Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4012/15.1T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: CABRAL TAVARES
Descritores: CLÁUSULA CONTRATUAL
PRÉMIO
INTERPRETAÇÃO
EXPECTATIVA JURÍDICA
EXPETATIVA JURÍDICA
Data do Acordão: 04/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
DIREITO DAS SOCIEDADES – SOCIEDADES ANÓNIMAS / ADMINISTRAÇÃO, FISCALIZAÇÃO E SECRETÁRIO DA SOCIEDADE / CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO / VINCULAÇÃO DA SOCIEDADE.
Doutrina:
-Inocêncio Galvão Teles, Expectativa jurídica, algumas notas, O Direito, 90, p. 2 e ss.
-Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Código das Sociedades em Comentário, Almedina, vol. VI, 2013, p. 467 e 468.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 635.º, N.º 4, 639.º, N.OS 1 E 2 E 674.º, N.º 3.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAS (CSC): - ARTIGO 409.º, N.º 1.
Sumário :

I - O n.º 1 do art. 409.º do CSC deve ser objeto de uma interpretação restritiva, não abrangendo os atos em que a contraparte é um administrador.
II - A cláusula do contrato que prevê a atribuição ao autor, dependente de uma decisão formal e colegial discricionária da ré, de um prémio pelo cumprimento dos objetivos fixados, não viabiliza o pedido de pagamento desse prémio, formulado na ação, se o autor não cumpriu os objetivos fixados e recebeu duas cartas, uma a informar o valor dos prémios no ano de 2013, outra, subscrita pelo presidente da multinacional, a afirmar a sua atribuição.

Decisão Texto Integral:

Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. AA intentou ação contra BB, S.A., pedindo a condenação desta, enquanto devedora, a reconhecer-lhe um crédito, no montante global de € 46.845,44, respeitante a prémios não pagos pelo exercício findo como administrador.

Para tanto, e em síntese, alegou que: (i) Foi trabalhador da Ré até 1996, data em que foi indicado como administrador da mesma e, nessa sequência, suspenso o seu contrato de trabalho até ter o mesmo caducado, por lhe ter sido concedida a reforma por velhice, o que ocorreu em 1 de Junho de 2010; (ii) Em 4 de Janeiro de 2010, celebrou com a Ré um acordo, que intitularam de “Administration Agreement”, que vigoraria entre 1 de Janeiro de 2010 e 31 de Dezembrode 2011, nos termos do qual se manteria a desempenhar as funções de administrador, apesar da caducidade do contrato. Segundo tal acordo, a Ré obrigava-se a pagar ao Autor uma remuneração anual global, saldada em catorze prestações. Para além desta, o Autor teria ainda direito a prémios que dependeriam dos resultados da actividade da Ré, a ser fixados anualmente e pagos no último dia útil do mês de Maio do ano seguinte. Com a concessão da reforma, com efeitos a partir do dia 1 de Junho de 2010, as partes outorgaram um aditamento ao acordo de 4 de Janeiro, que apelidaram de “Addendum to the Admistration Agreement”, mantendo-se, no essencial, o clausulado; (iii) Em Janeiro de 2014, foi destituído do cargo de administrador; (iv) Em Maio de 2013, o Presidente do Conselho de Administração do Grupo BB, CC, comunicou-lhe o plano de incentivos para o ano de 2013, segundo o qual existiam dois tipos de prémios: um relacionado com o “EBITDA” da BB e um outro relacionado com o seu “Free Cash Flow”, nos termos que descreve, sendo que, para 2013, o objectivo para o EBIDTA era o nível 5 (entre € 6.696.000,00 e € 7.031.000,00) a que corresponderia um prémio para o Autor de € 21.634,00. Para o FCT o objectivo era também o nível 5 (entre € 5.099.000,00 e € 5.352.000,00), que originaria um prémio de € 21.634,00; (v)  Em Abril de 2014, depois de encerrados e auditados os resultados de 2013, a Ré informou o Autor e os demais beneficiários do plano de incentivos, cerca de vinte e três pessoas, que os prémios que seriam pagos seriam os correspondentes ao nível 5 de EBITDA, € 21.634,00, e ao nível 7 do FCF, € 30.288,00, sendo que, em 1 de Maio de 2014, o Autor foi congratulado pelo trabalho de 2013 e informado que a empresa tinha atingido os objectivos fixados, tendo-lhe sido pago o prémio cujo referencial era o EBITDA, no valor de € 21.634,00; (vi) Porém, não lhe foi pago o prémio FCF, nível 7, no valor de € 30.288,00, apesar de ter sido pago aos restantes trabalhadores da Ré abrangidos pelo plano de incentivos; (vii) Com o afastamento da administração da Ré, e por força do acordo de 12 de Novembro de 2011, foi-lhe paga a compensação de € 72.629,50, correspondente a meio ano de remuneração base global (€ 61.812,50) e metade do prémio do nível 5 do EBIDTA, referente a 2013, no montante de € 10.817,00. Contudo, não lhe foi pago o valor correspondente a metade do prémio FCF, no valor de € 15.144,00.

A Ré contestou por impugnação e por exceção.

Proferida sentença a julgar a ação parcialmente procedente, condenando a Ré no pagamento da quantia de € 45.432,00, acrescida de juros de mora, no mais a absolvendo do pedido.

2. Apelou a Ré, tendo a Relação julgado o recurso procedente, com total absolvição daquela do pedido.

3. Pede o Autor revista, formulando a final da alegação as seguintes conclusões.

« 1 – (…).

2 - Sucede que, o Impetrante não se conforma com tal Aresto, que entende ser desajustado, quer da própria matéria de facto assente, quer dos normativos legais positivos aplicáveis “in casu".

 3 - Como bem reconheceu o Tribunal recorrido, "a questão central que está na base da presente demanda prendesse com saber se ao Autor devia ter sido paga a segunda componente do prémio que tinha sido instituído no âmbito do acordado com a Ré."

4 - Pois bem, da matéria de facto assente resulta que o Impetrante era beneficiário de um prémio anual, calculado com base em duas componentes, nomeadamente o EBITDA e o FCF da Recorrida (factos 16 e 18).

5 - Sucede que, no ano de 2014, apenas recebeu parte do prémio, mais concretamente a correspondente à do EBIDTA, sendo que também no pagamento da compensação que lhe era devida pela sua cessação de funções foi omitida a meação do FCF (factos 29 a 32).

6 - A acção interposta pelo Recorrente para peticionar essa diferença foi julgada parcialmente procedente, tendo-lhe sido reconhecido “o direito a haver a componente do prémio que não lhe foi pela Ré liquidada."

7 - Em virtude do recurso interposto pela demandada, para o Tribunal da Relação do Porto, a decisão foi invertida.

8 - De facto, esse Tribunal rejeitou a pretensão do ora Impetrante, entendendo ser necessário "perscrutar o quadro factual atinente e não apenas aquele singelo facto".

9 - Para preterir a conclusão que se impõe em virtude do facto provado 25, procede à apreciação dos factos vertidos nos pontos 34 a 45.

10 - Dos mesmos resulta que a BB, S.A.} Ré na presente lide, não era uma sociedade independente na sua administração, outrossim, totalmente controlada pela casa-mãe americana, a DD., em total desprezo pelo princípio da autonomia patrimonial.

 11 - Embora se reconheça a umbilical relação entre a BB e a DD, particularmente no que respeita à apreciação de certos actos de gestão e à delimitação de determinadas estratégias, para o Impetrante essa factualidade não poderá ultrapassar o facto de se tratarem de duas entidades jurídicas distintas e independentes.

12 - Aliás, a sentença proferida em 1.ª instância, assim o concluiu: “E, pese embora, os poderes de que dispunha a Ré para alterar ou terminar o plano a qualquer altura, certo é que a partir do momento em que o representante legal da Ré comunica, como era da sua competência, o valor do prémio, independentemente das razões que a tal o levaram, certo é que estavam reunidos os pressupostos para o respectivo recebimento.”

13 - Mais, o próprio Acórdão recorrido reconhece que: "Portanto a atribuição das prestações esteve sempre dependente de um acto de gestão da DD. que decidia, analisando vários factores, se a mesma era paga e por que valores (ponto 35 da fundamentação factual) razão pela qual, até â comunicação sobre a atribuição ou não das prestações, os participantes tinham apenas uma mera expectativa de as virem a receber sabendo, porém, que tal dependia sempre da decisão da DD. que lhes fosse comunicada (...)"

14 - Sucede que, inexplicavelmente, considera que "a informação dada ao Autor pela Ré através do seu CEO, EE, de que os prémios que seriam pagos seriam os correspondentes ao nível 5 do EBIDTA -€21.634,00- e ao nível 7 de FCF- € 30.288,00 não assume qualquer relevo neste contexto, traduzindo-se para aquele numa simples expectativa de poder vir a receber o prémio comas duas componentes mas que, efectivamente, não passou disso mesmo, pois a mesma se gorou, tendo sido disso dado conhecimento ao Autor já em momento posterior ã informação prestada em Abril."

15 - Pois bem, independentemente de terem ou não estado efectivamente reunidas as condições para o recebimento do prémio por parte do Impetrante, o que interessará julgar é o direito ao mesmo, considerando que lhe foi comunicado, por quem competia, o cumprimento dos requisitos necessários à sua atribuição.

16 - Por outras palavras, a conduta que importará a V. Exas. aferir, sem desconsiderar o vertido no artigo 409.° do Código das Sociedades Comerciais, é a vinculação da sociedade Recorrida, através da actuação do seu legal representante, quando se encontra provado que este comunicou, inequivocamente, ao Recorrente que os resultados alcançados corresponderam às expectativas e que receberia um prémio.

17 - De facto, é inquestionável que aquela comunicação existiu, por parte do legal representante, quer da BB, S.A., quer da DD., estando explanada nos factos 25 e 27 (este último, seja na redacção da Iª instância, seja na redacção alterada pelo Tribunal da Relação do Porto) e expressamente reconhecida pelo Aresto em crise.

18 - Assim sendo, é inevitável a conclusão da sentença: "a mera expectativa ao prémio transformou-se num direito de crédito"

19 - A sedimentar a posição defendida pelo Recorrente alerta-se também para o disposto no facto provado 54.

20 - Assim sendo, tendo-lhe sido comunicado o direito ao recebimento do prémio, que incluía as explanadas duas vertentes, o Impetrante não poderá ficar prejudicado pela antecipação da informação que lhe foi transmitida pelo legal representante da Ré, nem por eventuais imprecisões na mesma.

21 - Nesse sentido, sufragamos o entendimento do Tribunal da Relação do Porto, em Acórdão datado de 27 de Abril de 2006, disponível em www.dgsi.pt, bem como os ensinamentos de Baptista Machado, em Obra Dispersa, Vol. I, págs. 526 a 528, ambos transcritos no corpo das presentes alegações.

22 - Ainda, apela-se à protecção da expectativa acolhida no artigo 227.° do Código Civil, em estrita conexão com o princípio da boa-fé.

23 - Da mesma forma, recorda-se que o princípio da confiança é um princípio ético fundamental de que a ordem jurídica em momento algum se alheia.

24 - Deverá ainda ser ponderado o facto provado 33, na sequência dos artigos 58.° e 59.° da contestação da Recorrida, donde resulta que a parte do prémio correspondente ao FCF peticionado pelo Impetrante foi paga, com excepção de três funcionários, aos demais trabalhadores da Recorrida.

25 - Igualmente relevante na ponderação a efectuar respeita ao parecer jurídico junto aos autos a fls. 103, elaborado pelo FF, R.L., no qual se defendeu que os administradores da Recorrente, aí se incluindo o Impetrante, tinham direito ao pagamento dos prémios EBITA e FCF.

26 - Rememora-se a apreciação que a Mma. Juiz de 1.ª instância efectuou, nomeadamente quando o legal representante da Recorrida foi "perguntado sobre a existência de um parecer, o constante de fls. 99 v. a 102, cujo tradução se mostra a fls. 103 e ss., afirmou que "achava" que o parecer não dava razão ao Autor quando tal parecer, partindo da afirmação e certeza de que o depoente garantiu ao Autor que o incentivo relativo a 2013 seria pago, concluiu que o mesmo tinka direito ao prémio, o que denota que, neste sensível ponto e que ao depoente e só ao depoente dizia respeito (era este que comunicava pessoal e individualmente a decisão de atribuição do prémio, sendo que o Autor já nem exercia funções na Ré) fugiu à verdade (...)”.

27 - Pese embora se trate de um documento não vinculativo, não poderá deixar de ser considerado como um elemento relevante à análise que V. Exas. realizarão, alertando-se especialmente para as afirmações ínsitas nos seus pontos 8, 9, 13, 14, 15, 16, 19, 20 e 21, que se transcreveram no corpo das alegações antecedentes.

28 - Por fim, cumpre censurar o entendimento dos Senhores Juízes Desembargadores na parte final do Acórdão, quando se refere que "é certo que ficou demonstrado nos autos que o Presidente e CEO da BB, CC, enviou uma carta ao Autor datada de 1 de Maio de 2014, a informã-lo de que havia ganho um prémio. Importa, porém que se acentue que aí nada se refere quanto ao valor do prémio e quais as suas componentes, sendo certo que, efectivamente, ao Autor foi pago o prémio cujo referencial era o EBIDTA, no valor de € 21.634,00 (ponto facto 29 da fundamentação factual"

29 - Com o devido respeito, além de parecer deixar subentendida uma censurabilidade à pretensão do Recorrente e de extrapolar a própria defesa da demandada, tal asserção surge em manifesta desconformidade com a matéria de facto provada, mais concretamente com o facto 18, onde se reconhece que o prémio incluía duas componentes (o EBIDTA e o FCF).

30 - O julgamento que a presente revista merecerá poderá ser sintetizado na resposta a uma singela questão: pesem embora as condicionantes referentes à DD. para a efectiva atribuição do prémio, tendo sido comunicado ao Impetrante, quer pelo CEO daquela, quer pelo legal representante da Recorrida, a atribuição de um prémio constituído por duas componentes;  tendo uma das componentes daquele prémio sido paga; tendo outros funcionários da empresa recebido a integralidade desta remuneração adicional, o que valida a desprotecção da legítima expectativa do Recorrente?

31 - Para o Impetrante, existem diversos motivos pelos quais conclui que mal andou o Aresto proferido na decisão proferida.

32 - Consequentemente, entende que deverá o presente recurso ser julgado procedente, sendo revogado o Acórdão recorrido e substituído por outro que mantenha integralmente a sentença proferida em 1.ª instância.»

Contra-alegou a Recorrida, com inteira adesão aos fundamentos do acórdão da Relação, precisando nas conclusões da respetiva alegação:

«(…)

C. Com efeito, a DD. instituiu um sistema de prestação variável aplicável nas diversas empresas que compõem o grupo e que visa premiar os níveis de desempenho de colaboradores chave, entre os quais os membros do órgão de gestão e administração dessas empresas;

D. De acordo com as regras instituídas pela DD., a elegibilidade para a participação neste sistema de prestação variável depende das funções exercidas, assim como de uma decisão discricionária da DD.;

 E. Para efeitos do referido sistema, a DD. determinava periódica e previamente os objetivos operacionais e financeiros a atingir, bem como o valor da prestação correspondente a determinado grau de cumprimento daqueles objetivos;

F. A política de atribuição do prémio encontra-se formalizada no "Management Incentive Compensation Plan Summary" do qual consta que o "conselho de administração da BB tem autoridade plena para alterar ou terminar o plano a qualquer altura. A administração deve ter o direito de ajustar os objectivos definidos e/ou os prémios por qualquer razão";

G. No caso em apreço não se verificaram todas as condições para atribuição do prémio, designadamente a decisão final da casa mãe da Recorrida a confirmar tal atribuição. (…)»

4. Vistos os autos, cumpre decidir.

II

5. Consideradas as transcritas conclusões da alegação do Recorrente (CPC, arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2), a questão a decidir no presente recurso respeita a saber se, no quadro dos acordos celebrados na matéria entre o Autor, ora Recorrente e a Ré, na esfera jurídica daquele se consolidou o direito a receber a segunda componente do prémio (relacionado com o free cash flow – FCF), relativo ao exercício de 2013.

6. Vem fixada pelas instâncias a seguinte matéria de facto (transcreve-se do acórdão recorrido, tendo a Relação estabelecido nova redação para o ponto nº 27):

«1) O Autor foi trabalhador da Ré até 1996, data em que foi indicado como administrador da mesma e, como tal, suspenso o seu contrato de trabalho;

2) Depois, em 1 de Junho de 2010 o contrato de trabalho do Autor caducou, uma vez que lhe foi concedida a reforma por velhice, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2010;

3) Em 4 de Janeiro de 2010, o Autor havia celebrado um acordo com a Ré, denominado “Administration Agreement”, no qual as partes acordaram, porque com a comunicação da Segurança Social do processamento da reforma daquele, o contrato de trabalho que os vinculava caducaria, mantinha-se aquele a desempenhar funções de administrador, uma vez que a empresa mantinha o interesse em continuar a beneficiar da sua colaboração (doc. de fls. 19 a 27, redigido em língua inglesa, e respectiva tradução, constante de fls. 28 a 34 e cujo teor, porque não impugnado, se dá aqui por integralmente reproduzido);

4) Através de tal acordo, a empresa obrigava-se a pagar uma remuneração anual global, saldada em catorze prestações, das quais doze seriam pagas com base mensal e as outras duas em Junho e Novembro – cfr. cláusulas 4.1. e 4.2 do documento referido no facto anterior;

5) Nos termos da cláusula 4.3. do referido acordo “O Administrador tem o direito a um bónus dependendo dos resultados da Empresa. Este bónus será fixado anualmente de acordo com a política do grupo DD e pago no último dia útil do mês de Maio do ano seguinte.”

6) O acordo vigoraria entre 1 de Janeiro de 2010 e 31 de Dezembro de 2011, nos termos da cláusula 6.1.;

7) Sendo que as partes poderiam acordar renová-lo por sucessivos períodos de 1 ano;

8) A reforma foi concedida ao Autor, com efeitos a partir do dia 1 de Junho de 2010;

9) Pelo que, as partes outorgaram um aditamento ao acordo de 4 de Janeiro de 2010, que apelidaram de “Addendum to the Administration Agreement”, que dataram de 31 de Maio de 2010 (doc. de fls. 38 a 40, redigido em língua inglesa, e respectiva tradução, constante de fls. 41 a 43 e cujo teor, porque não impugnado, se dá aqui por integralmente reproduzido);

10) Tal aditamento teve na sua génese a reforma do Autor, cuja data se encontrava já fixada e destinou-se a ajustar o calendário do “Administration Agreement” com os mandatos para a administração;

11) Mantendo-se em vigor as restantes cláusulas do acordo de 4 de Janeiro de 2010, nomeadamente quanto à remuneração, prémios e renovações;

12) Sucede que, de forma perfeitamente pacífica, em Janeiro de 2014, o Autor cessou as suas funções como administrador;

13) Já em acordo de 20 de Novembro de 2001, as partes haviam regulado a compensação que o Autor receberia quando cessassem as suas funções de administrador (doc. de fls. 46 a 48, redigido em língua inglesa, e respectiva tradução, constante de fls. 49 a 52 e cujo teor, porque não impugnado, se dá aqui por integralmente reproduzido);

14) Nos termos do n.º 5 da cláusula 1ª, o Autor teria direito a uma indemnização, fixada em metade do valor da remuneração base anual, prémios incluídos e líquida de impostos e segurança social;

15) Esta cláusula permaneceu em vigor, fruto do estabelecido na cláusula 6.3 do “Administration Agreement” de 4.1.2010 e da cláusula 1.5 do “Addendum to the Administration Agreement” de 31.05.2010;

16) O Autor teria anualmente direito a percepcionar um prémio, com referência à performance económico-financeira da BB, fixado anualmente no denominado “Management Incentive Compensation Plan Summary” cfr. cláusula 4.3 do “Administration Agreement”, de 4.10.2010;

17) No ano de 2013, mais concretamente em 13 de Maio, o Presidente do Conselho de Administração do Grupo DD–CC–comunicou ao Autor o seu plano de incentivos para o ano de 2013;

18) O plano de incentivos incluía um prémio, com duas componentes ou base de cálculo: um relacionado com o EBITDA da BB e o outro relacionado com o seu “Free Cash Flow”;

19) O EBITDA é a sigla de “Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization” e significa “lucros antes de juros, impostos, depreciações e amortizações”;

20) Trata-se de um indicador financeiro e representa quanto uma empresa gera de recursos através das suas actividades operacionais, sem contar impostos e outros efeitos financeiros;

21) O EBIDTA é utilizado essencialmente para analisar o desempenho das organizações, pois é capaz de medir a produtividade e a eficiência da empresa, sendo bastante utilizado por analistas financeiros em estudo de balanços de contabilidade de empresas de capital aberto;

22) Quanto ao “Free Cash Flow” (Fluxo de Caixa L\ivre, doravante FCF” é um indicador que permite medir a capacidade de uma empresa gerar liquidez, após pagos todos os custos operacionais, liquidez essa que pode ser distribuída ou usada para outros fins, nomeadamente para investimento;

23) Para 2013, o objectivo para o EBIDTA era o nível 5 (entre € 6.696.000,00 e € 7.031.000,00), a que corresponderia um prémio, no caso do Autor, de € 21.634,00;

24) Para o FCF o objectivo era também o nível 5 (entre € 5.099.000,00 e € 5.354.000,00), que originaria o pagamento de um prémio de € 21.634,00;

25) Em Abril de 2014, depois de encerrados e auditados pela KPMG os resultados de 2013, a Ré através do seu CEO, EE, informou o Autor que os prémios que seriam pagos seriam os correspondentes ao nível 5 do EBIDTA-€ 21.634,00–e ao nível 7 de FCF-€ 30.288,00;

26) A lista de beneficiários do plano de incentivos incluía cerca de vinte e três pessoas;

27) Datada de 1 de Maio de 2014 o Autor recebeu de CC, Presidente e CEO uma carta do seguinte teor:

“Caro AA:

Eu estou bastante satisfeito por informá-lo que você ganhou um prémio nos termos do plano de incentivos à administração AMTROL ALFA para 2013.

As condições de mercado melhoraram em 2013, e muitas das iniciativas estratégicas implementadas durante os últimos anos permitiram à empresa retirar vantagens das oportunidades à medida que estas surgiam. Parabéns pelo exemplar trabalho desenvolvido no último ano. Eu espero por um sucesso ainda maior para todos nós no futuro.

Lembre-se que a compensação de incentivo, como qualquer matéria de compensações, é privada e confidencial. Deve ser tratada como tal.

Atenciosamente,

CC

(assinatura)

Presidente e director executivo”

28) Foi ainda informado que havia ganho um prémio nos termos do plano de incentivos à administração BB para 2013 (teor do mesmo documento);

29) Ao Autor foi paga a parte do prémio cujo referencial era o EBIDTA, no valor de € 21.634,00;

30) Todavia, não lhe foi pago o prémio FCF nível 7-€ 30.288,00;

31) Ao Autor, em 20.1.2014, foi paga a compensação na quantia líquida de € 72.629,50 (doc. de fls. 69, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);

32) Tal compensação correspondeu a meio ano de remunerações e à meação do prémio EBIDTA de 2013, no valor de, respectivamente, € 61.812,50 e € 10.817,00;

33) A parte do prémio correspondente ao FCT–nível 7, foi pago aos restantes trabalhadores da Ré abrangidos pelo plano de incentivos, com excepção do presidente do conselho de administração, do Autor e de um outro administrador;

34) A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à indústria e comércio de máquinas e equipamentos destinados a fluídos e seu transporte (doc. de fls.81 v. a 86, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);

35) A Ré é a subsidiária portuguesa da DD., um grupo multinacional com representação em diversos países, e com sede em Rhode Island, nos Estados Unidos;

36) No contexto da referida relação de grupo, a DD. instituiu um sistema de prestação variável aplicável nas diversas empresas que compõem o grupo e que visa premiar os níveis de desempenho de colaboradores chave, entre os quais os membros do órgão de gestão e administração dessas empresas;

37) De acordo com as regras instituídas pela DD. poderiam participar neste sistema de prestação variável certos e determinados colaboradores das empresas do grupo, estando a sua elegibilidade dependente das funções exercidas, assim como de uma decisão discricionária da DD.;

38) O montante da prestação estava dependente do grau de cumprimento de objectivos fixados pela DD.;

39) Para estes efeitos, a DD. determinava periódica e previamente os objectivos operacionais e financeiros a atingir, bem como o valor da prestação correspondente a determinado grau de cumprimento daqueles objectivos;

40) Desde 2008, o pagamento da prestação implicava o cumprimento dos objectivos previamente fixados pela DD. para a Ré, em termos de EBITDA e FCF, e uma apreciação do desempenho da Ré pela DD. que decidiria, após isso, se, naquele dado ano, a prestação seria ou não paga;

41) Conforme consta do “Management Incentive Compensation Plan Summary”, datado de 01.01.2013 “O conselho de administração da BB tem autoridade plena para alterar ou terminar o plano a qualquer altura. A administração deve ter o direito de ajustar os objectivos definidos e/ou os prémios por qualquer razão.” (cfr. doc. de fls. 55 a 62, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);

42) Mesmo que fossem preenchidas todas as restantes condições para a atribuição do prémio;

43) Para a atribuição da prestação era essencial o cumprimento dos resultados financeiros e operacionais da Ré, mas também a decisão do órgão de gestão da DD.;

44) Nesta matéria, a Ré era uma mera executante da ordem da casa-mãe;

45) Estas prestações variáveis não eram tão pouco aprovadas pelo conselho de administração da Ré, sendo decididas única e exclusivamente pelo órgão de gestão da DD.;

46) O Autor esteve sempre a par das regras, contingências e pressupostos inerentes à atribuição desta prestação, tendo nomeadamente recebido uma cópia do “Management Incentive Compensation Plus Summary”, datado de 1.01.2013;

47) Tanto é que a DD., ao longo destes anos, decidiu a atribuição ou não dos prémios;

48) Nos anos de 2010 e 2012 não foram pagos atribuídos quaisquer prémios uma vez que não foram atingidos os valores mínimos para a sua atribuição;

49) No ano de 2009 a métrica de FCF não foi atingida, porém a DD. decidiu incluir, nas contas do ano de 2009, um crédito de cerca de quatro milhões de euros, que apenas foi recebido em 4.02.2010;

50) Tal acto de gestão da DD permitiu que, ao invés do nível 0 da métrica FCF, os participantes no sistema de prestação variável recebessem um prémio equivalente ao nível 4 de FCF;

51) No ano de 2011, os objectivos fixados em termos de EBIDTA e FCF não foram atingidos;

52) Porém, ainda assim, a DD decidiu atribuir um prémio discricionário equivalente ao nível 1 de EBIDTA;

53) A atribuição das prestações esteve sempre dependente de um acto de gestão da DD. que decidia, analisando vários factores, se a mesma era paga e por que valores;

54) Até à comunicação sobre a atribuição ou não das prestações, os participantes tinham apenas uma mera expectativa de as virem a receber sabendo, porém, que tal dependia sempre da decisão da DD. que lhes fosse comunicada;

55) A DD. considerou que o desempenho da Ré ao longo do ano de 2013 esteve abaixo das expectativas, pelo que considerou que a administração não estaria elegível para a métrica do FCF;

56) Ao longo de quase todo o ano de 2013, a Ré não teve métricas que atingissem o nível mínimo de FCF;

57) As métricas do FCF apenas foram atingidas em Dezembro de 2013, por factores exógenes ao desempenho da Ré;

58) Em 27.12.2013, contra tudo o que era expectável, a Ré recebeu o reembolso do IVA de dois meses;

59) Para além disso, o nível do investimento ficou bastante abaixo do orçamentado, por decisão do conselho de administração da Ré, que adiou para o ano de 2014 a realização de investimentos que estavam previstos para 2013;

60) Esta decisão fez obviamente incrementar o nível FCF, uma vez que as verbas previstas gastar na realização dos investimentos orçamentados, não foram gastas;

61) Devido à conjugação de todos estes factores, em particular o facto de os níveis de FCF terem sido atingidos por factores que distorcem os seus critérios de aplicação, o órgão de gestão da DD. decidiu que a administração da Ré não teve uma performance que merecesse a atribuição de um prémio ao nível do FCF;

62) Tal foi explicado a toda a administração da Ré em exercício, verbalmente durante uma reunião da mesma, tendo também sido explicado ao Autor, já após o referido no facto 25º;

63) No que diz respeito aos trabalhadores que não desempenham cargos de administração, a decisão do órgão de gestão da DD. foi diversa;

64) Assim, quanto aos trabalhadores, a DD decidiu que, porque estes não são responsáveis pelas decisões de investimento, ainda assim liquidar o prémio FCF, facto que lhes foi comunicado pelo Eng. EE, Presidente do Conselho de Administração da Ré;

65) A comunicação do valor e da elegibilidade para os prémios EBIDTA e FCF nunca foram comunicados de forma escrita, sendo informados pelo CEO da Ré.»

7. De Direito.

7.1. Cabe, liminarmente, observar, atento o quadro argumentativo presente nas conclusões produzidas pelo Recorrente, que, não se verificando, no caso dos autos, a situação excecionada na 2ª parte do nº 3 do art. 674º do CPC, eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista (vejam-se, ainda, nºs. 1 e 2 do art. 682º do mesmo código).

Vem certeiramente estabelecida a questão pelo Recorrente, no nº 16 das conclusões da sua alegação: importa saber, «sem desconsiderar o vertido no artigo 409.° do Código das Sociedades Comerciais», se, por intermédio da informação referida no nº 25 e da carta transcrita no nº 27 dos factos assentes, se verificou «a vinculação da sociedade Recorrida, através da actuação do seu legal representante,» ao pagamento da segunda componente do prémio, com a consolidação do correspondente direito na esfera jurídica do Autor (o ora Recorrente).

Indo, seguidamente apreciar-se a questão, deve, desde já, deixar-se precisado, relativamente ao alcance do normativo invocado pelo Recorrente, visando o regime aí estabelecido, respeitante à vinculação da sociedade para com terceiros, não apenas esses terceiros, mas também a negociação em geral, garantindo-se a segurança nas trocas e o crédito da sociedade, que o nº 1 do art. 409º do CSC carece de uma interpretação restritiva, não abrangendo os atos em que a contraparte é um administrador (Código das Sociedades em Comentário, Almedina, vol. VI, 2013, pp. 467/8) – e, tendo o A., à data, quer da informação, quer da carta, em Abril e em 1 de Maio de 2014, cessado já o seu exercício como administrador da Ré, foi nessa qualidade que as comunicações em causa lhe foram transmitidas.

7.2. Transcrevem-se os termos em que o acórdão da Relação detalhadamente examinou a questão (realces e sublinhados originários):

«(…), como resulta da factualidade dada como assente acima descrita o Autor teria anualmente direito a percepcionar um prémio, com referência à performance económico-financeira da BB, fixado anualmente no denominado “Management Incentive Compensation Plan Summary” cfr. cláusula 4.3 do “Administration Agreement”, de 4.10.2010, sendo que, no ano de 2013, mais concretamente em 13 de Maio, o Presidente do Conselho de Administração do Grupo DD – CC – comunicou ao Autor o seu plano de incentivos para o ano de 2013 (pontos 16 e 17 da fundamentação factual).

O plano de incentivos incluía um prémio, com duas componentes ou base de cálculo: um relacionado com o EBITDA da BB e o outro relacionado com o seu “Free Cash Flow” (FCF) (ponto 18 da fundamentação factual).

Acontece que, referente ao ano de 2013, ao Autor apenas lhe foi pago o prémio cujo referencial era o EBITDA, no valor de € 21.634,00, mas não lhe foi pago o prémio FCF, nível 7, que seria de € 30.288,00.

Na decisão recorrida entendeu-se que a partir do momento em que o representante legal da Ré comunicou ao Autor, como era da sua competência, o valor do prémio, independentemente das razões que a tal o levaram, estavam reunidos os pressupostos para o respectivo recebimento, ou seja, que a mera expectativa ao prémio se havia transformado num direito de crédito.

Deste entendimento dissente a Ré recorrente estribada, essencialmente, na circunstância de que somente existiu uma mera expectativa do recebimento do prémio, expectativa essa que nunca se transformou em qualquer direito de crédito.

Quid iuris?

Está provado nos autos que em Abril de 2014, depois de encerrados e auditados pela KPMG os resultados de 2013, a Ré através do seu CEO, EE, informou o Autor que os prémios que seriam pagos seriam os correspondentes ao nível 5 do EBIDTA - € 21.634,00 – e ao nível 7 de FCF - € 30.288,00 (ponto 25 da fundamentação factual).

Perante este facto, poder-se-á concluir, como o fez o tribunal recorrido, que a mera expectativa do recebimento do prémio se havia transformado num direito de crédito?

Não cremos, salvo o devido respeito, que assim tenha sido.

Analisando.

Importa, desde logo, realçar que para a dilucidação da questão em apreço teremos que perscrutar o quadro factual atinente e não apenas aquele singelo facto.

Ora a este respeito está provado nos autos que:

- A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à indústria e comércio de máquinas e equipamentos destinados a fluídos e seu transporte sendo a subsidiária portuguesa da DD., um grupo multinacional com representação em diversos países, e com sede em Rhode Island, nos Estados Unidos;

- No contexto da referida relação de grupo, a DD. instituiu um sistema de prestação variável aplicável nas diversas empresas que compõem o grupo e que visa premiar os níveis de desempenho de colaboradores chave, entre os quais os membros do órgão de gestão e administração dessas empresas;

- De acordo com as regras instituídas pela DD. poderiam participar neste sistema de prestação variável certos e determinados colaboradores das empresas do grupo, estando a sua elegibilidade dependente das funções exercidas, assim como de uma decisão discricionária da DD.;

- O montante da prestação estava dependente do grau de cumprimento de objectivos fixados pela DD.;

- Para estes efeitos, a DD. determinava periódica e previamente os objectivos operacionais e financeiros a atingir, bem como o valor da prestação correspondente a determinado grau de cumprimento daqueles objectivos;

- Desde 2008, o pagamento da prestação implicava o cumprimento dos objectivos previamente fixados pela DD. para a Ré, em termos de EBITDA e FCF, e uma apreciação do desempenho da Ré pela DD. que decidiria, após isso, se, naquele dado ano, a prestação seria ou não paga (pontos 34 a 40 da fundamentação factual).

Desta factualidade resulta, desde logo, que o pagamento da prestação (prémio) estava dependente de duas condições:

a)- o cumprimento dos objectivos previamente fixados pela DD. para a Ré, em termos de EBITDA e FCF;

b)- uma apreciação do desempenho da Ré pela DD. que decidiria, após isso, se, naquele dado ano, a prestação (prémio) seria ou não paga.

Acresce que, o conselho de administração da DD tinha autoridade plena para alterar ou terminar o plano a qualquer altura, nomeadamente o direito de ajustar os objectivos definidos e/ou os prémios por qualquer razão mesmo que fossem preenchidas todas as restantes condições para a atribuição do prémio (pontos 41 e 42 da fundamentação factual), além de que estas prestações variáveis (prémios) não eram aprovadas pelo conselho de administração da Ré, sendo decididas única e exclusivamente pelo órgão de gestão da DD (ponto 45 da fundamentação factual).

Está igualmente provado nos autos que o Autor esteve sempre a par das regras, contingências e pressupostos inerentes à atribuição desta prestação, tendo nomeadamente recebido uma cópia do “Management Incentive Compensation Plus Summary”, datado de 1.01.2013 (ponto 46 da fundamentação factual).

Aliás, a corroborar este procedimento está o facto de, durante alguns anos, a referida DD ter decidido da atribuição ou não dos prémios (pontos 47 a 55 da fundamentação factual).

Portanto a atribuição das prestações esteve sempre dependente de um acto de gestão da DD. que decidia, analisando vários factores, se a mesma era paga e por que valores (ponto 35 da fundamentação factual) razão pela qual, até à comunicação sobre a atribuição ou não das prestações, os participantes tinham apenas uma mera expectativa de as virem a receber sabendo, porém, que tal dependia sempre da decisão da DD. que lhes fosse comunicada (ponto 54 da fundamentação factual).

Acontece que, está provado nos autos que a DD. considerou que o desempenho da Ré ao longo do ano de 2013 esteve abaixo das expectativas, pelo que considerou que a administração não estaria elegível para a métrica do FCF, sendo que, ao longo de quase todo o ano de 2013, a Ré não teve métricas que atingissem o nível mínimo de FCF (pontos 55 e 56 da fundamentação factual) as quais apenas foram atingidas em Dezembro de 2013, por factores exógenos ao desempenho da Ré (ponto 57 da fundamentação factual).

Devido à conjugação de todos estes factores, em particular o facto de os níveis de FCF terem sido atingidos por factores que distorciam os seus critérios de aplicação, o órgão de gestão da DD. decidiu que a administração da Ré não teve uma performance que merecesse a atribuição de um prémio ao nível do FCF, o que foi explicado a toda a administração da Ré em exercício, verbalmente durante uma reunião da mesma, tendo também sido explicado ao Autor, já após o referido no facto 25º (pontos 61 e 62 da fundamentação factual).

Perante o supra referido alicerçado no quadro factual que dos autos resultou provado, como dizer que o Autor tinha direito à componente FCF do prémio se as condições para a sua atribuição não estavam verificadas?

Bom, mas diz a decisão recorrida que a partir do momento em que o representante legal da Ré comunicou ao Autor qual era o valor do prémio, independentemente das razões que a tal o levaram estavam reunidos os pressupostos para o respectivo recebimento, ou seja, que a mera expectativa ao prémio se havia transformado num direito de crédito.

Não se pode concordar, salvo o devido respeito, com semelhante asserção.

Como supra se referiu os pressupostos para a atribuição da componente do prémio não estavam reunidos.

É que, a sua atribuição independentemente de serem atingidos os objectivos fixados estava sempre dependente, como acima se assinalou, da apreciação do desempenho da Ré pela DD. que decidiria, após isso, se, naquele dado ano, a prestação (prémio) seria ou não paga e, como tal até à comunicação sobre a atribuição ou não das prestações, os participantes tinham apenas uma mera expectativa de as virem a receber.

Daqui decorre que a informação dada ao Autor pela Ré através do seu CEO, EE, de que os prémios que seriam pagos seriam os correspondentes ao nível 5 do EBIDTA-€ 21.634,00–e ao nível 7 de FCF-€ 30.288,00 não assume qualquer relevo neste contexto, traduzindo-se para aquele numa simples expectativa de poder vir a receber o prémio com as duas componentes mas que, efectivamente, não passou disso mesmo, pois que a mesma se gorou, tendo sido disso dado conhecimento ao Autor já em momento posterior à informação prestada em Abril.

Como refere o Prof. Inocêncio Galvão Teles (Expectativa jurídica, algumas notas in “O Direito, 90, págs. 2 e ss.): “A expectativa, ao contrário da esperança, que tem mero conteúdo psicológico ou quando muito económico-é um simples esperar, prever ou admitir acontecimento futuro como mais ou menos provável, não possuindo conteúdo jurídico porque a lei não a rodeia de tutela especial, não adoptando providências tendentes a assegurar a sua efectivação -, é uma esperança fortalecida pela intervenção do legislador que procura abrir-lhe caminho criando condições para que se torne realidade.

Existem direitos cuja constituição ou aquisição é de gestação demorada. Essa gestação começa com um facto e finda com outro, porventura muito mais tarde. Há um processo de formação sucessiva, gradual. Só terminado o processo, percorrido o ciclo, o direito nasce ou é adquirido. Ora pode acontecer que a lei proteja no intervalo o interesse da pessoa a quem o direito se destina. Durante o estado de pendência, o interessado goza de uma expectativa no significado jurídico próprio da palavra.

A expectativa é mais do que a esperança, porque beneficia de uma protecção legal traduzida em providências tendentes a defender o interesse do titular e a assegurar-lhe quanto possível a aquisição futura do direito, e menos do que o direito, porque este ainda não existe, é o seu germe, ou seu prenúncio ou guarda avançada, como que o direito em estado embrionário.

A expectativa representa uma situação jurídica imperfeita, germe de futura situação jurídica perfeita. Enquanto o direito está a formar-se a posição do interessado é esta, vista no seu conjunto. Mas a expectativa é acompanhada ou seguida de direitos menores, instrumentais, que precisamente permitem ao interessado agir concretamente neste ou naquele sentido em defesa do seu interesse. Não há um direito global, há direitos parcelares orientados em várias direcções e que são as vias de realização prática da tutela legal que eleva a esperança a expectativa como realidade jurídica”.

Portanto, cronologicamente a expectativa surge antes do nascimento do direito subjectivo, todavia ela não corresponde a uma realização parcial da factie species daquele direito e a protecção legal de que goza reconduz-se a direitos menores, instrumentais que permitem ao seu titular agir concretamente neste ou naquele sentido em defesa do seu futuro direito.

Acontece que, esse direito só nasce ou é adquirido quando termina o processo da sua formação, todavia pode suceder que esse processo, o seu ciclo, não se chegue, por qualquer razão, a concluir e, portanto, tudo se quede pela existência da expectativa.

Ora, foi precisamente isso que se verificou no caso em apreço, a expectativa do Autor no recebimento da componente do prémio FCF não deu lugar ao nascimento do respectivo direito.

A informação inicial que lhe havia sido dada de que seriam pagas as duas componentes do prémio não se chegou a concretizar. Mas, repare-se porém, que nesta situação, o Autor nem poderia lançar mão de quaisquer direitos menores ou instrumentais para que aquele direito se viesse a concretizar.

Com efeito, o recebimento do prémio escapava ao seu domínio de vontade, pois que, como já noutro passo já se assinalou, a sua atribuição esteve sempre dependente de um acto de gestão da Amtrol Inc. que decidia, analisando vários factores, se a mesma era paga e por que valores.

(…)  esse ponto factual [54] tem a seguinte redacção:

Até à comunicação sobre a atribuição ou não das prestações, os participantes tinham apenas uma mera expectativa de as virem a receber sabendo, porém, que tal dependia sempre da decisão da DD. que lhes fosse comunicada”.

Portanto, a referida comunicação pressupunha a prévia decisão da Antrol Inc que lhes devia ser comunicada.

No caso em apreço ao Autor, já posteriormente à informação prestada em Abril, o que lhe foi comunicado é que DD. decidiu que a administração da Ré não teve uma performance que merecesse a atribuição de um prémio ao nível do FCF (pontos  61 e 62 da fundamentação factual).

Resulta, assim do exposto, que a informação que foi prestada ao Autor pelo representante legal da Ré não tinha o carácter vinculativo que consta do ponto 54 da fundamentação factual, já que lhe faltava um pressuposto, a comunicação da decisão da DD. sobre se o prémio com as duas componentes seria pago ou não.

Significa, pois, que o representante legal da Ré ao dar aquela informação ao Autor estava convencido que, perante o resultado revelado pela auditoria de que o valor económico tinha sido atingido, havia a expectativa do recebimento das duas componentes do prémio como, aliás, resulta do seu depoimento.

É certo que ficou demonstrado nos autos que o Presidente e CEO da DD, CC, enviou uma carta ao Autor datada de 1 de Maio de 2014, a informá-lo de que havia ganho um prémio.

Importa, porém que se acentue que aí nada se refere quanto ao valor do prémio e quais as suas componentes, sendo certo que, efectivamente, ao Autor foi pago o premio cujo referencial era o EBIDTA, no valor de € 21.634,00 (ponto facto 29 da fundamentação factual.»

7.3. Concorda-se com o exame produzido no passo transcrito no acórdão da Relação e, em vista da irresignação expressa pelo Recorrente nas conclusões da sua alegação, realçam-se ou aditam-se os pontos seguintes.

7.3.1. A eventual auferição de bónus pelo A. – estabelecida na cláusula 4.3 do Administration Agreement, de 4.1.2010, mantida pelo Addendum to the Administration Agreement, datado de 31.5.2010, remetendo tal cláusula para os Management Incentive Compensation Plan Summary anuais –, em resultado do cumprimento dos objetivos fixados para cada ano, dependia, a final, de uma decisão discricionária da multinacional Amtrol Inc., da qual a Ré é a subsidiária portuguesa, decisão essa não vinculada sequer a uma correlação entre o cumprimento dos objetivos e a atribuição dos bónus em causa (nºs. 3, 5, 9, 11, 16, 23, 24, 35/37, 41/45 e 47/53 da matéria de facto assente).

7.3.2. O referido regime de eventual atribuição de bónus era, em toda a sua extensão, do conhecimento do A. (nº 46).

7.3.3. O princípio da boa fé, a que apela o Recorrente, princípio regente da atuação das partes, estende-se à gestação e formação do contrato (CC, art. 227º, nº 1), à sua interpretação e integração (arts. 236º e 239º), à sua execução (artigo 762º).

No caso, embora o Recorrente invoque o art. 227º do CC, não se reportará ao negociado (os acordos celebrados em Janeiro e Maio de 20109), nem sequer ao plano de execução anual (o relativo a 2013), mas à fase final de execução individualizada, post pactum finitum.

 

7.3.4. As comunicações dirigidas ao A., aqui Recorrente (nºs. 25 e 27), são por estes entendidas como criadoras de expectativas dignas de proteção e tutela jurídica, «independentemente de terem ou não estado efetivamente reunidas as condições para o recebimento do prémio por parte do impetrante» (conclusão nº 15).

Mas, sendo assim – e, no caso, vem dado como provado, que a Ré, no ano de 2013, não obteve resultados que atingissem o nível mínimo de FCF, fixados no plano de execução para esse ano (nºs. 40, 2ª parte e 55/61) –, reconhecendo o A., nos termos expressos, a ampla discricionariedade de decisão na matéria em causa, foi-lhe explicada a situação, ulteriormente às referidas comunicações (nº 62); com tal procedimento, agiu lealmente pela Ré, respondendo e pondo termo às expectativas geradas pelas mesmas comunicações (nº 54).

7.3.5. Não podem, por outro lado, as anteriores comunicações dirigidas ao A. (nºs. 25 e 27, cits.) ser qualificadas, elas próprias, como decisões «por quem competia», atributivas do prémio em causa; nem podem suportar o entendimento de que, embora substantivamente não sendo, objetivamente aparentavam essa dimensão e significado perante o destinatário, criando-lhe, a justo título, expectativas dignas de tutela.

A informação e missiva anteriormente recebidas de algum modo se poderiam confundir com a necessária decisão formal e colegial na matéria (nº 45), sendo que o A., como foi dito, «esteve sempre a par das regras, contingências e pressupostos inerentes à atribuição desta prestação» (nº 46, cit.).

7.3.6. Refira-se, por último, que, considerada a larguíssima margem de discricionariedade na decisão, irrelevará para o efeito a eventual emissão de pareceres em sentido contrário (nº 25 das conclusões), bem como o restrito universo a que não foi atribuído a componente do prémio em causa, um outro administrador e, porventura exemplarmente, o presidente do conselho de administração (nº 24 das conclusões e nº 33 dos factos assentes).

Não se acompanha, com o devido respeito, a censura dirigida a determinado passo interpretativo constante do acórdão da Relação (nºs 28 e 29 das conclusões): visando, para maior clareza, fixar o exato alcance da missiva endereçada ao A., tal interpretação assenta, precisamente, na distinção entre as duas componentes que integravam o prémio ou bónus em causa.

III

Nos termos expostos, acorda-se em negar a revista, mantendo-se o acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 17 de Abril de 2018

J. Cabral Tavares (Relator)

Fátima Gomes

Acácio das Neves