Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
517/16.5T8BJA.E1.S1
Nº Convencional: 4º SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO
NULIDADE
UNIÃO DE FACTO
PENSÃO
Data do Acordão: 04/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – PARTE GERAL / FONTES E APLICAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO / RELAÇÕES ENTRE FONTES DE REGULAÇÃO / DIREITO COLECTIVO / INSTRUMENTOS DE REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO / PRINCÍPIOS GERAIS RELATIVOS A INSTRUMENTOS DE REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO / DISPOSIÇÕES GERAIS SOBRE INSTRUMENTOS DE REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO / LIMITES DO CONTEÚDO DE INSTRUMENTOS DE REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 3.º, N.º 1 E 478.º, N.º 1, ALÍNEA A).
PROTECÇÃO DAS UNIÕES DE FACTO, APROVADA PELA LEI N.º 7/2001, DE 11 DE MAIO, COM A REDAÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI N.º 23/2010 DE 30 DE AGOSTO.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 7/2017, DE 11-05-2017, PROCESSO N.º 1560/11.6TVLSB.L1.S1-A.
Sumário :

São nulas, por violação de norma legal imperativa, as cláusulas de um ACT que:

1) Restringem os meios probatórios que podem ser utilizados para a alegação e prova da existência de uma união de facto;

 2) Impõem um ónus de declaração (e um prazo) que a Lei n.º 7/2001 de 11 de maio. com a redação introduzida pela Lei n.º 23/2010 de 30 de agosto, não prevê, contrariando a possibilidade, que a referida Lei expressamente concede, de um dos membros da união só a invocar após a morte do outro;

3) Pretendem limitar a relevância, para efeitos de atribuição de uma pensão, das uniões de facto àquelas cujo prazo de dois anos se inicie a partir da data de entrega à entidade subscritora da declaração sob compromisso de honra dos dois unidos.

Decisão Texto Integral:
Processo n.º 517/16.5T8BJA.E1.S1

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

Relatório

AA intentou ação declarativa, com processo comum, contra BB, S.A., e Fundo de Pensões do Grupo BB, pedindo que lhe seja reconhecido o direito de obter, dos Réus, a pensão de sobrevivência, por morte do seu companheiro CC.

Alegou, em breve síntese, que desde 1984, viveu em condições análogas às dos cônjuges, com o falecido CC, que foi funcionário do Réu Banco e pensionista do segundo Réu, o que lhe confere o direito a receber uma pensão de sobrevivência, em consequência da sua morte.

Os Réus contestaram, sustentando, no essencial, que na concreta situação dos autos não se encontram preenchidos os pressupostos definidos no ACT celebrado entre o BB, S.A., e o Sindicato dos Bancários do Norte e Outros para a atribuição de pensão de sobrevivência à Autora.

Após a realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu as Rés do pedido formulado pela Autora.

Inconformada, esta recorreu. Os Réus, por seu turno, contra-alegaram.

O Tribunal da Relação julgou o recurso procedente e revogou a decisão recorrida, condenando os Réus BB, S.A., e Fundo de Pensões do Grupo BB no pedido contra os mesmos apresentado.

Os Réus vieram interpor recurso de revista, tendo formulado as seguintes Conclusões (negritos e sublinhados no original):
1. Vem o presente Recurso de Revista interposto do douto Acórdão constante de fls…, proferido pelo Venerando Tribunal a quo, em que se decidiu julgar procedente o recurso de apelação interposto pela Autora, e em consequência mais se decidiu revogar a douta sentença proferida em sede de 1 instância, julgando procedente a presente ação e condenando os RR. no pedido contra os mesmos formulado pela Autora.
2. Em síntese, decidiu-se no douto Acórdão ora recorrido, que o disposto no n.º 8 da cláusula 124-A.º do ACT aplicável consubstancia uma invocada "restrição" do benefício social em causa, mais concretamente a uma pensão de sobrevivência – ficando excluídos da atribuição de tal prestação social todos aqueles que não obstante terem cumprido o regime probatório previsto, ficaram na situação de "viúvos de facto" antes de decorridos dois anos desde a entrega à instituição de toda a documentação, ainda que tivessem vivido em união de facto por período superior a dois anos antes do decesso não podendo o ACT contrariar norma legal imperativa.
3. Sendo que tal "restrição" invocadamente contraria o regime imperativo legal que consagra o direito integral à segurança social, mais concretamente o direito à prestação pecuniária de pensão de sobrevivência ao "viúvo de facto", pelo que contrariando o regime legal imperativo, a norma convencionada seria assim nula não produzindo efeitos, mais se invocando no douto Acórdão ora recorrido que a referida norma convencionada padece igualmente de inconstitucionalidade.
4. Salvo o devido respeito, que é muito, não pode o Recorrente concordar com o decidido na douta decisão ora recorrida, tendo nomeadamente sido violada Lei substantiva.
5. O regime contido no n.º 8 da cláusula 124-A do ACT {em conjugação com o n.º 9 da mesma cláusula) aplicável não contraria o regime imperativo legal que consagra o direito à segurança social aos unidos de facto, mormente à atribuição de uma pensão de sobrevivência, nem padece consequentemente da inconstitucionalidade invocada.
6. À situação em causa é aplicável o estabelecido no ACT celebrado entre o BB, S.A., e o Sindicato dos Bancários do Norte e Outros, publicado originalmente no BTE N.2 48, 29.12.2001, e subsequentes alterações no BTE, n.º 4 de 29/01/2005, BTE n.º 33, de 08/09/2006, e BTE n.º 3 de 22/01/2009, BTE n.º 39, de 22.10.2011, e BTE n.º 27, de 22/07/2013, o que aliás não é colocado em causa por nenhuma das partes do processo, tratando-se de um regime previdencial específico e privativo, substitutivo do Regime Geral da Segurança Social.
7. É certo que existe proteção legal aos unidos de facto, sendo que a Lei n.º 23/2010 (que alterou a Lei 7/2001 de 11 de Maio), consagrou de forma expressa, que os "unidos de facto" tivessem direito a proteção social, através do regime geral de segurança social ou através de regimes especiais de segurança social.
8. No entanto, é igualmente certo, com o devido respeito, que o clausulado em questão não restringe o acesso a uma pensão de sobrevivência a quem viveu em regime de união de facto - aliás, desde 22.07.2013 o ACT assim o prevê expressamente, sendo que, o facto de o ACT em causa prever, em parte, pressupostos e situações diferenciadas das constantes do Regime Gerai da Segurança Social para atribuição de prestações previdenciais, nomeadamente para obtenção de uma pensão de sobrevivência, não constitui violação de qualquer preceito constitucional, ou é causa de nulidade do referido clausulado por incumprimento do regime legal imperativo.
9. O ACT em causa, acima melhor identificado, passou efetivamente a prever, após a alteração constante do BTE n.º 27, de 22.07.2013, a atribuição de uma pensão de sobrevivência para os casos de união de facto, sendo que, os critérios e pressupostos aplicáveis a atribuição de uma pensão de sobrevivência em casos de união de facto estão regulados na cláusula 124-A do referido ACT.
10. O regime contido na supra transcrita cláusula 124-A (relativo à atribuição de uma pensão de sobrevivência em casos de união de facto), permite assim a atribuição de uma pensão de sobrevivência ao membro sobrevivo da união de facto, posto que se encontrem cumpridas as condições e pressupostos necessários para que seja reconhecido o direito à referida pensão, nos termos que melhor se encontram descritos e contratualizados no referido ACT, os quais foram, atendendo ao princípio da liberdade negocial, negociados e subscritos quer pelas Entidades Patronais quer pelos Sindicatos representativos.
11. De acordo com o disposto no n.º 3 da cláusula 124-A acima transcrita, a situação de união de facto deve ser comprovada perante a Instituição, em vida do trabalhador ou reformado, mediante a entrega de declaração sob compromisso de honra dos dois unidos, acompanhada de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles emitidas há menos de 60 dias, e de documento comprovativo de que a última nota de liquidação fiscal relativa ao imposto sobre o rendimento de pessoas singulares foi enviada, em nome dos dois ou, se os unidos de facto não optarem pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados ou não separados judicialmente de pessoas e bens em nome de cada um, para o domicílio fiscal de ambos.
12. Sendo que, o referido n.º 3 da referida cláusula 124-A deverá ser conjugado nomeadamente com o disposto no n.º 8 da mesma cláusula, e que refere "o disposto nesta cláusula aplica-se às situações de união de facto cujo prazo de dois anos se inicie a partir da data de entrega à entidade subscritora da declaração sob compromisso de honra dos dois unidos prevista no n.º 3 da presente cláusula, juntamente com os elementos de prova também aí previstos" - sublinhado e realce nosso, bem como aliás deverá ser também conjugada com o disposto no n.º 9 dessa mesma cláusula, sendo critérios cumulativos, de que depende a atribuição de uma pensão de sobrevivência em casos de uniões de facto.
13. Assim, o disposto na cláusula 124-A acima indicada, que reconhece os direitos do cônjuge sobrevivo à pessoa que à data da morte do trabalhador ou reformado vivia com este em condições análogas às dos cônjuges, apenas se aplica aos casos em que decorram dois anos a partir da data de entrega da declaração sob compromisso de honra dos dois unidos a que se refere o n.º 3 da referida cláusula, e conforme resulta dos factos considerados provados, a declaração indicada, datada de 14.07.2014, foi entregue junto do 1.º Réu em 15.07.2014.
14. Não basta, nem nunca bastou, para adquirir o direito ao recebimento de uma pensão de sobrevivência, a existência de uma união de facto, tal nunca foi o entendimento de jurisprudência pacífica sobre esta questão.
15. Com o devido respeito, e como se afigura de toda a lógica, não é o facto de ter vivido em situação de união de facto que faz, automaticamente, e sem respeito pelos requisitos constantes dos regimes específicos de segurança social (seja no regime geral ou em regimes especiais), com que o unido de facto sobrevivo tenha direito a uma pensão de sobrevivência, aliás no próprio regime geral de segurança social assim também o é, elencando este último os requisitos para obtenção de tal direito.
16. A atribuição de uma pensão de sobrevivência ao membro sobrevivo da união de facto, deve ser efetivada posto que se encontrem cumpridas as condições e pressupostos necessários para que seja reconhecido o direito à referida pensão, nos termos que melhor se encontram descritos e contratualizados no referido ACT, não consubstanciando o referido n.º 8 da cláusula 124-A do ACT aplicável uma alegada "restrição" do benefício social em causa, mas sim uma das condições ou pressupostos negociados e subscritos quer pelas Entidades Patronais quer pelos Sindicatos representativos, para que seja atribuído o direito a uma pensão de sobrevivência, no caso de não ser aplicável o disposto no n.º 9 da referida cláusula.
17. Quanto aos unidos de facto, a declaração sob compromisso de honra é o primeiro passo constitutivo (ou pressuposto primeiro) do direito a uma pensão de sobrevivência. Tal declaração consubstancia, como qualquer outra declaração, uma manifestação de vontade, mas que não se reduz a uma simples manifestação de vontade, tratando-se de uma declaração feita sob a honra dos declarantes, mormente do trabalhador ou pensionista.
18. No entanto, declarada sob compromisso de honra a existência de união de facto, exige-se um período de garantia de dois anos desde a data de entrega da referida declaração, que as partes outorgantes entenderam razoável, para que a mesma possa produzir estes efeitos previdenciais.
19. Trata-se de uma formalidade "ad substantiam", não podendo o referido prazo de 2 anos ser substituído ou suprido por outro meio, ainda que de prova mais difícil (por exemplo por confissão ou por testemunhas), devendo decorrer os referidos dois anos para que seja reconhecido o direito aos unidos de facto, conforme contratualizado e plasmado no instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável.
20. Sendo que, entre a referida manifestação de vontade dos declarantes (trabalhador e beneficiário), que subscreveram as declarações, e a aquisição do direito, teria de decorrer o prazo de 2 anos de união de facto, tratando-se assim de um direito diferido, sendo que, anteriormente a serem observados tais dois anos, existia apenas uma expetativa da existência do direito (após cumprir tais dois anos em regime de união de facto, desde a entrega de declarações), não tendo sido assim cumprida a referida formalidade ad substantiam.
21. Ainda quanto à referida declaração sob compromisso de honra, de referir que as pessoas podem não querer, por diversos motivos, familiares ou pessoais, reconhecer perante a sua Entidade Patronal a sua união de facto, não comunicando ao R. que vivem com outra pessoa em condição análoga à dos cônjuges.
22. E com isto evidencia-se que aos unidos de facto é dada até maior tutela do que aos casados, por que se lhes reconhece o direito de não apresentarem a declaração, concluindo-se que não desejam ver reconhecida a sua união de facto junto da sua Entidade Patronal, o que sendo um seu direito, e não uma sua obrigação, coloca-os mesmo no plano das suas liberdades, em posição de vantagem face aos casados.
23. De referir ainda que, conforme tem sido jurisprudência pacífica, o direito à referida proteção social, nomeadamente o pagamento de uma pensão de sobrevivência (quer por via do regime geral ou do regime especial), apenas se efetivará caso o requerente reúna os pressupostos para a atribuição de determinado subsídio/pensão, pressupostos esses plasmados nos referidos regimes aplicáveis (geral ou especial), in casu no regime substitutivo de segurança sociai aplicável ao presente caso, e a Autora não reúne tais pressupostos.
24. Não existe assim qualquer restrição ao direito à pensão de sobrevivência aos "viúvos de facto", mas sim o regulamentar dos pressupostos que tem de ser reunidos e cumpridos para atribuição de determinado subsídio/pensão, regime que igualmente existe no regime geral da segurança social, seja para os casados seja para os unidos de facto.
25. Não sendo razoável "estender" a imperatividade à não possibilidade de o regime substitutivo ser menos favorável em determinados aspectos, possibilidade que aliás salienta o douto Acórdão proferido em 11.05.2017 pelo Supremo Tribunal de Justiça.
26. Diga-se também que, ao contrário do sustentando no aresto recorrido, a imperatividade, ou o seu cumprimento, não decorre do artigo 478.º, n.º 1 ai. a) do CT que se aplica às convenções coletivas do trabalho na parte que regula as relações de trabalho, mas não já na parte que regula relações previdenciais, delimitadas por contexto jurídico próprio, por vezes até potencialmente conflituante com aquela disposição do CT.
27. E aqui chegados, não podemos encontrar qualquer disposição no regime previdencial estampado consignado na Lei 7/2001 de 11 de Maio, que aliás remete para os regimes previdenciais gerais ou substitutivos, que não se encontre cumprida, sendo que o regime substitutivo de segurança social constante do ACT BB confere aos unidos de factos Proteção social na eventualidade de morte do beneficiário, conforme determina a Lei n.º 7/2001.
28. Atente-se ainda no facto de a origem do regime refletir um balanço decorrente do mesmo ter sido criados por Partes que representam, teoricamente, interesses opostos (Sindicatos e Entidades Patronais).
29. Importa recordar que o facto de o ACT em causa prever, em parte, pressupostos e situações diferenciadas das constantes do Regime Geral da Segurança Social para atribuição de prestações previdenciais, nomeadamente pensão de sobrevivência, tal não constitui violação de qualquer preceito constitucional, o que a CRP proíbe é a discriminação arbitrária e as distinções injustificadas por falta de justificação material bastante, sendo certo que, conforme jurisprudência igualmente pacifica, os regimes especiais podem conter normas mais (ou menos) favoráveis do que as que integram o regime geral de segurança social.
30. O regime previdencial especial em análise nos presentes autos não restringe o direito à pensão de sobrevivência por parte dos unidos de facto sobrevivos, ao contrário do que o douto Acórdão recorrido preconiza em sede de douta fundamentação, conferindo aos unidos de factos proteção social na eventualidade de morte do beneficiário, conforme determina a Lei n.º 7/2001.
31. Estabelece sim um regime, contido na supra transcrita cláusula 124-A (relativo à atribuição de uma pensão de sobrevivência em casos de união de facto), que permite assim a atribuição de uma pensão de sobrevivência ao membro sobrevivo da união de facto, posto que se encontrem cumpridas as condições e pressupostos necessários para que seja reconhecido o direito à referida pensão, nos termos que melhor se encontram descritos e contratualizados no referido ACT, regime negociado e subscrito pelas entidades patronais e organizações sindicais, ao abrigo do princípio da liberdade negocial.
32. Aliás, analisando agora a situação dos cônjuges, diga-se que, igualmente existe um regime que permite a atribuição de uma pensão de sobrevivência ao cônjuge sobrevivo, posto que se encontrem cumpridas as condições e pressupostos necessários para que seja reconhecido o direito à referida pensão (vide cláusula 123 ACT).
33. E, pode o referido cônjuge efetuar a prova do casamento, e portanto da sua situação de cônjuge, mas não reunir os pressupostos e requisitos necessários para atribuição de uma pensão de sobrevivência, pois que efetivamente apenas é reconhecido tal direito aos cônjuges sobrevivos desde que sejam casados há mais de um ano, sendo que, conforme jurisprudência pacífica e unânime, nos casos em que não foi cumprido o prazo de garantia, nesse caso de 1 ano, não assiste o direito do cônjuge sobrevivo ao recebimento de uma pensão de sobrevivência.
34. Atendendo a tudo o supra exposto, no modesto entendimento dos RR., o clausulado em causa não é violador de qualquer preceito constitucional, nomeadamente o disposto nos artigos 13.º, 36.º e 63.º da Constituição, inexistindo igualmente e consequentemente a apontada nulidade da cláusula 124-A do ACT BB, não podendo, com o devido respeito, manter-se a douta decisão ora recorrida, inexistindo assim a apontada "desproteção" no sentido da garantia do direito à segurança social aos "viúvos de facto".
35. O que existe sim é um ACT que expressamente prevê um possível direito dos "viúvos de facto" a uma pensão de sobrevivência, permitindo a atribuição de uma pensão de sobrevivência ao membro sobrevivo da união de facto, posto que se encontrem cumpridas as condições e pressupostos necessários para o efeito de reconhecimento de tal direito.
36. Pelos motivos já supra expostos, é entendimento das Rés de que não resultam verificados os pressupostos necessários exigidos pelo ACT aplicável para atribuição à Autora de uma pensão de sobrevivência, pelo que, com o douto suprimento de V.Exas, se requer seja concedido provimento ao presente recurso de Revista, revogando-se o douto Acórdão recorrido, mantendo-se o doutamente e acertadamente decidido em sede de 1.ª instância, como é da mais inteira JUSTIÇA.
37. Ao decidir como decidiu, violou o douto Acórdão de fls., designadamente, o disposto na cláusula 124-A números 8 e 9 do ACT celebrado entre o BB, S.A., e o Sindicato dos Bancários do Norte e Outros, publicado originalmente no BTE n.º 48, 29.12.2001 (e subsequentes alterações no BTE, n.º 4 de 29/01/2005, BTE n.º 33 de 08/09/2006, e BTE n.º 3 de 22/01/2009, BTE n.º 39, de 22.10.2011, e BTE n.º 27 de 22/07/2013), bem como o disposto nos artigos 132.º e 63.º da CRP.

E concluía pedindo a revogação do Acórdão recorrido e a manutenção da decisão de 1.ª instância.

A Autora contra-alegou, pedindo a confirmação integral do Acórdão recorrido.

O Ministério Público emitiu Parecer no sentido de ser negada a revista e confirmado o Acórdão recorrido.

Fundamentação

De Facto

Foram os seguintes os factos apurados nas instâncias:

1. A Autora viveu com CC desde o ano de 1984 e até à sua morte, ocorrida em 02 de Abril de 2015;

2. Durante todo esse tempo, a Autora e CC viveram na mesma casa;

3. Partilharam a mesma cama;

4. Tomaram refeições juntos;

5. Sendo conhecidos por todos os amigos e conhecidos na cidade de ... como marido e mulher;

6. CC casou com DD em 29.01.1959, tendo tal casamento sido dissolvido por divórcio decretado em 17.03.1988;

7. CC foi funcionário do Réu Banco até 1981;

8. Em 31.01.1981, CC passou à situação de reforma auferindo, à data da sua morte, uma pensão no valor ilíquido de € 953,99;

9. Em 15.07.2014, a Autora e CC entregaram ao 1º Réu uma declaração, datada de 14.07.2014, na qual afirmavam sob compromisso de honra viverem em situação de união de facto.

De Direito

A questão que se discute no presente processo é a da nulidade da cláusula 124-A – ou, melhor a da nulidade de alguns dos números dessa cláusula, mormente os seus números 3, 8 e 9 e face à remissão nele operada em parte o próprio n.º 2 – do ACT celebrado entre o BB. S.A. e o Sindicato dos Bancários do Norte e Outros, publicado no BTE n.º 48, de 29.12.2001 e cujas posteriores alterações constam do BTE n.º 4, de 29.01.2005; do BTE n.º 33, de 08.09.2006; do BTE n.º 3 de 22.01.2009; do BTE n.º 39, de 22.10.2011 e do BTE n.º 27, de 22.07.2013 e cujo teor é o seguinte:

“1. Os direitos do cônjuge sobrevivo, previsto nas cláusulas 123.a e 124.a serão reconhecidos a pessoa que à data da morte do trabalhador ou reformado viva com este em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos desde que a situação de união de facto não esteja ferida por alguma das seguintes circunstâncias, respeitantes à referida pessoa ou ao falecido:
a) Idade inferior a 18 anos;
b) Demência notória, mesmo com intervalos lúcidos, e a interdição ou inabilitação por anomalia psíquica, salvo se a demência se manifestar ou a anomalia se verificar em momento posterior ao do início da união de facto;
c) Casamento não dissolvido, salvo se tiver sido decretada a separação judicial de pessoas e bens;
d) Parentesco na linha reta ou no segundo grau da linha colateral ou afinidade na linha reta;
e) Condenação de uma das pessoas como autor ou cúmplice por homicídio doloso ainda que não consumado contra o cônjuge do outro.

2. Em qualquer caso, as entidades subscritoras apenas se vinculam ao reconhecimento e pagamento de uma pensão de sobrevivência, na parte que corresponde ao cônjuge ou unido de facto sobrevivo, nos termos do previsto nas cláusulas 123.a, 124.a e na presente cláusula.

3. A situação de união de facto deve ser comprovada perante a instituição, em vida do trabalhador ou reformado, mediante a entrega de declaração sob compromisso de honra dos dois unidos, acompanhada de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles emitidas há menos de 60 dias, e de documento comprovativo de que a última nota de liquidação fiscal relativa ao imposto sobre o rendimento de pessoas singulares foi enviada, em nome dos dois ou, se os unidos de facto não optarem pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados ou não separados judicialmente de pessoas e bens em nome de cada um, para o domicílio fiscal de ambos.

4. Presume-se a subsistência da união de facto na data da morte do trabalhador ou reformado mediante a apresentação de certidão de cópia integral do registo de nascimento deste último com o averbamento da morte, de certidão de cópia integral do registo de nascimento do beneficiário, emitida após o óbito, e de documento comprovativo da última nota de liquidação fiscal com as características referidas no número anterior.

5. Quando a entidade subscritora do presente Acordo entenda que existam fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto, pode promover a competente ação judicial com vista à sua comprovação.

6. A pensão de sobrevivência adquirida à luz do disposto nos números anteriores cessa se sobrevier uma condenação pelo crime previsto na alínea e) do n.1, o beneficiário contrair novo casamento ou iniciar nova união de facto, revertendo a favor dos filhos do trabalhador ou reformado, se existirem, nas condições referidas na alínea b) do novo casamento ou união de facto do benificiário.

7. Aplica-se ao unido de facto sobrevivo o disposto no n.º 8 da cláusula 123 com as necessárias adaptações.

8. O disposto nesta cláusula aplica-se às situações de união de facto cujo prazo de dois anos se inicie a partir da data de entrega à entidade subscritora da declaração sob compromisso de honra dos dois unidos, prevista no n.º 3 da presente cláusula, juntamente com os elementos de prova também aí previstos.

9. Nas situações de união de facto existentes à data da publicação do presente ACT no Boletim do Trabalho e Emprego, na versão que alterou a redação publicada na 1.a Série do Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 39, de 22 de Outubro de 2011, o prazo referido no número anterior será contado desde o início dessas situações se, nos 180 dias a contar da mesma data, for entregue a declaração sob compromisso de honra dos dois unidos, contendo a indicação da data do inicio da união de facto, acompanhada dos elementos de prova previstos no n.º 3 da presente cláusula."

Para decidir a referida questão importará atender, designadamente:

– Às alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2010 de 30 de agosto na Lei n.º 7/2001, de 11 de maio respeitante à proteção das uniões de facto;

– Ao Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2017, de 11.5.2017, processo 1560/11.6TVLSB.L1.S1-A;

- Ao disposto no Código do Trabalho, mormente nos seus artigos 3.º e 478.º do Código do Trabalho.

Antes de mais, sublinhe-se que Lei n.º 23/2010 é aplicável ao caso vertente sem necessidade sequer de invocar o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 3/2013, já que a referida Lei entrou em vigor a 1 de janeiro de 2011 (data da entrada em vigor da Lei n.º 55-A/10 que aprovou o Orçamento do Estado para 2011).

Assim a redação da Lei n.º 7/2001 aplicável ao caso dos autos afirma que “a união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges” (artigo 1.º, n.º 2) e estabelece o direito das pessoas que vivem em união de facto à “proteção social na eventualidade de morte do beneficiário, por aplicação do regime geral ou de regimes especiais de segurança social e da presente lei” (artigo 3.º, n.º 1, al. e).

Relativamente à prova da união de facto o artigo 2.º-A, depois de dispor no seu n.º 1 que “na falta de disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica, a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível”, prevê igualmente a prova por declaração emitida pela junta de freguesia competente acompanhada da declaração sob compromisso de honra de ambos os membros da união de que vivem em união de facto há mais de dois anos, bem como das certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles (n.º 2 do artigo 2.º-A). Mas a lei prevê igualmente a possibilidade de prova por declaração da junta de freguesia competente da existência da união de facto no caso de morte de um dos membros da união, acompanhada agora da declaração pelo membro sobrevivo, sob compromisso de honra de que vivia há mais de dois anos com o falecido em união de facto e das referidas certidões de cópia integral do registo de nascimento de ambos (n.º 4 do artigo 2.º-A). Refira-se, ainda, que, quanto às prestações por morte o n.º 2 do artigo 6.º da Lei n.º 7/2001 prevê que “a entidade competente pelo pagamento das prestações, quando entenda que existem fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto, pode solicitar meios de prova complementares, designadamente declaração emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira ou pelo Instituto dos Registos e Notariado, I.P., onde se ateste que à data da morte os membros da união de facto tinham domicílio comum há mais de dois anos”.

O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2017 pronunciou-se sobre uma situação de facto na qual o ACT aplicável não previa qualquer pensão de sobrevivência para os unidos de facto, considerando estar-se perante uma dualidade de regimes (o regime aplicável a quem estivesse unido de facto com um trabalhador bancário abrangido pelo ACT e os restantes unidos de facto) que originava uma situação de discriminação entre os respetivos beneficiários, sem que se vislumbrasse qualquer justificação e, por conseguinte, arbitrária. Nas palavras do Acórdão, “a situação dos referidos unidos de facto, perante a morte do seu companheiro, é substancialmente igual, devendo a proteção constitucional de que beneficiam concretizar-se nos mesmos termos; demanda, por isso, uma solução idêntica e não um tratamento desigual para o qual não se vê uma justificação razoável”. O mencionado Acórdão Uniformizador sublinhou, também, que “a norma do artigo 3.º, n.º 1, alínea e) da Lei n.º 7/2001 não é uma simples norma de remissão; ela consagra também, claramente, o direito do membro sobrevivo da união de facto à proteção social na eventualidade de morte do beneficiário” e destacou que as convenções coletivas não podem, à luz do artigo 3.º n.º 1 do Código do Trabalho e do artigo 478.º n.º 1 alínea a) do mesmo diploma contrariar normas legais imperativas sob pena de nulidade das cláusulas da convenção coletiva que violem tais normas legais. Por conseguinte, decidiu-se no referido Acórdão que “o membro sobrevivo da união de facto tem direito a pensão de sobrevivência, por morte do companheiro, beneficiário do setor bancário, mesmo que o regime especial de segurança social aplicável, constante de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, para que remete a Lei n.º 7/2001, não preveja a atribuição desse direito”.

Apreciando agora a validade da cláusula 124-A, importa começar por referir que esta não se limita a regular os meios de prova ao dispor dos membros de uma união de facto para demonstrar a existência da mesma – aspeto a que nos referiremos adiante –, mas altera significativamente, e de modo desfavorável aos membros da união, o momento em que a união pode ser invocada, bulindo até, de algum modo, com a própria definição legal de união de facto.

Em primeiro lugar, a cláusula 124-A do ACT acaba por só permitir a invocação da união de facto ainda em vida dos dois membros da união com a observância do preceituado no n.º 3 da cláusula, já que “a situação de união de facto deve ser comprovada perante a instituição, em vida do trabalhador ou reformado, mediante a entrega de declaração sob compromisso de honra dos dois unidos, acompanhada de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles emitidas há menos de 60 dias, e de documento comprovativo de que a última nota de liquidação fiscal relativa ao imposto sobre o rendimento de pessoas singulares foi enviada, em nome dos dois ou, se os unidos de facto não optarem pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados ou não separados judicialmente de pessoas e bens em nome de cada um, para o domicílio fiscal de ambos” (sublinhado nosso) e o n.º 4 da mesma cláusula apenas se reporta à subsistência da união de facto já declarada. Ora resulta da Lei n.º 7/2001, na sua redação atual, que a união de facto pode ser invocada tanto em vida dos membros da união, como depois da morte de um deles, tratando-se de um aspeto imperativo. E se fosse permitido nesta sede um regime distinto, que restringisse a possibilidade de invocação da união de facto em que um dos membros fosse um trabalhador bancário, criar-se-ia, mais uma vez, um regime desigual sem justificação razoável.

Mas a cláusula 124-A vai substancialmente mais longe. Com efeito, e como bem sublinhou o Acórdão recorrido, “o ACT em análise apenas reconhece o direito a uma pensão de sobrevivência à pessoa que à data da morte do trabalhador ou reformado vivia com este em condições análogas às dos cônjuges, nas situações em que decorreram dois anos contados da data da entrega da declaração sob compromisso de honra dos dois unidos de facto” (sublinhado nosso). Na verdade, tal é o que resulta do n.º 8 da referida cláusula: “O disposto nesta cláusula aplica-se às situações de união de facto cujo prazo de dois anos se inicie a partir da data de entrega à entidade subscritora da declaração sob compromisso de honra dos dois unidos, prevista no n.º 3 da presente cláusula, juntamente com os elementos de prova também aí previstos” (sublinhado nosso). Este número acaba por violar diretamente a Lei n.º 7/2001, porquanto uniões de facto que o são para o legislador e cujos membros, por conseguinte, têm direito a proteção social no caso de morte do beneficiário, não relevam como tal para o ACT e para a sua aplicação.

Tal foi, de resto, o caso dos autos: perante uma união de facto que existia há décadas e relevante para o efeito pelo menos desde 17.03.1988, data em que cessou por divórcio o casamento de CC, os Réus recusam-se a reconhecer o direito à prestação social da Autora, porque não passaram dois anos entre a data em que os membros da união entregaram a declaração (facto 9: entregue a 15.07.2014 e datada de 14.07.2014) e a morte daquele (ocorrida a 2/04/2015, facto 1). Mas por aplicação da Lei n.º 7/2001 já existia – factos provados números 1, 2, 3, 4 e 5 – uma união de facto com os direitos inerentes, não podendo o ACT fazer tábua rasa dessa existência e exigir que passem mais dois anos de vida em comum em condições análogas às dos cônjuges sobre a data da declaração prevista no n.º 3.

E não se diga que tal se ficou a dever ao incumprimento pelos unidos de facto do disposto no n.º 9 da Cláusula, já que também este número viola lei imperativa ao impor um ónus de declaração (e um prazo) que a Lei n.º 7/2001 não prevê, como, mais uma vez contraria a possibilidade que a referida Lei expressamente concede de um dos membros da união só a invocar após a morte do outro.

O Recorrente afirma, no entanto, no seu recurso que esta cláusula se traduz, no fim de contas, em um regime mais favorável ao trabalhador (cfr. Conclusões 21 e 22). Contudo, tal não é exato, porquanto a cláusula 124-A não faculta aos unidos de facto mais um meio de invocação e prova da sua união, a acrescer aos já previstos na lei, mas não só lhes restringe tal invocação e prova, como acaba por recusar que certas uniões de facto valham como uniões de facto para efeitos previdenciais. Isso mesmo resulta, aliás, da Conclusão 14 em que o Recorrente afirma que “não basta, nem nunca bastou, para adquirir o direito ao recebimento de uma pensão de sobrevivência, a existência de uma união de facto, tal nunca foi o entendimento de jurisprudência pacífica sobre esta questão”: ora, para o artigo 3.º n.º 1 alínea e) da Lei n.º 7/2001, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 23/2010, em toda e qualquer união de facto o membro sobrevivo da união tem direito a “proteção social na eventualidade de morte do beneficiário”. A convenção coletiva é uma fonte de direito infra-legislativa que não pode pôr em causa, em qualquer domínio, normas legais imperativas, o que redundaria em uma diferença de tratamento discriminatória (relativamente às outras uniões de facto, cujos membros não sejam trabalhadores bancários).

Destarte, há que concluir pela nulidade dos números 3, 8 e 9 da Cláusula 124-A do ACT celebrado entre o BB. S.A,. e o Sindicato dos Bancários do Norte e Outros, publicado no BTE n.º 48, de 29.12.2001 e cujas posteriores alterações constam do BTE n.º 4, de 29.01.2005; do BTE n.º 33, de 08.09.2006; do BTE n.º 3 de 22.01.2009; do BTE n.º 39, de 22.10.2011 e do BTE n.º 27, de 22.07.2013.

Decisão: Negada a revista e confirmado o Acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 10 de abril de 2019

Júlio Gomes (Relator)

Ribeiro Cardoso

Ferreira Pinto