Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1279/14.6TVLSB.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA
PRETERIÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL
INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
EXECÇÃO DILATÓRIA
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 06/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO ARBITRAL - ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA /
CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM - COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL ( AÇÃO, PARTES E TRIBUNAL ) / TRIBUNAL / COMPETÊNCIA - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / EXCEPÇÕES DILATÓRIAS ( EXCEÇÕES DILATÓRIAS ).
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 96.º,AL.B), 576.º, N.º2, 577.º, AL. A).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 202.º, N.º4, 209.º, N.º2.
D.L. N.º 446/85 DE 25-10 (REGIME DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS): - ARTIGO 1.º, N.º1, 18.º, 21.º, AL. H).
LEI DA ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA – LAV- (LEI 63/2011 DE 14/12): - ARTIGOS 1.º, 2.º, 3.º, 5.º, N.º1, 18.º, 39.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 10-3-2011, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Como as partes acordaram numa convenção de arbitragem para os litígios decorrentes do contrato que celebraram e a acção foi proposta nos tribunais comuns, existiu, em violação da dita cláusula, a preterição de tribunal arbitral voluntário, o que gera a incompetência absoluta do tribunal, como decorre do disposto no art. 96.º, al. b), do NCPC (2013). Constitui esta irregularidade uma excepção dilatória, como resulta do art. 577.º, al. a) e, nesta conformidade, o tribunal não poderia conhecer do mérito da causa, determinando, antes, a absolvição da instância (art. 576.º, n.º 2, sempre do mesmo código).

II - O tribunal judicial só poderá deixar de proferir a pertinente absolvição da instância se for manifesto, claro, patente, a invalidade ou a inexequibilidade da cláusula, o que não se verifica no caso (sendo também certo que a recorrente não invoca qualquer causa relevante que possa conduzir a essas ineficácias).
Decisão Texto Integral:                            

              Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

                       

                       

                       

                        I- Relatório:

      1-1- AA propôs a presente acção com processo ordinário contra o Banco BB, S.A. pedindo, a título principal, que seja declarado nulo e de nenhum efeito o contrato celebrado entre A. e R., condenando-se este a restituir a quantia de € 439.795,99, acrescida de juros de mora que se vencerem a contar da citação.

  Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que em 11.03.2008, a A. e R. celebraram um acordo escrito denominado “contrato de permuta de taxa de juro”, contrato que consubstancia o denominado contrato de “swap” ou de permuta financeira. O paradigma económico e financeiro inesperadamente nessa data determinou que o referido contrato de “swap” não representou qualquer possibilidade de ganho da A., contrariamente a todas as expectativas, garantindo avultados, inesperados e desproporcionais ganhos ao R.. Este  tinha conhecimento e experiência neste tipo de produtos financeiros e a referida perspectiva de avultados ganhos para si eram já do seu conhecimento quando a incentivou a celebrar o contrato. Os seus prejuízos ascenderam a € 439.795,99. A base contratual em que assentou o negócio dos autos, em comparação entre os ganhos do R. e as perdas da A., ofendem claramente a boa fé que deve presidir, não só à formação, mas também à execução dos contratos.

                        O R., Banco BB, S.A., contestou invocando a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral suscitando, em consequência, a sua absolvição da instância.

   Alega, para tanto que em 11.05.2006, A. e R. celebraram o “Contrato Quadro para Operações Financeiras”, o qual, nos termos da cláusula 1ª-1 se estabeleceu que se destina a regular as condições gerais a que estão sujeitas todas as operações financeiras entre as partes, sejam elas do mesmo tipo ou natureza jurídica ou de tipo ou natureza diferente e regulando tudo o que expressamente não seja regulado pelos termos e condições particulares das operações financeiras e fazendo parte integrante do enquadramento de cada uma das operações financeiras a realizar entre as partes. Nos termos da Cláusula 1ª.5 ficam abrangidas por este contrato-quadro as permutas financeiras (swaps). Assim, o contrato de swap em causa nos autos está sujeito às condições gerais do contrato-quadro. Nos termos do art.º 41º, nº 1 do Contrato-quadro “os diferendos que possam surgir entre as partes no âmbito do presente contrato são dirimidos por um tribunal arbitral que julga segundo o direito estrito e de cuja decisão não há recurso para qualquer instância”, pelo que o presente litígio está, por isso, sujeito à jurisdição dos tribunais arbitrais. O art.º 5º da nova Lei de Arbitragem Voluntária apenas admite que o Tribunal não absolva imediatamente o banco R. do pedido quando este “verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível”. É o próprio tribunal arbitral que tem competência para decidir sobre a sua própria competência, designadamente analisando a validade da convenção arbitral, o que se encontra expressamente previsto no art.º 18º na NLAV.

  Notificada da contestação apresentada, veio a A., a fls. 490vº/499 dos autos, apresentar o seu articulado ao abrigo do disposto no art. 3º, nº 3, do Cód. Proc. Civil, pedindo a improcedência das excepções invocadas, nomeadamente a da preterição do Tribunal arbitral.

                        Alegou, para tanto e em síntese, que a cláusula que prevê que os diferendos sejam apenas dirimidos por tribunal arbitral é ofensiva, contrária aos bons costumes e abusiva, logo nula. O R., no referido contrato, colocou a A. numa posição secundária, onde ao R. caberiam todos os benefícios e à A. todos os encargos. A cláusula que prevê o pacto privativo de jurisdição foi apresentada sem negociação, pelo que deverá ser apreciada no âmbito do regime das cláusulas contratuais gerais, sendo que a mesma é proibida por força do disposto na alínea h) do art. 21º do Dec. Lei nº 446/85.

  No despacho saneador o Mº Juiz (de 1ª instância) conheceu da excepção dilatória da incompetência absoluta dos tribunais comuns por preterição de tribunal arbitral suscitada pelo R., tendo decidido julgar procedente a excepção por infracção do estipulado em convenção tendo, em consequência, absolvido o R. da instância, nos termos do art. 99º do C.P.Civil.

                       

1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a A. per saltum para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.

                       

1-3- A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:

                        I- No presente Recurso, por se suscitar apenas questões de direito e ter alçada bastante, nos termos do disposto no art. 678º do CPC, pretende-se que o mesmo ou seja per saltum para o STJ.

                        II- Com efeito, em causa está a apreciação da nulidade e de nenhum efeito de um denominado contrato de permuta de taxa de juro, vulgarmente designado por Swap, subscrito entre as partes, e onde no também contrato quadro para as operações financeiras se estabelece nos termos do art. 41º nº 1 "os diferendos que possam surgir entre as partes no âmbito do presente contrato são dirimidos por um tribunal arbitral que julga segundo o direito estrito e de cuja decisão não há recurso par qualquer instância";

  III. As partes (A. Recorrente e R. Recorrida) têm distinto entendimento relativamente à competência jurisdicional, e daí se terem pronunciado sobre a excepção dilatória suscitada, tendo o tribunal a quo aderido à tese do R. e determinado pois a procedência da excepção dilatória da incompetência absoluta dos Tribunais Judiciais Portugueses.

 IV. Ora, e salvo melhor opinião, a Recorrente entende que, a citada cláusula compromissória, é nula e de nenhum efeito, atentas as questões levantadas na p.i,

 V. Na verdade, os referidos e denominados contratos são do tipo estandardizado, impostos pois sem margem de discussão à recorrente, sem ter havido sequer qualquer pré-negociação, e representam nos seus termos uma violação dos princípios constitucionais consagrados, e dos determinativos legais da LCCG.

VI. Com efeito, e por simples leitura, se constata que o próprio tribunal arbitral tem de decidir sobre o direito estrito, e a sua decisão não é passível de recurso, objectivamente pois impondo uma cláusula não negociada que impede indevidamente a sindicância do respectivo contrato aos tribunais portugueses.

VII. Ademais, é de salientar que os documentos elaborados o são sob matéria altamente complexa, sem ter ocorrido o dever de informação, e que inclusive estranha ao âmbito comercial da recorrente, subscrito com a necessária boa fé do relacionamento comercial entre as partes.

VIII.    A Apelante invoca pois, desde logo, que a cláusula é absolutamente proibida por se encontrar no circunstancialismo previsto na alínea h) do art. 21° do DL 446/85, e representar uma prepotente imposição contrária aos bons costumes e princípios e, como tal, deve ser considerada nula.

IX. Consentaneamente, deve ser revogada a douta decisão proferida, e substituída por outra que determine que os Tribunais portugueses, e, in casu o dos autos, seja o competente para dirimir a presente acção, e nos termos e pedidos que nela são formulados.

X. Tendo-se em conta que a questão o é apenas de direito, pretende-­se que, o presente Recurso o seja per saltum para o STJ, nos termos do disposto no art. 678° do CPC, na sua redacção actual.

                         

                         O Banco recorrido contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação da decisão recorrida.

                       

                        Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

                       

                        II- Fundamentação:

    2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas a questão que ali foi enunciada (art. 639º nºs 1 e 2 do Novo C.P.Civil), que será a de saber se o ocorre, ou não, a incompetência absoluta do tribunal por preterição dos tribunais arbitrais.                     

                       

  2-2- Com interesse para a resolução da questão suscitada, o Mº Juiz considerou provados os seguintes factos:

- A A. dedica-se ao aproveitamento de subprodutos de origem animal, para a produção de gorduras alimentares e industriais, de farinhas proteicas, de margarinas industriais, sabões e sabonetes, extracção e produção de glicerina;

- O R. é uma sociedade bancária e dedica-se, entre outras, à comercialização de produtos financeiros;

- A. e R. subscreveram o instrumento particular denominado “Confirmação de Contrato de Permuta de Taxa de Juro (Interest Rate Swap)”, datado de 11.03.2008, cuja cópia consta a fls. 58/65 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais:

  “(…). O objetivo desta carta (“Confirmação”) é confirmar os termos e condições particulares do contrato de permuta de taxa de juro (Interest Rate Swap), acordado entre o Banco BB, S.A e AA, S.A, (…). Esta carta constitui uma confirmação nos termos estabelecidos no Contrato Quadro para Operações Financeiras (“Contrato Quadro”) mais recente assinado entre as Partes. No caso de divergência entre o disposto no Contrato Quadro e o estabelecido nesta confirmação, prevalecerá esta última. (…);

 - A. e R. subscreveram o instrumento particular denominado “Contrato Quadro para Operações Financeiras”, datado de 11.05.2006, cuja cópia consta a fls. 237 dos autos, e cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais, “(…). Cláusula 1ª - Objeto: 1. O presente contrato destina-se a regular as condições gerais a que estão sujeitas todas as operações financeiras a estabelecer doravante entre as partes, sejam elas do mesmo tipo ou natureza jurídica ou de tipo ou natureza diferente. 2. Cada uma das operações financeiras a realizar entre as partes reger-se-á pelos respetivos termos e condições particulares, que serão estabelecidos de acordo com o que abaixo se indica. (…). 3. Em tudo o que não resulte expressamente dos respetivos termos e condições particulares, as operações financeiras a realizar entre as partes ficarão sujeitas ao estabelecido no presente contrato. 4. Para os efeitos do determinado nos números anteriores, o estabelecido no presente contrato constitui parte integrante do enquadramento de cada uma das operações financeiras a realizar entre as partes, salvo quando por escrito for por elas acordado o contrário. 5. Sem prejuízo de outras, que, como tal, devam considerar-se em função do estabelecido, ficam abrangidas pelo presente contrato designadamente as seguintes operações: 5.1. Permutas Financeiras (swaps: De taxas de juro (interest Rate swaps – Irs); (…). (…). Cláusula 3ª. As partes aceitam submeter igualmente às condições do presente contrato e nos termos da cláusula 1ª todas as operações financeiras por elas já realizadas e ainda não concluídas, sem prejuízo dos respetivos termos e condições particulares e em tudo o que a estes não contrarie. Cláusula 39ª (Lei Aplicável): O presente contrato está sujeito à Lei portuguesa de acordo com o qual será interpretado, integrado e aplicado. (…). Cláusula 41ª (Resolução dos Conflitos): 1. Os diferendos que possam surgir entre as partes no âmbito do presente contrato são dirimidos por um tribunal arbitral que julga segundo o direito estrito e de cuja decisão não há recurso para qualquer instância. 2. O tribunal mencionado no número anterior é constituído por três árbitros, um indicado por cada uma das partes e o terceiro, que preside, designado pelos dois primeiros. (…). 8. A arbitragem decorre na Comarca de Lisboa, em local indicado pelo Presidente do tribunal arbitral. (…)”.

                       

Face a estas circunstâncias de facto, mais particularmente em razão da violação da cláusula que estabeleceu a convenção de arbitragem para a resolução dos litígios decorrentes do contrato celebrado pelas partes, o tribunal recorrido considerou procedente a excepção dilatória da incompetência absoluta dos tribunais comuns por preterição de tribunal arbitral invocada pelo R. tendo, em consequência, absolvido o R. da instância.

Defende a A. que a citada cláusula compromissória, é nula e de nenhum efeito, atentas as questões levantadas na p.i. Isto porque os referidos e denominados contratos são do tipo estandardizado impostos, pois, sem margem de discussão à recorrente, sem ter havido qualquer pré-negociação e representam, nos seus termos, uma violação dos princípios constitucionais consagrados e dos determinativos legais da LCCG. Com efeito e por simples leitura, constata-se que o próprio tribunal arbitral tem de decidir sobre o direito estrito, e a sua decisão não é passível de recurso, objectivamente impondo uma cláusula não negociada que impede indevidamente a sindicância do respectivo contrato aos tribunais portugueses. Além disso os documentos elaborados são sob matéria altamente complexa, sem ter ocorrido o dever de informação sendo, inclusivamente, estranhos ao âmbito comercial da recorrente, subscrito com a necessária boa fé do relacionamento comercial entre as partes. A cláusula é, portanto, absolutamente proibida por se encontrar incluída no circunstancialismo previsto na alínea h) do art. 21° do DL 446/85, e representar uma prepotente imposição contrária aos bons costumes e princípios e, como tal, deve ser considerada nula. Deve, assim, ser revogada a douta decisão proferida e substituída por outra que determine que os tribunais portugueses e, in casu o dos autos, seja o competente para dirimir a presente acção.

                       

Sobre o tema, a douta decisão recorrida referiu, para o que aqui importa que “…do que se deixa exposto podemos concluir que a autora e réu acordaram que os diferendos que pudessem surgir no âmbito do contrato, que é parte integrante do contrato também subscrito pela autora e pela ré de “Confirmação de Contrato de Permuta de Taxa de Juro (Interest Rate Swap)”, datado de 11.03.2008, deveriam ser dirimidos por Tribunal Arbitral. Assim, dúvidas não restam que autora e ré estabeleceram uma convenção de arbitragem…. Alega a autora que a referida cláusula é ofensiva e contrária aos bons costumes, logo nula. Acresce que não se vislumbra que o cláusula 41º do contrato-quadro subscrito pela autora e ré seja contrária à lei, pois é a própria lei que prevê a possibilidade das partes convencionarem submeter os litígios a tribunais arbitrais, ou à boa-fé, pois as partes nestas matérias são livres de contratar tal situação ou não, sendo que a autora também não alegou qual a ofensa em concreto à sua posição que a convenção de arbitragem possa constituir. E, não se argumente que o abusivo da cláusula esteja no último segmento da cláusula pois é a própria lei de Arbitragem que determina quais os casos em que o acórdão arbitral pode ser posto em causa por qualquer das partes.

Vejamos, ainda, a questão suscitada no âmbito do regime das cláusulas contratuais gerais, que a autora não invoca expressamente, mas encontra-se referida nos casos constantes da Jurisprudência citada pela autora. Dispõe o art.º 21º, al. h) do Dec. Lei nº 446/85, de 25.10, que são em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que excluam ou limitem de antemão a possibilidade de requerer tutela judicial para situações litigiosas que surjam entre os contratantes ou prevejam modalidades de arbitragem que não assegurem as garantias de procedimento estabelecidas na lei. Tal como é defendido no STJ no seu acórdão de Revista nº 877/12.7TVLSB.11-A.S1, datado de 11.02.2015, é à parte que quer beneficiar da aplicação do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais que compete, em concreto, alegar e provar que está perante aquela tipologia de cláusulas, nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do Cód. Civil. …Nesta consonância, previamente à apreciação da validade das alegadas cláusulas contratuais gerais, à luz do regime jurídico da LCCG, tinha de ocorrer a demonstração probatória, a cargo da parte que queria beneficiar da aplicação desse regime (com vista, em especial, a obter a declaração de invalidade dessa cláusula) – isso é, da autora –, de que se estava em terreno próprio destas, nos moldes do art.º 342.º, n.º 1, do Cód. Civil. Ora, salvo o devido respeito por opinião em contrário, nos presentes autos, a autora não provou, nem sequer alegou, que estamos perante um contrato de adesão, razão pela qual não poderá ser aplicável ao caso dos autos o referido regime das cláusulas contratuais gerais. Considerando o que se deixa expresso, teremos que concluir que não se verifica que manifestamente a convenção de arbitragem estabelecida pelas partes do contrato-quadro seja nula ou é, ou se tornou, ineficaz ou inexequível”. Concluiu, dizendo que “assim sendo, a presente ação deveria ter sido proposta junto de um Tribunal Arbitral, tal como convencionado pelas partes”.

Esta posição é absolutamente certa pelo que se irá confirmar.

                        Vejamos:

Como as circunstâncias assentes revelam, as partes litigantes celebraram uma convenção de arbitragem[1] tendente a solucionar os “os diferendos que possam surgir entre as partes no âmbito do presente contrato”, sendo os mesmos “dirimidos por um tribunal arbitral que julga segundo o direito estrito” e que “o contrato destina-se a regular as condições gerais a que estão sujeitas todas as operações financeiras a estabelecer doravante entre as partes, sejam elas do mesmo tipo ou natureza jurídica ou de tipo ou natureza diferente”. Ou seja, voluntariamente, as partes decidiram cometer a resolução de conflitos a surgir na vigência do contrato acima referenciado a um tribunal arbitral. Sobre o conteúdo e alcance de tal cláusula afigura-se-nos que não se levanta qualquer dúvida, já que mesma é absolutamente clara[2]. A convenção de arbitragem, como nos parece evidente, abrange toda a conflitualidade prática e jurídica decorrente do contrato.

                        Como a presente acção (tendente à condenação do R. a ver declarado nulo e de nenhum efeito o contrato celebrado entre ambas as partes, condenando-se o mesmo R. a restituir a quantia de € 439.795,99, acrescida de juros de mora que se vencerem a contar da citação), foi proposta nos tribunais comuns, existiu, obviamente, em violação da dita cláusula, a preterição de tribunal arbitral voluntário, o que gera a incompetência absoluta do tribunal, como decorre do disposto no art. 96º al. b) do Novo C.P.Civil. Constitui esta irregularidade uma excepção dilatória, como resulta do art. 577º al. a) e, nesta conformidade, o tribunal não poderia conhecer do mérito da causa, determinando, antes, a absolvição da instância (art. 576º nº 2 sempre do mesmo Código).

Por outro lado, como refere o art. 5º nº 1 da Lei da Arbitragem Voluntária – LAV- (Lei 63/2011 de 14/12), “o tribunal estadual no qual seja proposta acção relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível”, donde decorre que o tribunal judicial, desde que o R. o requeira (no momento indicado) e desde que considere que a questão colocada está abrangida por uma convenção de arbitragem, não poderá deixar de absolver o demandado da instância, a não ser que seja patente que a convenção “é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível” (efeito negativo da convenção de arbitragem). Isto é, o tribunal judicial só poderá deixar de proferir a pertinente absolvição da instância se for manifesto, claro, patente, a invalidade ou a inexequibilidade da cláusula, o que seguramente não se verifica aqui (sendo também certo que a recorrente não invoca qualquer causa relevante que possa conduzir a essas ineficácias).

  Não se desconhece que, como resulta do disposto do art. 18º nº 1 da LAV, compete, em primeira linha, aos tribunais arbitrais, apreciar a sua própria competência. Nesta conformidade e como se refere adequadamente no acórdão deste STJ de 10-3-2011 (www.dgsi.pt/jstj.nsf) “tal implica que, ao apreciar a referida excepção dilatória (preterição dos tribunais arbitrais) devam os tribunais judiciais actuar com reserva e contenção, de modo a reconhecer ao tribunal arbitral prioridade na apreciação da sua própria competência, apenas lhes cumprindo fixar, de imediato e em primeira linha, a competência dos tribunais estaduais para a composição do litígio que o A. lhes pretende submeter quando, mediante juízo perfunctório, for patente, manifesta e insusceptível de controvérsia séria a nulidade, ineficácia ou inaplicabilidade da convenção de arbitragem invocada (justificando-se então, por evidentes razões de economia e celeridade, e face à evidência da questão, a imediata definição da competência para dirimir o litígio, de modo a dispensar a prévia instalação e pronúncia do tribunal arbitral sobre os pressupostos da sua própria competência)[3].

Em síntese, pese embora o disposto no art. 18 nº1 da LAV, os tribunais judiciais podem (e devem rejeitar) a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral deduzida por uma das partes (determinando o prosseguimento do processo perante a jurisdição estadual), mas apenas quando seja manifesto e incontroverso que a convenção invocada é nula ou ineficaz[4]. Quando isto não se verificar, devem considerar procedente a excepção.

Quer isto tudo dizer que se verifica a dita excepção dilatória (já que não é manifesto que a convenção arbitral seja nula ou ineficaz), originando-se a absolvição da instância do R., nos termos das disposições legais supra indicadas, donde decorre que o tribunal recorrido agiu correctamente ao proferir a decisão impugnada.

                       

  Diz a recorrente, em apoio da sua tese, que a cláusula compromissória é nula e de nenhum efeito, porque as respectivas cláusulas são estandardizadas impostas sem margem de discussão, sem ter havido sequer qualquer pré-negociação. Ou seja, no entender da recorrente o item em questão é nulo porque constitui uma cláusula contratual geral e, por isso, deve estar sujeita ao regime do Dec-Lei 446/85 (regime das cláusulas contratuais gerais). Mais particularmente a cláusula em causa é absolutamente proibida por se encontrar inserta no circunstancialismo previsto na alínea h) do art. 21° do dito diploma (DL 446/85 de 25/10).

Recorda-se o teor de tal cláusula: “Cláusula 41ª (Resolução dos Conflitos): 1. Os diferendos que possam surgir entre as partes no âmbito do presente contrato são dirimidos por um tribunal arbitral que julga segundo o direito estrito e de cuja decisão não há recurso para qualquer instância”. Trata-se, como nos parece bom de ver, de uma simples e corrente cláusula compromissória, segundo a qual as partes decidiram submeter ao tribunal arbitral os eventuais litígios a surgir, face aos termos do contrato (“Contrato Quadro para Operações Financeiras). Por outro lado, a própria lei prevê a possibilidade de as partes acordarem em submeter os litígios de natureza patrimonial (como sucede no caso vertente), aos tribunais arbitrais (art. 1º nº 1 da LAV[5]). Daí que se possa dizer que a convenção de arbitragem estipulada pelas partes é permitida pelo sistema jurídico (ou seja, não é, sem mais, ilegal) sendo também certo que não é invocada, em relação a ela, qualquer causa de nulidade, mais concretamente, os motivos de invalidade a que se referem os arts. 1º e 2º (art. 3º todos da LAV)[6]. E como decorre desta Lei (art. 18º nºs 2 e 3)[7] a convenção de arbitragem conserva em relação ao contrato no seu todo uma evidente autonomia e, assim, mesmo que possa suceder a nulidade do contrato, esta invalidade não conduz à nulidade da convenção.

Afirma também a recorrente que o item em questão constitui uma cláusula estandardizada imposta sem margem de discussão. A decisão recorrida respondeu à objecção de forma correcta ao afirmar que a recorrente não alegou (designadamente na petição inicial) estar-se perante um contrato de adesão, razão por que resulta falho de sentido defender-se, aqui e agora, a aplicação à situação o regime das cláusulas contratuais gerais.

Estabelece a invocada (pela recorrente) alínea h) do art. 21° do Decreto-Lei 446/85 que são absolutamente proibidas as cláusulas que “excluam ou limitem de antemão a possibilidade de requerer tutela judicial para situações litigiosas que surjam entre os contratantes ou prevejam modalidades de arbitragem que não assegurem as garantias de procedimento estabelecidas na lei”.

Este dispositivo diz respeito a cláusulas contratuais gerais, sendo que, como se viu, não está demonstrado nem sequer foram alegados factos na acção dos quais possa resultar que o item em questão constitua uma tal cláusula, ou seja, um item elaborado sem prévia negociação individual, em que o proponente ou destinatário se limite, respectivamente, a subscrever ou aceitar (art. 1º nº 1 do Dec-Lei 446/85). Além disso e por outro lado, a recorrente não pode ser reputada como uma consumidora final, sendo certo que a disposição diz respeito aos consumidores finais, razão por que, se outra razão não existisse, nunca seria de aplicar a disposição indicada. Sendo uma empresa, o clausulado absolutamente proibido, seria o definido no art. 18º desse Dec-Lei 446/85 (que diz respeito às relações entre empresários ou entidades equiparadas). De resto, mesmo que se entendesse que o dispositivo tinha aplicação ao caso vertente, a cláusula em causa só poderia entender-se como absolutamente proibida, conforme expressamente refere o dispositivo, se não assegurasse as garantias previstas na lei[8], o que não sucede dado que a situação não está, patentemente submetida, por lei especial exclusivamente aos tribunais judiciais.

  Afirma também a recorrente que a cláusula em questão para além de ser absolutamente proibida (nos termos da alínea h) do art. 21° do DL 446/85), representa uma prepotente imposição contrária aos bons costumes e princípios e, como tal, deve ser considerada nula.

Numa primeira aproximação à objecção reafirmaremos que só quando uma cláusula for de reputar manifestamente ou ostensivamente nula é que o tribunal judicial poderá declarar a sua invalidade o que, como já se disse, não ocorre no caso.

Por outro lado, não vemos que a recorrente, coerentemente, tenha logrado evidenciar a ofensa, pela cláusula em questão, dos valores impostos pelo princípio moral e pelos bons costumes. Afirma que, como se afere do contrato, o R. colocou a A. numa posição secundária, onde ao R. caberiam todos os benefícios e à A. todos os encargos. Ora, como é evidente, esta argumentação diz respeito aos termos e disposições do contrato (que não está aqui em discussão) e não propriamente à cláusula em apreciação, o que a torna irrelevante.

Diz também a recorrente que seria incompreensível aceitar-se como válida a cláusula e a sujeição do contrato a ser dirimido exclusivamente no tribunal arbitral e relativamente a uma matéria de interesse público. Além disso, acrescenta, é manifesto o propósito de impedir a intervenção, relativamente às leoninas cláusulas, dos tribunais portugueses, com a agravante de coibir (também) o recurso da decisão a proferir pelo tribunal arbitral.

Como ponto prévio sublinharemos que os tribunais arbitrais além de serem admitidos pela ordem jurídica vigente (sendo que até a própria Constituição os aceita – arts. 202º nº 4[9] e 209º nº 2 da Lei Fundamental -), julgam, como dispõe o art. 39º da LAV, consoante o direito constituído (a menos que as partes determinem, por acordo, que julguem segundo a equidade), do que resulta que as decisões arbitrais constituem verdadeiras decisões jurisdicionais e, como tal, são providas de autoridade. Nesta conformidade esses tribunais não poderão deixar de fazer um juízo legal sobre eventuais cláusulas leoninas e outros temas legais que lhe sejam submetidos. Por outro lado, é a própria LAV, no art. 39º nº 4, que determina a irrecorribilidade das decisões arbitrais (com as excepções referenciadas no dispositivo), o que servirá para afirmar a conformação da cláusula com a lei e, consequentemente, negar a sua ilegalidade quanto a esse aspecto.

 Claro que com isto não se nega a possibilidade à parte de, junto do tribunal arbitral, proclamar a ilegalidade (ou até inconstitucionalidade) do item ao não admitir o recurso para o tribunal judicial. Mas será aí que a questão poderá e deverá ser suscitada.

Diremos também que, se bem que se possa admitir que os documentos elaborados nos termos do processo constituam matéria altamente complexa, já não se pode aceitar que não tenha ocorrido o dever de informação por parte do demandado, não só porque essa matéria é controvertida[10], como também porque tal análise ultrapassa o juízo adjectivo e formal que apreciação da presente excepção implica.

 Por fim, quanto à invocada ofensa de boa-fé na elaboração do contrato por parte do R., diremos que na pertinente apreciação apenas se poderá considerar tal ofensa quanto à elaboração da cláusula e já não à globalidade do contrato. E quanto àquela, como a douta decisão recorrida afirma, a A. não alegou qual a afronta em concreto que a convenção de arbitragem lhe fez.

                        O recurso improcede, pois.

 

                        Elabora-se o seguinte sumário (arts. 679º e 663º nº 7 do Novo C.P.Civil):

- Como as partes acordaram numa convenção de arbitragem para os litígios decorrentes do contrato que celebraram e a acção foi proposta nos tribunais comuns, existiu, em violação da dita cláusula, a preterição de tribunal arbitral voluntário, o que gera a incompetência absoluta do tribunal, como decorre do disposto no art. 96º al. b) do Novo C.P.Civil. Constitui esta irregularidade uma excepção dilatória, como resulta do art. 577º al. a) e, nesta conformidade, o tribunal não poderia conhecer do mérito da causa, determinando, antes, a absolvição da instância (art. 576º nº 2 sempre do mesmo Código).

- O tribunal judicial só poderá deixar de proferir a pertinente absolvição da instância se for manifesto, claro, patente, a invalidade ou a inexequibilidade da cláusula, o que não se verifica no caso (sendo também certo que a recorrente não invoca qualquer causa relevante que possa conduzir a essas ineficácias).

                        III- Decisão:

                        Por tudo o exposto, nega-se a revista.

                        Custas pela recorrente.

Lisboa, 2 de Junho de 2015

Garcia Calejo (Relator)

Helder Roque

Gregório Silva Jesus

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[1] Cláusula compromissória, já que se refere a litígios eventuais, potenciais ou futuros.
[2] Neste sentido refere-se na decisão recorrida, sem que a recorrente faça qualquer juízo de desconformidade, que “dúvidas não restam que autora e ré estabeleceram uma convenção de arbitragem”.
[3] No mesmo acórdão acrescentou-se, ainda a propósito do conhecimento da sua própria competência (dos tribunais arbitrais), que é “de salientar que esta questão foi muito recentemente apreciada pelo STJ, no ac. de 20/1/11, proferido no p. 2207/09.6TBSTB.E1.S1, que, pelo seu interesse, nos permitimos transcrever: É que vigora, entre nós, o princípio lógico e jurídico da competência dos tribunais arbitrais para decidirem sobre a sua própria competência, designado em idioma germânico por Kompetenz-kompetenz e que, na sua acepção negativa, impõe a prioridade do tribunal arbitral no julgamento da sua própria competência, obrigando os tribunais estaduais a absterem-se de decidir sobre essa matéria antes da decisão do tribunal arbitral. Com efeito, o artº 21º nº 1 da Lei de Arbitragem Voluntária (hoje art. 18º nº 1 da LAV) consagra expressis verbis que «o tribunal arbitral pode pronunciar-se sobre a sua competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela insira, ou a aplicabilidade da referida convenção».

[4] Ou se o litígio, de forma ostensiva e clara, se situa fora da jurisdição dos tribunais arbitrais.
[5] Anteriormente vigorava a Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto (Arbitragem Voluntária) que no art. 1º nº 1 estabelecia que “desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente a tribunal judicial ou a arbitragem necessária, qualquer litígio que não respeite a direitos indisponíveis pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros”.
[6] Antes, arts. 1º, 2º e 3º da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto.
[7] Dispositivos que referem, respectivamente, que “para os efeitos do disposto no número anterior (decisão do tribunal arbitral sobre a sua própria competência) uma cláusula compromissória que faça parte de um contrato é considerada como um acordo independente das demais cláusulas do mesmo” (nº 2) e “a decisão do tribunal arbitral que considere nulo o contrato não implica, só por si, a nulidade da cláusula compromissória” (nº 3).
[8] Omissão de garantias que, de resto, a recorrente não especifica.
[9] Disposição que refere que “a lei poderá institucionalizar instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos”.

[10] Dada a posição da parte contrária.