Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1777/08.0TTPRT.P1.S1
Nº Convencional: 4ªSECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS
Descritores: DESPEDIMENTO COLECTIVO
COMPENSAÇÃO
PRESUNÇÃO JURIS TANTUM
Data do Acordão: 04/03/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS.
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / DIREITOS, DEVERES E GARANTIAS DAS PARTES / CESSAÇÃO POR INICIATIVA POR EMPREGADOR.
Doutrina:
- BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER, O Despedimento Colectivo no Dimensionamento da Empresa, Verbo, 2000, p. 542.
- MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, p. 214.
- PEDRO FURTADO MARTINS, Cessação do Contrato de Trabalho, Princípia, 3.ª Edição, 2012, p. 361.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 344.º, N.º1, 349.º, 350.º, N.ºS 1 E 2.
CÓDIGO DE TRABALHO DE 2003: - ARTIGO 119.º, N.º1, 401.º, 420.º, 431.º, N.º1, AL. C).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 17/6/2010, REVISTA N.º 527/06.0TTBCL.S1.
-DE 9/12/2010, PROFERIDO NA REVISTA N.º 4158/05.4TTLSB.L1.S1
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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 9 DE MAIO DE 2007 E DE 12 DE ABRIL DE 2010, PROFERIDOS, RESPECTIVAMENTE, NOS PROCESSOS 0647182 E 160/09.5TTVNG.P1, AMBOS EM WWW.DGSI.PT .
-PROCESSOS N.ºS 15275/09.1T2SNT.S1, 1510/06.1TTLSB.L1-4, DE 23/06/2010, 264/09.4TTFUN.L1-4, DE 20 DE OUTUBRO DE 2010, 17/08.7TTSNT.L1-4, DE 6 DE ABRIL DE 2011, TODOS EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1 – Transferido pela entidade empregadora o valor da compensação a que se refere o artigo 401.º do Código de Trabalho de 2003 para conta bancária de trabalhador abrangido por despedimento colectivo, presume-se a aceitação do despedimento, nos termos do n.º 4 desse dispositivo, se o trabalhador não praticar actos que revelem a intenção de não receber aquele quantitativo;

2 – Não tem a virtualidade de afastar a presunção decorrente daquele dispositivo a mera comunicação feita ao empregador, antes da transferência dos montantes da compensação em causa, da não aceitação do despedimento e da intenção de o impugnar, ainda que esta comunicação seja seguida da impugnação judicial efectiva do despedimento, pois deveria também ter providenciado pela devolução do quantitativo recebido.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I

AA, BB, CC, DD e EE, intentaram a presente acção de impugnação de despedimento colectivo contra FF – − ..., S.A., formulando os seguintes pedidos: 1) Declare ilícito o despedimento levado a efeito pela R., em relação aos AA; 2) Condene a R. a pagar à A. AA a quantia de € 68.409,73; 3) Condene a R. a pagar à A. AA as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida nesta acção; 4) Condene a R. a pagar ao A. BB a quantia de € 43.059,83; 5) Condene a R. a pagar ao A. BB as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida nesta acção; 6) Condene a R. a pagar ao A. CC a quantia de € 55.481,03; 7) Condene a R. a pagar ao A. CC as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida nesta acção; 8) Condene a R. a pagar ao A. DD a quantia de € 105.156,90; 9) Condene a R. a pagar ao A. DD as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida nesta acção; 10) Condene a R. a pagar ao A. EE a quantia de € 57.756,39; 11) Condene a R. a pagar ao A. EE as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida nesta acção; 12) Condene a R. no pagamento dos juros, à taxa legal, que se vencerem sobre as quantias peticionadas, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Alegaram, em síntese, serem trabalhadores da Ré e que esta no âmbito de um processo de despedimento colectivo que levou a cabo não pôs à disposição dos AA., até ao termo do prazo de aviso prévio, a compensação a que se refere o artigo 401º e, bem assim, os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho.

Mais alegaram que, em função da actuação da R., optavam pela indemnização em substituição da reintegração.

Alegaram ainda que prestavam trabalho aos sábados, em rotatividade, pelo que tendo prestado nos restantes sábados, nos domingos e feriados, têm direito à respectiva remuneração, sendo ainda devidas comissões.

A acção prosseguiu seus termos, vindo a ser proferido, em 30 de Agosto de 2001, saneador-sentença, nos termos do qual, o Tribunal, para além do mais, decidiu: «Face ao disposto pelo arts. 470º, nº 1, 31º, 288º, nº 1, al. e) e 493º, nº 2 do Código de Processo Civil, absolver a ré da instância no que respeita aos pedidos de condenação a pagar a cada um dos autores a remuneração relativa a trabalho prestado aos sábados, em rotatividade, a remuneração relativa a trabalho prestado aos restantes sábados, aos domingos e feriados, a remuneração relativa ao trabalho prestado de segunda a sexta-feira, fora do horário de trabalho e a comissões (arts. 317º a 320º, 329º a 332º, 341º a 344º, 353º a 356º e 365º a 368º), valores contidos, respectivamente, nos pontos 2), 4), 6), 8) e 10) do pedido formulado a final», e «no caso dos autos tendo os autores recebido a compensação pelo despedimento colectivo, a qual mantiveram na sua disponibilidade, sem terem praticado após o seu recebimento qualquer acto de que resulte não terem aceite o despedimento, a presunção de aceitação do despedimento não se pode considerar ilidida, procedendo a excepção invocada pela ré e improcedendo, consequentemente o pedido dos autores de declaração de ilicitude do despedimento e suas consequências independentemente da análise do cumprimento das formalidades legais e da procedência dos motivos invocados para o despedimento».

Mais foi decidido: «I - Condenar a ré FF – ..., S.A. a pagar: a) ao autor CC a quantia de € 7,76 (sete euros e setenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento; b) ao autor EE a quantia de € 391,51 (trezentos e noventa e um euros e cinquenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

II – Absolver a ré de todos os demais pedidos contra ela formulados».

Inconformados com esta decisão dela recorreram os Autores para o Tribunal da Relação do Porto, que por acórdão de 7 de Maio de 2012, julgou improcedente o recurso, e, em consequência, confirmou a decisão recorrida.

Irresignados com esta decisão, dela vieram os Autores interpor recurso de revista excepcional para este Supremo Tribunal, nos termos do artigo 721.º -A do Código de Processo Civil, terminando as alegações apresentadas com as seguintes conclusões:

«1) O Acórdão recorrido está em contradição com o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 06/04/2011, no processo n.° 17/08.7TTSNT.L1-4.

2) Ambos os Acórdão foram proferidos no domínio do Código de Trabalho de 2003 e ambos os Acórdão incidiram sobre a questão fundamental de direito da ilisão da presunção consagrada no art. 401°, n.º 4, do Código de Trabalho de 2003.

3) Em ambas as acções judiciais tinha ocorrido um despedimento colectivo ao qual foi aplicado o Código do Trabalho de 2003; os trabalhadores, impugnantes do despedimento colectivo, receberam a compensação prevista no art. 401°, n.° 1, do Código do Trabalho de 2003; os trabalhadores declararam à entidade patronal, antes do recebimento da compensação, que não aceitavam o despedimento colectivo e após o seu recebimento, não devolveram a compensação prevista no art. 401°, n.° 1, do Código do Trabalho de 2003.

4) No Acórdão recorrido decidiu-se que a declaração do trabalhador, feita até ao momento do recebimento da compensação, no sentido da não aceitação do despedimento não era bastante para ilidir a presunção consagrada no art. 401, n.° 4, do Código de Trabalho de 2003 e que para ilidir esta presunção o trabalhador deveria proceder à devolução da compensação imediatamente após o recebimento ou em prazo curto e fazer prova do contrário.

5) No Acórdão fundamento decidiu-se que a prova em contrário da presunção consagrada no art. 401, n.° 4, do Código do Trabalho de 2003 podia consistir numa qualquer declaração do trabalhador, feita até ao momento do recebimento da compensação, no sentido da não aceitação do despedimento, a qual, não estando sujeita a forma especial, podia ser expressa ou tácita e que na vigência do Código do Trabalho de 2003 não era exigível, para se ilidir a presunção em causa, a colocação à disposição da entidade patronal da compensação pecuniária recebida, o que só passou a ser exigido com o CT de 2009.

6) Como tal, em situações em tudo idênticas, no Acórdão recorrido decidiu-se que declaração dos trabalhadores nos termos expostos não tinha ilidido a presunção em causa e no Acórdão fundamento decidiu-se precisamente o contrário.

7) Entendem os Recorrentes que a decisão proferida pelo Acórdão-fundamento é a correta pelo que o tribunal recorrido fez uma errada interpretação e aplicação do disposto no n.° 4, do art. 401°, do Código do Trabalho de 2003 e do art. 350° do Código Civil».

A Ré não respondeu ao recurso interposto.

Por acórdão de 31 de Outubro de 2012, da formação especial desta secção, a que se refere o n.º 3 do artigo 721.º -A do Código de Processo Civil, foi decidido admitir o recurso de revista excepcional interposto.

Ouvido o Ministério Público, nos termos e para os efeito do disposto no artigo 87.º, n.º 3 do Código de Processo de Trabalho, proferiu a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta proficiente parecer, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso interposto, referindo, para além do mais, que «deveria ser mantida a interpretação do art. 401, n.º 4 do CT/2003, no sentido constante do Acórdão em crise e bem assim a decisão nela contida dado que, não tendo os AA., por algum modo, provado que restituíram a compensação (ou, sequer, manifestado a intenção de o fazer, quando comunicaram à Ré a sua não aceitação do despedimento) não ilidiram a presunção “juris tantum” aí estabelecida».

Notificado este parecer às partes, apenas os Autores vieram reafirmar a posição anteriormente tomada no processo.

Sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 684.º, n.º 3 e 685.º – A do Código de Processo Civil, na versão resultante do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa no presente recurso, saber se a ilisão da presunção de aceitação do despedimento colectivo a que se refere o n.º 4 do artigo 401.º, do Código de Trabalho de 2003, exige a devolução imediata, ou no mais curto prazo após o respectivo conhecimento por parte do trabalhador abrangido, da compensação que lhe tenha sido disponibilizada por transferência bancária pelo empregador.


II

1 - A matéria de facto fixada pelas instâncias, com relevo no âmbito do presente recurso, é a seguinte:

«1) Por documento escrito intitulado contrato de trabalho a termo certo, que constitui fls. 76 a 79, cujo teor se dá por reproduzido, a autora AA, foi admitida ao serviço da ré, a partir de 2 de Janeiro de 2001 para exercer, mediante retribuição, as funções correspondentes à categoria profissional de vendedor de automóveis.

2) Por documento escrito intitulado contrato de trabalho a termo certo, que constitui fls. 80 a 83, cujo teor se dá por reproduzido, o autor BB, foi admitido ao serviço da ré, a partir de 25 de Fevereiro de 2002 para exercer, mediante retribuição, as funções correspondentes à categoria profissional de vendedor de automóveis.

3) Por documento escrito intitulado contrato de trabalho a termo certo, que constitui fls. 84 a 87, cujo teor se dá por reproduzido, o autor CC, foi admitido ao serviço da ré, a partir de 8 de Novembro de 1999 para exercer, mediante retribuição, as funções correspondentes à categoria profissional de vendedor de automóveis.

4) Por documento escrito intitulado contrato de trabalho a termo certo, que constitui fls. 88 a 90, cujo teor se dá por reproduzido, o autor DD, foi admitido ao serviço da ré, a partir de 3 de Fevereiro de 1997 para exercer, mediante retribuição, as funções correspondentes à categoria profissional de vendedor de automóveis.

5) Por documento escrito intitulado contrato de trabalho a termo certo, que constitui fls. 91 a 94, cujo teor se dá por reproduzido, o autor EE, foi admitido ao serviço da ré, a partir de 4 de Junho de 2001 para exercer, mediante retribuição, as funções correspondentes à categoria profissional de vendedor de automóveis.

6) Como contrapartida das respectivas prestações, a ré pagava aos autores uma retribuição em dinheiro, composta por uma parte fixa e outra variável.

7) À data da cessação dos contratos de trabalho a parte fixa da retribuição mensal paga em dinheiro pela ré aos autores era de € 475,00 para cada um.

8) Em 18/07/2008, a autora AA recebeu a carta que constitui o doc. nº 202 junto com a petição inicial, cujo teor se reproduz, na qual a ré lhe comunicava que era sua intenção proceder ao seu despedimento no quadro do despedimento colectivo a que dava início daquela forma.

9) Igual carta, com o mesmo conteúdo constante dos documentos junto com a petição inicial sob o nº 203 a 206, que se reproduzem, receberam os autores BB, CC, DD e EE.

10) Em resposta, cada um dos autores enviou à ré, as cartas que esta recebeu em 22/07/2008, informando terem conferido poderes a advogado, identificado quanto ao nome, escritório e contactos telefónicos, para negociar e representá-los em todo e qualquer acordo conexo com a relação laboral, incluindo os poderes previstos pelo art. 420º do Código do Trabalho, conforme documentos nº 207 a 221 juntos com a petição inicial, cujo teor se reproduz.

11) Em 07/08/2008, a autora AA recebeu em mão uma carta da ré onde esta a informava ter decidido integrá-la na redução de pessoal a levar a efeito, por via de um despedimento colectivo, que tinha decidido despedi-la e que, em consequência o contrato de trabalho cessaria no 61º dia seguinte à recepção da carta, e que lhe seriam pagos todos os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato, designadamente retribuição mensal, subsídio de férias e dias de férias referentes a 2007, proporcionais de subsídio de férias e dias de férias referentes a 2008, proporcional do subsídio de Natal referente a 2008, bem como uma compensação pelo despedimento cujo montante corresponde a um mês de retribuição base por cada ano completo de antiguidade e em caso de fracção de ano, o valor seria calculado proporcionalmente, quantia a pagar através de transferência bancária para a conta habitual até ao 61º dia referido, nos termos com o teor do doc. nº 222 da petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido, e ainda o anexo que constitui fls. cujo teor se dá por reproduzido.

12) Os restantes autores receberam em 01/08/2008, igual carta e anexo, com o mesmo conteúdo, conforme documento nº 223 a 226 da petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido.

13) Os autores, através de advogado, por carta que a ré recebeu em 13/08/2008, comunicaram a esta que não aceitavam o despedimento, sendo seu propósito proceder à impugnação judicial do mesmo e que com a referida carta, pretendiam afastar a presunção estabelecida no nº 4 do art. 401º do Código do Trabalho, nos termos do doc. nº 227 da petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido.

14) No final do mês de Setembro de 2008, por transferência bancária, a ré pagou à autora AA, as quantias discriminadas no doc. nº 17 da petição inicial, sendo € 11 498,20 a título de compensação pelo despedimento colectivo.

15) No final do mês de Setembro de 2008, por transferência bancária, a ré pagou ao autor BB as quantias discriminadas no doc. nº 28 da petição inicial, cujo teor se reproduz, sendo € 7 746,00 a título de compensação pelo despedimento colectivo.

16) No final do mês de Setembro de 2008, por transferência bancária, a ré pagou ao autor CC, as quantias discriminadas no doc. nº 41 da petição inicial, cujo teor se reproduz, sendo € 6 977,53 a título de compensação pelo despedimento colectivo.

17) No final do mês de Setembro de 2008, por transferência bancária, a ré pagou ao autor DD, as quantias discriminadas no doc. nº 53 da petição inicial, cujo teor se reproduz, sendo € 11 684,14 a título de compensação pelo despedimento colectivo.

18) No final do mês de Setembro de 2008, por transferência bancária, a ré pagou ao autor EE as quantias discriminadas no doc. nº 230 da petição inicial, cujo teor se reproduz, sendo € 3 481,75 a título de compensação pelo despedimento colectivo.

19) Os autores não devolveram à ré as quantias recebidas a título de compensação pelo despedimento colectivo.»

2 – Com base nesta matéria de facto, decidiu-se na decisão recorrida «que os comportamentos ou manifestações de vontade dos trabalhadores desconformes com a aceitação do despedimento colectivo, não podem só por si serem suficientes para afastarem a presunção estabelecida no nº 4 do artigo 401º do CT, uma vez que neste se refere que “presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe a compensação prevista neste artigo”. Ora, a presunção – aceitação do despedimento colectivo – é estabelecida quando o trabalhador recebe a aludida compensação. Significa isto que recebida a compensação o trabalhador que queira impugnar a licitude do despedimento terá de se manifestar, de fazer algo demonstrativo dessa intenção e, assim, afastar a presunção derivada do recebimento da compensação. Daqui se conclui que tal agir ou actuação terá de ser feita aquando do recebimento da compensação ou momento breve posterior. As manifestações ou actuações anteriores contrárias ao despedimento colectivo não são suficientes para afastarem uma presunção que só nasce e aparece num momento posterior, mais concretamente, com o recebimento, por parte do trabalhador, da compensação pelo despedimento colectivo», e prosseguiu-‑se referindo que: «Por estes motivos, face à omissão, por parte dos Autores, de qualquer comportamento contemporâneo ou posterior ao recebimento da compensação, que pudesse ser interpretado como discordante da aceitação do despedimento colectivo, decorrente da presunção estabelecida com tal recebimento, teremos de concluir que não conseguiram demonstrar ter afastado, com o aludido recebimento, a presunção de aceitação do mencionado despedimento colectivo».

Esta conclusão fundamentou-se, de acordo com a decisão recorrida, no seguinte:

«No caso em apreço, e analisando criticamente os factos dados como provados, verificamos que no curso do procedimento de despedimento colectivo os aqui Autores em resposta, à comunicação da Ré de que era sua intenção proceder aos seus despedimentos no quadro do despedimento colectivo, enviaram, cada um deles, uma carta à Ré, informando-a de terem conferido poderes a advogado, identificado quanto ao nome, escritório e contactos telefónicos, para negociar e representá-los em todo e qualquer acordo conexo com a relação laboral, incluindo os poderes previstos pelo art. 420º do Código do Trabalho. Posteriormente, entre 01/08/2008 e 07/08/2008, os Autores receberam da Ré uma carta na qual esta os informava ter decidido integrá-los na redução de pessoal a levar a efeito, por via de um despedimento colectivo, que tinha decidido despedi-los e que, em consequência os contratos de trabalho cessariam no 61º dia seguinte à recepção da carta, e que lhe seriam pagos todos os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato, designadamente retribuição mensal, subsídio de férias e dias de férias referentes a 2007, proporcionais de subsídio de férias e dias de férias referentes a 2008, proporcional do subsídio de Natal referente a 2008, bem como uma compensação pelo despedimento cujo montante corresponde a um mês de retribuição base por cada ano completo de antiguidade e em caso de fracção de ano, o valor seria calculado proporcionalmente, quantia a pagar através de transferência bancária para a conta habitual até ao 61º dia referido. Em resposta a esta informação os autores, através de advogado, por carta que a ré recebeu em 13/08/2008, comunicaram a esta que não aceitavam o despedimento, sendo seu propósito proceder à impugnação judicial do mesmo e que com a referida carta, pretendiam afastar a presunção estabelecida no nº 4 do art. 401º do Código do Trabalho.

No final do mês de Setembro de 2008 a Ré, através de transferência bancária, depositou na conta dos Autores determinadas quantias, quer a título de compensação pelo despedimento colectivo, quer a título de Retribuição fixa, diferença de vencimento, adiantamento de vencimento, dias de férias referentes a 2007, proporcionais do subsídio de férias referentes a 2008, proporcionais de férias referentes a 2008, proporcional do subsídio de Natal referente a 2008 e comissões.

Recebida a compensação, os Autores nada fizeram, pois não recusaram aceitar a quantia correspondente, nem a devolveram à entidade empregadora, apesar de conhecerem qual era o seu montante, constante de recibo, devidamente discriminado, conforme, alias, os próprios Autores admitem nos artigos 295º a 299º

Por outro lado, tendo a quantia sido depositada na conta bancária do Autores no final do mês de Setembro de 2008 e tendo a presente acção sido interposta em 20 de Novembro de 2008, é forçoso concluir que o Autores receberam a compensação, conforme admitiram na petição inicial, sem terem declarado que não aceitavam a compensação.

(…)

Acrescentaremos, ainda, que apesar de os Autores terem comunicado à Ré que não aceitavam o despedimento sendo seu propósito proceder à impugnação judicial do mesmo e que com a referida carta, pretendiam afastar a presunção estabelecida no nº 4 do art. 401º do Código do Trabalho, e, posteriormente, de o terem impugnado através da presente acção, a verdade é que não se nos afigura que tanto baste para que se possa considerar terem feito prova do facto contrário ao legalmente presumido – isto é, de que o não aceitou.

Com efeito, a declaração de não aceitação do despedimento por parte dos Autores consubstancia a declaração de um facto que, por não lhe ser desfavorável, está sujeito à livre apreciação do julgador, o qual, no caso, não o deu como provado e os Autores o não impugnaram.

Por outro lado, constata-se que, apesar de inicialmente os Autores terem manifestado a sua discordância com o despedimento colectivo e a sua intenção de o impugnarem judicialmente, nunca manifestaram a intenção de restituírem ou devolverem a quantia recebida a título de compensação. Na verdade, o que eles manifestaram foi que com a referida carta, pretendiam afastar a presunção estabelecida no nº 4 do art. 401º do Código do Trabalho. Não falam em devolução da compensação, mas tão só que com a carta impugnam a presunção, isto é, ficariam com o dinheiro em seu poder, mas tal não implicava que aceitassem o despedimento colectivo como lícito. Significa isto que os Autores estavam cientes de qual a consequência do recebimento da compensação. No entanto, apesar desse conhecimento, depositada posteriormente nas suas contas bancárias – forma habitual de pagamento das retribuições, conforme resulta dos recibos juntos aos autos – a compensação os Autores não devolveram à Ré tais quantias. Tal comportamento, ainda que tácito, poderia ser entendido como manifestação de vontade contrária à inicialmente manifestada de forma expressa. Refira-se que, nos termos do artº 217º, nº 1, do CC, a declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade e, tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelem. Só que, anteriormente, nunca os Autores manifestaram a intenção de devolver a compensação do despedimento colectivo, como já deixamos escrito, tão só que com a carta enviada à Ré pretendiam afastar a presunção estabelecida no nº 4 do artigo 401º do CT».

3 – Como fundamento da admissão do presente recurso como revista excepcional alegaram os recorrentes que a decisão recorrida está em contradição com o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no processo n.º 17/08.7TTSNT.L1-4, referindo que neste acórdão, datado de 6 de Abril de 2011, se teria decidido que «a prova em contrário da presunção consagrada no art. 401.º, n.° 4, do Código do Trabalho de 2003 podia consistir numa qualquer declaração do trabalhador, feita até ao momento do recebimento da compensação, no sentido da não aceitação do despedimento, a qual, não estando sujeita a forma especial, podia ser expressa ou tácita e que na vigência do Código do Trabalho de 2003 não era exigível, para se ilidir a presunção em causa, a colocação à disposição da entidade patronal da compensação pecuniária recebida, o que só passou a ser exigido com o CT de 2009».

Efectivamente nessa decisão do Tribunal da Relação de Lisboa considerou-se que «consagrando o artº 401º, nº 4 uma presunção juris tantum, a prova em contrário pode consistir numa qualquer declaração do trabalhador, feita até ao momento do recebimento da compensação, no sentido da não aceitação do despedimento, a qual, não estando sujeita a forma especial, pode ser expressa ou tácita (vide, neste sentido, J. João Abrantes, O Despedimento Colectivo, em Prontuário de Direito do Trabalho, CEJ, nº 45, p. 38).”- fim de transcrição».

Esta conclusão é fundamentada naquela decisão nos seguintes termos:

«Cumpre, por outro lado, salientar que a referida natureza dessa presunção também é afirmada pela mais abalizada doutrina (…).

Ora nos termos do artigo 350º do CC (Presunções legais):

1. Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz.

2. As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrária, excepto nos casos em que a lei o proibir.

Cumpre, pois, dilucidar se na situação concreta os Autores e o chamado lograram ilidir tal presunção.

Ora provou – se que:

R) No último dia em que trabalharam, 8 de Outubro de 2007, os AA. apresentaram à R. a declaração de fls. 273, manifestando que não aceitavam o despedimento colectivo e que as quantias que a R. pretendia pagar não eram as devidas.

AC) Na data do despedimento, a R. pagou aos AA. e ao Chamado os seguintes valores:

- C 3.006,69 Euros; - F 5.545.97 Euros; - D 3.046,85 Euros; - G 3.745,90 Euros; - A 5.332,09 Euros;

- B 2.007,62 Euros; - I 1.726,50 Euros.

Como tal afigura-se que a presunção em causa se mostra ilidida.

Argumentar-se-á que não bastava aos trabalhadores emitir a supra mencionada declaração para ilidir a presunção em apreço e que para o fazerem sempre teriam que a consubstanciar em actos materiais, tais como entregar, por qualquer forma colocar, à disposição da Ré a totalidade da compensação pecuniária recebida tal como exige, aliás, o nº 5º do artigo 366º do CT/2009, sendo certo que não se provou que o tenham feito.

Todavia atenta a data em que ocorreu o despedimento colectivo em causa este último diploma não se lhe aplica

Por outro lado, se o legislador agora vem expressamente formular tal exigência tal só pode significar que anteriormente a não requeria para a obtenção da ilisão em apreço.

E cumpre não olvidar que, além dos Autores e do chamado terem feito a declaração em causa, o facto de neste particular os recorridos não terem devolvido o dinheiro à recorrente (podendo, pois, sustentar-‑se que tal comportamento acarreta uma aceitação tácita do respectivo recebimento) também é susceptível de significar não que pretenderam aceitar o despedimento colectivo, mas pura e simples necessidade económica.

Entende-se, assim, que a presunção em causa se mostra ilidida e como tal que bem decidiu a Mmª Juiz “a quo” a tal título.

Cumpre, pois, confirmar a decisão recorrida julgando improcedente o recurso em causa».

4 – A abordagem da interpretação do n.º 4 do artigo 401.º do Código do Trabalho de 2003 subjacente à decisão recorrida, insere-se dentro de uma corrente jurisprudencial que teve expressão em outros arestos daquele Tribunal, nomeadamente, nos acórdãos de 9 de Maio de 2007 e de 12 de Abril de 2010, proferidos, respectivamente, nos processos 0647182 e 160/09.5TTVNG.P1, ambos disponíveis nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI e citados na nota n.º 8, a fls. 28 daquele acórdão, tendo sido extraído deste último o seguinte sumário: «I - Presume-se que o trabalhador aceita o despedimento por extinção do posto de trabalho quando recebe a compensação prevista no Art.º 401.º do CT de 2003, como dispõe o n.º 4, ex vi do disposto no seu Art.º 404.º; II - Tendo o empregador transferido para a conta bancária do trabalhador tal compensação e tendo este junto ao processo o respectivo recibo, sem ter adoptado qualquer atitude entre a data do recebimento e a da propositura da acção, tal recebimento faz presumir a aceitação da licitude do despedimento; III - Tal aceitação constitui facto impeditivo da ilicitude do despedimento, integrando uma excepção peremptória pelo que, provada aquela, deve o empregador ser absolvido do pedido».

Por outro lado, o acórdão fundamento insere-se numa outra orientação jurisprudencial relativamente à interpretação daquela norma que tem expressão, entre outros, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 15275/09.1T2SNT.S1, aliás citado no texto daquela decisão, que se encontra igualmente subjacente, aos acórdãos daquele Tribunal proferidos nos processos n.ºs 1510/06.1TTLSB.L1-4, de 23/06/2010, e no processo n.º 264/09.4TTFUN.L1-4, de 20 de Outubro de 2010, de que foi extraído o seguinte sumário: «I- O Código do Trabalho de 2003, no seu art. 401.º nº 4, voltou a introduzir a presunção, agora ilidível, de que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe a compensação devida pelo despedimento colectivo; II- Para ilidir a presunção decorrente da aceitação da compensação não é exigível que o trabalhador entregue ou ponha por qualquer forma à disposição do empregador a compensação, exigência que só foi introduzida pelo nº 5 do art. 366º. do Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro, bastando uma pronúncia efectiva do trabalhador relativamente ao recebimento da compensação»[1].

3 – Também esta secção já teve oportunidade de se debruçar sobre a interpretação do referido n.º 4 do artigo 401.º do Código de Trabalho de 2003, nomeadamente, no acórdão de 9 de Dezembro de 2010, proferido na revista n.º 4158/05.4TTLSB.L1.S1, onde essa questão foi abordada nos seguintes termos:

«Nos termos do artigo 401.º do CT/2003 – direccionado para o despedimento colectivo mas igualmente aplicável ao despedimento por extinção do posto de trabalho, por virtude da remissão contida no sequente artigo 404.º - “O trabalhador cujo contrato cesse em virtude de despedimento colectivo tem direito a uma compensação correspondente a um mês de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade” – n.º 1 – sendo que o valor referencial é calculado proporcionalmente, no caso de fracção de ano – n.º 2 – não podendo a compensação, em caso algum, ser inferior a três meses – n.º 3 – .

E, segundo o n.º 4 do preceito, “Presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe a compensação prevista neste artigo”.

A interpretação desta última norma é fulcral para a decisão do litígio.

(…)

Adiantar-se-á também, e desde já, que o Código de 2009, depois de consagrar, no seu artigo 366.º n.º 4, uma disciplina literalmente idêntica à do transcrito artigo 401.º n.º 4, acrescenta, no seu n.º 5, uma normação do seguinte teor:

“A presunção referida no número anterior pode ser ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, à disposição do empregador a totalidade da compensação pecuniária recebida”.

Sem cuidar – aqui e agora – de conferir as críticas que a doutrina tem dirigido às normas sucessivamente elencadas, parece forçoso concluir que o legislador se revela particularmente hostil ao acto do recebimento da compensação pelo trabalhador quando este, não obstante esse recebimento, ainda pretenda questionar o despedimento de que foi alvo.

O cotejo histórico traçado não consente grandes dúvidas nesse domínio, pois a versão original da LCCT e o Código de 2009 inviabilizam, na prática, qualquer reacção do trabalhador que conserve em seu poder a compensação recebida.

E se o Código de 2003 – aqui pacificamente atendível – se mostra mais permissivo sobre a questão, também não se surpreende no seu texto algum elemento interpretativo que favoreça a suficiência de uma qualquer motivação – posto que razoável – do trabalhador para alcançar a ilisão que lhe está cometida.

Em tese geral, cabe demonstrar ao visado que o recebimento da compensação não significou, no seu caso específico, aceitação do despedimento.

E, não se duvidando que o possa fazer por qualquer meio probatório legalmente admissível, a questão que se coloca é a de saber em que circunstâncias se há-de ter por aceite essa demonstração.

Temos por adquirido que não bastará, para o efeito, a simples declaração do trabalhador no sentido de que questiona a compensação disponibilizada nem, muito menos, uma ulterior instauração da acção de impugnação do despedimento.

Se assim fosse – e conforme se anota no Acórdão desta Secção de 17/6/2010 – “... de pouco ou nada valeria a presunção legal, solução esta que, atento o ... art. 9.º n.º 3 do Código Civil, nos parece não ter sido a pretendida pelo legislador. Aliás, refira-se que a aludida presunção tem a sua razão de ser centrada naquela que nos parece ser a estabilidade e pacificação das relações jurídicas que, certamente, resultaria prejudicada caso assumissem tais comportamentos do trabalhador fundamento de facto para considerar ilidida a presunção” (Revista n.º 527/06.0TTBCL.S1).

Na sequência lógica deste entendimento – que subscrevemos em absoluto – uma eventual declaração repulsiva da compensação, por banda do trabalhador, há-de ser acompanhada, por necessário, de comportamentos com ela compatíveis.

Nesse sentido, não sendo necessariamente exigível que o trabalhador devolva de imediato a verba disponibilizada – hipótese em que a própria disciplina legal não cobraria sequer aplicação por não ser de vislumbrar no caso, tão pouco, uma situação de recebimento – já não poderá aceitar-se, por regra, que o trabalhador venha a dispor da compensação em seu proveito.

Uma tal atitude contraditaria frontalmente o avançado propósito de recusa do despedimento».


III

1 – Resulta do n.º 1 do artigo 401.º do Código de Trabalho de 2003 que o «trabalhador cujo contrato cesse em virtude de despedimento colectivo tem direito a uma compensação correspondente a um mês de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade», sendo que nos termos do n.º 3 do mesmo dispositivo tal compensação «não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades». Finalmente, nos termos do n.º 4 do mesmo dispositivo «presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe a compensação prevista neste artigo».

De acordo com o disposto no artigo 349.º do Código Civil, as «presunções são as ilacções que a lei ou o julgador retira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido».

As presunções materializam, deste modo, a prova por indução ou inferência, tendo por base a circunstância de, «a partir dum facto provado por outra forma - e não destinado a representar nem mesmo a indicar (como sinal ou contramarca) o facto que constitui o thema probandum»[2], se demonstrar esse facto, fazendo prova do mesmo.

As presunções costumam ser classificadas em duas categoria de fundo: as presunções juris et de jure e juris tantum. Nas primeiras «o facto presumido acompanha normalmente – ou assim o supõe o legislador – o facto conhecido, que, portanto, constitui indício daquele»[3] e daí que os factos inferidos não sejam susceptíveis de prova em sentido contrário. Nas segundas, a presunção só facilita a prova ao onerado com o ónus, «pois basta provar, em vez do facto que constitui o thema probandum, aquele outro de demonstração mais cómoda, que serve de base à inferência»[4].

A natureza juris tantum da presunção prevista naquele n.º 4 do artigo 401.º do Código de Trabalho de 2003 não suscita dúvidas e, por tal motivo, o facto legalmente presumido – a aceitação do despedimento – pode ser ilidido mediante prova em sentido contrário, nos termos do n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil.

De acordo com o disposto no artigo 344.º, n.º 1, do Código Civil, as regras gerais relativas ao ónus da prova invertem-se, face à existência de uma presunção, pelo que quem tem a seu favor a presunção escusa de provar o facto que dela deriva, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 350.º do mesmo código.

Face ao teor da norma do referido n.º 4 do artigo 401.º do Código do Trabalho de 2003, a entidade empregadora promotora do despedimento colectivo tem apenas de provar o recebimento da compensação, para daí se deduzir a aceitação do despedimento, facto legalmente deduzido daquele recebimento. Mas, uma vez que se trata de uma presunção juris tantum, o trabalhador onerado com a presunção derivada da aceitação da compensação pode por qualquer forma fazer prova de que da mesma não decorreu a aceitação do despedimento.

2 – O direito à compensação pela cessação da relação de trabalho reconhecido ao trabalhador no artigo 401.º do Código do Trabalho de 2003 fundamenta-se na cessação do contrato por motivos lícitos por parte do empregador, materializando-se numa forma de responsabilidade civil pela prática de um facto lícito.

Apesar da licitude dos motivos subjacentes ao despedimento colectivo, a lei exige ainda, como forma de garantia dos direitos do trabalhador, para que o despedimento colectivo seja lícito, que o empregador coloque à «disposição do trabalhador despedido», até ao termo do prazo do aviso prévio, a compensação prevista no artigo 401.º daquele código, conforme decorre da alínea c) do n.º 1 do artigo 431.º do mesmo código.

A colocação à disposição do trabalhador despedido do valor da compensação exigida por esta norma como pressuposto da licitude do despedimento é uma realidade diversa da aceitação da mesma pelo trabalhador, prevista no artigo 401.º, n.º 4 como base da presunção de aceitação do despedimento.

Conforme refere BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER, referindo-se aos artigos 23.º, n.º 3 e 25.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro[5], «as normas em causa não exigem obviamente o pagamento, até porque o trabalhador interessado se poderia a ele furtar com o objectivo de impedir que o despedimento operasse efeitos, mas apenas a disponibilização. Será menos que um pagamento e diferente da oferta de pagamento: entendemos que bastará que o empregador torne o recebimento da indemnização liquidada apenas dependente de um acto jurídico (ou material) simples do trabalhador»[6].

No plano dos conceitos as diferenças entre disponibilização da compensação e aceitação ou recebimento da mesma pelo trabalhador são evidentes mas na realidade da vida podem surgir múltiplas situações em que não seja fácil dar como assente quando houve efectiva aceitação da compensação. É o que se passa, por exemplo quando a disponibilização seja feita por transferência bancária para conta de que o trabalhador seja titular. O recebimento da compensação há-de deduzir-se, nestes casos, de actos materiais que impliquem a constituição de uma situação de posse pelo trabalhador dos quantitativos em causa.

Por outro lado, haverá igualmente que ter presente que o recebimento da compensação, como facto jurídico base da presunção é coisa diversa da aceitação do despedimento, facto presumido dele inferido, podendo o trabalhador, conforme acima se referiu, fazer prova de que a aceitação da compensação não implicou no caso a aceitação do despedimento.

No fundo, embora o trabalhador possa fazer prova sobre a não aceitação do despedimento, conforme refere PEDRO FURTADO MARTINS, «ficou por esclarecer o que seria necessário para que o trabalhador afastasse a presunção e, mais concretamente, se bastaria para o efeito que declarasse expressamente que não aceitava o despedimento, caso em que o mero recebimento da compensação não excluiria a possibilidade de impugnação judicial»[7].

O Código do Trabalho de 2009 veio tomar posição sobre esta questão, referindo no n.º 5 do seu artigo 366.º que a presunção de aceitação do despedimento, decorrente da aceitação da compensação prevista no n.º 4 desse artigo, «pode ser ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, à disposição do empregador a totalidade da compensação pecuniária recebida».

Decorre desta norma que a ilisão da presunção de aceitação do despedimento exige a devolução ou a colocação à disposição da entidade empregadora do montante da compensação recebida, não se bastando com quaisquer tomadas de posição no sentido da não aceitação pelo trabalhador, ou mesmo com a simples impugnação do despedimento. No fundo está subjacente a esta norma o princípio de que a aceitação da compensação é incompatível com a rejeição do despedimento.

À luz da norma do artigo 401.º do Código do Trabalho de 2003, se o trabalhador quiser contestar o despedimento, terá de demonstrar factos que atestem não apenas que discorda do despedimento, mas também que o recebimento da compensação não pode ser qualificado como uma aceitação presumida daquele.

A devolução dos quantitativos recebidos surge aqui como elemento relevante da demonstração de que não houve aceitação do despedimento, sendo consagrada no âmbito do Código do Trabalho de 2009, como um dos elementos essenciais para que essa ilisão ocorra.

Mas o facto de essa devolução não estar expressamente consagrada no Código do Trabalho de 2003 não permite excluir a devolução da compensação como elemento estruturante da ilisão da  aceitação do despedimento, no âmbito daquele diploma.

Na verdade, a exigência da disponibilização da compensação até ao termo do prazo do aviso prévio como pressuposto da licitude do despedimento visa garantir ao trabalhador o recebimento desta forma de indemnização pela cessação lícita da relação de trabalho e desempenha um elemento redutor da conflituosidade inerente ao despedimento colectivo.

A disponibilização da compensação é uma forma de demonstração de boa fé da entidade empregadora e da sujeição da mesma aos parâmetros legais no recurso a esta forma de cessação da relação de trabalho e não visa a resolução dos problemas sociais associados ao desemprego dos trabalhadores. Ela decorre da obrigação da reparação dos danos sofridos pelo trabalhador decorrentes da perda do seu posto de trabalho associada a motivos de natureza objectiva não decorrentes de um acto ilícito e de culpa do empregador.

Esta disponibilização também exige boa fé por parte do trabalhador que, caso não aceite o despedimento, deverá devolvê-la ou colocá-la à disposição do empregador, de imediato, ou logo que da mesma tenha conhecimento, inibindo-se da prática de quaisquer actos que possam ser demonstrativos do apossamento do quantitativo que lhe foi disponibilizado.

Na verdade, conforme decorre do artigo 119.º, n.º 1 do Código de Trabalho de 2003, o «empregador e o trabalhador, no cumprimento das respectivas obrigações, assim como no exercício dos correspondentes direitos, devem proceder de boa fé».

A retenção da compensação por parte do trabalhador quando não concorde com o despedimento colectivo de que é objecto seria manifestamente contrária ao princípio da boa fé, decorrente daquela norma como princípio geral.

Na verdade, a disponibilização da compensação não visa antecipar o pagamento de quaisquer indemnizações a que o trabalhador se sinta com direito decorrente de uma eventual ilicitude do despedimento, ou resolver os problemas sociais derivados do despedimento, conforme acima se referiu, não conferindo o sistema jurídico qualquer direito sobre esse quantitativo ao trabalhador despedido que pretenda impugnar o despedimento e não concorde com o mesmo.

A devolução do quantitativo disponibilizado surge, assim, como um imperativo decorrente do princípio da boa fé nas relações entre as partes na relação de trabalho, sendo a respectiva retenção ilícita, nos casos em que o trabalhador não concorde com o despedimento.

3 – Resulta da matéria de facto dada como provada que a Ré remeteu aos Autores as cartas que constituem os documentos de fls. 202 a 206, juntos com a petição inicial no qual lhes comunicava «que era sua intenção proceder ao seu despedimento no quadro do despedimento colectivo a que dava início daquela forma».

Respondendo a essa carta «cada um dos autores enviou à ré, as cartas que esta recebeu em 22/07/2008, informando terem conferido poderes a advogado, identificado quanto ao nome, escritório e contactos telefónicos, para negociar e representá-los em todo e qualquer acordo conexo com a relação laboral, incluindo os poderes previstos pelo art. 420º do Código do Trabalho, conforme documentos nº 207 a 221 juntos com a petição inicial, cujo teor se reproduz».

Na sequência destas comunicações, «em 07/08/2008, a autora AA recebeu em mão uma carta da ré onde esta a informava ter decidido integrá-la na redução de pessoal a levar a efeito, por via de um despedimento colectivo, que tinha decidido despedi-la e que, em consequência o contrato de trabalho cessaria no 61º dia seguinte à recepção da carta, e que lhe seriam pagos todos os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato, designadamente retribuição mensal, subsídio de férias e dias de férias referentes a 2007, proporcionais de subsídio de férias e dias de férias referentes a 2008, proporcional do subsídio de Natal referente a 2008, bem como uma compensação pelo despedimento cujo montante corresponde a um mês de retribuição base por cada ano completo de antiguidade e em caso de fracção de ano, o valor seria calculado proporcionalmente, quantia a pagar através de transferência bancária para a conta habitual até ao 61º dia referido, nos termos com o teor do doc. nº 222 da petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido, e ainda o anexo que constitui fls. cujo teor se dá por reproduzido» e «os restantes autores receberam em 01/08/2008, igual carta e anexo, com o mesmo conteúdo, conforme documento nº 223 a 226 da petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido».

Ainda de acordo com a matéria de facto dada como provada, «os autores, através de advogado, por carta que a ré recebeu em 13/08/2008, comunicaram a esta que não aceitavam o despedimento, sendo seu propósito proceder à impugnação judicial do mesmo e que com a referida carta, pretendiam afastar a presunção estabelecida no nº 4 do art. 401º do Código do Trabalho, nos termos do doc. nº 227 da petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido».

Seguidamente, de acordo com a matéria de facto dada como provada, a Ré, no final do mês de Setembro e por transferência bancária «pagou à autora AA, as quantias discriminadas no doc. nº 17 da petição inicial, sendo € 11 498,20 a título de compensação pelo despedimento colectivo»; «pagou ao autor BB as quantias discriminadas no doc. nº 28 da petição inicial, cujo teor se reproduz, sendo € 7 746,00 a título de compensação pelo despedimento colectivo»; «pagou ao autor CC, as quantias discriminadas no doc. nº 41 da petição inicial, cujo teor se reproduz, sendo € 6 977,53 a título de compensação pelo despedimento colectivo», «pagou ao autor DD, as quantias discriminadas no doc. nº 53 da petição inicial, cujo teor se reproduz, sendo € 11 684,14 a título de compensação pelo despedimento colectivo»; «pagou ao autor EE as quantias discriminadas no doc. nº 230 da petição inicial, cujo teor se reproduz, sendo € 3 481,75 a título de compensação pelo despedimento colectivo».

Resulta ainda da matéria de facto dada como provada que «os autores não devolveram à ré as quantias recebidas a título de compensação pelo despedimento colectivo».

Em síntese, os Autores, depois de a Ré lhes comunicar a sua intenção de os integrar num despedimento colectivo, comunicaram-lhe que não aceitavam tal despedimento e que o iam impugnar, e, tendo esta procedido a transferência bancária para contas bancárias de que aqueles eram titulares, estes não procederam à devolução dos quantitativos que lhes foram disponibilizados e vieram a impugnar judicialmente o despedimento de que foram objecto.

À luz desta factualidade e tomando como ponto de referência o acima referido, constata-se que, apesar de os Autores terem manifestado à empregadora a intenção de não aceitarem o despedimento que aquele lhes anunciava e de a informarem de que era sua intenção proceder à impugnação judicial do mesmo, quando lhes foram disponibilizados os quantitativos da compensação não manifestaram qualquer intenção de a não aceitar e não procederam à respectiva devolução, tendo-se limitado a impugnar judicialmente o despedimento mais tarde.

Não praticaram deste modo quaisquer actos que afastem a aceitação dos quantitativos transferidos pelo, que se preencheu o facto integrativo da presunção de aceitação do despedimento, ou seja, o recebimento daqueles quantitativos.

A partir deste preenchimento, os Autores tinham o ónus de demonstrar que o recebimento não implicava a aceitação do despedimento, ou seja, tinham de afastar o efeito probatório daquele facto decorrente da presunção em causa.

Tal afastamento não se compadece com a mera declaração dos Autores no sentido de que não aceitam o despedimento, até porque depois dessa declaração, aceitaram a compensação, o que corresponderá a uma declaração, ainda que tácita, revogatória da primeira.

Na verdade, conforme se referiu no acórdão deste Tribunal acima citado, se assim fosse, «de nada valeria a presunção legal, solução esta que, atento o já citado, art. 9.º. n.º 3 do Código Civil, nos parece não ter sido a pretendida pelo legislador» e prossegue-se na mesma decisão, referindo que «aliás a aludida presunção tem a sua razão de ser centrada naquela que nos parece ser a estabilidade e pacificação das relações jurídicas que certamente, resultaria prejudicada caso assumissem tais comportamentos do trabalhador fundamento de facto bastante para considera ilidida a presunção»[8].

Ora, tendo os autores manifestado a intenção de não aceitarem o despedimento, não adoptaram depois, a partir do momento em que lhes foram disponibilizados os quantitativos das compensações, um comportamento coerente com essa intenção permitindo deste modo o preenchimento da presunção de aceitação do despedimento.

Aliás esse comportamento era o que decorrida do princípio da boa fé subjacente à relação de trabalho.

De facto, conforme judiciosamente se refere na decisão recorrida «transferindo a entidade empregadora para a conta bancária [prática actualmente corrente] do trabalhador o montante correspondente à compensação, parece que este deverá agir diligentemente, logo que tome conhecimento do acto, caso pretenda não aceitar a compensação, com vista a impugnar o despedimento. Na verdade, tomando conhecimento da transferência, por qualquer meio, deverá informar o empregador do recebimento da compensação, bem como do seu propósito de aceitar a decisão de despedimento ou de a impugnar. Aliás, em bom rigor, não aceitando a decisão do empregador e pretendendo impugnar o despedimento, o trabalhador deve agir de acordo com a diligência correspondente ao homem médio, atento o princípio da boa fé, embora a lei não esclareça se o trabalhador deve restituir o montante da compensação e como, em que prazo e demais circunstâncias pertinentes».

Os Autores não assumiram, pois, a atitude que o princípio da boa fé lhes impunha, devolvendo os quantitativos recebidos, não tendo logrado impedir a presunção de aceitação do despedimento que decorria do recebimento daqueles quantitativos, nos termos do referido n.º 4 do artigo 401.º do Código do Trabalho de 2003, pelo que não há motivos para alterar o decidido na decisão recorrida.


IV

Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas da Revista a cargo dos Autores.

Anexa-se sumário do Acórdão.

Lisboa, 3 de Abril de 2013

António Leones Dantas (Relator)

Maria Clara Sottomayor

Pinto Hespanhol

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[1] Disponível nas Bases de Dados da DGSI, tal como os demais citados.
[2] Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, p. 214.
[3] Manuel A. Domingues de Andrade, Ibidem.
[4] Ibidem.
[5] Na redacção resultante da Lei n.º 32/99, de 18 de Maio.
[6] O Despedimento Colectivo no Dimensionamento da Empresa, Verbo, 2000, p. 542.
[7] Cessação do Contrato de Trabalho, Princípia, 3.ª Edição, 2012, p. 361.
[8] Acórdão de 17 de Junho de 2010, proferido na revista n.º 527/06.0TTBCL.S1.