recorrentes e, consequentemente, pelo não provimento do recurso.

Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.

QUESTÕES A RESOLVER:

(seguindo a sistematização adoptada no Acórdão recorrido)

- Violação de princípios básicos e das regras processuais:

- Se, tendo a demandante formulado um pedido de indemnização líquido e não tendo ficado provada a existência de quaisquer danos, a decisão arbitral, ao condenar numa indemnização ilíquida, por danos futuros, decidiu ultra petitum ou em objecto diverso do pedido, violando o disposto no art. 46º, nº 3, al. a), subal. v), da LAV;

- Se as regras particulares do processo estabelecidas pelo Tribunal Arbitral, quanto à prova pericial, e o indeferimento do requerimento dos demandados para a realização de prova pericial, violam o disposto no art. 46º, nº 3, al. a), subal. ii), da LAV;

- Se a decisão do Tribunal Arbitral de indeferir a junção ao processo de cópia integral da Due Diligence consubstancia violação dos princípios da igualdade e do contraditório – art. 46º, nº 3, al. a), subal. ii), da LAV;

- Se a decisão arbitral viola de forma grave e manifesta princípios integradores da ordem pública internacional do Estado Português, como o princípio da proporcionalidade, a proibição de indemnizações punitivas em matéria cível, o princípio da boa fé e a proibição do abuso do direito – art. 46º, nº 3, al. b), subal. ii), da LAV.

III.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

A)

No Acórdão recorrido consignou-se que se encontra documentado na certidão do processo arbitral 34/2014/INS/ASB que correu termos no Centro de Arbitragem Comercial, em anexo e por 10 pastas, com relevo, o seguinte:

•      Aos 19/12/2014 CCSGPS apresentou no referido Centro um requerimento de arbitragem contra AA.SA e BB, baseado numa Convenção de Arbitragem entre ambos acordado e constante quer do Contrato de Opção de Compra de Acções e Acordo Parassocial aí referido, onde se refere também, entre o mais que da clª arbitral resulta, que em tudo o que não tenha sido expressamente convencionado de forma diferente a arbitragem deverá decorrer ao abrigo do REGULAMENTO do CENTRO DE ARBITRAGEM DA CÂMARA DE COMÉRCIO E INDÚSTRIA PORTUGUESA, Regulamento de 2014, identificando o objecto do litígio, nomeando o seu árbitro e os seus representantes entre o mais, conforme doc da pasta 1 do anexo, cujo teor aqui na íntegra se reproduz.

•      Houve resposta dos ora Autores e ali demandados onde os mesmos terminam dizendo não assistir razão à Demandante, improcedendo os pedidos formulados, deduzindo ainda e ao abrigo do art.º 21 do REGULAMENTO o pedido de declaração de resolução do contrato de Opção de Compra e Venda de Acções por incumprimento da CC das suas obrigações contratuais, conforme doc junto à pasta 1 da certidão cujo teor aqui na íntegra se reproduz;

•      Ainda em resposta e para os alegados efeitos do n.º 4 do REGULAMENTO veio a demandante CC responder ao pedido dos demandados ora Autores.

•      Os ora Autores e ali demandados, notificados para indicar o seu árbitro, vieram designar o Professor Doutor Menezes Cordeiro, como resulta da pasta 1 referida.

•      Aos 9/2/2015 reuniram em Lisboa os doutores Manuel Castelo Branco e Menezes Cordeiro, na qualidade de árbitros, tendo decidido designar como 3.º árbitro Rui Pedro Costa Melo Medeiros, que declarou aceitar, como da referida pasta 1 consta.

•      Aos 20/3/2015 e ao abrigo do art.º 27/1 do REGULAMENTO, o Presidente do mesmo Centro definiu a composição do Tribunal Arbitral, tendo ficado como Presidente Rui Medeiros e como árbitros das partes Manuel Castelo Branco da Demandante e Menezes Cordeiro dos Demandados, como da referida pasta 1 consta.

•      Aos 4/6/2015, no referido Centro, o Tribunal Arbitral decidiu aprovar em “Acta de Instalação do Tribunal” as questões a dirimir no litígio, as regras particulares do processo, que “são as constantes do Anexo I à presente Acta, mais definindo como prazo global para a conclusão da Arbitragem 3 meses contados da data da apresentação das alegações finais escritas das partes e o valor da arbitragem”, estando presentes e assinando os mandatários das partes e os árbitros, “não obstante não ter sido possível alcançar a concordância plena das Partes quanto a todas as matérias e regras processuais, em especial no que respeita ao modo de realização da prova pericial”, como da referida pasta 1 consta e se dá por reproduzida.

•      Entre as Regras Particulares constantes do mencionado Anexo e rubricadas pelos 5 mandatários das partes, cujo teor aqui se reproduz, consta o seguinte:

“II.6 Documentos

6.1. Os documentos probatórios devem ser apresentados com o articulado em que sejam deduzidos os factos que visam instruir. Só é admitida a junção ulterior de documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como daqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior...

7. Documentos em poder da parte contrária

7.1. No prazo de 15 dias contados da entrega do último articulado cada parte pode solicitar à outra a apresentação de documentos que considere relevantes para a decisão da causa e que se encontrem em poder da última. No seu pedido a parte interessada deve identificar quanto possível os documentos pretendidos e justificar de forma sucinta a sua relevância.

7.2. A Outra parte deve, sem necessidade de despacho do tribunal, apresentar à parte requerente de imediato os documentos solicitados, conforme número anterior ou justificar a sua recusa no prazo de 10 dias após receber o pedido. Se o não fizer, a parte interessada pode requerer ao tribunal, no prazo de 10 dias, que ordene a apresentação dos documentos pedidos. Caberá aos árbitros decidir se os documentos solicitados devem ou não ser apresentados, tendo em conta todas as circunstâncias e os interesses legítimos das partes.

7.3. Se as partes não cumprirem, sem justos motivos, a ordem do tribunal para apresentar os documentos, o tribunal poderá tirar ilações dessa falta para efeitos probatórios.

7.4. A entrega dos documentos solicitados nos termos dos números anteriores deve ser feita exclusivamente à parte requerente, cabendo a esta a decisão sobre a junção dos referidos documentos ao processo arbitral (...)

9. Peritos

9.1. As partes podem apresentar relatórios de peritos com os seus articulados.

9.2. Sem prejuízo da possibilidade da opção pela nomeação de um assessor técnico nos termos gerais, o tribunal poderá nomear um perito, por sua iniciativa, e indicar o objecto da perícia depois de consultar as partes.

9.3. O perito nomeado pelo tribunal apresentará um relatório escrito que será notificado às partes, devendo comparecer na audiência para produção de prova a fim de prestar esclarecimentos, se alguma parte requerer ou o tribunal ordenar.”

•      Aos 1/10/2015 a ora Ré e Autora na acção arbitral apresentou a sua p.i., que se encontra na pasta 1, cujo teor aqui na íntegra se reproduz.

•      Os ora Autores e Réus na acção arbitral apresentaram contestação da acção arbitral onde terminam pedindo que se julgue não provada e improcedente a acção e que se julgue procedente e provada a reconvenção e, em conformidade, ser reconhecido e declarado o direito dos reconvintes à resolução do contrato de opção de compra celebrado em 7/12/2012, por incumprimento definitivo da reconvinda, ser reconhecido e declarado o direito da reconvinte AA à resolução do acordo parassocial celebrado em 7/12/2012, por incumprimento definitivo da reconvinda, ser a reconvinda CC condenada a pagar à reconvinte AA a cláusula penal prevista no n.º 7 da cláusula 13.ª do Acordo Parassocial, no valor de 150.000,00 euros, ser declarado e reconhecido o direito de opção de compra da reconvinte sobre todas as 1.113.953 acções DD, detidas pela reconvinda, pelo preço de 1 euro e a reconvinda condenada a proceder à sua efectiva transmissão para a reconvinte AA, bem assim como a condenação da reconvinda nas custas e demais encargos conforme consta da pasta 5  do doc 5;

Nesse mesmo requerimento de oposição, os aqui autores ali réus, ao abrigo do art.º 31/3 do REGULAMENTO DE ARBITRAGEM de 1 de Março, requereram:

 A notificação da CC para juntar aos autos cópia integral da Due Diligence, legal, laboral, comercial, operacional financeira e  contabilística e fiscal à DD e sociedade  subsidiárias, efectuada no âmbito do Contrato de Opção de Compra e Venda de Acções de 7/12/2012, celebrado entre o FUNDO DE REESTRUTURAÇÃO EMPRESARIAL, FCR, representado pela sociedade gestora II, S.A., e AA  e BB, para prova dos art.ºs 31, 42, 128, 129, 130, 134, 135, 138, 139, 145, 162, 177, 178, 184, 187, 188, 233, 251, 276, 277, 290, 284, 299, 360, 376, 383, 4040, 406, 430, 441, 533, documento que, alegadamente, nunca foi disponibilizado aos demandados e a autora não juntou aos autos, sendo firme convicção da autora que o “Engenheiro HH forneceu toda a informação à autora para o efeito e que a DD não contém quaisquer limitações ou reservas quanto às matérias que a autora vem agora pôr em causa”;

A nomeação de perito informático para proceder à análise dos servidores da EE, para prova do alegado nos art.ºs 39, 40, 144, 181, 182, 399, 406, 416 da contestação;

Ao abrigo do mesmo artigo do REGULAMENTO, relatório pericial às contas da participada EE para prova dos art.ºs 146, 147, 148 “não se opondo a que seja realizada a perícia mediante relatório escrito do Revisor Oficial de Contas das empresas sobre os mencionados temas.

•      Relativamente ao requerimento dos Demandados de 3/2/2016, no sentido da apresentação da cópia integral da Due Diligence, para prova dos artigos já mencionados e com os mesmos fundamentos com a resposta da CC de 11/2/2016, no sentido de que não vem cumprido o disposto no art.º 7.1 e por extravasarem o objecto da prova, que se restringe aos factos alegados pelas partes, não invocando os demandados que factos pretendem  provar com interesse para a decisão da  causa, apenas pretendendo uma fishing expedition, ainda assim opta pela entrega aos Demandados de todos os documentos facultados durante a Due Diligence e efectuada ao grupo DD, requerendo ao Tribunal a prorrogação por 10 dias do prazo de entrega dos documentos facultados durante a Due Diligence, veio o Tribunal Arbitral por despacho de 18/2/2016 “tendo em consideração as dificuldades invocadas pela Demandante para entregar os documentos que lhes foram solicitados pelos Demandados no prazo fixado pelas regras particulares do processo”, deferir a prorrogação do prazo (Certidão do processo arbitral, pasta n.º 8, cujo teor aqui na íntegra se reproduz)

•      O ilustre advogado da JJ enviou aos 22/2/2016 ao ilustre advogado da KK e Associados, advogados no processo, um DVD “contendo todos os documentos facultados à Demandante no âmbito da Due Diligence ao Grupo DD, nos termos do requerido pelos Demandados em 3/2/2016”, o que o ilustre advogado dos Demandados confirma ter recebido (Certidão do processo arbitral, pasta n.º 8 cujo teor aqui na íntegra se reproduz).

•      Os demandados, declarando ter recebido em mão, em 22/2/2016, por parte da CC, um DVD com diversos documentos, vieram aos 29/2/2016 requerer, ao abrigo dos disposto no art.º 7.2 das regras particulares do processo, que a demandante seja notificada para entregar a cópia integral da Due Diligence, incluindo todos os anexos, no prazo a designar pelo Tribunal, sem prejuízo de se tal não ocorrer os demandados se reservarem o direito de requerer a intervenção do tribunal estadual nos termos do art.º 38 da LAV, em suma dizendo que a “3...demandante não junta os relatórios que supostamente descrevem as diversas situações do objecto de aquisição, mencionam os documentos requeridos e utilizados para o efeito e identificam as eventuais contingências elementos fundamentais para a descoberta da verdade, não tendo cumprido o requerido pelos demandados ao abrigo das regras processuais aplicáveis...6 os demandados estão convictos de que os relatórios em apreço constituem um elemento fundamental de prova para a descoberta da verdade, pelo que não prescindem da sua entrega...”;

A CC respondeu em extenso requerimento de 68 pontos, onde termina dizendo que “forneceu...todos os elementos que lhe foram disponibilizados pelos Demandados no âmbito da Due Diligence, a que não estava obrigada...cabendo aso demandados utilizar os documentos fornecidos como bem entenderem...os demandados formulam agora um novo pedido, que não deve ser aceite pelo tribunal por ser extemporâneo, por não estarem especificados no pedido os documentos cuja junção se pretende, por não ter sido justificada a sua relevância e por poderem vir a abranger documentos confidenciais e sujeitos a segredo profissional...é ilegítima a referência ao art.º 38 da LAV...o pedido formulado seja indeferido...” (Certidão do processo arbitral, pasta n.º 8 cujo teor aqui na íntegra se reproduz).

•      Aos 20/4/2016, o Presidente do Tribunal Arbitral, apreciando os requerimentos da contestação relativamente às perícias, indeferiu-os por os Demandados terem agido à revelia das regras particulares do processo, em suma, dizendo que “tendo presente o disposto no n.º 9.1 das regras particulares do processo, que determina o modo de produção de prova pericial, prevendo que as partes podem apresentar relatórios de peritos com os seus articulados, os demandados querendo lançar mão desse meio de prova poderiam e deveriam ter junto ao seu articulado de defesa os relatórios que entendessem convenientes, o que não fizeram”;

Quanto à Due Diligence, indeferiu o pedido de notificação da Demandante para apresentar os relatórios da Due Diligence, sem prejuízo do Tribunal Arbitral poder ordenar em fase mais avançada do processo a apresentação desses documentos, caso os mesmos se venham afinal a revelar relevantes para a decisão a causa em suma dizendo “ ...no caso sub iudice os Demandados solicitaram cópia integral da Due Diligence à Demandante e esta entregou-lhes os documentos facultados durante a Due Dilgence. Coloca-se a questão de saber se os relatórios da Due Diligence estariam ou não incluídos no pedido apresentado pelos Demandados...os demandados não fizeram referência no seu pedido (inicial) a quaisquer relatórios. Por outro lado, atendendo aos factos que os Demandados pretendem provar com a “cópia integral da Due Diligence”, essencialmente que toda a informação solicitada no âmbito da Due Diligence foi prestada aos auditores e que nessa medida não houve ocultação de informação alegada pela Demandante, o Tribunal Arbitral considera que, neste momento, à partida, nada parece impedir que sem prejuízo das regras de repartição do ónus da prova, a prova seja feita com base na documentação entregue pela Demandante...” (Certidão do processo arbitral, pasta n.º 8,cujo teor aqui na íntegra se reproduz)

•      Os Demandados, notificados do despacho de 20/4/2016, vieram pedir a reconsideração desse despacho e que se ordene a notificação da Demandante para entregar aos demandados cópia integral da Due Diligence, em suma dizendo que se não conforma com o mesmo e que, tal como definida contratualmente, a Due Diligence compreende a auditoria legal, laboral, comercial, operacional, financeira, contabilística e fiscal, a realizar à sociedade e às subsidiárias, nos termos e para os efeitos do contrato, segundo  clª 1 do contrato de opção de compra junto pela Demandante, pelo que não tinham que pedir relatórios, análises, estudos auditorias, pediram a cópia integral e só falaram em relatórios para distinguir a Due Diligence propriamente dita dos documentos em que a mesma se terá baseado, não pediram os documentos subjacentes à Due Diligence, só após a entrega integral da Due Diligence é que os demandados estarão em condições de proceder à sua análise e eventualmente juntar esses elementos aos autos, pelo que a entrega dos documentos desacompanhados da Due Diligence não tem qualquer utilidade ou valor probatório;

No que à prova pericial concerne, a apresentação de relatórios não é exequível e não tem qualquer utilidade, uma vez que os Demandados não tem acesso às empresas, seja no que respeita aos servidores, seja relativamente às encomendas e facturas de cobre do cliente GG, o que impede a análise dos respectivos elementos e, por conseguinte, a elaboração de qualquer relatório pericial por manifesta ausência de objecto e apesar de tal procedimento probatório não estar previsto nas regras particulares do processo, tendo aliás os demandados manifestado o seu desacordo quanto a esta matéria, tal prova pericial revela-se fundamental para o apuramento da verdade material e constitui um direito dos demandados na prossecução do princípio do contraditório, suportando-se no ponto 9.2 das regras particulares;

Sobre tal requerimento de 2/5/2016, os 3 juízes do Tribunal Arbitral, por despacho de 25/5/2016, vieram manter o despacho que incidiu sobre a prova documental e o despacho arbitral que indeferiu o requerimento pericial, em suma, sustentando que “...embora as partes bem o saibam, importa esclarecer que uma vez que a entrega de documentos pela Demandante aos Demandados foi feita nos termos do n.º 7.4 das RPP ou seja exclusivamente à parte requerente, cabendo a esta a decisão sobre a junção dos referidos documentos aos processos arbitral, o tribunal arbitral não teve acesso aos mesmos, pelo que se desconhece e como desconhece os documentos...o tribunal arbitral apenas pode decidir sobre a sua suficiência conforme lhe é pedido com base nas alegações das partes...os demandados nunca negaram nem puseram em causa que a Demandante lhes tivesse entregado todos os documentos facultados durante a Due Diligence conforme aquela disse que faria. O que os Demandados fizeram foi defender que tais documentos eram inúteis sem os relatórios...os Demandados não fizeram referência a quaisquer relatórios no seu pedido inicial de documentação, mesmo sabendo que deveriam identificar quanto possível os documentos pretendidos à luz do n.º 7.1 da RPP...o Tribunal não vê razão para alterar o decidido, pois, de novo, sem prejuízo das regras de repartição do ónus da prova, tendo em conta os factos que os demandados pretendem  provar com cópia integral da Due Diligence, fundamentalmente a não ocultação de informação à demandante, a circunstância de os documentos facultados à demandante durante a Due Diligence lhe terem sido entregues por esta e ainda o facto de a dita Due Diligence ter sido realizada pela Demandante…não se vê a pertinência, ao menos nesta fase, da entrega dos relatórios da Due Diligence pela Demandante aos Demandados”. (Certidão do processo arbitral, pasta n.º 8, cujo teor aqui na íntegra se reproduz)

•      Na Audiência Preparatória de 25/5/2016 os Demandados “congratulam-se pelo facto de o Tribunal ter reservado a possibilidade de, em momento posterior, ordenar a junção desses relatórios, caso os mesmos se venham a revelar pertinentes para a boa decisão da causa, relativamente às perícias…tendo presente que foi convencionado que o Tribunal poderá nomear um perito por sua iniciativa, reiteraram que consideraram essencial a realização de uma perícia que tenha por objecto a análise dos servidores da EE, com vista à verificação da inexistência de um registo  relativamente à matéria de fixação do cobre...a não realização de tal perícia poderá constituir uma limitação ao princípio da igualdade de armas das Partes na medida em que a Demandante tem um acesso ilimitado e irrestrito a toda e qualquer documentação e informação da empresa, o que já não se verifica em relação aos Demandados, actualmente arredados do poder de direcção e tutela daquela...”; o Tribunal Arbitral refere que produziu um despacho autónomo clarifica que não se pronunciou sobre a questão do ónus da prova nem o irá fazer nesta fase nada tendo a acrescentar sobre as perícias ressalvando que  se em momento posterior vier a considerar necessário que se produza algum elemento adicional de prova nessa altura o ordenará...” (Certidão do processo Arbitral, pasta 9 cujo teor aqui na íntegra se reproduz).

•      Na sessão de 15/9/2016 como resulta da respectiva Acta o Tribunal decidiu “clarificar algumas questões. No que diz respeito ao pedido reiterado por parte dos Demandados de junção aos autos do relatório da Due Diligence o Tribunal deliberou que não via razões para alterar o entendimento que já havia adoptado quanto à disponibilização das duas Due Diligence, quer a legal quer a da LL. No entanto, atendendo à disponibilidade manifestada pelos mandatários da Demandante para apresentar parte do Relatório final que diz respeito quer ao Grupo FF, quer à parte da Intranet, o Tribunal ficará a aguardar a entrega desse documento. O Tribunal solicitou ainda ao mandatário da Demandante que, caso sejam levantadas dúvidas sobre o documento pelos mandatários dos Demandados, a versão integral do relatório seja facultada apenas ao Tribunal...antes de finalizada a sessão o Tribunal decidiu tendo em conta o ponto 6.1 das regras processuais, que, excepcionalmente, tinham sido aceites e juntos aos autos a requerimento do Tribunal e das partes os documentos exibidos pelo Dr MM durante o seu depoimento e que seria também aceite a junção aos autos do relatório pericial da Due Diligence, referente à questão FF e à questão Intranet a entregar pela Demandante, mas que não seriam aceites mais documentos, ficando assim encerrada a prova documental...o relatório deveria ser entregue pela Demandante até 19/9/2016 e que terá um prazo de 10 dias, a partir dessa data, para as partes se pronunciarem sobre os documentos entregues e sobre o relatório a entregar futuramente.” Certidão do processo Arbitral, pasta 9 cujo teor aqui na íntegra se reproduz.

B)

Na sentença arbitral foram considerados provados os seguintes factos:

1.    A Demandante é uma sociedade que tem por objecto a gestão de participações sociais e é integralmente detida pelo FUNDO DE REESTRUTURAÇÃO EMPRESARIAL, FCR (doravante o FRE) um fundo de capital de risco gerido pela II- …, S.A. (doravante a II) - factos assentes por acordo e que resultam designadamente do teor dos documentos n.ºs A1, A5 e A16.

2.    A Demandada é uma sociedade gestora de participações sociais, cujo capital social é integralmente detido pelo Demandado (factos assentes por acordo).

3.    Em 7 de Dezembro de 2012, o FRE e os Demandados celebraram um contrato de opção de compra de acções da DD (o Contrato de Opção) cujo teor aqui s dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais ( cfr doc n.º A5).

4.    A Demandada era, à data da celebração do Contrato de Opção, detentora de 100% do capital social da DD (cfr doc n.º A5).

5.    O Demandado, era, à data da celebração do Contrato de Opção presidente do conselho de administração da DD (cfr doc A8).

6.    Do Contrato de Opção retira-se, entre outras cláusulas, o seguinte (cfr Doc A5):

6.1. A cláusula 4.1 do Contrato de Opção prevê que o eficaz exercício da opção de compra pelo FRE depende da verificação cumulativa dos eventos indicados nas alíneas a) a h) da mesma cláusula entre os quais os seguintes:

c) Celebração de acordos com instituições financeiras assegurando à Sociedade ou às Subsidiárias apoios financeiros necessários para o regresso ao normal funcionamento da Sociedade e da Subsidiárias sob a forma de financiamentos ou de garantias bancárias, nos montantes e demais termos e condições considerados satisfatórios para o FRE, no seu livre e exclusivo critério;

d) Acordo com NN sobre o cancelamento do penhor que, nesta data, incide sobre as acções, cuja negociação e obtenção compete ao FRE, com a colaboração da AA e do Accionista.

6.2. Da cláusula 5.1 do Contrato de Opção consta que os Demandados declararam e garantiram em benefício do FRE (e/ou de Entidade controlada que este indicar nos termos da cláusula 3. supra) e reconhecendo que a completude, correcção e verdade destas declarações e garantias constitui pressuposto essencial da sua vontade de contratar, os factos elencadas nas alíneas a) a s) da mesma cláusula.

6.3. A alínea g) da cláusula 5.1 do Contrato de Opção determina que a Informação Financeira exclusivamente no que respeita à demonstração de resultados e dívida consolidada da Sociedade por referência a 30 de Setembro de 2012, e a lista de Créditos a Terceiros por referência a 31 de outubro de 2012 são verdadeiras, exactas, correctas e completas à data a que se reportam salvo na parte da lista de Créditos de Terceiros que respeita às garantias e às ownership clauses a qual será verdadeira exacta correcta e completa à data em que for efectuada a comunicação a que alude a cláusula 10.6 e reconhecendo as Partes a necessidade de um reforço de provisões para clientes duvidosos e, bem assim, a necessidade de um reforço de provisões sobre as existências;

6.4. A alínea m) da cláusula 5.1 do Contrato de opção dispõe que A Sociedade e as Subsidiárias Relevantes

(i) são titulares e podem dispor livremente, de todos os bens indicados como de sua pertença na respectiva Informação Financeira, com excepção dos ónus, encargos e responsabilidades indicados no Anexo 2 e

(ii) detém título válido e bastante sobre todos os bens imóveis necessários ao normal e regular exercício da sua actividade, tal como tem vindo a ser exercida até á presente data, designadamente, encontrando-se os respectivos licenciamentos inerentes á actividade industrial ou outra desenvolvida nos Imóveis em vigor e cumprindo as normas em matéria ambiental por referência àquelas actividades, com excepção do referido na alínea o) infra;

6.5. A alínea s) da cláusula 5.1 do Contrato de Opção estabelece que Nem a Sociedade nem qualquer das Subsidiárias (i) prestou quaisquer garantias, assumiu quaisquer compromissos, actuais ou contingentes, ou celebrou quaisquer acordos perante, em benefício de ou com qualquer das Entidades Relacionadas [...];

6.6. A cláusula 5.5 do Contrato de Opção prevê que os Demandados apenas prestam as declarações e garantias previstas neste Contrato, termos em que apenas serão responsáveis, perante o FRE /ou Entidade Controlada por este indicada nos termos da cláusula 3, pelos danos sofridos em resultado da violação, falsidade e/ou inexactidão de qualquer das referidas declarações e garantias.

6.7. A cláusula 10.2 do Contrato de Opção estatui que os Demandados comprometem-se a, a partir da presente data, assegurar que os administradores da Sociedade e das Subsidiárias disponibilizam toda a informação e documentação solicitadas pelo FRE e o acesso á Sociedade e às Subsidiárias assim como aos seus quadros para os efeitos da realização da Due Diligence, a qual incluirá designadamente a análise dos seguintes aspectos: (i) situação legal, laboral a ser realizada por advogados indicados pelo FRE; (ii) situação comercial, contabilística, financeira, operacional e fiscal a qual será levada a cabo por colaboradores da II e por uma empresa de auditoria ou consultores contratados pelo FRE;

6.8. A cláusula 10.7 do Contrato de Opção estabelece o seguinte: Em caso de incumprimento pela AA ou pelo Accionista de qualquer das obrigações previstas nos números anteriores, caso a FRE opte por não exercer a Opção de Compra, (i) os custos da Due Diligence serão suportados pela EE e (ii) a AA e o Accionista ficam solidariamente obrigados a proceder ao pagamento do montante de € 150.000,00 /(cento e cinquenta mil euros) ao FRE, a título compensatório, no prazo de 10 (dez) Dias úteis a contar da data da notificação efectuada pelo FRE para o efeito, sem prejuízo do eventual direito a indemnização por danos sofridos nos termos gerais de direito.

7.    Ao abrigo do disposto no Contrato de Opção, o FRE exerceu, em 26 de Março de 2013, a opção de compra de acções representativas de 75,5% do capital social da DD, detidas pela Demandada, e ainda de 75,5% dos créditos de que a Demandada era titular sobre a DD e sobre as sociedades controladas por esta (cfr doc A16).

8.    O FRE exerceu a opção de compra a favor da Demandante (cfr. Doc A16).

9.    A transmissão das acções e créditos objecto da opção de compra exercida pelo FRE a favor da Demandante ocorreu em Abril de 2013 (cfr docs. A5 e A16).

10.  Após a Demandante ter transmitido a HH uma parte das acções da DD que optou comprar, o capital social desta passou a estar distribuído do seguinte modo: Demandante (57,125%), Demandada (24,5%), HH (18,375%) (facto assente por acordo).

11.  Em 7 de Dezembro de 2012, o FRE, os Demandados e HH celebraram um Acordo Parassocial relativo à DD (O Acordo Parassocial) cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (cfr Doc A1).

12.  Do Acordo Parassocial retira-se, entre outras cláusulas, o seguinte (cfr Doc. A 1):

12.1. O Acordo Parassocial designa conjuntamente por “Partes” o FRE, a Demandada e HH e a respectiva cláusula 1ª, n.º 1, alínea o) identifica como “Partes” o FRE, a Demandada,  HH e quaisquer outras que, em cada momentos, sejam partes do presente Acordo Parassocial, em virtude de prévia adesão ao mesmo, designadamente os demais membros da Equipa de Gestão.

12.2. A cláusula 13ª, n.º 1, alínea b) do Acordo Parassocial prevê que se verifica uma situação de Incumprimento se a Demandada “e/ou” o Demandado violar ou incumprir qualquer das obrigações, assim como das declarações e garantias prestadas em benefício do FRE, constantes da cláusula 5.1 a 5.3 do Contrato de Opção.

12.3. A cláusula 13.ª, n.º 2 do Acordo Parassocial dispõe o seguinte: No caso de uma situação de Incumprimento, qualquer das Partes Não Faltosas terá o direito de exercer uma opção de compra sobre todas as Acções e/ou créditos sobre a Sociedade e Participadas que a Parte Faltosa detenha directa ou indirectamente; à data das verificação de uma das Situações de incumprimento, podendo tal opção ser exercida, mediante notificação por escrito à Parte Faltosa e às demais Partes Não Faltosas, efectuada nos três meses seguintes ao conhecimento pela Parte Não Faltosa de qualquer uma das Situações de Incumprimento.

12.4. A cláusula 13.ª , n.º 3 do Acordo Parassocial estabelece que As Condições e preço a pagar pelas Acções e créditos no âmbito do exercício do direito de opção de compra anteriormente referido são as seguintes:

a) O preço a pagar pela Parte Não Faltosa pelas Ações será pago em dinheiro e corresponderá ao valor correspondente à percentagem de capital adquirida sobre o resultado da fórmula [(5x EBITDA)- Dívida Financeira Líquida- créditos pelo FRE sobre a Sociedade e Participadas], o qual as Partes consideram constituir contrapartida pela venda das Acções, dos Créditos AA e das eventuais prestações efectuadas ao abrigo da cláusula 7.5. (ii);

b) O preço dos Créditos FRE e dos demais créditos sobre a Sociedade e Participadas corresponderá ao seu valor nominal, incluindo capital e juros vencidos, com a excepção de eventuais prestações efectuadas ao abrigo da cláusula 7.5. (ii) cuja transmissão não dará lugar a qualquer contrapartida para além do preço pago pelas Acções a transmitir;

c) O preço das Acções será determinado, com base no critério referido na alínea anterior, por um perito avaliador, escolhido pela Parte Não Faltosa ou por Acordo entre as Partes Não Faltosas de entre a OO, a PP,  ...e a QQ;

d) Os custos com os honorários e despesas do perito avaliador serão pagos pela Parte Faltosa;

e) As Partes obrigam-se a concluir a transmissão das acções e créditos referidos nos 20 dias a contar da data do relatório do perito avaliador que fixe o preço das acções;

f) O cumprimento das formalidades de transmissão terá lugar contra o pagamento do preço e a desvinculação de quaisquer garantias prestadas pela Parte Faltosa em benefício da Sociedade e das Participadas.

12.5. A cláusula 13.ª, n.ºs 5, 6 e 7 do Acordo Parassocial estipula o seguinte:

5. O incumprimento (incluindo o cumprimento defeituoso) por qualquer das Partes de obrigações por estas assumidas nos termos do presente Acordo, confere às demais Partes o direito a receber da Parte incumpridora uma indemnização pelos danos sofridos, incluindo despesas com Advogado e Solicitador.

6. O presente Acordo considerar-se-á definitivamente incumprido apenas quando a Parte que der causa a uma situação de incumprimento não regularizar o incumprimento nos casos em que esta for susceptível e sanação no prazo [de] 20 dias após a interpelação que qualquer das demais Partes para o efeito dirigir.

7. As Partes, desde já, fixam, de forma definitiva e irrevogável, a indemnização devida entre estes referida no número anterior, a título de cláusula penal, no montante de 150.000,00. Na eventualidade de o dano ser superior ao valor desta cláusula penal, cada uma das Partes Não Faltosas poderá exigir da Parte Faltosa, nos termos gerais do Direito, uma indemnização pelos prejuízos excedentários sofridos.”

12.6. A cláusula 14.ª, n.º 2 do Acordo Parassocial prevê que as Partes quer no âmbito da sua participação na Sociedade, vinculam-se a agir de boa-fé e de modo diligente com o objectivo de assegurar o cumprimento pontual e rigoroso das diversas disposições constantes do presente Acordo.

13.  O Contrato de Opção e o Acordo Parassocial foram negociados durante meses até serem assinados (cfr depoimento escrito de HH, parágrafos 10 a 33; depoimento escrito de RR, parágrafos 3.1, 3.2, 3.3 e Anexos XIV e XV).

14.  O Contrato de Opção e o Acordo Parassocial foram celebrados num contexto de severas dificuldades financeiras do Grupo EE, com vista à sua reestruturação (cfr. Docs. A1 e A5, depoimento escrito de RR, parágrafos 2.1 e 2.4).

15.  O FRE tinha interesse na celebração do Contrato de Opção, pois permitia um potencial investimento nas sociedades do Grupo EE através do exercício de uma opção de compra de acções e créditos (cfr Doc A5 considerando E).

16.  A Demandada tinha interesse na celebração do Contrato de Opção, porque este lhe conferida os direitos constantes do Acordo Parassocial e a possibilidade de exercer uma opção de recompra de acções e créditos (cfr Doc A5 considerando F).

17.  A cláusula 4.1, alínea e) do Contrato de Opção estabelecia, como condição do eficaz exercício da opção de compra pelo FRE a revogação e completa desvinculação do Demandado relativamente a garantias pessoais por si prestadas (cfr Doc A5).

18.  A taxa de juro de 7,5% ao ano, prevista na cláusula 4.1, alínea b) do Contrato de Opção e na Cláusula 7, n.º 1, do Acordo Parassocial, foi objecto de negociação (cfr Doc n.º 191-troca de e-mails com comentários à minuta de contrato de opção de compra quer do lado da II (SS) quer do lado da AA/TNO (RR) e onde se discute também a taxa de 7,5%).

19.  Em 10 de Fevereiro de 2011, a EE e a FF acordaram na aquisição pela primeira à segunda de 450 toneladas de cobre (doravante o Acordo de Cobre 2011) (Cfr Doc A25, Anexo 1.3, depoimento escrito de TT parágrafos 20 a 23, depoimento escrito de UU, ponto 5).

20.  No Acordo de Cobre 2011 intervieram TT, em nome da EE e VV, em nome da FF (cfr. doc n.º A25, Anexos 1.3. 1.4, 1.5; depoimento escrito de TT, parágrafo 4).

21.  Nos termos desse acordo, as 450 toneladas de cobre seriam entregues pela FF à EE em três lotes de 150 toneladas cada, em Maio, Junho, Julho de 2011 respectivamente (cfr Doc A25, Anexo 1.3; depoimento escrito de TT, parágrafo 24).

22.  Convencionou-se que o preço seria fixado segundo a cotação do mercado do cobre London Metal Exchange do dia 9 de Fevereiro de 2011: € 7.325,05 por tonelada (cfr depoimento escrito de TT, parágrafos 20, 23 e 30 e também Doc A25, Anexo 1.4).

23.  O preço total deveria ser pago em três prestações no prazo de 120 dias a contra da entrega de cada um dos lotes: € 7.415,57 por tonelada para o primeiro lote, a entregar em Maio de 2011; € 7.416,24 por tonelada para o segundo lote, a entregar em Junho de 2011; e 7.422,08 por tonelada para o terceiro lote a entregar em Julho de 2011 (cfr Doc A25 Anexo 1.3).

24.  A EE celebrou o Acordo de Cobre 2011 com a FF a fim de obter o cobre necessário para fabricar cabos encomendados por um cliente da EE denominado … situado na ..., cabos esses que seriam fornecidos a um cliente final GG (...) (cfr depoimento escrito de TT, parágrafo 21).

25.  A guerra civil ..., que eclodiu em meados de Fevereiro de 2011, afectou as relações comerciais da EE com os seus clientes ..., entre os quais a GG (cfr Doc A25, anexo 1.7) e fez com que a GG suspendesse a encomenda.

26.  A encomenda de cabos feita pela GG não era firme, pois não foi emitida a carta de crédito que era necessária para a perfeição do negócio da venda dos cabos pela EE ao cliente … (cfr depoimento oral de XX, [00:10:31] a [00:11:20], págs. 8-9 da transcrição; depoimento oral de TT[00:48:59] a [00:40:39], pág. 47 da transcrição; depoimento oral de HH [00:07:57) a [00:08:46] e [00:09:51], págs. 6-7 e 8 da transcrição; depoimento oral de ZZ, [00:14:54] a [00:16:14 págs. 13-14 da transcrição).

27.  Em 19 de Abril de 2011, a pedido da EE esta e FF convencionaram prorrogar a entrega das 450 toneladas de cobre e mais 250 toneladas, relativas a outro acordo anterior de aquisição de cobre, ao longo do ano de 2011 em diferentes prestações (cfr Doc A25, Anexo 1.4).

28.  Em 16 de Maio de 2011, a EE, representada pelo Demandado, na qualidade de presidente da comissão executiva, juntamente com outras empresas portuguesas, enviou uma carta ao então Primeiro Ministro de Portugal, onde descreveu as dificuldades relativas aos contratos de fornecimento de cobre a clientes ..., invocando prejuízos advenientes da queda do preço do cobre e fazendo referência designadamente ao preço fixado em Fevereiro para 450 toneladas de cobre (cfr Doc A25, Anexo 1.7).

29.  As 450 toneladas de cobre representavam cerca de 3% do volume de cobre que a EE comprava anualmente (cfr depoimento oral de XX [00:43:22] a (00:43:53], págs. 27-28 da transcrição).

30.  Em 9 de Junho de 2011, a EE solicitou o agendamento de uma reunião à FF, para discutir o tema das 700 toneladas de cobre que nessa altura ainda estavam por entregar, referindo que a situação que se vivia na ... impedia a produção e envio dos cabos encomendados pelos clientes ... (cfr Doc A25, Anexo 1.5; depoimento escrito de UU, ponto 5).

31.  Em 17 de Junho de 2011, a EE e a FF reuniram nas instalações desta, tendo acordado alterar uma vez mais o calendário de entrega da 700 toneladas de cobre, incluindo as 450 toneladas que eram destinadas à GG, de modo a que todas fossem entregues ate Setembro de 2011 (cfr Doc A25, Anexo 1.6: depoimento escrito de TT, parágrafo 34).

32.  As 450 toneladas de cobre do Acordo de Cobre 2011 não foram entregues nem pagas nas datas acordadas (cfr depoimento escrito de TT, parágrafo 40; Doc A34).

33.  A cotação do cobre no mercado da London Metal Exchange nunca mais atingiu o pico da cotação que existia quando foi celebrado o Acordo de Cobre 2011 (cfr depoimento oral de XX [01:48:32] a [01:40:30] pág. 79 da transcrição; depoimento oral de UU [00:12:54] a [00:13:13], pág. 14 da transcrição; depoimento oral de TT [00:46:37] a [00:47:13] pág. 46 transcrição; doc A25 Anexo 1.8 pág. 6).

34.  Desde Junho de 2011 até Novembro de 2013, a FF não reclamou o pagamento das 450 toneladas de cobre à EE.

35.  Em 6 de Novembro de 2013 teve lugar uma reunião em ... nas instalações da EE, onde estiveram presentes HH, XX, TT em nome da EE, UU e VV em nome da FF (cfr depoimento escrito de XX, parágrafos 26 e 28; depoimento escrito de UU, ponto 6; depoimento escrito de AAA, parágrafo 64; depoimento escrito de TT, parágrafo 42).

36.  Nessa reunião UU referiu o Acordo de Cobre 2011 (cfr. depoimento escrito de XX, parágrafo 26; depoimento escrito de UU, ponto 6; depoimento escrito de HH, parágrafo 64; depoimento escrito de TT, parágrafo 42).

37.  HH e XX rejeitaram na mesma reunião a existência desse acordo (cfr depoimento escrito de XX, parágrafo 29; depoimento escrito de UU, ponto 6; depoimento escrito de HH, parágrafo 69; depoimento escrito de TT, parágrafo 43).

38.  HH e XX não eram membros do conselho de administração da EE à data da celebração do Acordo de Cobre de 21011 e iniciaram funções nessa qualidade, respectivamente em Agosto de 2012 e Maio de 2013;

39.  Em 10 de Março de 2014, representantes da EE e da FF voltaram a reunir-se em ... e estes mostraram àqueles os e-mails de 10 de Fevereiro, 19 de Abril e 9 de Junho de 2011, relativos à celebração e renegociação do Acordo de Cobre 2011, bem como a uma acta de reunião havida em 17 de Junho de 2011 (cfr depoimento escrito de XX, parágrafo 35, ponto 2; depoimento escrito de HH, parágrafo 70, depoimento escrito de TT, parágrafo 52).

40.  Posteriormente a EE contratou a OO (doravante BBB) para avaliar o Acordo de Cobre 2011.

41.  Em 28 de Abril de 2014, a FF remeteu à EE cópia da carta enviada ao Primeiro-ministro em 16 de Maio de 2011 (referida supra) (cfr depoi8mento escrito de XX, parágrafo 35, ponto 3; depoimento escrito de UU, ponto65; depoimento escrito de HH, parágrafo 70; depoimento escrito de TT, parágrafo 54).

42.  Em 6 de Maio de 2014, a BBB emitiu relatório que concluiu pela existência e vigência do Acordo de Cobre 2011, pronunciando-se, ainda, sobre o tratamento contabilístico a dar à transacção em causa (cfr Doc A25 Anexo 1.8).

43.  No relatório da BBB referiu-se que o preço do cobre entre 2011 e 2013 “registou uma redução significativa” e que “[a] execução do contrato [com a FF] resultaria num custo significativo para a EE, uma vez que o preço fixado no acordo inicial era significativamente superior” (cfr Doc A25, Anexo 1.8 págs. 6-7).

44.  No relatório BBB concluiu-se que deverá ter-se em consideração se o acordo à data de 31 de Dezembro de 2011, 31 de Dezembro de 2012 e 31 de Dezembro de 2013 revestia as características de um contrato oneroso, de acordo com o IAS 37. Ou seja, se à data de encerramento de conta de cada período, o preço do cobre fixado no acordo (enquanto custo a incorporar na produção) não foi coberto pelo valor de realização do bem no qual esta matéria-prima é incorporada, estamos perante uma perda com as características referidas no ponto anterior. Nesse caso, a perda deveria ter sido reconhecida nos períodos respectivos, como uma provisão actualizada em cada fecho de contas. (cfr Doc A25, Anexo 1.8, pág. 17).

45.  Em 6 de Maio de 2014, reuniu a assembleia geral da DD e nessa reunião HH, na qualidade de presidente do conselho de administração da DD comunicou aos accionistas que a FF havia interpelado a EE para cumprir o Acordo de Cobre de 2011 (cfr Doc A18).

46.  Em 26 de Maio de 2014 o conselho de administração da EE aprovou por unanimidade, a rectificação das contas respeitantes ao exercício de 2013, através da constituição de uma provisão por contrato oneroso relativa à obrigação assumida no Acordo de 2011 (cfr Doc A27).

47.  A obrigação assumida pela EE no Acordo de Cobre 2011 não estava reflectida na demonstração de resultados consolidada da DD referente a 30 de Setembro de 2012 (facto assente por acordo; cfr Doc A5, Anexo 5).

48.  A obrigação assumida pela EE no Acordo de Cobre 2011 não resultava dos documentos disponibilizados à Demandante no âmbito da Due Diligence (cfr depoimento escrito de Miguel Farinha, parágrafo 3; também se deduz do facto de a Demandante ter enviado aos Demandados todos os documentos disponibilizados durante Due Diligence e de estes não terem juntado nenhum aos autos), nem constava do relatório financeiro da Due Diligence (cfr Doc A192).

49.  As informações relativas à existência do Acordo de Cobre 2011 não estavam disponíveis na intranet da EE desde 2011, estando apenas registado na intranet um pedido de cobertura relativo ao cliente GG com o preço fixado inicialmente e as condições de entrega previstas no momento do pedido de cobertura (cfr Doc R2).

50.  No dia 1 de Junho de 2014 a EE e a FF celebraram um acordo em que a EE reconheceu a obrigação de adquirir 450 toneladas de cobre ao preço de € 7,325,05 por tonelada, mas essa obrigação foi reduzida para 270 toneladas e com “um período de carência” de dois anos, entre outras condições, mantendo-se o preço de € 7.325,05 por tonelada que fora fixado inicialmente segundo a cotação do mercado de cobre London Metal Exchange do dia 9 de Fevereiro de 2011 (doravante o Acordo Cobre 2014) cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (cfr Doc A34).

51.  Com o Acordo de Cobre 2014 em vez de estar obrigada a pagar € 3.396.272,50 por 450 toneladas de cobre a EE passou a estar obrigada a pagar € 1.977.763,509 por 270 toneladas de cobre tendo-se mantido o preço de € 7.325,05 por tonelada mas reduzido o total de toneladas 450 para 270 (cfr Doc A34; depoimento escrito de XX, parágrafos 160 e 161; depoimento escrito de HH, parágrafos 150 e 151).

52.  Nos termos do Acordo de Cobre 2014:

52.1. A EE obrigou-se a pagar à FF 100 toneladas de cobre no terceiro ano (2016), 100 toneladas de cobre no quarto ano (2017) e 70 toneladas de cobre no quinto ano (2018), mas com a possibilidade de, em qualquer momento durantes os cinco anos, pagar a totalidade do cobre (cfr Doc A34, cláusula Segunda);

52.2 A EE assumiu a responsabilidade pelos custos de manutenção da cobertura do cobre (cfr Doc A34, cláusula Terceira);

52.3 A EE obrigou-se a consumir 50.000 toneladas de fio-máquina de cobre durante 5 anos, desde 1 de Janeiro de 2014 a 31 de Dezembro de 2018, assumindo o compromisso mínimo de 9 mil toneladas por ano ao preço vigente em 2014 +/- a diferença do custo da energia (cfr Doc A34, cláusula quarta).

53.  A Demandante não sofreu até ao momento danos no montante de € 1.042.000,00 causados pelo desconhecimento do Acordo de Cobre 2011 (não foram provados danos neste montante, o qual foi indicado pela Demandante com base numa mera estimativa de Acordo com a actual cotação do cobre; vários depoimentos e, sobretudo, do Acordo de Cobre de 1 de Junho de 2014, apontam antes no sentido de que o dano real e efectivos só poderá ser apurado quando a execução do Acordo de Cobre de 2014 estiver concluída).

54.  À data da transmissão das acções da DD para a Demandante, os seis trabalhadores identificados no art.º 314 da petição inicial eram, pelo menos, formalmente, trabalhadores da EE ou da CCC S.A (doravante a CCC) (cfr Docs. A36 a A41 depoimento escrito de DDD, parágrafo 12)

55.  Os seis trabalhadores identificados no art.º 314 da petição inicial prestavam serviços à Demandada, ao Demandado e a familiares deste (cfr Depoimento escrito de DDD, parágrafo 13 a 16; depoimento escrito de XX, parágrafos 175 a 178).

56.  A EE e a CCC negociaram e celebraram com os trabalhadores identificados no art.º 314 da petição inicial acordos de revogação dos respectivos contratos de trabalho (cfr Docs. A48 a A53; depoimento escrito de DDD parágrafos 19 a 21).

57.  Após a transmissão das acções da DD para a Demandante, a EE identificou despesas que beneficiavam “Entidades Relacionadas” (na acepção prevista na cláusula 1.1 do Contrato de Opção) (cfr. depoimento escrito de EEE, parágrafos 32 a 58 e documentos aí identificados; depoimento escrito de XX, parágrafos 171 a 172).

58.  À data da transmissão das acções da DD para a Demandante, havia processos de licenciamento pendentes relativamente a imóveis detidos por sociedades do Grupo EE (facto assente por acordo);

59.  As actividades da EE e da CCC nunca foram suspensas por problemas de licenciamento (cfr depoimento escrito de FFF, parágrafos 3 e 4).

60.  Por carta datada de 11 de Junho de 2014, a Demandante interpelou os Demandados para procederem à sanação de alegadas situações de incumprimento do Contrato de Opção e do Acordo Parassocial, entre as quais aquelas que invoca na petição inicial (cfr Doc A19).

61.  Por carta datada de 8 de Julho de 2014, a Demandante voltou a interpelar os Demandados, reiterando a carta datada de 11 de Junho de 2014 (cfr Doc A35).

62.  Por carta datada de 9 de Julho de 2014, os Demandados responderam às interpelações da Demandante, rejeitando a existência de incumprimento contratual (cfr Doc A30).

63.  Por carta data de 14 de Julho de 2014, a Demandante exerceu a opção de compra de todas as acções e créditos detidos pela Demandada sobre a DD e sobre as suas participadas e declarou resolver o Acordo Parassocial (cfr. Doc A114).

64.  A Demandante celebrou os Acordos previstos na clausula 4.1 alínea c) do Contrato de Opção (cfr Docs. A176 e A177).

65.  A Demandante não procedeu ao cancelamento do penhor das acções na DD detidas pela Demandada (facto assente por acordo).

66.  A Demandante não suportou os custos da Due Diligence efectuada ao Grupo EE (facto assente por acordo).

67.  Na reunião da assembleia geral da DD de 30 de Junho de 2015 a Demandante votou contra a cooptação de GGG como administrador indicado pela Demandada (facto assente por acordo; cfr Doc A164 depoimento escrito de GGG).

IV.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1ª QUESTÃO:

Se, tendo a demandante formulado um pedido de indemnização líquido e não tendo ficado provada a existência de quaisquer danos, a decisão arbitral, ao condenar numa indemnização ilíquida, por danos futuros, decidiu ultra petitum ou em objecto diverso do pedido, violando o disposto no art. 46º, nº 3, al. a), subal. v), da LAV.

Com efeito, afirmam os recorrentes que a ora recorrida, no pedido (vii) da petição inicial do processo arbitral, pediu a condenação dos ora recorrentes no pagamento de todos os danos em que alegadamente incorreu, no valor total de 1.311.322,48€. Ou seja, formulou um pedido indemnizatório líquido. Todavia, os alegados danos não ficaram provados, tendo a decisão arbitral considerado a existência de "ficcionados" danos futuros, pelo que a condenação (ilíquida) nestes danos consubstancia uma indemnização diferente e autónoma.

No Acórdão recorrido, depois de se afirmar que a Decisão Arbitral não corresponde a uma condenação em objecto diverso do pedido, porquanto se funda nos factos alegados e dados como provados e na interpretação que em razão dos mesmos e face aos Acordos o Tribunal Arbitral fez, acrescentou-se:

"III.3.7. O Tribunal recorrido entendeu efectivamente que a EE não chegou a sofrer uma perda, tão-pouco se pode achar que Demandante tenha sofrido algum dano, os danos invocados pela Demandante na sua p.i não foram provados e que por isso entre o mais não era devida a clª penal de 150 mil euros, mas, noutro plano, entendeu que em face dos factos provados existe uma probabilidade considerável de vir a ocorrer uma perda no futuro porque a cotação do cobre no mercado da London Metal Exchange nunca mais atingiu o pico da cotação que existia quando foi celebrado o Acordo do Cobre em 2011, não sendo previsível que torne a atingir num futuro próximo o valor máximo que atingiu em 2011, sendo um dano futuro previsível e determinável que a Demandante pode exigir nos termos do art.º 564/2 do CCiv, o tribunal, por isso procedeu a uma interpretação do pedido. (…)

III.3.9. O Tribunal interpretou o pedido, moveu-se dentro dos seus limites e muito embora não tenha terminado com uma condenação em quantia fixa, como peticionado, mas antes em quantia que se vier a apurar em liquidação, tal não constitui qualquer nulidade como se entendeu entre outros nos Ac do STJ 9/9/2014 (…)".

Crê-se que se ajuizou bem.

Esta questão pode ser analisada numa dupla perspectiva: por um lado, saber se, apesar de não se ter verificado ainda qualquer dano, provocado pelo incumprimento dos demandados, o Tribunal Arbitral podia atender ao dano futuro previsível; por outro, se, tendo sido formulado um pedido líquido de indemnização, poderia ser, como foi, proferida uma condenação ilíquida.

Nessa primeira perspectiva, a solução foi adequadamente fundamentada na Decisão Arbitral, como se salientou no Acórdão recorrido, na sequência, aliás, da explicitação que depois foi acrescentada na decisão complementar (cfr. certidão de fls. 145).

O Tribunal Arbitral interpretou o pedido formulado pela demandante como "um pedido de indemnização pelos prejuízos sofridos em virtude do incumprimento do contrato de opção pelos demandados"; prejuízos que decorrem da variação da cotação do cobre.

Não "ficcionou" danos, antes tendo considerado, com base nos factos alegados, que ficaram provados, o "dano futuro previsível e determinável", correspondente, no final do contrato entre a EE e a FF, à diferença de valor entre o montante que a EE vier efectivamente a pagar à FF, no âmbito da execução do Acordo de 01.06.2014, e o valor previsivelmente mais baixo que a EE pagaria pelas mesmas toneladas de cobre se nas datas convencionadas utilizasse como valor de referência o valor correspondente no London Metal Exchange.

O pedido era, pois, de condenação na indemnização pelo dano provocado pelo aludido incumprimento, não tendo a decisão exorbitado dos limites desse pedido; apesar de esse dano não se ter ainda verificado, por virtude de o referido Acordo não ter sido (ainda) cumprido, nada impedia o Tribunal Arbitral de atribuir indemnização pelo dano futuro, à luz do disposto no art. 564º, nº 2, do CC, atendendo à "probabilidade considerável" de o mesmo vir a ocorrer.

Tal não consubstancia condenação em objecto diverso do pedido.

Por outro lado, esse dano ainda não está determinado, podendo (e devendo) a fixação da correspondente indemnização, como é admitido pelo art. 47º, nº 2, da LAV, ser relegada para liquidação ulterior, nos termos do art. 609º, nº 2, do CPC.

A tal não obsta o facto de ter sido formulado um pedido líquido, justificando-se uma interpretação ampla desta norma, mais conforme com a sua letra e por conduzir a um resultado mais razoável e justo.

O objectivo é o de possibilitar a indemnização efectiva do dano, impondo-se uma interpretação no sentido de que, se o lesado não logrou provar o objecto ou a quantidade desse dano, poderá ainda consegui-lo na ulterior liquidação, demonstrando aí o seu valor real e exacto.

Essa interpretação era já preconizada por Alberto dos Reis[2], ao afirmar que o preceito "tanto se aplica no caso de se ter formulado inicialmente pedido genérico e não ter sido possível convertê-lo em pedido específico, como no caso de se ter logo formulado pedido específico, mas não se chegarem a coligir dados suficientes para se fixar, com precisão e segurança, o objecto ou a quantidade da condenação".

Nesta situação, acrescenta, "nem seria admissível que a sentença absolvesse o réu, nem seria tolerável que o condenasse à toa, naquilo que ao juiz apetecesse. A única solução jurídica é a que o texto consagra: proferir condenação ilíquida".

É esse também, actualmente, o sentido claramente predominante (senão uniforme) na jurisprudência[3].

No caso, por não existirem os elementos indispensáveis para fixar o quantitativo do valor do dano que decorrerá previsivelmente do incumprimento dos demandados, decidiu-se relegar a determinação do montante da indemnização para o que vier a ser oportunamente liquidado.

A decisão não condena, pois, em quantidade superior ao pedido.

Conclui-se, por conseguinte, que a decisão arbitral não incorreu na violação do disposto no art. 46º, nº 3, al. a), subal. v), da LAV.

2ª QUESTÃO:

Se as regras particulares do processo estabelecidas pelo Tribunal Arbitral, quanto à prova pericial, e o indeferimento do requerimento dos demandados para a realização de prova pericial, violam o disposto no art. 46º, nº 3, al. a), subal. ii), da LAV.

Afirmam os recorrentes:

Na contestação do processo arbitral requereram perícia informática aos servidores da EE - …, SA, com vista a verificar se se encontravam disponíveis nos computadores da empresa em 2011 e posteriormente, a informação referente às fixações do cobre, e perícia às contas da mesma empresa, para apurar se existem vendas ao cliente da ... GG ou outros fornecidos pela GG, após 31.12.2013 a 2014, se a EE continuou a fazer fixações de cobre após 31.12.2013 a 2014 e, em caso afirmativo, se a EE contabilizou alguma variação entre o cobre fixado e o valor da cotação a 31 de Dezembro de 2013 e 2014.

Esse requerimento foi indeferido pelo Tribunal Arbitral, afirmando-se que os requerentes "agiram à revelia das regras particulares do processo".

Todavia, os recorrentes não concordaram com essas regras, nem poderiam apresentar um relatório de peritos por não terem acesso às instalações das empresas onde se encontravam os servidores e a documentação contabilística.

Esse indeferimento fragilizou gravemente a posição processual dos recorrentes, uma vez que tais perícias iriam certamente provar que nada foi ocultado à recorrida sobre o acordo de fixação de cobre de 2011 e que a recorrida tinha efectivo conhecimento de todos os factos desde, pelo menos, Março de 2013 (data em que a recorrida exerceu a opção de compra da maioria do capital da DD e passou a controlar as empresas através dos administradores que indicou), o que determinaria a caducidade do direito da recorrida.

Acresce que, relativamente ao direito à prova e à sua essencialidade na decisão da acção de anulação, deve ter-se por suficiente a prova por verosimilhança ou plausibilidade.

Por seu turno, a recorrida defende, em síntese, que:

O Tribunal Arbitral tem competência para definir as regras processuais que considere adequadas (arts. 18º, nº 1, do Regulamento e 30º, nº 3, da LAV);

Nada impede, à luz do direito constituído, que nas regras particulares da arbitragem se regule a admissibilidade de qualquer meio de prova ou se estabeleçam limites à produção de prova pericial;

Os recorrentes sustentam que não tinham acesso a documentos e ao sistema da EE, mas nunca alegaram, nem provaram, que tenham solicitado a colaboração dessa empresa par esse efeito;

Os recorrentes não demonstram em que medida as perícias poderiam efectivamente provar que nada teria sido omitido à recorrida.

Na fundamentação do acórdão recorrido escreveu-se o seguinte:

(…) Tal como a maioria das matérias relativas à condução do procedimento arbitral, a produção da prova não está regulamentada de forma desenvolvida na maioria das legislações nacionais ou dos regulamentos de arbitragem, tais regras são normalmente estabelecidas pelas partes e pelo tribunal arbitral ou, na ausência de acordo, pelo tribunal arbitral através de ordens processuais no âmbito de cada arbitragem. Sendo aplicável ao caso a Lei de Arbitragem Voluntária, Lei 63/2011 de 14/12 o processo arbitral deve, necessariamente, respeitar o princípio fundamental do tratamento das partes com igualdade (art.º 30/1/b), o que significa que as regras processuais- acordadas pelas partes até à aceitação do primeiro árbitro ou definidas pelo Tribunal Arbitral depois desse momento terão de respeitar esse princípio e nos termos do art.º 30/3 e 4 da LAV o tribunal Arbitral tem poderes para conduzir a arbitragem do modo que considerar adequado, podendo definir as regras processuais e determinar quais as provas admissíveis e o seu valor, pelo que o Tribunal tem obviamente poderes para definir as regras que deverão ser cumpridas pelas partes e pelos seus representantes e pelos mandatários (…)

Ora, o estabelecimento dessas regras e desse modo encontram consonância com o disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 30 da LAv . Por outro lado o Tribunal não excluiu a prova pericial apenas definiu o modo da constituição da prova pericial. Acresce que invocando-se que houve no processo violação de princípios fundamentais referidos no art.º 39/1 (art.º 46/3/ii) deve a parte alegar e demonstrar que essa violação teve influência decisiva na resolução do litígio e os apelantes não lograram demonstrar que a falta de realização dessas perícias contabilística e informática com o específico objecto apontado nos requerimentos de prova teve influência decisiva na resolução do litígio. Improcede por isso nessa parte a acção também.

Vejamos.

Estabelece o art. 30º, nº 3, da LAV que, não existindo tal acordo das partes e na falta de disposições aplicáveis na presente lei, o tribunal arbitral pode conduzir a arbitragem do modo que considerar apropriado, definindo as regras processuais que entender adequadas (…).

E, nos termos do nº 4 desse artigo, os poderes conferidos ao tribunal arbitral compreendem o de determinar a admissibilidade, pertinência e valor de qualquer prova produzida ou a produzir.

A norma do referido nº 3 confere, assim, aos árbitros, nas condições aí previstas e para além do mais, o poder de definir as regras processuais que entenda adequadas.

Este poder dos árbitros está, porém, subordinado aos princípios fundamentais do processo arbitral (art. 30º, nº 1), às normas imperativas da LAV (art. 30º, nº 2) e às regras fixadas por acordo das partes (art. 30º, nºs 2 e 3), devendo ser exercido tendo como objectivo a resolução célere e eficiente do litígio, como, em regra, se prevê nos regulamentos de arbitragem[4].

Como refere Menezes Cordeiro, "o papel do tribunal é, de facto, o de fixar regras: não em geral, para arbitragens indefinidas: mas para aquela concreta arbitragem. Ao fazê-lo, o tribunal exerce um direito potestativo: mas dentro das baias funcionais em jogo, com total observância dos princípios e dos valores da arbitragem e tendo em conta os equilíbrios procurados pelas partes, seja na convenção de arbitragem, seja no contexto geral onde esta de inclua"[5].

Por outro lado, como se prevê no nº 4 do art. 30º, compete ao tribunal arbitral decidir, em função das regras estabelecidas na arbitragem, sobre a admissibilidade dos meios de prova e sobre o valor probatório dos meios de prova produzidos. "É aos árbitros que cabe determinar, em função das regras abstractas da arbitragem, quaisquer que sejam, se tal meio de prova é admitido, se se refere ao facto ou matéria probandi e qual a valia, a força, que se lhe deve atribuir, isto é, qual a medida em que ele deve contribuir para a convicção do tribunal"[6].

No caso, ao abrigo do citado art. 30º, nº 3, o Tribunal Arbitral estabeleceu estas regras quanto à prova pericial:

9.1 As partes podem apresentar relatórios de peritos com os seus articulados.

9.2 Sem prejuízo da possibilidade da opção pela nomeação de um assessor técnico nos termos gerais, o tribunal poderá nomear um perito, por sua iniciativa, e indicar o objecto da perícia depois de consultar as partes.

9.3 O perito nomeado pelo tribunal apresentará um relatório escrito, que será notificado às partes, devendo comparecer na audiência para produção de prova a fim de prestar esclarecimentos, se algumas partes requere ou o tribunal ordenar.

Como se referiu, os recorrentes requereram a realização de perícia informática aos servidores da EE e perícia às contas da mesma empresa, com a finalidade que indicaram, acima referida.

Este requerimento foi objecto de uma primeira decisão de indeferimento (20.04.2016), com esta fundamentação:

"Tendo presente o disposto no nº 9.1 das regras particulares do processo, que determina o modo de produção de prova pericial, prevendo que «[a]s partes podem apresentar relatórios de peritos com os seus articulados», os demandados, querendo lançar mão desse meio de prova, poderiam – deveriam – ter junto ao seu articulado de defesa os relatórios que entendessem convenientes, o que não fizeram. Ao invés, agiram à revelia das regras particulares do processo. Por este motivo, indefere-se o requerimento pericial.

Relativamente à invocação do nº 9.2 das regras particulares do processo, nos termos da qual «o tribunal poderá nomear um perito, por sua iniciativa, e indicar o objecto da perícia, depois de consultar as partes», trata-se de uma faculdade do Tribunal Arbitral, que este poderá a seu tempo utilizar de julgar necessário ou relevante para a descoberta da verdade".

Na sequência de posterior pedido de reapreciação da mesma pretensão, este pedido foi, de novo, indeferido, por decisão de 25.05.2016, por estas razões:

"Este Tribunal Arbitral mantém o despacho arbitral, na parte que indeferiu o requerimento pericial, com fundamento na evidente violação pêlos demandados do nº 9.1 das RPP, acrescentando que nem o princípio do contraditório é posto em causa por tal indeferimento – dado que: i) do indeferimento não resulta qualquer limitação do direito de resposta dos demandados aos factos alegados pela demandante; ii) os demandados souberam desde o início qual era o modo de produção de prova neste processo arbitral –, nem a prova pericial requerida se nos afigura fundamental para o apuramento da verdade, atentos os factos que os demandados visavam com ela provar".

Os recorrentes sustentam que esta decisão viola os princípios fundamentais previstos no art. 30º, nºs 1, als. b) e c), da LAV, constituindo fundamento para anulação da decisão arbitral, nos termos do art. 46º, nº 3, al. a), subal. ii), do mesmo diploma.

No art. 30º, nº 1, al. b), exige-se que as partes sejam "tratadas com igualdade" e que lhes seja "dada uma oportunidade razoável de fazerem valer os seus direitos, por escrito ou oralmente, antes de ser proferida a sentença final".

Na al. c) do mesmo artigo, exige-se que seja garantida a observância do princípio do contraditório em toadas as fases do processo.

Deve notar-se, porém, que, conforme dispõe o citado art. 46º, nº 3, al. a), subal. ii), a violação de algum dos referidos princípios fundamentais só releva se tiver influência decisiva na resolução do litígio.

Tem sido entendido que este segmento da norma deve ser objecto de interpretação restritiva, uma vez que a prova da "influência decisiva", no sentido literal desta expressão, será praticamente impossível, podendo esvaziar a salvaguarda dos princípios fundamentais que se pretendia assegurar[7].

Assim, não será necessário demonstrar que a violação teria uma efectiva e decisiva influência na decisão, mas também não bastará uma influência meramente potencial. Antes será necessária a demonstração de que se não tivesse ocorrido a violação, a decisão teria sido provavelmente diferente.

Afigura-se-nos indiscutível que, no caso, o Tribunal Arbitral podia, ao abrigo do disposto no art. 30º, nº 3, da LAV, definir as regras processuais que considerava adequadas, quanto aos meios de prova a produzir, designadamente sobre a perícia. A limitação a que estava subordinado, não existindo regras fixadas pelas partes, seria, como se referiu, a de tais regras serem compatíveis com os princípios fundamentais do processo arbitral e com as normas imperativas da LAV.

Os recorrentes invocam a violação dos princípios da igualdade e do contraditório, mas sem razão, parece-nos.

Não se vê realmente que tenha sido violado o princípio da igualdade, nos termos em que este deve ser entendido (cfr. arts. 13º da CRP e 4º do CPC), caracterizado como proibição de arbítrio, exigindo positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diferente de situações de facto diferentes e, por outro lado, como proibição de discriminação, impondo que as medidas de diferenciação sejam materialmente fundadas[8].

Não houve, na verdade, um tratamento injustificadamente diferenciado e discriminatório de qualquer das partes.

Nem se pode dizer, também, que não tenha sido dada aos recorrentes uma oportunidade razoável de fazerem valer o seu direito, como é requerido como garantia de um processo equitativo.

Neste ponto, o problema interliga-se com o princípio do contraditório – como garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento do litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar, designadamente (como aqui se discute), as provas[9].

Todavia, quer nessa perspectiva mais geral, quer no sentido restrito do direito à fiscalização recíproca das partes ao longo do processo, não se vislumbra a invocada, mas não devidamente explicada, violação do princípio do contraditório.

Saliente-se que, como se refere no acórdão recorrido, o Tribunal Arbitral não excluiu pura e simplesmente a prova pericial; antes definiu previamente, nas regras particulares, o modo da sua realização, tendo, para além disso, ressalvado a possibilidade de ser ordenada a perícia, se tal viesse a ser considerado necessário para o apuramento da verdade, o que acabou por não se verificar (como se referiu e pelas razões que constam do aludido segundo despacho de indeferimento).

Por outro lado, também não oferece dúvidas que o Tribunal Arbitral podia fundamentadamente decidir da admissibilidade e pertinência dos meios de prova que fossem requeridos pelas partes (art. 30º, nº 4).

Tendo sido definido pelo Tribunal Arbitral, ao regular a prova pericial, que as partes poderiam apresentar relatório de peritos com os seus articulados, é manifesto que a perícia requerida pelos recorrentes não se conforma com essa regra processual estabelecida pelo Tribunal no início do processo arbitral.

Dizem os recorrentes que o referido modo de realização da prova pericial não seria exequível, nem teria qualquer utilidade, uma vez que eles não tinham acesso, em qualquer dos casos, aos elementos que constituíam o objecto da perícia.

O certo, porém, é que, se não dispunham de acesso a tais elementos, poderiam tê-lo solicitado, por forma a viabilizar o exame desses elementos. Mas não o fizeram, sendo certo que conheciam, desde o início do processo, a disciplina a que estavam sujeitos a tal respeito.

Por fim, será de referir que mesmo que se considerasse verificada a violação de algum dos aludidos princípios fundamentais, haveria, mesmo assim, que demonstrar que essa violação teria tido influência decisiva na resolução do litígio, no sentido que acima se preconizou.

Note-se que foi produzida prova sobre a questão debatida nos autos e o Tribunal Arbitral mostrou disponibilidade para ordenar oficiosamente a perícia, se tal viesse a revelar-se necessário para o apuramento da verdade, mas acabou por não o fazer por considerar que esse meio de prova não seria fundamental para tal efeito.

Os elementos disponíveis não permitem contrariar esse juízo, nem consentem a conclusão de que a realização das perícias requeridas conduziria provavelmente a decisão diferente.

Improcede, por conseguinte, também esta questão.

3ª QUESTÃO:

Se a decisão do Tribunal Arbitral de indeferir a junção ao processo de cópia integral da Due Diligence consubstancia violação dos princípios da igualdade e do contraditório – art. 46º, nº 3, al. a), subal. ii), da LAV.

Alegam, em síntese, os recorrentes:

Requereram a junção de cópia integral da Due Diliqence que compreende a "auditoria legal, laboral, comercial, operacional, financeira, contabilística e fiscal", realizada à Sociedade DD e subsidiárias, o que não foi feito pela recorrida, que se limitou a entregar centenas de documentos sem qualquer critério, não juntando os respectivos relatórios.

Essa entrega avulsa de documentos não tem qualquer utilidade ou valor probatório.

A decisão arbitral de indeferimento do pedido formulado pelos recorrentes consubstancia manifesta violação dos mais elementares princípios da cooperação, da igualdade e do contraditório. 

Esse elemento de prova levaria a uma decisão diversa, ou seja, de que as sociedades entregaram todos os elementos solicitados pelas equipas que realizaram a Due Diligence e de que nada foi ocultado e que a recorrida tinha conhecimento de todas as situações relevantes, incluindo as fixações do cobre, tendo havido a maior transparência e rigor na informação disponibilizada, o que levaria à total improcedência da acção arbitral.

Defendeu-se a recorrida, referindo, no essencial, que:

O pedido de documentos, tal como foi formulado, constitui claro fishing expedition; apesar disso, a requerida acabou por juntar toda a documentação a que teve acesso durante a due diligence.

Depois da junção desses documentos, vieram os recorrentes dizer que o seu pedido se referia, afinal, aos relatórios da due diligence, continuando a não justificar a sua relevância.

Todavia, a prova de que não teria havido ocultação de elementos violadores das Declarações e Garantias apenas se faria através da documentação entregue e não com base em conclusões ou avaliações técnicas.

A fundamentação do acórdão recorrido é a seguinte:

III.5.4. Parece não haver qualquer tipo de dúvida quer na doutrina quer na própria definição contratual que a Due Diligence é uma auditoria à documentação legal, laboral, comercial, operacional, financeira contabilística e fiscal (onde naturalmente se inclui o tal contrato de compra de compra de cobre à FF pela subsidiária, negócio esse que teria sido ocultado à compradora CC, pelo que ao solicitar-se a Due Diligence completa tal incluiria, naturalmente, os relatórios das auditorias, independentemente da consideração de serem ou não matéria sujeita a confidencialidade. Mas, se o objectivo das demandadas era o de provar que, relativamente, a esse negócio nada tinha sido ocultado impunha-se-lhes a identificação dos documentos pertinentes em conformidade com as Regras Particulares, cuja validade e eficácia já acima se equacionou e resolveu no sentido positivo. (…)

III.5.5. No seu requerimento de 3/2/2016, já depois de 2 requerimentos anteriores os demandantes voltaram a solicitar o Due Diligence integral, a requerida apesar de entender que não tinham sido cumpridas as regras particulares enviou-lhes vários documentos, mas no requerimento posterior em 29/2/2016 as demandantes vieram especificar que apenas lhes interessava os relatórios da Due Diligence, o que cumprindo o desiderato da especificação documental não cumpria o desiderato da relevância, como se veio a dizer no despacho de 22/4/2016. Ou seja, os demandantes depois de receberem todos os documentos vieram dizer que os mesmos sem os relatórios de nada lhes serviam, depois restringem o pedido aos relatórios mas não especificam a relevância (…). Os relatórios da Due Diligence constituem uma análise efectuada sobre os documentos legais contabilísticos, laborais e financeiros da empresa pelo que não é pelos relatórios que se poderá concluir que tenha havido ocultação, é pelos próprios documentos que as Demandadas levaram ao conhecimento da Demandante com vista àquelas auditorias e pelos vistos as Demandadas tiveram acesso a todos esses documentos ou pelo menos não disseram que faltava qualquer um deles, sequer disseram em que medida os ou algum dos relatórios poderia ter importância para aferir dessa ocultação

III.5.6. A decisão arbitral deu como provado sob 47 a 49 que a obrigação assumida pela EE no Acordo de cobre de 2011 não estava reflectida na demonstração de resultados consolidadas da DD referente a 30/9/2012, (facto assente por acordo e Doc A25, anexo 5), essa obrigação não resultava dos documentos disponibilizados à Demandante no âmbito da Due Diligence (para além de depoimento de testemunha o Tribunal Arbitral inferiu tal do facto de a Demandante ter enviado aos Demandados todos os documentos disponibilizados durante a Due Diligence e de estes não terem juntado nenhum aos autos, não constando do relatório financeiro da Due Diligence, doc A192) e que as informações relativas à existência do Acordo de Cobre de 2011 não estarem disponíveis na Intranet das EE desde 2011, estando apenas registado na Intranet um pedido de cobertura relativo ao cliente GG com preço inicialmente fixado e condições de entrega previstas no momento do pedido da cobertura (Doc R2). Dos meios de prova indicados resulta que o Tribunal decidiu como decidiu também com base nos documentos que foram juntos (os demandados não juntaram nenhum daqueles que a Demandante lhes enviou sendo prerrogativa dos demandados a de juntarem ou não juntarem os mesmos, na certeza de que, se desses documentos resultasse claramente que as Autoras tinham oportunamente fornecido toda a informação necessária para a  Due Dilgence, designadamente a informação relativa ao Acordo de Cobre de 2011, cuja ocultação sustenta a acção indemnizatória, teriam forçosamente junto esses documento e assim demonstrado a improcedência da acção arbitral, o que não fizeram e deram azo à inferência que o Tribuna Arbitral fez). Assim sendo conclui-se que nenhuma violação ocorreu dos princípios fundamentais referidos no art.º 30/1 da LAV (46/3/a, ii), designadamente não se vê como possam aquelas decisões dos árbitros ter violado o princípio da igualdade ou ter negado às demandadas uma oportunidade razoável de fazerem valer os seus direitos por escrito ou oralmente, ou sequer violação do princípio do contraditório.

A respeito da apresentação de documentos em poder da parte contrária, estabeleceu o Tribunal Arbitral estas regras, ao abrigo do disposto no art. 30º, nº 3, da LAV:

7.1. No prazo de 15 dias contados da entrega do último articulado cada parte pode solicitar à outra a apresentação de documentos que considere relevantes para a decisão da causa e que se encontrem em poder da última. No seu pedido a parte interessada deve identificar quanto possível os documentos pretendidos e justificar de forma sucinta a sua relevância.

7.2. A Outra parte deve, sem necessidade de despacho do tribunal, apresentar a parte requerente de imediato os documentos solicitados conforme número anterior ou justificar a sua recusa no prazo de 10 dias após receber o pedido. Se o não fizer a parte interessada pode requerer ao tribunal no prazo de 10 dias que ordene a apresentação dos documentos pedidos. Caberá aos árbitros decidir se os documentos solicitados devem ou não ser apresentados, tendo em conta todas as circunstâncias e os interesses legítimos das partes.

7.3. Se as partes não cumprirem sem justos motivos, a ordem do tribunal para apresentar os documentos o tribunal poderá tirar ilações dessa falta para efeitos probatórios.

7.4. A entrega dos documentos solicitados nos termos dos números anteriores deve ser feita exclusivamente à parte requerente cabendo a esta a decisão sobre a junção dos referidos documentos ao processo arbitral (...)

No despacho de 20.04.2016, foi indeferido o pedido de notificação da Demandante para apresentar os relatórios da due diligence, sem prejuízo de o Tribunal Arbitral poder ordenar em fase mais avançada do processo a apresentação desses documentos caso os mesmos se venham afinal a revelar relevantes para a decisão a causa.

Referiu-se na fundamentação desse despacho:

No caso sub judice os Demandados solicitaram cópia integral da Due Diligence à Demandante e esta entregou-lhes os documentos facultados durante a Due Diligence. Coloca-se a questão de saber se os relatórios da Due Diligence estariam ou não incluídos no pedido apresentado pelos Demandados.

Por um lado, conforme resulta do disposto no nº 7.1 das regras particulares do processo, a parte interessada deverá identificar quanto possível os documentos pretendidos. Os Demandados, porém, não fizeram referência no seu pedido (inicial) a quaisquer relatórios. Por outro lado, atendendo aos factos que os Demandados pretendem provar com a “cópia integral da Due Diligence” – essencialmente que toda a informação solicitada no âmbito da Due Diligence foi prestada aos auditores e que, nessa medida, não houve a ocultação de informação alegada pela Demandante –, o Tribunal Arbitral considera que, neste momento, à partida, nada parece impedir que, sem prejuízo das regras de repartição do ónus da prova, a prova seja feita com base na documentação entregue pela Demandante.

No despacho subsequente (25.05.2016), escreveu-se o seguinte:

(…) os demandados nunca negaram nem puseram em causa que a Demandante lhes tivesse entregado todos os documentos facultados durante a Due Diligence conforme aquela disse que faria. O que os Demandados fizeram foi defender que tais documentos eram inúteis sem os relatórios.

Daí que, no despacho de 20.04.2016, o Tribunal Arbitral tenha partido do pressuposto de que os documentos facultados à demandante durante a Due Diligence haviam sido entregues aos Demandados, tendo acrescentado que os relatórios não estavam incluídos no pedido feito pelos Demandados, visto que os Demandados não fizeram referência a quaisquer relatórios no seu pedido (inicial) de documentação, mesmo sabendo que deveriam identificar quanto possível os documentos pretendidos à luz do n.º 7.1 das RPP.

Concluindo-se nestes termos:

Ora, neste momento, o Tribunal Arbitral não vê razões para alterar o decidido, pois, de novo, sem prejuízo das regras de repartição do ónus da prova, tendo em conta os factos que os demandados pretendem  provar com "cópia integral da Due Diligence" – fundamentalmente, a não ocultação de informação à demandante, – a  circunstância de os documentos facultados à demandante durante a Due Diligence lhe terem sido entregues por esta e ainda o facto de a dita Due Diligence ter sido realizada pela Demandante, consoante os articulados das partes, não se vê, ao menos nesta fase, a pertinência da entrega dos relatórios da Due Diligence pela Demandante aos Demandados.

Está aqui em causa um outro elemento de prova – apresentação de documentos em poder da parte contrária – em relação ao qual o Tribunal Arbitral estabeleceu as regras particulares acima reproduzidas sobre a respectiva admissibilidade.

São igualmente pertinentes, quanto a esta questão, as normas legais enunciadas e com o sentido indicado no ponto anterior:

- O poder conferido aos árbitros de definirem as regras processuais tidas por adequadas – art. 30º, nº 3;

- O poder de os árbitros decidirem, em função dessas regras, da admissibilidade dos meios de prova e do valor probatório daqueles que se produzirem – art. 30º, nº 4;

- A anulação da decisão arbitral, se houver violação de algum dos princípios fundamentais referidos no art. 30º, nº 1, com influência "decisiva" na resolução do litígio – art. 46º, nº 3, al. a), subal. ii).

Discute-se, neste caso, o pedido feito pelos recorrentes de notificação da recorrida para lhes entregar os relatórios da due diligence, sendo de notar que esse pedido específico foi feito pelos recorrentes depois de a recorrida lhes ter enviado a documentação facultada durante essa auditoria.

Essa pretensão foi indeferida nos termos dos aludidos despachos, pelas razões que deles constam e que se deixaram reproduzidas, que o acórdão recorrido corroborou inteiramente.

Neste acórdão, aliás, foi apreciada desenvolvidamente a questão e fundamentada cabalmente a decisão, não se vendo o que de útil possa ser acrescentado.

Será, na verdade, de admitir e de considerar que foi entregue aos recorrentes toda a documentação facultada à recorrida no âmbito da due diligence: os recorrentes nunca negaram ou puseram em causa esse facto, não invocando a falta de qualquer documento, apenas referindo, como reafirmam agora no recurso, que a entrega avulsa de documentos, sem os relatórios, não tem qualquer utilidade ou valor probatório.

Mas, perante a entrega desses documentos, os recorrentes não concretizam a relevância (ou necessidade) específica de tais relatórios, como se exige no nº 7.1 das RPP. Cumprem o desiderato da especificação documental, mas não cumprem o desiderato da relevância, como (bem) se diz no acórdão recorrido.

A due diligence, na definição do próprio contrato, consiste numa auditoria legal, laboral, comercial, operacional, financeira, contabilística e fiscal, a realizar à sociedade e às subsidiárias.

Visando apurar, de forma detalhada, a situação dessas empresas, a auditoria teria de incluir o contrato de compra do cobre à FF pela subsidiária, negócio que teria sido ocultado à recorrida.

Ora, se os recorrentes pretendiam provar que toda a informação solicitada no âmbito da due diligence foi prestada aos auditores, não se tendo verificado a ocultação da informação invocada pela recorrida, referente ao aludido negócio, parece forçosa a conclusão de que essa prova poderia e deveria ser efectuada através da documentação que foi entregue pela recorrida, não se compreendendo bem a insistência na apresentação dos relatórios da auditoria.

Com efeito, se a informação foi prestada, ela deveria estar naturalmente documentada e seria esta documentação – contrariamente ao que vem alegado – que poderia levar a uma decisão diversa, ou seja, "que as sociedades entregaram todos os elementos solicitados pelas equipas que realizaram a Due Diligence e de que nada foi ocultado e que a recorrida tinha conhecimento de todas as situações relevantes, incluindo as fixações do cobre".

Todavia, os recorrentes, na posse de toda a documentação respeitante à due diligence, entregue pela recorrida, não juntaram aos autos nenhum dos respectivos documentos – como deveriam, se tais documentos existissem –, o que levou o Tribunal Arbitral (também com base no depoimento de uma testemunha) a concluir, justificadamente, que a obrigação assumida pela EE no Ascordo do Cobre de 2011 não constava da documentação disponibilizada no âmbito da due diligence (facto 48).

Não pode, assim, deixar de se concluir, como se concluiu no acórdão recorrido, que não ocorreu qualquer violação dos princípios da igualdade e do contraditório, referidos no art. 30º, nº 1, da LAV.

Improcede, pois, também esta questão.

4ª QUESTÃO:

Se a decisão arbitral viola de forma grave e manifesta princípios integradores da ordem pública internacional do Estado Português, como o princípio da proporcionalidade, a proibição de indemnizações punitivas em matéria cível, o princípio da boa fé e a proibição do abuso do direito – art. 46º, nº 3, al. b), subal. ii), da LAV.

Dispõe o art. 46º, nº 3, al. b), subal. ii), da LAV que a sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se este tribunal verificar que o conteúdo da sentença ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.

Apesar de criticada, mormente em relação às arbitragens internas, em que, por regra, é aplicado o direito português[10], o sentido da norma parece claro: restringir a intervenção do conceito de ordem pública como fundamento de anulação das sentenças arbitrais.

Não se concebe, porém, que se pudesse prescindir da consagração de um tal limite, como válvula de segurança para clamorosos erros judiciários que contendam com princípios tão nuclearmente relevantes[11].

Constitui, assim, fundamento de anulação da sentença arbitral, de conhecimento oficioso, a violação da ordem pública internacional do Estado Português.

Por ordem pública deve entender-se o "conjunto dos princípios fundamentais imanentes ao ordenamento jurídico e formando as traves-mestras em que se alicerça a ordem económica e social"[12].

São normas e princípios inderrogáveis pela vontade individual, constituindo, pois, um limite à autonomia privada. Normas e princípios que, porém, não se identificam com o conjunto de normas imperativas da mesma ordem jurídica: têm um âmbito mais restrito, como é entendido pacificamente, integrando uma cláusula geral adicional, formulada em termos suficientemente amplos e elásticos, por forma a abarcar situações não identificadas previamente.

Dentro do conjunto de regras e princípios que integram a ordem pública, é habitual circunscrever-se "um núcleo menos compreensivo", que constitui a ordem pública internacional.

A ordem pública interna (cfr. arts 280º, nº 2 e 281º do CC) e a ordem pública internacional fazem parte de um dado ordenamento jurídico: "são ambas nacionais de um determinado Estado"[13]. Esta distingue-se daquela[14] por ter um "conteúdo mais restrito (menos abrangente)", integrando "princípios estabelecidos para protecção de interesses ou valores considerados absolutamente fundamentais e inderrogáveis"[15].

Podem distinguir-se os seguintes princípios que integram a ordem pública internacional e cuja violação pode constituir fundamento de anulação das sentenças arbitrais[16]:

i) o princípio pacta sunt servanda;

ii) o princípio da boa fé;

iii) a proibição do abuso do direito;

iv) o princípio da proporcionalidade;

v) a proibição das medidas discriminatórias ou espoliadoras;

vi) a protecção dos civilmente incapazes;

vii) a proibição das vinculações perpétuas;

viii) a proibição de indemnizações punitivas em matéria cível;

ix) as normas legais destinadas a proteger os contratantes mais fracos.

Adverte, porém, Sampaio Caramelo que a invocação da violação de princípios com conteúdo tão amplo ou indeterminado, como os indicados em i) a iv), como fundamento de anulação, "terá de ser sujeita a acentuadas restrições, para que, por essa via, não se fomente, perniciosamente, a impugnação de sentenças arbitrais sem justificação bastante, por parte de quem, insatisfeito com a decisão dos árbitros, recorra a este meio processual para tentar obter a reapreciação pelos tribunais estaduais do litígio decidido pelos árbitros".

Por outro lado, no controlo que exerce sobre o conteúdo da sentença arbitral, para aferir da eventual violação dos aludidos princípios, é vedada ao juiz a revisão do mérito dessa sentença: o juiz não vai julgar novamente o litígio decidido pelos árbitros, para verificar se chegaria ou não a idêntico resultado; ele "tem apenas o dever de verificar se tal sentença, pelo resultado a que conduz, ofende algum princípio considerado como essencial pela ordem jurídica"[17].

O juízo é de mérito, mas "instrumental à anulação", para verificar se foram postergadas as normas ou princípios que integram a ordem pública internacional[18].

Concretizando o referido controlo sobre o conteúdo da sentença arbitral, esclarece Sampaio Caramelo[19] que o mesmo tem de ser efectivo, não podendo limitar-se à parte dispositiva (que é neutra), abrangendo também os motivos da decisão e os factos apreciados pelos árbitros; "todo o raciocínio seguido pelos árbitros deve poder ser objecto de exame pelo juiz, tanto em matéria de direito quanto em matéria de facto, desde que isso tenha influência sobre a aplicabilidade de um princípio ou regra de ordem pública"; o controlo exercido deve ser efectuado, "de modo comedido", "com o preciso fim de apurar se a situação criada pela sentença arbitral ofendeu, concreta e gravemente, os objectivos prosseguidos pelas regras e princípios aplicáveis ao caso"; "é o conteúdo da sentença que é controlado, mas é em função do seu resultado que ela será sancionada"; mas "só uma ofensa concreta e séria (grave) aos fins que aqueles (regra ou princípio de ordem pública) prosseguem deve ser sancionada".

Todavia, acrescenta ainda o mesmo Autor, este exame aprofundado só tem razão de ser se se revelar útil, ou seja, "se se mostrar, prima facie, existir um risco de ofensa efectiva e séria à ordem pública. Se, pelo contrário, o juiz puder constatar, prima facie, que a invocada desaplicação das regras de ordem pública, admitindo-se que tivesse existido, não era susceptível de constituir uma ofensa àqueles, não terá de levar o seu controlo mais além".

Vejamos, então, à luz das considerações expostas, a questão acima enunciada.

Sustentam os recorrentes que o Tribunal Arbitral violou os princípios da ordem pública internacional do Estado Português, acima indicados, porquanto:

- Ao condenar os recorrentes no ressarcimento integral de todos os (por ora inexistentes) danos futuros causados à recorrida e ainda na pena convencional de aquisição coerciva da totalidade das acções da recorrente, apesar de considerar que o incumprimento verificado não ocorreu com culpa, está a aplicar uma dupla sanção manifestamente desproporcional ao grau de incumprimento;

- Ao ignorar a diferença substancial dos valores indemnizatórios e dos fundamentos indicados na carta de interpelação relativamente aos indicados na acção arbitral, e considerando lícito e eficaz o exercício do direito de opção coerciva das acções da demandada por via das mencionadas cartas, violou o princípio da proibição do abuso do direito;

- Violou também o princípio da proibição do abuso do direito, na modalidade do desequilíbrio no exercício do direito, ao aplicar uma sanção que é manifestamente desproporcional, face ao incumprimento verificado e à diminuta culpa do agente;

- Violou igualmente o princípio da proibição de indemnizações punitivas em matéria cível, por ter aplicado uma dupla sanção que vai muito além dos danos efectivamente (não) sofridos pela recorrida e face ao incumprimento verificado e à culpa mitigada do agente;

- Violou ainda o princípio da proporcionalidade, por, nos termos do art. 811, nº 3, do CC, o credor não poder em caso algum exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal, sendo que a cláusula penal manifestamente excessiva pode ser reduzida pelo Tribunal, sendo nula qualquer cláusula em contrário (812.º, nº 1, do CC).

Assim, no essencial, os recorrentes, com apoio na declaração de voto de vencido do Sr. Prof. Menezes Cordeiro – "(…) Tendo o Tribunal condenado os demandados no ressarcimento integral de todos os danos futuros causados ao demandado, não pode acrescer uma «pena máxima» (a referida aquisição potestativa) por um ponto contabilístico sobre cujo alcance existem, no mínimo, dúvidas. Não ocorrem danos para além dos ressarcidos pela decisão do tribunal, enquanto a culpa do agente é mitigada (…). A dupla condenação conduz a uma situação de desequilíbrio no exercício (…) oficiosamente judicável (…) e vedada pela ordem pública internacional" –, censuram essa dupla condenação, considerando-a manifestamente desproporcional ao grau de incumprimento e com violação dos demais invocados princípios da ordem pública internacional.

Está em causa, segundo alegam, um único incumprimento, considerado não culposo, de diminuta relevância e relativo a divergências contabilísticas, não existindo, pois, motivo para aquela dupla sanção.

Recorde-se o teor das cláusulas do contrato de opção e do acordo parassocial celebrados entre as partes e que aqui estão directamente em causa:

Cláusula 5.ª do Contrato de Opção:

1. Os demandados declaram e garantem, em benefício do FRE, e reconhecendo que a completude, correcção e verdade destas declarações e garantias constitui pressuposto essencial da sua vontade de contratar, o seguinte:

g) A Informação Financeira exclusivamente no que respeita à demonstração de resultados e dívida consolidada da Sociedade por referência a 30 de Setembro de 2012, e a lista de Créditos a Terceiros por referência a 31 de Outubro de 2012 são verdadeiras, exactas, correctas e completas à data a que se reportam (…);

Cláusula 13.ª do Acordo Parassocial:

1. b) - Verifica-se uma situação de Incumprimento se a Demandada “e/ou” o Demandado violar ou incumprir qualquer das obrigações, assim como das declarações e garantias prestadas em benefício do FRE, constantes da cláusula 5.1 a 5.3 do Contrato de Opção;

2. No caso de uma situação de Incumprimento, qualquer das Partes Não Faltosas terá o direito de exercer uma opção de compra sobre todas as Acções e/ou créditos sobre a Sociedade e Participadas que a Parte Faltosa detenha directa ou indirectamente; à data das verificação de uma das Situações de incumprimento, podendo tal opção ser exercida, mediante notificação por escrito à Parte Faltosa e às demais Partes Não Faltosas, efectuada nos três meses seguintes ao conhecimento pela Parte Não Faltosa de qualquer uma das Situações de Incumprimento.

3. As condições e preço a pagar pelas Acções e créditos no âmbito do exercício do direito de opção de compra anteriormente referido, são as seguintes: (…);

5. O incumprimento (incluindo o cumprimento defeituoso) por qualquer das Partes de obrigações por estas assumidas nos termos do presente Acordo, confere às demais Partes o direito a receber da Parte incumpridora uma indemnização pelos danos sofridos, incluindo despesas com Advogado e Solicitador.

6. O presente Acordo considerar-se-á definitivamente incumprido apenas quando a Parte que der causa a uma situação de incumprimento não regularizar o incumprimento nos casos em que esta for susceptível e sanação no prazo [de] 20 dias após a interpelação que qualquer das demais Partes para o efeito dirigir.

7. As Partes, desde já, fixam, de forma definitiva e irrevogável, a indemnização devida entre estes referida no número anterior, a título de cláusula penal, no montante de 150.000,00. Na eventualidade de o dano ser superior ao valor desta cláusula penal, cada uma das Partes Não Faltosas poderá exigir da Parte Faltosa, nos termos gerais do Direito, uma indemnização pelos prejuízos excedentários sofridos.

Sobre o incumprimento culposo dos demandantes escreveu-se na sentença arbitral o seguinte[20]:

"Provou-se em síntese, que pelo acordo entre a EE e a FF de Fevereiro de 2011 a EE comprou 450 toneladas de cobre à FF, que esta lhe vendeu, a entregar em datas certas e por um preço determinado; e que mesmo com as prorrogações que foram convencionadas entre as partes para a entrega e pagamento, aquelas obrigações eram exigíveis pelo menos desde o fim de Setembro de 2011. Foi também provado que tal contrato não foi executado, não havendo no entanto qualquer elemento de prova no sentido de que o contrato tenha sido entretanto distratado até à celebração do Contrato de Opção e do Acordo Parassocial.

Não foi demonstrado, é certo, que os Demandados tivessem intencionalmente ocultado à Demandante o acordo entre a EE e a FF de Fevereiro de 2011 referente à venda de 450 toneladas de cobre. Também não se demonstrou que os administradores da DD e das sociedades suas subsidiárias, em que se incluía a EE, recusaram informações ou documentos que lhes tivessem sido solicitados durante a auditoria («due dilligence») que foi realizada por conta do Fundo de Reestruturação Empresarial e que estava mencionada na clª 10.2 do Contrato de Opção.

A Demandante não foi informada, em qualquer caso, de que existia o acordo com a FF, de 2011. É certo que, na época da celebração do Contrato de Opção e do Acordo Parassocial - 7 de Dezembro de 2012 -, já tinha expirado o prazo para a sua execução, por ambas as partes, sem que nenhuma delas tivesse até então reclamado o seu cumprimento à outra ou se oferecesse para cumprir a prestação respectiva, nem até 2013, o que leva este Tribunal a concluir que prescindiram dos prazos convencionados. A verdade, porém, é que o Acordo existente - que era um acordo que se mantinha válido e que era relevante no quadro da atividade desenvolvida pela EE - não constava dos documentos de prestação de contas consolidadas da DD, não estando, portanto, mencionado nas respetivas demonstrações financeiras, em especial no chamado anexo às demonstrações financeiras. E, no âmbito da responsabilidade contratual, incumbia aos Demandados provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procedeu de culpa sua (artigo 799." do Código Civil), o que não aconteceu".

Acrescentou-se depois:

"Na cláusula 5.1, alínea g), do Contrato de Opção, os Demandados garantiram à entidade gestora do Fundo de Reestruturação Empresarial que a demonstração de resultados e dívida consolidada por referência a 30 de Setembro de 2012 era verdadeira, exata, correta e completa à data a que se reportava, a questão primeira é a de saber se aquela demonstração de resultados tinha aquelas qualidades, apesar de não incluir referência alguma ao Acordo do Cobre 2011.

Há que ter em conta, entretanto, que a garantia dos Demandantes era limitada: não só houve o cuidado de circunscrever a informação financeira à demonstração de resultados e dívida consolidada da AA em 30 de Setembro de 2012, referência evidente a um documento específico de prestação de contas, mas também de precisar que os Demandados apenas prestavam as declarações e garantias previstas no Contrato de Opção (cláusula 5.5).

A questão colocada deve resolver-se com recurso às normas contabilísticas e de relato financeiro, em particular as normas do Sistema de Normalização Contabilística aprovado pelo Decreto-Lei 158/2009, de 13 de Julho.

Como ficou dito, a BBB analisou o Acordo do Cobre 2011. O relatório da BBB -que não é vinculativo para o Tribunal - não foi conclusivo quanto ao montante da provisão a criar para cada período. A BBB, em qualquer caso, afirmou no seu relatório que, se à data de encerramento de contas de cada exercício o preço de cobre fixado por acordo não fosse coberto pelo valor de realização do bem em que aquela matéria-prima seria incorporada, existiria uma perda que deveria ter sido reconhecida nos períodos respetivos como uma provisão atualizada em cada fecho de contas. De contrário, não se impunha a provisão.

A BBB invocou para o efeito a Norma Internacional de Contabilidade IAS 37, que regula a contabilização de provisões, passivos contingentes e ativos contingentes nas demonstrações financeiras e impõe o reconhecimento e a mensuração de provisões por «contratos onerosos». Reza essa disposição: «se uma empresa tiver um contrato que seja oneroso, a obrigação presente ao abrigo do contrato deve ser reconhecida e mensurada como uma provisão. Um contrato oneroso é aquele em que os custos inevitáveis à satisfação das obrigações segundo o contrato excedem os benefícios económicos que se espera receber segundo ele».

Semelhante a este preceito é a Norma Contabilística e de Relato Financeiro 21, estabelecida no âmbito do Sistema de Normalização Contabilística. Ambos instrumentos sublinham a inevitabilidade dos custos a suportar por via dos contratos em causa.

Ora, no caso sub judice, o Acordo de Cobre 2011 representava um negócio relevante, mantinha-se em vigor e não tinha ainda sido executado. Além disso, embora se tenham verificado oscilações na cotação do cobre no mercado da London Metal Exchange, as cotações, ainda que baixando ou recuperando, não voltaram a atingir a mesma cotação usada pela EE e pela FF na fixação do preço das 450 toneladas à época em que foi celebrado o Contrato de Opção e o Acordo Parassocial.

À face das referidas normas de contabilidade, havia razões para que devesse ser provisionada uma perda no balanço e na demonstração de resultados e dívida consolidada da DD referente a 30 de Setembro de 2012, porque o contrato continuava a ser válido e eficaz e a FF podia então exigir o seu cumprimento a todo o tempo, nos termos do artigo 777.°, n." 1, do Código Civil, não obstante a depreciação do valor do cobre e a perda do negócio com o cliente da ....

*

Aparte a questão da provisão, resulta provado que o acordo com a FF não constava dos demais documentos de prestação de contas consolidadas da DD, apesar de ser um negócio importante no grupo de empresas da DD, e não foi comunicado pelos Demandados à Demandante por outra forma.

Ora, na cláusula 5.1, alínea g), do Contrato de Opção, os Demandados garantiram à entidade gestora do Fundo de Reestruturação Empresarial que a demonstração de resultados e dívida consolidada referente a 30 de Setembro de 2012 era verdadeira, exata, correta e completa à data a que se reportava, o que não era conforme com a realidade naquela data, pois exigia-se uma provisão referente ao contrato com a FF e isso implicava um balanço e demonstração de resultados consolidados diferente. Os Demandados também reconheceram, no texto inicial da cláusula 5.1 do Contrato de Opção que a completude, correção e verdade das declarações e garantias exaradas na mesma cláusula constituía pressuposto essencial da vontade de contratar da outra parte, o que sempre dependeria de correto tratamento contabilístico do contrato com a FF.

A cláusula 5.1, alínea g), deve interpretar-se como tendo os Demandados assegurado à entidade gestora do Fundo um certo estado de coisas, em especial um certo valor patrimonial da Demandada e das sociedades suas subsidiárias à data de 30 de Setembro de 2012. Sem dúvida que esta é uma cláusula rigorosa para com os Demandados e dela deve deduzir-se que os Demandados assumiram a obrigação de responder pelas desconformidades que se verificassem entre aquilo que declararam e a realidade, ainda que essas desconformidades não se devam a culpa sua. A entidade gestora do Fundo de Reestruturação Empresarial podia legitimamente contar com esse resultado quando celebrou o contrato e, como ficou expresso no Contrato de Opção, sem aquela garantia dos Demandados o Fundo não quereria concluir o contrato, nem por conseguinte adquirir ações representativas de 75,5% do capital social da Demandada e investir capitais no seu grupo de empresas.

A cláusula em causa impunha aos Demandados que reparassem a desconformidade averiguada por forma a honrar a garantia, ou seja, proceder de modo que a situação real da EE correspondesse àquela que se apresentava no balanço e demonstração de resultados consolidados referentes a 30 de Setembro de 2012.

No Acordo Parassocial a falsidade ou inexatidão das declarações e garantias dos Demandados é considerada como situação de incumprimento (cláusula 13.ª, n.º I, b) e esse incumprimento ter-se-ia por definitivo se a parte que lhe desse causa o não sanasse no prazo de 20 dias após interpelação das outras partes, contanto que a sanação fosse possível (cláusula 13.ª, n.º 6). A Demandante, ulteriormente, interpelou os Demandados mais que uma vez para remediarem a desconformidade verificada e que os Demandados não o fizeram. No caso, a sanação deveria consistir na entrega, à HHH, da diferença de valor suficiente para constituir a provisão referente à obrigação para com a FF que fosse necessária para manter o valor do balanço consolidado.

Portanto, tem que concluir-se que os Demandados não cumpriram a obrigação que para si resultava da cláusula 5.1, alínea g), do Contrato de Opção".

Perante esta fundamentação, bem estruturada, os recorrentes não põem em causa, verdadeiramente, a existência do incumprimento que lhes é imputado da obrigação que resultava da clª 5ª, nº 1, g), do contrato de opção, mas tão só o grau ou relevância desse incumprimento, na aferição da violação dos princípios da ordem pública internacional.

Importa, no entanto, salientar que, ao invés do que repetidamente alegaram, não é verdade que se tenha considerado provado que eles não agiram com culpa.

Mesmo que não tenha ficado demonstrado que os recorrentes ocultaram intencionalmente à recorrida o acordo entre a EE e a FF ou que aqueles tenham recusado informação solicitada sobre esse acordo durante a auditoria, o certo é que, estando-se no domínio da responsabilidade contratual, impendia sobre os recorrentes o ónus da prova de que a falta de cumprimento da aludida obrigação não resultou de culpa sua (art. 799º do CC), prova que não lograram fazer.

Assim se concluiu no acórdão arbitral, sem razão para qualquer censura, não se vendo em que medida esse juízo, tendo em conta as razões de facto e de direito em que assenta, pode contender com os fins prosseguidos por qualquer princípio ou norma da ordem pública.

Estamos, aliás, perante um passo intermédio da fundamentação, que levou a concluir pela existência do incumprimento culposo dos recorrentes. Ora, como parece evidente, não será esta conclusão ou "resultado" que vai colidir com os referidos fins, mesmo na perspectiva dos recorrentes.

Como decorre do que acima se referiu, o que é realmente questionado pelos recorrentes é a dupla condenação que lhes foi imposta pelo acórdão arbitral, em consequência de tal incumprimento (que dizem insignificante): na indemnização integral dos danos futuros sofridos pela recorrida e, bem assim, na pena convencional de aquisição coerciva das acções. Uma dupla sanção que, a seu ver, ofende os aludidos princípios e normas.

Vejamos.

Foram atrás reproduzidas as cláusulas do contrato de opção (clª 5ª, nº 1, g)) e do acordo parassocial (clª 13ª, nº 1, b) e nºs 2, 5 e 7) que estão aqui directamente em causa.

No acórdão arbitral foi reconhecida a validade de tais cláusulas e, nomeadamente, da clª 13ª, com base, essencialmente, no princípio da autonomia privada (art. 405º do CC): foram as partes que livremente definiram as situações de incumprimento, a sua relevância e os efeitos que lhes seriam associados.

Afastou-se assim a invalidade da clª 13ª, que havia sido invocada pelos recorrentes, fundamentalmente por, face ao aludido princípio, não haver impedimento à inclusão de cláusulas penais nos acordos celebrados, por nenhuma das cláusulas infringir o disposto no art. 17º do CSC, nem constituírem cláusulas gerais elaboradas sem prévia negociação ou que os recorrentes não tivessem podido influenciar (DL 446/85, de 25/10).

Por outro lado, afirmou-se no acórdão arbitral que a clª 13ª, nºs 5 e 7 – em que se convencionou a fixação prévia do montante da indemnização pelos danos provocados pelo incumprimento do contrato – corresponde à cláusula penal prevista no art. 810º, nº 1, do CC, constituindo, na sua essência, uma cláusula penal indemnizatória, de fixação antecipada da indemnização.

Já o acordo de opção de compra de todas as acções referido na clª 13ª, nº 2, foi entendida como uma verdadeira pena convencional stricto sensu, estipulada como consequência do não cumprimento da obrigação e não associada ao ressarcimento dos danos causados.

Sobre este ponto, cumpre referir que as partes podem, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, estipular cláusulas penais (citado art. 810º, nº 1) e, conforme entendimento pacífico, estabelecer livremente a função de tais cláusulas: uma finalidade indemnizatória – "se pretendem apenas  liquidar antecipadamente, de modo «ne varietur», o dano futuro" – ou puramente coercitiva ou compulsória – se visam "tão só pressionar o devedor ao cumprimento, não a substituir a indemnização a que houver direito, nos termos gerais"[21].

Esta distinção é importante: a cláusula penal puramente compulsória constitui um meio específico de coerção, para constranger o devedor a cumprir; acresce à indemnização fixada nos termos gerais, não a substitui; não depende, por isso, da verificação de quaisquer danos.

Assim, não parece que a qualificação operada no acórdão arbitral possa ser objecto de censura, tendo em conta as razões aí invocadas. De todo o modo, será de referir – como aqui importa[22] – que o eventual erro em que incorresse sobre tal questão não seria fundamento bastante para, por si só, conduzir à anulação do acórdão, uma vez que esse erro (podendo as partes configurar como entenderem a função das cláusulas), mesmo que implicasse violação do regime previsto no art. 811º do CC, não integraria ofensa de qualquer princípio da ordem pública[23].

Na sequência da aludida qualificação das cláusulas penais, considerou-se no acórdão arbitral que, até ao momento, a EE não sofreu qualquer perda patrimonial, uma vez que o contrato com a FF ainda não foi cumprido, não tendo também a demandante (aqui recorrida) provado os danos que invocou na p.i..

Assim e visto que o art. 811º, nº 3, do CC não permite que o credor possa exigir indemnização que exceda o prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal, decidiu-se reduzir a zero a indemnização pré-fixada de € 150.000,00.

Para o efeito afirmou-se:

Nas circunstâncias conhecidas, verificando-se não ter ocorrido uma perda e reconhecendo-se que a demandante adquiriu as acções dos demandados a título de pena convencional do incumprimento, considera-se que é manifestamente excessivo que os demandados devam ainda pagar à demandante uma indemnização de 150.000 euros por danos que não existem, dado ser de uma grande e evidente desproporção. Considera-se mesmo que no caso é abuso do direito fazer uma tal exigência e cumpre aos árbitros tolhê-la.

Pode, assim, afirmar-se, com o devido respeito, que não foi aplicada no acórdão arbitral a sanção máxima, considerando o leque de sanções estipuladas pelas partes para o incumprimento: para além da redução a zero da aludida cláusula indemnizatória, a indemnização pelo dano excedente será apenas a que vier a apurar-se em liquidação ulterior.

Será de notar, por outro lado, atenta a qualificação da cláusula penal prevista na clª 13º, nº 2 do acordo parassocial, que não se coloca aqui o problema de cúmulo entre a pena e a indemnização, que seria impedido pelo art. 811º, nº 1, do CC: a pena tem natureza compulsória, não se destinando a substituir a indemnização pelo não cumprimento.

"Não há, portanto, uma identidade de interesses que nos leve a falar de cúmulo: a pena não foi considerada como a indemnização devida em caso de não cumprimento"[24].

De todo o modo, mesmo que não relevasse essa diferente função, a cumulação da pena (compulsória) com a indemnização, havia sido expressamente convencionada pelas partes, cabendo, consequentemente, na ressalva da parte final do referido artigo.

O referido regime legal não impedia, portanto, a demandante de exercer o direito de opção de compra das acções, referida na citada clª 13º, nº 2 e de pedir a indemnização por incumprimento, prevista no nº 5 da mesma cláusula.

Mas será que, ao reconhecer esses direitos, exercidos cumulativamente, o acórdão arbitral violou, grave e seriamente, os princípios da ordem pública internacional invocados pelos recorrentes?

O Tribunal Arbitral cuidou já da questão do abuso do direito invocado pelos demandados, afirmando o seguinte:

"Os Demandados defendem que a Demandante, ao exercer a opção de compra alegando incumprimentos contratuais que não existem, agiu com abuso do direito.

Sem dúvida, a opção de compra, a ser exercida, é uma medida muito grave, destruindo as relações de cooperação entre as partes e afastando os Demandados da empresa.

A verdade, porém, é que a cláusula 13.ª, n.º 2, do Acordo Parassocial - bem como a expressa aceitação de que pode haver complementarmente lugar ao pagamento de uma indemnização - resulta do uso pelas partes da sua liberdade contratual, devendo supor-se que as partes estavam em condições privilegiadas para autorregularem diretamente os seus próprios interesses. Já se sublinhou, aliás, que a cláusula 13.ª não pode ser qualificada como uma cláusula contratual geral elaborada sem prévia negociação individual que os Demandados se tenham limitado a aceitar, ou como um cláusula de conteúdo previamente elaborado que os Demandados não puderam influenciar, dado que o Acordo Parassocial foi objeto de negociação prolongada entre as partes.

Além disso, esta pena contratual não se traduzia numa espécie de expropriação, já que a cláusula 13.ª, n.º 2, do Acordo Parassocial determina expressamente «as condições e preço a pagar pelas Ações e créditos no âmbito do exercício do direito de opção de compra». De resto, antes de exercer a opção de compra, por diversas vezes - concretamente, por cartas datadas de 11 de junho e 8 de julho de 2014 -, a Demandante interpelou os Demandados para procederem à sanação da situação de incumprimento.

Por outro lado, não estava em causa um qualquer negócio, mas sim um importante acordo de aquisição de 450 toneladas de cobre ao preço, na altura no pico, resultante da cotação do mercado do cobre London Metal Exchange do dia 9 de Fevereiro de 2011, isto é, € 7.325,05 por tonelada. A relevância do negócio levou inclusivamente o presidente da comissão executiva da EE a enviar em 16 de maio de 2011, juntamente com outras empresas portuguesas, uma carta ao então Primeiro-Ministro de Portugal, onde descreveu as dificuldades relativas aos contratos de fornecimento de cobre a clientes ..., invocando prejuízos advenientes da queda do preço do cobre e fazendo referência, designadamente, ao preço fixado em fevereiro para 450 toneladas de cobre. O facto de o cumprimento do contrato não ter sido exigido não significava que ele não continuasse a ser válido e eficaz e que a FF não pudesse exigir o seu cumprimento a todo o tempo, nos termos do artigo 777.°, n.º 1, do Código Civil, não obstante a depreciação do valor do cobre e a perda do negócio com o cliente da ....

Numa palavra: não foram provados factos que mostrem ter a Demandante agido com abuso do direito de opção de compra, com fundamento na garantia estipulada na cláusula 5.1, al. g) do Contrato de Opção. Por conseguinte, considerando que a cláusula 13.ª do Acordo Parassocial é válida, que a declaração dos Demandados versada na cláusula 5.1, alínea g), do Contrato de Opção não era conforme com a realidade, que os Demandantes não repararam essa desconformidade no prazo convencionado e que, enfim, a opção de compra foi exercida tempestivamente, o exercício do direito de opção foi legítimo. Não se detetou, portanto, qualquer circunstância que mostre que o exercício do direito, conquanto tenha sido conforme com o contrato, excedeu os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, o que, tal como estatui o artigo 334.° do Código Civil, tornaria ilegítimo o exercício desse direito e portanto impediria a Demandante de alcançar o fim pretendido".

Agora, no recurso, o abuso do direito é perspectivado noutros termos, invocando-se o desequilíbrio no exercício do direito, traduzido na aplicação de uma sanção manifestamente desproporcional ao grau de incumprimento e à culpa[25].

Esta alegação identifica-se substancialmente com a que serve de fundamento à invocada violação do princípio da proporcionalidade – dupla sanção manifestamente desproporcional ao grau de incumprimento.

Crê-se, no entanto, e com o devido respeito, que não assiste razão aos recorrentes.

Com efeito,

Em primeiro lugar, a informação omitida pelos recorrentes, em violação da garantia prestada, traduz o incumprimento destes e, contrariamente ao que vem alegado, esse incumprimento deve considerar-se relevante, quer objectiva, quer subjectivamente.

Estava em causa, na verdade, um negócio de aquisição de 450 toneladas de cobre, num valor (inicial) a rondar os 3,3 milhões de euros. Como se assinalou no acórdão arbitral, a importância do negócio levou até o presidente da comissão executiva da EE a enviar uma carta ao Primeiro-Ministro de Portugal a dar conta das dificuldades e dos prejuízos que enfrentava, aludindo expressamente ao preço fixado para a referida quantidade de cobre.

Por outro lado, as cláusulas contratuais foram livremente estabelecidas pelas partes, depois de negociadas durante vários meses, tendo os recorrentes garantido a completude, correcção e verdade de todas as declarações e garantias indicadas na clª 5ª, nº 1, reconhecendo que essas declarações e garantias constituíam pressuposto essencial da vontade de contratar.

Não podem, por isso, os recorrentes censurar a conclusão a que se chegou sobre a importância do seu incumprimento, sendo certo que esta relevância não desaparece por ter existido apenas um incumprimento: foi garantida uma informação completa e verdadeira sobre a situação financeira da demandada e suas subsidiárias – informação de indiscutível relevo em atenção à natureza e objecto dos acordos firmados –, tendo ficado provado que, sem essa garantia, a demandante não quereria concluir o contrato.

De todo o modo, apesar de ter existido apenas um incumprimento, cumpre notar que, como foi convencionado (clª 13ª, nº 6, do acordo parassocial), a recorrida, antes de exercer a opção, interpelou por duas vezes os recorrentes para regularizarem esse incumprimento, sanando a desconformidade verificada, o que estes não fizeram.

Refira-se, a este respeito, que, como parece evidente, a não correspondência entre os "incumprimentos e indemnizações", alegados e reclamados nas cartas e na acção, não tem, por si, a relevância invocada pelos recorrentes.

Importa também realçar que a opção de compra das acções não foi estipulada apenas em benefício da recorrida: esse direito foi estabelecido como sanção para o incumprimento e conferido à parte não faltosa e, assim, portanto, quer à recorrida, quer aos recorrentes, dependendo de quem incorresse em incumprimento; por isso, a estipulação nada tem, parece-nos, de desrazoável ou desproporcional.

Nem essa pena traduz uma espécie de expropriação, como se observou no acórdão recorrido, uma vez que, na clª 13ª, nº 3, do acordo parassocial, foram estabelecidos critérios objectivos para a fixação e cálculo do valor das acções (com recurso até a um perito avaliador), em função da situação financeira da sociedade, no momento em que fosse exercida a opção.

Esse valor não será, assim, desajustado nem punitivo.

Cumpre recordar, aliás, e salientar que os recorrentes, invocando o incumprimento da recorrida, formularam na reconvenção da acção arbitral, um pedido idêntico de aquisição coerciva de acções detidas pela recorrida e, cumulativamente, um pedido de condenação na cláusula penal indemnizatória prevista na clª 13ª, nº 7, do acordo parassocial.

Como acima se afirmou, só uma ofensa concreta e séria (grave) aos fins prosseguidos pelos princípios da ordem pública internacional pode e deve ser sancionada.

Ora, as razões expostas legitimam, a nosso ver, a conclusão de que o incumprimento culposo dos recorrentes foi relevante, não insignificante, não existindo motivos para considerar que houve um exercício ilegítimo – com desequilíbrio e desproporção intolerável – do direito de opção de compra, e que a cumulação dessa pena (de natureza compulsória) com a indemnização pelos danos futuros não é manifestamente desproporcional à relevância do referido incumprimento, nem viola, grave e seriamente, os fins que os princípios da boa fé e da proibição do abuso do direito visam salvaguardar.

No que toca à proibição das indemnizações punitivas em matéria cível, disse-se, a concluir, no acórdão recorrido:

"O Tribunal Arbitral não considerou de diminuta importância a violação do dever lateral de informação, tão pouco é possível afirmar que inexiste ou que é, patentemente leve ou levíssima a culpa dos Demandantes na violação das suas obrigações contratuais como de resto se diz na sentença arbitral e a inexistência de danos actuais não é óbice a tal. Mesmo atribuindo-se-lhe um papel secundário seja subordinado aceita-se hoje em princípio a importância da finalidade preventivo-punitiva da responsabilidade civil, parecendo poder afirmar-se ser mais frequente e bem sucedida essa utilização da responsabilidade civil para o controlo das condutas ilícitas (Júlio Gomes, Uma função punitiva para a responsabilidade civil e uma função reparatória para a responsabilidade penal, RDE 15 (1989), 106).  A figura dos punitive ou exemplary damages do direito da common law cuja destrinça dos aggravated damages ficou clara a partir do caso Rooks v Barnard caracteriza-se por pressuporem como requisito subjectivo e psicológico a ma-fé do lesante e objectivamente uma conduta particularmente grave por desempenharem uma função sancionatória e preventiva e por dependerem processualmente do júri que decide do an e do quantum não há limite prévio para a quantia a ser paga a título de sanção e denuncia-se o perigo de sancionar duplamente o mesmo facto quando este é também passível de censura penal e por isso nos EUA não há quem duvide da constitucionalidade da sua aplicação (Autor e obra citados, 110). No caso concreto atenta a matéria de facto dada como provada, o conteúdo das cláusulas contratuais parece-nos evidente que as mesmas se movem fora do âmbito das punitive ou exemplary damages de tão duvidosa constitucionalidade (e legalidade), antes resultam do exercício da liberdade contratual prevista no art.º 405 do CCiv, não tendo a decisão recorrida excedido de forma manifesta, grave e séria os limites imposto pela boa-fé e bons costumes, o princípio da proporcionalidade ou qualquer outro princípio integrado na figura da ordem pública do art.º 46 da LAV".

Tem sido reconhecido, como se afirma no acórdão, que a responsabilidade civil, através da indemnização, para além da finalidade essencial de reparação, tem também por efeito, acessório ou subordinado, uma função preventiva e sancionatória.

É "esse o efeito normal da indemnização"[26].

No caso da cláusula penal puramente coercitiva, a pena acresce à indemnização, não a substituindo; ela é "um meio específico de compulsão ao cumprimento", uma sanção, que não se confunde com o efeito normal da obrigação de indemnização.

Daí que não possa ser considerada como uma pena privada, estando fora do âmbito dos punitive damages[27], a que se alude no acórdão.

Com manifesto interesse para esta questão, sublinha A. Pinto Monteiro[28]:

"O seu fim (da cláusula penal) é de induzir o devedor ao cumprimento, através da ameaça, que sobre este impende, de ter de vir a satisfazer, caso não cumpra, uma prestação mais gravosa. Não se trata, portando, de reprimir ou castigar o devedor, mas de o compelir ou pressionar, daí, justamente, que a pena seja acordada e definida antes da violação, procurando evitá-la, e não após o acto ilícito. Numa palavra, a cláusula penal é estipulada para que o devedor cumpra e não porque não cumpriu, destina-se a constrangê-lo a adoptar o comportamento devido, e não a infligir-lhe um castigo, estabelece-se em relação ao futuro, e não sobre um acto ilícito passado. O que significa, portanto, tratar-se de uma medida de tutela jurídica de natureza compulsória, não de índole punitiva".

No caso, os factos confirmam inteiramente esta caracterização: a cláusula penal foi livremente acordada, antecipadamente em relação ao incumprimento e tem natureza compulsória, não punitiva, não sendo, como se disse, em atenção a essa natureza, gravemente desproporcional ao incumprimento dos recorrentes.

Improcedem, por conseguinte, as conclusões do recurso.

V.

Em face do exposto, decide-se negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.

                                               Lisboa, 1 de outubro de 2019.

Pinto de Almeida (Relator)

José Rainho

Graça Amaral

______________________
[1] Proc. nº 1254/17.9YRLSB.S1
F. Pinto de Almeida (R. 282)
Cons. José Rainho; Cons.ª Graça Amaral
[2] CPC Anotado, Vol. V, 71. No mesmo sentido, Vaz Serra, RLJ 114-309 e 310; cfr. também RLJ 113-326; Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, Vol. III, 3ª ed., 184 e 185; Lebre de Freitas, CPC Anotado, Vol. 2º, 3ª ed., 715 e 716 e Lopes do Rego, Comentários ao CPC, Vol. I, 2ª ed., 553.
[3] Cfr., entre outros, os Acórdãos do STJ de 02.11.2010, de 22.02.2011, de 20.11.2012, de 05.02.2015 e de 30.04.2015, em www.dgsi.pt.
[4] Cfr. art. 22º, nº 1, do Regulamento da CCI: O tribunal arbitral e as partes deverão envidar todos os esforços para conduzir a arbitragem de forma expedita e eficiente quanto a custos, levando em consideração a complexidade do caso e o valor da disputa.
Cfr. Sampaio Caramelo, Da condução do processo arbitral, Direito da Arbitragem – Ensaios, 166.
[5] Tratado da Arbitragem, 283.
[6] Esteves de Oliveira (coord.) Lei da Arbitragem Voluntária comentada, 385.
[7] Cfr. Sampaio Caramelo, A Impugnação da Sentença Arbitral, 2ª ed., 55; Robin de Andrade, Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, AAVV, 3ª ed., 149; Esteves de Oliveira, Ob. Cit., 558; Menezes Cordeiro, Ob. Cit., 441.
[8] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4ª ed., 339 e 340. No mesmo sentido, cfr., entre outros, os Acórdãos do TC nºs 409/99, 14/00, 245/00, 187/01, 275/02, 195/03, 522/06 e 134/07.
[9] Cfr. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 3ª ed., 7.
[10] Cfr. Sampaio Caramelo, Ob. Cit., 112 e segs; Menezes Cordeiro, Ob. Cit., 444; A. Pedro Pinto Monteiro, Da ordem pública no processo arbitral, em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Lebre de Freitas, Vol. II, 649 e segs.
[11] Cfr. Menezes Cordeiro, Ob. Cit., 445; Morais Carvalho, Os Limites à Liberdade Contratual, 87.
[12] Baptista Machado, Do princípio da liberdade contratual, em Obra Dispersa, Vol. I, 642.
[13] Manuel Pereira Barrocas, Manual de Arbitragem, 434.
[14] Distinção possível em teoria, mas de difícil concretização prática, em especial quando estamos exclusivamente perante direito português – Mariana França Gouveia, Curso de Resolução Alternativa de Litígios, 3ª ed., 311.
[15] Sampaio Caramelo, Ob. Cit., 97; também Mariana França Gouveia, Ob. Cit., 310; A. Pedro Pinto Monteiro, Ob. Cit., 614.
[16] Sampaio Caramelo, Ob. Cit. 99.
[17] Sampaio Caramelo, Ob. Cit. 139.
[18] Mariana França Gouveia, Ob. Cit., 314; também Assunção Cristas e Mariana França Gouveia, CDP nº 29, 56.
[19] Ob. Cit., 144 e segs.
[20] Com sublinhado aqui acrescentado.
[21] A. Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, 602 e 605.
[22] Como se disse, embora o controlo incida sobre o conteúdo da sentença arbitral, é em função do seu resultado que esta deve ser sancionada, se for o caso.
[23] Neste sentido, o Acórdão do STJ de 10.07.2008, em www.dgsi.pt e Sampaio Caramelo, Temas do Direito da Arbitragem, 336 (em anotação ao referido Acórdão).
[24] A. Pinto Monteiro, Ob. Cit., 446.
[25] O desequilíbrio no exercício do direito corresponde a um "tipo extenso e residual de actuações inadmissíveis, por abuso contrário à boa fé": existe nestes casos uma "desconexão ou desproporção (intolerável) entre as situações sociais típicas prefiguradas pelas normas jurídicas que atribuem direitos e o resultado prático do exercício desses direitos"; integra situações como, por. ex., "o desencadear de poderes-sanção por faltas insignificantes" – Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Tomo IV, 341, 346 e 349.
[26] A. Pinto Monteiro, Ob. Cit. 627.
[27] Que constitui uma medida punitiva pela qual é atribuída ao lesado, para além da compensação correspondente ao dano sofrido, um montante suplementar considerável, com o fim de punir exemplarmente o lesante – sobre esta figura. A. Pinto Monteiro, Ob. Cit., 651 e segs; Júlio Gomes, Ob. Cit., 106 segs; Menezes Cordeiro, Ob. Cit., 445; Paula Meira Lourenço, A Função Punitiva da Responsabilidade Civil, 165 e segs.
[28] Ob. Cit., 670.