Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
923/09.1T3SNT.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
CONDENAÇÃO
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
TRIBUNAL CÍVEL
RECURSO
CONFERÊNCIA
MINISTÉRIO PÚBLICO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
PRINCÍPIO DA LIMITAÇÃO DOS ATOS
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DUPLA CONFORME
OBJETO DO PROCESSO
OBJETO DO RECURSO
REJEIÇÃO DE RECURSO
CONCURSO DE INFRAÇÕES
Apenso:
Data do Acordão: 12/02/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - O deferimento da pretensão de realização de audiência, nos termos do art. 411.º, n.º 5, do CPP, depende da satisfação do ónus, imposto por este preceito, de especificação dos pontos da motivação do recurso que o recorrente pretende ver debatidos.

II - Em conformidade com o princípio da limitação dos atos aos preordenados à realização da finalidade do processo (art. 130.º do CPC ex vi art. 4.º do CPP), não se mostrando satisfeito o ónus de especificação, realizado o contraditório quanto ao parecer do Ministério Público nos termos do artigo 416.º do CPP, o recurso é julgado em conferência (art. 419.º, n.º 3, al. c), do CPP).

III - A pretensa “falta de imparcialidade” do Ministério Público, por ser representado pelo mesmo magistrado no tribunal da Relação e no STJ, alegada pelo recorrente, é matéria que, devendo ser apreciada pelo Ministério Público, por via hierárquica (art. 54.º, n.º 2, do CPP), se encontra subtraída ao tribunal.

IV - Só é admissível recurso para o STJ, limitado ao reexame de matéria de direito, de acórdãos das Relações proferidos em recurso que apliquem penas superiores a 8 anos de prisão ou que apliquem penas superiores a 5 anos e não superiores a 8 anos de prisão em caso de não confirmação da decisão da 1.ª instância, quer se trate de penas singulares, pela prática de um único crime, quer de penas que, em caso de concurso de crimes, sejam aplicadas a cada um dos crimes em concurso (penas parcelares) ou de penas conjuntas aplicadas aos crimes em concurso.

V - O regime de recursos para o STJ definido pelos art. 400.º, n.º 1, al. e) e f), e 432.º, al. b), do CPP, efectiva, de forma adequada, a garantia do duplo grau de jurisdição consagrada no art. 32.º, n.º 1, da Constituição, enquanto componente do direito de defesa em processo penal, reconhecida em instrumentos que vinculam internacionalmente o Estado Português ao sistema internacional de protecção dos direitos fundamentais (art. 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e 2.º do Protocolo n.º 7 à Convenção Para a Protecção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais).

VI - Como tem sido repetido pelo TC, em jurisprudência firme, o art. 32.º, n.º 1, da CRP não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição, isto é, de um duplo grau de recurso.

VII - Devendo concluir-se pela não verificação da invocada inconstitucionalidade das normas do art. 400.º, n.º 1, al. e), parte final, e f), do CPP, que, por esse motivo, deva afastar a sua aplicação, não é admissível, devendo ser rejeitado, o recurso em matéria penal do acórdão do tribunal da Relação, na parte que respeita a todas as questões suscitadas relativamente ao julgamento e à qualificação jurídica dos factos como integrando os crimes de burla, falsificação e abuso de confiança, por cuja prática o arguido foi condenado em penas, todas elas, inferiores a 5 anos de prisão, a todas as questões relacionadas com a determinação das penas aplicadas a cada um desse crimes, incluindo as suscitadas a propósito do concurso de crimes e do crime continuado e correspondente punição, bem quanto às nulidades e inconstitucionalidades arguidas e invocadas a propósito de tais questões.

VIII - Por força da alteração introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29-08, modificando o n.º 3 ao art. 400.º do CPP, a recorribilidade da decisão relativa ao pedido de indemnização enxertado em processo penal deixou de estar dependente da admissibilidade de recurso da decisão quanto à parte criminal do acórdão recorrido, passando o acesso ao STJ a dever obediência também ao regime do recurso de revista previsto no CPC, por aplicação subsidiária.

IX - Concluindo-se que, sem fundamentação essencialmente diversa e sem voto de vencido, o tribunal da Relação confirmou a condenação da 1.ª instância, verificando-se uma situação de «dupla conforme», nos termos do art. 671.º, n.º 3, do CPC, que obsta à admissão, é rejeitado o recurso nesta parte (420.º, n.º 1, al. b), do CPP).

X - A decisão do tribunal da Relação de remeter as partes civis para os tribunais civis, nos termos do n.º 3 do art. 82.º do CPP, inscrevendo-se nos poderes oficiosos do tribunal, não se incorpora em acórdão que conheça, a final, do objeto do processo, o qual, por virtude do pedido de indemnização civil, passou a incluir a indemnização por danos resultantes do crime.

XI - Concluindo-se pela inadmissibilidade do recurso, com fundamento no disposto na al. c) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, é o recurso rejeitado nesta parte (art. 420.º, n.º 1, al. b), do CPP).

XII - Em consequência, não se identificando vício do acórdão recorrido ou nulidade de que o STJ deva oficiosamente conhecer (art. 410.º, n.os 2 e 3, do CPP), fica o recurso limitado às questões relacionadas com a determinação e aplicação da pena única, fixada em 11 anos e 6 meses de prisão.

XIII - Os recursos, enquanto “remédios jurídicos”, não têm por finalidade uma reapreciação do caso decidido na instância de julgamento e, em consequência, a obtenção de uma nova decisão que conheça do objeto do processo mediante a sentença condenatória sujeita aos deveres de fundamentação diretamente impostos pelos art. 374.º e 379.º do CPP, disposições que são aplicáveis aos acórdãos proferidos em recurso, com as adaptações devidas (“correspondentemente”, na formulação do n.º 5 do art. 425.º do CPP).

XIV - A reapreciação da sentença condenatória por um tribunal superior, por via de recurso, visa garantir o direito de apreciação de alegados erros de julgamento ou vícios dessa sentença, que devem ser identificados pelo recorrente em satisfação do ónus de especificação imposto pelo art. 412.º do CPP, nos termos aí previstos, que delimitam os poderes de cognição do tribunal de recurso; uma decisão proferida em recurso tem por objeto a decisão recorrida, não o objeto do processo, daí que as exigências de fundamentação impostas pelos art. 374.º e 379.º do CPP careçam de adaptação.

XV - O tribunal da Relação respondeu fundadamente às questões suscitadas no recurso, pelo que improcede a alegação de nulidade do acórdão recorrido.

XVI - Improcede igualmente a invocação de inconstitucionalidade, pois que, em momento algum, o acórdão recorrido interpretou ou aplicou a norma extraída dos art. 374.º, n.º 2, 375.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, al. a) e art. 425.º, n.º 4, do CPP, no sentido de que, “em caso de concurso de crimes, não é obrigatório, na decisão final proferida em processo penal, fundamentar a determinação da pena única por referência aos critérios legais constantes do artigo 77.º do CP”.

XVII - A sentença que aplica a pena única, respeitando, com as devidas adaptações, os requisitos exigidos, seguiu, como deve, o procedimento normal de determinação e escolha das penas (art. 71.º do CP), a partir das quais se obtém a moldura penal do concurso (n.º 2 do art. 77.º do CPP), e observou o critério especial estabelecido no n.º 1 do art. 77.º, parte final, segundo o qual são considerados, em conjunto, os factos, nas suas circunstâncias, e as circunstâncias reveladoras da personalidade do agente projetada e manifestada nesses factos.

XVIII - A consideração, para a determinação da pena única, dos fatores tidos em conta para efeitos das penas parcelares não viola o princípio da proibição da dupla valoração, na medida em que se encontram referidos ao conjunto dos factos praticados.

XIX - Tendo em conta a moldura abstrata da pena única, de 4 a 25 anos de prisão, os factos no seu conjunto, que se materializaram na prática reiterada, ao longo de cerca de três anos, de setenta crimes de abuso de confiança, falsificação e burla, conexionados entre si, formando um complexo delituoso de elevada gravidade, causando elevados prejuízos a dezenas de ofendidos, a reduzida ou nula relevância do arrependimento, que deve averiguar-se em função do comportamento posterior ao crime, no sentido de reparação ou atenuação das suas consequências, e das suas condições pessoais e sócio-económicas, que, no essencial, caraterizam a situação do arguido que o colocou em posição de praticar os factos por que vem condenado, bem como os demais fatores relevantes, não se surpreendem elementos que, na definição do substrato de facto, permitam constituir base de um juízo de discordância relativamente à pena aplicada, de 11 anos e 6 meses de prisão, a justificar uma intervenção corretiva.

XX - Assim, não se verificando na determinação da gravidade dos factos, em função dos fatores atendíveis por via da culpa e da prevenção, motivo que permita concluir pela violação do princípio de adequação e proporcionalidade que constitucionalmente se impõe na determinação das penas (art. 18.º, n.º 2, da Constituição), improcede o recurso nesta parte.

Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:



I.  Relatório

1. Por acórdão de 25 de fevereiro de 2021, proferido pelo Tribunal da Relação ….. em recurso por si interposto do acórdão condenatório de 3 de dezembro de 2018 do tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de ….., Juiz …, da comarca de ….., que alterou, atenuando, a medida das penas aplicadas em 1.ª instância, foi o arguido AA, com completa identificação nos autos, condenado pela prática, em autoria material e coautoria, na forma consumada e em concurso efetivo, de:

1.1.) Um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205.º, n.ºs 1 e 4 al. b), com referência ao artigo 202.º, al. b), todos do Código Penal (caso I, veículo com a matrícula ...-...-NI, ofendido BB), na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

1.2.) Um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205.º, n.ºs 1 e 4 al. b), com referência ao artigo 202.º, al. b), todos do Código Penal (caso V, veículo ...-...-ZD, ofendido CC), na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

1.3.) Um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205.º, n.º.s 1 e 4 al. b), com referência ao artigo 202.º, al. b), todos do Código Penal (caso VII, veículo ...-...-TC, ofendidos DD/EE), na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

1.4.) Um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205.º, n.ºs 1 e 4 al. a), com referência ao artigo 202.º, al. a), todos do Código Penal (caso VIII, veículo ...-BT-..., ofendido FF), na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão;

1.5.) Um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205.º, n.ºs 1 e 4 al. b), com referência ao artigo 202.º, al. b), todos do Código Penal (caso IX, veículo ...-EM-..., ofendido GG), na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

1.6.) Um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205.º, n.ºs 1 e 4 al. a), com referência ao artigo 202.º, al. a), todos do Código Penal (caso XVIII, veículo ...-AL-..., ofendido GG), na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão;

1.7.) Um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205.º, n.ºs 1 e 4 al. a), com referência ao artigo 202.º, al. a), todos do Código Penal (caso XXXV, veículo ...-...-SG, ofendido CC), na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão;

1.8.) Dois crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2 al. a), com referência ao artigo 202.º, al. b), todos do Código Penal (caso I, veículo ...-...-NI, ofendidos CC e HH), na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão por cada um desses crimes;

1.9.) Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2 al. a), com referência ao artigo 202.º, al. b), todos do Código Penal (caso II, veículo ...-AZ-..., ofendida “R…”), na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão;

1.10.) Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2 al. a), com referência ao artigo 202.º, al. b), todos do Código Penal (caso III, veículo ...-...-PX, ofendidas “GE Consumer” e “Banif Go”), na pena de 4 (quatro) anos de prisão;

1.11.) Dois crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2 al. a), com referência ao artigo 202.º, al. b), todos do Código Penal (caso IV, veículo ...-AC-..., ofendido “Santander Consumer” e ofendidos II e “Banco Primus”), nas penas de 3 (três) anos e 3 (três) meses e 4 (quatro) anos de prisão, respetivamente;

1.12.) Dois crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2 al. a), com referência ao artigo 202.º, al. b), todos do Código Penal (caso V, veículo ...-...-ZD, ofendido “BBVA” e ofendidos JJ e “Santander Consumer”), nas penas de 3 (três) anos e 6 (seis) meses e 4 (quatro) anos de prisão, respetivamente;

1.13.) Dois crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2 al. a), com referência ao artigo 202.º, al. b), todos do Código Penal (caso VI, veículo ...-DB-..., ofendido “BBVA” e ofendido KK), na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão por cada desses crimes;

1.14.) Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2 al. a), com referência ao artigo 202.º, al. b), todos do Código Penal (caso VII, veículo ...-...-TC, ofendido LL), na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão;

1.15.) Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, com referência ao artigo 202.º, al. a), todos do Código Penal (caso VIII, veículo ...-BT-..., ofendido LL), na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão;

1.16.) Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2 al. a), com referência ao artigo 202.º, al. b), todos do Código Penal (caso IX, veículo ...-EM-..., ofendida “C…”), na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão;

1.17.) Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, com referência ao artigo 202.º, al. a), todos do Código Penal (caso X, veículo ...-...-VB, ofendido “BBVA”), na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão;

1.18.) Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2 al. a), com referência ao artigo 202.º, al. b), todos do Código Penal (caso XII, veículo ...-EL-..., ofendido MM), na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão;

1.19.) Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2 al. a), com referência ao artigo 202.º, al. b), todos do Código Penal (caso XIII, veículo ...-DM-..., ofendidos “Sofinloc” e “Banco Primus”), na pena de 4 (quatro) anos de prisão;

1.20.) Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2 al. a), com referência ao artigo 202.º, al. b), todos do Código Penal (caso XV, veículo ...-BL-..., ofendida “Credifin”), na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão;

1.21.) Dois crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2 al. a), com referência ao artigo 202.º, al. b), todos do Código Penal (caso XVII, veículo ...-EV-..., ofendidas “Credifin” e “Sofinloc” e ofendido DD), nas penas de 4 (quatro) anos e 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão, respetivamente;

1.22.) Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, com referência ao artigo 202.º, al. a), todos do Código Penal (caso XVIII, veículo ...-AL-..., ofendido NN), na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão;

1.23.) Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2 al. a), com referência ao artigo 202.º, al. b), todos do Código Penal (caso XIX, veículo ...-FN-..., ofendido OO), na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão;

1.24.) Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2 al. a), com referência ao artigo 202.º, al. b), todos do Código Penal (caso XX, veículo ...-BH-..., ofendida “Trade 4 ALL”), na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão;

1.25.) Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2 al. a), com referência ao artigo 202.º, al. b), todos do Código Penal (caso XXII, veículo ...-DV-..., ofendido “Banco Primus”), na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão;

1.26.) Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2 al. a), com referência ao artigo 202.º, al. b), todos do Código Penal (caso XXIV, veículo ...-DF-..., ofendido “BBVA”), na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão;

1.27.) Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2 al. a), com referência ao artigo 202.º, al. b), todos do Código Penal (caso XXVIII, veículo ...-EH-..., ofendidos “R…”, “Banco Primus” e “Credifin”), na pena de 4 (quatro) anos de prisão;

1.28.) Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2 al. a), com referência ao artigo 202.º, al. b), todos do Código Penal (caso XXXII, veículo ...-BX-..., ofendidos “R…”, PP, “Santander Consumer” e “Credifin”), na pena de 4 (quatro) anos de prisão;

1.29.) Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2 al. a), com referência ao artigo 202.º, al. b), todos do Código Penal (caso XXXIII, veículo ...-...-TU, ofendida “Credifin”), na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão;

1.30.) Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2 al. a), com referência ao artigo 202.º, al. b), todos do Código Penal (caso XXXIV, veículo ...-DU-..., ofendido “BBVA”), na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão;

1.31.) Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, com referência ao artigo 202.º, al. a), todos do Código Penal (caso XXXV, veículo ...-...-SG, ofendido QQ), na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão;

1.32.) Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2 al. a), com referência ao artigo 202.º, al. b), todos do Código Penal (caso XXXVI, veículo ...-CO-..., ofendida “GE Consumer”), na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão;

1.33.) Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2 al. a), com referência ao artigo 202.º, al. b), todos do Código Penal (apenso C, veículo ...-FP-..., ofendido RR), na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão;

1.34.) Dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 al. c) do Código Penal (caso I), na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão por cada um desses crimes;

1.35.) Dois crimes de falsificação de documento, um p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 al. c) do Código Penal, e um p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 als. a), c) e d) e n.º 3 do Código Penal (caso III), nas penas de 1 ano e 9 meses de prisão e de 2 anos e 9 (nove) meses de prisão, respetivamente;

1.36.) Dois crimes de falsificação de documento, um p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 al. c) do Código Penal, e um p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 als. a), c) e d) e n.º 3 do Código Penal (caso IV), nas penas 1 ano e 9 meses de prisão e de 2 anos e 9 (nove) meses de prisão, respetivamente;

1.37.) Dois crimes de falsificação de documento, um p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 al. c) do Código Penal, e um p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 als. a), c) e d) e n.º 3 do Código Penal (caso V), nas penas de 1 ano e 9 meses de prisão e de 2 anos e 9 (nove) meses de prisão, respetivamente;

1.38.) Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 als. a), c) e d) e n.º 3 do Código Penal (caso VI), na pena de 2 anos e 9 (nove) meses de prisão;

1.39.) Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 als. c) e d) do Código Penal (caso VII), na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão;

1.40.) Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 als. a), c) e d) e n.º 3 do Código Penal (caso IX), na pena de 2 anos e 9 (nove) meses de prisão;

1.41.) Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 als. a), c) e d) e n.º 3 do Código Penal (caso X), na pena de 2 anos e 9 (nove) meses de prisão;

1.42.) Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 als. a), c) e d) e n.º 3 do Código Penal (caso XI), na pena de 2 anos e 9 (nove) meses de prisão

1.43.) Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 als. a), c) e d) e n.º 3 do Código Penal (caso XII), na pena de 2 anos e 9 (nove) meses de prisão;

1.44.) Dois crimes de falsificação de documento, um p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 al. c) do Código Penal, e um p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 als. a), c) e d) e n.º 3 do Código Penal (caso XIII), nas penas de 1 ano e 9 meses de prisão e de 2 anos e 9 (nove) meses de prisão, respetivamente;

1.45.) Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 als. a), c) e d) e n.º 3 do Código Penal (caso XIV), na pena de 3 (três) anos de prisão;

1.46.) Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 als. a), c) e d) e n.º 3 do Código Penal (caso XV), na pena de 2 anos e 9 (nove) meses de prisão;

1.47.) Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 als. a), c) e d) e n.º 3 do Código Penal (caso XVII), na pena de 2 anos e 9 (nove) meses de prisão;

1.48.) Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 als. a), c) e d) e n.º 3 do Código Penal (caso XVIII), na pena de 2 anos e 9 (nove) meses de prisão;

1.49.) Dois crimes de falsificação de documento, um p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 al. c) do Código Penal, e um p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 als. a), c) e d) e n.º 3 do Código Penal (caso XIX), nas penas de 1 ano e 9 meses de prisão e de 2 anos e 6 (seis) meses de prisão, respetivamente;

1.50.) Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 als. a), c) e d) e n.º 3 do Código Penal (caso XX), na pena de 2 anos e 9 (nove) meses de prisão;

1.51.) Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 als. a), c) e d) e n.º 3 do Código Penal (caso XXII), na pena de 2 anos e 9 (nove) meses de prisão;

1.52.) Dois crimes de falsificação de documento, um p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 al. c) do Código Penal, e um p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 als. a), c) e d) e n.º 3 do Código Penal (caso XXIV), nas penas de 1 (um) ano e 9 (nove) de prisão e de 2 anos e 9 (nove) meses de prisão, respetivamente;

1.53.) Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 als. a), c) e d) e n.º 3 do Código Penal (caso XXV), na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão

1.54.) Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 als. a), c) e d) e n.º 3 do Código Penal (caso XXVII), na pena na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

1.55.) Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 als. a), c) e d) e n.º 3 do Código Penal (caso XXVIII), na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

1.56.) Um crime de falsificação de documento, um p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 al. c) do Código Penal (caso XXXIII), na pena de 1 ano e 9 meses de prisão;

1.57.) Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 al. c) do Código Penal (caso XXXVI), na pena de 1 ano e 9 meses de prisão;

1.58.) Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 als. a), c) e d) e n.º 3 do Código Penal (apenso C), na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Em cúmulo, foi o arguido condenado na pena única de 11 (onze) anos e 6 (seis) meses de prisão.

2. Foram deduzidos pedidos de indemnização civil, tendo o Tribunal da Relação mantido e confirmado o decidido na 1.ª instância, que condenou o arguido/demandado a pagar:

1. À assistente SS, as quantias de € 85.820,09, a título de indemnização por danos patrimoniais, e de € 20.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais, sendo a primeira acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos até integral recebimento, à taxa legal.

2. Ao assistente Banco Comercial Português, S.A., a quantia de € 65.628,13 a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos até integral recebimento, à taxa legal.

3. Ao assistente BNP Paribas Personal Finance, a quantia de € 268.807,85, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos até efetivo recebimento, à respetiva taxa legal, absolvendo-o do mais que lhe vinha peticionado.

4. Ao assistente RR, a quantia de € 42.570 a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos até integral recebimento, à taxa legal, absolvendo-o do mais que lhe vinha peticionado.

5. Ao assistente TT, as quantias de € 1.000 e de € 2.000, respetivamente, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, sendo a primeira acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos até efetivo recebimento, à respetiva taxa legal, absolvendo-o do mais que lhe vinha peticionado.

6. Ao assistente Banco Primus, S.A., as quantias de € 140.783,28 e de € 53.603,03, a título de indemnização por danos patrimoniais, sendo esta última acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos até efetivo recebimento, à taxa legal.

7. Ao Banco Santander Consumer Portugal, S.A., a quantia de € 162.654,90, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos até integral recebimento, à respetiva taxa legal.

8. Ao Banco BBVA – Instituição de Crédito, S.A., a quantia de € 169.939,25, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos até integral recebimento, à respetiva taxa legal, bem como, após o trânsito em julgado do acórdão, da sanção pecuniária compulsória a que alude o art. 829.ºA, n.º 4 do Código Civil.

9. À Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A., a quantia de € 45.990,08, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos até integral recebimento, à taxa legal.

10. A BB, a quantia de € 41.000, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos até integral recebimento, à taxa legal (pedia o demandante em alternativa: a) caso o Tribunal determine a restituição da viatura com a matrícula ...-...-NI, o pagamento de uma indemnização correspondente ao valor da privação do uso, no período compreendido entre janeiro de 2010 e a data em que venha a ocorrer tal restituição, a liquidar na pendência destes autos ou em execução de sentença; b) caso o Tribunal determine a restituição da viatura a outrem, a condenação dos demandados no pagamento da quantia correspondente ao valor de mercado do veículo, à data de janeiro de 2010, a apurar na pendência deste processo ou, se tal não se afigurar possível, em sede de liquidação em execução de sentença; c) em qualquer dos casos, a condenação dos demandados no pagamento dos juros de mora vencidos e vincendos até integral recebimento.

11. A FF, a indemnização, por danos patrimoniais, que vier a ser futuramente liquidada, e a quantia de € 15.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora vincendos e até efetivo recebimento, à taxa legal.

12. A GG, a indemnização, por danos patrimoniais, que vier a ser futuramente liquidada, e a quantia de € 10.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora vincendos até efetivo recebimento, à taxa legal.

13. A Binário Futuro Unipessoal, L.da a quantia de € 6.654,28, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos até integral recebimento, à taxa legal, absolvendo-o do restante pedido formulado.

3. O demandante BB interpôs recurso para o Tribunal da Relação do acórdão proferido em primeira instância, arguindo a nulidade deste, por omissão de pronúncia, em virtude de não ter sido apreciado o pedido principal deduzido no pedido de indemnização civil e a sua substituição por outra que condenasse o arguido AA a restituir ao recorrente a viatura automóvel com a matrícula ...-...-NI e ainda a pagar-lhe indemnização correspondente ao período de privação do uso desta viatura. 

No acórdão proferido em recurso, o Tribunal da Relação apenas se pronunciou sobre o recurso interposto pelo arguido AA quanto aos pedidos de indemnização civil, não tendo apreciado o recurso interposto pelo demandante BB.

Veio, então, o demandante BB arguir, perante a Relação, a nulidade do acórdão, nos termos dos artigos 379.º n.º 1, alínea c), e 425.º, n.º 4, do CPP, por omissão de pronúncia sobre as questões expressamente suscitadas no recurso por si interposto, pedindo a sanação desta nulidade.

Conhecendo da arguição, o Tribunal da Relação, por acórdão de 29 de abril de 2021, decidiu nos seguintes termos:

a) Manter a validade do acórdão no referente ao decidido na parte crime quanto ao recurso do arguido;

b) Conceder parcial provimento à pretensão formulada, ou seja, na medida de nulidade do acórdão deste Tribunal da Relação enquanto se não pronunciou no relativo aos fundamentos/pretensão constantes do recurso interposto pelo demandante cível ao confirmar, sem mais, a decisão da 1.ª instância no tocante ao pedido civil deduzido por aquele BB;

c) Não confirmar o apontado segmento da decisão da 1.ª instância, na parte em que decidiu condenar o arguido/demandado AA no pagamento da quantia de € 41.000 (quarenta e um mil euros) a BB, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora vencidos desde o dia 11 de janeiro de 2010 e vincendos até integral recebimento, à taxa legal, e na medida em que o tribunal a quo se não pronunciou, quanto aos termos invocados no recurso, com omissão de diligências essenciais e, assim, insuficiência de elementos de facto para tanto bastantes; e,

d) Não conhecer, como pretendido, do pedido de indemnização civil deduzido por BB, sem reenvio dos autos, antes remetendo, nos termos do disposto no art.º 82.º, n.º 3, do CPP, o demandante e as demais parte(s) interveniente(s) para os meios civis”.

4.  Discordando do decidido pelo Tribunal da Relação, vem agora o arguido AA interpor recurso dos acórdãos da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando motivações em que conclui nos seguintes termos (transcrição):

4.1. Quanto ao recurso do acórdão do Tribunal da Relação de 25 de fevereiro de 2021:

1.   O Acórdão do Tribunal da Relação ……, proferido nestes autos em 25 de Fevereiro de 2021 é recorrível (em toda a sua extensão, i.e., mesmo na parte respeitante às penas parcelares aplicadas ao Arguido AA), na medida em que aplicou ao Arguido uma pena única superior a 8 anos de prisão, devendo, por conseguinte, ser admitido o recurso que ora se interpõe (em toda a sua extensão).

2.  Atenta a vigência do princípio fundamental da recorribilidade e não se reconduzindo o Acórdão recorrido a qualquer previsão de irrecorribilidade resultante do disposto no artigo 400.º, n.º 1, do CPP, ou de qualquer outra norma legal, nenhuma dúvida pode restar quanto à sua recorribilidade (total).

3.  A orientação jurisprudencial segundo a qual, em caso de concurso de crimes, o âmbito do recurso está limitado negativamente pela medida das penas parcelares aplicadas a cada um dos crimes não é juridicamente sustentável.

4.  Tal orientação jurisprudencial encontra logo na letra da lei um obstáculo intransponível, porquanto não é conciliável com as expressões “acórdãos” e “pena de prisão”, constantes do artigo 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), do CPP.

5.  Também uma interpretação sistematicamente fundada dos preceitos legais em causa faz cair por terra a referida orientação jurisprudencial, uma vez que o artigo 400.º do CPP não regula o âmbito do recurso. O artigo 400.º do CPP regula apenas a matéria da admissibilidade do recurso, consagrando alguns dos casos de irrecorribilidade previstos na lei. Contudo, desse artigo, não decorre qualquer limitação ao âmbito de um recurso que seja admissível.

6.  Quanto ao âmbito do recurso regem as normas legais vertidas nos artigos 402.º e 403.º do CPP, e delas não resulta a possibilidade de o Supremo Tribunal de Justiça, no caso de concurso de crimes, restringir motu proprio o âmbito do recurso – admissível, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 399.º e 400.º do CPP – à pena conjunta, quando as penas parcelares sejam inferiores a 8 anos (ou a 5 anos). Diversamente, de tais normas resulta claro que a decomposição da decisão, para efeitos de recurso, é algo que apenas pode ser feito por quem recorre.

7.  Sendo que o disposto no artigo 434.º do CPP não suscita qualquer problema no caso vertente, já que o recurso interposto pelo Arguido AA versa exclusivamente sobre matéria de direito.

8.  Assim sendo, não se verificando, in casu, qualquer limitação legal ou voluntária dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, os mesmos terão de abranger necessariamente toda a decisão recorrida, nos termos definidos pelas conclusões do recurso interposto pelo Arguido.

9.  Acresce que, utilizando o artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP,  o critério da pena concreta aplicada para determinar a admissibilidade de recurso de primeiro grau para o Supremo Tribunal de Justiça, nos mesmos exactos termos em que o utiliza o artigo 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), do CPP, uma visão sistemática e integrada do processo penal não suportará uma interpretação destes artigos, para determinar a admissibilidade de recurso de segundo grau para o Supremo Tribunal de Justiça, que divirja dos critérios fixados no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 5/2017. 

10.      Por fim, também por recurso ao elemento histórico da interpretação não se encontra autorizada a referida orientação jurisprudencial na medida em que a supressão legislativa da expressão “mesmo em caso de concurso de infracções” tem de significar a indistinção, para efeitos de acesso à jurisdição do Supremo Tribunal de Justiça, entre as situações de pena singular e de pena única.

11.      Não é, pois, possível, sustentar de forma juridicamente fundada que as penas parcelares aplicadas ao Arguido AA, por serem inferiores a 8 anos de prisão, estejam excluídas do objecto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça legalmente traçado, convocando, para o efeito o disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP (ou qualquer outra normal legal).

12.     Uma tal interpretação traduzir-se-ia ainda, e entre o mais, numa gritante violação do princípio da legalidade criminal, e do direito ao recurso do arguido, garantias basilares do processo penal com assento constitucional.

13.     Com efeito, através de um raciocínio analógico, restringe-se o direito ao recurso do arguido, legalmente previsto, à sindicância da pena conjunta, o que se traduz, necessariamente num enfraquecimento da posição processual do Arguido e numa compressão intolerável do conteúdo do direito ao recurso, na medida em que frusta a intenção do legislador de reforçar as garantias de defesa do arguido, atendendo à gravidade da pena aplicada, através da consagração da possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

14.     Assm: o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, interpretado e aplicado no sentido de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objecto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, é nessa interpretação e aplicação materialmente inconstitucional, por violação dos princípios do Estado de Direito democrático, da restrição mínima de direitos, liberdades e garantias, da garantia de acesso aos tribunais, do processo justo e equitativo, da legalidade criminal e do direito ao recurso, com consagração expressa nos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.ºs 1 e 4, 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

15.      O artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, interpretado e aplicado no sentido de que os acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que, em caso de concurso de crimes, confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena conjunta de prisão superior a 8 anos, não são recorríveis na parte respeitante às questões relativas aos crimes em que foram aplicadas penas parcelares iguais ou inferiores a 8 anos de prisão e se verifica dupla conforme, é nessa interpretação e aplicação materialmente inconstitucional, por violação dos princípios do Estado de Direito democrático, da restrição mínima de direitos, liberdades e garantias, da garantia de acesso aos tribunais, do processo justo e equitativo, da legalidade criminal e do direito ao recurso, com consagração expressa nos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.ºs 1 e 4, 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

16.  O artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, interpretado e aplicado no sentido de que os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça estão delimitados negativamente pela medida das penas parcelares aplicadas pelo Tribunal da Relação, não sendo admissível recurso das penas parcelares iguais ou inferiores a 8 anos quando se verifique dupla conforme, é nessa interpretação e aplicação materialmente inconstitucional, por violação dos princípios do Estado de Direito democrático, da restrição mínima de direitos, liberdades e garantias, da garantia de acesso aos tribunais, do processo justo e equitativo, da legalidade criminal e do direito ao recurso, com consagração expressa nos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.ºs 1 e 4, 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

17.       Sendo que, também o artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, interpretado e aplicado no sentido de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objecto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão, é nessa interpretação e aplicação materialmente inconstitucional, por violação dos princípios do Estado de Direito democrático, da restrição mínima de direitos, liberdades e garantias, da garantia de acesso aos tribunais, do processo justo e equitativo, da legalidade criminal e do direito ao recurso, com consagração expressa nos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.ºs 1 e 4, 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

18.   O artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, interpretado e aplicado no sentido de que os acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que, em caso de concurso de crimes, confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena conjunta de prisão superior a 8 anos, não são recorríveis na parte respeitante às questões relativas aos crimes em que foram aplicadas penas parcelares iguais ou inferiores a 5 anos de prisão, é nessa interpretação e aplicação materialmente inconstitucional, por violação dos princípios do Estado de Direito democrático, da restrição mínima de direitos, liberdades e garantias, da garantia de acesso aos tribunais, do processo justo e equitativo, da legalidade criminal e do direito ao recurso, com consagração expressa nos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.ºs 1 e 4, 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

19.   O artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, interpretado e aplicado no sentido de que os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça estão delimitados negativamente pela medida das penas parcelares aplicadas pelo Tribunal da Relação, não sendo admissível recurso das penas parcelares iguais ou inferiores a 5 anos, é nessa interpretação e aplicação materialmente inconstitucional, por violação dos princípios do Estado de Direito democrático, da restrição mínima de direitos, liberdades e garantias, da garantia de acesso aos tribunais, do processo justo e equitativo, da legalidade criminal e do direito ao recurso, com consagração expressa nos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.ºs 1 e 4, 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

20.     Por tudo quanto se deixou exposto, resulta, assim, evidente a possibilidade de, in casu, interpor recurso de toda a decisão, quanto à matéria de direito, sem quaisquer cisões artificiais, termos em que deve o presente recurso do Arguido AA ser admitido em toda a sua extensão, abrangendo necessariamente o conhecimento das questões relativas às penas parcelares.

21.   O Acórdão recorrido, omitindo a pronúncia sobre a irregularidade por falta de fundamentação invocada pelo Arguido (nos termos do disposto no artigo no artigo 205.º, n.º 1, da CRP e no artigo 97.º, n.ºs 2 e 5, do CPP), no recurso que interpôs da decisão do Tribunal de 1.ª instância, ditada para a acta em 3 de Dezembro de 2018, deixou de se pronunciar sobre questão que devia apreciar e decidir, o que necessariamente determina a sua nulidade, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), ex vi artigo 425.º, n.º 4, do CPP, que aqui se invoca para todos os efeitos legais, devendo o Acórdão recorrido ser declarado nulo e substituído por outro que declare a invocada irregularidade, com as necessárias consequências legais.

22.    E ainda que assim não se entenda – o que apenas se equaciona por mero dever de cautela de patrocínio –, sempre estaremos perante uma irregularidade do Acórdão recorrido, nos termos do artigo 123.º, n.º 1, do CPP, e com os mesmos fundamentos, a qual, para todos os efeitos, se deixa também desde já expressamente invocada.

23.    O Acórdão recorrido falha também pela total ausência de uma exposição concretizada e individualizada que permita sustentar (e perceber) o juízo decisório que é extraído a final relativamente à subsunção dos (inúmeros) factos dados por provados aos (inúmeros) crimes de abuso de confiança, burla qualificada e falsificação de documento pelos quais o Arguido AA vem condenado.

24.    A ausência de um estrito cumprimento das exigências de fundamentação próprias de qualquer sentença ou acórdão penal obstaculiza, entre o mais, o exercício, pelo Arguido, dos direitos de defesa e ao contraditório (cfr. artigo 32.º, n.ºs 1 e 5, da Lei Fundamental).

25.     Estamos, assim, perante um vício que, por si só, invalida toda a decisão judicial em apreço, a qual é nula, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), ex vi artigo 425.º, n.º 4, do CPP, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 374.º do mesmo diploma legal, nulidade que se deixa, desde já, expressamente invocada, para os devidos efeitos legais, e que deve ser reconhecida e declarada.

26.   E ainda que assim não se entenda – o que apenas se equaciona por mero dever de cautela de patrocínio –, sempre estaremos perante uma irregularidade do Acórdão recorrido, nos termos do artigo 123.º, n.º 1, do CPP, e com os mesmos fundamentos, a qual, para todos os efeitos, se deixa também desde já expressamente invocada.

27.      A norma que resulta da conjugação dos 374.º, n.º 2, 375.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, alínea a), e artigo 425.º, n.º 4, do CPP, interpretada e aplicada no sentido de que, em caso de concurso de crimes, não é obrigatório, na fundamentação da decisão final proferida em processo penal, subsumir os factos imputados ao arguido a cada um dos crimes de forma individualizada, é, nessa interpretação, materialmente inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, e 32.º, n.ºs 1 e 5, e 205.º, n.º 1, da CRP, inconstitucionalidade que se invoca para todos os efeitos legais.

28.    Acresce que o Tribunal a quo também não individualiza nem particulariza os juízos e as conclusões que adianta por referência a cada uma dos 70 (setenta) crimes imputados ao Arguido, o que impede o controlo da racionalidade da medida de cada uma das penas parcelares, e, por conseguinte, o exercício cabal e efectivo do direito de defesa do Arguido.

29.      Também por essa razão, a Decisão final é nula, resultante da absoluta falta de fundamentação da medida das 70 (setenta) penas parcelares, e assim deve ser declarada, decorrendo tal nulidade da conjugação dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), ex vi artigo 425.º, n.º 4, todos do CPP, o que se invoca para todos os efeitos.

30.   E ainda que assim não se entenda – o que apenas se equaciona por mero dever de cautela de patrocínio –, sempre estaremos perante uma irregularidade do Acórdão recorrido, nos termos do artigo 123.º, n.º 1, do CPP, e com os mesmos fundamentos, a qual, para todos os efeitos, se deixa também desde já expressamente invocada.

31.     A norma que resulta da conjugação dos artigos 374.º, n.º 2, 375.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, alínea a), e artigo 425.º, n.º 4, do CPP, interpretada e aplicada no sentido de que, em caso de concurso de crimes, não é obrigatório, na decisão final proferida em processo penal, fundamentar de forma individualizada cada uma das penas parcelares aplicada, independentemente da fundamentação relativa à determinação da pena única, é, nessa interpretação, materialmente inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, 32.º, n.ºs 1 e 5, e 205.º, n.º 1, da CRP, inconstitucionalidade que se invoca para todos os efeitos legais.

32.    Também a fundamentação oferecida pelo Tribunal a quo para sustentar a (nova) pena única aplicada ao Arguido AA se revela manifestamente insuficiente, limitando-se o Tribunal a quo a transcrever breves trechos da fundamentação (já expirada –  atenta a novidade da pena única) da decisão do Tribunal de 1.ª instância e a remeter para “as circunstâncias dos factos, os crimes cometidos e a personalidade do arguido evidenciada nos autos sem esquecer a culpa e as necessidades de prevenção”, sem retomar, mesmo que sinteticamente, os factos que integram as condutas em causa, relacionando-os entre si e com a personalidade do Arguido AA, bem como, sem concretizar as exigências de prevenção e os efeitos previsíveis da pena única (de efectiva privação de liberdade) sobre o comportamento do Arguido AA,

33.    O que determina a nulidade do Acórdão recorrido, nos termos dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), ex vi artigo 425.º, n.º 4, do CPP, que aqui se invoca expressamente, para todos os efeitos legais, e que deve ser reconhecida e declarada, com as necessárias consequências.

34.   E ainda que assim não se entenda – o que apenas se equaciona por mero dever de cautela de patrocínio –, sempre estaremos perante uma irregularidade do Acórdão recorrido, nos termos do artigo 123.º, n.º 1, do CPP, e com os mesmos fundamentos, a qual, para todos os efeitos, se deixa também desde já expressamente invocada.

35.       A norma que resulta da conjugação dos artigos 374.º, n.º 2, 375.º, n.º1, 379.º, n.º 1, alínea a), e artigo 425.º, n.º 4, do CPP, interpretada e aplicada no sentido de que, em caso de concurso de crimes, não é obrigatório, na decisão final proferida em processo penal, fundamentar a determinação da pena única por referência aos critérios legais constantes do artigo 77.º do CP, é, nessa interpretação, materialmente inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, e 32.º, n.ºs 1 e 5 e 205.º, n.º 1, da CRP, inconstitucionalidade que se invoca para todos os efeitos legais.

36.   O Tribunal de 1.ª instância, sob a veste de uma pretensa e inofensiva alteração não substancial de factos, pretende, com a alteração dos factos referentes ao caso XII), proceder à transformação de uma conduta atípica numa conduta típica.

37.   Com efeito, por referência aos factos aglutinados sob a designação de caso XII), é imputada ao Arguido AA, na Acusação deduzida pelo Ministério Público, a prática, em autoria material e em concurso real, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), com referência ao artigo 202.º, alínea b), todos do CP, e um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a), c) e d), com referência ao artigo 255.º, alínea a), do mesmo diploma legal.

38.   No entanto, relativamente ao crime de burla, lendo-se a Acusação do Ministério Público não é possível descortinar quaisquer factos que, ainda que abstractamente considerados, sejam aptos a concluir pelo emprego de astúcia na provocação do erro ou engano.

39.    Dos factos constantes da Acusação resulta apenas que, no momento da venda “o Arguido AA declarou ao comprador MM que o veículo se encontrava livre de ónus e encargos, circunstância que ele confiou ser verdade, razão pela qual comprou o veículo”, ou seja, resulta apenas que o Arguido AA provocou em MM um erro ou engano sobre os factos.

40.       Por via do aditamento do facto m) supra citado – donde se extrai que o Arguido AA, por forma a convencer MM dos factos falsos, exibiu o documento único automóvel emitido no dia 28 de novembro de 2007, do qual constava o respetivo registo em nome da sociedade “A........, L.da” e “Daimlerchrysler Services Portugal – Instituição Financeira de Crédito, S.A, nisso se concretizando o meio de enganar com especial habilidade – , visa o Tribunal de 1.ª instância, justamente, suprir essa falha da Acusação.

41.    Ora, sem prejuízo de tudo quanto se disse no Capítulo VI., Subcapítulo A), deste recurso, onde se demonstrou cabalmente que os factos narrados na Acusação do Ministério Público, por referência ao caso XII), jamais poderiam consubstanciar a prática, pelo Arguido AA, do crime de burla, mesmo que alterados nos moldes propostos pelo Tribunal de 1.ª instância – i.e., mesmo que conjuntamente considerados com os resultantes da alteração de factos que agora se analisa – , a verdade é que o Tribunal de 1.ª instância não poderia ter aditado o facto constante da alínea m) supra citada.

42.     Pois, tal como decorre da jurisprudência fixada do Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão n.º 1/2015, perante a omissão na acusação de elementos constitutivos do tipo objectivo (ou subjectivo) do ilícito criminal, está vedada ao tribunal de julgamento a aplicação dos regimes constantes dos artigos 358.º e 359.º do CPP, na medida em que tal operação redundaria na conversão de uma conduta penalmente atípica, e por insusceptível de gerar responsabilidade penal, numa conduta penalmente típica, geradora de responsabilidade criminal.

43.   Deste modo, por tudo quanto se deixou dito, impõe-se concluir que o Acórdão recorrido deveria ter absolvido o Arguido AA da prática de tal crime ou, pelo menos, deveria ter declarado a nulidade da decisão de 1.ª instância, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea b), do CPP, e com as necessárias consequências legais.

44.   Mal andou também o Tribunal a quo quando analisou a alteração de factos relativa ao caso VIII).

45.   Com efeito, por  referência aos factos aglutinados sob a designação de caso VIII), procedeu também o Tribunal de 1.ª instância, no referido Acórdão de 7 de Novembro de 2018, a uma alteração da qualificação jurídica, nos termos do disposto no artigo 358.º, n.º 3, do CPP, segunda a qual os factos constantes no Caso VIII) em que é ofendido FF são susceptíveis de consubstanciar a prática, pelo Arguido AA, de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205.º, n.º 1 e n.º 4, alínea a), do CP, com referência ao artigo 202.º, alínea a), do mesmo diploma legal.

46.       Acontece que a alteração da qualificação jurídica resultante da alteração dos factos reger-se-á sempre, e em qualquer caso, pelo regime da alteração de factos, o que implicará averiguar, segundo os critérios estabelecidos no artigo 1.º, alínea f), do CPP, se a alteração em causa se traduz numa alteração de factos não substancial, aplicando-se o regime do artigo 358.º do CPP, ou, diversamente, numa alteração de factos substancial, à qual será aplicável o regime do artigo 359.º do CPP.

47.    Ora, percorrendo esse caminho no caso em análise, não pode restar qualquer dúvida de que o aditamento do facto novo l) significa a imputação de um crime diverso daquele pelo qual o Arguido vinha acusado (a saber: crime de falsificação de documentos), e tanto assim é que o próprio Tribunal de 1.ª instância procedeu (ainda que indevidamente) à alteração da qualificação jurídica, imputando ao Arguido um crime substancialmente diverso, o crime de abuso de confiança.

48.      Mas mesmo que alguma dúvida restasse, sempre teria tal alteração de factos de ser qualificada como substancial, nos termos do disposto no artigo 1.º, alínea f), do CPP, porquanto se verifica um aumento dos limites máximos da pena aplicável, passando de 3 para 5 anos de prisão.

49.       À luz do exposto, impõe-se a conclusão de que o Tribunal de 1.ª instância, ao tomar em consideração o facto supra transcrito na condenação do Arguido AA, violou a regras constantes dos artigos 358.º e 359.º do CPP, pelo que mal andou o Tribunal a quo ao não declarar a invocada nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea b), do CPP.

50.       Termos em que se impõe concluir que também o Acórdão recorrido deve ser declarado nulo, nos termos do artigo 120.º, n.º 2, alínea d) e do artigo 122.º, n.º 1 CPP.

51.    Também a nulidade invocada pelo Arguido AA, no recurso que apresentou da decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, decorrente da omissão de realização de perícias à letra e assinatura de vários documentos, diligências probatórias que se afiguravam – continuam a afigurar – essenciais para a descoberta da verdade material, nos termos do disposto no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP, foi incorrectamente julgada pelo Tribunal a quo.

52.     Com efeito, a comparação de letras e assinaturas é matéria que exige conhecimentos técnicos específicos, conhecimentos técnicos esses que o Tribunal de 1.ª instância admitiu não possuir.

53.    Contrariamente ao sustentado pelo Tribunal a quo, o facto de a lei não prever expressamente a obrigatoriedade de realização de tal perícia, não invalida, só por si, a verificação da nulidade consagrada no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP, pois, tal como tem sido sucessivamente afirmado pela jurisprudência, “a ausência de perícia pode implicar vício do processado abarcável pela parte final da alínea d) do n.º 2 do art. 120º do CPP, sempre que, não obstante a inexistência de literal e específica exigência legal de realização da mesma, ocorra situação em que a essencialidade probatória dela se revele, segundo um critério de necessidade ponderado pela especial natureza dos conhecimentos em causa”. ( )

54.   Acresce que, também contrariamente ao sustentado no Acórdão recorrido, tal procedimento técnico não pode ser substituído por diligências não-técnicas alternativas, como seja, por exemplo, a inquirição de testemunhas.

55.   Deste modo, a omissão da realização de tais perícias configura uma nulidade processual, nos termos do artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP, susceptível de ser invocada – como foi – em sede de recurso da decisão de 1.ª instância, pelo que, mal andou o Tribunal a quo ao considerar no acórdão recorrido que “nenhuma nulidade se pode ter por verificada com a sua não produção”, 

56.     Termos em que se impõe concluir que também o Acórdão recorrido deve ser declarado nulo, nos termos do artigo 120.º, n.º 2, alínea d) e do artigo 122.º, n.º 1 CPP.

57.    Relativamente ao putativo enquadramento jurídico-penal dos factos, o Tribunal da Relação, para além de não ter procedido a uma subsunção concretizada e individualizada dos factos aos tipos criminais imputados ao Arguido, exercício a que estava obrigado, limitou-se a reproduzir expressis verbis os entendimentos anteriormente explanados e sufragados pelo Tribunal de 1.ª instância, no Acórdão de 3 de Dezembro de 2018, assim persistindo nas mesmas lacunas e nos mesmos erros, sem qualquer contributo novo ou adicional.

58.    O Acórdão recorrido imputa ao Arguido a prática de um total de 31 (trinta e um) crimes de burla, na sua forma qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), por referência ao artigo 202.º, alíneas a) e b), do CP, sem que, contudo, exista qualquer suporte factual, na decisão sobre a matéria de facto, que permita suporte esse juízo.

59.       Principiando pela burla, do ponto de vista típico, este crime compreende três elementos objectivos fundamentais, cumulativos e imprescindíveis, tipicamente unidos por um recíproco nexo de causalidade: (i) engano ou erro astuciosamente provocados pelo agente; (ii) a prática de acto de disposição patrimonial pelo enganado (em razão do erro ou engano astuciosamente provocados pelo agente); e (iii) prejuízo patrimonial para a vítima do crime (em razão da prática dos actos de disposição patrimonial praticados).

60.   Assim, só há burla quando a disposição patrimonial e o correspondente prejuízo sejam directamente gerados por acto do enganado, actuando este motivado por erro ou engano que lhe foi provocado pelo agente do crime.

61.       Faltando a verificação de qualquer destes elementos típicos ou o necessário nexo causal entre eles, não é possível concluir-se pelo preenchimento da norma incriminadora do artigo 217.º, n.º 1, do CP.

62.    Ora, analisando o Acórdão recorrido, não é possível perceber como é que o Tribunal a quo enquadrou qualquer dos agrupamentos de factos provados (“casos”) como consubstanciando a prática de burla, o que implica que seja a defesa a efectuar um exercício metodológico de tentativa de compreensão do raciocínio adoptado pelo Tribunal a quo.

63.   De acordo com a narrativa da decisão sobre a matéria de facto, o Arguido AA, atenta a sua actividade profissional, teria alegadamente alienado vários veículos automóveis a sujeitos jurídicos distintos, entre pessoas singulares e pessoas colectivas, que invariavelmente se socorriam do crédito (mediante a celebração de contratos de mútuo) junto de diferentes instituições financeiras para pagar o preço devido pela aquisição da viatura, as quais beneficiariam do registo de reserva de propriedade a seu favor até à integral liquidação dos valores mutuados.

64.   Mais tarde, por motivos diversos, os mesmos adquirentes confiavam ao Arguido AA, uma vez mais atenta a sua actividade de intermediário na compra e venda de veículos automóveis, a tarefa de procurar alguém interessado em adquirir o veículo anteriormente comprado – vindo a ser utilizado o valor da nova alienação na amortização do capital mutuado pela instituição financeira.

65.       Uma vez encontrado um novo adquirente, de acordo ainda com a decisão sobre a matéria de facto, o Arguido AA celebraria um contrato de compra e venda do veículo com o novo adquirente (o qual também pagava o preço devido pela viatura mediante a prévia celebração de um contrato de mútuo) e, de forma a permitir que fosse registada nova reserva de propriedade do veículo a favor da instituição financeira que celebrava contrato de mútuo com o novo adquirente, o Arguido AA conseguiria, por meios não concretizados na matéria de facto provada, apresentar junto da Conservatória do Registo Automóvel requerimento destinado à extinção do registo de reserva de propriedade a favor da instituição financeira que celebrara contrato de mútuo com o primeiro adquirente – e o Arguido não prestaria contas da segunda aquisição ao primeiro proprietário.

66.    Assim, em todos os “casos”, os veículos automóveis eram confiados ao Arguido para que este procedesse à sua alienação, daí que o ponto de partida para o putativo logro coincida com uma conduta que não é imputada ao próprio Arguido, antes dependia da vontade e da acção de um terceiro, o proprietário do veículo.

67.       E o preenchimento do crime de burla não se basta com um potencial (e apenas alegado) “aproveitamento” de conduta de terceiro pelo agente da prática do facto – e muito menos poderá daí concluir-se que esse terceiro, que está na génese dos factos, seja ofendido, na acepção jurídico-penal do conceito.

68.       Em rigor, nas situações de facto em causa nos autos não se verifica um engano praticado pelo agente que motive a criação de uma situação de erro, na esfera jurídica de outrem, conduzindo esse outrem à prática de um acto de disposição patrimonial, por força do erro em que se viu colocado, devido ao engano orquestrado pelo agente da prática do facto, pois, se o adquirente original de cada veículo não o entregasse ao Arguido para este procurar novo adquirente, toda a restante sucessão de acontecimentos que o Acórdão recorrida considera penalmente relevantes não teria ocorrido.

69.       Falta, por isso, o primeiro elemento típico da burla, o erro ou engano astuciosamente provocado pelo agente, na medida em que não era o Arguido quem originava sequer a situação de facto, na qual o Tribunal a quo considerou verificar-se burla.

70.     A conclusão pela ausência de erro ou engano astuciosamente criado pelo agente é ainda mais notória nos “casos” I (factos 36 e 45), II (factos 47, 49 e 60), XXVIII (factos 435 e 451) e XXXII (factos 488 e 497), nos quais é expressamente julgado provado que o alegado erro ou engano não têm origem no Arguido, devendo este ser absolvido da prática do crime de burla relativamente a esses “casos”, por ausência de verificação dos seus elementos objectivos.

71.       Quanto aos demais “casos”, o Acórdão recorrido confunde eventuais vícios negociais próprios do direito civil com elementos típicos do crime de burla, uma vez que, pelo menos nos “casos” III (facto 63), IV (facto 82), X (facto 178), XII (facto 229), XIX (facto 330), XXIV (facto 393), XXXIII (factos 502, 503 e 510), a factualidade julgada provada reconhece directamente que apenas estava em causa a simulação de negócio jurídico, sem mais – e, no facto provado 517), o Tribunal a quo expressamente reconheceu que apenas estava em causa uma dívida com relevância civilística.

72.    Ora, situações de erro associadas a negócio jurídico simulado ou dívidas entre privados não assumem desvalor (autónomo) penalmente relevante, esgotando-se a sua relevância no regime da falta e vícios da vontade dos negócios jurídicos, nos termos dos artigos 240.º e ss. do Código Civil, que conferem tutela suficiente para situações como aquelas de que curam os autos, sem necessidade de fazer intervir um direito de ultima ratio, como o direito penal.

73.       Também nos “casos” XV (facto 259 e 263 e ss.), XVII (facto 292 e 302), XXII (factos provados 369 e ss., em particular facto 375), e XXXV (factos 527 e 530), está apenas em causa, de acordo com a factualidade julgada provada, a ausência de registo de reserva de propriedade do veículo ou de registo da transferência da propriedade, ou mesmo a falta de liquidação de dívidas a instituições financeiras.

74.    Nesses agrupamentos de factos, e em todos os demais, a potencial relevância desvaliosa dos comportamentos aí descritos esgota-se, pois, no domínio do direito privado, nas relações entre privados, não ascendendo ao patamar da dignidade penal, caso contrário violar-se-ia o princípio da necessidade de intervenção penal, nem sequer permitindo concluir pela verificação concreta dos elementos objectivos do tipo legal de crime do artigo 217.º, n.º 1, do CP, devendo, por conseguinte, o Arguido ser absolvido da prática dos crimes de burla por que vem condenado.

75.      A norma penal do artigo 217.º, n.º 1, do CP, em qualquer uma das suas redacções, interpretada e aplicada no sentido de que condutas que se traduzam em situação de erro civilmente relevante, sendo suficientes e adequados os mecanismos do direito civil para sanar a situação, são susceptíveis de preencher, simultaneamente, o ilícito criminal de burla, p. e p. pelo artigo 217.º, n.º 1, do CP, é, nessa interpretação, materialmente inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 1.º, 2.º, 3.º, n.º 2, 13.º, 18.º, n.º 2, 20, n.ºs 1 e 4, 29.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que, para os devidos efeitos, se deixa expressamente invocada.

76.    Para tentar suportar a imputação do crime de burla, o Acórdão recorrido, nos vários agrupamentos de factos, julgou provado que o Arguido teria declarado ao interessado em adquirir cada veículo automóvel que este se encontrava “livre de quaisquer ónus ou encargos” – no entanto, tal declaração não permite concluir pela criação astuciosa de erro ou engano, para efeitos do tipo legal de crime do artigo 217.º, n.º 1, do CP, mas apenas para efeitos de erro civilmente relevante, nos termos dos artigos 251.º e ss. do Código Civil, enquanto erro relevante para efeitos de determinação da vontade negocial dos adquirentes.

77.       Além disso, nos “casos” I (factos 31 e 39), IX (facto 68) e XVIII (facto 318), o Acórdão recorrido nem sequer julgou provado que essa declaração de que o veículo se encontrava “livre de quaisquer ónus ou encargos” havia sido determinante para que o interessado adquirisse efectivamente o veículo, o que também afasta a verificação do necessário nexo causal entre o erro astuciosamente criado e o acto de disposição patrimonial, com prejuízo, da vítima.

78.     Assim, por tudo isto, deve o Arguido ser absolvido da prática dos crimes de burla por que vem condenado, uma vez que o respectivo tipo legal de crime não se encontra preenchido.

79.  Mas, ainda que se concluísse pelo preenchimento dos elementos objectivos do crime de burla, a verdade é se trata de um crime doloso, por isso pressupondo a verificação cumulativa do elemento intelectual e volitivo, e que inclusive exige um dolo específico, enquanto “intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo”.

80.     Sucede que, analisada a factualidade provada, por referência a cada “caso”, não é possível encontrar, de entre os factos provados, as circunstâncias factuais que teriam permitido concluir pela verificação do elemento subjectivo da burla, em particular o dolo específico.

81.   Essa conclusão é ainda mais evidente quanto ao “caso XXXIX”, no qual não foi de todo julgado provado o elemento subjectivo do crime de burla – isto é, compulsada a factualidade relativa àquele “caso”, não se encontra qualquer facto que tenha sido julgado provado pelo Tribunal a quo que permita daí retirar que o Arguido representou e quis praticar conduta típica de burla, muito menos a exigência de dolo específico (e o que assim se afirma não é afastado pelo que resulta do facto 597), uma vez que essa circunstância de facto apenas contende com a alegada imputação do crime de falsificação de documento).

82.     Pelo que, em face da ausência de verificação de dolo e de factos que permitissem julgar provada a verificação do elemento subjectivo do crime, deve o Arguido AA ser absolvido da prática do crime de burla por que vem condenado, por referência ao “caso XXXIX”.

83.   Analisada a factualidade provada nos demais “casos”, resulta claro que o Arguido AA nunca representou o seu comportamento como consubstanciando um erro ou engano astuciosamente provocado, em ordem a conduzir um terceiro a praticar um acto de disposição patrimonial que lhe causaria prejuízo, nem o cidadão médio, colocado na mesma situação do Arguido, representaria tais condutas como preenchendo o crime de burla.

84.    Daí que o Arguido não representou as circunstâncias fácticas da sua conduta como preenchendo qualquer elemento típico do crime de burla, nem manifestou uma vontade dirigida à sua realização, devendo ser absolvido da prática dos crimes de burla por que vem condenado.

85.   Nos “casos” em que o Acórdão recorrido entende que o Arguido terá praticado crime de burla, a decisão relativa à matéria de facto julgou provado, relativamente a cada “caso”, que o Arguido apenas agira em representação de uma das pessoas colectivas arguidas nos autos (e que viriam a ser absolvidas da prática de qualquer ilícito penal), como resulta, a título exemplificativo, dos factos 25), 29), 63), 132), 147), 162), 178), 196), 208), 226), 256), 310), 328), 359), 369), 391), 434), 486), 500), 510), 525) e 534).

86.       Contudo, a mesma decisão relativa à matéria de facto veio a concluir que o Arguido AA, mediante as suas condutas pretensamente típicas de burla, se teria locupletado no seguimento da celebração dos contratos de compra e venda de automóveis e respectivos financiamentos analisados no Acórdão, sem julgar provado como é que, mesmo agindo sempre em representação de pessoas colectivas, o Arguido se poderia locupletar directamente com os referidos financiamentos.

87.    O que contribui para reforçar a impossibilidade de se concluir pela verificação do dolo específico do crime de burla, nos termos do artigo 217.º, n.º 1, do CP.

88.    Por fim, recorde-se que o Acórdão recorrido julgou provado que, entre o final de 2007 e o início de 2008, “o Arguido AA recorreu a um financiamento junto do “Grupo Gallego de Gestión”, no montante de € 1.500.000, celebrando para o efeito, o respectivo contrato de mútuo, no dia 25 de janeiro de 2008” (facto 606), o que coincide, temporalmente, com os primeiros factos julgados provados nestes autos e, em particular, no Acórdão recorrido.

89.    Ora, é contraditório julgar provado o que consta do facto provado 606) e, simultaneamente, concluir-se pela verificação de dolo, sobretudo da exigência de dolo específico, num total de 31 (trinta e um) “casos”, pois não faria sentido o Arguido delinear uma resolução criminosa com o objectivo de “obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo”, se já havia celebrado um contrato de financiamento no valor de € 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros).

90.   Assim, também por isto que ora se expõe, é inelutável concluir-se que o Arguido AA não poderia ter agido com dolo, muito menos o dolo específico exigido pela norma incriminadora do artigo 217.º, n.º 1, do CP. 

91.       O crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205.º, n.º 1, do CP, tutela a propriedade como bem jurídico carecido de protecção penal e, para o seu preenchimento, pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes elementos: (i) apropriação de coisa móvel; (ii) essa apropriação tem de ser ilegítima; e (iii) a coisa móvel necessariamente havia sido, em momento prévio, entregue ao agente por título não translativo da propriedade, pois exige-se que o agente da prática do facto actue com animus domini.

92.    Analisados os factos julgados provados referentes aos “casos” em que o Acórdão recorrido imputa ao Arguido AA a prática do crime de abuso de confiança, não resulta qualquer substracto factual que permita concluir que o Arguido se apropriou de coisa móvel que lhe houvesse sido entregue por título não translativo da propriedade.

93.     No “caso” I (factos 27, 29 e 44), o Acórdão recorrido julgou provado que o Arguido devolveu o veículo automóvel a BB, quando este o solicitou, pelo que o Arguido nunca se apropriou daquele automóvel, nem agiu como seu proprietário, caso contrário não teria devolvido o mesmo ao respectivo proprietário.

94.       No “caso” V (factos 98, 99 e 113), apenas resultou provado que foi o próprio CC que entregou o veículo ao Arguido para que este procedesse à sua alienação, em nome do proprietário, CC, nada mais, não resultando provada qualquer apropriação.

95.     No “caso” VII (factos 135, 138 e 144), também apenas se provou que DD entregou o automóvel ao Arguido para que este o alienasse, o que veio a fazer, mais tarde, a LL, pelo que nem sequer resulta identificado, na factualidade provada, qual a coisa móvel de que o Arguido se teria apropriado.

96.      No “caso” VIII (factos 156 e 157), apenas se provou uma eventual falta de coincidência entre a vontade e a declaração de FF, no momento da transmissão do veículo, o que apenas assume natureza civilística, tanto mais que houve transferência por título translativo da propriedade, tendo sido celebrada a transferência pelo seu proprietário, FF – daí que o Arguido nunca se poderia ter apropriado do veículo, uma vez que este permaneceu na esfera do proprietário, ao ponto de ser este a assinar o registo de transferência da propriedade.

97.    No “caso” IX (factos 165, 168 e 173), não resulta da factualidade provada qualquer apropriação de coisa móvel entregue por título não translativo da propriedade, nunca tendo o Arguido comportado como proprietário do veículo aí em causa.

98.     Quanto ao “caso” XVIII (factos 313 e 322), também não resultou provado qualquer animus domini da parte do Arguido AA, o mesmo valendo para o “caso” XXXV (facto 523 e 525 e ss.).

99.    Assim, em todos os “casos” em que vem imputada ao Arguido AA a prática do crime de abuso de confiança, não se encontram preenchidos os elementos objectivos do tipo legal de crime, mormente a exigência de apropriação pelo agente da prática do facto de coisa móvel que lhe foi entregue por título não translativo da propriedade, devendo o Arguido, por conseguinte, ser absolvido da prática de tais crimes.

100.   Além disso, se o Tribunal a quo não julgou provada a verificação do elemento subjectivo da prática do crime de abuso de confiança, simplesmente não é possível concluir-se pela prática desse crime.

101.   Ora, compulsados os factos provados 132) a 146), relativos ao “caso VII”, e ainda os factos provados 147) a 161), quanto ao “caso VIII”, não resulta um qualquer facto que permita concluir que o Arguido AA tenha representado e querido apropriar-se de uma coisa móvel que lhe houvesse sido entregue por título não translativo da propriedade.

102.   No “caso VIII”, se é verdade que o Acórdão recorrido faz referência a um alegado elemento subjectivo que seria relativo a um putativo crime de falsificação de documento – pese embora não existam factos objectivos anteriores que permitissem concluir pelo preenchimento desse ilícito-típico penal, daí o Arguido AA não vir condenado pela prática desse crime (e relativamente ao qual o próprio Acórdão recorrido conclui que “não resultou demonstrada a factualidade” susceptível de preencher o crime em causa – cfr. p. 308) –, por outro lado, nada menciona quanto ao suposto crime de abuso de confiança.

103.   Pelo que, não tendo sido julgado provado o elemento subjectivo sem o qual não existe a prática de qualquer crime, não é possível imputar ao Arguido AA a prática de crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205.º do CP, por referência ao “caso VII” e ao “caso VIII”, devendo o Arguido ser absolvido.

104.   Nos demais “casos”, não resulta da factualidade provada que o Arguido tenha representado e querido apropriar-se de coisa móvel que lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade – tanto mais que nem sequer resulta da factualidade provada qualquer efectiva apropriação, por parte do Arguido.

105.   Não tendo ocorrido apropriação, elemento objectivo nuclear do tipo legal de crime em apreço, também nunca será possível concluir-se pela verificação dos elementos constitutivos do dolo: o elemento intelectual e o elemento volitivo.

106.   Atenta, por isso, a ausência de dolo, deve o Arguido AA ser absolvido da prática de todos os crimes de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205.º do CP, por cuja prática vem condenado, nos presentes autos.

107.   Importa ainda notar que, a admitir-se que os factos julgados provados seriam susceptíveis de preencher os elementos típicos do crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205.º do CP, incluindo o respectivo elemento subjectivo, ainda assim seria imprescindível demonstrar o seu desvalor autónomo face à concepção que o Acórdão recorrido apresenta dos vários agrupamentos de factos em apreço como consubstanciando a prática de vários crimes de burla.

108.   Os mesmos factos, isto é, o mesmo pedaço da vida, não podem ser duplamente valorados e julgados, preenchendo autonomamente mais do que um tipo legal de crime, quando o sentido desvalioso da conduta se esgota e é absorvido pela ilicitude e pelo sancionamento de um crime só.

109.   Independentemente das etapas do iter criminalis, se a conduta se rege por uma única resolução criminosa que, no seu núcleo, consome o desvalor integral da soma dos vários comportamentos individualmente considerados, então, esses comportamentos apenas poderão preencher um único tipo legal de crime, sem mais. 

110.   Aceitando-se a factualidade julgada provada nestes autos, é manifesto que quaisquer condutas que pudessem preencher o crime de abuso de confiança integram a resolução criminosa mais ampla e abrangente, correspondente ao alegado crime de burla.

111.   Todos os agrupamentos de factos nos quais são imputados crimes ao Arguido assentam na ideia de um pretenso esquema ardiloso, que visaria o locupletamento do Arguido à custa de prejuízos para terceiros, e todas as demais condutas imputadas ao Arguido seriam apenas etapas de execução desse desígnio criminoso mais abrangente.

112.   De acordo com a factualidade provada, o putativo crime de abuso de confiança seria, assim, mero “crime-meio”, instrumental, por isso consumido pelo “crime-fim”, a burla – uma vez que existiria apenas uma resolução criminosa que abarcaria o desvalor associado aos vários comportamentos adoptados pelo Arguido.

113.   Por isso, ao considerar que os mesmos factos, abrangidos pela mesma resolução criminosa, preenchiam, simultaneamente, os crimes de burla e de abuso de confiança, o Acórdão recorrido violou o princípio ne bis in idem, consagrado no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição, o qual veda que o mesmo comportamento, globalmente considerado, possa ser valorado duplamente, sem que possua autonomia jurídica suficiente para concluir pelo preenchimento de mais do que um tipo legal de crime.

114.   Pelo que não pode ser sancionado o Arguido AA, autonomamente, pela prática do crime de abuso de confiança, por referência aos “casos” I), V), VII), VIII), IX), XVIII) e XXXV), se se considerar que, no mesmo agrupamento de factos, foi praticado crime de burla.

115.   É isso que também resulta das regras da interpretação das normas incriminadoras, que deve sempre respeitar os princípios da legalidade, da necessidade de intervenção penal e da proporcionalidade, impedindo que determinados comportamentos possam preenchem, autonomamente, tipos legais de crime, se não assumirem desvalor e relevância penal própria e autónoma.

116.   Daí que a norma penal do artigo 205.º, n.º 1, do CP, em qualquer uma das suas redacções, interpretada e aplicada no sentido de que condutas que se traduzam na apropriação ilegítima de coisa móvel entregue ao agente por título não translativo da propriedade, quando praticadas no quadro de execução de uma burla, preenchem, autonomamente, e por si só, o ilícito criminal de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205.º, n.º 1, do CP, simultaneamente com a imputação do crime de burla, p. e p. pelo artigo 217.º, n.º 1, do CP, é, nessa interpretação, materialmente inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 1.º, 2.º, 3.º, n.º 2, 13.º, 18.º, n.º 2, 20, n.ºs 1 e 4, 29.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que, para os devidos efeitos, se deixa expressamente invocada.

117.   Passando aos crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º do CP, imputados ao Arguido AA, é também notório que estes se encontram consumidos pelo sentido de desvalor do ilícito penal de burla que lhe é igualmente imputado nos mesmos agrupamentos de facto que constituem uma única resolução delituosa e nos quais o Tribunal a quo (bem como o Tribunal de 1.ª instância antes) enquadra o preenchimento do crime de falsificação de documento, pois as alegadas falsificações surgem no contexto mais amplo de supostos “esquemas astuciosos” orquestrados pelo Arguido.

118.  As falsificações de documentos, nos vários “casos”, corresponderiam a meras etapas do iter criminalis mais amplo, consumido e abrangido pela resolução criminosa mais abrangente, a burla, e pelo seu desvalor.

119.   A partir do momento que o artigo 256.º, n.º 1, do CP, também prevê, como elemento constitutivo da norma, uma exigência de dolo específico, ou a conduta se encontra orientada à concretização da intenção delituosa exigida pelo artigo 217.º, n.º 1, do CP, ou então visa especificamente a intenção exigida pelo artigo 256.º, n.º 1, do CP – nunca sendo possível uma imputação simultânea e cumulativa de ambos os tipos legais de crime, com base no mesmo recorte de factualidade julgada provada (posição assumida, entre outros, pelos Senhores Juízes Conselheiros Eduardo Maia Costa, António Henriques Gaspar e Raul Borges, nos seus votos de vencido ao Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 10/2013 do Supremo Tribunal de Justiça).

120.   Assim, nos “casos” I), III), IV), V), VI), VII), IX), X), XII), XIII), XV), XVII), XVIII), XIX), XX), XXII), XXIV), XXVIII), XXXIII), XXXVI) e Apenso C, foi duplamente valorado o mesmo pedaço da vida como preenchendo o tipo legal de crime de burla e, em simultâneo, de falsificação de documento, o que viola o princípio ne bis in idem, previsto no artigo 29.º, n.º 5, da Lei Fundamental.

121.   Pelo que deve o Arguido AA ser absolvido da prática dos crimes de falsificação de documento por que vem condenado, por referência aos “casos” I), III), IV), V), VI), VII), IX), X), XII), XIII), XV), XVII), XVIII), XIX), XX), XXII), XXIV), XXVIII), XXXIII), XXXVI) e Apenso C, se se concluir que, no mesmo agrupamento de factos, foi praticado o crime de burla.

122.   Acresce que, nos termos do artigo 26.º do CP, é autor o “senhor” do facto penalmente relevante, o que pressupõe a prática de actos de execução típica do crime imputado – pois, sem actos de execução, não existe autoria.

123.   Também o co-autor deve intervir directamente na fase de execução do crime, praticando actos de execução típica do ilícito e detendo o domínio funcional do facto.

124.   Ora, analisada a factualidade julgada provada, não se logra identificar quais os putativos actos de execução do crime de falsificação que, no entendimento do Acórdão recorrido, teriam sido praticados pelo Arguido AA.

125.   Nos factos provados 67), 68), 75), 87), 88), 92) e 93), aqui indicados a título exemplificativo, não resulta provado qualquer comportamento concreto e específico, devidamente balizado e situado, que tivesse sido adoptado e praticado pelo Arguido AA, apenas se enunciando que o Arguido “elaborou ou mandou elaborar” determinado documento – sendo importante realçar que o recurso à conjunção disjuntiva “ou” revela que o próprio Tribunal a quo teve dúvidas sobre qual o concreto comportamento adoptado pelo Arguido.

126.  Se o Arguido não praticou qualquer acto típico de falsificação de documento, então, também não actuou com “intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime” – assim afastando a verificação em concreto da exigência de dolo específico.

127.   Além disso, o Acórdão recorrido não julgou provado que o Arguido teria os conhecimentos necessários à prática de actos de falsificação, nem esclareceu devidamente eventuais situações de comparticipação e de prática de actos de execução típica de falsificação, nas situações em que os documentos terão sido reconhecidos ou autenticados, o que impunha um esforço adicional de fundamentação da parte do Tribunal a quo.

128.  Sem esquecer que o único elemento probatório em que assentou a convicção do Tribunal a quo para concluir que os documentos teriam sido alegadamente falsificados coincidiu com prova testemunhal, que é sempre falível e a qual, neste caso, se revelou pouco convincente, ao ponto de o Arguido, convicto na falsidade do depoimento de diversas testemunhas, ter apresentado queixa-crime para que aqueles depoimentos sejam devidamente investigados.

129.   Pelo que, não sendo imputado ao Arguido AA qualquer acto de execução típica do crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º do CP, deve o Arguido AA ser absolvido de todos os crimes de falsificação de documento por que vem condenado.

130.   Por fim, ainda que se admita a relevância criminal das condutas julgadas provadas, o que não se concede, o Arguido não poderá ser sancionado a título de concurso efectivo de um total de 70 crimes, mas sim enquanto autor de um único crime continuado, nos termos do artigo 30.º, n.º 2, do CP.

131.   O Acórdão recorrido imputa ao Arguido a prática de três tipos legais de crime, os quais protegem fundamentalmente o mesmo bem jurídico: crime de burla e crime de abuso de confiança, que tutelam o património, por um lado; e o crime de falsificação de documento que, além de proteger em primeira linha a fé pública, como bem jurídico-penal, tutela outros bens jurídicos, nomeadamente o património (como resulta da exigência de dolo específico prevista no artigo 256.º do CP).

132.   Além disso, as condutas imputadas ao Arguido surgem sempre como etapas ou momentos de execução do desígnio criminoso original, daí estarmos perante uma única resolução criminosa, e todas foram executadas de forma homogénea: iniciava-se com a alienação de veículo automóvel, adquirido pelo comprador com recurso à celebração de contrato de mútuo, implicando registo de reserva de propriedade a favor da instituição financeira; a que se seguia devolução do veículo ao Arguido para que este o alienasse novamente, o que fazia, alegadamente requerendo a extinção da reserva de propriedade anterior e registando nova reserva de propriedade a favor da instituição financeira que financiaria a aquisição do mesmo veículo por parte do novo interessado, a quem o Arguido AA não viria a prestar contas da alienação realizada em nome daquele – e assim sucessivamente.

133.   Os vários “casos” em que é atribuída responsabilidade criminal ao Arguido correspondem sempre a uma narrativa idêntica, com comportamentos similares imputados ao Arguido, como aliás resulta da súmula apresentada pelos factos provados 9) a 12).

134.   E, independentemente da pluralidade de condutas de facto, todos os comportamentos imputados ao Arguido surgem abrangidos pela definição e concretização de apenas uma resolução criminosa, actuando o Arguido no quadro da sua actividade profissional e num específico período da sua vida.

135.   Pelo que, encontrando-se verificados os pressupostos de que depende a aplicação da figura do crime continuado, nos termos do artigo 30.º, n.º 2, do CP, a concluir-se que o Arguido praticou ilícitos penais, sempre deverá ser sancionado apenas pela prática de um único crime continuado, com a aplicação de uma sanção determinada nos termos do artigo 79.º, n.º 1, do CP.

136.   Ainda que se entenda não aplicar-se in casu a figura do crime continuado, deverá, pelo menos, ser corrigido o número de vezes que cada tipo legal de crime (burla e/ou falsificação de documento) se considera preenchido, por referência a cada agrupamento de factos (“casos”) – sobretudo porque os critérios enunciados nas pp. 295 e 303 do Acórdão recorrido não foram inteiramente respeitados quanto a todos os “casos”, levando a que, em alguns agrupamentos de factos, se tenha concluído que apenas se encontrava preenchido uma vez o mesmo tipo de crime, ao passo que, em outros, se concluiu pelo preenchimento do mesmo crime mais do que uma vez, sem qualquer alteração relevante das circunstâncias de facto que sustentasse esse raciocínio.

137.   A verdade é que, ainda que não se conclua pela existência de uma única resolução criminosa que abarca o desvalor de acção e de resultado de todos os comportamentos imputados, nestes autos, ao Arguido AA, pelo menos é evidente que, em cada agrupamento de factos, apenas poderá concluir-se pela existência de uma única resolução criminosa.

138.   Em todos os “casos”, há um eixo comum que tem como génese a devolução ao Arguido de um veículo automóvel por este inicialmente alienado, para que o Arguido procurasse um novo adquirente, porque o seu proprietário de então pretendia trocar o automóvel ou devolvê-lo, sendo o único elemento distintivo entre cada agrupamento de factos a identidade do veículo automóvel em causa.

139.   Além do número de ofendidos não determinar a pluralidade de crimes de burla, também o período temporal que mediou entre o primeiro acto praticado pelo Arguido e o último, quando se considerar consumado o crime de burla, não releva para efeitos de concluir pela pluralidade ou unicidade de resoluções criminosas, pois todos os actos em causa serão mera execução de uma única resolução criminosa.

140.   Pelo que, admitindo-se a relevância criminal das condutas imputadas ao Arguido AA nos “casos” I), IV), V), VI) e XVII), apenas lhe pode ser imputada a prática de um único crime de burla, por referência aos factos julgados provados em cada um desses “casos”.

141.   Quanto aos “casos” III), XIII), XIX) e XXIV), é tão evidente que estamos perante uma única resolução criminosa, a admitir-se a sua relevância penal (o que não concedemos), que, nos mesmos agrupamentos de factos, o Acórdão recorrido concluiu pela imputação da prática de um único crime de burla – pelo que, servindo as pretensas falsificações o alegado “esquema ardiloso” do Arguido, existindo apenas um crime de burla, só poderá também existir um crime de falsificação de documento.

142.   Mas, independentemente disso, em todos os casos em que o Acórdão recorrido imputa ao Arguido mais do que um crime de falsificação de documento, por referência ao mesmo agrupamento de factos, a verdade é que estamos sempre perante uma única resolução criminosa, que não depende do número de documentos pretensamente falsificados, nem do distanciamento temporal entre o primeiro acto de execução e o último.

143.   Pelo que também por referência aos “casos” I), III), IV), V), XIII), XIX) e XXIV), a admitir-se a relevância criminal das condutas aí descritas, apenas se poderá imputar ao Arguido AA a prática de um único crime de falsificação, por referência aos factos julgados provados em cada um dos “casos”.

144.   A concluir-se que o Arguido AA praticou ilícitos penais e que deve ser sancionado, o que não se concede e somente se equaciona por cautela de patrocínio, sempre deverão dar-se por verificados os pressupostos de que depende a aplicação do instituto do crime continuado, nos termos consagrados no artigo 30.º, n.º 2, do CP, sendo, por isso, aplicável o regime de punição constante do artigo 79.º do CP, ao invés do regime constante do artigo 77.º do CP, aplicável ao concurso de crimes.

145.   Deste modo, deverá ser aplicada ao Arguido AA uma única pena, que terá de ser encontrada dentro da moldura geral abstracta do crime de burla qualificada, nos termos do disposto no artigo 218.º, n.º 2, alínea a), do CP, cujos limites mínimo e máximo são, respectivamente, 2 anos e 8 anos.

146.   Sendo que, em nenhum caso, a pena a aplicada ao Arguido AA deverá ser fixada em limite superior a cinco anos de prisão, devendo, em todo o caso, a pena que vier a ser aplicada ser suspensa na respectiva execução, nos termos do disposto no artigo 50.º, n.º 1, do CP. Subsidiariamente,

147.   Ponderadas todas as circunstâncias relevantes para efeitos de graduação da medida da pena, a conclusão só pode ser uma: as penas parcelares em que o AA foi condenado são manifestamente injustas e desproporcionadas.

148.   Com efeito, não só são infundadas, ou incorrectamente apreciadas, as supostas circunstâncias agravantes invocadas pelo Tribunal a quo, como são várias e ponderosas as circunstâncias que depõem no sentido da diminuição das penas a aplicar. Vejamos:

149.   Primeiramente, o Tribunal a quo esqueceu-se que a determinação das penas parcelares deve ser feita como se cada uma das infracções esgotasse o objecto do processo, não podendo relevar nesse exercício a circunstância do concurso de crimes que só deverá ser relevada no momento da determinação da pena conjunta, pelo que o facto de o Arguido AA ter praticado vários crimes nunca poderia servir para qualificar o grau de ilicitude de cada um desses factos criminosos como elevado, para efeitos de determinação das respectivas penas parcelares.

150.   Em segundo lugar, o Tribunal a quo valora erradamente como circunstância agravante o facto de o Arguido ter averbada no seu certificado de registo criminal uma condenação criminal, ocorrida vários anos após a prática dos factos, olvidando-se que a valoração de uma condenação anterior como circunstância agravante para efeitos de determinação da pena, pressupõe que essa condenação ocorreu em momento anterior à prática dos factos, pois só nessas situações tal condenação é susceptível de revelar uma culpa agravada e uma acrescida necessidade de prevenção, na medida em que o Arguido já tendo sido condenado pela prática de condutas criminosas volta a desrespeitar a lei e a ter um comportamento criminoso, manifestando então uma personalidade não conforme ao direito.

151.   Por fim, o Tribunal a quo incorre ainda num outro equívoco ao valorar, em sentido desfavorável ao Arguido, para efeitos de graduação da medida das penas parcelares, o comportamento processual deste, designadamente por não ter demonstrado “qualquer arrependimento”, colocando directamente em causa o direito ao silêncio (um dos mais elementares, e fundamentais, direitos do arguido).

152.   Mais: qualquer interpretação das normas constantes do artigo 71.º do CP no sentido de que, no âmbito da determinação da medida da pena, é admissível ao Tribunal valorar, contra o arguido, o facto de este não ter mostrado arrependimento, é, nessa interpretação, materialmente inconstitucional por violação directa das garantias de defesa consagradas no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, do processo justo e equitativo, congraçado no artigo 20.º, n.º 4, da CRP e, bem assim, no artigo 6.º, § 1.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o que desde já se invoca para todos os efeitos legais.

153.  Acresce que concorrem no sentido do esbatimento das necessidades de punição outras circunstâncias, igualmente (se não mais) relevantes para efeitos da determinação da medida concreta da pena, que foram completamente desconsideradas pelo Tribunal a quo no Acórdão recorrido (e bem assim pelo Tribunal de 1.ª instância).

154.   Com efeito, o Arguido vive em união de facto há mais de 27 anos com UU, usufruem de uma saudável e estável união conjugal, na qual educaram o filho que têm em comum, formado em ….., e que ainda hoje vive com eles. ( ) Sendo que, profissionalmente o Arguido AA apresenta-se como uma pessoa dedicada e empenhada no cumprimento das suas obrigações, trabalhando por conta de outrem, mas mantendo simultaneamente actividade por conta própria através da empresa denominada “B........”, tendo recentemente concluído o curso de ….., e encontrando-se a frequentar o …… em …... ( )

155.   Por outro lado, para além de os factos já terem decorrido há mais de 12 anos, os presentes autos estão pendentes há cerca de 11 anos, o que corresponde, efectivamente, a um extenso período de tempo, e implica o esbatimento considerável de quaisquer exigências de prevenção.

156.   Por fim, não obstante o Tribunal a quo afirmar que as exigências de prevenção geral são in casu elevadas, a verdade é que são diminutas as exigências de prevenção especial no caso dos autos, pelo que as exigências de prevenção geral que ao caso caibam, por mais prementes que possam ser, não deverão sobrepor-se para efeitos de determinação das penas parcelares.

157.   Assim, analisadas que sejam por este Tribunal a medida da culpa do Arguido AA e as exigências (diminutas) de prevenção especial que relativamente ao mesmo se verificam, as penas parcelares aplicadas pelo Tribunal a quo deverão ser reformuladas, nivelando-se as mesmas próximo do ponto mínimo da moldura penal, e, por conseguinte, reformulando-se também o cúmulo jurídico.

158.   Acresce que mesmo que não sejam alteradas as penas parcelares em função do que se deixou dito o que não se admite, ainda assim nunca a pena conjunta poderia ter sido fixada em 11 anos e 6 meses de prisão. Também neste tocante incorre o Tribunal a quo em diversos erros:

159.   Como se viu, o Tribunal a quo não poderia ter valorado, para efeitos de determinação da pena, nem mesmo da pena conjunta, condenações posteriores à prática dos crimes em causa nos presentes autos.

160.   Mas mesmo que assim não se entenda, o que por mero dever de cautela se equaciona, sem conceder, jamais poderia o Tribunal a quo fundamentar a aplicação da pena conjunta no “registo criminal” do Arguido AA, pois, tal como decorre do Acórdão recorrido, tal “registo criminal” havia já sido considerado pelo Tribunal a quo (e mal, de resto) para efeitos de determinação das penas parcelares, razão pela qual se assiste, in casu, à violação da proibição da dupla valoração.

161.   Ademais, nesta parte da decisão recorrida assiste-se ainda à errada avaliação da personalidade do arguido, bem como uma errada análise global dos factos.

162.   O conjunto dos factos imputados ao Arguido AA não é reconduzível a uma tendência ou a uma (inexistente) carreira criminosa, mas tão-somente a um conjunto particular e isolado de circunstâncias que não deriva nem tem suporte estrutural na sua personalidade.

163.   E, porque assim é, não deve ser atribuído à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta, desde logo porque tal agravamento não é necessário para alterar o comportamento futuro do Arguido AA no sentido de se alcançar a exigência de prevenção especial de socialização, na medida em que este se encontra já perfeitamente integrado social e profissionalmente.

164.   Deste modo, caso este Supremo Tribunal entenda (i) que cabe censura penal aos factos dados como provados – o que não se admite e apenas por cautela de patrocínio se concebe –, e (ii) que não lhes deve ser aplicado o regime do crime continuado – o que não se admite e apenas por cautela de patrocínio se concebe –, (iii) e ainda que as penas parcelares foram correctamente fixadas – o que não se admite e apenas por cautela de patrocínio se concebe –, ainda assim deverá o cúmulo jurídico ser reformulado.

165.   Com efeito, atenta moldura abstracta da pena conjunta, e ponderados os factores de determinação da medida concreta da pena conjunta previstos no artigo 77.º, n.º 1, segunda parte, do CP, teríamos de concluir que a personalidade do agente não revela qualquer propensão criminosa, sendo certo que, da análise global dos factos não pode retirar-se qualquer sentido de ilicitude e de culpa globais, compatíveis com a aplicação de uma pena conjunta que corresponde a praticamente da pena de prisão máxima aplicável no ordenamento jurídico português (a saber: 25 anos).

166.   Na verdade, a pena conjunta, assente num modelo de cúmulo jurídico e não de acumulação material de penas parcelares, permite que, na fixação daquela, sejam consideradas circunstâncias que, acompanhando os crimes, e não podendo, todavia, relevar para efeitos de imputação de crime continuado, diminuem sensivelmente a culpa do agente.

167.  Isto significa que, na fixação da pena conjunta, a acumulação de crimes não possa, per se, relevar como critério agravante – o que, de resto, resulta, em geral, da fixação do limite mínimo da pena conjunta na pena concreta mais elevada, de acordo com o disposto no artigo 77.º, n.º 2, segunda parte, do CP – sempre que, da análise global dos factos, resulte a diminuição da culpa do agente.

168.   Ora, a imposição, constante do artigo 77.º, n.º 1, do CP, no sentido de ser tida em linha de conta a imagem global dos factos e a personalidade do agente na fixação da pena concreta, pode determinar que, assistindo-se a uma diminuição progressiva da culpa, à medida que os diversos crimes que integram o concurso vão tendo lugar, a fixação da pena conjunta concreta possa convergir para o limite mínimo da moldura abstracta dessa pena (que corresponde, nos termos do disposto no artigo 77.º, n.º 2, segunda parte, do CP, à pena mais elevada em concurso), aproximando-se da pena que teria aplicação caso se tratasse de crime continuado (que corresponde, como vimos, nos termos do disposto no artigo 79.º, n.º 1, do CP, à pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação).

169.   Tal circunstância implica que – embora não vigorando no nosso ordenamento jurídico, em matéria de concurso de penas, a regra da absorção – nos casos em que haja atenuação sensível da culpa, a pena conjunta do concurso pode aproximar-se, ou até coincidir com a pena que seria aplicável caso existisse crime continuado, pena essa que corresponde (no confronto das regras previstas nos artigos 77.º, n.º 2, primeira parte e 79.º, n.º 1, ambos do CP) ao limite mínimo da pena conjunta aplicável em situações de concurso efectivo.

170.   Ora, perante o que se deixou escrito no Capítulo VII. pode e deve ver-se nos factos sob julgamento uma diminuição sensível da culpa do Arguido, não podendo considerar-se a culpa directamente proporcional à acumulação de infracções.

171.  Efectivamente, a reiteração de determinada actuação, quando coexista com factores que permitam (como cremos ser o caso, em função das circunstâncias aludidas supra) diminuir sensivelmente a culpa, não pode deixar de implicar um abaixamento da pena conjunta que deverá, in casu, aproximar-se do limite mínimo da moldura abstracta dessa pena, ou seja, 4 anos de prisão, suspendendo-se a sua execução, nos termos do disposto no artigo 50.º, n.º 1, do CP.

172.  Finalmente, o Acórdão recorrido julgou procedentes 13 (treze) pedidos de indemnização deduzidos contra o Arguido AA, condenando este no pagamento de centenas de milhares de euros de indemnização a diferentes Demandantes.

173.  Por tudo quanto foi exposto no presente Recurso, independentemente dos danos julgados provados, não é possível assacar ao Arguido AA um juízo de responsabilidade civil, por não se encontrarem verificados os respectivos pressupostos, previstos nos artigos 483.º e ss. do Código Civil: (i) facto voluntário e ilícito do agente; (ii) que seja igualmente culposo; (iii) provoque danos; (iv) e que, entre o facto e os danos, se verifique um nexo de causalidade.

174.   Pelo que deverá o Arguido AA ser absolvido dos pedidos de indemnização civil contra si deduzidos.

175.   Sempre importa referir que, analisando os factos provados 619) a 625), 648) a 649), 707) a 708) e 712) a 715), não é possível compreender o iter metodológico prosseguido pelo Tribunal a quo para arbitrar as indemnizações a cuja pagamento condenou o Arguido, o que também justificaria que as decisões de condenação do Arguido no pagamento dessas indemnizações deveria ser revogada.

176.  Acresce que os valores indemnizatórios arbitrados para ressarcimento dos alegados danos não patrimoniais se afiguram manifestamente excessivos e desproporcionais, face aos danos alegados e às situações de facto em causa, tomando como referente o artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil, uma vez que a factualidade provada, a assumir potencial lesivo e danoso, assume apenas uma vertente patrimonial, na medida em que apenas estão em causa negócios jurídicos efectivamente celebrados ou simulados.

177.  O Acórdão recorrido, para sancionamento de alegados “sentimentos de tristeza, humilhação e vergonha” (facto 707) ou putativo “nível de vida drasticamente reduzido” (facto 713), fixou montantes extremamente elevados de indemnização, como seja € 20.000,00, € 15.000,00 ou € 10.000,00 – montantes determinados sem recurso a um critério rigoroso e a uma análise cuidada da matéria de facto provada, a qual apenas consentiria que se pudesse estabelecer um nexo causal entre os alegados factos praticados e uma lesão do património (sendo que o Arguido já vai igualmente condenado a ressarcir esses danos patrimoniais).

178.  São ainda valores indemnizatórios manifestamente excessivos e desproporcionais, se tomarmos em consideração os factos alegadamente imputados ao Arguido, em que apenas foi lesado o património, e ainda a praxis da jurisprudência, inclusive em situações de lesão da vida ou da integridade física, que, em regra, arbitra valores de indemnização muito inferiores, atento o artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil.

179.  Assim, por factos atinentes a putativos esquemas ardilosos, relativamente aos quais o Arguido, enquanto pretenso responsável civil, já vai condenado no pagamento de indemnização pelos danos patrimoniais causados, determinar-se ainda a sua condenação no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais, em montantes tão elevados quanto € 20.000,00, € 15.000,00 ou € 10.000,00, ofende um imperativo de proporcionalidade e de justiça material, devendo, no limite, esses montantes serem substancialmente reduzidos para valores muito inferior aos que foram fixados pelo Acórdão recorrido.

Termos em que, e nos mais de Direito, deverão V. Exas.:

a)  Declarar a nulidade do Acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto nos artigos 379.º, n.º 1, alínea c), e 425.º, n.º 4, do CPP; e, cumulativamente,

b)  Declarar a nulidade do Acórdão recorrido, por falta de fundamentação, nos termos conjugados dos artigos 374.º, n.º 2, 375.º, n.º 1, e 379.º, n.º 1, alínea a), e 425.º, n.º 4, do CPP; e, em qualquer caso,

c)  Revogar o Acórdão recorrido, substituindo-o por outro que declare a nulidade da decisão de 1.ª instância, por condenação por factos diversos dos constantes da Acusação, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea b), do CPP, com as devidas consequências legais; e, cumulativamente,

d)  Revogar o Acórdão recorrido, substituindo-o por outro que declare a nulidade da decisão de 1.ª instância, por preterição de acto legalmente obrigatório, nos termos do disposto no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP, com as devidas consequências legais; e, em qualquer caso,

e)  Revogar o Acórdão recorrido, substituindo-o por outro que absolva integralmente o Arguido AA dos crimes por que vem condenado; ou, subsidiariamente,

f)   Revogar o Acórdão recorrido, substituindo-o por outro que condene o Arguido AA num único crime continuado, aplicando-lhe uma pena nunca superior a 5 anos e suspensa na sua execução; ou, subsidiariamente,

g)  Revogar o Acórdão recorrido, substituindo-o por outro que condene o Arguido AA e diminua consideravelmente as penas parcelares aplicadas e a pena única que lhe foi aplicada em cúmulo jurídico, aplicando-lhe uma pena única nunca superior a 5 anos e suspensa na sua execução; e, em qualquer caso,

h)  Revogar o Acórdão recorrido, substituindo-o por outro que absolva integralmente o Arguido AA dos Pedidos de Indemnização Civil deduzidos,

4.2. Quanto ao recurso do acórdão do Tribunal da Relação de 29 de abril de 2021:

1. Se bem se compreende – e independentemente de o poder ou dever fazer –, o Tribunal a quo, no acórdão recorrido, não só conheceu da nulidade invocada pelo Demandante BB, como conheceu também dos vícios processuais invocados pelo Arguido AA no recurso interposto do acórdão proferido em 25 de Fevereiro de 2021, tendo entendido que tais vícios não se verificavam, pelo que se mantinha a validade desse acórdão (cfr. alínea a) do dispositivo do acórdão recorrido).

2. No entanto, demitiu-se o Tribunal a quo de fundamentar tal decisão, não existindo na fundamentação do acórdão recorrido qualquer referência, mesmo que sintética, aos vícios suscitados pelo Arguido AA no recurso interposto do acórdão proferido em 25 de Fevereiro de 2021.

3. Estamos, assim, perante um vício que, por si só, invalida toda a decisão judicial em apreço, a qual é nula, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), ex vi artigo 425.º, n.º 4, do CPP, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 374.º do mesmo diploma legal, nulidade que se deixa, desde já, expressamente invocada, para os devidos efeitos legais, e que deve ser reconhecida e declarada.

4. E ainda que assim não se entenda – o que apenas se equaciona por mero dever de cautela de patrocínio –, sempre estaremos perante uma irregularidade do Acórdão recorrido, nos termos do artigo 123.º, n.º 1, do CPP, e com os mesmos fundamentos, a qual, para todos os efeitos, se deixa também desde já expressamente invocada.

Sem prescindir,

5. Declarada nulidade do acórdão do tribunal de primeira instância, por omissão de pronúncia, estava o Tribunal a quo obrigado a mandar baixar os autos ao tribunal de primeira instância, para que este conhecesse a questão cuja pronúncia foi omitida, o que o Tribunal a quo não fez, conhecendo ele próprio dessa questão.

6. O Tribunal a quo, ao substituir-se ao tribunal de primeira instância, conhecendo da questão omitida, extravasou os seus poderes de cognição, o que teve por efeito a supressão de um grau de jurisdição, pelo que a referida decisão deverá ser revogada, remetendo-se os autos ao tribunal de primeira instância, para que este se pronuncie sobre a questão omitida, se necessário com produção suplementar de prova, decidindo-se a final em conformidade.

7. Sendo que, a norma constante do artigo 379.º, n.º 2, do CPP, interpretada e aplicada no sentido em que o tribunal de recurso pode proceder ao suprimento de nulidade por omissão de pronúncia suscitada em recurso, é nessa interpretação e aplicação materialmente inconstitucional, por violação do disposto no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, e 32.º, n.º 1, da Constituição.

8. Sem prejuízo de tudo quanto se deixou dito, ainda que assim não se entendesse, i.e., ainda que se entendesse que o Tribunal a quo poderia suprir a nulidade por omissão de pronúncia declarada, o que por mero dever de patrocínio se equaciona, sem conceder, in casu nunca o Tribunal a quo poderia ter aplicado o artigo 82.º, n.º 3, do CPP, por não estarem preenchidos os requisitos legais.

9. Como tem vindo a ser acentuado pela jurisprudência, “à remessa das partes para os tribunais civis, nos termos do disposto no artigo 82.º, n.º 3, do CPP, não basta a conclusão no sentido do retardamento do processo; antes se impõe que o atraso processual seja intolerável, isto é, não aceitável” (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11 de Setembro de 2013, proferido no âmbito do Processo n.º 1825/08.4PBCBR-B.C1, disponível em: www.dgsi.pt).

10. Acontece que, in casu, nem o atraso provocado pelo conhecimento da questão suscitada pelo Demandante BB seria intolerável, nem o Tribunal a quo logrou demonstrar que assim fosse, limitando-se a lançar mão do expediente previsto no artigo 82.º, n.º 3, do CPP de forma discricionária, totalmente arbitrária, e sem o menor apego aquela que é a ratio da norma.

11. Como se haverá de convir, fazer intervir o último adquirente conhecido do veículo, quer à data da decisão na 1.ª instância, quer posteriormente, para o esclarecimento de uma questão tão circunscrita, ainda que possa implicar a realização de algumas diligências processuais e ainda que possa implicar algum retardamento do processo, não redundará, em caso algum, num atraso intolerável para os presentes autos.

12. Termos que se impõe a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que não aplique o artigo 82.º, n.º 3, do CPP e conheça da questão suscitada pelo Demandante BB.

Termos em que, e nos mais de Direito, deverão V. Exas.:

 a) Declarar a nulidade do acórdão recorrido, por falta de fundamentação, nos termos conjugados dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), e 425.º, n.º 4, do CPP; e, em qualquer caso,

b) Revogar o acórdão recorrido, substituindo-o por outro que declare a nulidade da decisão de 1.ª instância, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, e que, sem proceder ao suprimento dessa nulidade, mande baixar os autos ao tribunal de primeira instância para conhecimento da questão cuja pronúncia foi omitida; e, subsidiariamente,

c) Revogar o acórdão recorrido, substituindo-o por outro que não aplique o artigo 82.º, n.º 3, do CPP, e que conheça da questão suscitada pelo Demandante BB.”

5. Em resposta, diz o Ministério Público no Tribunal da Relação, em conclusões (transcrição):

5.1. Quanto ao recurso do acórdão de 25 de fevereiro de 2021:

“1  – Na formulação do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, o legislador veio vedar a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão de Tribunal da Relação que confirme decisão de 1.ª instância e aplique penas de prisão iguais ou inferiores a 8 anos, tendo implícito que a convergência de duas decisões, em 1.ª instância e na Relação, conforma o seu acerto e a desnecessidade de repetir a argumentação perante outra instância.

2 – Assim, se houve confirmação pelo Tribunal da Relação da decisão de 1.ª instância – a chamada dupla conforme – só é admissível recurso relativamente aos crimes punidos com pena de prisão superior a 8 anos e/ou com pena conjunta superior a essa medida.

3 – Deve ser considerado confirmatório, não só o acórdão da Relação que mantém integralmente a decisão da 1.ª instância, mas também aquele que, mantendo a qualificação jurídica dos factos, reduz a pena imposta, pois trata-se de uma alteração in mellius, ou seja, em benefício do arguido.

4 – Esta irrecorribilidade abrange, em geral, todas as questões processuais ou de substância que tenham sido objecto da decisão, nomeadamente, as questões relacionadas com a apreciação da prova, com a qualificação jurídica dos factos, concurso efectivo de crimes/crime continuado e com a determinação das penas parcelares.

5 – Tal solução, quanto à irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelo Tribunal da Relação, enquanto confirmativas da deliberação da 1.ª instância, não ofende qualquer garantia do arguido, nomeadamente o direito ao recurso, expressamente incluído na parte final do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

6 – O direito ao recurso em matéria penal, inscrito como integrante da garantia constitucional do direito à defesa, está consagrado em um grau, possibilitando a impugnação das decisões penais através da reapreciação por uma instância superior das decisões sobre a culpabilidade e a medida da pena, sendo estranho a tal dispositivo a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição por a Constituição da República Portuguesa se bastar com um duplo grau.

7 – No caso dos autos, por acórdão de 25 de Fevereiro de 2021 do Tribunal da Relação ….., foi o recorrente AA condenado, pela prática , em autoria material e em concurso real, de 7 crimes de abuso de confiança, 31 crimes de burla qualificada e 32 crimes de falsificação de documento, nas penas parcelares que variaram entre 1 ano e 3 meses de prisão e 4 anos de prisão, como acima se expõe em detalhe, e, na sequência do pertinente cúmulo jurídico de penas, na pena unitária de 11 (onze) anos e 6 (seis) meses de prisão.

8 – Esta decisão foi proferida na procedência parcial do recurso que havia sido interposto da decisão final condenatória proferida em 1.ª instância, cuja alteração só teve a ver com a redução da medida das penas parcelares e única inicialmente aplicadas (aquelas a variarem entre 1 ano e 6 meses de prisão e 5 anos de prisão, e esta fixada em 16 anos de prisão, na 1ª instância), tendo sido confirmados todos os demais termos da decisão da 1ª instância.

9 – Confirmada, por esse acórdão de 25 de Fevereiro de 2021, foi ainda aquela outra decisão proferida em 1ª instância em 3 de Dezembro de 2018, objecto de recurso interlocutório.

10 – Resulta assim ser irrecorrível, na sua quase totalidade, a decisão firmada pelo Tribunal da Relação ….. no acórdão de 24 de Fevereiro de 2021, apenas resultando “elegível” para recurso a matéria relativa à pena única a que foi condenado o recorrente, por superior a 8 anos de prisão.

11 – Irrecorribilidade que abrange todas as demais questões relativas à actividade decisória que subjaz e conduziu à condenação, de constitucionalidade, substantivas ou processuais, como sejam nomeadamente as relacionadas com a apreciação da prova, com a qualificação jurídica dos factos, concurso efectivo de crimes/crime continuado e com a determinação das penas parcelares, confirmadas pelo acórdão do Tribunal da Relação.

12 – A interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, segundo a qual são irrecorríveis as questões respeitantes aos crimes singulares punidos com pena não superior a 8 anos de prisão em que tenha havido confirmação, em recurso, por parte do Tribunal da Relação, não padece de qualquer inconstitucionalidade.

13 – Prejudicadas ficam, por conseguinte, a apreciação e discussão de todas as questões suscitadas no recurso que não tenham a ver com a medida da pena unitária aplicada ao recorrente.

14 – Na determinação da medida da pena única aplicada ao recorrente, o Tribunal a quo atendeu, como se lhe impunha, aos factos e à personalidade do agente, avaliados conjuntamente, e aos limites máximo (a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão) e mínimo (a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes) da pena aplicável, tal como definido no artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.

15 – A decisão recorrida cumpre os requisitos legalmente exigidos de fundamentação, no que concerne à individualização da pena única aplicada ao recorrente, não a afectando nulidade, irregularidade ou inconstitucionalidade.

16 – É adequada, justa e conforme aos critérios definidores do artigo 77.º do Código Penal, a pena unitária aplicada ao recorrente.

17 – Nenhuma censura suscita o acórdão recorrido que, como tal, deverá ser integralmente mantido.”

5.2. Quanto ao recurso do acórdão de 29 de abril de 2021:

1 – A decisão proferida nos presentes autos por acórdão de 29 de Abril de 2021, a que se dirige o recurso interposto por AA, respeita exclusivamente a questão de natureza cível que opõe o arguido/demandado/recorrente e o demandante BB, matéria que é estranha ao Ministério Público.

2 – Só a primeira parte do dispositivo desse acórdão, em que se refere a) Manter a validade do acórdão no referente ao decidido na parte crime quanto ao recurso do arguido, e na interpretação de que o aí exposto poderia traduzir o conhecimento pelo Tribunal recorrido dos vícios invocados no recurso por si interposto do acórdão proferido em 25 de Fevereiro de 2021, levou o recorrente a questionar tal matéria.

3 – O próprio recorrente admite não ser essa a interpretação correcta, e dever entender-se que que tal parte do dispositivo se limita a manter o que é dito, relativamente à matéria criminal, no acórdão de 25 de Fevereiro de 2021, sem significar qualquer conhecimento dos vícios invocados no recurso interposto desse acórdão, daí extraindo, como consequência, dever dar-se por não escrito o exposto sobre tal assunto.

4 – É manifesto que o acórdão de 29 de Abril de 2021 não se pronunciou sobre a problemática de natureza criminal, limitando-se a precisar que o decidido sobre a invocada nulidade por omissão de pronúncia não alterava, em nada, a decisão firmada pelo acórdão de 25 de Fevereiro de 2021.

5 – Delimitado que fica, nestes termos, o preciso objecto do recurso, reconduzido a questão de natureza cível entre demandante e demandado, prejudicada fica também a intervenção do Ministério Público na presente lide.”

6. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º do CPP, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitido parecer no sentido da improcedência do recurso, nos seguintes termos (transcrição na parte relevante):

«(…) 3. O Ministério Público no Tribunal da Relação ….., representado pelo signatário, apresentou resposta aos recursos, nas quais se equacionam as questões a debater e as soluções de direito que se afiguram adequadas (cfr. referências …., de 2021-06-22, e ……, de 2021-07-14)

4. Nestes termos, emite-se parecer consonante com o sentido dessas respostas aos recursos, ou seja, 4.1. Em relação ao recurso interposto do acórdão de 25 de Fevereiro de 2021, dever ser o mesmo 1) rejeitado, por inadmissível, na parte relativa às penas parcelares e questões com elas relacionadas, a tanto não obstando o despacho que, sem ressalva, o admitiu, já que tal decisão não vincula o tribunal superior [artigos 420.º, n.º 1, alínea b) e 414.º, n.º 2 e 3, do C.P.P.], e, 2) julgado improcedente, na parte restante; 4.2. Não haver lugar a intervenção do Ministério Público no recurso interposto do acórdão de 29 de Abril de 2021, considerado o seu objecto, questão de natureza cível a opor demandante e demandado, devidamente representados pelos respectivos mandatários judiciais.”

Na resposta ao recurso do acórdão da relação de 25 de fevereiro de 2021, para que remete, afirma:

“(…) Sendo múltiplas, como se vê, as questões suscitadas pelo recorrente, e não passando, muitas delas, de uma mera reedição das que haviam fundamentado o recurso interposto da decisão proferida em primeira instância, importa precisar, desde já, que o acórdão recorrido:

1) negou provimento ao recurso interlocutório interposto pelo arguido AA da decisão da primeira instância relativa às alterações efectuadas à acusação (nos denominados casos 1, 6, 8, 12, 14, 16, 17, 18 e 19) e à qualificação jurídica (casos 7 e 8), que o recorrente considerava terem sido feitas com violação do disposto nos artigos 358.º e 359.º do C.P.P., e consubstanciarem a nulidade dessa decisão nos termos previstos no artigo 379.º, n.º 1, alínea b), do mesmo diploma legal; e,

2) confirmou todos os demais termos do acórdão condenatório da primeira instância, excepção feita à medida das penas parcelares, as quais foram, quase todas, reduzidas, e única, igualmente reduzida, de 16 anos de prisão para 11 anos e 6 meses de prisão), que foi decidido aplicar.

Prende-se a necessidade deste destaque com a - Irrecorribilidade (parcial) do acórdão de 25 de Fevereiro de 2021 do Tribunal da Relação ……, primeira das questões que, por razões de ordem lógica e de precedência, cumpre analisar.

É o próprio recorrente quem, em jeito de antecipação, prevenindo diferente compreensão (que, aliás, logo rotula de inconstitucional, nas mais variadas matizes, dedicando a este assunto as primeiras 20 das conclusões com que remata a motivação de recurso), procura sustentar ser o acórdão, a que dirige o seu inconformismo, recorrível em toda a sua extensão, na sua totalidade.

Crê-se que assim não será, como a seguir se procurará demonstrar.

Dispõe o artigo 400.º do C.P.P., sob a epígrafe Decisões que não admitem recurso, e no que ora importa:

1 Não é admissível recurso:

(…)

f) - De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;

(…)

É inúmera a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (S.T.J.) a considerar irrecorrível decisão como a que ora concretamente se encontra em recurso.

É o caso, por exemplo, do acórdão de 11 de Abril de 2012 (disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.), assim sumariado:

I – É admissível recurso para o STJ nos casos contemplados no art. 432.º do CPP, sem prejuízo de outros casos que a lei especialmente preveja, como explicita o art. 433.º do mesmo diploma legal.

II. Com a entrada em vigor da Lei 48/2007, de 29-08, foi modificada a competência do STJ em matéria de recursos das decisões proferidas, em recurso, pelas Relações, restringindo-se a impugnação daquelas decisões para o STJ, no caso de dupla conforme, apenas a situações em que tenha sido aplicada pena de prisão superior a 8 anos (cf. art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP).

III. Esta solução quanto à irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelo Tribunal da Relação, enquanto confirmativas da deliberação da 1.ª instância não ofende qualquer garantia do arguido, nomeadamente o direito ao recurso, expressamente incluído na parte final do n.º 1 do art. 32.º da CRP. De facto, o direito ao recurso em matéria penal, inscrito como integrante da garantia constitucional do direito à defesa, está consagrado em um grau, possibilitando a impugnação das decisões penais através da reapreciação por uma instância superior das decisões sobre a culpabilidade e a medida da pena, sendo estranho a tal dispositivo a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição, por a CRP se bastar com um duplo grau.

IV. A noção de dupla conforme inclui a confirmação de uma decisão da 1.ª instância pela Relação, quando apenas parcial, se bem que traduzindo-se, exactamente, por força da intervenção do tribunal superior, numa melhoria da posição processual do condenado, que ainda assim «obtém ganho de causa».

Neste acórdão, em que se inventaria a vasta jurisprudência do S.T.J. que, desde a alteração ao artigo 400.º do C.P.P., operada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, e até à data da sua prolação, adoptou a compreensão nele perfilhada, consagra-se o entendimento, como se vê, da irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelo Tribunal da Relação, enquanto confirmativas da deliberação da primeira instância, mesmo quando seja apenas parcial a confirmação, e principalmente, como aí se refere, quando, por força da intervenção do tribunal superior, se verifique uma melhoria da posição processual do condenado que assim “obtém ganho de causa.”

Numa detalhada análise da jurisprudência e doutrina, e inclusivamente da sua conformidade com a Constituição da República, aí se conclui dever considerar-se confirmatório, não só o acórdão da Relação que mantém integralmente a decisão de primeira instância, mas também aquele que mantendo a qualificação jurídica dos factos, reduz a pena imposta - “na alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, a dupla condenatória integral conforme, contemplada na sua letra, abrange, por maioria de razão, a dupla condenatória parcial conforme, se desta resultar redução da pena para o arguido”.

É o que sucede, in casu.

A decisão do Tribunal da Relação …. no julgamento dos recursos apresentados pelo arguido AA, apenas reviu, em baixa, a medida das penas parcelares, e unitária, aplicadas ao recorrente, confirmando todos os demais termos das duas decisões da primeira instância submetidas à sua apreciação e decisão (despacho de 3 de Dezembro de 2018, impugnado em recurso interlocutório, e acórdão de 3 de Dezembro de 2018).

Nesta mesma linha de compreensão, diversas outras decisões do S.T.J. foram, entretanto, prolatadas.

Veja-se o acórdão de 10-09-2014 (Processo n.º 714/12.2JABRG.S1, 5ª Secção, Relatora: Conselheira Helena Moniz, in www.stj.pt):

Apenas poderá haver dupla via de recurso em matéria de direito, se houver um recurso (prévio) sobre a matéria de facto e de direito para a Relação, e a pena aplicada e confirmada (pela Relação) seja superior a 8 anos, podendo então haver novo recurso para o STJ;

Todavia se se tratar de um caso de concurso, e a pena única for superior a 8 anos e as penas parcelares inferiores a 8 anos, tendo havido recurso prévio para a Relação em matéria de facto e de direito, apenas se pode conhecer novamente em matéria de direito das penas superiores a 8 anos (não se devendo conhecer das parcelares inferiores a 8 anos e confirmadas pela Relação, pois já tiveram um grau de recurso).

Ou o acórdão de 08-10-2014 (Processo n.º 81/14.0YFLSB.S1, 3ª Secção, Relator: Conselheiro Maia Costa, in www.stj.pt):

Conforme jurisprudência generalizada do STJ, a al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP ao vedar o recurso para o STJ dos acórdãos condenatórios das Relações proferidos em recurso que confirmem a decisão de 1ª instância e apliquem pena não superior a 8 anos de prisão, impõe a irrecorribilidade, quando a pena conjunta é superior a 8 anos de prisão, das penas parcelares que não excedam essa medida.

Tendo havido “dupla conforme”, ou seja, tendo a Relação confirmado a decisão condenatória da 1ª instância e dado que todas as penas parcelares são inferiores a 8 anos, só a pena única ultrapassando essa medida, fica prejudicada a apreciação das questões colocadas pela recorrente sobre a qualificação do crime de tráfico de estupefacientes (de menor gravidade) e da não consumação (tentativa).

Ou ainda o acórdão de 02-12-2015 (Proc. n.º 5887/05.8TBALM.L1.S1 – 3.ª Secção, Relator: Conselheiro João Silva Miguel, in www.stj.pt):

Na formulação do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, na redação introduzida pela Lei 48/2007, de 29-08, o legislador veio vedar a possibilidade de recurso para o STJ de acórdão de tribunal da relação que confirme decisão de 1.ª instância e aplique penas de prisão iguais ou inferiores a 8 anos, tendo implícito que a convergência de duas decisões, em 1.ª instância e na Relação, conforma o seu acerto e a desnecessidade de repetir a argumentação perante outra instância.

Em caso de concurso de crimes ou das questões que lhes respeitem só é admissível recurso relativamente aos crimes punidos com pena de prisão superior a 8 anos e/ou com pena conjunta superior a essa medida.

É pressuposto de inadmissibilidade de recurso para o STJ de acórdão do tribunal da Relação, nos termos da alínea f) do n.º 1 do art. 400.º, do CPP, que o acórdão do tribunal da Relação confirme decisão do tribunal da 1.ª instância, e que a pena aplicada pelo tribunal de 2.ª instância não seja superior a 8 anos.

A irrecorribilidade da decisão do tribunal de 2.ª instância tem pressuposta a confirmação da decisão que apreciou, ou, no dizer do código, que confirme decisão de 1.ª instância.

O recurso é assim inadmissível e a tanto não obsta o despacho de admissibilidade, proferido no tribunal recorrido, por tal despacho não vincular o tribunal superior (art. 414.º, n.º 3, do CPP).

Ou ainda o acórdão de 11-02-2016 (Processo n.º 810/12.6JACBR.C1.S1 - 5ª secção, Relatora: Conselheira Isabel Pais Martins, in www.stj.pt):

Nos casos em que a divergência entre o acórdão da Relação e o acórdão da 1.ª instância se situa, exclusivamente, no plano da pena, procedendo a Relação a uma diminuição da pena aplicada na 1.ª instância, entende-se que se está perante dupla conforme condenatória parcial (conformação in mellius parcial). Nas situações de dupla conforme in mellius, a corrente maioritária do STJ é no sentido de que o recurso não é admissível por existir uma dupla condenação concordante até ao limite da condenação imposta pela Relação, a qual só deixa de se verificar em relação ao quantum da pena (ou penas) que, justamente, foi eliminado na 2.ª instância e de que o recorrente beneficiou. Nesta interpretação não há violação do direito ao recurso do arguido (art. 32.º, n.ºs 1 e 7, da CRP), como tem sido reconhecido, nomeadamente pelo acórdão do TC 20/2007 (processo 715/06), de 17-01 (destaque meu).

Ou o acórdão de 18-02-2016 (Processo. n.º 118/08.1GBAND.P1.S2 - 3.ª secção, Relator: Conselheiro Raúl Borges, in www.stj.pt):

É largamente maioritária no STJ (de um modo geral na 3.ª Secção e uniformemente na 5.ª Secção) a posição segundo a qual se deve considerar confirmatório, não só o acórdão da Relação que mantém integralmente a decisão de 1.ª instância, mas também aquele que mantendo a qualificação jurídica dos factos, reduz a pena imposta, pois trata-se de uma alteração in mellius, ou seja, em benefício do arguido. No caso presente é inadmissível o recurso por parte do arguido, no que concerne à matéria decisória referente ao crime de detenção de arma proibida por que foi condenado na referida pena parcelar fixada no acórdão recorrido, inferior a 8 anos de prisão (1 ano e 6 meses), por se estar perante dupla conforme parcial (in mellius), nos termos do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP.

Como o acórdão de 13-04-2016 (Processo n.º 294/14.4PAMTJ.L1.S1 – 3.ª Secção, Relator: Pires da Graça, in www.stj.pt):

Se houve confirmação pela Relação da decisão da 1.ª instância - a chamada dupla conforme - não é admissível recurso para o STJ, atento o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, na nova redacção introduzida pela Lei 48/2007, sobre as penas parcelares, não superiores a 8 anos de prisão, apenas sendo possível o recurso quanto à pena única em que os mesmos arguidos foram condenados.

As posteriores leis de alteração do CPP, a Lei 26/2010, de 30-08, a Lei 20/2013, de 21-02 e a Lei 27/2015, de 14-04, não alteraram esse entendimento, o qual não é inconstitucional, uma vez que o art. 32.º, n.º 1, da CRP ao garantir o direito ao recurso, garante o duplo grau de jurisdição mas não duplo grau de recurso, sendo este determinado pela forma prevista no diploma legal adjectivo (destaque meu).

Considere-se ainda o acórdão de 02-05-2018 (Processo n.º 51/15.0PJCSC.L1.S1, 3ª secção, Relator: Conselheiro Manuel Augusto de Matos, in www.stj.pt):

Sendo as penas parcelares todas inferiores a 8 anos de prisão, e tendo sido integralmente confirmadas no acórdão da relação de que se recorre, verifica-se a existência de dupla conforme, pelo que as mesmas são insusceptíveis de recurso em conformidade com o disposto nos artigos 400.º n.º 1, al.) f) a contrario e 432.º, n.º 1 al.) b), ambos do CPP.

Abrangidos pelo caso julgado firmado e inerente irrecorribilidade, estão igualmente as questões que se prendem com a decisão de perdimento a favor do Estado dos valores e dos veículos automóveis referidos. Abrangido pela irrecorribilidade, igualmente fica prejudicado o conhecimento das alegadas nulidade das escutas telefónicas, da nulidade do acórdão recorrido por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por erro notório na apreciação da prova ou por omissão de pronúncia e da alegada violação do princípio in dubio pro reo.

E, já este ano, o acórdão de 24-02-2021 (Processo nº 7447/08.2TDLSB.L1.S1, 3ª secção, Relator: Conselheiro Sénio Alves, in www.dgsi.pt).

No seguimento de jurisprudência uniforme deste STJ, que acolhemos, a pena aplicada tanto é a pena parcelar, cominada para cada um dos crimes, como a pena única/conjunta, pelo que, aferindo-se a irrecorribilidade separadamente, por referência a cada uma destas situações, os segmentos dos acórdãos proferidos em recurso pelo tribunal da Relação, atinentes a crimes punidos com penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão, são insuscetíveis de recurso para o STJ, nos termos do art. 432.º, n.º 1, b), do CPP.

Esta irrecorribilidade abrange, em geral, todas as questões processuais ou de substância que tenham sido objecto da decisão, nomeadamente, as questões relacionadas com a apreciação da prova, com a qualificação jurídica dos factos, concurso efectivo de crimes/crime continuado e com a determinação das penas parcelares. A não apreciação dessas questões elencadas pelo reclamante é, portanto, consequência directa da rejeição do recurso, quanto às penas parcelares.

Na compreensão acabada de expor sobre a primeira problemática a considerar, em jurisprudência uniformemente sedimentada ao longo do tempo, o quadro patente leva a concluir por ser, na sua quase totalidade, irrecorrível a decisão firmada pelo Tribunal da Relação ….. no acórdão de 24 de Fevereiro de 2021, apenas resultando “elegível” para recurso a matéria relativa à pena única a que foi condenado o recorrente, por superior a 8 anos de prisão.

E sobre o seu alcance, verifica-se que, exceptuado tal ponto, a irrecorribilidade estende-se a toda a decisão, abrangendo todas as questões relativas à actividade decisória que subjaz e conduziu à condenação, sejam de constitucionalidade, substantivas ou processuais, confirmadas pelo acórdão da Relação (como se escreveu, a tal propósito, no acórdão de 22-04-2020, do S.T.J., processo n.º 63/17.0T9LRS.L1.S1, Relator: Conselheiro Nuno Gonçalves), ou, de forma ainda mais esclarecedora, esta irrecorribilidade abrange, em geral, todas as questões processuais ou de substância que tenham sido objecto da decisão, nomeadamente, as questões relacionadas com a apreciação da prova, com a qualificação jurídica dos factos, concurso efectivo de crimes/crime continuado e com a determinação das penas parcelares. A não apreciação dessas questões elencadas pelo reclamante é, portanto, consequência directa da rejeição do recurso, quanto às penas parcelares (cfr. citado acórdão de 24-02-2021).

Por outro lado, da conformidade constitucional da compreensão exposta, dá-nos conta o acima citado acórdão de 13-04-2016, e bem assim o acórdão de 19-01-2017, proferido no processo n.º 215/08.3JBLSB.C1.S1, 5 ª secção, Relator: Conselheiro Arménio Sottomayor, in www.stj.pt, em que se firmou o entendimento de que a interpretação do art. 400.º n. 1 al. f) do CPP, segundo a qual são irrecorríveis as questões respeitantes aos crimes singulares punidos com pena não superior a 8 anos de prisão em que tenha havido confirmação, em recurso, por parte do tribunal da relação, não padece de qualquer inconstitucionalidade, nem viola o disposto nos arts 29.º e 32.º nº 1 da CRP.

Também pelo Acórdão n.º 186/2013 do Tribunal Constitucional, publicado no D.R. n.º 89, Série II, de 09-05-2013, foi decidido não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão.

E não se diga, para finalizar, que a eventual nulidade do acórdão da Relação, e são muitos os vícios desta natureza que o recorrente lhe atribui, poderia constituir fundamento de admissibilidade do recurso porquanto a nulidade só pode ser arguida e integrar o objecto de recurso se a decisão for recorrível, como resulta ser da mais elementar lógica.

Prejudicadas ficam, por conseguinte, a apreciação e discussão de todas as questões suscitadas no recurso que não tenham a ver com a medida da pena unitária aplicada ao recorrente.

Da pena unitária aplicada ao recorrente.

A esta matéria, referem-se as conclusões 32 a 35 e 158 a 171, extractadas pelo recorrente na motivação de recurso, em que se considera, por um lado, ser nula a decisão recorrida, ou, pelo menos, irregular, por ser manifestamente insuficiente a fundamentação para sustentar a (nova) pena única aplicada ao recorrente, já que o Tribunal a quo se limitou a transcrever breves trechos da fundamentação da decisão do tribunal de 1ª instância e a remeter para “as circunstâncias dos factos, os crimes cometidos e a personalidade do arguido evidenciadas nos autos sem esquecer a culpa e as necessidades de prevenção", sem retomar, mesmo que sinteticamente, os factos que integram as condutas em causa, relacionando-os entre si e com a personalidade do Arguido AA, bem como, sem concretizar as exigências de prevenção e os efeitos previsíveis da pena única (de efectiva privação de liberdade) sobre o comportamento do Arguido AA, sendo materialmente inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 20.º, n.º 1 e 4, 32.º, n.º 1 e 5, e 205.º, n.º 1, da CRP, a interpretação e aplicação das normas dos artigos 374.º, n.º 2, 375.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, alínea a), e 425.º, n.º 4, do C.P.P., no sentido de que, em caso de concurso de crimes, não é obrigatório, na decisão final proferida em processo penal, fundamentar a determinação da pena única por referência aos critérios legais constantes do artigo 77.º do Código Penal, e em que, por outro lado, se questionam os pressupostos e o quantum da pena unitária aplicada, procurando defender-se ter havido uma errada avaliação da personalidade do arguido bem como uma errada análise global dos factos, cujo conjunto não é reconduzível a uma tendência ou a uma (inexistente) carreira criminosa, mas tão somente a um conjunto particular e isolado de circunstâncias que não deriva nem tem suporte estrutural na sua personalidade, rematando dever ser reformulado o cúmulo jurídico e fixada a pena única em 4 anos de prisão, suspensa na sua execução.

Na apreciação desta problemática, e recorrendo uma vez mais à jurisprudência do S.T.J., a propósito dos requisitos a atender na efectivação do cúmulo jurídico de penas, considere-se o acórdão de 21-11-2012 proferido no processo n.º 86/98.0GBOVR.P1.S1, da 3ª Secção, Relator: Conselheiro Oliveira Mendes, in www.stj.pt (mais uma das decisões em que se sustenta a irrecorribilidade de decisões com os contornos da que ora nos ocupa):

(…) A pena conjunta através da qual se pune o concurso de crimes, segundo o texto do n.º 2 do artigo 77º do Código Penal, tem a sua moldura abstracta definida entre a pena mais elevada das penas parcelares e a soma de todas as penas em concurso, não podendo ultrapassar 25 anos, o que equivale por dizer que no caso vertente a respectiva moldura varia entre o mínimo de 3 anos e 3 meses e 25 anos de prisão.

Segundo preceitua o n.º 1 daquele artigo, na medida da pena são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que o cúmulo jurídico de penas não é uma operação aritmética de adição, nem se destina, tão só, a quantificar a pena conjunta a partir das penas parcelares cominadas. Com efeito, a lei elegeu como elementos determinadores da pena conjunta os factos e a personalidade do agente, elementos que devem ser considerados em conjunto.

Como esclareceu o autor do Projecto do Código Penal, no seio da respectiva Comissão Revisora, a razão pela qual se manda atender na determinação concreta da pena unitária, em conjunto, aos factos e à personalidade do delinquente, é de todos conhecida e reside em que o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é, justamente, a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário, de onde resulta, como ensina Jescheck, que a pena única ou conjunta deve ser encontrada a partir do conjunto dos factos e da personalidade do agente, tendo-se em atenção, em primeira linha, se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação entre si, sem esquecer a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente.

Posição também defendida por Figueiredo Dias, ao referir que a pena conjunta deve ser encontrada, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique, relevando, na avaliação da personalidade do agente sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, sem esquecer o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro daquele, sendo que só no caso de tendência criminosa se deverá atribuir à pluriocasionalidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura da pena conjunta.

Adverte, no entanto, que, em princípio, os factores de determinação da medida das penas singulares não podem voltar a ser considerados na medida da pena conjunta (dupla valoração), muito embora, «aquilo que à primeira vista possa parecer o mesmo factor concreto, verdadeiramente não o será consoante seja referido a um dos factos singulares ou ao conjunto deles: nesta medida não haverá razão para invocar a proibição de dupla valoração».

Daqui que se deva concluir, como concluímos, que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente. Como doutamente diz Figueiredo Dias, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.

Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele.

(…) Atente-se, agora, na decisão recorrida, cujo teor, neste particular, é o que segue:

(…) 12. Do concurso de crimes e da pena única.

Tendo-se encontrado as penas parcelares relativas aos ilícitos referidos, cumpre agora proceder à determinação de uma pena única, considerando em conjunto os factos e a personalidade do agente, nos termos do art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal.

Assim, o limite mínimo da pena aplicável corresponde à pena máxima concretamente aplicada, e o limite máximo corresponde à soma das penas parcelares encontradas, que não pode exceder 25 anos de prisão.

Como entende o Supremo Tribunal de Justiça, face ao disposto no art. 77º do Código Penal (cfr., por todos, os Acórdãos de 11 de Janeiro de 2001, Processo n.º 3095/00-5, de 4 de Março de 2004, Processo n.º 3293/04-5, e de 12 de Julho de 2005, todos in www.dgsi.pt), a pena única a estabelecer em cúmulo deve ser encontrada numa moldura penal abstracta, balizada pela maior das penas parcelares abrangidas e a soma destas, e na medida dessa pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, com respeito pela pena unitária. Na verdade, o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é, justamente, a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário, mas a personalidade traduzida na condução de vida, em que o juízo de culpabilidade se amplia a toda a personalidade do autor e ao seu desenvolvimento, também manifestada de forma imediata a acção típica, isto é, nos factos.

Esse critério, conforme salienta Figueiredo Dias, consiste em apurar se “numa avaliação da personalidade – unitária - do agente”, o seu percurso de delinquência “é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo uma carreira») criminosa” e não a uma “pluriocasionalidade que não radica na personalidade (…)” (in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial de Notícias, pág. 291).

Como ponderou o Tribunal a quo:

“Tendo presentes os fatores a atender na determinação da pena única a aplicar, que acima se deixaram expostos, cumpre referir que relativamente aos arguidos AA, VV e WW, as repetidas condutas criminosas obedecem a um mesmo padrão de atuação, com vista à obtenção do resultado pretendido, qual seja, o recebimento de vantagens patrimoniais indevidas à custa do património de terceiros, sendo os crimes de falsificação, em parte, o meio necessário ao cometimento dos crimes de burlas subsequentes.

O conjunto destas condutas criminosas, conjugado” com o registo criminal” do Arguido AA (embora posterior aos factos em apreciação e consubstanciado na condenação numa pena de multa, por crimes da mesma natureza e temporalmente contemporâneos dos que ora se apreciam), e aliado, ainda, à ponderação do desvalor global dos ilícitos praticados, no que avulta a circunstância de o Arguido AA ter cometido setenta crimes, demonstram já uma personalidade com manifesta tendência para a prática de crimes, bastante diversa da pluriocasionalidade, e absolutamente indiferente aos valores tutelados pelas normas jurídicas violadas e à ameaça das respetivas sanções, o que inculca uma elevação do grau das exigências de prevenção especial e do limite da culpa.

Por último, cabe ainda referir que o impacto social da reiteração de comportamentos como os dos arguidos é muito negativo, havendo que satisfazer, em consequência, as prementes necessidades de prevenção geral.”

Ora, considerando as circunstâncias dos factos, os crimes cometidos e a personalidade do arguido evidenciada nos autos sem esquecer a culpa e as necessidades de prevenção, entende o tribunal como ajustada a aplicação da pena unitária de 11 (onze) anos e 6 (seis) meses de prisão, alterando a pena única aplicada na 1.ª Instância.

(…) Tal decisão não suscita reparo, cumprindo as exigências legais, afigura-se.

Não se lhe atribua o rótulo de nula, nos apontados termos, porquanto o dever de fundamentação da pena única não tem que assumir nem o rigor, nem a extensão, exigidos para a fundamentação das penas parcelares, sendo que só a falta absoluta de fundamentação, que, como se vê, não ocorre, é que conduziria à nulidade da decisão.

Acresce dizer que a fundamentação da decisão deve ser vista na sua globalidade, e não segmento a segmento, como parece pretender o recorrente.

Neste sentido, a decisão recorrida cumpre os requisitos legalmente exigidos de fundamentação, ainda que, parcialmente, por reporte à decisão da primeira instância, não a afectando a invocada nulidade, ou sequer irregularidade, nem a mesma padece da alegada inconstitucionalidade.

Considerando agora, e para que melhor se compreenda, a medida da pena unitária encontrada, importa referir que os factos a atender se encontram conexionados entre si, apresentando-se numa relação de continuidade, formando e constituindo um complexo delituoso de acentuada gravidade dirigido ao património alheio, ou, como melhor se precisa na decisão recorrida, as repetidas condutas criminosas obedecem a um mesmo padrão de atuação, com vista à obtenção do resultado pretendido, qual seja, o recebimento de vantagens patrimoniais indevidas à custa do património de terceiros, sendo os crimes de falsificação, em parte, o meio necessário ao cometimento dos crimes de burlas subsequentes.

Já na ponderação da personalidade do agente, relembre-se o que se diz na decisão recorrida: O conjunto destas condutas criminosas, conjugado” com o registo criminal” do Arguido AA (embora posterior aos factos em apreciação e consubstanciado na condenação numa pena de multa, por crimes da mesma natureza e temporalmente contemporâneos dos que ora se apreciam), e aliado, ainda, à ponderação do desvalor global dos ilícitos praticados, no que avulta a circunstância de o Arguido AA ter cometido setenta crimes, demonstram já uma personalidade com manifesta tendência para a prática de crimes, bastante diversa da pluriocasionalidade, e absolutamente indiferente aos valores tutelados pelas normas jurídicas violadas e à ameaça das respetivas sanções, o que inculca uma elevação do grau das exigências de prevenção especial e do limite da culpa.

Nestes termos, e tendo ainda presente a moldura penal abstracta a considerar para a fixação da pena única, a qual se baliza entre os 4 anos de prisão, correspondente à mais elevada das penas parcelares aplicadas, e os 25 anos de prisão, limite máximo, inultrapassável, por lei, embora fique a perder de vista o somatório das penas parcelares aplicadas (são 3 penas de 1 ano e 3 meses de prisão, 8 penas de 1 ano e 9 meses de prisão, 7 penas de 2 anos e 3 meses de prisão, 9 penas de 2 anos e 6 meses de prisão, 15 penas de 2 anos e 9 meses de prisão, 1 pena de 3 anos de prisão, 19 penas de 3 anos e 3 meses de prisão, 1 pena de 3 anos e 6 meses de prisão e 7 penas de 4 anos de prisão), facilmente se aquilatará da justeza da fixação da pena única em 11 anos e 6 meses de prisão, e, noutra perspeciva, do perfeito absurdo que revela a pretensão do recorrente de ver aplicada uma pena unitária de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução.”

E na resposta ao recurso do acórdão de 29 de Abril de 2021, para que igualmente remete:

“A questão que se coloca em causa neste recurso prende-se, exclusivamente, como se vê, com matéria de natureza cível, a opor o arguido/demandado AA, ora recorrente, e o demandante BB, relativamente à qual não tem o Ministério Público interesse em agir, sendo que a presente resposta só surge, e faz sentido, afigura-se, em razão do invocado pelo recorrente na conclusão 1ª da sua motivação, no sentido de, na decisão recorrida, o Tribunal a quo ter conhecido, não só da nulidade invocada pelo Demandante BB, como também dos vícios processuais invocados pelo Arguido AA no recurso interposto do acórdão proferido em 25 de Fevereiro de 2021, tendo entendido que tais vícios não se verificavam, pelo que se mantinha a validade desse acórdão.

É esta compreensão que o recorrente extrai do decidido na alínea a) do dispositivo do acórdão recorrido, na interpretação, cautelar, de que o aí exposto traduz o conhecimento pelo Tribunal recorrido dos vícios invocados no recurso por si interposto do acórdão proferido em 25 de Fevereiro de 2021.

Que assim não é, demonstra-o a evidência de o acórdão recorrido não comportar em parte alguma do seu texto, salvo na já referida alínea a) do dispositivo, a menor referência a matéria diferente da de natureza cível, em causa no requerimento em que foi arguida a nulidade de omissão de pronúncia verificada no acórdão de 25 de Fevereiro de 2021.

E tanto assim é que é o próprio recorrente AA quem expressamente refere, a fls. 14 010: A falta de fundamentação que se invoca no presente capítulo (capítulo III, com a epígrafe nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação - destaque meu), e as consequentes invalidades, têm por pressuposto a boa interpretação pelo Arguido AA do disposto na alínea a) do dispositivo do acórdão recorrido, no sentido de que o Tribunal a quo – independentemente de poder ou dever – conheceu dos vícios invocados no recurso por si interposto do acórdão proferido em 25 de Fevereiro de 2021, para logo, de seguida, admitir: No entanto, não se afigurando essa interpretação correcta, e limitando-se tal parte do dispositivo a manter o que é dito, relativamente à matéria criminal, no acórdão proferido em 25 de Fevereiro de 2021, sem significar qualquer conhecimento dos vícios invocados no recurso interposto pelo Arguido desse acórdão, deverá dar-se por não escrito o presente capítulo. (cfr. fls. 14 010/43.º vol.)

Ora, não poderá ser senão esta ressalva a melhor interpretação a colher da primeira parte do dispositivo em foco, quando se declara manter a validade do acórdão no referente ao decidido na parte crime quanto ao recurso do arguido.

E neste contexto, delimitado que fica o preciso objecto do recurso, reconduzido a questão de natureza cível entre demandante e demandado, prejudicada fica a intervenção do Ministério Público, independentemente da questão que se prende com a recorribilidade, ou não, deste acórdão de 29 de Abril de 2021, matéria relativamente à qual se entende serem válidos e aplicáveis todos os considerandos tecidos na resposta do Ministério Público ao recurso interposto do acórdão de 25 de Fevereiro de 2021.”

7. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido respondeu, dizendo (transcrição):

“I. Da violação da garantia de imparcialidade

O Arguido não pode deixar de começar por sublinhar que tanto o Parecer do Ministério Público a que ora se responde, como as respostas do Ministério Público aos Recursos interpostos dos Acórdãos de 25 de fevereiro de 2021 e de 29 de abril de 2021 foram assinados pelo mesmo Magistrado do Ministério Público, o Digníssimo Procurador-Geral Adjunto XX, o que compromete naturalmente a garantia de imparcialidade.

Depois,

II. Da inadmissibilidade do Parecer do Ministério Público

Relativamente ao Recurso interposto do Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, é de referir que foi requerida, pelo Arguido, a realização de audiência nos termos que passamos a transcrever:

“Nos termos do disposto no artigo 411.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, requer-se a realização de audiência perante o Tribunal da Relação …., com vista ao debate dos aspectos abordados nos Capítulos III a X da motivação.”

Com efeito, estabelece o n.º 5 do artigo 411.º do CPP, que: “[n]o requerimento de interposição de recurso o recorrente pode requerer que se realize audiência, especificando os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos.”

Acontece que, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 416.º do CPP, “[s]e tiver sido requerida audiência nos termos do n.º 5 do artigo 411.º, a vista ao Ministério Público destina-se apenas a tomar conhecimento do processo.”

Pelo que não se compreende que, tendo o Arguido requerido, em tempo e de modo processualmente adequado, a realização de audiência no recurso interposto do Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, venha agora o Magistrado do Ministério Público emitir Parecer, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 411.º do CPP.

O n.º 2 do artigo 416.º do CPP é absolutamente cristalino quando estabelece que a vista ao Ministério Público, tendo havido requerimento de audiência, se destina “apenas” a dar ao Ministério Público conhecimento do processo.

O que, de resto, se compreende sem dificuldade que assim seja, pois, havendo lugar a audiência, fica a utilidade do Parecer reduzida ao seu mínimo, ou seja, à parte em que permite confirmar que o Ministério Público, de facto, tomou conhecimento do processo, finalidade essa igualmente assegurada pela simples aposição de visto.

Nestes termos, e face a tudo quanto se deixou dito, deve o Parecer do Ministério Público ser dado por não escrito na parte respeitante ao Recurso do Acórdão de 25 de fevereiro de 2021.

Sem prescindir,

III. Do âmbito dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça e da recorribilidade da decisão de 25 de fevereiro de 2021 na sua integralidade

Não obstante o Parecer do Ministério Público dever ser tido por não escrito relativamente ao recurso interposto do Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, pelas razões supramencionadas, por cautela de patrocínio, não pode o Arguido deixar de tecer breves considerações sobre o mesmo.

Entende o Digno Magistrado do Ministério Público que o recurso interposto do Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, deve ser “rejeitado, por inadmissível, na parte relativa às penas parcelares e questões com elas relacionadas, a tanto não obstando o despacho que, sem ressalva, o admitiu, já que tal decisão não vincula o tribunal superior [artigos 420.º, n.º 1, alínea b) e 414.º, n.º 2 e 3, do C.P.P.], e, 2) julgado improcedente, na parte restante;”

Ora, salvo o devido respeito, não assiste razão ao Ministério Público, pelas razões já apontadas no Capítulo II do recurso, que a benefício de exposição aqui se sumariam:

Nos termos do artigo 399.º do CPP, o princípio geral é o da recorribilidade das decisões judiciais proferidas no âmbito de um processo-crime, pelo que só não serão admissíveis recursos nas situações tipificadas na lei (“é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei”). Não cabendo o Acórdão recorrido, nem nas previsões do artigo 400.º, n.º 1, nem de qualquer outra norma legal que vede o direito a recorrer, não há razão para se afastar a regra da recorribilidade a nenhuma parte do Acórdão recorrido.

A alínea f) do artigo 400.º do CPP, cuja aplicação tem vindo a ser discutida nos presentes autos, apenas prevê a irrecorribilidade de acórdãos proferidos pelas relações que, por um lado, confirmem a decisão de primeira instância, e, por outro (simultaneamente), apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.

Ora, no caso do Acórdão recorrido, se se verifica que o Tribunal da Relação confirmou a decisão de primeira instância, ainda que reduzindo as penas parcelares, e, subsequentemente, a pena conjunta para 11 anos e 6 meses, não se pode senão afastar a verificação do segundo requisito do qual depende a aplicação da exceção de irrecorribilidade, pois a pena aplicada é evidentemente superior a 8 anos.

Uma interpretação do n.º 1 do artigo 400.º do CPP que faça depender a recorribilidade da integralidade do Acórdão da pena aplicável a todos os crimes em concurso (verificando as penas parcelares uma por uma), e não da pena única aplicada, restringe intoleravelmente as garantias de defesa do Arguido.

Intoleravelmente, porque, desde logo, não tem esta interpretação cabimento na letra da lei, que se refere a “acórdãos” condenatórios e a “pena não superior a 8 anos”, e não a “partes de” acórdãos recorríveis e “penas” não superiores a 8 anos. O legislador tomou uma opção literal no sentido de reforçar garantias de defesa do arguido que não cabe aos sujeitos processuais vir desrespeitar, decompondo em partes recorríveis e irrecorríveis um todo que o legislador intencionalmente manteve intacto (ao contrário do que aliás, fez no n.º 2 do mesmo artigo, onde se refere a “parte da sentença”).

Nem deve ser confundida a admissibilidade do recurso com o seu âmbito, cujo regime, fundamentalmente diferente, se encontra nos artigos 402.º e 403.º do CPP.

Tendo ainda em conta que, ao abrigo da interpretação do artigo 400.º, n.º 1 do CPP que o Ministério Público ora defende, é difícil que alguma vez se conclua pela recorribilidade de acórdãos para o Supremo Tribunal de Justiça, ficando, na prática, o direito ao recurso esvaziado do seu conteúdo útil na maioria dos casos.

Mais, e como refere Damião da Cunha, “um sistema de recursos que considera como matéria específica e adequada para a competência do seu mais alto Tribunal a análise de julgamento (de forma exclusiva) da pena de concurso é sistema fundamentalmente errado. Se há matéria que menos justifica a intervenção do STJ é exactamente esta.” ( ).

Ao não permitir que se apreciem as questões jurídicas por detrás das penas parcelares, e, logo, da pena única aplicada ao arguido, esta interpretação reconduz e reduz a uma verificação de operações aritméticas (matéria que não justificaria a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça) um recurso que deveria constituir a concretização de uma garantia de defesa.

Concluindo, e como anteriormente invocado: “O artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, interpretado e aplicado no sentido de que, havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objecto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, é nessa interpretação e aplicação materialmente inconstitucional, por violação dos princípios do Estado de Direito democrático, da restrição mínima de direitos, liberdades e garantias, da garantia de acesso aos tribunais, do processo justo e equitativo, da legalidade criminal e do direito ao recurso, com consagração expressa nos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.ºs 1 e 4, 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.”

Razões pelas quais deve o Recurso do Acórdão de 25 de fevereiro de 2021 ser admitido na sua totalidade.

Termos em que, e nos mais de Direito, deverão V. Ex.as:

a) Dar por não escrita a parte do Parecer a que ora se responde relativa ao Recurso do Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 411.º, n.º 5, e 416.º, n.º 2, do CPP, e,

b) Admitir o Recurso interposto do Acórdão de 25 de fevereiro de 2021 na sua integralidade, que deverá ser julgado totalmente procedente.”

8. No requerimento de interposição de recurso veio o arguido requerer a realização de audiência, nos termos do artigo 411.º, n.º 5, do CPP “com vista ao debate dos aspectos abordados nos Capítulos III a X da motivação”.

Por despacho do relator de 22.11.2021 foi determinado que o recurso prosseguisse para julgamento em conferência, nos termos do disposto no artigo 419.º, n.º 3, al. c), do CPP, por o requerimento de realização da audiência não satisfazer a exigência de especificação imposta pelo n.º 5 do artigo 411.º do CPP, estar realizado o contraditório no recurso e por respeito ao princípio de limitação de atos aos preordenados à realização da finalidade do processo (artigo 130.º do CPC ex vi artigo 4.º do CPP).

É do seguinte teor o despacho proferido:

1.   No requerimento de interposição de recurso, veio o arguido requerer a realização da audiência, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 411.º do CPP, “com vista ao debate dos aspectos abordados nos Capítulos III a X da motivação”.

2.   Analisada a motivação, verifica-se que, nos respetivos “Capítulos III a X”, o arguido, em detalhada e longa argumentação, indica uma grande multiplicidade de pontos e questões que pretende ver examinadas em recurso.

No “Capítulo III”, sob a epígrafe “Nulidades do Acórdão recorrido”, argui um conjunto de nulidades e irregularidades por motivos relacionados com a alteração dos factos e com a alteração da qualificação jurídica dos factos e por falta de fundamentação da medida das penas parcelares e de determinação da pena única, e inconstitucionalidades da norma que resulta da conjugação dos 374.º, n.º 2, 375.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, alínea a), e artigo 425.º, n.º 4, do CPP.

No “Capítulo IV”, sob a epígrafe “Da errada decisão do Tribunal da Relação …… quanto à questão da alteração dos factos”, alega, designadamente, que o acórdão recorrido deveria ter absolvido o arguido ou, pelo menos, declarado a nulidade da decisão de 1.ª instância, que houve violação das regras dos artigos 358.º e 359.º do CPP, que, quanto à alteração dos factos referente ao caso VIII), o tribunal de 1.ª instância, o Tribunal a quo deveria ter declarado a invocada nulidade da sentença, que também o acórdão recorrido deve ser declarado nulo, e que a matéria de facto assente é omissa quanto aos factos integradores do tipo subjetivo do crime de abuso de confiança.

No “Capítulo V”, sob a epígrafe “Da errada decisão do Tribunal da Relação ….. quanto à nulidade decorrente da preterição de diligência essencial para a descoberta da verdade: as perícias grafológicas”, alega, nomeadamente, que a omissão da realização de tais perícias configura uma nulidade processual, que a matéria de facto assente é completamente omissa quanto aos factos integradores do tipo subjetivo do crime de abuso de confiança, o que, a seu ver, impõe, sem mais, a absolvição, e que se impõe concluir que também o acórdão recorrido deve ser declarado nulo.

No “Capítulo VI”, sob a epígrafe “Da ausência de preenchimento dos tipos legais de crimes imputados”, questiona o enquadramento jurídico da factualidade provada na 1.ª instância, o preenchimento dos tipos de crime de burla, de falsificação e de abuso de confiança e a constitucionalidade das normas incriminadoras na interpretação que entende lhes estar subjacente.

No “Capítulo VII” sob a epígrafe “Da aplicação da figura do crime continuado, nos termos do artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal”, alega que se verificam os pressupostos do crime continuado, que apenas pode sancionado com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação.

No “Capítulo VIII”, sob a epígrafe “Da unidade vs pluralidade de crimes”, alega que, não se subsumindo os comportamentos à figura do crime continuado, então deverá, pelo menos, corrigir-se o número de vezes que cada tipo legal de crime (burla e/ou falsificação de documento) se considera preenchido, nos agrupamentos de factos (os denominados “casos”) em que o acórdão recorrido conclui pelo preenchimento do mesmo tipo legal mais do que uma vez.

No “Capítulo IX”, sob a epígrafe “Das penas aplicadas e a aplicar” alega que, a concluir-se que o arguido praticou ilícitos penais e que deve ser sancionado, deverá sê-lo pela prática de um crime continuado, que a pena deverá ser fixada em limite não superior a cinco anos de prisão, suspensa na sua execução, e que não foram observados os critérios de fixação das penas parcelares e da pena única, devendo ser reformulado o cúmulo jurídico.

No “Capítulo X”, relativo aos “pedidos de indemnização civil”, alega que deve ser absolvido dos pedidos e que, se assim não se entender, em caso de condenação, devem ser reduzidos, por os montantes serem excessivos.

3.    Dispõe o artigo 411.º, n.º 5, do CPP que “no requerimento de interposição de recurso o recorrente pode requerer que se realize audiência, especificando os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos”. Não basta, pois, que o recorrente requeira a realização de audiência, para que esta deva ter lugar; necessário se torna que o faça especificando, isto é, indicando, particularizando, os pontos da motivação que pretende que sejam debatidos em audiência.

Por sua vez, o artigo 419.º, n.º 3, al. c), estabelece o que o recurso é julgado em conferência quando não tiver sido requerida audiência e não seja necessário proceder à renovação da prova nos termos do artigo 430.º, segundo o qual a renovação da prova é admissível quando o tribunal da relação deva conhecer de facto e de direito, se se verificarem os vícios referidos no n.º 2 do artigo 410.º e houver razões para crer que a renovação da prova permitirá evitar o reenvio do processo.

Assim, sem que seja posto em causa o dever de o tribunal de recurso conhecer de todas as questões suscitadas pelo recorrente e indicadas nas conclusões da motivação (artigo 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso em matéria de direito, conforme se tem repetido em jurisprudência constante deste tribunal, e em conformidade com o princípio da limitação dos atos aos preordenados à realização da finalidade do processo (artigo 130.º do CPC ex vi artigo 4.º do CPP), assegurada a garantia do contraditório e dos direitos de defesa, enquanto dimensão fundamental do processo equitativo (como afirmado no acórdão de 20.12.2017, proc. 10/16.6YGLSB.S1, sumário publicado em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/06/criminal_sumarios _2017.pdf), o regime de julgamento do recurso submete a realização de audiência a estritos requisitos.

Dada a sua natureza excecional em resultado da inversão da anterior regra da oralidade que conduziu à instituição do regime-regra de julgamento em conferência, no sentido de evitar a realização de “atos processuais supérfluos” (cfr. Proposta de Lei 109/X/2, DAR II-A. 23.12.2006), prevê agora o n.º 5 do artigo 411.º que o recorrente requeira a realização da audiência, mas sujeitando-o ao ónus de especificação dos pontos que pretende ver debatidos [salientando este ponto, Pereira Madeira, comentário ao artigo 411.º, Código de Processo Penal comentado, Henriques Gaspar et alii, 2.ª ed., Almedina, 2016, p. 1291, e acórdão de 1.7.2020, proc. 301/19.4T8LSB.L1.S1(Nuno Gonçalves), em https://www.direitoemdia.pt /search/show/2688dbcb025ef9057d3d16a6162f0b8148ade172b6604893a54e453516f3c98e] .

4.   É manifesto que, no seu requerimento, ao fazer uma remissão genérica, “com vista ao debate dos aspectos abordados nos Capítulos III a X da motivação”, o recorrente não satisfaz a exigência de especificação imposta pelo n.º 5 do artigo 411.º do CPP.

Acresce que, sendo o recurso limitado pelas conclusões da motivação, se mostra realizado o contraditório, neste STJ, pelo parecer do Ministério Público emitido nos termos do artigo 416.º do CPP e pela resposta apresentada pelo arguido.

5.   Pelo exposto, o recurso prosseguirá para julgamento em conferência, nos termos do disposto no artigo 419.º, n.º 3, al. c), do CPP, ficando sem efeito o anterior despacho na parte em que ordenou a apresentação do processo ao Exmo. Presidente da Secção nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 421.º.”

Considerou-se subjacente o entendimento de que a invocada “falta de imparcialidade” do Ministério Público, por ser representado pelo mesmo senhor magistrado no Tribunal da Relação e, agora, no Supremo Tribunal de Justiça, nada o impedindo (cfr. artigo 40.º, ex vi artigo 54.º do CPP, que, na parte relativa a atos e intervenções judiciais, se deve entender como limitada a impedimento do juiz – assim, Henriques Gaspar et alii, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2016, p. 169), não é matéria que deva ser conhecida neste recurso (trata-se de matéria a ser apreciada e decidida pelo Ministério Público, por via hierárquica – artigo 54.º, n.º 2, do CPP).

Considera-se também não proceder a alegação da inadmissibilidade de parecer escrito do Ministério Público, nos termos do n.º 1 do artigo 416.º do CPP, nos casos em que vem requerida audiência. Para além de tal cominação não resultar da lei, o n.º 2 do artigo 417, º sugere a não exclusão dessa possibilidade, não obstante o disposto no n.º 2 do artigo 416.º (neste sentido, Simas Santos/Leal-Henriques, Recursos Penais, 9.ª ed., Rei dos Livros, 2020, p. 119), impondo a realização do contraditório sempre que o Ministério Público “não se limitar a apor o seu visto”, o que, como se disse, se mostra efetuado.

Assim, não devendo realizar-se audiência, colhidos os vistos, o recurso seguiu para julgamento em conferência.

II. Fundamentação

Dos factos

9. O tribunal da Relação manteve inalterados os seguintes factos dados como provados no acórdão da 1.ª instância, que, assim, se mostram estabilizados:

“(Da acusação)

 - Visão Geral -

1. As instituições financeiras e de crédito abaixo identificadas são sociedades comerciais cujo objeto social compreende, além do mais, a celebração de contratos de mútuo (financiamentos para aquisições a crédito).

2. A pedido e no interesse dos particulares ou pessoas coletivas que em tais contratos assumem a posição de mutuários, tais instituições financeiras e de crédito financiam a aquisição, junto de determinados fornecedores, de bens de consumo/equipamentos, nomeadamente, de veículos automóveis.

3. De acordo com a organização comercial da maioria destas instituições de crédito, os contratos de mútuo são acordados junto do próprio fornecedor dos bens.

4. Assim, quando o cliente pretende a aquisição de um bem, o respetivo fornecedor informa-o da possibilidade de celebração de um contrato de mútuo para financiar tal aquisição, e caso o cliente o pretenda, procede ao envio de uma proposta contratual à sociedade mutuante, contendo todas as informações financeiras do cliente, tidas como relevantes.

5. Todos os documentos do mutuário indispensáveis à concessão do crédito - documentos de identificação, comprovativos de morada, de rendimentos e de número de identificação bancária - são recebidos pelo fornecedor do bem, a quem compete proceder à sua validação (conferência com os originais) e subsequente envio das respetivas cópias à instituição financeira, para instruir a proposta de financiamento.

6. Recebida e aprovada a proposta, e assinado o contrato de mútuo, a instituição financeira e de crédito mutuante procede ao pagamento integral e imediato do bem ao respetivo fornecedor, e este entrega diretamente o bem ao comprador/mutuário.

7. No caso particular dos contratos de mútuo celebrados para a aquisição de veículos automóveis, por vezes, e dependendo de eventual acordo existente com as instituições financeiras nesse sentido, é o vendedor ou fornecedor do bem quem procede ao registo da aquisição a favor do comprador/mutuário e ao registo da reserva de propriedade a favor da mutuante.

8. Desta forma, toda a relação negocial é baseada na confiança e é intermediada, exclusivamente, pelo próprio vendedor do bem financiado.

9. Nos precisos termos e limites que abaixo serão dados como provados, o arguido AA desenvolveu uma atividade, que na maioria dos casos consistiu na compra e venda de veículos automóveis, com recurso a contratos de financiamento ou mútuo, locação financeira ou aluguer de longa duração, celebrados com várias sociedades ou instituições financeiras e de crédito.

10. Após, sem se mostrarem cumpridas as obrigações contraídas com essas mesmas instituições financeiras e de crédito (algumas das vezes com base em contratos de compra e venda simulados ou inexistentes), e nos precisos termos que abaixo serão dados como provados, o Arguido AA procedeu à venda dos veículos a terceiros.

11. Para o efeito, o Arguido AA logrou desonerar tais veículos dos ónus e encargos que sobre os mesmos impendiam e transmitir a sua propriedade registal para terceiros, através da falsificação de documentos (requerimentos de registo de extinção de reserva de propriedade, requerimentos de transmissão da propriedade automóvel, procurações e reconhecimentos notariais e de advogados), que deram entrada nas Conservatórias de Registo Automóvel, ainda que por intermédio de terceiros, nos precisos termos que se lograram demonstrar, embora no seu interesse e proveito.

12. Desta forma, e nos precisos termos que ficaram demonstrados, o Arguido AA obteve o pagamento do capital mutuado pelas instituições financeiras e de crédito, bem como o pagamento do preço por parte dos adquirentes das viaturas, vítimas dos seus métodos enganosos, locupletando-se com o dinheiro recebido de todos, com o que lhes causou prejuízos patrimoniais.

13. Nos exatos termos que serão dados como provados, o arguido YY foi intermediário do Arguido AA na venda de alguns desses veículos automóveis a terceiros.

14. Nas duas situações abaixo descritas, respeitantes aos casos n.ºs 16 e 23, e nos exatos termos que serão dados como provados, o arguido VV logrou desonerar os veículos automóveis com as matrículas ...-FU-... e ...-EB-... dos ónus e encargos que sobre os mesmos impendiam e transmitir a sua propriedade registal para terceiros, através da falsificação de documentos (requerimentos de registo de extinção de reserva de propriedade, requerimentos de transmissão da propriedade automóvel, procurações e reconhecimentos notariais e de advogados), que deram entrada nas Conservatórias de Registo Automóvel.

15. Nos precisos termos que lograram demonstrar-se, o arguido WW logrou desonerar os veículos automóveis dos ónus e encargos que sobre os mesmos impendiam e transmitir a sua propriedade registal para terceiros, através da falsificação de documentos (requerimentos de registo de extinção de reserva de propriedade, requerimentos de transmissão da propriedade automóvel, procurações e reconhecimentos notariais e de advogados), que deram entrada nas Conservatórias de Registo Automóvel, ainda que por intermédio de terceiros, em seu proveito e interesse.

16. O arguido WW logrou ainda, nos termos que a seguir serão dados como provados, proceder à venda dos veículos automóveis, formalmente livres de ónus ou encargos de acordo com o procedimento descrito, a terceiros, com o que auferiu o preço correspondente, com o consequente prejuízo patrimonial dos respetivos compradores.

17. Para o desenvolvimento da atividade de compra e venda de veículos automóveis, o Arguido AA constituiu as sociedades arguidas “Carlos Domingos Car – Comércio de Automóveis, Sociedade Unipessoal L.da” e “Studiocar – Comércio de Automóveis, L.da”, em nome das quais, muitas das vezes, agiu.

18. A sociedade “Carlos Domingos Car – Comércio de Automóveis, Sociedade Unipessoal, L.da” encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial  ….. sob o n.º 504151215.

19. Tem como único sócio e gerente o arguido AA e o seu objeto social é o comércio, importação e exportação de automóveis novos e usados, acessórios e equipamentos, reparação e montagens de automóveis.

20. Mediante a Ap. 42/…., foi registada na Conservatória do Registo Comercial a dissolução da sociedade “Carlos Domingos Car – Comércio de Automóveis, Sociedade Unipessoal, L.da”, e a nomeação do Arguido AA como respetivo liquidatário.

21. A sociedade “Studiocar – Comércio de Automóveis, L.da” encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial ….. sob o n.º 508382149. Durante muitos anos foi sedeada no Centro Empresarial Sintra Nascente, Edifício 1, Avenida Almirante Gago Coutinho, em Sintra, tendo atualmente a sua sede n Largo do Canto n.º 9, na Covilhã.

22. Foi constituída no dia 18 de dezembro de 2007, tendo, então, como sócios, e gerentes, UU e ZZ, respetivamente a companheira e o filho do arguido AA, e o seu objeto social é o comércio, importação e exportação de automóveis novos e usados, acessórios e equipamentos, reparação e montagem de automóveis.

23. Após sucessivas alterações ao respetivo contrato de sociedade, a arguida “Studiocar – Comércio de Automóveis, L.da” teve, por fim, como único sócio e gerente AAA, encontrando-se atualmente extinta.

24. Pese embora nunca tenha tido qualquer participação social na referida sociedade, o Arguido AA sempre foi o seu gerente de facto, e também o respetivo procurador, conforme procuração outorgada no dia 24 de janeiro de 2008.


- I -


Nuipc´s n.ºs 1400/10….. e 1325/10…… (….., com a matrícula ...-...-NI, Arguido AA)

25. No dia ... de setembro de 2007, BB adquiriu ao Arguido AA, na qualidade de ....... da arguida “CD Car”, o veículo automóvel da marca ….., com a matrícula ...-...-NI, pelo preço de € 50.625.

26. Para o efeito, BB celebrou com a “Credifin” um contrato de mútuo no referido valor, ficando o veículo registado em nome do mutuário, com reserva de propriedade a favor da referida instituição financeira.

27. Em junho de 2008, BB entregou a viatura ao Arguido AA, para que o mesmo intermediasse a respetiva venda.

28. Em virtude da existência daquela reserva de propriedade a favor da “Credifin”, bem como da dívida subjacente, ambos acordaram que BB assumiria o pagamento das prestações e que, após a venda, o adquirente assumiria a sua posição contratual no mútuo celebrado, sem prejuízo de, caso viesse a verificar-se demora na respetiva concretização, o Arguido AA assumir tal pagamento, tendo pago, no máximo, cerca de cinco ou seis prestações.

29. Confiando em que a venda do veículo não se havia, entretanto, concretizado, e face à demora verificada, em data não concretamente apurada do ano de 2009, anterior a 10 de março, BB solicitou ao Arguido AA a devolução do veículo ...-...-NI, o que o mesmo fez, por então se encontrar na respetiva posse, nos termos que abaixo serão precisados.

30. Antes da referida data, porém, e embora a dívida à instituição financeira “Credifin” não estivesse ainda totalmente paga, encontrando-se BB a proceder ao pagamento das respetivas prestações, a reserva de propriedade a favor da primeira foi declarada extinta, de forma e em circunstâncias não concretamente apuradas, mediante requerimento apresentado na Conservatória do Registo Automóvel no dia 27 de junho de 2008.

31. E¸ no dia ... de junho de 2008, na qualidade de ....... da arguida “CD Car”, o Arguido AA celebrou com CC um contrato de compra e venda, pelo qual lhe vendeu o veículo ....., com a matrícula ...-...-NI, pelo preço de € 49.000, declarando-lhe que o mesmo se encontrava livre de ónus ou encargos, circunstância que ele confiou ser verdade.

32. Para pagamento desta quantia, CC celebrou um contrato de mútuo com o “Banco Santander Consumer Portugal, S.A.”, no valor de € 49.000, ficando o veículo registado na Conservatória do Registo Automóvel em nome do comprador/mutuário, com reserva de propriedade a favor daquela instituição financeira, mediante requerimento ali apresentado no dia 27 de junho de 2008 (apresentação n.º ….).

33. Para que tal pudesse verificar-se, antes do registo descrito em 32) o Arguido AA preencheu, ou mandou preencher por terceiro em seu proveito, um requerimento de registo de transferência de propriedade automóvel, que apresentou na Conservatória do Registo Automóvel no mesmo dia 27 de junho de 2008, mas imediatamente anterior àquele, com a apresentação n.º …., com o nome, os elementos de identificação e a assinatura, que procuraram imitar, de BB (em nome de quem a viatura se encontrava registada), na qualidade de vendedor, declarando vendê-la ao “Banco Santander Consumer Portugal, S.A.”, assim logrando o registo da transmissão.

34. Celebrado o contrato nestes termos, o “Banco Santander Consumer” procedeu ao pagamento ao Arguido AA da quantia de € 49.000, correspondente ao valor financiado.

35. O Arguido AA não prestou quaisquer contas a BB do negócio realizado, o qual não assinou o documento citado, nem recebeu qualquer contrapartida monetária pelo mesmo, que igualmente desconhecia.

36. Sem prejuízo da venda realizada a CC, a viatura ...-...-NI foi por aquele devolvida ao Arguido AA, em virtude de uma avaria, o que sucedeu em data anterior a 10 de março de 2009.

37. Também em virtude do facto descrito em 29), no dia ... de março de 2009 foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel o requerimento de extinção de reserva de propriedade a favor do “Banco Santander Consumer, S.A.” (apresentação n.º ….), sendo que na mesma data foi ali igualmente apresentado um requerimento de transmissão da propriedade do veículo ...-...-NI, nele figurando, como vendedor, CC, e como comprador, BB.

38. Posteriormente, em data não apurada, compreendida entre ... de março de 2009 e janeiro de 2010, o ofendido BB voltou a entregar a viatura ao Arguido AA, para que este intermediasse a respetiva venda.

39. Na posse da viatura, em janeiro de 2010, o Arguido AA celebrou com HH, mãe de BBB, um contrato de compra e venda, pelo qual lhe vendeu o referido veículo automóvel, pela quantia de € 41.000, tendo-lhe declarado, então, que o mesmo se encontrava livre de ónus e encargos, circunstância que ela confiou ser verdade.

40. Seguidamente o Arguido AA preencheu, ou mandou preencher por terceiro em seu proveito, o requerimento de registo de propriedade automóvel (modelo único - declaração de venda), que foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel no dia 11 de janeiro de 2010, com o nome, os elementos de identificação e a assinatura, que procurou imitar, de BB (em nome de quem a viatura se encontrava, de novo, registada), na qualidade de vendedor, e de BBB, na qualidade de comprador (conforme combinado, aliás, com a mãe deste), assim logrando o respetivo registo de transmissão da propriedade.

41. Para o efeito, BB nunca entregou ao arguido qualquer declaração de venda, nem assinou nenhum documento nesse sentido, desconhecendo ainda o negócio realizado.

42. Em outubro de 2010, HH procedeu à entrega do veículo ao Arguido AA, para que o vendesse, tendo-lhe este entregado, para garantia dessa venda, um cheque no valor de € 41.000, correspondente ao valor comercial que o veículo tinha à data (mas que não tinha provisão).

43. O veículo ....., com a matrícula ...-...-NI foi vendido pelo arguido YY, na qualidade de intermediário/comissionista do Arguido AA, a CCC, legal representante da sociedade “BRS Automóveis – Unipessoal, L.da”, na posse de quem veio a ser apreendido.

44. O Arguido AA quis apropriar-se da viatura que lhe foi entregue por título não translativo da propriedade por BB, para a vender em nome deste, o que não fez, vendendo-a, antes, como se fosse o seu legítimo proprietário, sem o conhecimento do mesmo, sem lhe prestar quaisquer contas e fazendo sua a quantia respeitante ao preço da venda, obtendo, por esta via, para si, um enriquecimento ilegítimo.

45. O Arguido AA quis utilizar o estratagema engenhoso descrito e enganar CC e HH, o que conseguiu, levando-os à prática de atos que lhes causaram prejuízos patrimoniais, apropriando-se ilegitimamente de quantias que integrou no seu património e obtendo, por esta via, para si, um enriquecimento a que sabia não ter direito.

46. O Arguido AA quis e conseguiu elaborar, ou mandar elaborar por terceiro, e apresentar na Conservatória do Registo Automóvel, os requerimentos de transferência de propriedade, bem sabendo que os mesmos integravam declarações e a assinatura falsa de BB, e bem assim que não correspondiam à vontade do seu pretenso emitente, obtendo, por esta via, para si, uma vantagem patrimonial ilegítima.

47. O Arguido AA agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, visando obter benefícios patrimoniais ilegítimos, geradores de um enriquecimento ilícito, com o concomitante prejuízo patrimonial de terceiros, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.


- II -


Nuipc n.º 4018/10…… (......., com a matrícula ...-AZ-..., Arguido AA)

48. No dia ... de março de 2006, a sociedade “Eventos em Grande – Realização de Eventos e Restauração, L.da”, adquiriu o veículo automóvel ……, com a matrícula ...-AZ-..., ficando o mesmo registado na Conservatória do Registo Automóvel, em seu nome, no dia 13 de outubro de 2006.

49. Pretendendo os sócios da referida sociedade – que são, pelo menos em parte, comuns à sociedade “Rastriphar - Equipamentos e Serviços, L.da” -, vender a esta última o veículo ...-AZ-..., o Arguido AA, na qualidade de ....... da sociedade arguida “CD Car”, intermediou o referido negócio, bem como a celebração, pela segunda, com a instituição financeira “Credifin – Banco de Crédito ao Consumo, S.A.”, de um contrato de mútuo, tendo em vista o financiamento daquela aquisição, no valor de € 51.500.

50. Tal contrato foi celebrado no dia ... de novembro de 2007, nele figurando como fornecedor do bem a arguida “CD Car”.

51. No dia ... de janeiro de 2008, o veículo ......., com a matrícula ...-AZ-..., foi registado na Conservatória do Registo Automóvel em nome da “Rastriphar, L.da”, com hipoteca voluntária a favor da “Credifin”.

52. Posteriormente, em julho de 2008, a sociedade decidiu vender o veículo ao seu sócio DDD, tendo acordado com o Arguido AA que ele trataria de toda a documentação e de um novo financiamento, assim como, com o valor financiado, procederia igualmente ao pagamento da dívida ainda existente à “Credifin”.

53. Os legais representantes da sociedade “Rastriphar, L.da” confiaram que o arguido procederia nos termos acordados, até porque o mesmo sabia da existência da hipoteca voluntária a favor da referida instituição financeira, sem o que não seria possível proceder à transferência de propriedade da viatura para o comprador.

54. Para pagamento do veículo, DDD celebrou um contrato de mútuo com o “Banco Primus, S.A.” (com intermediação do Arguido AA, a quem competia elaborar todo o expediente), no valor de € 50.000, ficando o veículo registado na Conservatória do Registo Automóvel em nome do comprador, com reserva de propriedade a favor daquela instituição, o que sucedeu no dia 21 de julho de 2008.

55. Celebrado o contrato nestes termos, o “Banco Primus, S.A.” procedeu ao pagamento ao Arguido AA da quantia de € 50.000, correspondente ao valor financiado, valor que este recebeu e integrou no respetivo património.

56. Todavia, o Arguido AA não procedeu ao pagamento da dívida à “Credifin” e locupletou-se com a quantia de € 50.000, que lhe foi entregue pelo “Banco Primus”.

57. Não obstante, sem que estivessem integralmente pagas as prestações devidas à “Credifin”, no dia ... de julho de 2008, e anteriormente ao registo referido em 54), foi registada a extinção da hipoteca voluntária constituída a favor da mesma, de modo e em circunstâncias não concretamente apurados.

58. A “Credifin” exigiu à “Rastriphar, L.da” o pagamento da quantia em dívida, tendo interposto, para o efeito, uma ação judicial.

59. O veículo e os respetivos documentos foram apreendidos na posse de DDD.

60. O Arguido AA quis utilizar o estratagema engenhoso descrito e enganar a sociedade “Rastriphar, L.da”, o que conseguiu, levando os seus representantes à prática de atos que lhes causaram prejuízos patrimoniais, apropriando-se ilegitimamente de quantia monetária que integrou no seu património e obtendo, por esta via, para si, um enriquecimento a que sabia não ter direito.

61. O Arguido AA agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito acima referenciado, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.


- III -


Nuipc n.º 4017/10……, ....., com a matrícula ...-...-PX, Arguido AA)

62. PP celebrou vários negócios de compra e venda de automóveis com o Arguido AA, entregando-lhe, para tanto, fotocópias de documentos seus, onde constavam os respetivos elementos de identificação e assinatura, designadamente o bilhete de identidade e o cartão de contribuinte.

63. Munido dos elementos identificativos de PP, o Arguido AA, na qualidade de legal representante (procurador) da arguida “Studiocar, L.da”, requereu um financiamento junto da instituição financeira “GE Consumer Finance, I.F.I.C., Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, para um simulado contrato de compra e venda, pelo qual – alegadamente - vendeu a PP o veículo automóvel da marca ......., com a matrícula ...-...-PX, pela quantia de € 50.000.

64. Aprovado o contrato nestes termos, no dia 15 de março de 2008 aquela instituição financeira celebrou o contrato de mútuo correspondente, tendo o Arguido AA, ou terceiro no seu interesse, aposto a assinatura do PP no lugar de mutuário.

65. O veículo foi registado na Conservatória do Registo Automóvel em nome de PP, com uma hipoteca voluntária constituída a favor da “GE Consumer”, sendo que o primeiro não participou nem assinou nenhum documento referente a tal negócio.

66. Em consequência, a “GE Consumer Finance, I.F.I.C.” procedeu ao pagamento ao Arguido AA da quantia de € 50.000, correspondente ao valor financiado, quantia que ele recebeu e integrou no respetivo património, ficando o mutuário responsável pelo pagamento do valor total de € 65.887,41.

67. Sem que a dívida àquela financeira estivesse integralmente paga, o Arguido AA elaborou, ou mandou elaborar por terceiro em seu proveito, o requerimento que foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel no dia 2 de outubro de 2008, tendo em vista a extinção da referida hipoteca constituída a favor da primeira, logrando tal desiderato.

68. Nesse documento, quer a assinatura da legal representante da “GE Consumer”, EEE, quer o reconhecimento dessa assinatura pela advogada FFF, são falsos, pois não foram assinados pela pessoa em causa, nem o seu reconhecimento foi efetuado pela referida advogada.

69. Seguidamente, e de novo munido dos elementos identificativos de PP, no dia ... de março de 2008, o Arguido AA requereu um outro financiamento, para a mesma viatura, junto do “Banif Go, Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, para outro simulado contrato de compra e venda, pelo qual alegadamente vendeu a PP o mesmo veículo automóvel da marca ......., com a matrícula ...-...-PX, pela quantia de € 50.000.

70. Aprovado o contrato nestes termos, aquela instituição financeira celebrou o contrato de mútuo correspondente, tendo o Arguido AA, ou terceiro no seu interesse, aposto a assinatura de PP, no lugar de mutuário.

71. PP não participou nem assinou nenhum documento referente a tal negócio, sendo que o Arguido AA também não promoveu qualquer alteração na situação do registo do veículo com a matrícula ...-...-PX na Conservatória do Registo Automóvel.

72. Celebrado o contrato nestes termos, o “Banif” procedeu ao pagamento ao Arguido AA da quantia de € 50.000, correspondente ao valor financiado, quantia que este recebeu e integrou no respetivo património.

73. Ao mesmo tempo, e consequentemente, PP ficou responsável pelo pagamento do capital mutuado.

74. Seguidamente, o Arguido AA celebrou com GGG um contrato de compra e venda, pelo qual lhe vendeu o referido veículo automóvel, pelo preço de € 35.000, quantia que ela pagou e o arguido recebeu e integrou no respetivo, garantindo-lhe, então, que aquele se encontrava livre de ónus e encargos, razão pela qual GGG o adquiriu.

75. No dia ... de outubro de 2008, o Arguido AA elaborou, ou mandou elaborar por terceiro em seu proveito, um requerimento de registo de transferência da propriedade automóvel, com o nome, os elementos de identificação e a assinatura, que procuraram imitar, de PP (em nome de quem a viatura ainda se encontrava registada), na qualidade de vendedor e de GGG, na qualidade de compradora, logrando tal desiderato.

76. PP não participou do negócio nem assinou nenhum documento referente a este veículo com a matrícula ...-...-PX.

77. Algum tempo depois, a compradora não gostou da viatura e trocou-a por outra no stand do Arguido AA, razão pela qual não teve nenhum prejuízo efetivo.

78. Após outras transações do mesmo veículo, o Arguido AA acabou por registá-lo, no dia ... de fevereiro de 2009, em nome da sua nora, HHH, vendendo-a posteriormente, no dia 18 de maio de 2010, a III, pelo preço de € 31.000, que a registou em seu nome e em poder de quem foi apreendida, juntamente com o certificado de matrícula.

79. O Arguido AA quis e conseguiu utilizar os estratagemas astuciosos descritos e enganar as duas instituições financeiras acima identificadas, levando-as à prática de atos que lhes causaram prejuízos patrimoniais, apropriando-se ilegitimamente de quantias que integrou no seu património e obtendo, por esta via, para si, um enriquecimento a que sabia não ter direito.

80. O Arguido AA quis e conseguiu elaborar dois contratos de mútuo e apresentar na Conservatória do Registo Automóvel os documentos de registo de transferência da propriedade da viatura e de extinção de hipoteca, bem sabendo que os mesmos integravam declarações e assinaturas falsas de, pelo menos, PP e do representante da “GE Consumer”, e não correspondiam à vontade dos seus pretensos emitentes, obtendo, por esta via, para si, benefícios ilegítimos, com o concomitante prejuízo patrimonial de terceiros.

81. O Arguido AA agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, com os propósitos referenciados, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.


- IV -


Nuipc n.º 4017/10….. (......, com a matrícula ...-AC-..., Arguido AA)

82. Uma vez mais munido dos elementos identificativos de PP, nos termos acima descritos, o Arguido AA, na qualidade de ....... da “CD Car”, requereu um financiamento junto do “Banco Santander Consumer Portugal, S.A.”, para um simulado contrato de compra e venda, pelo qual alegadamente vendeu ao primeiro o veículo automóvel da marca ......, com a matrícula ...-AC-..., pela quantia de € 48.157,61.

83. Aprovado o contrato nestes termos, foi o mesmo celebrado no dia ... de março de 2008, tendo o Arguido AA, ou terceiro no seu interesse, aposto a assinatura de PP no lugar do mutuário.

84. Em consequência, aquela instituição financeira procedeu ao pagamento ao Arguido AA da quantia de € 48.157,61, correspondente ao valor financiado, quantia que o mesmo recebeu e integrou no respetivo património.

85. No dia ... de abril de 2008, o veículo ...-AC-... foi registado na Conservatória do Registo Automóvel em nome de PP, com reserva de propriedade a favor do “Banco Santander Consumer Portugal, S.A.”, e com a sua assinatura, sendo que o primeiro não participou nem assinou nenhum documento referente a tal negócio.

86. Consequentemente, PP ficou responsável pelo pagamento àquela instituição financeira do capital mutuado, de € 48.157,61.

87. Sem que a dívida ao “Banco Santander Consumer” estivesse integralmente paga, o Arguido AA elaborou, ou mandou elaborar por terceiro em seu proveito, o requerimento que apresentou na Conservatória do Registo Automóvel no dia 30 de dezembro de 2008, tendo em vista a extinção da referida reserva de propriedade a favor da referida instituição, logrando tal desiderato.

88. Nesse documento, quer a assinatura do legal representante da financeira, JJJ, quer o reconhecimento dessa assinatura pela advogada KKK, são falsos, pois não foram assinados pela pessoa em causa, nem o seu reconhecimento foi efetuado pela referida advogada.

89. Antes dessa data, porém, no dia ... de outubro de 2008, o Arguido AA celebrou com II um contrato de compra e venda, pelo qual lhe vendeu o referido veículo automóvel, pelo preço de € 32.000, garantindo-lhe, então, que a viatura se encontrava livre de ónus e encargos, razão pela qual aquela o adquiriu.

90. Para pagamento da viatura, II, sempre com a intermediação do Arguido AA, a quem competia elaborar todo o expediente, celebrou um contrato de mútuo com o “Banco Primus, S.A.”, no valor de € 32.000, ficando o veículo com reserva de propriedade a favor desta instituição financeira (uma vez que a reserva de propriedade a favor da anterior se encontrava extinta).

91. Em consequência do contrato de mútuo celebrado, o “Banco Primus, S.A.” entregou ao Arguido AA a quantia de € 32.000, correspondente ao valor financiado, quantia que ele recebeu e integrou no respetivo património.

92. No dia ... de dezembro de 2008, o Arguido AA elaborou, ou mandou elaborar por terceiro em seu proveito, o requerimento de registo de transferência da propriedade automóvel, com o nome, os elementos de identificação e a assinatura, que procuraram imitar, de PP (em nome de quem a viatura se encontrava registada), na qualidade de vendedor, e do “Banco Primus, S.A.”, na qualidade de comprador.

93. PP não participou nem assinou nenhum documento referente a este negócio.

94. O veículo ...-AC-... e os respetivos documentos foram apreendidos em poder de II.

95. O Arguido AA quis e conseguiu utilizar os estratagemas astuciosos descritos e enganar as instituições financeiras “Banco Santander Consumer Portugal, S.A.” e “Banco Primus, S.A.”, e II, levando-as à prática de atos que lhes causaram prejuízos patrimoniais, apropriando-se ilegitimamente de quantias que integrou no seu património e obtendo, por esta via, para si, um enriquecimento a que sabia não ter direito.

96. O Arguido AA quis e conseguiu celebrar contratos de mútuo e apresentar na Conservatória do Registo Automóvel os documentos de registo de transferência de propriedade da viatura e de extinção de reserva de propriedade, bem sabendo que os mesmos integravam declarações e assinaturas falsas e não correspondiam à vontade dos seus pretensos emitentes, visando obter benefícios ilegítimos, com o concomitante prejuízo patrimonial de terceiros.

97. O Arguido AA agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.


- V -


Nuipc n.º 1187/10…… (....., com a matrícula ...-...-ZD, Arguido AA)

98. CC adquiriu ao Arguido AA, na qualidade de legal representante (procurador) da sociedade “Studiocar, Comércio de Automóveis, L.da”, um veículo automóvel da marca ....., com a matrícula ...-...-ZD, tendo circulado com o mesmo cerca de um mês.

99. No dia ... de maio de 2008, CC acordou com o Arguido AA a intermediação da venda do referido veículo, na perspetiva da aquisição de um outro, no caso o veículo da marca ....., com a matrícula ...-...-NI (a que alude o caso I).

100. Confiando que o arguido procederia conforme o acordado, e para tal efeito, CC entregou ao arguido a referida viatura.

101. No dia seguinte, ... de maio de 2008, o Arguido AA remeteu para os serviços do “BBVA, Instituição Financeira de Crédito, S.A.” uma proposta de financiamento, bem como toda a documentação necessária - elementos de identificação da viatura e do mutuário, comprovativos de morada e de número de identificação bancária, e declaração de IRS -, no valor de € 32.510,74, para o seu alegado cliente CC, tendo em vista a aquisição, pelo mesmo, da viatura da marca ....., com a matrícula ...-...-ZD.

102. A referida instituição bancária aprovou o crédito e celebrou o contrato de mútuo, que o Arguido AA, ou terceiro no seu interesse, assinou, imitando a assinatura do CC, e pagou ao Arguido AA a quantia de € 32.510,74, ficando o veículo registado em nome do alegado mutuário, CC, com reserva de propriedade a favor do “BBVA”.

103. Todavia, CC não celebrou o contrato de mútuo com o “BBVA”, nem assinou qualquer documento referente ao mesmo, sendo falsa a situação criada pelo arguido.

104. Sem que a dívida a instituição financeira estivesse integralmente paga, o Arguido AA elaborou, ou mandou elaborar por terceiro em seu proveito, um requerimento que foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel no dia 20 de fevereiro de 2009, tendo em vista a extinção da referida reserva de propriedade a favor da primeira.

105. Nesse documento, quer as assinaturas dos legais representantes do “BBVA”, LLL e MMM, quer o reconhecimento dessas assinaturas por NNN, são falsos, pois não foram assinados pelas pessoas em causa, nem o seu reconhecimento foi efetuado pela referida advogada.

106. Desta forma, o Arguido AA conseguiu que a Conservatória do Registo Automóvel declarasse extinta a reserva de propriedade que pendia sobre a viatura.

107. O “BBVA – Instituição Financeira de Crédito, S.A.” não recebeu as prestações devidas por força do contrato de mútuo celebrado, no montante de € 34.744,18.

108. Antes, porém, da referida extinção de reserva de propriedade, em agosto ou setembro de 2008, o Arguido AA (com intermediação de OOO) celebrou com JJ um contrato de compra e venda, pelo qual lhe vendeu o referido veículo automóvel, pela quantia de € 25.000, garantindo-lhe que a viatura estava livre de ónus e encargos, razão pela qual o JJ a adquiriu.

109. Para pagamento desta quantia, JJ celebrou um contrato de mútuo com o “Banco Santander Consumer”, no valor de € 25.000, ficando o veículo registado em nome do mutuário apenas no dia 20 de fevereiro de 2009, com reserva de propriedade a favor daquela instituição financeira.

110. Celebrado o contrato nestes termos, o “Banco Santander Consumer” procedeu ao pagamento ao Arguido AA da quantia de € 25.000, correspondente ao valor da compra do veículo, ficando o mutuário responsável pelo pagamento das prestações derivadas daquele.

111. O veículo e os seus documentos foram apreendidos na posse de JJ.

112. O Arguido AA não entregou a CC qualquer dinheiro resultante da venda efetuada, tendo-se locupletado com o dinheiro que recebeu do “BBVA” e do “Banco Santander Consumer”.

113. O Arguido AA quis apropriar-se da viatura que lhe foi entregue por CC, por título não translativo da propriedade, para a vender em nome daquele, o que não fez, vendendo-a, antes, em nome próprio, e locupletando-se com a quantia recebida, obtendo, por esta via, para si, um enriquecimento a que sabia não ter direito.

114. O Arguido AA quis e conseguiu utilizar os estratagemas astuciosos descritos e enganar o “BBVA” e JJ, levando-os à prática de atos que lhes causaram prejuízos patrimoniais, apropriando-se ilegitimamente de quantias que integrou no respetivo património, obtendo, por esta via, para si, um enriquecimento a que sabia não ter direito.

115. O Arguido AA quis e conseguiu elaborar um contrato de mútuo em nome de CC, bem como apresentar na Conservatória do Registo Automóvel os documentos de registo de extinção de reserva de propriedade e de pedido de emissão de 2ª via do certificado de matrícula da viatura, bem sabendo que os mesmos integravam declarações e assinaturas falsas de CC, no caso do contrato, e de LLL, MMM e NNN, no outro caso, e bem assim que não correspondiam à vontade dos seus pretensos emitentes, obtendo, por esta via, para si, benefícios a que sabia não ter direito.

116. O Arguido AA agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, visando os propósitos acima enunciados, bem sabendo que tais condutas eram proibidas e punidas por lei.


- VI -


Nuipc’s n.ºs 1186/10….. e 4102/10…… (......, com a matrícula ...-DB-..., Arguido AA)

117. Durante cerca de dez anos, o assistente PPP celebrou vários negócios de compra e venda de veículos automóveis com o Arguido AA, todos eles mediante o recurso ao crédito bancário.

118. Para o efeito, PPP entregou-lhe, várias vezes, fotocópias de documentos seus, onde constavam os respetivos elementos de identificação e assinatura, designadamente o bilhete de identidade e o cartão de contribuinte.

119. Munido dos elementos identificativos do PPP, no dia ... de julho de 2008, o Arguido AA, em representação da arguida “Studiocar”, remeteu para os serviços do “BBVA, Instituição Financeira de Crédito, S.A.” uma proposta de financiamento, bem como toda a documentação relativa ao mutuário (elementos de identificação, comprovativos de morada e de número de identificação bancária, recibo de vencimento e declaração de IRS), tendo em vista a alegada aquisição, por aquele, do veículo ...... com a matrícula ...-DB-..., no valor de € 49.000.

120. Aquela instituição financeira aprovou o crédito e, celebrado o contrato de mútuo no dia imediatamente seguinte, 4 de julho de 2008, pagou ao Arguido AA a quantia de € 49.000, ficando o veículo registado em nome de PPP, com reserva de propriedade a favor do “BBVA”.

121. Todavia, o assistente PPP não teve qualquer intenção de celebrar o contrato de compra e venda subjacente ao contrato de mútuo, nem quis solicitar qualquer crédito, não sendo real a situação negocial criada pelo arguido.

122. Sem que a divida à instituição financeira estivesse integralmente paga, o Arguido AA elaborou, ou mandou elaborar por terceiro em seu proveito, o requerimento que foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel no dia 10 de março de 2009, tendo em vista a extinção da referida reserva de propriedade a favor da primeira.

123. Nesse documento, quer as assinaturas dos legais representantes do “BBVA”, LLL e MMM, quer o reconhecimento presencial dessas assinaturas por NNN, são falsos, pois não foram assinados pelas pessoas em causa, nem o seu reconhecimento foi emitido pela referida advogada.

124. Desta forma, o Arguido AA conseguiu que a Conservatória do Registo Automóvel declarasse extinta a reserva de propriedade que pendia sobre a viatura ...-DB-....

125. Antes, porém, da referida data, em novembro de 2008, o Arguido AA celebrou com KK um contrato de compra e venda, pelo qual lhe vendeu o referido veículo automóvel por cerca de € 47.500, garantindo-lhe, então, que aquele se encontrava livre de ónus e encargos, razão pela qual KK o comprou.

126. Após a extinção de reserva de propriedade, no mesmo dia ... de março de 2009, o Arguido AA preencheu, ou mandou preencher por terceiro em seu proveito, o requerimento de transferência de registo de propriedade automóvel, que foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel, com o nome, os elementos de identificação e a alegada assinatura, que procuraram imitar, do assistente PPP, na qualidade de vendedor, declarando que vendeu a viatura ao KK, assim logrando o registo da transmissão de propriedade a favor deste último.

127. Do modo descrito, o Arguido AA não só logrou receber do “BBVA” o montante do financiamento da viatura, de € 49.000, como também o preço pago, pela mesma, por KK, de cerca de € 47.500.

128. O veículo foi posteriormente apreendido na posse de KK.

129. O Arguido AA quis e conseguiu utilizar os estratagemas astuciosos descritos e enganar a instituição financeira “BBVA” e KK, levando-os à prática de atos que lhes causaram prejuízos patrimoniais nos montantes acima, respetivamente, referenciados, apropriando-se ilegitimamente das referidas quantias, que integrou no respetivo património, obtendo, por esta via, para si, um enriquecimento a que sabia não ter direito.

130. O Arguido AA quis e conseguiu elaborar um contrato de financiamento/mútuo e apresentar na Conservatória do Registo automóvel os documentos de registo de extinção de reserva de propriedade e de transferência de propriedade da viatura, bem sabendo que todos eles integravam declarações falsas, sendo que o segundo e terceiro integravam ainda as assinaturas falsas de PPP, LLL, MMM e NNN, e que não correspondiam à vontade dos seus pretensos emitentes, obtendo, por esta via, para si, benefícios ilegítimos.

131. O arguido agiu sempre de forma deliberada, livre e consciente, com os propósitos anteriormente descritos, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.


- VII -


Nuipc n.º 1136/10…… (........, com a matrícula ...-...-TC, Arguido AA)

132. Em abril de 2006, o Arguido AA, na qualidade de ....... da arguida “CD Car”, celebrou com DD e EE, um contrato de compra e venda, pelo qual lhes vendeu o veículo automóvel da marca …., modelo ….., com a matrícula ...-...-TC, pela quantia de € 40.000.

133. Para pagamento desta quantia, no dia 26 de abril de 2006 DD celebrou um contrato de financiamento/mútuo (por intermédio do fornecedor do bem, a quem competia elaborar todo o expediente), com a “Credifin”, no montante de € 40.000, ficando o veículo registado em nome de EE, com reserva de propriedade a favor daquela instituição financeira.

134. Celebrado o contrato nestes termos, a “Credifin” procedeu ao pagamento ao Arguido AA da quantia de € 40.000, correspondente ao valor financiado.

135. Em virtude de problemas técnicos graves verificados na aludida viatura, em outubro de 2008 o assistente DD entregou-a ao Arguido AA, para que procedesse à respetiva reparação e a vendesse a terceiro, pois já não estava interessado na mesma, pretendendo, no entanto, adquirir-lhe um outro veículo automóvel.

136. Em consequência, no dia 1 de outubro de 2008, o Arguido AA celebrou com DD um novo contrato de compra e venda, pelo qual lhe vendeu o veículo automóvel da marca …., modelo …., com a matrícula ...-EV-..., que uma vez mais ficou registado em nome de EE.

137. Ficou igualmente acordado que até ao momento da venda do veículo ...-...-TC, o assistente DD continuaria a pagar à instituição financeira as prestações relativas ao respetivo contrato de mútuo, e que após a sua venda fariam um encontro de contas, com o pagamento do capital que ainda estivesse em dívida.

138. O Arguido AA celebrou, então, com LL, em janeiro de 2009, um contrato de compra e venda, pelo qual lhe vendeu o referido veículo automóvel com a matrícula ...-...-TC, pelo preço de € 20.000, que recebeu, sabendo que o mesmo pertencia a EE e garantindo ao comprador que tal viatura se encontrava livre de ónus e encargos, razão pela qual o LL a comprou.

139. Entretanto, sem que estivessem integralmente pagas as prestações referentes ao financiamento do veículo ...-...-TC, no dia 11 de maio de 2009 a “Credifin” (atual “BNP Paribas Personal Finance”) requereu a extinção do registo de reserva de propriedade dessa viatura a seu favor, por motivos e em circunstâncias não concretamente apurados.

140. Seguidamente, o Arguido AA preencheu, ou mandou preencher por terceiro em seu proveito, o requerimento de registo de transferência de propriedade automóvel que foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel no mesmo dia 11 de maio de 2009, com o nome, os elementos de identificação e a alegada assinatura, que procuraram imitar, de EE (em nome de quem a viatura se encontrava registada), na qualidade de vendedora, declarando que vendeu a viatura a QQQ, esposa de LL.

141. Todavia, a titular inscrita, EE, não celebrou o contrato de compra e venda subjacente àquele registo de transferência de propriedade a favor de QQQ, nem dele teve conhecimento, e não assinou qualquer documento, sendo falsa a situação negocial criada pelo Arguido AA, bem como a assinatura da primeira.

142. Para além disso, e não obstante o acordado com o assistente DD, o Arguido AA não procedeu ao pagamento do remanescente da dívida à “Credifin”, nem entrou em acerto de contas com aquele, continuando o assistente responsável pelo pagamento das demais prestações devidas.

143. Na sequência de várias transações, a viatura ...-...-TC veio a ser apreendida na posse de RRR.

144. O Arguido AA quis utilizar os estratagemas engenhosos descritos e enganar LL, o que conseguiu, levando-o à prática de atos que lhe causaram prejuízos patrimoniais, apropriando-se ilegitimamente de quantia monetária que integrou no seu património e obtendo, por esta via, para si, um enriquecimento a que sabia não ter direito.

145. O Arguido AA quis e conseguiu elaborar e apresentar, ainda que por intermédio de terceiro no seu interesse, na Conservatória do Registo Automóvel, o requerimento transferência de propriedade da viatura ...-...-TC, bem sabendo que o mesmo integrava declarações e a assinatura falsa de EE, e não correspondia à vontade da mesma, obtendo, por esta via, para si, um benefício patrimonial a que sabia não ter direito.

146. O Arguido AA agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, visando obter benefícios patrimoniais a que sabia não ter direito, com o consequente prejuízo patrimonial de terceiros, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.


- VIII -


Nuipc n.º 3.349/10…… (........, com a matrícula ...-BT-..., Arguido AA)

147. Em setembro de 2006, o Arguido AA, na qualidade de legal representante da “CD Car”, celebrou com FF um contrato de compra e venda, pelo qual lhe vendeu o veículo automóvel da marca ........, com a matrícula ...-BT-....

148. Para pagamento do preço, FF celebrou um contrato de mútuo com a instituição financeira “Credifin”, no valor de € 23.500, ficando o veículo registado em nome do mutuário, com reserva de propriedade a favor daquela.

149. Celebrado o contrato nestes termos, a “Credifin” (atualmente, “Banco BNP Paribas Personal Finance”) procedeu ao pagamento ao Arguido AA da quantia de € 23.500, correspondente ao valor financiado, que o mesmo integrou no respetivo património.

150. Em março de 2008, o Arguido AA celebrou com FF um novo contrato de compra e venda, pelo qual lhe vendeu o veículo automóvel da marca ......., com a matrícula ...-CO-..., pelo montante de € 36.000, recebendo, como parte do preço, a retoma do referido veículo com a matrícula ...-BT-..., que o Arguido AA avaliou em € 18.000.

151. Ficou acordado entre ambos que até ao momento da venda, FF continuaria a pagar à instituição financeira as prestações do contrato de financiamento relativo ao veículo com a matrícula ...-BT-..., e que após a respetiva venda seria liquidado o remanescente em dívida, eventualmente com a transferência do crédito para o novo veículo adquirido (o de matrícula ...-CO-...).

152. Todavia, sem que estivessem integralmente pagas as prestações, a “Credifin” requereu, indevidamente, a extinção do registo de reserva de propriedade da viatura, em circunstâncias que não foram concretamente apuradas, mediante requerimento apresentado na Conservatória do Registo Automóvel no dia 19 de maio de 2009.

153. Antes, porém, no dia ... de outubro de 2008, o Arguido AA celebrou com LL, representante do stand “Domingos & Duarte”, um contrato de compra e venda, pelo qual lhe vendeu o veículo automóvel com a matrícula ...-BT-..., pelo preço de € 14.000.

154. O Arguido AA recebeu a referida quantia, que integrou no respetivo património, bem sabendo que tal viatura era propriedade de FF.

155. Nessa ocasião, o arguido garantiu ao comprador que a viatura se encontrava livre de ónus e encargos, razão pela qual LL a comprou.

156. No dia ... de maio de 2009, pelo Arguido AA, ou por terceiro no seu interesse, foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel um requerimento de registo da transferência de propriedade do veículo automóvel ...-BT-..., com o nome, os elementos de identificação e a assinatura de FF (em nome de quem a viatura se encontrava registada), na qualidade de vendedor, declarando que vendeu a viatura ao “Banco Primus, S.A.”, logrando, assim, a transmissão da propriedade da viatura a favor desta última instituição.

157. Ao assinar o referido requerimento, FF não teve consciência de que estava a transferir a propriedade do veículo automóvel ........ com a matrícula ...-BT-..., porquanto, e não obstante o acordado com o Arguido AA, este nunca o informou da venda, nem lhe prestou contas do negócio realizado, tendo o primeiro procedido ao pagamento integral das prestações decorrentes do contrato de financiamento celebrado com a “Credifin”.

158. Mais tarde, na sequência da venda efetuada por LL, a viatura com a matrícula ...-BT-... e os seus documentos foram apreendidos em poder de SSS.

159. O Arguido AA quis utilizar os estratagemas engenhosos descritos e enganar LL, o que conseguiu, levando-o à prática de atos que lhe causaram prejuízos patrimoniais, apropriando-se ilegitimamente de quantia monetária que integrou no seu património, e obtendo, por esta via, para si, um enriquecimento a que sabia não ter direito.

160. O Arguido AA quis e conseguiu elaborar e apresentar na Conservatória do Registo Automóvel o requerimento de transferência de propriedade da viatura, bem sabendo que o mesmo integrava declarações falsas de FF e não correspondia à vontade do seu pretenso emitente, obtendo para si, por esta via, benefícios a que sabia não ter direito.

161. O Arguido AA agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, com os propósitos acima referenciados, bem sabendo que tais condutas eram proibidas e punidas por lei.


- IX -


Nuipc n.º 1217/10….. (....., com a matrícula ...-EM-..., Arguido AA)

162. Em outubro de 2007, o Arguido AA, na qualidade de ……  da “CD Car, L.da”, celebrou com GG um contrato de compra e venda, pelo qual lhe vendeu o veículo automóvel da marca ....., com a matrícula ...-EM-..., pelo valor aproximado de € 65.000.

163. Para pagamento desta quantia, GG celebrou um contrato de mútuo com o “BBVA” (com intermediação do Arguido AA, a quem competia elaborar todo o expediente), ficando o veículo automóvel registado em nome do primeiro, com reserva de propriedade a favor desta instituição financeira.

164. Celebrado o contrato nestes termos, o “BBVA” procedeu ao pagamento ao Arguido AA da quantia correspondente ao valor de aquisição da viatura, quantia que ele integrou no respetivo património.

165. Passado algum tempo, GG entregou a viatura ao Arguido AA, para que este intermediasse a respetiva venda, arranjando um comprador para o efeito, sendo que consumada aquela, o arguido pagaria o remanescente da dívida à instituição financeira.

166. Sem que a dívida ao “BBVA – Instituição Financeira de Crédito, S.A.” estivesse integralmente paga, o Arguido AA mandou elaborar por terceiro, em seu proveito e interesse, um requerimento que foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel no dia 13 de janeiro de 2010, tendo em vista a extinção da referida reserva de propriedade a favor daquela financeira, logrando tal desiderato.

167. Nesse documento, quer as assinaturas dos legais representantes do “BBVA”, LLL e TTT, quer o reconhecimento dessas assinaturas pela advogada UUU, são falsos, pois não foram assinados pelas pessoas em causa, nem o seu reconhecimento foi efetuado pela referida advogada.

168. Em data não apurada, e na posse do mesmo, o Arguido AA procedeu à venda do veículo com a matrícula ...-EM-... à sociedade “Construtrade – Empreendimentos Imobiliários, Construção Civil e Obras Públicas, L.da”, pelo preço de € 40.000, garantindo ao comprador, VVV (....... da aludida sociedade), que tal veículo se encontrava livre de ónus e encargos, circunstância que o mesmo confiou ser verdade, adquirindo-o.

169. Após, o Arguido AA preencheu ou mandou preencher, por terceiro em seu proveito e interesse, o requerimento de transferência do registo de propriedade automóvel, que foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel no dia 14 de janeiro de 2010, com o nome, os elementos de identificação e a alegada assinatura, que procuraram imitar, de GG, na qualidade de vendedor, declarando que vendeu a viatura à sociedade “Construtrade – Empreendimentos imobiliários, Construção Civil e Obras Públicas, L.da”, assim logrando o registo de transmissão da propriedade.

170. O Arguido AA não pagou a quantia em dívida ao “BBVA”, conforme acordado com GG, não prestou quaisquer contas ao mesmo e não o informou da venda do veículo, tendo-se locupletado com o dinheiro proveniente da respetiva venda.

171. Todos os documentos acima referidos são fraudulentos, na medida em que ninguém com legitimidade para o efeito procedeu à extinção da reserva de propriedade, nem o proprietário do veículo subscreveu o contrato de venda do mesmo à “Construtrade” ou o requerimento de transferência do registo de propriedade automóvel.

172. A viatura com a matrícula ...-EM-... e os seus documentos foram apreendidos em poder de VVV.

173. O Arguido AA quis apropriar-se da viatura que lhe foi entregue, por título não translativo da propriedade, por GG, para que arranjasse comprador para a mesma, o que não fez, tendo-a vendido, antes, como se fosse o seu legítimo proprietário, e locupletado com a quantia recebida pela respetiva venda, obtendo, por esta via, para si, um enriquecimento a que sabia não ter direito.

174. O Arguido AA quis utilizar o estratagema engenhoso descrito e enganar VVV, o que conseguiu, levando-o à prática de atos que lhe causaram um prejuízo patrimonial, apropriando-se ilegitimamente da quantia monetária de € 40.000, que integrou no respetivo património.

175. O Arguido AA quis e conseguiu elaborar e apresentar na Conservatória do Registo Automóvel, ainda que por intermédio de terceiro no seu interesse e proveito, os requerimentos de extinção de reserva de propriedade da viatura e de transferência da respetiva propriedade, bem sabendo que os mesmos integravam declarações e assinaturas falsas de LLL, TTT, UUU e GG, e bem assim que não correspondiam à vontade dos pretensos emitentes, obtendo, por esta via, para si, benefícios ilegítimos.

176. O Arguido AA agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, com os propósitos acima enunciados, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.


- X -


(Nuipc n.º 1583/10…… - ......, com a matrícula ...-...-VB – arguidos AA, WWW e XXX)

177. Em virtude da relação de amizade existente entre ambos, e conhecedora das dificuldades financeiras do Arguido AA, em data não concretamente apurada, mas anterior ao dia 22 de dezembro de 2008, este arguido e a arguida WWW acordaram na celebração, pela segunda, de um contrato de crédito, alegadamente para aquisição do veículo automóvel da marca ......, modelo ....., com a matrícula ...-...-VB, como forma de o primeiro obter dinheiro para si próprio.

178. Assim, no dia ... de dezembro de 2008, o Arguido AA, na qualidade de legal representante da arguida “Studiocar, Lda”, simulou ter efetuado com a arguida WWW um contrato de compra e venda referente ao veículo acima identificado, pelo valor, também ficcionado, de € 37.466,15.

179. Munido de todos os elementos de identificação da arguida WWW, bem como dos respetivos comprovativos de morada e número de identificação bancária, bem como da declaração de I.R.S., documentos que lhe haviam sido - anterior e voluntariamente - fornecidos pela mesma, em virtude de outras transações preexistentes, o Arguido AA remeteu para os serviços do “BBVA - Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, uma proposta de financiamento para a aquisição do veículo com a matrícula ...-...-VB, bem como toda a documentação acima referida, sendo o montante a financiar de € 18.529,78.

180. No dia ... de janeiro de 2009, a arguida WWW dirigiu-se à sede daquela instituição financeira de crédito, sita no Parque ….., em …., onde assinou o contrato de mútuo com o n.º ….., em consequência do qual o “BBVA – Instituição Financeira de Crédito, S.A.” procedeu ao pagamento ao Arguido AA da quantia de € 18.529,78, correspondente ao valor financiado, quantia que o mesmo integrou no respetivo património.

181. Em consequência dos factos descritos, o veículo da marca ......, modelo ....., com a matrícula ...-...-VB ficou registado em nome da arguida WWW, com reserva de propriedade a favor daquela instituição financeira.

182. Ficou ainda acordado entre os arguidos AA e WWW que o pagamento das prestações relativas ao crédito concedido seria da responsabilidade do primeiro, que mensalmente procederia à transferência, para a conta bancária da segunda, do respetivo montante (€ 309,16). 

183. Das 77 prestações acordadas, apenas foi paga a primeira, vencida a 24 de fevereiro de 2009.

184. Sem prejuízo dos factos descritos, o veículo automóvel financiado permaneceu no stand do Arguido AA, na posse do mesmo.

185. Sem que a dívida à instituição financeira estivesse integralmente paga – estando apenas uma das prestações -, o Arguido AA mandou elaborar, por terceiro, em seu proveito e interesse, um requerimento de registo de extinção da reserva de propriedade a favor daquela, que foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel no dia 13 de janeiro de 2010, tendo em vista a extinção desse mesmo ónus.

186. Nesse documento, quer as assinaturas dos legais representantes do “BBVA”, LLL e TTT, quer o reconhecimento dessas assinaturas pela advogada UUU, são falsos, pois não foram assinados pelas pessoas em questão, nem o seu reconhecimento foi realizado por aquela advogada.

187. Desta forma, o Arguido AA conseguiu que a Conservatória do Registo Automóvel declarasse extinta a reserva de propriedade que pendia sobre o veículo com a matrícula ...-...-VB.

188. Posteriormente, o Arguido AA mandou preencher, por terceiro, o requerimento de transferência do registo de propriedade automóvel, que foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel no mesmo dia 13 de janeiro de 2010, com o nome, os elementos de identificação e a assinatura, que foi imitada, da arguida WWW, na qualidade de vendedora.

189. Tal documento, em que figurou como comprador o arguido XXX, visou o registo da transmissão de propriedade a favor deste último.

190. Em data não concretamente apurada, mas anterior ao dia 14 de janeiro de 2010, e em circunstâncias igualmente não determinadas, o arguido XXX entrou na posse do veículo ......, com a matrícula ...-...-VB, que vendeu à sociedade “Au....... L.da”, representada pelo sócio YYY, no dia 14 de janeiro de 2010, pela quantia de € 17.375.

191. Em tais circunstâncias, o comprador YYY procedeu à consulta do registo automóvel, a fim de se assegurar que o veículo se encontrava livre de quaisquer ónus ou encargos, no qual confiou, sendo que tal foi determinante na aquisição do mesmo.

192. Após sucessivas transações, o veículo automóvel com a matrícula ...-...-VB, e respetivos documentos, vieram a ser aprendidos em poder do assistente TT, que o adquiriu no dia 20 de outubro de 2011, por € 17.000, com reserva de propriedade a favor do “Banco Financia, S.A.”.

193. O Arguido AA quis utilizar o estratagema engenhoso descrito e enganar a instituição financeira “BBVA”, o que conseguiu, levando-a à prática de atos que lhe causaram um prejuízo patrimonial de, pelo menos, € 18.220,62, apropriando-se ilegitimamente dessa quantia, que integrou no respetivo património, e obtendo para si, consequentemente, um enriquecimento ilegítimo de igual montante.

194. O Arguido AA quis e conseguiu elaborar, por intermédio de terceiro, e fazer apresentar na Conservatória do Registo Automóvel, os requerimentos de extinção de reserva de propriedade a favor do “BBVA” e de transferência de propriedade da viatura, da arguida WWW para o arguido XXX, bem sabendo que os mesmos integravam declarações e assinaturas falsas de LLL e de TTT, enquanto procuradores daquela instituição financeira, da advogada UUU e da arguida WWW, que não correspondiam à vontade dos seus pretensos emitentes, obtendo, por esta via, benefícios ilegítimos.

195. O Arguido AA agiu sempre de forma voluntária, livre e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.


- XI -


Nuipc n.º 1136/10……. (......., com a matrícula PQ-...-..., Arguido AA)

196. O Arguido AA, na qualidade de procurador da arguida “Studiocar”, e o assistente DD, celebraram um contrato de compra e venda do veículo automóvel da marca ......., com a matrícula PQ-...-..., pelo preço de € 40.000.

197. Para pagamento do preço, no dia 3 de outubro de 2008, DD celebrou um contrato de mútuo com o “Banco Primus, S.A.”, no montante de € 40.000 (valor financiado), ficando o veículo registado na Conservatória do Registo Automóvel em seu nome, com reserva de propriedade a favor daquela instituição financeira.

198. Celebrado o contrato nestes termos, o “Banco Primus” procedeu ao pagamento ao Arguido AA da quantia de € 40.000, correspondente ao valor financiado, quantia que este recebeu e integrou no respetivo património.

199. Uma vez que a intenção do assistente com a celebração do aludido contrato era auferir alguma mais-valia resultante da posterior venda do veículo a terceiro, este permaneceu sempre nas instalações da “Studiocar”, na posse do Arguido AA.

200. Na posse do veículo, e sem que a dívida ao “Banco Primus” estivesse integralmente paga, o Arguido AA mandou elaborar por terceiro, em seu proveito e interesse, o requerimento que foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel no dia 15 de janeiro de 2010, tendo em vista a extinção da referida reserva de propriedade a favor daquela instituição financeira, logrando tal desiderato.

201. Nesse documento, quer as assinaturas dos legais representantes da instituição financeira, ZZZ e AAAA, quer o reconhecimento dessas assinaturas pela advogada BBBB, são falsos, pois não foram assinados pelas pessoas em causa, nem o seu reconhecimento foi efetuado pela referida advogada.

202. No dia ... de janeiro de 2010, o Arguido AA mandou preencher por terceiro, em seu proveito e interesse, o requerimento de registo de transferência de propriedade automóvel, com o nome, os elementos de identificação e a alegada assinatura, que procuraram imitar, de DD (em nome de quem a viatura se encontrava registada), na qualidade de vendedor, e da sociedade “J. Campina, L.da, L.da”, representada por CCCC, como compradora.

203. Na verdade, tendo o referido veículo sido entregue ao arguido WW pelo Arguido AA, o primeiro vendeu-o àquela sociedade por € 29.000.

204. Posteriormente, CCCC devolveu o veículo ao arguido WW, ao qual veio a ser apreendido.

205. O Arguido AA quis e conseguiu elaborar, por intermédio de terceiro, em seu proveito e interesse, e apresentar na Conservatória do Registo Automóvel, os requerimentos de extinção da reserva de propriedade e de transferência de propriedade da viatura PQ-...-..., bem sabendo que os mesmos integravam declarações e assinaturas falsas de ZZZ, AAAA, BBBB e DD, respetivamente, e não correspondiam à vontade dos seus pretensos emitentes, obtendo, por esta via, para si, benefícios patrimoniais ilegítimos, com o consequente prejuízo patrimonial de terceiros.

206. O Arguido AA agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, com os propósitos acima referenciados, bem sabendo que tais condutas eram proibidas e punidas por lei.


- XII -


(……., com a matrícula ...-EL-..., Arguido AA)

207. À data de ... de outubro de 2008, o veículo automóvel da marca ….., com a matrícula ...-EL-..., encontrava-se registado em nome da arguida “Studiocar, L.da”, com reserva de propriedade a favor do “Banco Comercial Português, S.A.”.

208. No dia ... de novembro de 2008, o Arguido AA, na qualidade de representante (procurador) daquela sociedade arguida, celebrou com MM um contrato de compra e venda, pelo qual lhe vendeu o veículo automóvel ...-EL-..., pelo preço de € 50.000.

209. Na ocasião, o arguido declarou ao comprador MM que o veículo se encontrava livre de ónus e encargos, apresentando-lhe, para o efeito, o documento único automóvel emitido no dia 28 de novembro de 2007, do qual constava o respetivo registo em nome da sociedade “A........, L.da” e “Daimlerchrysler Services Portugal – Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, circunstância que o assistente confiou ser verdade, razão pela qual adquiriu o veículo.

210. Como forma de pagamento, o Arguido AA recebeu o veículo da marca ......., com a matrícula …-…-ZH, ao qual, por acordo, foi atribuído o valor de € 30.000, e mais € 20.000 dinheiro, mediante transferência bancária para a conta pessoal do primeiro.

211. Apesar das promessas que fez nesse sentido, e para além de uma declaração de venda, em especial para “fazer fé” perante as autoridades policiais, o Arguido AA não entregou ao assistente MM a documentação necessária para operar a transferência do registo da propriedade, decorrente do negócio celebrado.

212. Posteriormente, tendo sobrevindo a necessidade de viajar para o estrangeiro, o assistente solicitou ao arguido o documento único automóvel, verificando, então, que a viatura se encontrava registada em nome da arguida “Studiocar, L.da”, com reserva de propriedade a favor do “Banco Comercial Português, S.A.”, desde, pelo menos, 10 de outubro de 2008.

213. Confrontado com a situação, o arguido prometeu proceder à respetiva regularização, tendo entregado a MM um cheque por si subscrito, no valor de € 50.0000, certificando no seu verso que o mesmo serviria como garantia da entrega de documentos.

214. Sem que a dívida à instituição financeira “Banco Comercial Português, S.A.” estivesse integralmente paga, o Arguido AA mandou elaborar por terceiro, em seu proveito e interesse, um requerimento que foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel no dia 18 de janeiro de 2010, tendo em vista a extinção da referida reserva de propriedade, logrando tal desiderato.

215. Nesse documento, quer as assinaturas dos legais representantes do “Banco Comercial Português, S.A.”, DDDD e EEEE, quer o reconhecimento dessas assinaturas pela advogada FFFF, são falsos, pois não foram assinados pelas pessoas em causa, nem o seu reconhecimento foi efetuado pela referida advogada.

216. Extinta a reserva de propriedade do veículo, o Arguido AA procedeu finalmente à transferência do registo de propriedade automóvel, da sociedade “Studiocar, L.da” para o assistente MM, o que fez através da apresentação de requerimento para o efeito, no dia 20 de janeiro de 2010, na Conservatória do Registo Automóvel, assim logrando o registo da transmissão de propriedade.

217. No dia ... de janeiro de 2010, o Arguido AA entregou ao assistente MM o certificado de matrícula da viatura, com o registo do proprietário devidamente averbado.

218. O Arguido AA não procedeu ao pagamento ao “Banco Comercial Português, S.A.” do montante em dívida, tendo-se locupletado com o dinheiro proveniente da venda do veículo.

219. Todos os documentos apresentados na Conservatória do Registo Automóvel, determinantes da extinção da reserva de propriedade do veículo, eram fraudulentos, na medida em que ninguém com legitimidade para tal os subscreveu.

220. A viatura com a matrícula ...-EL-... foi apreendida em poder do assistente MM.

221. O Arguido AA quis utilizar o estratagema engenhoso descrito e enganar o assistente MM, o que conseguiu, levando-o à prática de atos que lhe causaram um prejuízo patrimonial imediato, apropriando-se ilegitimamente de quantia que integrou no seu património e obtendo, por esta via, para si, um enriquecimento a que sabia não ter direito.

222. O Arguido AA quis e conseguiu elaborar e apresentar, através de terceiro, no seu proveito e interesse, na Conservatória do Registo Automóvel, o requerimento de extinção de reserva de propriedade da viatura, bem sabendo que o mesmo integrava declarações e assinaturas falsas de DDDD, de EEEE e de FFFF, que não correspondiam à vontade dos pretensos emitentes, obtendo, por esta via, para si, benefícios ilegítimos, com o concomitante prejuízo patrimonial de terceiros.

223. O Arguido AA agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, com os propósitos acima referenciados, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.


- XIII -


(........, com a matrícula ...-DM-..., Arguido AA)

224. FF celebrou vários negócios de compra e venda de veículos automóveis com o Arguido AA, entre os quais os referentes aos veículos com as matrículas ...-BT-... (caso VIII) e ...-CO-... (caso XXXVI).

225. Tais negócios, e com exceção do referente ao veículo com a matrícula ...-CO-... (caso XXXVI), foram todos realizados com recurso ao crédito, sendo que, para o efeito, FF entregava-lhe fotocópias de documentos seus, onde constavam os respetivos elementos de identificação e assinatura, designadamente, o bilhete de identidade e o cartão de contribuinte.

226. Munido dos elementos identificativos de FF, no dia ... de abril de 2008, o Arguido AA, na qualidade de legal representante (procurador) da “Studiocar”, remeteu para os serviços da “Sofinloc - Instituição Financeira de Crédito, S.A.” uma proposta de financiamento, bem como toda a documentação necessária para o efeito (elementos de identificação, comprovativos de morada e de número de identificação bancária, e declaração de IRS), no valor de € 45.000, para o seu alegado cliente FF, tendo em vista a alegada aquisição, por este, da viatura ........, com a matrícula ...-DM-....

227. Aquela instituição financeira aprovou o crédito e, celebrado o contrato de mútuo, que o Arguido AA, ou terceiro em seu interesse, assinou, imitando a assinatura do FF, pagou ao Arguido AA a quantia de € 45.000, que este recebeu e integrou no respetivo património.

228. Por razões não concretamente apuradas, não foi registada a favor da “Sofinloc” a reserva de propriedade a seu favor.

229. O ofendido FF não celebrou o contrato de compra e venda subjacente ao contrato de mútuo referido, não celebrou este último, nem assinou qualquer documento, sendo falsa a situação negocial criada pelo Arguido AA, ficando responsável, no entanto, pelo pagamento do capital financiado, no valor de € 45.000.

230. Uma vez mais, munido dos elementos identificativos de FF, no dia ... de abril de 2008, o Arguido AA, na qualidade de legal representante da arguida “Studiocar”, remeteu para os serviços do “Banco Primus, S.A.” mais uma proposta de financiamento, bem como toda a documentação necessária para o efeito (elementos de identificação, comprovativos de morada e de número de identificação bancária, e declaração de IRS), no valor de € 43.560,04, para o seu alegado cliente FF, tendo em vista a alegada aquisição, por este, do mesmo veículo ........, com a matrícula ...-DM-....

231. Esta instituição financeira aprovou o crédito e, celebrado o contrato de mútuo, que o Arguido AA, ou terceiro no seu interesse, assinou, imitando a assinatura do FF, pagou ao Arguido AA a quantia de € 43.560,04, que este recebeu e integrou no respetivo património, ficando o veículo registado em nome do mutuário, com reserva de propriedade a favor do “Banco Primus, S.A.”.

232. Contudo, FF não celebrou o contrato de compra e venda que subjazeu a este segundo pedido de financiamento, não solicitou nenhum crédito, nem assinou qualquer documento, sendo falsa a situação negocial criada pelo Arguido AA, ficando o primeiro responsável, no entanto, pelo pagamento ao “Banco Primus, S.A.” da totalidade do valor financiado, de € 43.560,04.

233. Sem que a dívida à instituição financeira “Banco Primus, S.A.” estivesse integralmente paga, o Arguido AA mandou elaborar por terceiro, no seu interesse e proveito, o requerimento de extinção de reserva de propriedade do veículo ...-DM-..., a favor da primeira, que foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel no dia 18 de janeiro de 2010, logrando tal desiderato.

234. Nesse documento, quer as assinaturas dos legais representantes do “Banco Primus, S.A.”, ZZZ e AAAA, quer o reconhecimento dessas assinaturas pela advogada BBBB, são falsos, pois não foram assinados pelas pessoas em causa, nem o seu reconhecimento foi efetuado pela referida advogada.

235. Desta forma, o Arguido AA conseguiu que a Conservatória do Registo Automóvel declarasse extinta a reserva de propriedade que pendia sobre a viatura ...-DM-....

236. Em data e circunstâncias não concretamente apuradas, o veículo ..... com a matrícula ...-DM-... foi entregue pelo Arguido AA ao arguido WW, que procedeu à respetiva venda à sociedade “LFN, L.da”, representada por GGGG, sendo que esta, por sua vez, procedeu à respetiva venda à sociedade “Bravecrew, L.da”, pelo valor de € 38.500. 

237. Nessa sequência, no dia 19 de fevereiro de 2010 foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel um requerimento de transferência da propriedade daquele veículo, preenchido por terceiro, a mando e no interesse do Arguido AA, com o nome, os elementos de identificação e a assinatura, que procuraram imitar, do FF (em nome de quem a viatura se encontrava registada), na qualidade de vendedor, e de HHHH, na qualidade de único sócio e gerente da sociedade compradora.

238. Aquando da venda, o arguido WW garantiu que o veículo se encontrava livre de ónus e encargos, razão pela qual o mesmo foi adquirido.

239. O veículo e seus documentos foram apreendidos na posse de IIII.

240. O Arguido AA quis e conseguiu utilizar os estratagemas astuciosos descritos e enganar as instituições financeiras “Sofinloc” e “Banco Primus”, levando-as à prática de atos que lhes causaram prejuízos patrimoniais, apropriando-se ilegitimamente das quantias, respetiva e alegadamente mutuadas a FF, que integrou no respetivo património, obtendo, por esta via, para si, um enriquecimento a que sabia não ter direito.

241. O Arguido AA quis e conseguiu elaborar os dois contratos de mútuo, acima referenciados, falsos, bem como apresentar na Conservatória do Registo Automóvel os documentos de registo de extinção de reserva de propriedade e de transferência de propriedade, bem sabendo que os mesmos integravam declarações e assinaturas falsas e não correspondiam à vontade dos seus pretensos emitentes, obtendo, por esta via, para si, benefícios patrimoniais ilegítimos.

242. O Arguido AA agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, com os propósitos acima referenciados, bem sabendo que tais condutas eram proibidas e punidas por lei.


- XIV -


(......., com a matrícula ...-BD-..., arguidos AA e XXX)

243. A viatura da marca ......., com a matrícula ...-BD-..., encontrava-se registada a favor da sociedade “Studiocar L.da”, da qual o Arguido AA era procurador, com reserva de propriedade a favor do “Banco Primus, S.A.”, em virtude de um contrato de mútuo celebrado.

244. Sem que a dívida àquela instituição financeira estivesse integralmente paga, o Arguido AA mandou elaborar por terceiro, em seu proveito e interesse, um requerimento que foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel no dia 19 de janeiro de 2010, tendo em vista a extinção da referida reserva de propriedade a favor da primeira.

245. Nesse documento, quer as assinaturas dos legais representantes do “Banco Primus, S.A.”, ZZZ e AAAA, quer o reconhecimento, pela advogada BBBB, dessa condição e dessas assinaturas, são falsos, pois não foram assinados pelas pessoas em causa, nem o seu reconhecimento foi efetuado pela referida advogada.

246. Extinta a reserva de propriedade do veículo, no dia 20 de janeiro de 2010, o Arguido AA, por intermédio de terceiro, em seu proveito e interesse, fez apresentar na Conservatória do Registo Automóvel um requerimento de transferência do registo da propriedade da viatura ...-BD-..., do “Banco Primus, S.A.” para o arguido XXX, assim logrando o registo da transmissão de propriedade a favor deste último.

247. Nesse documento, quer as assinaturas dos legais representantes da instituição financeira, ZZZ e AAAA, quer o reconhecimento, pela advogada BBBB, dessa condição e dessas assinaturas, são falsos, pois não foram assinados pelas pessoas em causa, nem o seu reconhecimento foi efetuado pela referida advogada.

248. O arguido XXX não comprou, nem adquiriu a qualquer título, a referida viatura.

249. Em data que não foi possível apurar, mas anterior a 19 de fevereiro de 2010, e em circunstâncias não concretamente apuradas, o Arguido AA entregou o veículo ao arguido WW, que o vendeu ao stand “LFN, L.da”, pertença de GGGG.

250. Por sua vez, o veículo foi vendido por este último a JJJJ, no dia ... de fevereiro de 2010, pelo valor de € 31.500, tendo sido apresentado, na Conservatória de Registo Automóvel, o requerimento de registo de transferência de propriedade automóvel, alegadamente assinado pelo arguido XXX (em nome de quem a viatura se encontrava registada), na qualidade de vendedor, e de JJJJ, na qualidade de comprador.

251. O Arguido AA sabia que o veículo ….. com a matrícula ...-BD-... não se encontrava livre de ónus ou encargos.

252. GGGG apenas procedeu à aquisição desse mesmo veículo ao arguido WW porquanto confiou que o mesmo não se encontrava onerado.

253. Na sequência da sua retoma a JJJJ e posterior devolução, por GGGG ao arguido WW, e por parte deste ao Arguido AA, o veículo foi apreendido na posse de KKKK, que o havia adquirido a este último.

254. O Arguido AA quis e conseguiu elaborar, através de terceiro, e apresentar na Conservatória do Registo Automóvel, os requerimentos de extinção de reserva de propriedade da viatura e de transferência de propriedade, bem sabendo que os mesmos integravam declarações e assinaturas falsas do ZZZ, AAAA e BBBB, que não correspondiam à vontade dos seus pretensos emitentes, obtendo para si, por esta via, benefícios a que sabia não ter direito.

255. O Arguido AA agiu sempre de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.


- XV -


Nuipc n.º 217/10…… (........, com a matrícula ...-BL-..., Arguido AA)

256. O Arguido AA, na qualidade de procurador da arguida “Studiocar”, celebrou com RR, em maio de 2008, um contrato de compra e venda, pelo qual lhe vendeu o veículo automóvel da marca ....., com a matrícula ...-BL-..., pelo preço de € 70.000.

257. Para pagamento daquela quantia, RR celebrou um contrato de mútuo com a “Credifin” (com intermediação do Arguido AA, a quem competia elaborar todo o expediente), sendo o montante financiado de € 70.000.

258. Celebrado o contrato nestes termos, a “Credifin” procedeu ao pagamento daquela quantia ao fornecedor do bem, quantia que o Arguido AA recebeu e integrou no respetivo património.

259. Todavia, contrariamente ao que lhe competia, o Arguido AA não procedeu ao registo, na Conservatória do Registo Automóvel, da transferência de propriedade do veículo para o comprador, nem registou a reserva de propriedade a favor daquela instituição financeira.

260. Deste modo, o veículo permaneceu registado na Conservatória do Registo Automóvel, com uma reserva de propriedade a favor da instituição “Totta Crédito Especializado, Instituição Financeira de Crédito S.A.”, tal como estava anteriormente, facto que era do conhecimento do Arguido AA, e que o omitiu aquando da celebração do contrato de financiamento com a “Credifin”.

261. Também em consequência do exposto, os documentos do veículo ...-BL-... nunca foram entregues a RR pelo Arguido AA, que ia protelando tal entrega.

262. Cerca de um ano depois, em virtude de o veículo apresentar problemas mecânicos, RR procedeu à entrega do veículo ao Arguido AA, para reparação.

263. Sem que a divida à “Totta Crédito” estivesse integralmente paga, o Arguido AA mandou elaborar por terceiro, em seu proveito e interesse, um requerimento que foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel no dia 26 de janeiro de 2010, tendo em vista a extinção da referida reserva de propriedade a favor da entidade financeira, logrando tal desiderato.

264. Nesse documento, quer a assinatura da legal representante da “Totta Crédito”, LLLL, quer o reconhecimento, pelo advogado MMMM, dessa condição e assinatura, são falsos, pois não foram assinados pelas pessoas em causa, nem o seu reconhecimento foi efetuado pelo advogado em questão.

265. Extinta a reserva de propriedade do veículo, o Arguido AA, por intermédio de terceiro no seu interesse, procedeu à transferência do registo de propriedade automóvel da “Totta Crédito” para NNNN (pessoa que nunca foi localizada), através da apresentação de requerimento para o efeito, no dia 27 de janeiro de 2010, na Conservatória do Registo Automóvel, assim logrando o registo da transmissão de propriedade.

266. Nesse documento, quer a assinatura da legal representante da instituição financeira, LLLL, quer o reconhecimento pelo advogado MMMM, dessa condição e assinatura, são falsos, pois não foram assinados pelas pessoas em causa, nem o seu reconhecimento foi efetuado pelo advogado em questão.

267. Posteriormente, no dia ... de abril de 2010, o arguido YY, atuando como intermediário do AA, vendeu o veículo ...-BL-... ao stand “Binário Futuro”, representado por OOOO, pelo preço de € 42.0000.

268. Este, por sua vez, vendeu a viatura a PPPP, por € 49.000, em poder de quem foi apreendida.

269. O Arguido AA, ao utilizar os estratagemas engenhosos descritos, designadamente ao não proceder ao registo da reserva de propriedade do veículo, tal como estava contratualmente obrigado, visou enganar a instituição financeira “Credifin”, o que conseguiu, levando-a à prática de atos que lhe causaram um prejuízo patrimonial, apropriando-se ilegitimamente da quantia de € 70.000, que integrou no seu património, obtendo, por esta via, para si, um enriquecimento a que sabia não ter direito.

270. O Arguido AA quis e conseguiu mandar elaborar e apresentar na Conservatória do Registo Automóvel os requerimentos de extinção de reserva de propriedade e de transferência de propriedade da viatura, bem sabendo que os mesmos integravam declarações e assinaturas falsas, de LLLL e de MMMM, e bem assim que não correspondiam à vontade dos pretensos emitentes, obtendo, por esta via, para si, um benefício patrimonial a que sabia não ter direito, com o consequente prejuízo patrimonial de terceiro.

271. O Arguido AA agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito acima referenciado, bem sabendo que tais condutas eram proibidas e punidas por lei.


- XVI -


(Nuipc n.º 760/10…… - ......, com a matrícula ...-FU-... – arguido VV)

272. No dia ... de maio de 2008, a sociedade “Multirent – Aluguer e Comércio de Automóveis, S.A.”, celebrou com a sociedade “A........ S.A.”, um contrato de renting, referente ao veículo automóvel da marca ......, modelo ...., com a matrícula ...-FU-..., com a duração de dois anos.

273. Tal veículo ficou registado na Conservatória do Registo Automóvel em nome da sociedade “Multirent” e, cumprido integralmente o contrato, com o pagamento integral das rendas por parte da sociedade “A........, S.A.”, no dia 28 de novembro de 2008, esta última procedeu à respetiva venda ao stand denominado “S……”, representado por RRRR, pelo preço de € 37.500.

274. No dia ... de fevereiro de 2010, ainda na vigência do aludido contrato de renting, deu entrada na Conservatória do Registo Automóvel um requerimento de transferência de registo de propriedade automóvel e um pedido de 2.ª via do certificado de matrícula, com o nome, os elementos de identificação e a alegada assinatura, que procuraram imitar, de SSSS, na qualidade de vendedor e procurador da sociedade “Multirent”, e que alegadamente titulava a venda da viatura com a matrícula ...-FU-... à sociedade “J........ Unipessoal, L.da”, representada por TTTT, assim logrando o registo da transmissão de propriedade.

275. Nesse documento apresentado na Conservatória do Registo Automóvel, quer a assinatura do legal representante da sociedade “Multirent”, SSSS, quer o reconhecimento dessa assinatura pela advogada UUU, são falsos, pois o mesmo não foi assinado pela pessoa em causa, nem o seu reconhecimento foi realizado pela advogada identificada.

276. Por sua vez, também TTTT não assinou esse mesmo documento, do mesmo modo que nunca foi, de facto, legal representante de nenhuma sociedade, designadamente da sociedade “J....... Unipessoal, L.da”, tratando-se de pessoa desinserida socialmente, cuja identidade foi usurpada para figurar como sócio da aludida sociedade e, designadamente, intervir na situação em causa.

277. Foi o arguido VV quem usurpou a identidade de TTTT e quem procedeu à assinatura dos documentos acima discriminados, tendo-se apropriado, em circunstâncias não concretamente apuradas, de cópias dos documentos de identificação daquele.

278. No período compreendido entre ... de julho de 2009 e ... de setembro de 2009, o arguido VV figurou, na Conservatória do Registo Comercial, como sócio e gerente da sociedade “J....... Unipessoal, L.da”.

279. No dia ... de setembro de 2009, o arguido VV procedeu ao registo online da transmissão da sua quota na sociedade “J....... Unipessoal, L.da”, a favor de TTTT, embora tal facto não correspondesse à verdade.

280. De igual modo, em negócios que realizava, o arguido VV utilizava fotocópias do bilhete de identidade do TTTT, apondo-lhe, no lugar da fotografia deste, e por sobreposição, uma fotografia sua, para desse modo fazer-se passar pelo mesmo.

281. No dia ... de fevereiro de 2010, deu entrada na Conservatória do Registo Automóvel o requerimento do registo de transferência da propriedade do veículo com a matrícula ...-FU-..., da sociedade “J....... Unipessoal, L.da”, alegadamente representada por TTTT, para a sociedade “Atividades Hoteleiras Mordomo L.da”, representada pelo arguido VV, registo este que foi efetuado.

282. Mais uma vez, em tal documento, a assinatura de TTTT não foi aposta pelo mesmo, mas sim pelo arguido VV, que igualmente o assinou como ....... da sociedade compradora, qualidade que possuía desde ... de dezembro de 2009.

283. Em circunstâncias não concretamente apuradas, no dia 23 de abril de 2010, o arguido YY intermediou – em nome do Arguido AA -, a venda do veículo da marca ......, modelo ...., com a matrícula ...-FU-..., então registado em nome da sociedade “Atividades Hoteleiras Mordomo, L.da”, à sociedade “Binário Futuro, Unipessoal L.da”, representada por OOOO, pelo preço de € 29.500.

284. Posteriormente, a sociedade “Binário Futuro, Unipessoal, L.da” colocou a referida viatura à venda em leilão, através da “SPLA – Sociedade Portuguesa de Leilões Automóveis, L.da”, tendo sido adquirida, no dia 2 de junho de 2010, pela sociedade “Fornova – Comércio e Assistência de Veículos, L.da”, representada por UUUU, pelo valor de € 30.090.

285. Posteriormente, no dia ... de abril de 2011, a sociedade “Fornova L.da”, vendeu o veículo a VVVV, pelo preço de € 36.496,60, ao qual veio a ser apreendida.

286. O VVVV recebeu o certificado de matrícula com o registo averbado em seu nome, o que foi tudo tratado pela sociedade “Fornova, L.da”.

287. O arguido VV quis apresentar, na Conservatória do Registo Automóvel, documentos que visavam o registo de transferência da propriedade do veículo ...-FU-..., o que conseguiu, bem sabendo que as assinaturas neles apostas, em nome de SSSS e de TTTT, eram falsas, bem como o reconhecimento da assinatura do primeiro por UUU, e bem assim que não correspondiam à verdade nem à vontade dos seus pretensos emitentes.

288. O arguido VV quis efetuar, na Conservatória do Registo Comercial, o registo de transmissão da quota da sociedade “J....... Unipessoal, L.da”, a favor de TTTT, o que conseguiu, bem sabendo que tal não correspondia à verdade e que assim atentava contra os fins publicitários dos direitos e deveres subjacentes ao registo comercial.

289. O arguido VV agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, visando obter benefícios ilegítimos, geradores de um enriquecimento ilícito, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.


- XVII -


Nuipc n.º 1217/10….. (….., com a matrícula ...-EV-..., Arguido AA)

290. No dia ... de dezembro de 2007, o Arguido AA e a sua esposa UU celebraram, em seu próprio nome, com a “Credifin” um contrato de mútuo, alegadamente para aquisição do veículo com a matrícula ...-EV-..., no valor de € 66.000, como forma de autofinanciamento.

291. Celebrado o contrato nestes termos, no dia 11 de dezembro de 2007, a “Credifin” procedeu ao pagamento ao Arguido AA da quantia de € 62.323,74, correspondente ao valor financiado, deduzidas as despesas, quantia que ele recebeu e integrou no respetivo património.

292. Todavia, e contrariamente ao que lhe competia, o Arguido AA não registou a transferência de propriedade do veículo para os alegados compradores, no caso, ele próprio e a esposa, nem registou a reserva de propriedade a favor daquela instituição financeira, na Conservatória do Registo Automóvel, assim como igualmente não pagou as prestações mensais decorrentes do aludido contrato de mútuo.

293. Seguidamente, o Arguido AA solicitou um novo financiamento, alegadamente para aquisição da mesma viatura, desta vez junto da “Sofinloc – Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, no valor de € 45.000, nele figurando como mutuários ele próprio e a sua esposa UU.

294. Celebrado o contrato nestes termos, no dia 13 de dezembro de 2007, a “Sofinloc” procedeu ao pagamento ao Arguido AA da quantia de € 45.000, correspondente ao valor financiado, quantia que o mesmo recebeu e integrou no respetivo património, ficando o veículo registado na Conservatória do Registo Automóvel em nome de UU, com reserva de propriedade a favor daquela instituição financeira.

295. O Arguido AA também não pagou as prestações mensais decorrentes do segundo contrato de mútuo celebrado.

296. Sem que a dívida à “Sofinloc” estivesse paga, o Arguido AA mandou elaborar, por terceiro em seu proveito, um requerimento, que foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel no dia 24 de fevereiro de 2010, tendo em vista a extinção da referida reserva de propriedade a favor da primeira.

297. Nesse documento, quer a assinatura do legal representante da “Sofinloc – Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, WWWW, quer o documento de reconhecimento dessa assinatura pelo advogado XXXX, são falsos, pois não foram assinados pelas pessoas em causa, nem o seu reconhecimento foi efetuado pelo referido advogado.

298. Desta forma, o Arguido AA conseguiu que a Conservatória do Registo Automóvel declarasse extinta a reserva de propriedade que pendia sobre o veículo.

299. Após a extinção da reserva de propriedade descrita em 296), verificada no dia 24 de fevereiro de 2010, no dia 5 de março de 2010 foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel o requerimento de transferência de propriedade de UU para a sociedade “Atividades Hoteleiras Mordomo, L.da”, legalmente representada pelo arguido VV.

300. Na verdade, no dia ... de Outubro de 2008, o Arguido AA havia celebrado com DD um contrato de compra e venda, pelo qual lhe vendeu o veículo automóvel com a matrícula ...-EV-... (conforme referido aquando do caso VII), pela quantia de € 37.000.

301. Para pagamento do veículo, e através do mesmo Arguido AA, o assistente DD solicitou um novo financiamento/mútuo à “Credifin”, no valor daquele.

302. Contudo, contrariamente ao acordado e com desconhecimento do assistente DD e da esposa EE, nos documentos elaborados pelo arguido e enviados para a financeira, ficou a constar, como viatura financiada, a viatura ..... com a matrícula …-GL-… (um .......), e não o ..... ...-EV-..., e como capital mutuado, a quantia de € 54.500, factos que não correspondiam à verdade.

303. Celebrado o contrato nestes termos, a “Credifin” procedeu ao pagamento ao Arguido AA da quantia de € 54.500, correspondente ao valor financiado, quantia que ele recebeu e integrou no respetivo património.

304. Sem prejuízo, os documentos da viatura adquirida não foram entregues aos respetivos adquirentes.

305. Decorridos cerca de um ano e seis meses sobre o negócio, e após múltiplas tentativas de solucionar a questão da desconformidade do veículo financiado e de obter os documentos da viatura ...-EV-..., por parte do assistente DD e da esposa, finalmente, no dia 18 de março de 2010, foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel novo requerimento de transferência da propriedade do veículo ...-EV-..., da sociedade “Atividades Hoteleiras Mordomo, L.da” para EE.

306. O veículo com a matrícula ...-EV-... foi apreendido ao assistente DD e a EE, em setembro de 2010, na sequência de decisão judicial proferida no âmbito de uma providência cautelar intentada pela “Sofinloc”.

307. O Arguido AA quis utilizar os estratagemas engenhosos descritos e enganar as instituições financeiras “Credifin” e “Sofinloc”, bem como o assistente DD, o que conseguiu, levando-os à prática de atos que lhes causaram prejuízos patrimoniais, apropriando-se ilegitimamente de quantias que integrou no respetivo património e obtendo, por esta via, para si, um enriquecimento a que sabia não ter direito.

308. O Arguido AA quis e conseguiu mandar elaborar por terceiro, no seu interesse, e apresentar na Conservatória do Registo Automóvel, o requerimento de extinção de reserva de propriedade da viatura ...-EV-... a favor da “Sofinloc”, bem sabendo que o mesmo integrava declarações e assinaturas falsas de WWWW e de XXXX, que não correspondiam à vontade dos pretensos emitentes, obtendo, por esta via, para si, benefícios ilegítimos.

309. O Arguido AA agiu sempre de forma deliberada, livre e consciente, com os propósitos acima referenciados, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.


- XVIII -


Nuipc n.º 1217/10…… (……., com a matrícula ...-AL-..., Arguido AA)

310. No dia ... de julho de 2008, o Arguido AA, na qualidade de ....... da “CD Car, L.da”, celebrou com GG um contrato de compra e venda, pelo qual lhe vendeu o veículo automóvel da marca ......., modelo …., com a matrícula ...-AL-..., pelo preço de € 44.944,99.

311. Para pagamento desta quantia, GG celebrou um contrato de mútuo com a instituição financeira “Banif Go, Instituição Financeira de Crédito, S.A.” (com intermediação do Arguido AA, a quem competia elaborar todo o expediente), no valor de € 44.944,99, ficando o veículo registado em nome do mutuário, com reserva de propriedade a favor daquela instituição.

312. Celebrado o contrato nestes termos, o “Banif Go” procedeu ao pagamento ao Arguido AA da quantia de € 44.944,99, correspondente ao valor da compra da viatura, quantia que o mesmo integrou no respetivo património.

313. Algum tempo depois, GG entregou a viatura ao Arguido AA, em cuja posse ficou, acordando com o mesmo que ele intermediasse a respetiva venda, arranjando um comprador, e que após a consumação da venda, o arguido pagaria o remanescente da dívida à instituição financeira.

314. Sem que a dívida ao “Banif Go” estivesse integralmente paga, o Arguido AA mandou elaborar por terceiro, em seu proveito e interesse, um requerimento que foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel no dia 25 de fevereiro de 2010, tendo em vista a extinção da referida reserva de propriedade a favor daquela financeira, logrando tal desiderato.

315. Nesse documento, quer a assinatura do legal representante do “Banif Go, YYYY, quer o reconhecimento dessa assinatura pela advogada ZZZZ, são falsos, pois não foram assinados pelas pessoas em causa, nem o seu reconhecimento foi efetuado pela referida advogada.

316. No mesmo dia ... de fevereiro de 2010, foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel um requerimento de transferência de propriedade do veículo ...-AL-..., de GG para a sociedade “Atividades Hoteleiras Mordomo, L.da”, com os elementos de identificação, além do mais, do primeiro, na qualidade de vendedor, e uma imitação da respetiva assinatura, documento elaborado por terceiro, em proveito do Arguido AA, assim se logrando o registo de transferência da propriedade do veículo a favor daquela sociedade.

317. Todos estes documentos são fraudulentos, na medida em que ninguém com legitimidade procedeu à extinção da reserva de propriedade, nem ao reconhecimento das assinaturas, nem o titular do veículo subscreveu qualquer contrato de compra e venda do mesmo ou qualquer requerimento de transferência de registo de propriedade automóvel a favor de terceiro.

318. Em março de 2010, o Arguido AA celebrou com NN um contrato de compra e venda, pelo qual lhe vendeu o veículo automóvel com a matrícula ...-AL-..., pela quantia de € 20.000, garantindo-lhe que o mesmo se encontrava livre de quaisquer ónus ou encargos, circunstância que o comprador confiou ser verdade, adquirindo-o.

319. O Arguido AA não pagou o montante em dívida ao “Banif Go”, não prestou quaisquer contas a GG e nem sequer o informou da venda realizada, tendo-se locupletado com o dinheiro resultante da mesma.

320. Após, no dia ... de março de 2010, foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel o requerimento de transferência do registo de propriedade automóvel, da sociedade “Atividades Hoteleiras Mordomo, L.da”, na qualidade de vendedora, para NN, na qualidade de comprador.

321. Na sequência de várias transações, a viatura e os seus documentos foram apreendidos em poder de AAAAA.

322. O Arguido AA quis apropriar-se da viatura que lhe foi entregue, por título não translativo da propriedade, por GG, para a vender em nome deste, o que não fez, vendendo-a, antes, em seu nome próprio, e locupletando-se com a quantia recebida, obtendo, por esta via, para si, um enriquecimento ilegítimo.

323. O Arguido AA quis utilizar o estratagema engenhoso descrito e enganar NN, o que conseguiu, levando-o à prática de atos que lhe causaram um prejuízo patrimonial no montante de € 20.000, apropriando-se ilegitimamente desta quantia monetária, que integrou no seu património, e obtendo, por esta via, para si, um enriquecimento a que sabia não ter direito.

324. O Arguido AA quis e conseguiu elaborar e apresentar na Conservatória do Registo Automóvel, ainda que por intermédio de terceiro no seu interesse e proveito, os requerimentos de extinção de reserva de propriedade da viatura e de transferência da propriedade, bem sabendo que os mesmos integravam declarações e assinaturas falsas de YYYY, ZZZZ e GG, e que não correspondiam à vontade dos seus pretensos emitentes, obtendo, por esta via, para si, um benefício ilegítimo, com o consequente prejuízo patrimonial de terceiro.

325. O Arguido AA agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, com os propósitos acima enunciados, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.


- XIX -


(........, com a matrícula ...-FN-..., Arguido AA)

326. Ao longo de vários anos, FF celebrou vários negócios de compra e venda de veículos automóveis com o Arguido AA, na sua quase totalidade, e com exceção do veículo com a matrícula ...-CO-... (caso 36), com recurso a empréstimos bancários.

327. Para o efeito, FF entregou anteriormente ao Arguido AA fotocópias de documentos seus, onde constavam os respetivos elementos de identificação e assinatura, designadamente, o bilhete de identidade e o cartão de contribuinte.

328. Em data não concretamente apurada, anterior ao dia 17 de abril de 2008, munido dos elementos identificativos de FF, o Arguido AA, na qualidade de ....... da sociedade arguida “CD Car”, remeteu para os serviços da “Caixa Leasing e Factoring, Instituição Financeira de Crédito, S.A.” uma proposta de financiamento, bem como toda a documentação complementar (elementos de identificação do mutuário, comprovativos de morada e de número de identificação bancária, declaração de IRS), tendo em vista a alegada aquisição, por aquele, da viatura ....., com a matrícula ...-FN-..., pelo valor de € 45.000.

329. No dia ... de abril de 2008 a referida instituição financeira aprovou o crédito e, celebrado o contrato de mútuo, que o Arguido AA, ou terceiro no seu interesse, assinou, imitando a assinatura do FF, pagou ao Arguido AA a quantia de € 45.990,08, que este recebeu e integrou no respetivo património, ficando o veículo ...-FN-... registado em nome do mutuário, com reserva de propriedade a favor da “Caixa Leasing e Factoring, Instituição Financeira de Crédito, S.A.”.

330. Todavia, FF não celebrou o contrato de compra e venda que esteve na base do contrato de mútuo, não solicitou qualquer financiamento, nem assinou qualquer documento, não sendo real a situação negocial criada pelo Arguido AA.

331. Sem prejuízo, FF ficou responsável pelo pagamento, àquela instituição financeira, das prestações referentes ao empréstimo alegadamente contraído.

332. Sem que a dívida à “Caixa Leasing e Factoring, S.A.” estivesse integralmente paga, o Arguido AA mandou elaborar por terceiro, em seu proveito e interesse, um requerimento que foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel no dia 25 de fevereiro de 2010, tendo em vista a extinção da referida reserva de propriedade a favor daquela instituição de crédito, logrando tal desiderato.

333. Nesse documento, quer a assinatura do legal representante da “Caixa Leasing e Factoring, Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, BBBBB, quer o reconhecimento dessa assinatura pela advogada QQQQ, são falsos, pois não foram assinados pelas pessoas em causa, nem o seu reconhecimento foi efetuado pela referida advogada.

334. Desta forma, o Arguido AA conseguiu que a Conservatória do Registo Automóvel declarasse extinta a reserva de propriedade que pendia sobre a viatura.

335. Após a transferência da propriedade do veículo com a matrícula ...-FN-..., no dia ... de fevereiro de 2010, para a sociedade “Atividades Hoteleiras Mordomo, L.da”, representada pelo arguido VV, e no dia ... de abril de 2010 foi de novo transferida a propriedade do veículo ...-FN-..., desta última sociedade para CCCCC, filho de RR.

336. Tal sucedeu em virtude de este veículo ter sido entregue a este último, em substituição do veículo com a matrícula ...-BL-....

337. Após, em circunstâncias não concretamente apuradas, em maio de 2010, o arguido YY, na qualidade de intermediário/comissionista do Arguido AA (e também com intermediação de DDDDD), procedeu à venda do veículo ..... com a matrícula ...-FN-... ao assistente OO, pelo preço de € 33.600.

338. Na sequência da sua posterior transação, o veículo e seus documentos foram apreendidos na posse de EEEEE, que o adquiriu a OO pelo preço de € 34.500.

339. O Arguido AA quis e conseguiu utilizar os estratagemas astuciosos descritos e enganar a “Caixa Leasing e Factoring, S.A.”, levando-a à prática de atos que lhe causaram prejuízos patrimoniais, apropriando-se ilegitimamente da quantia de, pelo menos, € 45.990,08, que integrou no seu património, obtendo, por esta via, para si, um enriquecimento ilegítimo.

340. O Arguido AA quis e conseguiu elaborar um contrato de financiamento/mútuo em nome de FF e apresentar na Conservatória do Registo Automóvel o documento de registo de extinção de reserva de propriedade da viatura, bem sabendo que os mesmos integravam declarações e as assinaturas falsas, respetivamente, de FF (o primeiro), e de BBBBB e QQQQ (o segundo), e não correspondiam à vontade dos seus pretensos emitentes, obtendo por esta via, para si, um benefício económico a que sabia não ter direito.

341. O Arguido AA agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, visando obter um benefício patrimonial a que não tinha direito, com o concomitante prejuízo de terceiros.


- XX -


(........, com a matrícula ...-BH-..., arguidos AA e YY)

342. Em data anterior a ... de fevereiro de 2010, o veículo automóvel com a matrícula ...-BH-... encontrava-se registado na Conservatória do Registo Automóvel em nome de FFFFF, com reserva de propriedade a favor da “Sofinloc – Instituição Financeira de crédito, S.A.”.

343. Em data anterior a ... de fevereiro de 2010, e em circunstâncias não concretamente apuradas, o Arguido AA entrou na posse da aludida viatura e, sob o pretexto de não poder ter bens em seu nome, face à situação financeira que vivenciava, solicitou ao arguido YY que o veículo ...-BH-... fosse registado em nome deste, no que o mesmo anuiu.

344. O Arguido AA encontrava-se já na posse dos documentos de identificação do arguido YY, em virtude das funções de comissionista que este, então, desempenhava para si.

345. Sem que a dívida à “Sofinloc” estivesse integralmente paga, o Arguido AA mandou elaborar, por terceiro em seu proveito, um requerimento, que foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel no dia 25 de fevereiro de 2010, tendo em vista a extinção da referida reserva de propriedade a favor da primeira.

346. Nesse documento, quer a assinatura do legal representante da “Sofinloc”, GGGGG, quer o próprio documento emitido pelo Cartório Notarial de HHHHH, em ….., relativo ao reconhecimento da assinatura, são falsos, pois o primeiro não foi assinado pela pessoa em causa e o segundo foi totalmente fabricado.

347. Na mesma data, ... de fevereiro de 2010, o Arguido AA, ou terceiro a seu mando e no respetivo interesse, preencheu o requerimento de transferência do registo de propriedade automóvel, que foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel, com o nome, os elementos de identificação e a alegada assinatura do arguido YY, na qualidade de comprador, declarando que adquiriu a viatura a FFFFF.

348. Nesse documento, a assinatura de FFFFF, assim como o próprio documento emitido pelo Cartório Notarial de HHHHH, em ......, de reconhecimento da assinatura do segundo, são falsos, pois o primeiro não foi assinado pelas pessoas em causa e o segundo foi totalmente fabricado.

349. Desta forma, o Arguido AA conseguiu que a Conservatória do Registo Automóvel declarasse extinta a reserva de propriedade que pendia sobre o veículo e reconhecesse o registo da transmissão de propriedade do veículo a favor do arguido YY.

350. No dia ... de março de 2010, o Arguido AA, na qualidade de procurador da arguida “Studiocar”, celebrou com IIIII, na qualidade de legal representante da sociedade “Trade 4 ALL”, um contrato de compra e venda, pelo qual lhe vendeu o veículo automóvel da marca ........, com a matrícula ...-BH-..., pela quantia de € 21.000.

351. Após, na sequência da venda do veículo, o Arguido AA entregou a IIIII o requerimento para futuro registo da transmissão da propriedade do veículo para futuro comprador, com a assinatura do arguido YY, na qualidade de vendedor.

352. A “Trade 4 ALL” veio a vender o referido veículo a JJJJJ, por € 24.500, em poder do qual foi apreendido.

353. O Arguido AA quis utilizar os estratagemas engenhosos descritos e enganar IIIII, o que conseguiu, levando-o à prática de atos que lhe causaram um prejuízo patrimonial de € 21.000, apropriando-se ilegitimamente desta quantia, que integrou no seu património, e obtendo, por esta via, para si, um enriquecimento ilegítimo.

354. O Arguido AA quis elaborar, através de terceiro, em seu proveito e interesse, e fazer apresentar na Conservatória do Registo Automóvel os requerimentos de extinção de reserva de propriedade e de transferência de propriedade da viatura, bem sabendo que os mesmos integravam declarações e assinaturas falsas da GGGGG e de FFFFF, e não correspondiam à vontade dos seus pretensos emitentes, obtendo, por esta via, para si, um benefício ilegítimo.

355. O Arguido AA agiu de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.


- XXI -


(Nuipc n.º 1325/10……., ........, com a matrícula ...-HV-... – arguido VV)

356. No dia .... de outubro de 2010, a sociedade financeira “Banque PSA Finance, Sucursal em Portugal”, com intermediação da P…… Portugal/…., celebrou com a sociedade “J....... Unipessoal, L.da”, alegadamente representada por TTTT, um contrato de locação financeira do veículo da marca ........, com a matrícula ...-HV-..., com a duração de seis anos, sendo o valor mensal das rendas de € 369,71.

357. Em consequência daquele contrato, a instituição “Banque PSA Finance” pagou à P…… Portugal/…. o valor de € 29.000, tendo esta entregado, por sua vez, ao arguido VV (o verdadeiro sócio, de facto, da sociedade “J…., L.da”), aquela viatura, que ficou registada na Conservatória do Registo Automóvel em nome da primeira.

358. A locatária não procedeu ao pagamento de qualquer uma das rendas mensais contratadas, conforme era intenção do arguido VV.

359. No dia ... de março de 2010, sem que o contrato de locação financeira estivesse extinto, deu entrada na Conservatória do Registo Automóvel um requerimento de transferência do registo de propriedade automóvel e de pedido de 2.ª via do certificado de matrícula, com o nome, os elementos de identificação e a assinatura de KKKKK, na qualidade de vendedor e procurador da “Banque PSA Finance”, declarando que vendeu a viatura ...-HV-... à sociedade “Atividades Hoteleiras Mordomo, L.da”, representada pelo arguido VV.

360. Tal requerimento foi acompanhado por um denominado “acordo de resolução do contrato locação financeira”, alegadamente assinado por TTTT, na qualidade de ....... da sociedade “J....... Unipessoal, L.da”, sendo a sua assinatura reconhecida pela funcionária do Cartório Notarial, LLLLL.

361. Desta forma, a Conservatória do Registo Automóvel declarou extinto o contrato de locação financeira e reconheceu a transmissão da propriedade do veículo a favor da sociedade “Atividades Hoteleiras Mordomo, L.da”.

362. Nesse documento, quer a pessoa do legal representante da instituição financeira “Banque PSA Finance”, KKKKK, quer o reconhecimento dessa assinatura pelo advogado MMMM, são falsos, pois aquela pessoa não existe, nem o seu reconhecimento foi realizado pelo advogado em causa.

363. Por sua vez, também TTTT não assinou quaisquer documentos e nunca foi legal representante de nenhuma sociedade, nos precisos termos que acima foram dados como provados.

(Todos os factos imediatamente precedentes, relativos ao caso 21, foram julgados no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 1455/10……, do Juízo Central Criminal do …., razão pela qual foi já julgado extinto, nesta parte, o procedimento criminal instaurado contra os arguidos VV e MMMMM, conforme despacho de fls. 10.170 a 10.179 dos presentes autos)

364. Em data não apurada do mês de março de 2010, anterior ao dia ..., em circunstâncias não concretamente apuradas, o veículo ........ com a matrícula ...-HV-... foi vendido pelo arguido YY, na qualidade de intermediário de pessoa cuja identificação não se logrou apurar, ao assistente CCC, pelo valor de € 22.000, pago em numerário, assim logrando a transmissão da propriedade do veículo da sociedade “Atividades Hoteleiras Mordomo, L.da”, representada pelo ....... VV, para aquele.

365. Na ocasião, foi garantido ao comprador que o veículo se encontrava livre de ónus ou encargos, tendo o mesmo, de igual modo, efetuado diligências no sentido de o comprovar, junto da entidade competente, o que foi confirmado, razão pela qual procedeu à referida aquisição.

366. No dia ... de março de 2010 deu entrada na Conservatória do Registo Automóvel o requerimento de transferência de registo da propriedade do veículo ...-HV-..., da sociedade “Atividades Hoteleiras Mordomo, L.da”, representada pelo arguido VV, para o assistente CCC.

367. Tal requerimento foi assinado pelo arguido VV, na qualidade de ....... da referida sociedade, e pelo comprador.

368. Após, CCC vendeu o veículo ........ com a matrícula ...-HV-... a NNNNN, pelo preço de € 24.300, em poder da qual (com os respetivos documentos), foi apreendido à ordem dos presentes autos.


- XXII -


(........, com a matrícula ...-DV-..., Arguido AA)

369. No dia ... de agosto de 2008, o Arguido AA, em representação da arguida “Studiocar”, remeteu para os serviços do “Banco Primus, S.A.” uma proposta de financiamento, bem como toda a documentação necessária para o efeito (elementos de identificação da viatura e dos mutuários, comprovativos de morada e de número de identificação bancária, e de declarações de IRS), na qual figuravam como mutuários o próprio Arguido AA e a sua esposa UU, alegadamente para aquisição do veículo automóvel da marca ....., com a matrícula ...-DV-..., no valor de € 50.578,47.

370. Aquela instituição financeira aprovou o crédito e, celebrado o contrato de mútuo, assinado pelos mutuários, entregou ao Arguido AA a quantia de € 50.578,47, ficando o veículo registado em nome de UU, com reserva de propriedade a favor do “Banco Primus, S.A.”.

371. Sem que a dívida ao “Banco Primus” estivesse integralmente paga, o Arguido AA mandou elaborar por terceiro, em seu proveito e interesse, um requerimento que foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel no dia 3 de março de 2010, tendo em vista a extinção da reserva de propriedade a favor daquela instituição financeira, logrando tal desiderato.

372. Nesse documento, quer a assinatura dos legais representantes do “Banco Primus, S.A.”, ZZZ e AAAA, quer o reconhecimento, pela advogada BBBB, dessa condição e dessas assinaturas, são falsos, pois não foram assinados pelas pessoas em causa, nem o documento de reconhecimento foi efetuado pela advogada em questão.

373. Extinta a reserva de propriedade, nessa mesma data, foi elaborado e apresentado na Conservatória do Registo Automóvel um requerimento de transferência da propriedade do veículo ...-DV-..., de UU para a sociedade “Atividades Hoteleiras Mordomo, L.da”, representada pelo arguido VV.

374. O veículo ..... com a matrícula ...-DV-... veio a ser vendido pelo arguido YY, como intermediário do Arguido AA, à sociedade “Binário Futuro Unipessoal, L.da”, da qual é legal representante OOOO, em abril de 2010, pelo preço de € 41.500.

375. O Arguido AA não liquidou a dívida ao “Banco Primus, S.A.”, tendo-se locupletado, quer com o dinheiro financiado, quer com o produto da venda do veículo.

376. Todos os documentos apresentados na Conservatória do Registo Automóvel, que levaram à extinção da reserva de propriedade, são fraudulentos, na medida em que ninguém com legitimidade para tal os subscreveu.

377. O Arguido AA quis utilizar o estratagema engenhoso descrito e enganar o “Banco Primus, S.A.”, o que conseguiu, levando-o à prática de atos que lhe causaram um prejuízo patrimonial de, pelo menos, €50.578,47, apropriando-se ilegitimamente da referida quantia, que integrou no seu património, e obtendo, por esta via, para si, um enriquecimento ilegítimo.

378. O Arguido AA quis e conseguiu, através de terceiro em seu proveito e interesse, elaborar e apresentar na Conservatória do Registo Automóvel o requerimento de extinção de reserva de propriedade da viatura e o reconhecimento das assinaturas dele constantes, bem sabendo que os mesmos integravam declarações e assinaturas falsas de ZZZ, AAAA e BBBB, que não correspondiam à vontade dos seus pretensos emitentes, obtendo por esta via, para si, um benefício ilegítimo.

379. O Arguido AA agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, visando obter um benefício patrimonial ilegítimo, com o concomitante prejuízo patrimonial de terceiros, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.


- XXIII -


(….., com a matrícula ...-EB-... – arguido VV)

380. No dia ... de julho de 2007, a sociedade financeira “BMW Bank GMBH, Sucursal Portuguesa” celebrou com OOOOO (à data, mulher de PPPPP) um contrato de “aluguer de longa duração” (ALD) do veículo da marca ......., modelo …., com a matrícula ...-EB-..., avaliado em € 56.100, com a duração de dois anos.

381. O referido veículo ficou registado na Conservatória do Registo Automóvel em nome da instituição acima identificada.

382. Na sequência do incumprimento contratual verificado, no dia 30 de setembro de 2009 o contrato foi rescindido pela locadora.

383. Sem que o contrato de aluguer de longa duração estivesse cumprido e extinto pelo pagamento, no dia ... de março de 2010, o arguido VV elaborou um requerimento, que foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel, de transferência do registo de propriedade automóvel, com o nome, os elementos de identificação e a assinatura, que procurou imitar, de QQQQQ e RRRRR, na qualidade de vendedores e procuradores da sociedade financeira “BMW Bank GMBH, Sucursal Portuguesa”, declarando que vendiam a viatura ...-EB-... à sociedade “Atividades Hoteleiras Mordomo, L.da”, representada pelo próprio arguido VV.

384. Nesse documento, quer as assinaturas dos legais representantes da instituição financeira, QQQQQ e RRRRR, quer o documento de reconhecimento, efetuado pela advogada QQQQ, dessa condição e das respetivas assinaturas, são falsos, pois não foram assinados pelas pessoas em causa, nem tal reconhecimento foi realizado pela referida advogada.

385. Esse mesmo requerimento foi assinado pelo arguido VV, na qualidade de ....... da sociedade “Atividades Hoteleiras Mordomo, L.da”, sendo que ao atuar do modo descrito, logrou o registo da transmissão de propriedade a favor desta última sociedade.

386. Em data não apurada, anterior ao dia ... de março de 2010, e em circunstâncias igualmente não determinadas, o Arguido AA entrou na posse do veículo ....... com a matrícula ...-EB-..., registado em nome das “Atividades Hoteleiras Mordomo, L.da”.

387. No dia ... de março de 2010, o Arguido AA, em nome da arguida “Studiocar”, vendeu o referido veículo à sociedade “Trade 4 ALL – Importação e Exportação, L.da”, representada por IIIII, pelo preço de € 24.000.

388. A viatura e respetivos documentos vieram a ser apreendidos em poder de IIIII.

389. O arguido VV quis apresentar, na Conservatória do Registo Automóvel, documentos que visavam o registo de transferência da propriedade do veículo 38-EB-36, o que conseguiu, bem sabendo que as assinaturas que os titulavam eram falsas, bem como o reconhecimento de tais assinaturas, e bem assim que tal não correspondia à vontade dos seus pretensos emitentes, nem à verdade.

390. O arguido VV agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que desse modo causava um prejuízo a outrem, e bem assim que a sua conduta era proibida e punida por lei.


- XXIV -


Nuipc n.º 1190/10…… (......., com a matrícula ...-DF-..., Arguido AA)

391. Munido dos elementos identificativos de FF, do modo e nas circunstâncias anteriormente descritas, no dia ... de março de 2008, o Arguido AA, na qualidade de representante legal (procurador) da arguida “Studiocar”, remeteu para os serviços do “BBVA, Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, uma proposta de financiamento, bem como toda a documentação necessária para a respetiva aprovação (elementos de identificação da viatura e do mutuário, comprovativos de morada e de número de identificação bancária, e declaração de IRS), no valor de € 40.000, para o seu alegado cliente FF, tendo em vista a alegada aquisição da viatura ....., com a matrícula ...-DF-....

392. Aquela instituição financeira aprovou o crédito e, celebrado o contrato de mútuo no dia 19 de março de 2008, que o Arguido AA, ou terceiro em seu proveito e interesse, assinou, imitando a assinatura do FF, pagou àquele, enquanto fornecedor do bem, a quantia de € 39.460 (correspondente ao valor mutuado, deduzidas as despesas), ficando o veículo registado em nome do mutuário, com reserva de propriedade a favor do “BBVA”, no dia 8 de abril de 2008.

393. FF não celebrou com o arguido o contrato de compra e venda subjacente à celebração do contrato de mútuo, não solicitou nenhum crédito, nem assinou qualquer documento, sendo falsa a situação criada pelo arguido, ficando, no entanto, responsável pelo pagamento à instituição financeira do capital financiado.

394. Sem que a divida ao “BBVA” estivesse integralmente paga, o Arguido AA mandou elaborar, por terceiro em seu proveito e interesse, o requerimento que foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel no dia ... de março de 2010, tendo em vista a extinção da referida reserva de propriedade a favor da financeira.

395. Nesse documento, quer as assinaturas dos legais representantes do “BBVA”, LLL e TTT, quer o documento de reconhecimento dessas assinaturas pela funcionária do Cartório Notarial de SSSSS, TTTTT, são falsos, pois não foram assinados pelas pessoas em causa, nem o seu reconhecimento foi efetuado pela referida funcionária notarial.

396. Desta forma, o Arguido AA conseguiu que a Conservatória do Registo Automóvel declarasse extinta a reserva de propriedade que pendia sobre a viatura.

397. Em data muito anterior, porém, em março de 2008, o Arguido AA celebrou com UUUUU um contrato de compra e venda, pelo qual lhe vendeu o referido veículo automóvel, com a matrícula ...-DF-..., pela quantia aproximada de € 36.500.

398. Para pagamento desta quantia, UUUUU entregou uma parte em dinheiro e, relativamente à restante, celebrou um contrato de mútuo com a “Credifin”, no valor de € 32.500, ficando o veículo registado na Conservatória do Registo Automóvel em nome do mutuário, mas sem qualquer reserva de propriedade.

399. Celebrado o contrato de financiamento nestes termos, a “Credifin” procedeu ao pagamento ao Arguido AA da quantia de € 32.500, correspondente ao valor do financiamento solicitado.

400. Após a extinção da reserva de propriedade a favor do “BBVA”, o Arguido AA preencheu, ou mandou preencher por terceiro, em seu proveito e interesse, o requerimento de transferência de registo da propriedade automóvel, que foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel no dia 5 de abril de 2010, com o nome, os elementos de identificação e a assinatura, que procuraram imitar, de FF, na qualidade de vendedor, declarando que vendeu a viatura a UUUUU, assim logrando o registo da transmissão de propriedade a favor deste último.

401. Entretanto, UUUUU pagou todas as prestações à instituição financeira “Credifin”, e vendeu o veículo a VVVVV, em poder de quem o mesmo foi apreendido.

402. Do modo anteriormente descrito, o Arguido AA, relativamente ao mesmo veículo ..... com a matrícula ...-DF-..., locupletou-se com o dinheiro que recebeu dos dois contratos de financiamento, sendo certo que só o segundo foi real, tendo o primeiro sido forjado com os elementos de identificação e a assinatura de FF, nos moldes descritos.

403. O Arguido AA quis e conseguiu utilizar os estratagemas astuciosos descritos e enganar a instituição financeira “BBVA”, levando-a à prática de atos que lhe causaram um prejuízo patrimonial, apropriando-se ilegitimamente de quantia monetária que integrou no respetivo património, obtendo, por esta via, para si, um enriquecimento a que sabia não ter direito.

404. O Arguido AA quis e conseguiu elaborar um contrato de mútuo e apresentar na Conservatória do Registo Automóvel, os documentos de registo de extinção de reserva de propriedade e de transferência de propriedade da viatura ...-DF-..., bem sabendo que os mesmos integravam declarações e assinaturas falsas e não correspondiam à vontade dos seus pretensos emitentes, obtendo por esta via, para si, um benefício ilegítimo.

405. O Arguido AA agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, com os propósitos anteriormente descritos, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.


- XXV -


Nuipc n.º 1325/10….. (......., com a matrícula ...-AF-..., Arguido AA)

406. O veículo da marca ......., com a matrícula ...-AF-..., encontrava-se registado na Conservatória do Registo Automóvel, desde ... de julho de 2008, em nome da esposa do arguido, UU, com uma reserva de propriedade a favor do “Banco Santander Consumer Portugal S.A.”, decorrente de um contrato de financiamento celebrado pelo Arguido AA, enquanto mutuário, no valor de € 35.000.

407. No entanto, no dia ... julho de 2008, o Arguido AA, em representação da arguida “Studiocar Car”, procedeu à venda daquela viatura a WWWWW, pelo preço de € 38.000, pago faseadamente, através da emissão de vários cheques, até setembro de 2009.

408. Sem que a dívida ao “Banco Santander” estivesse integralmente paga, o Arguido AA mandou elaborar por terceiro, em seu proveito e interesse, um requerimento que foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel no dia 25 de março de 2010, tendo em vista a extinção da referida reserva de propriedade a favor da instituição financeira.

409. Nesse documento, quer a assinatura da legal representante do “Banco Santander Consumer”, XXXXX, quer o documento de reconhecimento dessa mesma assinatura pela funcionária do Cartório Notarial de SSSSS, TTTTT, são falsos, pois não foram assinados pela pessoa em causa, nem o seu reconhecimento foi emitido pela funcionária notarial em questão.

410. Deste modo, conseguiu o Arguido AA a declaração de extinção da reserva de propriedade e que o veículo ficasse registado em nome da sua esposa, UU, sem quaisquer ónus ou encargos, após o que no dia 29 de março de 2010, foi apresentado, na Conservatória do Registo Automóvel, o requerimento de registo automóvel, referente à transmissão da propriedade de UU para WWWWW.

411. Os documentos do veículo apenas foram entregues ao comprador WWWWW no dia ... de abril de 2010.

412. Um mês depois da entrega da documentação da viatura ...-AF-... ao seu comprador WWWWW, o Arguido AA solicitou-lhe a devolução do veículo, em virtude de o mesmo poder vir a ser apreendido por alegados problemas com uma instituição financeira, o que o mesmo fez.

413. Após, o veículo ...-AF-... foi vendido pelo arguido YY, como intermediário do Arguido AA (e também com a intermediação de DDDDD), a CCC, legal representante da “BRS Automóveis”, pelo valor aproximado de € 21.000, a quem foi apreendido.

414. O Arguido AA quis e conseguiu apresentar na Conservatória do Registo Automóvel, ainda que por intermédio de terceiro, no seu interesse, o requerimento de registo de extinção de reserva de propriedade e o documento de reconhecimento de assinatura, bem sabendo que os mesmos integravam declarações e assinaturas falsas e não correspondiam à vontade dos seus pretensos emitentes, visando obter, desse modo, um benefício a que sabia não ter direito, com o concomitante prejuízo patrimonial de terceiro.

415. O Arguido AA agiu sempre de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

(…)


- XXVII -


(........, com a matrícula ...-...-XP, Arguido AA)

425. O veículo da marca ........, com a matrícula ...-...-XP, encontrava-se registado a favor da sociedade arguida “Studiocar, L.da”, da qual é representante (na qualidade de procurador) o Arguido AA, com reserva de propriedade a favor da “Finicrédito - Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, desde o dia 16 de abril de 2008, por força de um contrato de mútuo, no valor de € 35.000, celebrado com a aludida sociedade.

426. Sem que a dívida à instituição financeira estivesse integralmente paga, o Arguido AA mandou elaborar por terceiro, em seu proveito e interesse, um requerimento que foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel no dia 13 de abril de 2010, tendo em vista a extinção da referida reserva de propriedade a favor da primeira.

427. Nesse documento, quer a assinatura do legal representante da “Finicrédito - Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, YYYYY, quer o documento de reconhecimento dessa assinatura pela advogada ZZZZZ, são falsos, pois não foram assinados pelas pessoas em causa, nem o documento de reconhecimento foi efetuado pela referida advogada.

428. Desta forma, o Arguido AA conseguiu que a Conservatória do Registo Automóvel declarasse extinta a reserva de propriedade que pendia sobre o veículo ...-...-XP.

429. Aparentemente livre de ónus e encargos, o Arguido AA procurou então vender o veículo, o que não conseguiu, porquanto o mesmo foi objeto de penhora, no âmbito do Processo n.º 20268/09……, do Juízo de Execução de ….., e apreendido na respetiva posse.

430. O Arguido AA mandou ainda elaborar por terceiro, no seu interesse, um requerimento que foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel no dia ... de abril de 2010, em nome da “Studiocar – Comércio de Automóveis, L.da”, e com uma alegada assinatura, em representação daquela, de UU, tendo em vista a obtenção de uma segunda via do certificado de matrícula.

431. O documento de reconhecimento dessa assinatura pela funcionária do Cartório Notarial de SSSSS, TTTTT, é falso, pois não foi emitido nem assinado pela funcionária em causa.

432. O Arguido AA quis e conseguiu elaborar e apresentar, ainda que por intermédio de terceiro, na Conservatória do Registo Automóvel, os requerimentos de extinção de reserva de propriedade da viatura e de emissão de 2.ª via do certificado de matrícula, e os documentos de reconhecimento de assinaturas, bem sabendo que os mesmos integravam declarações e assinaturas falsas de, pelo menos, YYYYY, ZZZZZ e TTTTT, que não correspondiam à vontade dos seus pretensos emitentes, obtendo, por esta via, para si, benefícios ilegítimos, com o consequente prejuízo patrimonial de outrem.

433. O Arguido AA agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que tais condutas eram proibidas e punidas por lei.


- XXVIII -


Nuipc’s n.ºs 4019/10…… e 3307/11…… (........, com a matrícula ...-EH-..., arguidos AA e WW)

434. No dia ... de novembro de 2007, o Arguido AA, na qualidade de ....... da arguida “CD Car, L.da”, celebrou com a sociedade “Eventos em Grande – Realização de Eventos e Restauração, L.da”, um contrato de compra e venda, pelo qual lhe vendeu o veículo automóvel da marca ........, com a matrícula ...-EH-..., pelo preço de € 51.500.

435. Posteriormente, a sociedade “Eventos em Grande” pediu ao Arguido AA que intermediasse a venda desse veículo à sociedade “Rastriphar – Equipamentos e Serviços, L.da” (cujos sócios eram, pelo menos em parte, comuns), e que angariasse um novo crédito, desta feita em nome desta última sociedade.

436. Na sequência do combinado, em julho de 2008, o Arguido AA intermediou um contrato de compra e venda, pelo qual a sociedade “Eventos em Grande – Realização de Eventos e Restauração, L.da” vendeu o veículo ..... ...-EH-..., pela quantia de € 50.000, à sociedade “Rastriphar – Equipamentos e Serviços, L.da”, representada por AAAAAA e pela esposa, BBBBBB.

437. Para pagamento da viatura, a sociedade “Rastriphar, L.da”, sempre com a intermediação do Arguido AA, desta vez em nome da “Studiocar”, celebrou um contrato de mútuo com o “Banco Primus, S.A.”, que se encontra datado de 31 de julho de 2008, no valor de € 69.690,60 (correspondente à quantia mutuada de € 50.000), ficando o veículo registado na Conservatória do Registo Automóvel em nome da mutuária, com reserva de propriedade a favor daquela instituição financeira, mediante requerimento ali apresentado no dia 13 de agosto de 2008.

438. Celebrado o contrato de mútuo nestes termos, o “Banco Primus, S.A.” entregou ao Arguido AA a quantia de € 50.000, que o mesmo recebeu e integrou no respetivo património.

439. Todavia, em data não apurada do mês de julho de 2008, anterior ao dia ..., o Arguido AA disse aos legais representantes da sociedade “Rastriphar, L.da” que o pedido de financiamento solicitado ao “Banco Primus, S.A.” não tinha sido aprovado e que era necessário procurar uma outra instituição financeira, aconselhando os legais representantes daquela sociedade a celebrar um novo contrato de mútuo, mas desta vez com a “Credifin” e em nome individual dos sócios AAAAAA e BBBBBB, no valor de € 55.825 (correspondente a um valor total de € 79.611,03, que inclui comissões, impostos e seguro), por assim ser mais fácil obter o crédito, o que foi feito.

440. Celebrado o contrato de financiamento nestes termos, no mês de julho de 2008, em data anterior ao dia ..., a “Credifin”, entregou ao Arguido AA o valor financiado, de € 55.825, quantia que ele recebeu e integrou no respetivo património.

441. Apesar de estar encarregue, por esta última financeira, de o fazer, o Arguido AA não possibilitou o registo da reserva de propriedade a favor da mesma.

442. Ao atuar da forma descrita, o Arguido AA logrou apropriar-se dos montantes financiados em virtude dos dois contratos de crédito celebrados.

443. Em abril de 2010, o Arguido AA telefonou a AAAAAA, propondo vender-lhe o veículo e assim satisfazer as dívidas inerentes àqueles dois contratos, procedendo aos pagamentos em dívida às duas instituições financeiras, pois tinha um comprador para o mesmo.

444. Conforme instruções dadas pelo Arguido AA, AAAAAA entregou a viatura, para esse fim, ao arguido WW, acompanhados dos documentos de identificação (cópias) de CCCCCC e BBBBBB.

445. No dia ... de abril de 2010 o arguido WW vendeu o veículo com a matrícula ...-EH-... à sociedade “Auto Eclipse, Comércio de Automóveis, L.da”, pelo preço de € 40.500, que recebeu em dinheiro, emitindo o respetivo recibo de quitação.

446. Para esse efeito, o arguido WW entregou pessoalmente, naquele stand, o requerimento para transferência do registo da propriedade automóvel, assinado e com o reconhecimento presencial notarial das assinaturas dos legais representantes da vendedora, a sociedade “Rastriphar, L.da”, representada por CCCCCC e de BBBBBB, bem como uma certidão narrativa simples, emitida pela Conservatória do Registo Comercial de ….., comprovativa da inexistência de quaisquer ónus sobre o veículo, e ainda dois exemplares das chaves do veículo.

447. No entanto, quer as assinaturas dos legais representantes da sociedade “Rastriphar, L.da”, quer o documento de reconhecimento notarial dessas assinaturas são falsos, pois não foram assinados pelas pessoas em causa nem o seu reconhecimento foi emitido pela funcionária do Cartório Notarial, tendo tais documentos sido elaborados por terceiro, no interesse e em proveito dos arguidos AA e WW.

448. Todos os referidos documentos são fraudulentos, na medida em que os legais representantes da proprietária do veículo nunca subscreveram nenhum contrato de venda do mesmo, nem ninguém com legitimidade para o efeito procedeu à extinção da reserva de propriedade a favor do “Banco Primus, S.A.”.

449. No dia ... de maio de 2010, o veículo ...-EH-... foi registado na Conservatória do Registo Automóvel em nome da “Auto Eclipse, Comércio de Automóveis, L.da”, tendo sido vendido por esta sociedade a DDDDDD, por € 45.000, que o registou em seu nome.

450. Posteriormente a sociedade “Auto Eclipse, L.da” e DDDDDD foram requeridos no âmbito da Providência Cautelar n.º 23558/10….., do atual Juízo Central Cível de ….., na qual a sociedade “Rastriphar, L.da” peticionou a anulação das vendas sucessivas do veículo, bem como a respetiva restituição e subsequente anulação das inscrições registrais, o que lhe foi deferido.

451. O Arguido AA quis utilizar os estratagemas engenhosos descritos e enganar a sociedade “R....L.da” e enganar as instituições financeiras “Banco Primus, S.A.” e “Credifin”, o que conseguiu, levando-as à prática de atos que lhes causaram prejuízos patrimoniais, apropriando-se ilegitimamente de quantias que integrou no respetivo património, e obtendo, por esta via, para si, um enriquecimento a que sabia não ter direito.

452. O arguido WW quis utilizar o estratagema engenhoso descrito e enganar a sociedade “Auto Eclipse, L.da”, o que conseguiu, levando o seu legal representante e funcionários à prática dos atos descritos, bem sabendo que os mesmos lhe causavam um prejuízo patrimonial, apropriando-se ilegitimamente de quantia que integrou no respetivo património e obtendo, por esta via, para si, um enriquecimento a que sabia não ter direito.

453. Os arguidos AA e WW, em comunhão de esforços e intentos, quiseram e conseguiram elaborar, ainda que por intermédio de terceiro, documentos que sabiam ter as assinaturas falsas de CCCCCC e BBBBBB, que não correspondiam aos seus verdadeiros emissores, bem como um reconhecimento notarial falso, visando obter benefícios ilegítimos, bem sabendo que com tal atuação causavam prejuízos patrimoniais a terceiros.

454. Nos precisos termos dados como provados, os arguidos AA e WW agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

(…)


- XXX -


Nuipc n.º 3307/11….. (......, com a matrícula ...-FJ-..., arguidos AA, YY e WW)

462. No dia ... de março de 2008, a sociedade financeira “Leaseplan Portugal - Comercio e Aluguer de Automóveis e Equipamentos Unipessoal, L.da” celebrou com EEEEEE um contrato de “renting”, tendo por objeto o veículo da marca ......, com a matrícula ...-FJ-..., avaliado em € 50.768,11, com a duração de quatro anos, ficando o mesmo registado na Conservatória do Registo Automóvel, em nome da primeira.

463. Sem que o contrato estivesse cumprido e extinto pelo pagamento, foi elaborado um requerimento que foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel no dia 28 de maio de 2010, referente à transferência do registo de propriedade automóvel, com o nome, os elementos de identificação e a assinatura, alegadamente de FFFFFF, na qualidade de vendedor e procurador da sociedade financeira, declarando que vendiam a viatura ao arguido YY.

464. Nesse documento, quer a assinatura do legal representante da instituição financeira, FFFFFF, quer o documento de reconhecimento pela notária SSSSS, dessa condição e da assinatura do primeiro, são falsos, pois não foram assinados pelas pessoas em causa, nem o seu reconhecimento foi emitido pela referida notária.

465. De forma não concretamente apurada, o veículo entrou na posse do arguido WW, que conhecia as circunstâncias acima descritas.

466. No dia ... de maio de 2010, o arguido WW vendeu o veículo ......, com a matrícula ...-FJ-... à sociedade “Auto Eclipse L.da”, representada por GGGGGG, pelo preço de € 25.000, referindo, para tanto, que atuava na condição de intermediário da pessoa em cujo nome o veículo se encontrava registado.

467. Mais garantiu que o veículo se encontra livre de ónus e encargos, facto que foi objeto de confirmação por parte do representante daquela sociedade, razão pela qual o comprou.

468. Posteriormente, a “Auto Eclipse L.da” vendeu o veículo à sociedade “Almodopneus, L.da”, representada por HHHHHH, por € 37.500, em poder da qual veio a ser apreendida.

469. O arguido WW quis e conseguiu utilizar os estratagemas astuciosos descritos e enganar a sociedade “Auto Eclipse L.da”, levando-a à prática de atos que lhe causaram um prejuízo patrimonial no valor de, pelo menos, € 25.000, apropriando-se ilegitimamente daquela quantia, que integrou no seu património, obtendo, por esta via, para si, um enriquecimento ilegítimo.

470. O arguido WW agiu de forma livre, voluntária e consciente, visando obter um benefício patrimonial a que sabia não ter direito, com o concomitante prejuízo patrimonial de terceiro, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

(…)


- XXXII -


Nuipc n.º 4020/10….. (......., matricula ...-BX-..., Arguido AA)

486. No dia ... de novembro de 2007, o Arguido AA, na qualidade de ....... da sociedade “CD Car”, celebrou com a sociedade “Eventos em Grande – Realização de Eventos e Restauração, L.da”, um contrato de compra e venda, pelo qual lhe vendeu o veículo automóvel da marca ......., com a matrícula ...-BX-..., pelo preço de € 56.000.

487. Para pagamento desta quantia, a sociedade “Eventos em Grande” celebrou um contrato de mútuo com a “Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, no valor total de € 73.342,92 (correspondente ao capital mutuado de € 51.945,11), ficando o veículo registado com reserva de propriedade a favor daquela instituição financeira.

488. Posteriormente, em virtude de dificuldades financeiras, a sociedade “Eventos em Grande” pediu ao Arguido AA que intermediasse a venda daquele veículo à sociedade “Rastriphar – Equipamentos e Serviços L.da” (cujos sócios eram, pelo menos em parte, comuns), e que angariasse um novo crédito em nome desta última sociedade.

489. Mais lhe solicitou que com o montante do novo crédito que viesse a ser obtido, liquidasse a quantia em dívida respeitante ao anterior contrato de financiamento em nome da vendedora.

490. Assim, na sequência do combinado, em junho de 2008 o Arguido AA intermediou um contrato de compra e venda, pelo qual a sociedade “Eventos em Grande” vendeu o veículo com a matrícula...-BX-..., pela quantia de € 50.000, à sociedade “Rastriphar L.da”, representada por AAAAAA.

491. Para pagamento da viatura, no dia 24 de julho de 2008 a sociedade “R... L.da”, sempre com a intermediação do Arguido AA, celebrou um contrato de mútuo com o “Banco Santander Consumer Portugal S.A.”, no valor de € 50.000.

492. Celebrado o contrato de financiamento nestes termos, o “Banco Santander Consumer Portugal, S.A.” entregou ao Arguido AA a quantia de € 50.000, correspondente ao valor financiado, quantia que o mesmo recebeu e integrou no respetivo património.

493. Contudo, nem o arguido liquidou o montante em dívida à “Caixa Leasing”, nem procedeu ao averbamento, na Conservatória do Registo Automóvel, do registo da reserva de propriedade a favor do “Banco Santander Consumer”, em virtude do registo da reserva de propriedade a favor da primeira.

494. Além disso, o Arguido AA disse aos legais representantes da sociedade “Rastriphar L.da” que o crédito não tinha sido aprovado, e que era necessário, para o efeito, procurar uma outra instituição financeira, mais convencendo os legais representantes daquela sociedade a subscrever um novo contrato de mútuo, mas desta vez em nome individual do pai de um dos sócios, PP, no valor de € 50.625, com a instituição financeira “Credifin”, por assim ser mais fácil a obtenção do crédito, o que foi feito.

495. Celebrado o contrato de mútuo nestes termos, no dia 23 de julho de 2008, a “Credifin” entregou ao Arguido AA a quantia de € 50.625, quantia que o mesmo recebeu e integrou no respetivo património, não tendo, uma vez mais, sido averbada na Conservatória do Registo Automóvel, o registo da reserva de propriedade a favor daquela instituição financeira, em virtude da reserva de propriedade existente a favor da “Caixa Leasing”.

496. Desta forma, o Arguido AA logrou apropriar-se dos montantes financiados na decorrência dos dois contratos de crédito, não liquidou o primitivo contrato de mútuo celebrado entre as sociedades “Eventos em Grande” e “Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, e o veículo continuou com reserva de propriedade a favor desta última, enquanto a “Rastriphar L.da” e PP ficaram responsáveis pelo pagamento ao “Banco Santander Consumer” e à “Credifin”, dos montantes, respetivamente, mutuados.

497. O Arguido AA quis utilizar os estratagemas engenhosos descritos e enganar a sociedade “Rastriphar L.da” e PP, bem como as instituições financeiras “Banco Santander Consumer” e “Credifin”, o que conseguiu, levando os seus legais representantes e funcionários à prática dos atos descritos, que lhes causaram prejuízos patrimoniais, apropriando-se ilegitimamente de quantias que integrou no seu património e, obtendo, por esta via, para si, um enriquecimento a que sabia não ter direito.

498. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, com os propósitos acima referenciados, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.


- XXXIII -


Nuipc n.º 4102/10….. (....., com a matrícula ...-...-TU, Arguido AA)

499. Conforme anteriormente descrito, PPP celebrou vários negócios de compra e venda de veículos automóveis com o Arguido AA, por força dos quais lhe entregou, anteriormente, fotocópias de documentos pessoais, onde constavam os respetivos elementos de identificação e assinatura, designadamente o bilhete de identidade e o cartão de contribuinte.

500. Munido dos elementos identificativos de PPP, o Arguido AA, na qualidade de representante legal da sociedade arguida “Studiocar”, remeteu para os serviços da “Credifin” uma proposta de financiamento, bem como toda a documentação necessária para o efeito (elementos de identificação, comprovativos de morada e de número de identificação bancárias, e declaração de IRS), no valor de 40.500 €, para o seu alegado cliente PPP, tendo em vista a compra, pelo mesmo, da viatura da marca ....., modelo ....., com a matrícula ...-...-TU.

501. No dia ... de fevereiro de 2008, aquela instituição financeira aprovou o crédito e, celebrado o contrato de mútuo respetivo, que o Arguido AA assinou, imitando a assinatura de PPP, entregou ao Arguido AA a quantia de € 39.607 (valor do contrato, deduzidas as despesas), que este recebeu e integrou no respetivo património.

502. Todavia, PPP não celebrou o contrato de compra e venda que esteve na base deste pedido de financiamento, não solicitou nenhum crédito, nem assinou qualquer documento, sendo falsa a situação negocial criada pelo arguido.

503. Por sua vez, o Arguido AA não registou na Conservatória do Registo Automóvel, nem a transferência da propriedade do veículo, nem a reserva de propriedade a favor da “Credifin”, uma vez que tal também não poderia ser feito, na medida em que não existe nenhuma viatura da marca ....., modelo ....., com a matrícula ...-...-TU, correspondendo esta matrícula a um veículo ........

504. Não obstante, PPP ficou responsável pelo pagamento do capital mutuado, tendo sido, consequentemente, citado para os termos de uma execução judicial instaurada por aquela instituição financeira.

505. Deste modo, o Arguido AA logrou receber da “Credifin” o montante concedido por um alegado financiamento de uma viatura inexistente, quantia que integrou no respetivo património.

506. O Arguido AA quis e conseguiu utilizar os estratagemas astuciosos descritos e enganar a instituição financeira “Credifin”, levando-a à prática de atos que lhe causaram um prejuízo patrimonial, apropriando-se ilegitimamente de quantia monetária que integrou no respetivo património, obtendo, por esta via, para si, um enriquecimento a que sabia não ter direito.

507. O Arguido AA quis e conseguiu elaborar um contrato de mútuo, bem sabendo que a viatura objeto do contrato não existia e que o mesmo integrava declarações e assinaturas falsas de PPP, e bem assim que não correspondia à vontade do seu pretenso emitente, obtendo, por esta via, para si, um benefício patrimonial a que sabia não ter direito.

508. O Arguido AA agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, com os propósitos acima referidos, que logrou alcançar, bem sabendo que tais condutas eram proibidas e punidas por lei.


- XXXIV -


(Nuipc n.º 1641/09…… – ........, com a matrícula ...-DU-... – arguidos AA e IIIIII)

509. Em virtude da relação de vizinhança e de amizade existente entre ambos e das dificuldades financeiras por que passavam, em data não concretamente apurada, mas anterior ao dia 24 de janeiro de 2008, os arguidos AA e IIIIII acordaram na celebração, pela sociedade “Janela do Tejo, Sociedade de Construções, L.da”, representada pelo segundo, de um contrato de crédito, alegadamente para aquisição do veículo automóvel da marca ........, com a matrícula ...-DU-..., como forma de o primeiro obter dinheiro para si próprio e, vendida posteriormente a viatura, procederem ao pagamento da quantia mutuada e repartirem o eventual lucro daí resultante.

510. Assim, no dia ... de janeiro de 2008, o Arguido AA, na qualidade de legal representante da arguida “CD Car, L.da”, simulou ter efetuado com a sociedade “Janela do Tejo, Sociedade de Construções, L.da”, representada pelo arguido IIIIII, um contrato de compra e venda referente ao veículo acima identificado, pelo valor, também ficcionado, de € 70.000.

511. Munido de todos os documentos respeitantes à situação tributária da referida sociedade e comprovativo do número de identificação bancária, bem como dos documentos de identificação das pessoas que interviriam como avalistas - o arguido IIIIII e a esposa, JJJJJJ -, documentos que lhe haviam sido fornecidos – anterior e voluntariamente – pelo primeiro, em virtude de outras transações preexistentes, o Arguido AA, no dia 24 de janeiro de 2008 remeteu para os serviços do “BBVA, Instituição Financeira de Crédito, S.A.” uma proposta de financiamento, acompanhada de toda aquela documentação, no valor de € 70.000, tendo em vista a alegada aquisição da viatura com a matrícula ...-DU-....

512. A referida instituição financeira aprovou o crédito e, celebrado o contrato de mútuo respetivo, no dia 25 de janeiro de 2008, entregou ao Arguido AA a quantia de € 69.280 (correspondente ao montante financiado, deduzidas as despesas), quantia que o mesmo recebeu e integrou no respetivo património.

513. A quantia mutuada deveria ser paga em 84 prestações, no montante unitário de € 1.118,04, vencendo-se a primeira prestação no dia 24 de fevereiro de 2008.

514. Aquando da celebração do contrato de mútuo, o arguido emitiu uma declaração, assumindo a responsabilidade pela entrega, ao “BBVA”, da documentação necessária, além do mais, ao registo da reserva de propriedade a favor da mesma e da transferência de propriedade para a “Janela do Tejo, Sociedade de Construções, L.da”.

515. Contudo, tal não sucedeu, razão pela qual ficou inviabilizado o registo, na Conservatória do Registo Automóvel, da reserva de propriedade do veículo com a matrícula ...-DU-... a favor do “BBVA”, e bem assim o registo da transferência de propriedade para a sociedade mutuária.

516. Seguidamente, no dia 8 de março de 2008, o Arguido AA, em nome da sociedade arguida “Studiocar, L.da”, celebrou com a sociedade “Pascoal Pinto, Construção, Compra e Venda de Imóveis S.A.”, representada por KKKKKK, um contrato de compra e venda, pelo qual lhe vendeu o veículo automóvel com a matrícula ...-DU-..., pelo valor de € 84.000, que o primeiro recebeu.

517. Porém, o Arguido AA não procedeu ao pagamento, à instituição financeira, do valor financiado, relativamente ao qual apenas foram pagas 9 prestações, no valor de € 10.085,08, nem entregou qualquer quantia resultante da aludida venda ao arguido IIIIII.

518. Ao agir do modo descrito, celebrando o aludido contrato de mútuo, o Arguido AA visou integrar no respetivo património a quantia de € 69.280, financiada pelo “BBVA”, o que conseguiu.

519. O Arguido AA quis e conseguiu utilizar o estratagema engenhoso descrito e enganar aquela instituição financeira de crédito, o que conseguiu, levando-a à prática de atos que lhe causaram um prejuízo patrimonial de, pelo menos, 59.914,92, obtendo para si, por esta via, um enriquecimento ilegítimo, a que sabia não ter direito.

520. Nesta situação, o arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.


- XXXV -


Nuipc n.º 3798/10…… (......, com a matrícula ...-...-SG, Arguido AA)

521. No ano de 2007, anteriormente ao mês de setembro de 2007, CC adquiriu ao Arguido AA, na qualidade de ....... da arguida “CD Car”, o veículo automóvel da marca ......, com a matrícula ...-...-SG.

522. Tal veículo foi registado na Conservatória do Registo Automóvel em nome de CC, com reserva de propriedade a favor da instituição financeira “Banif Go”.

523. Em setembro de 2007, CC acordou com o Arguido AA intermediar a venda do referido veículo, na perspetiva de aquisição de um outro.

524. E assim, CC, confiando que o arguido procederia conforme o acordado, entregou-lhe a viatura para esse efeito.

525. Em outubro de 2007, o Arguido AA, na qualidade de ....... da sociedade arguida “CD Car”, celebrou com LLLLLL um contrato de compra e venda, pelo qual lhe vendeu o veículo automóvel com a matrícula ...-...-SG, pela quantia de € 18.000, tendo recebido, como forma de pagamento, um cheque de igual valor, emitido com data de ... de janeiro de 2008, que levantou e cujo montante integrou no respetivo património.

526. No ato da venda, o Arguido AA garantiu a LLLLLL que a viatura se encontrava livre de ónus e encargos, razão pela qual este a comprou.

527. Porém, apesar das promessas que fez nesse sentido, e para além de uma declaração de venda que emitiu, designadamente para fazer fé perante as autoridades policiais, o Arguido AA nunca entregou ao adquirente os documentos da viatura necessários para operar o registo da propriedade a seu favor.

528. Deste modo, a viatura permaneceu registada em nome do seu anterior proprietário, CC, e com reserva de propriedade a favor do “Banif Go”, impedindo LLLLLL de registar a viatura em seu nome.

529. No dia ... de julho de 2009, sob pressão de QQ, o Arguido AA entregou-lhe uma nova declaração de venda, desta vez emitida pela “Studiocar”, na qualidade de vendedora, um cheque no valor da viatura, de € 18.000, o qual, apresentado a pagamento, foi considerado “extraviado”, e uma declaração de “reconhecimento de dívida” no mesmo valor.

530. O arguido nunca prestou contas a CC, nem lhe entregou qualquer quantia recebida em virtude deste negócio.

531. O Arguido AA quis apropriar-se da viatura que lhe foi entregue por CC, por título não translativo da propriedade, vendendo-a em nome próprio e locupletando-se com a quantia recebida, obtendo para si, por esta via, um enriquecimento a que sabia não ter direito.

532. O arguido quis e conseguiu utilizar os estratagemas engenhosos descritos e enganar LLLLLL, o que conseguiu, levando-o à prática de atos que lhe causaram um prejuízo patrimonial, apropriando-se ilegitimamente da quantia de € 18.000, que integrou no respetivo património, e obtendo, por esta via, para si, um enriquecimento a que sabia não ter direito.

533. O Arguido AA agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, com os propósitos acima referenciados, bem sabendo que tais condutas eram proibidas e punidas por lei.


- XXXVI -


Nuipc n.º 3349/10…… (......., com a matrícula ...-CO-..., Arguido AA)

534. Em março de 2008, o Arguido AA, na qualidade de legal representante da arguida “CD Car”, celebrou com FF um contrato de compra e venda, pelo qual lhe vendeu o veículo automóvel da marca ........, com a matrícula ...-CO-..., pelo preço de € 36.500.

535. Para pagamento da totalidade do preço, FF entregou ao Arguido AA a quantia de € 18.500 em numerário, tendo o remanescente sido pago através da entrega do veículo ........, com a matrícula ...-BT-..., que o Arguido AA avaliou em € 18.000.

536. Não obstante ter sido o preço integralmente pago por FF, munido dos elementos identificativos deste (em virtude de outros negócios anteriormente realizados), o Arguido AA, na qualidade de ....... da arguida “CD Car”, remeteu para os serviços da instituição financeira “GE Consumer Finance, IFIC – Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, uma proposta de financiamento, bem como toda a documentação necessária para o efeito (elementos de identificação, comprovativos de morada e de número de identificação bancária, e declaração de IRS), no valor de € 50.000, para o seu alegado cliente FF, alegadamente para a aquisição, por este, do veículo ...-CO-....

537. Aquela instituição financeira aprovou o crédito e, celebrado o contrato de mútuo no dia 28 de março de 2008, que o Arguido AA, ou terceiro no respetivo interesse, assinou, imitando a assinatura de FF, pagou ao arguido a quantia financiada, de € 50.000, que este recebeu e integrou no respetivo património.

538. O veículo foi registado na Conservatória do Registo Automóvel em nome do alegado mutuário, FF, com uma hipoteca voluntária constituída a favor da “GE Consumer Finance, IFIC – Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, ficando o primeiro responsável pelo pagamento do valor financiado, de € 50.000.

539. Todavia, FF não solicitou nenhum crédito, nem assinou o contrato de mútuo em causa, sendo falsa a situação negocial criada pelo Arguido AA.

540. O Arguido AA quis utilizar os estratagemas engenhosos descritos e enganar a instituição financeira “GE Consumer”, o que conseguiu, levando-a à prática de atos que lhe causaram prejuízos patrimoniais, pelo menos no referido montante, apropriando-se ilegitimamente daquela quantia, que integrou no respetivo património, e obtendo para si, por esta via, um enriquecimento a que sabia não ter direito.

541. O Arguido AA quis e conseguiu elaborar um contrato de mútuo, bem sabendo que o mesmo integrava declarações falsas e a assinatura falsa de FF, e não correspondia à vontade do seu pretenso signatário, obtendo, por esta via, para si, um benefício ilegítimo.

542. O Arguido AA agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, com os propósitos acima enunciados, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

(…)


- XXXIX -


P.C.C. n.º 781/13…. – Apenso C (......, com a matrícula ...-FP-... – Arguido AA)

584. Em meados de abril de 2008, IIIIII e JJJJJJ, casados, dirigiram-se ao stand de automóveis “Studiocar – Comércio de Automóveis, L.da”, com sede no Centro Empresarial Sintra Nascente, Edifício 1, Avenida Almirante Gago Coutinho, em Sintra, explorado pelo Arguido AA, enquanto procurador daquela sociedade arguida, e com o qual mantinham uma relação de amizade, e aí adquiriram o veículo da marca ......, modelo ...., com a matrícula ...-FP-..., pelo valor de € 40.000.

585. Para pagamento do referido valor, em ... de abril de 2008, IIIIII e JJJJJJ celebraram junto do “Banco Primus, S.A.”, o contrato de mútuo com o n.º …….

586. O veículo foi registado na Conservatória do Registo Automóvel em nome de IIIIII, com reserva de propriedade a favor da referida instituição financeira de crédito.

587. Celebrado o contrato nestes termos, o “Banco Primus, S.A.” procedeu ao pagamento ao Arguido AA da quantia correspondente ao valor financiado, através do depósito do cheque no valor de € 39.432, em conta bancária titulada pela “Studiocar”, mas movimentada por aquele, quantia que o arguido recebeu e integrou no respetivo património.

588. Consequentemente, ficou IIIIII responsável pelo pagamento ao “Banco Primus, S.A.” da quantia de € 40.000, em 84 prestações mensais.

589. Destas prestações, apenas foram pagas 8, tendo o contrato entrado em incumprimento.

590. Por já não conseguir liquidar as prestações devidas pelo mútuo concedido, IIIIII devolveu o veículo ...-FP-... ao Arguido AA, para que este diligenciasse pela respetiva venda a terceiro e, consequentemente, liquidasse a totalidade da quantia ainda em dívida.

591. Sem que a dívida ao “Banco Primus, S.A.” estivesse paga, o Arguido AA mandou elaborar por terceiro, a seu pedido e proveito, um requerimento que foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel no dia 7 de abril de 2010, tendo em vista a extinção da reserva de propriedade existente a favor da financeira, o que logrou conseguir.

592. Nesse requerimento, quer as assinaturas dos supostos representantes do “Banco Primus, S.A.”, ZZZ e AAAA, quer o reconhecimento dessas assinaturas pela colaboradora da notária SSSSS, são falsos, pois não foram assinados pelas pessoas em causa, nem o seu reconhecimento foi efetuado pela colaboradora em questão.

593. Em data não concretamente apurada, ma seguramente anterior a ... de abril de 2010, o arguido AA vendeu o veículo com a matrícula ...-FP-... a RR, pelo preço de € 50.000, valor que o comprador pagou, em parte, em numerário, e a outra parte mediante a entrega, à troca, de um outro veículo automóvel.

594. O Arguido AA fez sua a referida quantia, não tendo procedido à liquidação da dívida relativa ao contrato de mútuo celebrado entre o “Banco Primus, S.A.” e IIIIII, conforme combinado.

595. RR apenas adquiriu o veículo por se convencer, perante a conduta do arguido, que a mesma se encontrava livre de quaisquer ónus ou encargos.

596. Com a reserva de propriedade que logrou cancelar, nos termos acima expostos, e assegurando a IIIIII que a dívida à financeira iria ser liquidada com a venda do veículo a RR, aquele assinou o requerimento de registo de transferência da propriedade automóvel, que foi apresentada na Conservatória do Registo Automóvel no dia 12 de abril de 2010, juntamente com os documentos de identificação e a assinatura de MMMMMM, mulher de RR, logrando assim o registo daquela transmissão.

597. O Arguido AA formulou o propósito de obter, para si, uma vantagem económica, cancelando a reserva de propriedade que incidia sobre o veículo com a matrícula ...-FP-..., a favor do “Banco Primus, S.A.”, bem sabendo que a quantia monetária que tal reserva garantia - € 40.000 – não se encontrava integralmente liquidada.

598. Tal cancelamento permitiu ao Arguido AA a venda do veículo a terceiro, locupletando-se com o valor pago pelo comprador, e causando àquela instituição financeira um prejuízo correspondente ao montante do valor mutuado e não pago, que nunca veio a ser liquidado.

599. Para o efeito, o Arguido AA, ainda que por intermédio de terceiro no seu interesse, apresentou na Conservatória do Registo Automóvel um documento de extinção de reserva de propriedade, acompanhado de alegado reconhecimento notarial de assinaturas, bem sabendo que os mesmos integravam declarações e assinaturas falsas, que não correspondiam à vontade dos seus pretensos emitentes.

600. O Arguido AA, levando alguém a imitar, a seu pedido, quer as assinaturas dos supostos representantes do “Banco Primus”, quer o reconhecimento dessas assinaturas pela colaboradora da notária SSSSS, nos documentos descritos, quis falseá-los, com o único propósito de obter uma vantagem patrimonial ilegítima, ao mesmo tempo que causou prejuízo ao Estado, abalando a credibilidade que os referidos documentos devem merecer para a generalidade das pessoas.

601. O Arguido AA sabia que estava a fazer constar dos documentos assinaturas que não eram verdadeiras, mas passíveis de assim serem consideradas por terceiros, nomeadamente pelos funcionários do Registo Automóvel, colocando em causa, com tal atuação, a credibilidade que tais documentos gozam no meio em que se inserem, afetando a fé pública que lhes é devida, o que quis e conseguiu.

602. O Arguido AA bem sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

(Da discussão da causa, resultaram ainda provados os seguintes factos):

603. Até, pelo menos, aos anos de 2006/2007, a sociedade “CD Car” apresentou um volume de negócios de compra e venda de veículos automóveis de valor consideravelmente elevado, na sua grande maioria com recurso ao financiamento por parte das instituições financeiras e de crédito anteriormente identificadas, em especial do “BBVA” e da “Credifin” (atual “BNP Paribas”).

604. Enquanto fornecedor dos bens financiados e parceiro comercial dessas mesmas instituições de crédito, o Arguido AA, na qualidade de representante legal das arguidas “CD Car” e “Studiocar”, mantinha uma relação de confiança e grande proximidade com os respetivos comerciais e responsáveis de zona, que eram o ponto de contacto entre ambos, em especial com NNNNNN (do “BBVA”) e OOOOOO (da “Credifin”).

605. Pelos motivos expostos, tais sociedades financeiras atribuíam, por vezes, alguns prémios financeiros ao arguido, permitindo-lhe ainda, noutras situações, alguma dilação na entrega dos documentos necessários ao registo da transmissão dos veículos automóveis e ao registo dos respetivos ónus de reserva de propriedade ou hipoteca voluntária.

606. Fruto da crise que se começou a fazer sentir no setor automóvel, pelo menos desde finais de 2007, inícios do ano de 2008, o Arguido AA recorreu a um financiamento junto do “Grupo Gallego de Gestión”, no montante de € 1.500.000, celebrando, para o efeito, o respetivo contrato de mútuo, no dia 25 de janeiro de 2008.

607. Contudo, tal financiamento nunca chegou a verificar-se, tendo-se tratado de uma alegada fraude levada a cabo por aquela instituição, com a consequente apresentação, pelo Arguido AA, de queixa criminal, quer em …., no dia ... de dezembro de 2008, quer em Portugal, em data não concretamente apurada, mas anterior a ... de fevereiro de 2009, data da prolação do respetivo despacho de arquivamento.

608. O Arguido AA impugnou judicialmente a liquidação adicional de I.V.A. do ano de 2004, no montante de € 203.378,75, mediante ação interposta no Tribunal Administrativo e Fiscal de ….., com o n.º 1169/08….., impugnação que foi julgada parcialmente procedente, nos termos da sentença datada de 1 de julho de 2009.

(Dos pedidos de indemnização civil)

- Demandante SS -

609. A assistente/demandante civil SS foi casada com CC, falecido no dia ... de agosto de 2013.

610. Em consequência dos factos descritos em 101) a 107) e 112) a 116), respeitantes ao veículo com a matrícula ...-...-ZD, o “BBVA” instaurou a ação executiva com o n.º 4218/10….., que correu termos no então …º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de ….., em que foram executados a demandante e o seu falecido marido.

611. No âmbito da referida ação executiva, foi penhorado 1/3 das pensões de reforma dos aí executados SS e CC, até que a mesma e o seu marido se apresentaram à insolvência, nos termos do processo que correu termos no então …º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de …….

612. Em virtude dos factos dados como provados, com referência aos casos I, V e XXXV, a assistente/demandante civil SS e o seu marido CC não tiveram outra alternativa senão se apresentarem à insolvência, o que sucedeu no dia 28 de fevereiro de 2012, nos termos acima referidos.

613. Com a redução dos respetivos rendimentos, devido às penhoras realizadas no âmbito daquela ação executiva movida pelo “BBVA”, a demandante e o marido deixaram de poder cumprir pontualmente as obrigações assumidas, o que alterou de forma radical e negativa a vida financeira e pessoal de ambos.

614. Para além daquela ação executiva, e no âmbito do processo de insolvência, o “BBVA” interpôs ainda uma ação de verificação ulterior de crédito, no valor de € 36.820,09.

615. No âmbito dessa mesma execução, foi realizada uma perícia às assinaturas apostas no título executivo, que concluiu no sentido de ser “muitíssimo provável que as escritas suspeitas das assinaturas apostas na frente da livrança não sejam da autoria” dos aí executados, ora assistente e seu falecido marido.

616. Em consequência dos factos descritos em 31) a 34), 37), 45) e 47), o “Santander Consumer” também reclamou o seu crédito no processo de insolvência, com base no contrato de financiamento celebrado para aquisição da viatura ..... com a matrícula ...-...-NI, no montante de € 38.018,69, valor remanescente que ainda se encontra por liquidar.

617. A demandante civil é aposentada da função pública.

618. Antes destes factos, a demandante e o seu marido CC viviam bem, com uma boa qualidade de vida e financeiramente desafogados, sendo que as respetivas pensões de reforma eram suficientes para cumprir as suas obrigações e pagar as despesas do dia-a-dia.

619. Os factos perpetrados pelo Arguido AA, com referência aos veículos ...-...-NI (caso I), ...-...-ZD (caso V) e ...-...-SG (caso XXXV), desequilibraram de forma radical a vida financeira da demandante civil e do marido CC, colocando ainda em causa a respetiva saúde física e psicológica.

620. Com a alteração profunda na sua qualidade de vida, com as preocupações inerentes ao cumprimento das obrigações decorrentes daqueles factos, obrigaram-nos a recorrer à ajuda de terceiros, como tentativa de evitar a respetiva insolvência, o que não lograram conseguir.  

621. Depois de uma vida de trabalho, a assistente/demandante e o marido contavam desfrutar o seu período de reforma de forma descansada e desafogada, o que não veio a suceder.

622. Eram pessoas bem-dispostas extrovertidas e de bem com a vida, o que se alterou quando começaram a ser notificados para pagamento de quantias que não deviam.

623. Em novembro de 2010, a demandante civil começou a ser seguida por uma médica psiquiatra, para tentar debelar o estado depressivo em que se encontrava, situação que perdurou.

624. Em consequência desta situação e dos problemas financeiros decorrentes, CC passou a ser uma pessoa nervosa, irritada, revoltada, triste e profundamente deprimida.

625. A morte de CC foi causada por insuficiência cardíaca e hipertensão.

- Demandante Banco Comercial Português, S.A. -

626. Em consequência dos factos dados como provados em 207), 214), 215), 218), 222) e 223) - (caso XII) -, referentes ao veículo com a matrícula ...-EL-..., a demandante civil “Banco Comercial Português, S.A.” suportou um prejuízo no montante de € 65.628,13, correspondente ao capital em dívida.

- Demandante BNP Paribas Personal Finance, S.A. -

627. Por escritura de fusão realizada no dia 27 de janeiro de 2010, a “Cetelem” incorporou várias sociedades financeiras, alterando ainda, em consequência dessa fusão, a sua denominação social para “BNP Paribas Personal Finance, S.A.”.

628. No dia ... de novembro de 2007, o Arguido AA intermediou a venda do veículo com a matrícula ...-AZ-... a favor da “Rastriphar – Equipamentos e Serviços, L.da”, para o que esta celebrou com a “Credifin” um contrato de mútuo.

629. Em consequência do referido contrato, a demandante pagou ao Arguido AA a quantia de € 51.500, ficando o veículo registado com reserva de propriedade a favor da mesma.

630. Da referida quantia, encontra-se ainda por pagar o montante de € 17.336, tendo a reserva de propriedade sido extinta, em circunstâncias não concretamente apuradas.

631. Relativamente ao contrato de mútuo celebrado entre a “Credifin” e o assistente DD e EE, das 57 prestações acordadas foram pagas apenas 52, encontrando-se em dívida a quantia de € 14.577.

632. Em tal situação, verificou-se igualmente a extinção da reserva de propriedade a favor da ora demandante civil, em circunstâncias não concretamente apuradas.

633. Em consequência dos factos descritos em 290), 291) e 292), com referência ao veículo ...-EV-..., a demandante civil ficou desapossada da quantia de € 60.255, não tendo sequer chegado a ser registada a reserva de propriedade a seu favor.

634. Em maio de 2008 o Arguido AA vendeu a RR o veículo ...-BL-..., pelo preço de € 70.000, sendo que para essa aquisição foi celebrado o contrato de mútuo n.º ……10, em virtude do qual foi entregue ao Arguido AA a quantia financiada, sem que tenha sido registada a transferência de propriedade a favor do mutuário e a reserva de propriedade a favor da ora demandante civil.

635. Do montante financiado encontra-se em dívida a quantia de € 48.837.

636. Por força do contrato de mútuo celebrado entre a “Credifin” e AAAAAA, com referência ao veículo com a matrícula ...-EH-..., a primeira entregou ao Arguido AA a quantia de € 55.825, encontrando-se atualmente em dívida a quantia de € 48.802,85.

637. Em consequência dos factos dados como provados em 494) e 495), com referência à viatura ...-BX-..., a demandante encontra-se desapossada da quantia de € 44.000.

638. Decorrente dos factos dados como provados em 500) a 505), com referência a uma alegada aquisição do veículo ..... com a matrícula ...-...-TU, a ora demandante civil entregou ao Arguido AA a quantia de € 39.607, encontrando-se atualmente em dívida o montante de € 35.000.

639. Este veículo nunca foi averbado em nome do cliente, nem tão-pouco foi registada a reserva de propriedade a favor da “Credifin”.

- Demandante RR -

640. Em consequência dos factos dados como provados em 256) a 259), 261) e 269), com referência ao veículo com a matrícula ...-BL-..., o demandante RR foi cumprindo as suas obrigações decorrentes do contrato de mútuo celebrado com a “Credifin”, o que deixou de fazer quando se apercebeu da situação relativa ao mesmo.

641. Até ao referido momento, o demandante pagou à “Credifin” a quantia de € 42.570.

642. Em virtude de o ora demandante ter deixado de liquidar as prestações remanescentes, no dia 14 de abril de 2011 veio a ser declarado resolvido o contrato celebrado, sendo reclamado, por parte daquela instituição financeira, a quantia de € 49.932,24.

- Demandante TT -

643. O assistente TT adquiriu a viatura com a matrícula ...-...-VB a PPPPPP, em outubro de 2011, pelo preço de € 17.000.

644. Tal aquisição foi financiada pelo “Banco Financia”, tendo o assistente ficado obrigado ao pagamento da quantia mensal de € 279,82.

645. No dia ... de março de 2012, em virtude dos factos dados como provados em 185) a 188) e 193) a 195), o veículo ...-...-VB foi apreendido à ordem dos presentes autos.

646. Em consequência, o assistente e demandante civil viu-se privado do veículo que utilizava para o seu transporte e da sua família, continuando obrigado, no entanto, a pagar as mensalidades referentes ao crédito assumido com o “Banco Financia”.

647. O assistente teve de adquirir um outro veículo automóvel, no que despendeu quantia não apurada.

648. Concomitantemente à apreensão do veículo, o assistente ficou desempregado, sendo que ambas as situações foram determinantes de problemas do foro nervoso e psíquico, dos quais ainda não se recompôs.

649. Também em consequência das mesmas, sofreu ansiedade e perturbações do sono.

650. Após a restituição do veículo automóvel ao assistente/demandante TT, este procedeu à respetiva venda pelo preço de € 16.000.

- Demandante Banco Primus, S.A. –

651. No exercício da sua atividade comercial, o demandante civil “Banco Primus, S.A.” financiou a aquisição, por II, da viatura com a matrícula ...-AC-..., no montante de € 32.000, através do contrato de mútuo com o n.º …...44, celebrado no dia 21 de outubro de 2008.

652. Nos termos do contrato, a mutuária deveria liquidar a quantia financiada em 96 prestações mensais, iguais e sucessivas, no montante de € 539,70, das quais apenas foram pagas 31, no montante de € 16.777,20, encontrando-se em dívida, pelo menos, a quantia de 15.222,80.

653. O veículo …-AC-… foi restituído a II.

654. No exercício dessa mesma atividade comercial, o demandante “Banco Primus, S.A.” financiou a alegada aquisição do veículo com a matrícula ...-DM-..., no montante de € 49.000, mediante contrato de mútuo com o n.º …...32, datado de 14 de abril de 2008.

655. Nos termos do contrato, a pessoa que dele consta como mutuário, FF, deveria pagar a quantia financiada em 84 prestações mensais, iguais e sucessivas, no montante de € 827,11, tendo apenas sido pagas 13 prestações, encontrando-se em dívida, pelo menos, a quantia de € 50.234,90.

656. Também no exercício da mesma atividade, o “Banco Primus, S.A.” financiou UU, bem como o Arguido AA, numa alegada aquisição do veículo com a matrícula ...-DV-..., pelo valor de € 50.578,47, nos termos do contrato de mútuo com o n.º …..26, datado de 12 de agosto de 2008.

657. Nos termos do contrato, aquela quantia deveria ser liquidada em 60 prestações mensais, iguais e sucessivas, no montante de € 827,11, das quais apenas foram pagas 6 prestações, no montante de € 6.136,44, encontrando-se em dívida, pelo menos, a quantia de € 44.442,03.

658. O demandante civil “Banco Primus, S.A.” financiou ainda a aquisição, pela sociedade “Rastriphar”, da viatura com a matrícula ...-EH-..., no montante de € 50.000, mediante contrato de mútuo com o n.º …...77, celebrado no dia 31 de julho de 2008.

659. Nos termos do contrato, tal quantia deveria ser liquidada em 84 prestações mensais, iguais e sucessivas, no montante de € 829,65, das quais foram pagas apenas 23 prestações, no montante de € 19.116,45, encontrando-se em dívida, pelo menos, a quantia de € 30.883,55.

660. Com referência ao contrato de mútuo celebrado por IIIIII e JJJJJJ, para aquisição do veículo com a matrícula ...-FP-... (apenso C), das 84 prestações mensais acordadas, apenas foram pagas 8 prestações, o que causou ao demandante “Banco Primus, S.A.” um prejuízo no montante de € 53.603,03.

661. A viatura com a matrícula PQ-...-... foi restituída ao ora demandante civil, “Banco Primus, S.A.”.

- Demandante QQQQQQ -

662. O demandante civil QQQQQQ é sócio e único gerente da sociedade “To…… – Comércio e Assistência Automóvel Unipessoal, L.da”, cujo objeto social é a manutenção, reparação e assistência a veículos automóveis, motos e motociclos, comércio, representação, distribuição, importação e exportação de veículos automóveis.

663. No exercício dessa atividade, foi abordado por GGGG, ....... da “L……. – Comércio de Veículos Motorizados, Unipessoal, L.da”, para lhe vender o veículo com a matrícula ...-...-ZS.

664. Acreditando na veracidade dos documentos que lhe foram apresentados, que titulavam a propriedade do referido veículo, o demandante procedeu à respetiva aquisição, tendo, para o efeito, emitido o cheque n.º ……21, datado de 3 de fevereiro de 2010, no valor de € 22.250.

665. Por seu turno, e no exercício da sua atividade comercial, o demandante vendeu a viatura a RRRRRR, pelo valor de € 28.200, para cujo pagamento veio este último a celebrar um contrato de financiamento com a “Sofinloc”.

666. Celebrado o contrato e registada a propriedade da viatura ..... com a matrícula ...-...-ZS, veio a mesma a ser apreendida no dia 23 de abril de 2010, à ordem da Providência Cautelar com o n.º 1582/09….., do Tribunal Judicial de …., requerida pela “Mercedes – Benz Finantial Services Portugal – Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, a sua legítima proprietária.

667. Em consequência dos factos descritos, o demandante sofreu e sofre de graves danos de ordem psicológica, profissional e económica, tendo ainda tido prejuízos patrimoniais, com telefonemas, deslocações à G.N.R. e ao Tribunal, cujo montante não se apurou.

668. Em virtude de atuação do arguido WW, dada como provada, o demandante viu-se ainda na obrigação de colocar à disposição de RRRRRR um outro veículo automóvel, o que lhe causou um prejuízo patrimonial de montante não apurado.

669. Em consequência desses mesmos factos, o demandante QQQQQQ viu o seu nome colocado em causa, bem como a sua credibilidade pessoal e profissional.

- Demandante OO -

670. Pela aquisição do veículo com a matrícula …-IS-…, no dia 23 de setembro de 2010, o assistente e demandante OO pagou a quantia de € 42.000.

671. Em ... de outubro de 2010 a referida viatura foi apreendida, tendo-se mantido tal apreensão até finais de março de 2012, altura em que a mesma foi restituída ao demandante civil.

672. O demandante OO viu-se desapossado da viatura durante cerca de dezassete meses, vendo frustrado o objetivo com que a havia adquirido, ou seja, a sua venda a terceiros.

673. À data da apreensão, aquele veículo tinha um valor comercial, para venda ao público, de cerca de € 47.000, sendo que em 2012 já se encontrava desvalorizado em, pelo menos, € 2.000.

674. Face à apreensão judicial, o demandante viu-se na necessidade de reclamar judicialmente os seus direitos, o que lhe acarretou despesas em honorários.

675. O assistente e demandante civil OO, que até à data nunca se tinha visto envolvido em qualquer tipo de problema judicial, viu-se de repente confrontado com a apreensão da viatura, que legitimamente e de boa-fé havia adquirido.

676. Em consequência, passou a ter dificuldades em dormir e constantes preocupações, em virtude de ter o seu bom nome, enquanto comerciante de automóveis, arrastado para um processo em que está em causa a falsificação de documentos, o que muito o perturbou.

677. Preocupava-o igualmente o facto de ter investido € 42.000 numa viatura que foi apreendida, com o necessário empate de capital, o que teve repercussões sérias na sua saúde e no seu dia-a-dia, necessitando, inclusivamente, de acompanhamento médico.

- Demandante Banco Santander Consumer, S.A. -

678. O demandante civil “Santander Consumer Portugal, S.A.” é uma instituição de crédito que se dedica à celebração de operações bancárias e prestação de serviços conexos.

679. Em consequência da atuação do Arguido AA, relativamente ao contrato de mútuo celebrado para aquisição do veículo com a matrícula ...-...-NI, em nome de CC, o demandante sofreu um prejuízo no montante de € 41.961,72.

680. Também por força da atuação do referido arguido, no que respeita ao contrato de mútuo celebrado em nome de PP, para a alegada aquisição do veículo com a matrícula ...-AC-..., o demandante sofreu um prejuízo no montante de € 47.905,31.

681. Em consequência dos factos dados como provados, com referência ao contrato de mútuo celebrado para financiamento do veículo com a matrícula ...-AF-..., em que é mutuário o próprio Arguido AA, o demandante “Santander Consumer” sofreu um prejuízo no montante de € 26.715,35.

682. Em consequência dos factos dados como provados, perpetrados pelo arguido WW, relativamente ao veículo com a matrícula …-CM-…, o demandante sofreu um prejuízo no montante de € 11.000,69.

683. Também no exercício da sua atividade, o demandante celebrou com a “Rastriphar”, um contrato de financiamento que teve por objeto o veículo com a matrícula ...-BX-..., tendo entregado ao Arguido AA, em consequência do mesmo, a quantia de € 50.000.

684. Em consequência dos factos praticados pelo mesmo arguido, o demandante sofreu um prejuízo no montante de € 46.072,52.

- Demandante BBVA, Instituição Financeira de Crédito, S.A. -

685. Em consequência da conduta perpetrada pelo Arguido AA, dada como provada em 101) a 107), com referência ao veículo automóvel com a matrícula ...-...-ZD, a demandante civil “BBVA, Instituição Financeira de Crédito, S.A.” viu-se lesada na quantia de, pelo menos, € 24.958,80, vendo-se ainda diminuída na garantia de possuir uma reserva de propriedade sobre o bem financiado.

686. Em consequência da conduta perpetrada pelo Arguido AA, dada como provada em 119) a 124), 127) e 129), relativa ao veículo com a matrícula ...-DB-..., a demandante civil viu-se lesada na quantia de, pelo menos, € 35.873,05, vendo-se ainda diminuída na garantia de possuir uma reserva de propriedade sobre o bem financiado.

687. Em consequência da conduta perpetrada pelo Arguido AA, dada como provada em 179), 180), 181) a 188), 193) e 194), relativa ao veículo com a matrícula ...-...-VB, a demandante civil viu-se atualmente lesada na quantia de, pelo menos, € 18.219,82, vendo-se ainda diminuída na garantia de possuir uma reserva de propriedade sobre o bem financiado.

688. Em consequência da conduta perpetrada pelo Arguido AA, dada como provada em 391) a 396) e 402) a 405), relativa ao veículo com a matrícula ...-DF-..., a demandante civil viu-se lesada na quantia de, pelo menos, € 30.972,66, vendo-se ainda diminuída na garantia de possuir uma reserva de propriedade sobre o bem financiado.

689. Em consequência da conduta perpetrada pelo Arguido AA, dada como provada em 509) a 520), relativa ao veículo com a matrícula ...-DU-..., a demandante civil viu-se lesada na quantia de, pelo menos, € 59.914,92, vendo-se ainda diminuída na garantia de possuir uma reserva de propriedade sobre o bem financiado.

690. Para além disso, a demandante civil “BBVA, Instituição Financeira de Crédito, S.A.” viu-se igualmente impedida da utilização, na sua atividade comercial de sociedade financeira, da rentabilização das referidas quantias, se aplicadas a outros contratos da mesma natureza.

- Demandante Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A. -

691. No âmbito da sua atividade, a demandante “Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A.” concede crédito a consumidores finais, através dos chamados “aderentes”, os comerciantes que disponibilizam, nos respetivos estabelecimentos, o produto de crédito da lesada, nomeadamente no âmbito do negócio de compra e venda de automóveis, cabendo àqueles comerciantes, entre outros deveres de instrução das propostas de crédito apresentadas, a disponibilização dos elementos relativos à situação jurídica dos bens a vender, no caso de serem sujeitos a registo.

692. Em consequência dos factos dados como provados em 328) a 334) e 339) a 341), a demandante civil desembolsou a quantia de € 45.990,08, correspondente ao preço do veículo, o que não teria feito se tivesse conhecimento desses factos, do mesmo modo que se viu privada da garantia inerente ao registo da reserva de propriedade do veículo ...-FN-... a seu favor. Dessa quantia foram pagas onze prestações, no montante total de € 8.285,86.

- Caixa Central – Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, C.R.L. -

 693. O veículo com a matrícula …-DM-… era objeto do contrato de locação financeira mobiliária com o n.º ……99, celebrado em 10 de maio de 2007, entre a “Caixa Central – Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, C.R.L.” e a “Lusocoimet – Sociedade de Construções Unipessoal, L.da”, pelo prazo de 48 meses e pelo valor global de € 44.628,10, acrescido de I.V.A., estando previsto o pagamento de 48 rendas mensais.

694. As rendas deixaram de ser pagas em 20 de fevereiro de 2010, ou seja, na 34ª renda.

695. A “Lusocoimet” foi declarada insolvente em 23 de março de 2010, conforme anúncio publicado no D.R. de 21 de abril de 2010.

696. Na sequência dos factos dados como provados em 416) a 420), ficou a demandante impedida de intentar um procedimento cautelar de apreensão do veículo, na medida em que foi cancelado o registo da locação financeira que existia a seu favor.

697. O avalista da operação, SSSSSS, foi declarado insolvente em 4 de julho de 2012.

698. Em consequência dos factos descritos, a demandante encontra-se lesada do valor correspondente às rendas 34ª a 44ª, no valor total de € 11.204,07.

- Demandante BB -

699. Em consequência dos factos dados como provados em 25) a 30), 35), 38) a 41), 44) e 47), o demandante civil BB ficou privado da viatura com a matrícula ...-...-NI desde o dia 10 de janeiro de 2010.

700. A referida viatura foi restituída, ainda na fase de inquérito, a CCC.

- Demandante FF -

701. Em consequência dos factos dados como provados em 534) a 542), com referência ao veículo ...-CO-..., a “GE Consumer” instaurou uma ação executiva contra o demandante civil FF, tendo por título executivo uma livrança, cuja assinatura não foi por ele aposta, mas pelo Arguido AA ou terceiro no respetivo interesse, reclamando o pagamento da quantia financiada para a alegada aquisição do referido veículo.

702. Também em consequência dos factos dados como provados em 226) a 229) e 240) a 242), com referência ao veículo ...-DM-..., o demandante ficou responsável pelo pagamento à “Sofinloc” da quantia de € 45.000, que esta reclama na ação executiva com o n.º 1732/10……, do então …º Juízo Cível do Tribunal Judicial de …...

703. Em consequência dos factos descritos em 328) a 335) (caso XIX) e 391) a 396) e 403) a 405) (caso XXIV), com referência aos contratos de mútuo para a alegada aquisição dos veículos ...-FN-... e ...-DF-..., o Arguido AA incorporou ainda no seu património as quantias de € 45.000 e € 40.000.

704. Em consequência da atuação do arguido, o demandante civil viu-se confrontado com a instauração de vários processos de execução, aos quais tem sempre deduzido oposição, com os inerentes custos, e que têm estado na origem de penhoras de bens.

705. Para além disso, e pese embora o Arguido AA tenha procedido à venda do veículo ...-BT-..., o demandante FF viu-se obrigado a proceder ao pagamento das prestações ainda em dívida, no valor mensal de € 371.

706. O demandante civil FF tem suportado ainda todas as despesas e custos com os processos de execução, como taxas de justiça, despesas com exames periciais e honorários de advogados.

707. Todos os factos acima descritos têm causado ao demandante sentimentos de tristeza, humilhação e vergonha.

708. Em virtude desta atuação do Arguido AA, o demandante viu o seu nome inscrito na lista do Banco de Portugal.

- Demandante GG -

709. Em consequência dos factos dados como provados em 162) a 171), 173) e 175) (caso IX), e 310) a 320), 322), 324) e 325) (caso XVIII), o demandante civil GG viu-se privado dos veículos automóveis com as matrículas ...-EM-... e ...-AL-....

710. Por outro lado, as instituições financeiras que haviam financiado a aquisição desses veículos interpuseram contra o demandante os respetivos processos executivos, no âmbito dos quais o mesmo foi penhorado.

711. O demandante deduziu oposição àquelas ações executivas, sendo que as instituições financeiras em causa comunicaram o incumprimento ao Banco de Portugal.

712. Tal circunstância, para além de ter manchado o nome do demandante GG, impede-o de obter financiamento junto de outras entidades bancárias.

713. Em virtude da penhora do seu salário, o demandante viu o seu nível de vida drasticamente reduzido.

714. Por outro lado, tem igualmente suportado inúmeras despesas com os processos judiciais, como taxas de justiça, encargos com perícias e honorários com advogados.

715. Em consequência dos factos descritos, o demandante GG sente-se envergonhado.

- Demandante Binário Futuro Unipessoal, L.da -

716. OOOO é ....... da demandante civil “Binário Futuro Unipessoal, L.da”, empresa que tem por objeto social a importação e exportação, comércio por grosso e a retalho de artigos e bens para o setor dos transportes, comércio e reparação e manutenção de todos os veículos motorizados, terrestres, náuticos e aéreos, e prestação de serviços no referido setor.

717. Por requerimento apresentado na Conservatória do Registo Automóvel no dia 21 de abril de 2010, foi solicitado o registo da viatura com a matrícula ...-DV-... a favor da demandante.

718. No mesmo dia foi emitido pelo RNPC guia para pagamento do pedido de registo automóvel, tendo a demandante procedido em conformidade, no mesmo dia 21 de abril de 2010, no montante de € 33.

719. No dia ... de abril de 2010 foi emitido o documento para liquidação do imposto único de circulação, tendo a demandante procedido ao pagamento da quantia de € 51,30 (referente ao ano de 2009).

720. O veículo com a matrícula ...-DV-... foi apreendido, com o consequente desgaste e desvalorização acentuada e célere, vindo, no entanto, a ser restituído à ora demandante civil.

721. A viatura foi adquirida por € 42.000 e à data da formulação do pedido de indemnização civil tinha o valor de € 20.693.

722. A demandante tem suportado, todos estes anos, o pagamento do imposto único de circulação, sendo de € 51,30 referente, ainda, ao ano de 2009, € 51,70 no ano de 2010, € 52,84 no ano de 2011, € 54,06 no ano de 2012 e € 54,76 no ano de 2013.

723. A demandante suportou ainda o custo das inspeções periódicas obrigatórias, sendo de € 30.000 o valor anual, no montante total de € 120.

724. Suportou ainda o pagamento do seguro da viatura, nos montantes de € 164 (período de 29 de junho de 2012 a 28 de setembro de 2012); € 157,34 (período de 29 de setembro de 2012 a 29 de dezembro de 2012); € 157,34 (período de 29 de dezembro de 2012 a 28 de março de 2013); € 157,34 (período de 29 de março de 2013 a 28 de junho de 2013); € 143,65 (período compreendido entre 29 de junho de 2013 e 28 de setembro de 2013; e € 689,95 (período de 29 de setembro de 2013 a 28 de setembro de 2014).

725. A demandante tem efetuado, por sua conta, a manutenção da viatura e tem mantido a mesma em local que permite o seu bom estado, para o que celebrou um contrato de arrendamento de uma garagem, pelo valor anual de € 2.400, em 28 de agosto de 2012.

(Das contestações)

726. Durante muitos anos, o Arguido AA foi gerente de um prestigiado e relevante stand de automóveis do concelho de …., tendo comercializado milhares de viaturas.

(Condições pessoais dos arguidos)

- Arguido AA -

727. O Arguido AA é filho único, oriundo de um agregado familiar convencional, sendo o pai ….. e a mãe …...

728. No respetivo processo de integração social, inexiste a referência a qualquer problemática, tendo o mesmo beneficiado de condições favoráveis a um desenvolvimento pessoal e social equilibrado.

729. Após a conclusão do ensino secundário e a tentativa frustrada de ingresso no curso de ……, o Arguido AA começou a trabalhar numa empresa ….., como ……, passando depois a desempenhar funções de …., ao serviço de um outro ….., do qual saiu ao fim de seis anos, como …., alegadamente por convite do grupo “.....”, para colaborar em funções semelhantes na área da ….. durante cerca de cinco anos.

730. Aproveitando a experiência e os conhecimentos adquiridos nesta área profissional, criou a sua própria empresa de ..............., denominada “G......”, onde viria a trabalhar como ....... ao longo de dez anos.

731. A partir de 1996, por ocasião da compra de um veículo automóvel na …., ingressou profissionalmente no ramo automóvel, designadamente, adquirindo veículos de gama média/alta naquele país e procedendo à sua posterior venda em Portugal.

732. A este propósito, constituiu a sociedade comercial denominada “CD Car – Comércio de Automóveis, Sociedade Unipessoal, L.da”, ora arguida, na qual trabalhou como ....... até, pelo menos, 2007/2008, com a colaboração regular de ... empregados.

733. A partir de então, sentindo a redução significativa no volume de vendas, sobretudo imposta pelas restrições ao crédito bancário, e antecipando as consequências da crise financeira global que viria a instalar-se, resolveu diversificar a sua atividade profissional, com a entrada no mercado ….., juntamente com um sócio que era …... Esta experiência viria, contudo, a revelar-se inconsequente do ponto de vista da concretização dos objetivos inicialmente previstos - …. -, por razões idênticas às que afetaram a atividade comercial em geral.

734. O Arguido AA manteve, no entanto, a sua atividade no ramo automóvel, através da sociedade ora arguida “Studiocar Comércio de Automóveis, L.da”, cujos sócios eram, então, a sua……, mas que ele …. e enquanto respetivo procurador.

735. O arguido apresenta-se como uma pessoa dedicada e empenhada no cumprimento das suas obrigações profissionais, características que lhe são reconhecidas por alguns terceiros.

736. Em 2016 o arguido tinha a categoria profissional de ….., sendo empregado da sociedade denominada “Al......., S.A.”, cujas funções se centravam na ……, com o vencimento mensal de € 600.

737. Mantém igualmente atividade por conta própria na compra e venda de veículos automóveis, através da empresa denominada “B......”, para o que dispõe de um espaço que lhe é reservado nas mesmas instalações da anterior empresa, embora já não se encontre em seu nome. Esta atividade é agora desenvolvida numa escala muito inferior à anterior, incidindo sobre carros de gama inferior e com menor capacidade de oferta.

738. O agregado familiar do Arguido AA reside na….., propriedade de um familiar, TTTTTT, a quem paga uma renda mensal no valor de € 400. Coabita, nesta morada, com a companheira, UU, ….. e, essencialmente, ….., com quem vive em união de facto há cerca de vinte e sete anos.

739. O arguido tem um filho com 32 anos de idade, ZZ, com vida autónoma em relação ao agregado paterno, e que trabalha como …... A companheira tem um filho com 28 anos de idade, que coabita no mesmo agregado, e que trabalha como …... Por sua vez, o casal tem um filho com 22 anos, residente com os progenitores, licenciado em …...

740. A situação económica atual do arguido regista um decréscimo significativo em relação ao passado recente, com a descida de rendimentos e consequente capacidade financeira disponível, de onde se destaca, também, uma dívida ao setor bancário na ordem dos dois a três milhões de euros, tendo sido já declarada judicialmente a respetiva insolvência.

741. No decurso da audiência de julgamento no âmbito dos presentes autos, o Arguido AA concluiu a licenciatura em …., na Universidade …., frequentando o mestrado na Universidade …….

Sem prejuízo, o arguido AA encontra-se de baixa médica desde, pelo menos, o mês de abril de 2014.

742. A presente situação jurídico-penal tem sido vivida pelo arguido com algum constrangimento, mostrando-se preocupado com o seu desfecho.

743. Embora em termos abstratos denote uma atitude aparentemente crítica em relação ao desvalor das condutas criminais em questão e suas repercussões, em concreto, do discurso do Arguido AA sobressai uma manifesta atitude de negação dos factos e minimização da respetiva responsabilidade, considerando-se uma “vítima das circunstâncias”.

744. O arguido não demonstrou qualquer arrependimento e a sua postura é reveladora de uma falta absoluta de juízo de autocrítica e autocensura, bem como de total incapacidade de descentração.

745. O Arguido AA foi anteriormente condenado no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 2913/13……, do Juízo Central Criminal de …., Juiz …, por acórdão datado de 9 de fevereiro de 2017, transitado em julgado a 21 de fevereiro de 2018, pela prática de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1 als. a), b), d) e e) e n.º 3 do Código Penal, com referência ao art. 255º, al. a) do mesmo diploma legal, e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art. 218º, n.º 1 do Código Penal, na pena única de 270 dias de multa, à razão diária de € 10, num total de € 2.700, já julgada extinta pelo pagamento.

746. Por decisão datada de ... de maio de 2018, proferida nesse mesmo processo, foi determinada a não transcrição do acórdão no respetivo certificado de registo criminal, exceto para efeitos judiciais.

(…) 

B) Factos não provados

Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa (…)”

Do âmbito do recurso

10. O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), quanto a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro).

Nos termos do disposto nos artigos 434.º do CPP, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nos citados n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º.

11. No presente recurso, o arguido vem, em síntese, alegar e suscitar as seguintes questões:

11.1. Quanto ao acórdão do tribunal da Relação de 25 de fevereiro de 2021:

1. Que o acórdão é recorrível em toda a sua extensão, mesmo na parte respeitante às penas parcelares aplicadas, na medida em que aplicou uma pena única superior a 8 anos de prisão, devendo, por conseguinte, ser admitido o recurso que ora interpõe, em toda a sua extensão, alegando (conclusões 1 a 20):

1.1. Ser materialmente inconstitucional o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, interpretado e aplicado no sentido de que:

(a) havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão (conclusão 14),

(b) os acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que, em caso de concurso de crimes, confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena conjunta de prisão superior a 8 anos, não são recorríveis na parte respeitante às questões relativas aos crimes em que foram aplicadas penas parcelares iguais ou inferiores a 8 anos de prisão e se verifica dupla conforme (conclusão 15);

(c) os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça estão delimitados negativamente pela medida das penas parcelares aplicadas pelo Tribunal da Relação, não sendo admissível recurso das penas parcelares iguais ou inferiores a 8 anos quando se verifique dupla conforme (conclusão 16);

(d) os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça estão delimitados negativamente pela medida das penas parcelares aplicadas pelo Tribunal da Relação, não sendo admissível recurso das penas parcelares iguais ou inferiores a 5 anos (conclusão 19),

1.2. Ser materialmente inconstitucional o artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, interpretado e aplicado no sentido de que:

(e) havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão (conclusão 17);

(f) os acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que, em caso de concurso de crimes, confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena conjunta de prisão superior a 8 anos, não são recorríveis na parte respeitante às questões relativas aos crimes em que foram aplicadas penas parcelares iguais ou inferiores a 5 anos de prisão (conclusão 18);

2. Que o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia sobre a invocada irregularidade por falta de fundamentação (artigo 379.º, n.º 1, alínea c), ex vi artigo 425.º, n.º 4, do CPP) no recurso que interpôs da decisão do tribunal de 1.ª instância, ditada para a ata em 3 de dezembro de 2018 e, caso assim se não entenda, que o acórdão padece de irregularidade (artigo 123.º, n.º 1, do CPP) (conclusões 21 e 22);

3. Que o acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentação (artigo 379.º, n.º 1, alínea a), ex vi artigo 425.º, n.º 4, do CPP, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 374.º) quanto ao juízo decisório que é extraído a final relativamente à subsunção dos factos dados por provados aos crimes de abuso de confiança, burla qualificada e falsificação de documento, e, caso assim se não entenda, que o acórdão padece de irregularidade (artigo 123.º, n.º 1, do CPP) (conclusões 23 a 26);

4. Que é materialmente inconstitucional a norma que resulta da conjugação dos 374.º, n.º 2, 375.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, alínea a), e artigo 425.º, n.º 4, do CPP, interpretada e aplicada no sentido de que, em caso de concurso de crimes, não é obrigatório, na fundamentação da decisão final proferida em processo penal, subsumir os factos imputados ao arguido a cada um dos crimes de forma individualizada (conclusão 27);

5. Que o acórdão recorrido é nulo por absoluta falta de fundamentação da medida das 70 (setenta) penas parcelares (artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), ex vi artigo 425.º, n.º 4, do CPP), e que, mesmo que não se entenda, que o acórdão padece de irregularidade (artigo 123.º, n.º 1, do CPP) (conclusões 28 a 30);

6. Que é materialmente inconstitucional a norma que resulta da conjugação dos artigos 374.º, n.º 2, 375.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, alínea a), e artigo 425.º, n.º 4, do CPP, interpretada e aplicada no sentido de que, em caso de concurso de crimes, não é obrigatório, na decisão final proferida em processo penal, fundamentar de forma individualizada cada uma das penas parcelares aplicada, independentemente da fundamentação relativa à determinação da pena única (conclusão 31);

7. Que o acórdão recorrido é nulo (artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), ex vi artigo 425.º, n.º 4, do CPP) no que respeita à fundamentação para sustentar a (nova) pena única, a qual se revela manifestamente insuficiente, e que, ainda que assim não se entenda, que o acórdão padece de irregularidade (artigo 123.º, n.º 1, do CPP) (conclusões 32 a 34);

8. Que é materialmente inconstitucional a norma que resulta da conjugação dos artigos 374.º, n.º 2, 375.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, alínea a), e artigo 425.º, n.º 4, do CPP, interpretada e aplicada no sentido de que, em caso de concurso de crimes, não é obrigatório, na decisão final proferida em processo penal, fundamentar a determinação da pena única por referência aos critérios legais constantes do artigo 77.º do CP (conclusão 35);

9. Que o acórdão recorrido deveria ter absolvido o arguido da prática do crime de burla quanto aos factos do caso XII, em resultado de alteração dos factos, e que, pelo menos, deveria, nesta parte, ter declarado a nulidade da decisão de 1.ª instância, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea b), do CPP (conclusões 36 a 43);

10. Que o acórdão recorrido deve ser declarado nulo (artigo 120.º, n.º 2, alínea d) e do artigo 122.º, n.º 1 CPP) por não ter declarado a invocada nulidade da sentença de 1.ª instância, por violação do regime de alteração dos factos, quanto ao crime de abuso de confiança por que o arguido vem condenado quanto aos factos do caso VIII (conclusões 44 a 50);

11. Que o acórdão recorrido é nulo por ter julgado incorretamente a nulidade invocada no recurso que apresentou da decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, decorrente da omissão de realização de perícias à letra e assinatura de vários documentos, que configura uma nulidade processual, nos termos do artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP (conclusões 51 a 56);

12. Que deve ser absolvido da prática dos crimes de burla, de abuso de confiança e de falsificação, por não estarem preenchidos os elementos objetivos e subjetivos dos respetivos tipos incriminadores, e que não pode ser condenado por estes crimes em concurso, nomeadamente por entre eles não existir relação de concurso e por não ter praticado atos de execução (conclusões 57 a 129);

13. Que é materialmente inconstitucional a norma penal do artigo 217.º, n.º 1, do CP, em qualquer uma das suas redações, interpretada e aplicada no sentido de que condutas que se traduzam em situação de erro civilmente relevante, sendo suficientes e adequados os mecanismos do direito civil para sanar a situação, são suscetíveis de preencher, simultaneamente, o ilícito criminal de burla, p. e p. pelo artigo 217.º, n.º 1, do CP (conclusão 75);

14. Que é materialmente inconstitucional a norma penal do artigo 205.º, n.º 1, do CP, em qualquer uma das suas redações, interpretada e aplicada no sentido de que condutas que se traduzam na apropriação ilegítima de coisa móvel entregue ao agente por título não translativo da propriedade, quando praticadas no quadro de execução de uma burla, preenchem, autonomamente, e por si só, o ilícito criminal de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205.º, n.º 1, do CP, simultaneamente com a imputação do crime de burla, p. e p. pelo artigo 217.º, n.º 1, do CP (conclusão 116);

15, Que, nos “casos” I), III), IV), V), VI), VII), IX), X), XII), XIII), XV), XVII), XVIII), XIX), XX), XXII), XXIV), XXVIII), XXXIII), XXXVI) e Apenso C, foi duplamente valorado o mesmo pedaço da vida como preenchendo o tipo legal de crime de burla e, em simultâneo, de falsificação de documento, o que viola o princípio ne bis in idem, previsto no artigo 29.º, n.º 5, da Lei Fundamental (conclusão 121);

16. Que, ainda que se admita a relevância criminal das condutas julgadas provadas, o arguido não poderá ser sancionado a título de concurso efetivo de um total de 70 crimes, mas sim enquanto autor de um único crime continuado, nos termos dos artigos 30.º, n.º 2, e 79.º, n.º 1, do CP (conclusões 130 a 135 e 144);

17. Que, ainda que se entenda não aplicar-se a figura do crime continuado, deverá, pelo menos, ser corrigido o número de vezes que cada tipo legal de crime (burla e/ou falsificação de documento) se considera preenchido, por referência a cada agrupamento de factos (“casos”), pois que, em cada agrupamento de factos, apenas poderá concluir-se pela existência de uma única resolução criminosa e todos os atos em causa serão mera execução de uma única resolução criminosa, o que sucede nos “casos” I), IV), V), VI) e XVII), em que apenas lhe pode ser imputada a prática de um único crime de burla (conclusões 136 a 140).

18. Que, quanto aos “casos” III), XIII), XIX) e XXIV), estamos perante uma única resolução criminosa, pelo que, servindo as pretensas falsificações o alegado “esquema ardiloso” do Arguido, existindo apenas um crime de burla, só poderá também existir um crime de falsificação de documento (conclusão 141);

19. Que, em todos os casos em que o acórdão recorrido imputa ao arguido mais do que um crime de falsificação de documento, por referência ao mesmo agrupamento de factos, a verdade é que estamos sempre perante uma única resolução criminosa, que não depende do número de documentos pretensamente falsificados, nem do distanciamento temporal entre o primeiro ato de execução e o último, pelo que, também por referência aos “casos” I), III), IV), V), XIII), XIX) e XXIV), apenas se poderá imputar ao arguido a prática de um único crime de falsificação, por referência aos factos julgados provados em cada um dos “casos” (conclusões 142 e 143);

20. Que, a admitir-se a prática de crime, deverá ser aplicada ao arguido uma única pena, que terá de ser encontrada dentro da moldura geral abstrata do crime de burla qualificada, nos termos do disposto no artigo 218.º, n.º 2, alínea a), do CP, cujos limites mínimo e máximo são, respetivamente, 2 anos e 8 anos (conclusão 145);

21. Que, em nenhum caso, a pena a aplicada deverá ser fixada em limite superior a cinco anos de prisão, devendo, em todo o caso, a pena que vier a ser aplicada ser suspensa na respetiva execução, nos termos do disposto no artigo 50.º, n.º 1, do CP (conclusão 146);

22. Que, ponderadas todas as circunstâncias relevantes para efeitos de graduação da medida da pena, as penas parcelares em que o AA foi condenado são manifestamente injustas e desproporcionadas, pois são várias e ponderosas as circunstâncias que depõem e foram desconsideradas no sentido da diminuição das penas (conclusões 147 a 151, 153 a 156);

23. Que é materialmente inconstitucional qualquer interpretação das normas constantes do artigo 71.º do CP no sentido de que, no âmbito da determinação da medida da pena, é admissível ao tribunal valorar, contra o arguido, o facto de este não ter mostrado arrependimento (conclusão 152);

24. Que, devendo ser reformuladas as penas parcelares, deve ser reformulado o cúmulo jurídico (conclusões 157 e 164);

25. Que, mesmo que não sejam alteradas as penas parcelares, ainda assim nunca a pena conjunta poderia ter sido fixada em 11 anos e 6 meses de prisão, pois que (conclusões 158 a 163):

(a) o tribunal a quo não poderia ter valorado, para efeitos de determinação da pena, condenações posteriores à prática dos crimes em causa nos presentes autos,

(b) o “registo criminal” havia já sido considerado pelo Tribunal a quo para efeitos de determinação das penas parcelares, razão pela qual se assiste à violação da proibição da dupla valoração;

(c) a decisão recorrida errou na avaliação da personalidade do arguido, bem como uma errada análise global dos factos,

(d) o conjunto dos factos imputados ao arguido não é reconduzível a uma tendência ou a uma (inexistente) carreira criminosa, mas tão-somente a um conjunto particular e isolado de circunstâncias que não deriva nem tem suporte estrutural na sua personalidade,

(e) porque assim é, não deve ser atribuído à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta;

26. Que, tendo em atenção os critérios legais de determinação e as circunstâncias do caso, nomeadamente as que, a seu ver, concorrem para a diminuição da culpa, a pena única conjunta deverá aproximar-se do limite mínimo da moldura abstrata dessa pena, ou seja, 4 anos de prisão, suspendendo-se a sua execução, nos termos do disposto no artigo 50.º, n.º 1, do CP (conclusões 165 a 171);

27. Que deverá ser absolvido dos pedidos de indemnização civil contra si deduzidos (conclusões 172 a 174);

28. Que os valores indemnizatórios arbitrados para ressarcimento dos alegados danos não patrimoniais são manifestamente excessivos e desproporcionais, devendo ser substancialmente reduzidos (conclusões 175 a 179).

11.2. Quanto ao acórdão do tribunal da Relação de 29 de abril de 2021:

1. Que é nulo o acórdão na parte em que conheceu também dos vícios processuais invocados pelo arguido no recurso interposto do acórdão proferido em 25 de fevereiro de 2021, tendo entendido que tais vícios não se verificavam, pelo que se mantinha a validade desse acórdão (conclusões 1 a 3);

2. Que, ainda que assim não se entenda, sempre estaremos perante uma irregularidade do acórdão recorrido, nos termos do artigo 123.º, n.º 1, do CPP (conclusão 4);

3. Que, declarada nulidade do acórdão do tribunal de primeira instância, por omissão de pronúncia, estava o tribunal a quo obrigado a mandar baixar os autos ao tribunal de primeira instância, para que este conhecesse a questão cuja pronúncia foi omitida, o que o Tribunal a quo não fez, conhecendo ele próprio dessa questão, extravasando os seus poderes de cognição (conclusões 5 e 6);

4. Que é materialmente inconstitucional a norma constante do artigo 379.º, n.º 2, do CPP, interpretada e aplicada no sentido em que o tribunal de recurso pode proceder ao suprimento de nulidade por omissão de pronúncia suscitada em recurso (conclusão 7);

5. Que nunca o Tribunal a quo poderia ter aplicado o artigo 82.º, n.º 3, do CPP, por não estarem preenchidos os requisitos legais (conclusões 8 a 11);

6. Que o acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que não aplique o artigo 82.º, n.º 3, do CPP e conheça da questão suscitada pelo Demandante BB (conclusão 12).

Quanto à inadmissibilidade parcial do recurso em matéria penal

12. A metodologia da decisão requer, por razões de precedência lógica (artigos 368.º, n.º 1, e 608.º do CPC ex vi artigo 4.º do CPP), que esta se inicie pela apreciação das questões suscitadas pelos sujeitos processuais, ou que o tribunal deva oficiosamente conhecer, suscetíveis de obstar ao conhecimento de mérito.

13. O Ministério Público, pelo Senhor Procurador-Geral Adjunto, suscita a questão da inadmissibilidade do recurso na parte relativa às penas parcelares e questões com elas relacionadas.

Cumpre, pois, conhecer desta questão prévia.

14. Dispõe o artigo 400.º, n.º 1, al. f), do CPP que “não é admissível recurso (…) de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”.

Resulta esta disposição, na redação vigente, da alteração ao regime de recursos introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, justificada na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 109/X, que lhe esteve na origem, nos seguintes termos: “O conjunto de alterações introduzidas em sede de recursos pressupõe que o direito de recurso constitui uma garantia de defesa, hoje explicitada no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, e um corolário da garantia de acesso ao direito e aos tribunais (artigo 20, n.º 1, da Constituição), mas deve subordinar-se a um desígnio de celeridade associado à presunção de inocência e à descoberta da verdade material. Para restringir o recurso de segundo grau perante o Supremo Tribunal de Justiça aos casos de maior merecimento penal, substitui-se, no artigo 400.º, a previsão de limites máximos superiores a 5 e 8 anos de prisão por uma referência a penas concretas com essas medidas” (a referência a penas de limites máximos superiores a 5 anos relacionava-se, como se vê do texto da Proposta de Lei, com a proposta de alteração à alínea e), não acolhida na Lei 48/2007, no sentido de não admissibilidade de recurso de acórdãos que aplicassem pena de prisão não superiores a 5 anos).

Por sua vez, estabelece a alínea e) do mesmo preceito, parte final, que também “não é admissível recurso (…) de acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos”.

A redação atual desta alínea é a que resulta da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, a qual, na redação anterior, introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto (retificação 105/2007, DR 1.ª série, 9.11.2007), apenas se referia aos recursos «de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade». Visou a Lei 20/2013 «eliminar dificuldades de interpretação e assintonias que conduzam a um tratamento desigual em matéria de direito ao recurso», pelo que «é clarificado que são irrecorríveis os acórdãos que apliquem pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos» (como se lê na Proposta de Lei n.º 77/XII, que lhe esteve na origem).

Pelo acórdão n.º 14/2013, de 09.10.2013 (DR 1.ª série, de 12.11.2013), este Tribunal fixou a seguinte jurisprudência: «Da conjugação das normas do artigo 400.º alíneas e) e f) e artigo 432.º n.º 1 alínea c), ambos do CPP, na redação da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação que, revogando a suspensão da execução da pena decidida em 1.ª instância, aplica ao arguido pena não superior a 5 anos de prisão». Embora estivesse em causa a interpretação da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP na redação resultante da Lei n.º 48/2007 (que dizia que não era admissível recurso «de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade»), este acórdão de fixação de jurisprudência tomou em consideração a alteração introduzida pela Lei n.º 20/2013, realçando, a este propósito, que a posição jurisprudencial nele defendida «veio encontrar consagração legal» neste diploma, como havia sido expendido na decisão sumária de 25.11.2013, Proc. 831/12.9PBVCT.G1.S1 (Maia Costa), onde se lê: «A Lei n.º 20/2013, de 21 -2, veio pôr termo às dúvidas, estabelecendo a irrecorribilidade dos acórdãos das Relações que apliquem, em recurso, pena de prisão não superior a 5 anos. É evidente, no contexto, a intenção interpretativa da nova lei. Uma intenção que é incontestável até porque confessada sem ambiguidades pelo próprio legislador.»

15. Nos termos do artigo 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça “de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º”, que constitui uma exceção ao regime-regra de recorribilidade dos acórdãos, das sentenças e dos despachos, previsto no artigo 399.º, estipulando o artigo 434.º, sobre os poderes de cognição do tribunal, em harmonia com a norma do artigo 46.º da LOSJ (Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto), que, “sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito”.

É pacífica e constante a jurisprudência deste tribunal de que os recursos para si interpostos de decisões do tribunal da relação proferidas em recurso (ressalvando-se, pois, os recursos de decisões proferidas pelas relações em 1.ª instância) não podem ter como fundamento os vícios do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, tendo este STJ fixado jurisprudência no sentido de que é oficioso o conhecimento destes vícios, mesmo que o recurso se limite a matéria de direito (acórdão n.º 7/95, de 19.10.1995, DR-I de 28.12.1995).

16. Da conjugação destas disposições resulta que só é admissível recurso de acórdãos das Relações que apliquem penas superiores a 8 anos de prisão ou que apliquem penas superiores a 5 anos e não superiores a 8 anos em caso de não confirmação da decisão da 1.ª instância. Esta regra é aplicável quer se trate de penas singulares, aplicadas em caso de prática de um único crime, quer se trate de penas que, em caso de concurso de crimes, sejam aplicadas a cada um dos crimes em concurso (penas parcelares) ou de penas conjuntas aplicadas aos crimes em concurso (assim, nomeadamente, os acórdãos de 10.10.2018, Proc. 144/09.3JABRG.G1.S1, e de 9.10.2019, Proc. 24/17.9JAPTM-E1.S1, em www.dgsi.pt, e abundante jurisprudência neles citada).

Constitui jurisprudência de há muito reiterada, pacífica e consolidada deste Supremo Tribunal de Justiça a de que apenas é admissível recurso de decisão confirmatória da Relação – dupla conforme, incluindo a confirmação in mellius –, quando a pena aplicada for superior a oito anos de prisão, constituindo objeto de conhecimento do recurso apenas as questões que se refiram a condenações em pena superior a oito anos (seja pena parcelar ou pena única, mas exigindo-se sempre que sejam superiores a oito anos). Neste sentido, para além dos acórdãos mencionados pelo Ministério Público, podem ainda ver-se, na jurisprudência mais recente, os acórdãos de 10.3.2021, Proc. 330/19.8GBPVL.G1.S1(Nuno Gonçalves) – em que se decidiu que “só é admissível recurso de decisão confirmatória da Relação quando a pena aplicada for superior a 8 anos de prisão, quer estejam em causa penas parcelares ou singulares, quer penas conjuntas ou únicas resultantes de cúmulo jurídico”, “irrecorribilidade que é extensiva a todas as questões relativas à atividade decisória que subjaz e que conduziu à condenação, incluída a fixação da matéria de facto, nulidades, os vícios lógicos da decisão, o princípio in dubio pro reo, a escolha das penas e a respetiva medida”, “em suma, todas as questões subjacentes à decisão, submetidas a sindicância, sejam elas de constitucionalidade, substantivas ou processuais, referentes à matéria de facto ou à aplicação do direito, confirmadas pelo acórdão da Relação, conquanto a pena aplicada, parcelar ou conjunta, não seja superior a 8 anos de prisão”, e de 11-03-2021, 809/19.1T9VFX.E1.S1 (Helena Moniz) no qual também se decidiu que “tendo em conta o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, onde se impede a possibilidade de recurso das decisões do Tribunal da Relação que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos de prisão, e o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, onde apenas se admite (a contrario) o recurso de acórdãos da Relação que, confirmando decisão anterior, apliquem pena de prisão superior a 8 anos, e sabendo que, segundo a jurisprudência deste STJ, ainda que a pena única seja superior a 8 anos de prisão, se analisa a recorribilidade do acórdão relativamente a cada crime individualmente considerado, necessariamente temos que concluir não ser admissível o recurso das condenações relativas a cada crime, do Tribunal da Relação, quando seja aplicada pena não superior a 5 anos de prisão; e das condenações em pena de prisão superiores a 5 anos de prisão e não superiores a 8 anos de prisão, quando haja conformidade com o decidido na 1.ª instância”.

17. Como igualmente se tem repetidamente afirmado, este regime de recursos para o Supremo Tribunal de Justiça efetiva a garantia do duplo grau de jurisdição, traduzida no direito de reapreciação da questão por um tribunal superior, quer quanto a matéria de facto, quer quanto a matéria de direito, consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, enquanto componente do direito de defesa em processo penal (cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª ed., 2007, Vol. I, p. 516, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2005, p. 355), e reconhecida em instrumentos internacionais que vigoram na ordem interna e vinculam internacionalmente o Estado Português ao sistema internacional de proteção dos direitos fundamentais (artigos 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, das Nações Unidas, e 2.º do Protocolo n.º 7 à Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, do Conselho da Europa, que, na sua formulação, deixam aos Estrados-Partes margem de conformação nesta matéria).

Como tem sido repetido pelo Tribunal Constitucional, em jurisprudência firme, o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição «não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição», isto é, de «um duplo grau de recurso», «em relação a quaisquer decisões condenatórias» - cfr. por exemplo, os acórdãos 64/2006, 659/2011 e 290/2014 do TC (assim, nomeadamente, os acórdãos de 9.10.2019 cit., de 14.03.2018, ECLI:PT:STJ:2018:22.08. 3JALRA.E1.S1.48 e de 12.12.2018, Proc. 211/13.9GBASL.E1.S1, www.stj.pt/wp-content/uploads/2019/06/criminal_ sumarios _ 2018.pdf, bem como o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 14/2013, n.ºs 11 e 12).

Na senda do que se disse no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27.05.2015, proc. 352/13.2PBOER.L1. S1 (Raul Borges), em www.dgsi.pt, com citação de abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional, em conformidade constitucional da posição sufragada, é pacífico que “o Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar que o direito ao recurso como garantia de defesa do arguido não impõe um duplo grau de recurso”. A conformidade constitucional da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, que condiciona a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça dos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, já foi apreciada, por diversas vezes, pelo Tribunal Constitucional, que, em todos os casos, decidiu não a julgar inconstitucional – neste sentido, nomeadamente, o acórdão n.º 263/2009, de 25 de Maio, processo n.º 240/09-1.ª Secção (Acórdãos do Tribunal Constitucional – ATC –, volume 75, pág. 249), o acórdão n.º 551/2009, de 27 de Outubro - 3.ª Secção (ATC, volume 76, pág. 566), o acórdão n.º 645/2009, de 15 de Dezembro, processo n.º 846/2009 - 2.ª Secção (ATC, volume 76.º, pág. 575), o acórdão n.º 649/2009, de 15 de Dezembro - 3.ª Secção, confirmando decisão sumária que emitiu juízo de não inconstitucionalidade (ATC, volume 76, pág. 575), e o acórdão n.º 174/2010, de 4 de Maio, processo n.º 159/10-1.ª Secção.

Mais recentemente, no acórdão do TC n.º 301/2021, de 03.05.2021, foi decidido “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 400. °, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, no sentido de que estabelece a irrecorribilidade de acórdão da Relação que confirma decisão da 1.ª instância e aplica pena não superior a oito anos, mesmo quando não se pronuncia sobre todas as questões suscitadas pelos arguidos no recurso”.

18. Em síntese, garantido o duplo grau de jurisdição, dispõem, assim, os sujeitos processuais de duas vias possíveis de exercer o direito ao recurso. Querendo impugnar a decisão em matéria de facto e em matéria de direito ou arguir os vícios da decisão em matéria de facto a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP, devem usar a via de recurso para o tribunal da Relação (artigos 427.º e 428.º do CPP), qualquer que seja a pena aplicada (como se tem sublinhado na jurisprudência constante deste Supremo Tribunal – por todos, o acórdão de 2.10.2014, no Proc. 87/12.3SGLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt). Porém, limitando o recurso a matéria de direito (artigo 403.º do CPP), a lei impõe-lhes caminhos distintos, consoante a pena aplicada, que define o critério de competência dos tribunais superiores: se a pena não exceder 5 anos de prisão, o conhecimento do recurso é da competência do tribunal da Relação (artigo 427.º do CPP); se for superior a 5 anos, tal competência pertence ao Supremo Tribunal de Justiça (artigos 432.º, n.º 1, al. c), e 434.º do CPP), o qual, em caso de concurso de crimes, pode, neste caso, conhecer de todas as questões de direito relativas à pena conjunta aplicada aos crimes em concurso e às penas aplicadas a cada um deles englobadas naquela pena única, superiores, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 5/2017, DR I, de 23.6.2017).

Em caso de recurso para o tribunal da Relação, é ainda admissível (como acima se referiu) recurso da decisão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça, limitado a questões de direito [artigo 432.º, n.º 1, al. b), e 434.º do CPP], no caso de a pena aplicada ser superior a 5 anos e não superior a 8 anos e essa decisão não confirmar a decisão de 1.ª instância (isto é, não havendo “dupla conforme”, incluindo confirmação in mellius) ou, em todos os casos, se a pena for superior a 8 anos de prisão (artigo 400.º, n.º 1, al. f), do CPP). Esta possibilidade de um segundo grau de recurso, justificada pela gravidade das penas, releva, porém, como tem sublinhado o Tribunal Constitucional (cfr. nomeadamente, o acórdão 64/2006), da liberdade do legislador, não limitando, antes reforçando ou alargando, nesta dimensão, o direito ao recurso garantido pela Constituição (assim, nomeadamente, os acórdãos de 10.10.2018 e de 9.10.2019, deste tribunal, cit.).

19. Como tem sido afirmado na jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal, estando este tribunal, por razões de competência, impedido de conhecer do recurso interposto de uma decisão, encontra-se também impedido de conhecer de todas as questões processuais ou de substância que lhe digam respeito, tais como os vícios da decisão indicados no artigo 410.º, n.º 2, do CPP ou respetivas nulidades (artigo 379.º e 425.º, n.º 4) e questões ou matérias relacionadas com o julgamento dos crimes que constituem o seu objeto, aqui se incluindo as relacionadas com a incriminação (qualificação jurídica dos factos) e com a determinação das penas correspondentes aos tipos de crime realizados pela prática desses factos ou com questões de constitucionalidade suscitadas a esse propósito [assim, por todos, o acórdão de 9.10.2019, Proc. 24/17.9JAPTM-E1.S1, citado, e os acórdãos de 11.4.2012, Proc. 3989/07.5TDLSB.L1.S1, de 25.6.2015, Proc. 814/12.9JACBR.S1, de 3.6.2015, Proc. 293/09.8PALGS.E3.S1, bem como, entre os mais recentes, os acórdãos 10.3.2021, Proc. 330/19.8GBPVL.G1.S1, supra, 16, e de 03-11-2021, Proc. 10004/18.1T9LSB.G1.S1 (Ana Barata de Brito), em www.dgsi.pt]. 

20. Do exposto, devendo concluir-se pela não verificação da invocada inconstitucionalidade das normas do artigo 400.º, n.º 1, alíneas e), parte final, e f) do CPP (supra, 11.1, 1.), que, por esse motivo, deva afastar a sua aplicação, resulta que não é admissível o recurso em matéria penal do acórdão do tribunal da Relação, interposto pelo arguido, na parte que respeita a todas as questões suscitadas relativamente ao julgamento e à qualificação jurídica dos factos como integrando os crimes de burla, falsificação e abuso de confiança, por cuja prática o arguido foi condenado em penas, todas elas, inferiores a 5 anos de prisão, a todas as questões relacionadas com a determinação das penas aplicadas a cada um desse crimes, incluindo as suscitadas a propósito do concurso de crimes e do crime continuado e correspondente punição, bem quanto às nulidades e inconstitucionalidades arguidas e invocadas a propósito de tais questões. Aqui se incluem todas as questões enumeradas e identificadas no parágrafo 11.1, supra, nos pontos 2, 3, 4, 5, 6, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23 e 24, e no parágrafo 11.2, supra, pontos 1, 2, 3 e 4.

Quanto à inadmissibilidade dos recursos na parte relativa às indemnizações por danos emergentes dos crimes

21. Em 1.ª instância, o recorrente havia sido condenado ao pagamento das indemnizações indicadas em 2., em montantes que o tribunal da Relação, pelo acórdão recorrido, de 25 de fevereiro de 2021, manteve inalterados, na sua totalidade.

21.1. Quanto aos pedidos de indemnização civil a 1.ª instância fundamentou a decisão nos seguintes termos:

C) Dos pedidos de indemnização civil

Nos termos do art. 129.º do Código Penal, a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil.

Tal remissão significa, pois, terem inteira aplicação neste domínio, os princípios constantes dos arts. 483.º e seguintes do Código Civil.

O art. 483.º, n.º 1 deste diploma, ao dispor que “Quem, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes dessa violação”, demonstra, de uma forma clara, que vários pressupostos condicionam, no caso da responsabilidade civil por factos ilícitos, a obrigação de indemnizar imposta ao lesante.

Assim, podemos distinguir, desde logo:

- Um facto voluntário do agente;

- A ilicitude;

- O nexo de imputação do facto ao lesante, ou seja, a culpa;

- A existência de um dano;

- O nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Quanto ao facto voluntário do agente, sendo um elemento básico da responsabilidade, e consistindo a sua voluntariedade na possibilidade de controlo objetivo pela vontade do responsável, em regra consistirá numa ação ou atuação positiva, que importa a violação de um dever geral de abstenção, ou dever de não ingerência na esfera de ação do titular do direito absoluto, mas poderá igualmente traduzir-se numa omissão, abstenção ou facto negativo, sendo este causa do dano apenas quando haja o dever jurídico especial de praticar um ato que, provavelmente, impeça a consumação desse dano.

Em segundo lugar, este facto terá de revestir o carácter de ilícito, no sentido de violar o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios.

É ainda necessário que o seu autor tenha agido com culpa, significando agir com culpa, o atuar em termos da sua conduta merecer a reprovação ou censura do direito, o que apenas se verifica quando o agente tenha capacidade para prever os efeitos e medir o valor dos seus atos, determinando-se de harmonia com o juízo que deles faça.

Não havendo obrigação de indemnizar se não existirem danos, o dano consistirá na perda in natura que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar.

Torna-se necessário, contudo, delimitar o círculo de danos indemnizáveis, no sentido de que na obrigação de indemnização por parte do autor da lesão não cabem todos os danos sobrevindos ao facto constitutivo da responsabilidade, mas apenas aqueles que se encontrem com ele causalmente conexionados (art. 563.º, in fine).

Nos termos do art. 562.º, a reparação do dano deve consistir na reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação ou, caso a reintegração natural não seja possível, seja excessivamente onerosa para o devedor, ou não repare integralmente os danos, a indemnização será fixada em dinheiro, tendo esta como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (teoria da diferença) - arts. 562.º e 566.º, n.ºs 1 e 2.

O princípio ínsito no art. 562.º do Código Civil, da reconstituição ou da reposição natural, impõe uma clara opção da lei civil pela reconstituição in natura face à indemnização pecuniária, o que equivale a dizer que a obrigação se cumpre, fundamentalmente, através da reparação do objeto danificado ou da entrega de outro idêntico.

Pelo contrário, tal princípio apenas cede perante a indemnização pecuniária quando a reparação em forma específica se mostra materialmente impraticável, não cobre todos os prejuízos ou é demasiado gravosa para o devedor, verificando-se esta última situação sempre que exista uma flagrante desproporção entre o interesse do lesado, que deve ser reconstituído, e o custo da restauração natural que o lesante terá de suportar. E, neste último caso, a lei não se contenta com a simples onerosidade da reparação, exigindo, antes, que esta reparação seja excessivamente onerosa para o devedor, ou seja, que a restauração não imponha ao devedor um encargo desmedido, desajustado e a exceder manifestamente os limites impostos legalmente a uma legítima indemnização (cf., neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de junho de 2008, 19 de março de 2009 e 21 de abril de 2010, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

No que diz respeito aos danos não patrimoniais, nos termos do disposto no art. 496.º, n.º 2 do Código Civil, na fixação da indemnização deve atender-se àquele que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.

Distingue-se entre danos patrimoniais e não patrimoniais, consoante sejam ou não suscetíveis de avaliação pecuniária: os primeiros, porque incidem sobre interesses de natureza material ou económica, refletem-se no património do lesado, ao contrário dos últimos, que se reportam a valores de ordem espiritual, ideal ou moral.

Os danos não patrimoniais são prejuízos “(como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames...), que sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem-estar (...), a perfeição física...) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização” (Antunes Varela, Das Obrigações. 5ª edição, volume I, pág. 561).

Com efeito, e no que a eles concerne, sempre se dirá não estarmos perante uma verdadeira indemnização, mas antes de uma compensação, atribuindo-se uma certa soma pecuniária reputada adequada a compensar as dores e os sofrimentos do lesado, de forma a minorá-las ou fazer esquecê-las.

No cálculo das indemnizações por danos não patrimoniais o julgador deve recorrer à equidade, atendendo aos danos causados, ao grau de culpa do agente, à situação económica do lesante e do lesado e às demais circunstâncias do caso (arts. 494.º e 496.º, n.º 3 do Código Civil), devendo, pois, tomar em conta, “todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida” - Pires de Lima e Antunes Varela, C. C. Anotado, volume I, pág. 501.

Por fim, no que respeita ao nexo de causalidade entre o facto e o dano, o art. 563.º do Código Civil, ao dispor que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”, consagra, neste domínio, a teoria da causalidade adequada, segundo a qual, para saber se determinado dano pode ser imputado a determinado facto há que fazer um juízo de prognose póstuma reportado ao momento da lesão (ou do facto) no sentido de descortinar quais os danos que se não teriam verificado caso não ocorresse a lesão. Ou seja, o dano apenas é de imputar ao facto do agente quando, de acordo com um prognóstico objetivo feito ao tempo da lesão (ou do facto), e em face das circunstâncias então reconhecíveis ou conhecidas pelo lesante, é razoável admitir que se não fosse aquela os danos não se teriam verificado”.

21.2. Por sua vez, decidiu o tribunal da Relação, em recurso, nos seguintes termos:

Dispõe o art.º 129.º do CP que a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil, donde que consequentemente se exija a necessidade de recurso a tais normativos, concretamente ao disposto nos artigos 483.º e ss. e 562.º e ss., todos do CC, para deste modo aferir da responsabilidade civil do arguido. (…)

Analisada a matéria de facto, verifica-se que os demandantes civis lograram provar a existência de danos patrimoniais e não patrimoniais, tal como resulta da matéria de facto, danos esses que são merecedores da tutela do direito, estando apurado o nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima.

O artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil, determina que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, referindo o n.º 3, que o montante da indemnização será fixado, equitativamente, pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º, do mesmo diploma legal.

A obrigação de indemnizar, resultante da prática de factos ilícitos pressupõe, nos termos do art. 483.º do C.C.: A voluntariedade do facto praticado; A ilicitude do mesmo; A imputação do facto ao lesante, a título de culpa; O dano; O nexo de causalidade entre o facto e o dano (vide Antunes Varela in "Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 470 e ss.);

Em resumo, todos estes cinco pressupostos se verificaram na conduta do arguido: ocorreu um facto ilícito (apropriação indevida), a culpa (o prejuízo foi criado pelos arguidos), o dano (os ofendidos ficaram afectados no seu património) e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (através da sua actuação, causou danos patrimoniais).

Assim sendo, deverá o arguido/demandado reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (cfr. art. 362.º do Código Civil).

A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que os lesados provavelmente não teriam sofrido se não fosse a lesão, e compreende o prejuízo causado, material e moral, bem como os benefícios que aquela deixou de obter em consequência da lesão (artigos 496.º, 563.º e 564.º, n.º 1, todos do Código Civil).

Assim, no que diz respeito aos danos patrimoniais e não patrimoniais, o arguido terá de pagar aos peticionantes as quantias apuradas na matéria de facto provada.

São, ainda, devidos juros vencidos e vincendos, sendo aqueles contabilizados desde a data da prática dos factos, cfr. o disposto no art. 805.º, n.º 2, al. b), do C.C. (vide, ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16/12/1986, consultável in www.dgsi.pt, proc. n.º 074253), até efectivo e integral pagamento.

Assim, no que diz respeito aos peticionados danos patrimoniais e não patrimoniais, mantém-se e confirma-se o decidido na 1.ª instância, a saber:

1. Julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização civil formulado pela assistente SS e, em consequência:

1.1. Condenar o arguido/demandado AA no pagamento das quantias de € 85.820,09 (oitenta e cinco mil oitocentos e vinte euros e nove cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, e de € 20.000 (vinte mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, sendo a primeira acrescida dos juros de mora vencidos desde a notificação a que alude o art. 78º do Código de Processo Penal, e vincendos até integral recebimento, à taxa legal.

2. Julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização civil formulado pelo assistente Banco Comercial Português, S.A. e, em consequência:

2.1. Condenar o arguido/demandado AA no pagamento da quantia de € 65.628,13 (sessenta e cinco mil seiscentos e vinte e oito euros e treze cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora vencidos desde o dia 24 de maio de 2010 e vincendos até integral recebimento, à taxa legal.

3. Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil formulado pelo BNP Paribas Personal Finance, S.A. e, em consequência:

3.1. Condenar o arguido/demandado AA no pagamento da quantia de € 268.807,85 (duzentos e sessenta e oito mil oitocentos e sete euros e oitenta e cinco cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora vencidos desde a notificação a que alude o art. 78º do Código de Processo Penal e vincendos até efetivo recebimento, à respetiva taxa legal, absolvendo-o do mais que lhe vinha peticionado.

4. Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil formulado por RR e, em consequência:

4.1. Condenar o arguido/demandado AA no pagamento da quantia de € 42.570 (quarenta e dois mil quinhentos e setenta euros), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos até integral recebimento, à taxa legal, absolvendo-o do mais que lhe vinha peticionado.

5. Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente TT e, consequentemente:

5.1. Condenar o arguido/demandado AA no pagamento das quantias de € 1.000 (mil euros) e de € 2.000 (dois mil euros), respetivamente, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, sendo a primeira acrescida dos juros de mora vencidos desde a notificação a que alude o art. 78º do Código de Processo Penal e a segunda a contar da presente data, bem como dos vincendos até efetivo recebimento, à respetiva taxa legal, absolvendo-o do mais que lhe vinha peticionado.

6. Julgar parcialmente procedentes, por parcialmente provados, os pedidos de indemnização civil deduzidos pelo assistente Banco Primus, S.A. e, em consequência:

6.1. Condenar o arguido/demandado AA no pagamento das quantias de € 140.783,28 (cento e quarenta mil setecentos e oitenta e três euros e vinte e oito cêntimos), e de € 53.603,03 (cinquenta e três mil seiscentos e três euros e três cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, sendo esta última acrescida dos juros de mora vencidos desde a notificação a que alude o art. 78º do Código de Processo Penal, e vincendos até efetivo recebimento, à taxa legal.

9. Julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pelo Santander Consumer Portugal, S.A. e, em consequência:

9.1. Condenar o arguido/demandado AA no pagamento da quantia de € 162.654,90 (cento e sessenta e dois mil seiscentos e cinquenta e quatro euros e noventa cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos até integral recebimento, à respetiva taxa legal.

10. Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil deduzido pelo BBVA – Instituição de Crédito, S.A. e, em consequência:

10.1. Condenar o arguido/demandado AA no pagamento da quantia de € 169.939,25 (cento e sessenta e nove mil novecentos e trinta e nove euros e vinte cinco cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos até integral recebimento, à respetiva taxa legal, bem como, após o trânsito em julgado do presente acórdão, da sanção pecuniária compulsória a que alude o art. 829ºA, n.º 4 do Código Civil, absolvendo-o do mais que lhe vinha peticionado.

11. Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil formulado pela Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A. e, em consequência:

11.1. Condenar o arguido/demandado AA no pagamento da quantia de € 45.990,08 (quarenta e cinco mil novecentos e noventa euros), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora vencidos desde a notificação a que alude o art. 78º do Código de Processo Penal, e vincendos até integral recebimento, à taxa legal.

13. Julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização civil formulado por BB e, em consequência:

13.1. Condenar o arguido/demandado AA no pagamento da quantia de € 41.000 (quarenta e um mil euros), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora vencidos desde o dia 11 de janeiro de 2010 e vincendos até integral recebimento, à taxa legal.

14. Julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização civil formulado por FF e, em consequência:

14.1. Condenar o arguido/demandado AA no pagamento da indemnização, por danos patrimoniais, que vier a ser futuramente liquidada, e ainda no pagamento da quantia de € 15.000 (quinze mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, esta última acrescida dos juros de mora que se vencerem após a presente data e até efetivo recebimento, à taxa legal.

15. Julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização civil formulado por GG e, em consequência:

15.1. Condenar o arguido/demandado AA no pagamento da indemnização, por danos patrimoniais, que vier a ser futuramente liquidada, e ainda no pagamento da quantia de € 10.000 (dez mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, esta última acrescida dos juros de mora que se vencerem após a presente data e até efetivo recebimento, à taxa legal.

16. Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil formulado por Binário Futuro Unipessoal, L.da e, consequentemente:

16.1. Condenar o arguido AA no pagamento da quantia de € 6.654,28 (seis mil seiscentos e cinquenta e quatro euros e vinte e oito cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora vencidos desde a notificação a que alude o art. 78º do Código de Processo Penal e vincendos até integral recebimento, à taxa legal, absolvendo-o do restante pedido formulado.”

22. Conhecendo da nulidade do acórdão de 25 de fevereiro de 2021, arguida por BB, por omissão de pronúncia quanto ao recurso relativo ao pedido de restituição da viatura automóvel com a matrícula ...-...-NI, a Relação …., por acórdão de 29 de abril de 2021, decidiu, como se viu (supra, 3), “conceder parcial provimento à pretensão formulada, ou seja, na medida de nulidade do acórdão deste Tribunal da Relação enquanto se não pronunciou no relativo aos fundamentos/pretensão constantes do recurso interposto pelo demandante cível ao confirmar, sem mais, a decisão da 1.ª instância no tocante ao pedido civil deduzido por aquele BB”, “não confirmar o apontado segmento da decisão da 1.ª instância, na parte em que decidiu condenar o arguido/demandado AA no pagamento da quantia de € 41.000 (quarenta e um mil euros) a BB, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora vencidos desde o dia 11 de janeiro de 2010 e vincendos até integral recebimento”, não conhecer deste pedido de indemnização civil (“Não conhecer, como pretendido, do pedido de indemnização civil deduzido por BB”) e, nos termos do disposto no artigo 82.º, n.º 3, do CPP, remeter o demandante BB e as demais partes intervenientes para os meios civis (“antes remetendo, nos termos do disposto no art.º 82.º, n.º 3, do CPP, o demandante e as demais parte(s) interveniente(s) para os meios civis”).

23. Nos recursos que interpõe, o arguido, alega que:

a) Quanto ao acórdão de 25 de fevereiro de 2021: deverá ser absolvido dos pedidos de indemnização civil contra si deduzidos (conclusões 172 a 174) e que os valores indemnizatórios arbitrados para ressarcimento dos alegados danos não patrimoniais são manifestamente excessivos e desproporcionais, devendo ser substancialmente reduzidos (conclusões 175 a 179) (supra 11.1, 27 e 28);

b) Quanto ao acórdão de 29 de abril de 2021: o tribunal da Relação não poderia ter aplicado o artigo 82.º, n.º 3, do CPP, por não estarem preenchidos os requisitos legais (conclusões 8 a 11) e que o acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que não aplique o artigo 82.º, n.º 3, do CPP e conheça da questão suscitada pelo demandante BB (conclusão 12) (supra, 11.2, 5 e 6).

24. Dispõe o artigo 400.º, n.º 2, do CPP que “Sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada”. Acrescentando o n.º 3 do mesmo preceito, aditado pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, que “Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil”.

Em resultado do anteriormente exposto e decidido, não sendo admissível recurso em matéria penal quanto aos crimes de cuja prática resultaram os danos relativamente aos quais foram deduzidos pedidos de indemnização civil, há que averiguar e decidir da admissibilidade dos recursos em matéria civil, em função do estabelecido no n.º 3 do artigo 400.º do CPP.

25. Como se consignou no acórdão de 19.12.2018, no Proc. 10179/12.3TDLSB.L2.S1A (em www.dgsi.pt), que, nesta parte, se segue de perto, a entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, muito em particular com a introdução do n.º 3 ao artigo 400.º do CPP, constituiu uma alteração profunda do regime de admissibilidade dos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões sobre os pedidos de indemnização cível enxertados em processo penal. Por força desta alteração legislativa, a recorribilidade do segmento decisório relativo à matéria cível deixou de estar dependente da admissibilidade de recurso da decisão quanto à parte criminal do acórdão recorrido, como até então sucedia, nomeadamente por força do entendimento sufragado no assento deste tribunal n.º 1/02, de 14 de Março (o qual, recorde-se, havia uniformizado jurisprudência no sentido de que “no regime do Código de Processo Penal vigente – n.º 2 do artigo 400.º, na versão da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto – não cabe recurso ordinário da decisão final do Tribunal da Relação, relativa à indemnização civil, se for irrecorrível a correspondente decisão penal.”).

Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, a recorribilidade da decisão sobre matéria cível desprendeu-se do recurso em matéria penal; isto é, a admissibilidade de recurso para o STJ, restrito à matéria cível, passou a ser apreciada de acordo com os critérios próprios de recorribilidade do Código de Processo Civil (CPC). Com efeito, como se tem entendido, ao estabelecer no n.º 3 do artigo 400.º do CPP que “mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil”, o legislador fez apelo, por força do estatuído no artigo 4.º do CPP, ao regime de admissibilidade dos recursos previsto para os processos de natureza exclusivamente civil.

Como a recorribilidade da decisão em matéria cível deixou de estar dependente da recorribilidade da decisão relativa à matéria penal, o acesso a este Supremo Tribunal passou a dever obediência ao regime jurídico do recurso de revista previsto no CPC, pois que o legislador processual penal, ao aditar o mencionado n.º 3 ao artigo 400.º do CPP, não definiu normas próprias de admissibilidade do recurso para a parte da sentença relativa ao pedido de indemnização civil, o que deve conduzir o julgador, perante esta lacuna, a socorrer-se dos pertinentes normativos do processo civil. Citando Pereira Madeira (comentário ao artigo 400.º em Código de Processo Penal comentado, Henriques Gaspar et alii, Coimbra Editora, 2.ª ed., 2016, p. 1202): “Por força do disposto no artigo 4.º do CPP, e uma vez que a acção civil se autonomiza dos destinos da causa penal, importa ter em conta que a admissibilidade de recurso não está condicionada apenas pelas circunstâncias do n.º 2 do artigo 400.º. A pretendida igualação com o regime de recursos da acção civil importa, com efeito, que os casos de admissibilidade previstos no artigo 721.º do Código de Processo Civil na redacção do DL 303/2007, de 24 de Agosto, nomeadamente o de «dupla conforme», previsto no n.º 3, sejam aqui aplicáveis”.

26. É assim que, na jurisprudência deste tribunal, se tem vindo consistentemente a decidir que o regime de admissibilidade dos recursos previsto no CPC tem aplicação subsidiária aos pedidos de indemnização cível formulados em processo penal (neste sentido, de entre os mais recentes, os acórdãos de 19/12/2018, Proc. 10179/12.3TDLSB.L2.S1, de 30.05.2018, Proc. n.º 3292/13.1TASXL.L1.S1, de 24.08.2017, Proc. n.º 244/15.0JAGRD.C1.S1, de 11-02-2016, Proc. n.º 4632/09.3TDLSB.L1.S1, de 05.02.2015 , Proc. n. 76/14.3YFLSB.S1, de 29.01.2015, Proc. n.º 29/09.3GAMDB.P1.S1, de 29.01.2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB, de 10.04.2014, Proc. n.º 378/08.8JAFAR.E3.S1, em www.dgsi.pt).

A alteração ao artigo 400.º do CPP (por aditamento do n.º 3) pela Lei n.º 48/2007, como decorre da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 109/X, que lhe deu origem, foi justificada pela necessidade de garantir a igualdade entre todos os recorrentes em matéria cível, dentro e fora do processo penal (cfr. Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, 4ª ed., Universidade Católica Editora, 1049). Assim, se, com esta alteração, introduzindo uma quebra ao princípio de adesão, se quis consagrar idênticas possibilidades de recurso quanto à indemnização civil no processo penal e no processo civil, nada se dizendo de diferente no Código de Processo Penal, a norma do artigo 671.º, n.º 3, do novo CPC, de conteúdo essencialmente idêntico ao da norma do n.º 3 do artigo 721.º do CPC de 1961, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, não pode deixar de se aplicar ao processo penal, sob pena de se criar uma situação de desigualdade, que o legislador manifestamente não quis, consoante o pedido de indemnização for deduzido em processo civil ou em processo penal.

27. Neste quadro vem, pois, a jurisprudência das Secções Criminais do STJ entendendo, uniformemente, ser de aplicar o regime da denominada dupla conforme (artigo 671.º, n.º 3, do CPC ex vi artigo 4.º do CPP) aos recursos dos pedidos de indemnização civil enxertados no processo penal.  Assim se decidiu, por exemplo, no acórdão de 07.09.2016, no Proc. 56/10.0GARMR.E1.S1 (Pires da Graça): “O regime processual civil constante do anterior n.º 3 do art. 721.º do CPC e do actual n.º 3 do art. 671.º do CPC, tem aplicação ao processo penal, por força do disposto no art. 4.º do CPP, relativamente aos pressupostos de admissibilidade de recurso para o STJ que tenha por objecto o pedido de indemnização civil.” E, no mesmo sentido, no acórdão de 11.02.2016, Proc. 4632/09.3TDLSB.L1.S1 (Nuno Gomes da Silva): “Nada estipulando o n.º 2 do art. 400.º do CPP, quanto à dupla conforme a respeito do pedido civil, por força do disposto no art. 4.º do CPP impõe-se a observância subsidiária das normas do CPC, sendo legítima a aplicação do art. 671.º, n.º 3, do CPC, segundo o qual não é admitida a revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância”. No mesmo sentido, podem ainda ver-se o acórdão de 17.01.2019, Proc. n.º 1700/15.6PYLSB.L1.S1 (Nuno Gomes da Silva), de 04.12.2019, Proc. n.º 354/13.9IDAVR.P2. S1 (Manuel Augusto de Matos) e de 19.02.2020, Proc. n.º 368/15.4T9SCR.L1. S1 (Pires da Graça).

Também o Tribunal Constitucional, ainda que de forma indirecta, já se pronunciou julgando não inconstitucional a aplicação subsidiária do CPC ao pedido de indemnização civil enxertado no processo penal. Como se pode ver do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 442/2012, de 26 de setembro (DR, 2.ª Série, de 16.11.2012) que, “Não julga inconstitucional a interpretação normativa extraída da conjugação entre os artigos 400.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, e 721.º, n.º 3, do Código de Processo Civil”.

É, pois, na presença deste quadro normativo que passa a apreciar-se o caso concreto.

28. A decisão condenatória do tribunal de 1.ª instância e o acórdão recorrido, do Tribunal da Relação …., foram proferidos no âmbito de vigência do novo CPC, sendo, por conseguinte, aplicável o disposto no artigo 671.º, n.º 3, do CPC, segundo o qual, “Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.

Esta disposição estabelece o chamado regime da «dupla conforme», isto é, os critérios a partir dos quais não é admissível recurso de revista, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível e salvo nos casos previstos no artigo 672.º (revista excecional).

Na versão do anterior CPC, resultante das alterações introduzidas em 2007, a verificação de «dupla conforme» era totalmente independente da fundamentação de cada uma das decisões: existia dupla conforme quando a Relação confirmava sem voto de vencido, e mesmo com fundamentação diversa, a decisão da 1.ª instância (artigo 721.º). O novo CPC (Lei n.º 41/2013) introduziu uma nuance: deixa de existir dupla conforme, quando a Relação, para a confirmação da decisão da 1.ª instância, empregue «fundamentação essencialmente diferente».

Conforme refere Miguel Teixeira de Sousa (in Dupla conformidade e Vícios na formação do Acórdão da Relação, do Instituto Português de Processo Civil, em https://blogippc.blogspot.pt/2015/04/dupla-conforme-e-vicios-na-formacao-do.html, p. 1) “As decisões das instâncias podem ser conformes, mesmo que entre elas exista alguma desconformidade. O art. 671.º, n.º 3, CPC confirma esta conclusão: as decisões das instâncias são conformes se as respectivas fundamentações, apesar de distintas, não forem essencialmente diferentes. Assim, nem toda a desconformidade exclui a conformidade, ou seja, nem toda a desconformidade é uma não-conformidade.

No caso presente, não ocorre qualquer uma das circunstâncias excepcionais previstas no artigo 672.º ou no artigo 629.º, n.º 2, do CPC em que é sempre admissível o recurso. Pelo que há que apreciar se estão preenchidos os requisitos da denominada dupla conforme, impeditiva de admissão do recurso.

29. Quanto ao requisito da unanimidade na votação por parte dos juízes do tribunal de recurso, resulta do texto do acórdão do Tribunal da Relação que este foi assinado pelos dois juízes desembargadores, sem voto de vencido.

Verifica-se, pois, a satisfação deste requisito.

30. Pelo que importa averiguar se, na aceção do artigo 671.º, n.º 3, do CPC, o tribunal da Relação confirmou a decisão da 1.ª instância.

Quanto a este ponto, não restam dúvidas de que existe total coincidência dos quantitativos das indemnizações estabelecidos no acórdão da Relação e na sentença do tribunal de 1.ª instância.

31. A doutrina e a jurisprudência têm manifestado divergências quanto ao conceito de dupla conforme, em particular quanto ao seu alcance.

Numa perspetiva mais restrita, minoritária, defende-se que existe coincidência decisória quando a Relação confirma totalmente a decisão da 1.ª instância (assim, Cardona Ferreira, em Guia de Recursos em Processo Civil, 5.ª ed. Coimbra Editora, 2010, 261: «(…) “E confirmar” só tem um sentido: confirmar uma decisão recorrida é não introduzir, na injunção final, qualquer alteração ao que decidir a 1.ª instância»). Numa perspetiva mais ampla, defende-se que, mesmo não havendo uma igualdade “aritmética” de decisões, haverá dupla conforme se se concluiu, no plano racional, que existe coincidência decisória, apesar de a conformidade das duas decisões não ser completa no seu âmbito dimensional. Este conceito estabelece um princípio que se afasta da coincidência formal de julgados, devendo equiparar-se à situação de «dupla conforme» aquela em que a Relação profere uma decisão que, embora não seja quantitativamente coincidente com a da 1.ª instância, seja mais favorável à parte, isto é, quando o recorrente foi beneficiado com o acórdão da Relação em comparação com a decisão da 1.ª instância. A dupla conforme subsistirá quando a última decisão é mais favorável ao recorrente do que a da 1.ª instância (confirmação in mellius).

A maioria da doutrina tem vindo a adotar o critério da denominada dupla conforme «racional ou ponderada» ou «confirmação in mellius» impeditiva do conhecimento do recurso [neste sentido, na doutrina, entre outros, Miguel Teixeira de Sousa, Recursos em Processo Civil (de acordo com o CPC de 2013), Quid Juris, 91-92, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil (novo regime – DL 303/2007, de 24-08), 2.ª ed., Almedina, 339-342, e Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., 2018, Almedina, 371-374 e Pinto Furtado, Recursos em Processo Civil (de acordo com o CPC de 2013), novembro de 2013, Quid Juris, 88-89]. Também a jurisprudência deste Tribunal tem vindo a seguir um conceito de dupla conforme na sua interpretação mais ampla, abrangendo a confirmação in mellius (neste sentido, entre outros, os acórdãos de 25-01-2017, proc. n.º 1729/08.0JDLSB.L1.S1, de 24.05.2018, revista n.º 37/09.4T2ODM-B.E2.S1, de 22.03.2018, revista n.º 3705/11.7TBSTS.P1.S1, de 08.02.2018, revista n.º 22083/15.9T8PRT.P1.S1, de 27.04.2017, revista n.º 805/15.8T8PNF.P1.S1, de 19.04.2016, revista n.º 540/11.6TVLSB.L2.S1, de 07.04.2016, revista n.º 397/09.7TBPVL.G1.S1, de 04.06.2015, revista n.º 7412/08.0TBCSC.L1.S1, em www.dgsi.pt).

32. Nesta linha de orientação, deve, pois, por razões de ordem lógica e sistemática, que se subscrevem, entender-se que a dupla conforme contida no artigo 671.º, n.º 3 do CPC, que obsta à admissão do recurso, se considera verificada não só quando há total coincidência decisória, mas também quando, para o recorrente, se configure uma situação de «confirmação in mellius».

Desta perspetiva, verifica-se inequivocamente, no caso concreto, uma situação em que há uma total coincidência decisória, uma situação de «dupla conforme», na sua aceção mais estrita, que impede a admissão do recurso.

33. Importa por último, apreciar o terceiro requisito da «dupla conforme», isto é, se o Tribunal da Relação confirmou a decisão proferida em 1.ª instância sem fundamentação essencialmente diferente.

Sendo o conceito utilizado pelo legislador, de «fundamentação essencialmente diferente», um conceito indeterminado, cabe apreciar cada caso concreto, por forma a verificar se efetivamente entre a decisão da Relação e a da 1.ª instância foram seguidos percursos divergentes, ou não, para atingir o mesmo resultado.

34. A doutrina e a jurisprudência têm vindo a dar contributos relevantes para a integração e densificação do conceito.

Começando por fazer apelo à diferença entre «fundamentação diferente» e «fundamentação essencialmente diferente», afirma-se que só está afastada a dupla conforme quando a fundamentação é essencialmente diferente, mas já não quando a fundamentação é apenas diferente e defende-se que só se verifica uma «fundamentação essencialmente diferente» quando o tribunal da Relação assenta a sua decisão num enquadramento normativo absolutamente distinto do ponderado pela 1.ª instância (neste sentido, cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil», 4.ª ed., 2017, Almedina, 350, Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, 444-445). Também na jurisprudência deste Tribunal se vem afirmando que «fundamentação essencialmente diferente» é uma situação distinta de «fundamentação diferente» (neste sentido, entre muitos outros, o acórdão de 25.05.2017, revista n.º 1182/14.0T8BRG-B.G1-A.S1 em www.stj.pt/Jurisprudência/ Sumários de Acórdãos); quanto à densificação do conceito, podem ver-se, entre outros, em www.dgsi.pt, os acórdãos de 16.03.2017, revista n.º 568/11.6TCFUN.L1-A.S1, de 13.07.2017, revista n.º 1942/12.6TVLSB.L1.S1 e de 09.07.2015, revista n.º 542/13.8T2AVR.C1.S1).

35. Como resulta do acórdão recorrido, existe uma identidade de fundamentação na condenação em ambas as instâncias, por aplicação do regime da lei civil à indemnização por danos emergentes do crime (artigo 129.º do Código Penal), estando apenas em causa o quantitativo da indemnização (“os valores indemnizatórios arbitrados para ressarcimento dos alegados danos não patrimoniais são manifestamente excessivos e desproporcionais, devendo ser substancialmente reduzidos”, diz o recorrente).

Efetivamente, quer a sentença da 1.ª instância quer o acórdão da Relação interpretaram e fizeram a mesma leitura da responsabilidade civil dos arguidos/demandados civis. Ambas as instâncias julgaram o recorrente responsável criminal e civilmente, considerando preenchidos os respetivos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual (facto ilícito, dolo, dano e nexo de causalidade entre os factos e o dano), sem existência de qualquer causa de exclusão da responsabilidade, fixando uma indemnização por danos emergentes do crime. Ambas as decisões se socorreram dos mesmos institutos jurídicos, as interpretações das normas aplicadas são convergentes e baseiam-se nos mesmos quadros fáctico e normativo.

As decisões da 1.ª instância e do Tribunal da Relação apreciaram e decidiram, em moldes convergentes, a responsabilidade civil do demandado civil no pagamento das indemnizações por danos emergentes do crime, por estarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual e ambas se socorreram do mesmo critério na fixação dos montantes das indemnizações.

36. Assim se conclui que, sem fundamentação essencialmente diversa e sem voto de vencido, o Tribunal da Relação confirmou a condenação da 1.ª instância e que, tendo em conta o disposto no artigo 671.º, n.º 3, do CPC, se mostra verificada uma situação de “dupla conforme”, que obsta à admissão do recurso.

Em função do exposto, tendo em conta que a decisão que admitiu o recurso do acórdão de 25 de fevereiro de 2021 não vincula o tribunal superior (n.º 3 do artigo 414.º do CPP), é o presente recurso rejeitado, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 671.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 4.º do CPP, e dos artigos 400.º, n.º 3, 420.º, n.º 1, al. b), e 432.º, todos do CPP.

37. Idêntica conclusão sobre a admissibilidade do recurso, embora com fundamento diverso, se deve extrair quanto ao recurso do acórdão de 29 de abril de 2021.

Como se viu (supra, 3 e 22), o Tribunal da Relação não confirmou a decisão da 1.ª instância e não conheceu do pedido de indemnização civil, remetendo as partes civis para os meios civis, nos termos do disposto no artigo 82.º, n.º 3, do CPP. Dispõe este preceito que “o tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento, remeter as partes para os tribunais civis quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem suscetíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal”.

Não é, pois, aplicável o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 400.º do CPP, que pressupõem pronúncia do tribunal recorrido quanto ao pedido.

O que remete para o regime de inadmissibilidade do recurso de decisões do tribunal da Relação estabelecidos no n.º 1 do mesmo preceito, em conjugação com artigo 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, por exceção ao princípio geral de admissibilidade consagrado no artigo 399.º.

38. Como se evidencia do texto do n.º 3 do artigo 82.º, o ato de remeter as partes civis para os tribunais civis, com os fundamentos aí previstos, inscreve-se nos poderes oficiosos do tribunal e não se incorpora em acórdão da Relação que conheça, a final, do objeto do processo, o qual, por virtude do pedido de indemnização civil, passou a incluir a indemnização por danos resultantes do crime; antes remete o conhecimento para outro tribunal.

Nos termos do n.º 1 al. b) do artigo 400.º do CPP não é admissível recurso de “decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal” e, nos termos da al. c) do mesmo preceito, também não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final, do objecto do processo”.

Considerou-se no acórdão de 06.10.2021 (Proc.º n.º 121/08.1TELSB.L1-C.S1, ainda não publicado), citando Henriques Gaspar et al., Código de Processo Penal Comentado, 3.ª ed., Coimbra, Almedina, 2021, p. 240), que a decisão que remete as partes para os tribunais cíveis é uma decisão que depende da apreciação do tribunal, segundo critérios exclusivamente prudenciais perante as circunstâncias específicas do caso; constitui uma decisão que depende da livre resolução do tribunal (livre, embora motivada), não sendo suscetível de recurso, nos termos do artigo 400.º n.º 1, alínea b), do CPP. Sem prejuízo de se considerar que, em termos gerais, não deverá afastar-se a recorribilidade com base neste preceito, de acordo com a regra geral do artigo 399.º, por imposição constitucional do direito a tutela jurisdicional efetiva e do direito ao recurso (artigo 20.º, n.º 5, e 32.º, n.º 1, da Constituição), deverão, no entanto, ter-se em conta as especificidades do regime de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões dos tribunais de relação proferidas em recurso, cuja constitucionalidade não se questiona.

Com efeito, ao remeter as partes civis para os tribunais civis, o tribunal da Relação não conheceu do pedido de indemnização civil que, por força do princípio da adesão (artigo 71.º do CPP), passou a incluir-se no objeto do processo [neste sentido, convocando também critérios da lei processual civil, o acórdão de 24.09.2020, Proc. n.º 416/13.2GBTMR-A.E1.S1 (Margarida Blasco), em www.dgsi.pt]; limitou-se a remeter o seu conhecimento para outro tribunal.

E, assim sendo, deverá concluir-se pela inadmissibilidade do recurso com fundamento na al. c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, por se tratar de decisão constante de acórdão do tribunal da Relação que, em matéria de indemnização civil, na parte em questão, não conhece, a final, do objeto do processo.

Pelo que, tendo em conta o disposto no artigo 420.º, n.º 1, al. b), do CPP, de acordo com o qual o recurso é rejeitado sempre que se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do n.º 2 do artigo 414.º, nomeadamente por irrecorribilidade da decisão, e considerando que a decisão que o admitiu não vincula este tribunal (n.º 3 do mesmo preceito), se rejeita também o recurso do acórdão de 29 de abril de 2021.

Do objeto e âmbito do recurso: da pena única

39. Em conformidade com o que vem de se expor, tendo em conta as conclusões dos recursos, há apenas que apreciar e decidir das questões de direito (artigo 432.º, n.º 1, al. b), e 434.º do CPP) relacionadas com a pena única aplicada ao arguido – supra 11.1, pontos 7, 8, 25 e 26 (conclusões 32 a 35, 158 a 163 e 165 a 171 do recurso) –, da competência deste tribunal [artigos 399.º e 400.º, n.º 1, al. f), a contrario, do CPP]. Como se decidiu no “assento” 10/92, DR I-A, de 6.8.1992: “Formuladas várias pretensões no recurso, podem algumas rejeitar-se em conferência, prosseguindo o recurso quanto às demais, em obediência ao princípio da cindibilidade”.

O conhecimento do recurso (em matéria penal) na parte em que é admissível implica que, no âmbito da sua competência, este tribunal aprecie e decida, a pedido do recorrente ou oficiosamente, todas as questões de direito relacionadas com o objeto e âmbito do recurso, nessa parte, com vista à boa decisão deste.

Como se tem reafirmado em jurisprudência constante, a limitação do recurso ao reexame da matéria de direito não impede este tribunal de, oficiosamente, conhecer dos vícios da decisão recorrida a que se refere o n.º 2 do artigo 410.º do CPP, os quais devem resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência, se a sua sanação se revelar necessária à boa aplicação do direito, no conhecimento do mérito do recurso. Trata-se de vícios da decisão, do discurso decisório em matéria de facto que se revelam no texto da decisão e se evidenciam a partir dele, por si só ou em conjugação com as regras da experiência, não de erros de julgamento da matéria de facto, cujo conhecimento, da competência do tribunal da Relação (artigos 427.º e 428.º do CPP), se encontra subtraído a este Tribunal [assim, por todos, o acórdão de 02.10.2019, Proc. n.º 3622/17.7JAPRT-P1.S1, citando o acórdão de 15.12.2011, Proc. 17/09.0TELSB.L1.S1 (Raul Borges), e abundante jurisprudência nele citada, em www.dgsi.pt].

Visto o acórdão recorrido, dele não se manifesta qualquer vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão, de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ou, ainda, de erro notório na apreciação da prova, a que se refere este preceito, suscetíveis de prejudicar a decisão de direito, de que, por este motivo, este tribunal deva conhecer.

Também não se identifica a subsistência de nulidades não sanadas que devam ser conhecidas (artigo 410.º, n.º 3, do CPP), havendo, todavia, que conhecer na invocada nulidade do acórdão na parte respeitante à pena única.

40. Das conclusões da motivação, recorda-se que o recorrente questiona a decisão de determinação e aplicação da pena única nos termos assim sintetizados (supra, 11.1, pontos 7, 8, 25 e 26), alegando:

a) Que o acórdão recorrido é nulo (artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), ex vi artigo 425.º, n.º 4, do CPP) no que respeita à fundamentação para sustentar a (nova) pena única, a qual se revela manifestamente insuficiente, e que, ainda que assim não se entenda, padece de irregularidade (artigo 123.º, n.º 1, do CPP) (conclusões 32 a 34);

b) Que é materialmente inconstitucional a norma que resulta da conjugação dos artigos 374.º, n.º 2, 375.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, alínea a), e artigo 425.º, n.º 4, do CPP, interpretada e aplicada no sentido de que, em caso de concurso de crimes, não é obrigatório, na decisão final proferida em processo penal, fundamentar a determinação da pena única por referência aos critérios legais constantes do artigo 77.º do CP (conclusão 35);

c) Que, mesmo que não sejam alteradas as penas parcelares, ainda assim nunca a pena conjunta poderia ter sido fixada em 11 anos e 6 meses de prisão, pois que (conclusões 158 a 163):

(i) o tribunal a quo não poderia ter valorado, para efeitos de determinação da pena, condenações posteriores à prática dos crimes em causa nos presentes autos,

(ii) o “registo criminal” havia já sido considerado pelo Tribunal a quo para efeitos de determinação das penas parcelares, razão pela qual se assiste, in casu, à violação da proibição da dupla valoração;

(iii) a decisão recorrida errou na avaliação da personalidade do arguido, bem como uma errada análise global dos factos,

(iv) o conjunto dos factos imputados ao arguido não é reconduzível a uma tendência ou a uma (inexistente) carreira criminosa, mas tão-somente a um conjunto particular e isolado de circunstâncias que não deriva nem tem suporte estrutural na sua personalidade,

(v) porque assim é, não deve ser atribuído à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta;

d). Que, tendo em atenção os critérios legais de determinação e as circunstâncias do caso, nomeadamente as que, a seu ver, concorrem para a diminuição da culpa, a pena única conjunta deverá aproximar-se do limite mínimo da moldura abstrata dessa pena, ou seja, 4 anos de prisão, suspendendo-se a sua execução, nos termos do disposto no artigo 50.º, n.º 1, do CP (conclusões 165 a 171);

41. De acordo com o disposto nos artigos 71.º, n.º 3, do Código Penal e 375.º, n.º 1, do CPP, que concretizam o dever de fundamentação das decisões judiciais estabelecido no artigo 205.º da Constituição, na sentença são expressamente referidos e especificados os fundamentos da medida da pena.

A determinação da medida da pena vem fundamentada nos termos que se seguem.

42. Quanto à determinação da pena única, que o tribunal da Relação – reduzindo todas e cada uma das penas parcelares, exceto a pena de 3 anos de prisão aplicada pela prática do crime de falsificação indicada em 1.45 (supra, 1) – reduziu de 16 anos para 11 anos e 6 meses de prisão, diz o acórdão recorrido:

12. Do concurso de crimes e da pena única.

Tendo-se encontrado as penas parcelares relativas aos ilícitos referidos, cumpre agora proceder à determinação de uma pena única, considerando em conjunto os factos e a personalidade do agente, nos termos do art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal.

Assim, o limite mínimo da pena aplicável corresponde à pena máxima concretamente aplicada, e o limite máximo corresponde à soma das penas parcelares encontradas, que não pode exceder 25 anos de prisão.

Como entende o Supremo Tribunal de Justiça, face ao disposto no art. 77º do Código Penal (cfr., por todos, os Acórdãos de 11 de Janeiro de 2001, Processo n.º 3095/00-5, de 4 de Março de 2004, Processo n.º 3293/04-5, e de 12 de Julho de 2005, todos in www.dgsi.pt), a pena única a estabelecer em cúmulo deve ser encontrada numa moldura penal abstracta, balizada pela maior das penas parcelares abrangidas e a soma destas, e na medida dessa pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, com respeito pela pena unitária. Na verdade, o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é, justamente, a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário, mas a personalidade traduzida na condução de vida, em que o juízo de culpabilidade se amplia a toda a personalidade do autor e ao seu desenvolvimento, também manifestada de forma imediata a acção típica, isto é nos factos.

Esse critério, conforme salienta Figueiredo Dias, consiste em apurar se “numa avaliação da personalidade – unitária - do agente”, o seu percurso de delinquência “é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo uma carreira») criminosa” e não a uma “pluriocasionalidade que não radica na personalidade (…)” (in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial de Notícias, pág. 291).

Como ponderou o Tribunal a quo:

Tendo presentes os fatores a atender na determinação da pena única a aplicar, que acima se deixaram expostos, cumpre referir que relativamente aos arguidos AA, VV e WW, as repetidas condutas criminosas obedecem a um mesmo padrão de atuação, com vista à obtenção do resultado pretendido, qual seja, o recebimento de vantagens patrimoniais indevidas à custa do património de terceiros, sendo os crimes de falsificação, em parte, o meio necessário ao cometimento dos crimes de burlas subsequentes.

O conjunto destas condutas criminosas, conjugado” com o registo criminal” do Arguido AA (embora posterior aos factos em apreciação e consubstanciado na condenação numa pena de multa, por crimes da mesma natureza e temporalmente contemporâneos dos que ora se apreciam), e aliado, ainda, à ponderação do desvalor global dos ilícitos praticados, no que avulta a circunstância de o Arguido AA ter cometido setenta crimes, demonstram já uma personalidade com manifesta tendência para a prática de crimes, bastante diversa da pluriocasionalidade, e absolutamente indiferente aos valores tutelados pelas normas jurídicas violadas e à ameaça das respetivas sanções, o que inculca uma elevação do grau das exigências de prevenção especial e do limite da culpa.

Por último, cabe ainda referir que o impacto social da reiteração de comportamentos como os dos arguidos é muito negativo, havendo que satisfazer, em consequência, as prementes necessidades de prevenção geral.”

Ora, considerando as circunstâncias dos factos, os crimes cometidos e a personalidade do arguido evidenciada nos autos sem esquecer a culpa e as necessidades de prevenção, entende o tribunal como ajustada a aplicação da pena unitária de 11 (onze) anos e 6 (seis) meses de prisão, alterando a pena única aplicada na 1.ª Instância”.

43. No acórdão da 1.ª instância, para que remete o extrato da fundamentação transcrito no acórdão da Relação – no segmento que refere: “Tendo presentes os fatores a atender na determinação da pena única a aplicar, que acima se deixaram expostos” – consta que:

Tendo-se encontrado as penas parcelares relativas aos ilícitos referidos, cumpre agora proceder à determinação de uma pena única, considerando em conjunto os factos e a personalidade dos agentes, nos termos do art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal.

Assim, o limite mínimo da pena aplicável corresponde à pena máxima concretamente aplicada, e o limite máximo corresponde à soma das penas parcelares encontradas, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do art. 77º.

Como entende o Supremo Tribunal de Justiça, face ao disposto no art. 77º do Código Penal (cf., por todos, os Acórdãos de 11 de janeiro de 2001, Processo n.º 3095/00-5, de 4 de março de 2004, Processo n.º 3293/04-5, e de 12 de julho de 2005, todos in www.dgsi.pt), a pena única a estabelecer em cúmulo deve ser encontrada numa moldura penal abstrata, balizada pela maior das penas parcelares abrangidas e a soma destas, e na medida dessa pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, com respeito pela pena unitária. Na verdade, o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é, justamente, a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário, mas a personalidade traduzida na condução de vida, em que o juízo de culpabilidade se amplia a toda a personalidade do autor e ao seu desenvolvimento, também manifestada de forma imediata na ação típica, isto é, nos factos.

Esse critério, conforme salienta Figueiredo Dias, consiste em apurar se “numa avaliação da personalidade – unitária - do agente”, o seu percurso de delinquência “é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo uma «carreira») criminosa” e não a uma “pluriocasionalidade que não radica na personalidade (…)” (in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial de Notícias, pág. 291).

Sem prejuízo, refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Junho de 2012, proferido no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 8/07.5TBSNT, do Juízo Central Criminal de Sintra, Juiz 1 (disponível em www.dgsi.pt): “Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fração menor dessas penas parcelares deverá contar para a pena conjunta. Contrariamente, se as parcelares são poucas, então cada uma delas pesa muito no ilícito global”.

E acrescenta ainda o citado aresto: “Por outro lado, não nos esqueçamos que a opção legislativa por uma pena conjunta pretendeu, por certo, traduzir, também a este nível, a orientação base ditada pelo art. 40 do Código Penal, em matéria de fins das penas. Daí que essa orientação base, que estabelece só como fins das penas só propósitos de prevenção (geral e especial), e que atribui à culpa, uma função apenas garantística, de medida inultrapassável pela pena, essa orientação continuará a ser pano de fundo da escolha da pena conjunta”.

“Sem que nenhum destes vetores se constitua em compartimento estanque, é certo que para o propósito geral preventivo interessará antes do mais a imagem do ilícito global praticado, e para a prevenção especial contará decisivamente o facto de se estar perante uma pluralidade desgarrada de crimes, ou, pelo contrário, perante a expressão de um modo de vida”.

Assim, importante na determinação da pena conjunta será a averiguação sobre se existe ou não conexão entre os vários factos em concurso, a existência de qualquer relação entre uns e outros e a sua natureza, não esquecendo, porém, o número, a natureza e a gravidade desses mesmos factos e das penas aplicadas, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do seu conjunto, que permita aferir se o ilícito global “é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande releve será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente” – vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de outubro de 2011, proferido no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 1441/07.8JDLSB, do Juízo Central Criminal de Sintra, Juiz 2, em www.dgsi.pt.

No caso presente, temos como moldura legal abstrata do concurso: 1. Arguido AA, pena de prisão de 5 (cinco) anos a 218 (duzentos e dezoito) anos, sem prejuízo do limite máximo de 25 (vinte cinco) anos a que alude o art. 77º, n.º 2 do Código Penal; (…) a que alude o art. 77º, n.º 2 do Código Penal.

Tendo presentes os fatores a atender na determinação da pena única a aplicar, que acima se deixaram expostos, cumpre referir que relativamente aos arguidos AA (…) as repetidas condutas criminosas obedecem a um mesmo padrão de atuação, com vista à obtenção do resultado pretendido, qual seja, o recebimento de vantagens patrimoniais indevidas à custa do património de terceiros, sendo os crimes de falsificação, em parte, o meio necessário ao cometimento dos crimes de burlas subsequentes.

O conjunto destas condutas criminosas, conjugado com os antecedentes criminais dos arguidos VV e WW (que cumprem no momento presente, e cumpriram já no passado, penas de prisão efetiva), mas também com o antecedente criminal do Arguido AA (embora posterior aos factos em apreciação e consubstanciado na condenação numa pena de multa, por crimes da mesma natureza e temporalmente contemporâneos dos que ora se apreciam), e aliado, ainda, à ponderação do desvalor global dos ilícitos praticados, no que avulta a circunstância de o Arguido AA ter cometido setenta crimes, demonstram já uma personalidade com manifesta tendência para a prática de crimes, bastante diversa da pluriocasionalidade, e absolutamente indiferente aos valores tutelados pelas normas jurídicas violadas e à ameaça das respetivas sanções, o que inculca uma elevação do grau das exigências de prevenção especial e do limite da culpa.

Por último, cabe ainda referir que o impacto social da reiteração de comportamentos como os dos arguidos é muito negativo, havendo que satisfazer, em consequência, as prementes necessidades de prevenção geral.

Pelo que se deixou exposto, e atentando-se ainda na situação pessoal nos termos que ficou demonstrada, (…) entende-se adequado aplicar aos arguidos as seguintes penas únicas:

1. Arguido AA, a pena única de 16 (dezasseis) anos de prisão; (…).

44. A situação pessoal do arguido, para que remete este acórdão é a que consta dos pontos 727 a 746 da matéria de facto (supra, 8), que se recordam:

727. O Arguido AA é filho único, oriundo de um agregado familiar convencional, sendo o pai ….. e a mãe …….

728. No respetivo processo de integração social, inexiste a referência a qualquer problemática, tendo o mesmo beneficiado de condições favoráveis a um desenvolvimento pessoal e social equilibrado.

729. Após a conclusão do ensino secundário e a tentativa frustrada de ingresso no curso de ….., o Arguido AA começou a trabalhar numa empresa ….., como ……, passando depois a desempenhar funções de ……, ao serviço de um outro ….., do qual saiu ao fim de seis anos, como ….., alegadamente por convite do grupo “E.....”, para colaborar em funções semelhantes na área da ….. durante cerca de cinco anos.

730. Aproveitando a experiência e os conhecimentos adquiridos nesta área profissional, criou a sua própria empresa de ..............., denominada “G......”, onde viria a trabalhar como ....... ao longo de dez anos.

731. A partir de 1996, por ocasião da compra de um veículo automóvel na ….., ingressou profissionalmente no ramo automóvel, designadamente, adquirindo veículos de gama média/alta naquele país e procedendo à sua posterior venda em Portugal.

732. A este propósito, constituiu a sociedade comercial denominada “CD Car – Comércio de Automóveis, Sociedade Unipessoal, L.da”, ora arguida, na qual trabalhou como ....... até, pelo menos, 2007/2008, com a colaboração regular de ... empregados.

733. A partir de então, sentindo a redução significativa no volume de vendas, sobretudo imposta pelas restrições ao crédito bancário, e antecipando as consequências da crise financeira global que viria a instalar-se, resolveu diversificar a sua atividade profissional, com a entrada no mercado imobiliário, juntamente com um sócio que era ....... Esta experiência viria, contudo, a revelar-se inconsequente do ponto de vista da concretização dos objetivos inicialmente previstos - ...... venda de imóveis -, por razões idênticas às que afetaram a atividade comercial em geral.

734. O Arguido AA manteve, no entanto, a sua atividade no ramo automóvel, através da sociedade ora arguida “Studiocar Comércio de Automóveis, L.da”, cujos sócios eram, então, a sua……., mas que ele ……. e enquanto respetivo procurador.

735. O arguido apresenta-se como uma pessoa dedicada e empenhada no cumprimento das suas obrigações profissionais, características que lhe são reconhecidas por alguns terceiros.

736. Em 2016 o arguido tinha a categoria profissional de …., sendo empregado da sociedade denominada “Al......., S.A.”, cujas funções se centravam na ……, com o vencimento mensal de € 600.

737. Mantém igualmente atividade por conta própria na compra e venda de veículos automóveis, através da empresa denominada “B......”, para o que dispõe de um espaço que lhe é reservado nas mesmas instalações da anterior empresa, embora já não se encontre em seu nome. Esta atividade é agora desenvolvida numa escala muito inferior à anterior, incidindo sobre carros de gama inferior e com menor capacidade de oferta.

738. O agregado familiar do Arguido AA reside na ….., propriedade de um familiar, TTTTTT, a quem paga uma renda mensal no valor de € 400. Coabita, nesta morada, com a companheira, UU, …. e, essencialmente, desempregada, com quem vive em união de facto há cerca de vinte e sete anos.

739. O arguido tem um filho com 32 anos de idade, ZZ, com vida autónoma em relação ao agregado paterno, e que trabalha como …... A companheira tem um filho com 28 anos de idade, que coabita no mesmo agregado, e que trabalha como …….. Por sua vez, o casal tem um filho com 22 anos, residente com os progenitores, licenciado em ……...

740. A situação económica atual do arguido regista um decréscimo significativo em relação ao passado recente, com a descida de rendimentos e consequente capacidade financeira disponível, de onde se destaca, também, uma dívida ao setor bancário na ordem dos dois a três milhões de euros, tendo sido já declarada judicialmente a respetiva insolvência.

741. No decurso da audiência de julgamento no âmbito dos presentes autos, o Arguido AA concluiu a licenciatura em …., na Universidade ….., frequentando o mestrado na Universidade ……..

Sem prejuízo, o arguido AA encontra-se de baixa médica desde, pelo menos, o mês de abril de 2014.

742. A presente situação jurídico-penal tem sido vivida pelo arguido com algum constrangimento, mostrando-se preocupado com o seu desfecho.

743. Embora em termos abstratos denote uma atitude aparentemente crítica em relação ao desvalor das condutas criminais em questão e suas repercussões, em concreto, do discurso do Arguido AA sobressai uma manifesta atitude de negação dos factos e minimização da respetiva responsabilidade, considerando-se uma “vítima das circunstâncias”.

744. O arguido não demonstrou qualquer arrependimento e a sua postura é reveladora de uma falta absoluta de juízo de autocrítica e autocensura, bem como de total incapacidade de descentração.

745. O Arguido AA foi anteriormente condenado no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 2913/13….., do Juízo Central Criminal de ….., Juiz …, por acórdão datado de 9 de fevereiro de 2017, transitado em julgado a 21 de fevereiro de 2018, pela prática de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1 als. a), b), d) e e) e n.º 3 do Código Penal, com referência ao art. 255º, al. a) do mesmo diploma legal, e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art. 218º, n.º 1 do Código Penal, na pena única de 270 dias de multa, à razão diária de € 10, num total de € 2.700, já julgada extinta pelo pagamento.

746. Por decisão datada de 7 de maio de 2018, proferida nesse mesmo processo, foi determinada a não transcrição do acórdão no respetivo certificado de registo criminal, exceto para efeitos judiciais.

45. Quanto aos fatores relevantes para determinação das penas singulares (parcelares), o acórdão recorrido considerou o seguinte:

Nos termos do art. 71.º, n.º 1 do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na norma incriminadora, far-se-á em função da culpa e das exigências de prevenção, atendendo o Tribunal, nesta determinação, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, designadamente as enunciadas no n.º 2.

E, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, deve o Tribunal dar preferência fundamentada à segunda, sempre que ela satisfaça de forma suficiente e adequada as finalidades da punição – art. 70.º, in fine.

Há, assim, que ter em conta, para o que deixou referido, as exigências de prevenção especial ligadas ao objetivo de reinserção social do arguido, e as exigências decorrentes do fim preventivo geral da pena (prevenção geral positiva ou de integração), ligadas à necessidade de contenção da criminalidade e à defesa das expectativas da sociedade, traduzidas na conservação ou reforço da norma jurídica violada pelo crime, como modelo de orientação do comportamento das pessoas na interação comunitária, para optar entre uma pena privativa e uma pena não privativa da liberdade, funcionando a culpa como limite máximo da pena concreta a aplicar.

O espírito subjacente ao nosso Código Penal determina que a pena de prisão, pelo seu carácter estigmatizante, assuma a natureza de ultima ratio, pois embora aceitando-se a existência da prisão como pena principal para os casos em que a gravidade dos crimes ou de certas formas de vida a impõem, afirma-se claramente que o recurso às penas privativas de liberdade só será legítimo quando, dadas as circunstâncias, se não mostrem adequadas as sanções não detentivas. Ao contrário do que acontece com a pena de prisão, atribui-se elevada potencialidade ressocializadora a essas medidas.

No caso presente, resultam demonstradas nos autos elevadas necessidades de prevenção geral, no sentido de repor a confiança dos cidadãos nas normas jurídicas violadas, garantindo-lhes a paz e a segurança necessárias à vivência societária, às quais acrescem elevadíssimas necessidades de prevenção especial, (…) sopesando os vastos antecedentes criminais que possuem, consubstanciados em várias condenações em penas de prisão efetiva, que já cumpriram no passado e cumprem atualmente, pela prática dos mesmos tipos de ilícito (crimes de burlas e falsificação), quer no que diz respeito ao Arguido AA.”

O arguido não confessou a prática dos factos nem mostrou arrependimento.

Como referiu o Ac. STJ de 21 de Junho de 2007, proc.º 07P2042, relator Simas Santos, in www.dgsi.pt:

“2 – Há arrependimento relevante quando o arguido mostre ter feito reflexão positiva sobre os factos ilícitos cometidos e propósito firme de, no futuro, inflectir na sua conduta anti-social, de modo a poder concluir-se pela probabilidade séria de não recair no crime. O arrependimento é um acto interior revelador de uma personalidade que rejeita o mal praticado e que permite um juízo de confiança no comportamento futuro do agente por forma a que, se vierem a deparar-se-lhe situações idênticas, não voltará a delinquir. Revela uma reinserção social, consumada ou prestes a consumar-se, pelo que as exigências de prevenção, na determinação da medida judicial da pena, são de diminuta relevância.”.

O Tribunal valorou todos os elementos e circunstâncias atenuantes e agravantes:

“742. A presente situação jurídico-penal tem sido vivida pelo arguido com algum constrangimento, mostrando-se preocupado com o seu desfecho.

743. Embora em termos abstratos denote uma atitude aparentemente crítica em relação ao desvalor das condutas criminais em questão e suas repercussões, em concreto, do discurso do Arguido AA sobressai uma manifesta atitude de negação dos factos e minimização da respetiva responsabilidade, considerando-se uma “vítima das circunstâncias”.

744. O arguido não demonstrou qualquer arrependimento e a sua postura é reveladora de uma falta absoluta de juízo de autocrítica e autocensura, bem como de total incapacidade de descentração.

745. O Arguido AA foi condenado no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 2913/13……, do Juízo Central Criminal de ….., Juiz …, por acórdão datado de 9 de fevereiro de 2017, transitado em julgado a 21 de fevereiro de 2018, pela prática de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1 als. a), b), d) e e) e n.º 3 do Código Penal, com referência ao art. 255.º, al. a) do mesmo diploma legal, e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art. 218.º, n.º 1 do Código Penal, na pena única de 270 dias de multa, à razão diária de € 10, num total de € 2.700, já julgada extinta pelo pagamento.

Ponderou ainda o tribunal a quo:

- O grau de ilicitude dos factos, que é muito elevado, sobretudo no que respeita ao Arguido AA, atendendo ao número de crimes cometidos - setenta - e ao vasto período temporal em que os mesmos se verificaram (anos de 2008 a 2010), mas também relativamente aos arguidos WW e VV, embora estejam em causa, quanto aos mesmos, um menor número de ilícitos criminais (quatro crimes de burla qualificada e quatro crimes de falsificação de documento, e dois crimes de falsificação de documento, respetivamente);

- O modo de execução dos mesmos, que pressupõe uma elevada energia criminosa e astúcia por parte do Arguido AA, se considerarmos todo o iter criminis por ele levado a cabo, tendo em vista o resultado final pretendido alcançar, ou seja, a obtenção de vantagens patrimoniais consideravelmente elevadas, superiores a um milhão de euros, e ilícitas, à custa de bens de terceiros, e que se consubstanciou, desde logo, na celebração de contratos de mútuo com instituições de crédito ou financeiras, em seu nome pessoal, da companheira e de amigos, abusando da assinatura destes últimos, sempre com o propósito de não liquidar a as respetivas prestações, seguida da extinção ilícita dos ónus e encargos registados sobre as viaturas automóveis financiadas e da sua subsequente venda a terceiros, com o consequente engano e prejuízo patrimonial destes últimos (sendo que o arguido VV interveio apenas na fase da desoneração ilícita dos veículos, e o arguido WW, essencialmente, nas extinções ilícitas dos ónus ou encargos e nas vendas subsequentes);

- A forte intensidade do dolo, manifestada no dolo direto, sendo de distinguir, na medida concreta da pena a aplicar a cada um dos crimes de falsificação, o número de documentos adulterados/falsificados, e/ou o número de assinaturas falsas constantes dos mesmos, bem como, no que se reporta aos crimes de burla, o número de ofendidos de cada um deles e o valor dos respetivos prejuízos patrimoniais sofridos;

- A elaboração da conduta dos arguidos, destacando-se o modus operandi do arguido VV no cometimento dos crimes de falsificação, mas também, e sobremaneira, a compulsividade das condutas empreendidas pelo Arguido AA, que em algumas situações não se coibiu de celebrar, no mesmo dia, dois contratos de mútuo por referência ao mesmo veículo automóvel, com falsificação das assinaturas dos mutuários, pessoas que eram suas amigas e que depositavam em si uma elevada confiança, violando, noutras situações, a relação de confiança que mantinha com as próprias instituições de crédito, que lhe permitiu a não transferência da propriedade automóvel e o não registo dos ónus e encargos decorrentes daqueles contratos, o que o arguido sabia não ser possível, face à existência de ónus anteriores;

- O montante elevado dos prejuízos causados pela conduta de cada um dos arguidos e na sua globalidade;

- As consequências económico-financeiras resultantes dos crimes cometidos pelo Arguido AA, não podendo esquecer-se que muitos dos ofendidos viram ser instauradas, contra si, várias ações executivas, resultantes do incumprimento de contratos de mútuo que na realidade não celebraram, algumas delas ainda pendentes e a aguardar o desfecho do presente processo, e o facto de o ofendido CC e a esposa terem sido, inclusivamente, declarados insolventes;

- As elevadas exigências de prevenção geral, alicerçadas no sentimento de insegurança gerado por este tipo de criminalidade, com consequências negativas para o comércio jurídico, não esquecendo que condutas como as perpetradas pelos arguidos têm ainda consequências negativas para a economia nacional e para o próprio Estado;

- As prementes exigências de prevenção especial relativamente aos arguidos AA, WW e VV, pelas considerações anteriormente efetuadas, mormente quanto aos vastos antecedentes criminais dos dois últimos e quanto à não assunção dos factos pelo primeiro;

- A situação pessoal, económica e familiar de cada um dos arguidos, dada como provada supra;

- A confissão integral do arguido VV, relativamente aos factos que lhe vinham imputados, bem como o seu contributo probatório relevante quanto aos demais, e o juízo de autocensura de que atualmente se mostra capaz;

- A não assunção dos factos por parte dos arguidos WW e AA (pois embora o primeiro os tenha admitido, em algumas das situações, pugnou pelo desconhecimento da sua ilicitude penal), e a ausência de demonstração de arrependimento, destacando-se, neste caso, a absoluta falta de juízo de autocrítica ou de autocensura e incapacidade de descentração e de reconhecimento da vítima por parte do Arguido AA, que desde o início do julgamento, e até ao seu final, apresentou uma postura de vitimização e desresponsabilização, sem qualquer pudor de nominar as pessoas que eram suas amigas de “mentirosas”, por um lado, e culpabilizando alguns dos seus coarguidos, nomeadamente o arguido WW, pelo seu envolvimento no presente processo judicial, circunstâncias que são bem reveladoras dos seus traços de personalidade.

São assim elevadas as exigências de prevenção especial positiva, por um lado e por outro lado, do ponto de vista da comunidade, elevadas são as exigências de exteriorização da reprovação e de prevenção.

Relativamente às exigências de prevenção especial, constata-se que as mesmas se revelam igualmente elevadas porquanto o arguido regista condenação crime, e não reparou o mal do crime não indemnizando e de forma cabal todos os queixosos. (…)

No que à determinação da medida concreta das penas de prisão diz respeito, mostra-se devidamente fundamentado o juízo formulado pelo Tribunal.

Face às circunstâncias dos factos, e às condições pessoais do arguido, nos termos do disposto nos art.ºs 40.º 70.º e 71.º todos do C.Penal, consideramos ser atenuar ligeiramente as penas aplicadas, dado o tempo decorrido desde a prática dos factos, e condenar o arguido por adequadas e equilibradas as seguintes penas parcelares (alterando assim as penas aplicadas na 1.ª instância) (…)”

46. O que acaba de se transcrever permite, desde já, responder negativamente às questões suscitadas nas conclusões 32 a 35 da motivação do recurso (pretensa nulidade do acórdão por falta de fundamentação para sustentar a pena única e alegada inconstitucionalidade das normas relativas à fundamentação quando interpretadas no sentido de que, em caso de concurso de crimes, não é obrigatória a determinação da pena única por referência aos critérios legais constantes do artigo 77.º do CP – supra, 11.1, 7 e 8).

47. Como tem sido repetido à exaustão, os recursos, enquanto “remédios jurídicos”, não têm por finalidade uma reapreciação do caso decidido na instância de julgamento e, em consequência, a obtenção de uma nova decisão que conheça do objeto do processo e que, em caso de aplicação de uma pena, substitua a sentença condenatória recorrida sujeita aos deveres de fundamentação diretamente impostos pelos artigos 374.º e 379.º do CPP, disposições que são aplicáveis aos acórdãos proferidos em recurso, com as adaptações devidas (“correspondentemente”, na formulação do n.º 5 do artigo 425.º do CPP).

A reapreciação da sentença condenatória por um tribunal superior, por via de recurso, visa apenas garantir, nos termos da Constituição (artigo 32.º, n.º 1), o direito de apreciação de alegados erros ou vícios dessa sentença, que devem ser identificados pelo recorrente em satisfação do ónus de especificação imposto pelo artigo 412.º do CPP, nos termos aí previstos, que, como já se afirmou, delimitam os poderes de cognição do tribunal de recurso. Uma decisão proferida em recurso tem por objeto a decisão recorrida; não tem por objeto imediato o objeto do processo. Daí que as exigências de fundamentação impostas pelos artigos 374.º e 379.º careçam de adaptação. Como se diz no acórdão de 21.2.2007, proc. 06P3932 (Oliveira Mendes), em www.dgsi.pt, “as exigências de fundamentação da sentença, prescritas no art. 374.°, n.º 2, do CPP, não são directamente aplicáveis aos acórdãos proferidos pelos tribunais superiores, por via de recurso, mas tão-só por via de aplicação correspondente do art. 379.°, ex vi art. 425.°, n.º 4, do mesmo diploma legal, razão pela qual aquelas decisões não são elaboradas nos precisos termos previstos para as sentenças proferidas em 1.ª instância (o que bem se percebe, visto que o seu objecto é a decisão recorrida e não directamente a apreciação do objecto do processo). Com efeito, os recursos não têm por finalidade a prolação de uma segunda ou nova decisão. Antes e tão só a sindicação da já proferida. Por isso, o tribunal de recurso está apenas obrigado a sindicar a decisão recorrida, verificando, grosso modo, se a prova foi legal e correctamente valorada e apreciada, (caso lhe tenha sido pedido e caiba nos seus poderes de cognição o reexame da matéria de facto) e se o direito foi bem aplicado; e caso entenda que a valoração e apreciação da prova se mostram correctas e que o direito foi bem aplicado, pode limitar-se a explicitar as razões pelas quais adere aos juízos de facto e de direito formulados pelo tribunal recorrido, ou seja, à decisão sob recurso”.

48. Vistos os termos da fundamentação transcrita, não se encontra motivo que possa justificar a alegação de nulidade ou irregularidade.

Respondendo às questões suscitadas no recurso, a Relação diminuiu as penas parcelares e, em consequência, teve que reformular o cúmulo jurídico, baixando a medida da pena única.

E fê-lo (supra, 42), começando por convocar o artigo 77.º, n.º 1 e 2, do CP, ou seja, o critério especial do n.º 1, que acresce ao critério geral do artigo 71.º, para determinação da medida concreta da pena, e o critério do n.º 2, que estabelece os termos de determinação da moldura abstrata. Explicou esses critérios, com recurso a doutrina e jurisprudência, transcreveu os motivos e circunstâncias tidas em conta no acórdão recorrido, com os quais manifestou concordância, e, considerando as circunstâncias dos factos, que descreve, os crimes cometidos, que especifica, a personalidade evidenciada nos factos, para que relevam as condições pessoais apuradas, a culpa e as necessidades de prevenção, baixou a pena única de 16 anos para 11 anos e 6 meses de prisão.

Poderá o recorrente discordar da decisão, mas não se pode dizer que o acórdão não está fundamentado, isto é, que não se identificam as razões pelas quais a Relação reduziu a medida da pena única.

49. Assim sendo, improcedem a alegada nulidade e a alegada irregularidade do acórdão.

Tal como improcede a invocação de inconstitucionalidade, pois que, em momento algum, o acórdão recorrido interpretou ou aplicou a norma extraída dos artigos 374.º, n.º 2, 375.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, alínea a), e artigo 425.º, n.º 4, do CPP, no sentido de que, “em caso de concurso de crimes, não é obrigatório, na decisão final proferida em processo penal, fundamentar a determinação da pena única por referência aos critérios legais constantes do artigo 77.º do CP”.

Resta, pois, conhecer das questões relacionadas com a fundamentação da determinação da medida da pena e com a pena aplicada.

50. Nos termos do artigo 40.º do Código Penal, que dispõe sobre as finalidades das penas, «a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade» e «em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa». A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita, nos termos do artigo 71.º, n.º 1, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), depuserem a favor do agente ou contra ele (n.º 2 do mesmo preceito), de enumeração não taxativa, o que deve constar da fundamentação (n.º 3).

Encontra este regime os seus fundamentos, como se tem reafirmado, no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, segundo o qual «a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos». A privação do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da Constituição), submete-se, assim, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade, adequação, que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins, e da proporcionalidade em sentido estrito, de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na “justa medida”, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva (cfr. Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, notas aos artigos 18.º e 27.º).

51. A projeção destes princípios na determinação da pena justifica-se pela necessidade de proteção do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora violada, em conformidade com um critério de proporcionalidade entre a gravidade da pena e a gravidade do facto praticado, na consideração das circunstâncias relacionadas com o facto praticado (facto ilícito típico) e com a personalidade do agente manifestada no facto, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (artigos 40.º e 71.º do Código Penal, cit.). A aplicação da pena exige que o agente do crime tenha agido com culpa, devendo ser censurado pela violação do dever de atuar de acordo com o direito, o que se requer como pressuposto e cujo grau se impõe como limite da pena (artigo 40.º, n.º 2).

Para a medida da gravidade da culpa há que, de acordo com o artigo 71.º, considerar os fatores reveladores da censurabilidade manifestada no facto nomeadamente, nos termos do n.º 2, os fatores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objetivo e subjetivo – indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) – e os fatores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os fatores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – fatores indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto).

Na consideração das finalidades de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes em vista da satisfação de exigências de prevenção geral – traduzida na proteção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança comunitária na norma violada – e, sobretudo, de prevenção especial, as quais permitem fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento, pelo agente, de novos crimes no futuro, e assim avaliar das suas necessidades de socialização. Incluem-se aqui as consequências não culposas do facto [alínea a), v.g. frequência de crimes de certo tipo, insegurança geral ou pavor causados por uma série de crimes particularmente graves], o comportamento anterior e posterior ao crime [alínea e), com destaque para os antecedentes criminais] e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [alínea f)]. O comportamento do agente [circunstâncias das alíneas e) e f)] adquire particular relevo para determinação da medida da pena em vista da satisfação das exigências de prevenção especial (retoma-se aqui o que repetidamente se tem afirmado em acórdãos anteriores – cfr., por todos, entre os mais recentes, o acórdão de 9.10.2019, Proc. 24/17.9JAPTM-E1.S1, em www.dgsi.pt, seguindo-se a doutrina mais autorizada, em particular, Anabela M. Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Os Critérios da Culpa e da Prevenção, Coimbra Editora, 2014, pp. 611-678, em especial, e Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2011, pp. 234-357).

52. Como se tem sublinhado (por todos, os acórdãos de 26.06.2019, Proc. 174/17.1PXLSB.L1.S1 e de 9.10.2019, Proc. 24/17.9JAPTM-E1.S1, em www.dgsi.pt), é na determinação da presença e na consideração destes fatores, que deve avaliar-se a gravidade da lesão do bem jurídico protegido pela norma incriminadora, concretizada na ação levada a efeito pelo arguido pela forma descrita nos factos provados, de modo a verificar se a pena aplicada respeita os mencionados critérios de adequação e proporcionalidade que devem pautar a sua aplicação. Há de ser a gravidade do facto, aferida pelo concurso das circunstâncias relevantes do artigo 71.º do Código Penal, que, a final, dentro dos limites mínimo e máximo da pena, servirá para definir os limites das necessidades de prevenção, em função da culpa revelada por essas circunstâncias, que se lhe impõe como limite. Devendo, por conseguinte, a operação de determinação da pena alhear-se de considerações de natureza geral pressupostas pelo legislador na identificação dos bens jurídicos protegidos, na construção dos tipos legais de crime e no estabelecimento das molduras das penas, assim se assegurando o respeito pelo princípio da proibição da dupla valoração de fatores relevantes para a determinação da medida da pena (como se observou, designadamente, no acórdão de 11.09.2019, proc. 1032/18.8JAPRT.S1, sumário em https://www.stj.pt/wpcontent/uploads/2020/04/criminal_sumarios _2019.pdf).

53. Nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, que estabelece as regras da punição do concurso de crimes (artigo 30.º, n.º 1), quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, na qual são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. O substrato da medida da pena única não pode bastar-se com os factos que constituem os elementos do tipo de ilícito ou do tipo de culpa (acórdãos de 9.10.2019, proc. 24/17.9JAPTM-E1.S1, cit. e de 27.02.2019, processo ECLI:PT:STJ:2019:186.05.8TASSB.S1.38). Impõe este critério que, na medida da pena, seja considerada a personalidade do agente manifestada no facto, em que se incluem, designadamente, as condições económicas e sociais deste, reveladoras das necessidades de socialização, a sensibilidade à pena, a suscetibilidade de por ela ser influenciado e as qualidades da personalidade manifestadas no facto, nomeadamente a falta de preparação para manter uma conduta lícita (Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª reimp., 2011, p. 248ss).

A pena única corresponde a uma pena conjunta resultante das penas correspondentes aos crimes em concurso segundo um princípio de cúmulo jurídico, seguindo-se o procedimento normal de determinação e escolha das penas a partir das quais se obtém a moldura penal do concurso, formada, no seu mínimo, pela mais elevada das penas aplicadas aos crimes em concurso e, no seu máximo, pela soma das penas aplicadas a esses crimes, sem ultrapassar 25 anos de prisão (n.º 2 do artigo 77.º), de acordo com os critérios da culpa e da prevenção (artigo 71.º) e aquele critério especial fixado na segunda parte do n.º 1 do artigo 77.º, in fine (cfr. Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2013, p. 56).

A sentença que aplica a pena única deve respeitar os requisitos de fundamentação exigidos pelo n.º 2 do artigo 374.º e pelo n.º 1 do artigo 375.º do CPP, incluindo a descrição dos factos provados praticados pelo arguido, que devem ser considerados no seu conjunto, com particular atenção aos elementos relevantes para o conhecimento da personalidade deste, projetada e manifestada no facto ilícito típico praticado, tendo em conta o critério especial de determinação da pena estabelecido na parte final do n.º 1 do artigo 77.º do Código Penal (como se tem insistido em jurisprudência reiterada deste tribunal – cfr., por todos, o acórdão de 6.11.2019, proc, 1960/18.0T8VCT.S2, citando, nomeadamente, os acórdãos de 17.12.2015, proc. 520/13.7PCRGR.L1.S1, e de 18.09.2013, no proc. 968/07.6JAPRT-A.S1, em www.dgsi.pt).

Recordando jurisprudência constante deste Supremo Tribunal e o que se consignou no acórdão de 27.02.2019, citando-se os acórdãos de 06-02-2008 (Proc. n.º 4454/07), de 14.07.2016 e de 17.06.2015 [Proc. 4403/00.2TDLSB.S1 (Pires da Graça), e 488/11.4GALNH (Maia Costa), em www.dgsi.pt], com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também, e especialmente, pelo seu conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento do agente; importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre eles, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso. «Há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido, de modo a surpreenderem-se, ou não, conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através de uma visão ou imagem global do facto, encarado na sua dimensão e expressão global, tendo em conta o que ressalta do contexto factual narrado e atender ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projeção nos crimes praticados»; «há que proceder a uma ponderação da personalidade do agente e correlação desta com os concretos factos ajuizados, a uma análise da função e da interdependência entre os dois elementos do binómio, não sendo despicienda a consideração da natureza dos crimes em causa, da verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados»; tudo isto «tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto de factos praticados é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma “carreira”, ou se, diversamente, a repetição comportamental dos valores estabelecidos emergirá antes e apenas de fatores meramente ocasionais» [cfr. acórdão de 27.2.2019, Proc. 1960/18.0T8VCT.S1, em www.stj.pt/wp-ontent/uploads/2019/06/ criminal _sumarios_fevereiro_2019.pdf, retomando-se o que se afirmou no acórdão de 21.11.2018, ECLI:PT:STJ:2018:114.14.0JACBR.A.S1.73, citando-se os acórdãos de 06-02-2008 (Proc. n.º 4454/07), de 14.07.2016 e de 17.06.2015 (Proc. 4403/00.2TDLSB.S1) (Pires da Graça) e 488/11.4GALNH (Maia Costa), em www.dgsi.pt]. acórdão de 18.1.2012, Proc. 34/05.9PAVNG.S1 (Raul Borges)].

Citando Figueiredo Dias (ob. cit., p. 291): «Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido a atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta».

É o conjunto dos factos descritos na sentença que evidencia a gravidade do ilícito perpetrado, sendo decisiva, para a sua avaliação, a conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos que constituem os tipos de crime em concurso.

«A personalidade do agente – se bem que não a personalidade no seu todo, mas só a personalidade manifestada no facto», como adverte Figueiredo Dias (op. cit. p. 248) – «é um factor da mais elevada importância para a medida da pena e que para ela releva, tando pela via da culpa como pela via da prevenção».

54. Em síntese, diz o arguido que a pena conjunta nunca poderia ser fixada em 11 anos e 6 meses de prisão, pois que não poderiam ser valoradas condenações posteriores à prática dos crimes em causa nestes autos, o “registo criminal” havia já sido considerado para efeitos de determinação das penas parcelares e ao ser valorado para a pena única foi violada a proibição da dupla valoração, a decisão recorrida errou na avaliação da personalidade do arguido e na análise global dos factos, os factos não são reconduzíveis a uma tendência ou a uma (inexistente) carreira criminosa, pelo que à pluralidade de crimes não pode ser atribuído um efeito agravante (supra, 11,1, 25).

55. Não é exato o que se afirma quanto à consideração de “condenações posteriores” e do “registo criminal”. Como se vê do texto do acórdão recorrido, aí se refere que “embora posterior aos factos em apreciação e consubstanciado na condenação numa pena de multa”, os factos só foram considerados por serem “crimes da mesma natureza e temporalmente contemporâneos dos que ora se apreciam”. E, sendo “contemporâneos” de factos que se sucedem num período de tempo de cerca de três anos, poderiam e deveriam ser considerados para efeitos de ponderação da circunstância prevista na al. e) do n.º 2 do artigo 71.º do CP (conduta anterior e posterior ao facto).

A consideração deste facto não viola o princípio da proibição da dupla valoração (infra, 57, parte final). Pelo contrário, como anteriormente se afirmou, a determinação da pena única obedece aos critérios gerais de determinação da pena (artigo 71.º), em que se deve incluir esse facto, acrescidos da ponderação do critério especial do artigo 77.º (consideração dos factos no seu conjunto, nas suas circunstâncias, em que se incluem as que revelam a personalidade do agente manifestada nesses factos).

56. Quanto ao relevo concedido ao número de crimes praticados, o acórdão da Relação, em concordância com o decidido em 1.ª instância, considerou que “o conjunto destas condutas criminosas, conjugado com o ‘registo criminal’ (…) e aliado, ainda, à ponderação do desvalor global dos ilícitos praticados, no que avulta a circunstância de o arguido (…) ter cometido setenta crimes, demonstram já uma personalidade com manifesta tendência para a prática de crimes, bastante diversa da pluriocasionalidade, e absolutamente indiferente aos valores tutelados pelas normas jurídicas violadas e à ameaça das respetivas sanções, o que inculca uma elevação do grau das exigências de prevenção especial e do limite da culpa”.

A atividade criminosa documentada nos autos (vd. factos provados), que se traduziu na prática destes setenta crimes, “conexionados entre si”, nomeadamente através dos crimes de falsificação necessários à prática dos crimes de burla, “formando um complexo delituoso de acentuada gravidade” (na expressão usada pelo Ministério Público), através do “mesmo padrão de atuação, com vista à obtenção das vantagens patrimoniais indevidas, à custa do património de terceiros” (como salienta o acórdão recorrido), desenvolveu-se num período temporal que decorreu sobretudo entre 2008 e 2010, durante cerca de três anos, de modo reiterado, causando elevados prejuízos aos ofendidos, com quem, nos seus negócios, tinha criado relações de confiança, o que permitiu, fundadamente, construir a conclusão da Relação quanto à personalidade do agente manifestada nos factos, não se encontrando fundamento nos factos provados que permitam afastar o juízo formulado no acórdão recorrido.

57. A relevância do arrependimento, que vem questionada no recurso, em termos de constitucionalidade (supra, 11.1, 23), de reduzido valor, em si mesmo, há de averiguar-se em função do comportamento posterior ao crime, no sentido de reparação ou atenuação das suas consequências (al. e) do n.º 2 do artigo 72.º do CP, nomeadamente), enquanto manifestação da personalidade projetada no facto (artigo 77.º, n.º 1, do CP); não ocorrendo facto relevante, não pode este fator ser valorado positivamente. Embora valorado negativamente nas instâncias, na perspetiva do seu comportamento processual, o que não merece censura, a sua não consideração nesta perspetiva não adquiriria suficiente densidade no sentido de justificar intervenção corretiva da pena aplicada, no sentido da sua diminuição.

Para além disso, as condições pessoais e sócio-económicas do arguido descritas na matéria de facto provada, enquanto elemento relevante para avaliação da personalidade manifestada nos factos, que, no essencial, caraterizam a situação do arguido que o colocou em posição de praticar os factos por que vem condenado, também não contêm a virtualidade de militarem a seu favor, na perspetiva das exigências de prevenção especial.

A consideração, para a determinação da pena única, dos fatores tidos em conta para efeitos das penas parcelares não viola o princípio da proibição da dupla valoração, na medida em que se encontram referidos ao conjunto dos factos praticados. Citando Figueiredo Dias (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, cit., p. 292) e, como observa o Ministério Público, em princípio tais factores não deverão ser considerados; porém o que “à primeira vista possa parecer o mesmo factor concreto, verdadeiramente não o será consoante seja referido a um dos factos singulares ou ao conjunto deles: nesta medida não haverá razão para invocar a proibição de dupla valoração”.

58. Em consequência, não pode considerar-se justificada a afirmação do recorrente de que a decisão recorrida errou na avaliação da personalidade do arguido e na análise global dos factos, para efeitos do disposto no artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, sendo que nos factos relativos às condições pessoais e às condições sócio-económicas, de relevo para este efeito, não se encontram elementos que permitam contrariar a conclusão obtida.

59. Finalmente, considera o recorrente que, tendo em atenção os critérios legais de determinação e as circunstâncias do caso, nomeadamente as que, a seu ver, concorrem para a diminuição da culpa, a pena única conjunta deverá aproximar-se do limite mínimo da moldura abstrata dessa pena, ou seja, 4 anos de prisão, suspendendo-se a sua execução, nos termos do disposto no artigo 50.º, n.º 1, do CP (supra, 11.1, 26).

Tendo em conta o critério do n.º 2 do artigo 77.º do CP, a moldura da pena aplicável ao concurso de crimes fixa-se no mínimo de 4 anos de prisão, por ser a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso (crimes indicados em 10, 11, 19, 27 e 28, supra, 1), e no máximo de 25 anos, por a soma das penas aplicadas ser superior a este limite.

Como anteriormente se referiu, na presença da matéria de facto dada como provada, não se encontra fundamento de particular relevo que deva ser ponderado para efeitos da diminuição da pena aplicada.

Na ponderação levada a efeito pelas instâncias não se evidencia erro de avaliação dos fatores de determinação da pena única evidenciados pelas circunstâncias a que se refere o artigo 71.º do Código Penal ou de erro na avaliação conjunta dos factos e da personalidade, nos termos do artigo 77.º.

São, pois, como consideraram as instâncias, muito elevados o grau de culpa e as exigências de prevenção, revelados pelas circunstâncias mencionadas, a ter em consideração, sem ultrapassar a medida da culpa (artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal).

Tendo em conta a moldura da pena abstratamente aplicável, não se surpreendem elementos que, na definição do substrato de facto, permitam constituir base de um juízo de discordância relativamente à pena aplicada, de 11 anos e 6 meses de prisão, a justificar uma intervenção corretiva. Sendo esta pena de prisão de medida superior a 5 anos, não há que considerar a pretendida suspensão de execução (artigo 50.º, n.º 1, do CP).

Assim, não se verificando motivo que permita concluir pela violação do princípio de adequação e proporcionalidade que constitucionalmente se impõe na determinação das penas (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição), improcede o recurso nesta parte.

Quanto a custas e sanções processuais

60. Nos termos do disposto no artigo 513.º do CPP (responsabilidade do arguido por custas), só há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso. A taxa de justiça é fixada entre 5 e 10 UC, tendo em conta a complexidade do recurso, de acordo com a tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

De acordo com o disposto no artigo 420.º, n.º 3, do CPP, se o recurso for rejeitado, o tribunal condena o recorrente, se não for o Ministério Público, ao pagamento de uma importância entre 3 UC e 10 UC.

III. Decisão

61. Pelo exposto, acordam os juízes na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em:

a) Rejeitar o recurso na parte que respeita a todas as questões suscitadas quanto aos crimes e às penas aplicadas pela prática de cada um dos crimes por que vem condenado;

b) Julgar improcedente o recurso na parte respeitante à determinação e aplicação da pena única;

c) Rejeitar os recursos relativos às decisões quanto aos pedidos de indemnização civil;

e) Condenar o recorrente em custas, fixando a taxa de justiça em 8 UC;

f) Condenar o recorrente na importância de 6 UC nos termos do artigo 420.º, n.º 3, do CPP.


Supremo Tribunal de Justiça, 2 de dezembro de 2021


José Luís Lopes da Mota (reltor)

Maria da Conceição Simão Gomes