Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B1296
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: ACÇÃO DE REGRESSO
AVAL
AVALISTA
EXTENSÃO DO CASO JULGADO
FIANÇA
GARANTIA DAS OBRIGAÇÕES
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
LIVRANÇA
Nº do Documento: SJ200711150012967
Data do Acordão: 11/15/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Sumário :
1. Não é inepta a petição inicial, por ininteligibilidade da causa de pedir, quando a causa de pedir alegada é insuficiente para fundamentar o pedido; em tal caso, a consequência é a improcedência da acção;
2. Também não é inepta a petição inicial que se apresenta como ininteligível quando se verifica, pela contestação, que o réu compreendeu o que o autor pretende e por que fundamento;
3. Não regulando a Lei Uniforme sobre Letras e Livranças as relações entre os co-avalistas, no caso de apenas um ou parte deles terem pago a livrança que todos avalizaram, deve recorrer-se, para o efeito, às regras definidas pelo Código Civil para a pluralidade de fiadores, não obstante as diferenças existentes entre a fiança e o aval;
4. Assim, o co-avalista que pagou quantia superior à que lhe cabia tem o direito de reaver dos restantes avalistas a parte que a cada um compete, que se presume ser igual para todos;
5. Tal direito apenas existe em relação aos co-avalistas que avalizaram a mesma livrança, não se estendendo, nomeadamente, aos subscritores de um “Termo de Fiança Geral” de todas as dívidas que a sociedade de que são sócios tenha ou venha a ter em relação a determinado Banco que não tenham, igualmente, avalizado aquela mesma livrança, ainda que esteja em causa uma dívida anterior à subscrição do termo de fiança;
6. O respeito pelo caso julgado formado pelo acórdão da Relação que condenou alguns dos outros sócios, não avalistas da referida livrança, no pagamento de parte do que o avalista pagou, e que não estão abrangidos pelo recurso de revista, por ter sido julgado extemporâneo o recurso que interpuseram, obriga a subtrair o montante correspondente ao valor a repartir pelos co-avalistas e, consequentemente, a quantia que aquele avalista pode reaver.
Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. Em 3 de Novembro de 1997, AA instaurou no Tribunal Judicial da Comarca de Loures uma acção de regresso contra Empresa-A, Importação e Comércio de Produtos Alimentares, Lda, BB, CC e mulher, DD, e EE e marido, FF, pedindo a sua condenação no pagamento de 10.845.833$00, acrescida de juros vincendos contados desde a data da propositura da acção até integral pagamento.
Para o efeito, alegou serem os segundo réu e os réus seguintes sócios da primeira ré, ter cedido aos últimos, em Outubro de 1992, as quotas que detinha na sociedade Empresa-A, a cuja gerência então renunciou, e ter pago em Maio de 1996 ao Banco Espírito Santo, na sua qualidade de avalista – tal como eram os actuais sócios, sendo essa a razão pela qual vem exercer o seu direito de regresso através desta acção –, a quantia de 9.500.000$00, à qual se devem desde logo somar os juros até então vencidos, no montante de 1.345.833$00.
Conforme explicou, em Maio de 1991 foi concedida “pelo Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, agência de ...” à Empresa-A, Lda, “uma linha de crédito até 15.000.000$00”; esse crédito foi caucionado, tendo sido igualmente prestada “uma garantia bancária no valor de 10.532.581$00, recorrendo-se a livranças”, avalizadas pelo autor e pelo segundo réu (junta fotocópias de duas livranças, uma emitida em 22 de Maio de 1991, relativa a uma “operação de facilidade de crédito em conta corrente caucionada de esc. 15.000$00” e outra, emitida em 24 de Fevereiro de 1993, correspondente a uma “garantia bancária nº 202142 de esc. 10.532.581$00”); e disse ainda que “complementarmente, na caução do crédito concedido de 15.000.000$00, foram os sócios da Empresa-A, Lda., ora RR, avalistas do mesmo” (junta fotocópia de uma livrança emitida também em 24 de Fevereiro de 1003 “para caução de facilidade de crédito em c/ corrente caucionada esc 15.000.000$00”.
Diz ainda que, após a cessação da sua gerência, a sociedade deixou de cumprir os compromissos assumidos com o Banco, motivo que o levou a chamar “o A. (…), na sua qualidade de avalista”, e a desembolsar, “em Maio de 1996, (…) a quantia de 9.5000.000$00 que agora pretende reaver dos RR.”..
Em 27 de Fevereiro de 1998, veio contestar o réu BB. Em primeiro lugar, sustentou que a petição inicial era inepta, por ininteligibilidade da causa de pedir, razão que deveria conduzir à sua absolvição da instância; em segundo lugar, e para o caso de assim se não entender, defendeu que a acção deveria ser julgada apenas parcialmente procedente, porque, caso o autor viesse a demonstrar ser titular do direito de regresso que invocava, nos termos que delimitou, apenas lhe poderia ser exigido o pagamento de 1/5 de 4.450.757$00 (890.151$40), por ser esse o montante que restava pagar da “linha de crédito referida no artigo 3º da douta p. i.”, tendo aliás sido emitida uma segunda livrança nesse valor, datada de 24 de Fevereiro de 1993, para substituir a primeira (a que foi emitida em 22 de Maio de 1991), que já não subsistia.
Em 4 de Junho de 1998, contestou a ré DD. Sustentou igualmente a ineptidão da petição inicial, por ininteligibilidade da causa de pedir, e disse ainda: nunca ter sido sócia da Empresa-A, a cuja actividade sempre foi alheia, mas ser apenas casada com o sócio CC, de quem se encontrava separada de facto; nunca ter intervindo, juntamente com o marido, em nenhuma das livranças indicadas pelo autor na petição inicial; apenas ter prestado aval, com seu marido, relativamente a uma dada livrança, subscrita em 24 de Fevereiro de 1993, mas ter negociado com o Banco credor a extinção da sua responsabilidade, mediante o pagamento de 500.000$00, em 24 de Julho de 1997. Concluiu pedindo a sua absolvição da instância e do pedido.
A 9 de Fevereiro de 2000, a fls. 127, o autor, invocando “os prejuízos da morosidade na citação de todos os RR”, e o aumento do risco de não vir a ser ressarcido em virtude do decurso do tempo, veio desistir da instância relativamente aos réus ainda não citados: Empresa-A, Importação e Comércio de Produtos Alimentares, Lda., CC e EE e marido, FF. A desistência foi homologada a fls. 129, e a instância foi julgada extinta quanto a estes quatro réus.
Em 22 de Março de 2000, a fls. 132, o réu BB requereu a intervenção principal provocada destes mesmos quatro réus, intervenção que veio a ser admitida pelo despacho de fls. 152, apesar da oposição do autor (a fls. 141, juntamente com a réplica oposta à contestação de BB).
A fls. 147, o autor replicou quanto à contestação de DD.
A fls. 231, contestaram os réus EE e FF. Igualmente afirmaram ser a petição inicial inepta por ininteligibilidade da causa de pedir e concluíram que, a não serem absolvidos da instância, deveriam ser absolvidos do pedido, “já que nem o A. é avalista de qualquer livrança subscrita pelos ora contestantes, nem estes são avalistas ou subscritores de qualquer livrança subscrita ou avalizada pelo A.”. A fls. 253, o autor apresentou a correspondente réplica.

2. A 12 de Março de 2002, a fls. 262, foi proferido despacho saneador, que absolveu os réus da instância, com o fundamento de que “tal como o autor estrutura a sua petição inicial, resulta, a nosso ver, ininteligível a indicação da causa de pedir da presente acção”.
Inconformado, o autor interpôs recurso, que foi recebido como agravo com subida imediata e efeito suspensivo, e que veio a ser julgado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de Fevereiro de 2003, de fls. 324, que lhe concedeu provimento e determinou a substituição do “despacho recorrido (…) por outro que ordene o normal prosseguimento da acção.”
Para o efeito, o acórdão da Relação de Lisboa, considerando que “a circunstância de a causa de pedir não ser bastante para fundamentar o pedido não gera necessariamente a ineptidão da petição, conduzindo antes à improcedência da acção”, e aplicando o nº 3 do artigo 193º do Código de Processo Civil, considerou que das contestações apresentadas se verifica “claramente que os RR sabem o que o autor pretende e quais os fundamentos invocados, embora com eles não concordem”.
Esta decisão foi confirmada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Outubro de 2003, de fls. 352, que, citando o Assento do mesmo Supremo Tribunal de 26 de Maio de 1995 e o nº 2 do artigo 193º do Código de Processo Civil, bem como o poder-dever conferido ao juiz pelo artigo 508º, nº 1, b) e c) do mesmo diploma, considerou, não só que os réus haviam entendido “o que o autor pretende e quais os fundamentos invocados”, mas também que o autor tinha replicado, “esclarecendo o que alegara na petição inicial, em ampliação fáctica da causa de pedir”.

3. Prosseguindo a acção, foi elaborado o despacho saneador, com a lista de factos assentes e a base instrutória (cfr. fls. 363); produzida a prova, procedeu-se ao julgamento da matéria de facto, constante de fls. 440 e segs.
A 15 de Setembro de 2005, a fls. 470, foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré Empresa-A a pagar ao autor a quantia, em euros, correspondente a 9.500.000$00, acrescida de juros, e “cada um dos réus BB, CC e mulher e EE e marido a pagar ao autor (...) a quarta parte de 9.500.000$00”, e os correspondentes juros, “pagamento que o autor poderá exigir uma vez excutidos os bens da ré ‘Empresa-A, L.da’ sem que obtenha a integral satisfação do seu crédito”.
Recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa BB e DD, em recursos autónomos. Igualmente recorreram EE e marido, mas o seu recurso não foi admitido, por extemporaneidade (despacho de fls. 514).
Por acórdão de 17 de Junho de 2006, de fls. 577, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedente a apelação interposta por BB, condenando-o a pagar ao autor a quantia de 4.500.000$00, “acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, sem prejuízo do demais decidido na sentença da 1ª Instância”, e procedente a apelação interposta por DD, que foi absolvida do pedido.
Para o efeito, a Relação entendeu que ocorria “uma manifesta confusão na interpretação da matéria de facto dada como provada, sendo que esta constitui um dos fundamentos em que se baseiam os dois recursos interpostos.
Com efeito, contrariamente ao afirmado por ambos os Apelantes, não há qualquer dúvida sobre a origem dos montantes liquidados pelo Autor/Apelado junto do BESCL, e/ou em que qualidade aquele os satisfez.
Em 22 de Maio de 1991 o Autor/Apelado, na qualidade de sócio-gerente da 1ª Ré, Empresa-A – Importação e Comércio de Produtos Alimentares, Lda, deu o seu aval àquela firma numa livrança, em que a data de vencimento e o respectivo montante se encontravam em branco, para garantia do crédito em conta corrente até ao montante de Pte. 15.000.000$00, concedido por aquela entidade bancária à 1ª Ré. Neste mesmo título também o 2° Réu/Apelante, BB, deu o seu aval à 1ª Ré, Empresa-A, Lda (Pontos 4 e 5 dos Factos Provados).
O Autor/Apelado, bem como o 2° Réu/Apelante, deram ainda os seus avales à 1ª Ré Empresa-A, Lda, numa outra livrança, em que foi aposto o dia 24 de Fevereiro de 1993, como data de emissão, tendo a data de vencimento e quantia em dívida ficado em branco, respeitante à garantia bancária nº 202142, prestada pelo BESCL, por conta da 1ª Ré, e a favor da Alfândega do Porto, no montante de Pte. 10.532.581$00 (Ponto 6 dos Factos Provados e documento junto a fls. 144 dos autos).
Em Outubro de 1995 o BESCL fez valer, junto do Autor/Apelado, as garantias decorrentes dos avales prestados à 1ª Ré, Empresa-A, Lda (Ponto 8 dos Factos Provados).
Em finais de 1995 as contas correntes caucionadas resultantes da disponibilização de crédito à 1ª Ré, Empresa-A, Lda, apresentavam um saldo devedor de cerca de Pte. 20.000.000$00 (Ponto 16 dos Factos Provados). Neste montante estavam, pois, englobadas, quer as duas livranças já acima mencionadas, avalizadas pelo Autor e pelo 2° Réu, quer as demais responsabilidades que foram garantidas por outros títulos e fianças prestadas pelos demais RR. demandados nesta acção.
O Autor propôs ao BESCL, para liquidação da sua responsabilidade resultante do aval prestado na primeira das livranças em apreciação, o pagamento da quantia de Pte. 9.500.000$00, que este aceitou e que veio a ser pago em Maio de 1996 (Pontos 9 e 17 dos Factos Provados).
Tendo, assim, o crédito da conta corrente de Pte. 15.000.000$00, datada de Maio de 1991, passado a apresentar em Março de 1996, um crédito a favor do BESCL, de Pte. 3.996.000$00 (Pontos 4, 10 e 11 dos Factos Provados).
Conclui-se, pois, que o pagamento realizado pelo Autor circunscreveu-se às responsabilidades que o mesmo assumiu, na qualidade de avalista da 1ª Ré, Empresa-A, Lda, consubstanciado no aval que prestou na primeira das livranças acima mencionadas e na qual também o 2° Réu/Apelante, BB tinha dado o seu aval. Aliás, para tal bastaria atentar-se na redacção da carta enviada pelo BESCL ao Autor, datada de 22 de Maio de 1996 e junta a fls. 144 dos autos, onde expressamente se refere: «Confirmamos a aceitação da sua proposta quanto ao pagamento de Pte. 9.500.000$00, por conta do seu aval à firma Empresa-A, Lda ( ... ) uma vez que se encontra cumprido ( ... ) este Banco declara que anda mais lhe exigirá ( ... ) no que se refere às mesmas responsabilidades. Relativamente ao eventual cumprimento de uma garantia de Pte. 10.532.581$00 (...) apenas voltaremos à sua presença solicitando-lhe o pagamento de 1/2 do montante que vier a ser reclamado pelo beneficiário, se, de facto, o BES vier a ser chamado a honrá-la».
Importa, por outro lado, ter presente que o Autor não deu o seu aval na livrança mencionada no ponto 7 dos Factos Provados nem o valor deste título foi incluído nas responsabilidades liquidadas junto do BESCL, conforme resulta dos factos acima mencionados e decorre linearmente do ponto 8 dos Factos Provados, sendo certo que apenas neste último título é que foram postos os avales dos demais RR. aqui demandados.
Tratando-se, como se trata, de um direito de regresso entre devedores com base em avales prestados, apenas pode ser considerada a responsabilidade do 2º Réu, BB, único a avalizar, juntamente com o ora Autor, a primeira das livranças mencionadas.
Todos os demais RR., enquanto avalistas na terceira livrança, emitida em garantia de um crédito em conta corrente até ao montante de Pte. 15.000.000$00, com data de emissão de 24 de Fevereiro de 1993, e com o montante e data de vencimento em branco, mencionada no Ponto 7 dos Factos Provados, continuam individualmente responsáveis pela sua satisfação, sendo que tal responsabilidade se encontrava delimitada a Pte. 4.950.757$00, em 09 de Julho de 1997 (Pontos 7, 12, 13, 14 e 15 dos Factos Provados). Trata-se, porém, de questão que não tem de ser apreciada e decidida neste processo uma vez que também este título não foi objecto de pagamento pelo Autor. Assim, não há lugar à apreciação da natureza dos pagamentos efectuados pela Apelante DD junto do BESCL, porque reportados a esta terceira livrança.
Do exposto resulta que, com base na responsabilidade entre avalistas, apenas ao Réu BB pode o Autor pedir o pagamento de metade da quantia por si desembolsada, ou seja, o correspondente a metade de Pte. 9.500.000$00, uma vez que se aplicam às relações entre co-avalistas as regras próprias da fiança e, no presente caso, sendo dois os avalistas, a responsabilidade entre ambos sempre se teria de confinar à razão de metade para cada um deles, sem prejuízo do direito de regresso que cada um deles tem, pela totalidade do que satisfizerem, perante a 1ª Ré, conforme já foi decidido pela 1ª Instância e transitou já em julgado – arts. 650°/1, 524º e 516º do CC.
No entanto, em 22 de Fevereiro de 1993, todos os RR. demandados nesta acção – com excepção da 1ª Ré – assumiram pessoalmente perante o BESCL, através da subscrição do Termo de Fiança Geral junto aos autos, «( ... ) todas as responsabilidades que os mesmos Empresa-A – Importação e Comércio de Produtos Alimentares, Lda, tenham ou venham a ter para com o dito Banco, seja qual for a proveniência do título e por isso obrigamo-nos solidariamente com os nossos afiançados a pagar tudo o que, em consequência de tais responsabilidades, for ou vier a ser devido ao referido Banco, com expressa renúncia aos benefícios de excussão e de divisão que, de qualquer modo, possa restringir ou anular os efeitos desta obrigação, que é estipulada sob as mesmas condições inerentes às responsabilidades assim garantidas ( ... )».
(…) Esta assumpção de responsabilidade por parte de todos os RR., pelas dívidas da 1ª Ré perante o BESCL, abrange todas e quaisquer obrigações daquela Ré, nomeadamente, aquelas que foram satisfeitas pelo ora Autor e que, note-se, não subscreveu aquele Termo de Fiança Geral, até porque, àquela data, já não era sócio da 1ª Ré (Pontos 1,2 e 3 dos Factos Provados).
No entanto, ao proceder ao pagamento da mencionada quantia de Pte. 9.500.000$00, o Autor acabou por satisfazer uma dívida que teve por base a garantia do aval que prestou, juntamente com o 2° Réu, junto do BESCL e não, o cumprimento de uma obrigação assumida com base no referido Termo de Fiança em relação ao qual, conforme já foi referido, é um terceiro. Este termo constitui para o BESCL mais uma garantia de que dispõe para satisfazer o cumprimento das obrigações da 1ª Ré, garantia essa que não é extensível ao Autor e, nessa medida, não lhe permite o exercício de qualquer direito de regresso contra os fiadores ali inscritos.
Assim, conforme já antes se afirmou, apenas ao 2° Réu pode o Autor pedir o ressarcimento de parte da quantia por si liquidada junto do BESCL com base no aval por ambos prestado na primeira das livranças mencionadas nos autos, não dispondo de qualquer título para poder demandar os demais RR.(…).
A sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância fez já caso julgado em relação aos vários RR. que da mesma não recorreram, sendo certo que os recursos de Apelação interpostos não encontram cobertura no disposto no art. 683º do CPC e, nessa medida, a decisão proferida por este Tribunal de recurso não pode beneficiar os não recorrentes.”

4. Inconformados, recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça o réu BB e, apenas na parte em que a Relação deu provimento ao recurso interposto por DD, também o autor, AA. Este último recurso veio, todavia, a ser julgado deserto, pelo despacho de 22 de Fevereiro de 2007, de fls. 674.
Nas alegações então apresentadas, BB formulou as seguintes conclusões:
“1 - Entendeu o Tribunal de 1ª Instância que existiam duas contas correntes caucionadas em nome da Empresa-A, Lda., apresentado uma, em Outubro de 1995, um saldo devedor de 3.996.000$00 e outra um saldo devedor de 15.000.000$00, a que acresciam juros e que, deste valor global de cerca de 20.000.000$00, o autor propôs ao BESCL o pagamento de 9.500.000$00, que este aceitou.
2 - Sucede, porém, que o próprio autor não avalizou a segunda livrança, pelo que em caso algum pode estar em causa o cumprimento de responsabilidades que dela dimanem.
(…) 5 - Para o autor demonstrar o seu alegado direito de regresso, seria necessário que o mesmo demonstrasse, pelo menos:
1. de que concretas garantias bancárias que tinham em seu poder lançaram mão as entidades bancárias;
2. que concreta situação foi o autor chamado a repor na qualidade de avalista;
3. a que respeita, em concreto, a quantia de 9.500.000$00 de que o autor foi desembolsado em Maio de 1996.
5 - A tese propugnada no douto acórdão recorrido também não parece fazer qualquer sentido.
6 - A interpretação que o Tribunal da Relação faz da prova produzida nos autos é a seguinte: o pagamento que o Autor, ora Recorrido, fez ao BESCL apenas diz respeito à 1ª livrança (que o próprio Autor e o Réu, ora Recorrente, avalizaram). E para o sustentar, diz o douto acórdão: tanto assim é que, após o pagamento dos 9.500.000$00, o crédito a favor do BESCL relativo a esta livrança era de apenas 3.996.000$00 (a livrança titulava inicialmente uma obrigação de 15.000$00).
7 - Ora, o pagamento do valor de 9.500.000$00 pelo Autor, ora Recorrido, ocorreu já após a notícia de que remanescia um crédito do BESCL, no que à 1ª livrança diz respeito, de 3.996.000$00 (…).
8 - Ora, se em Março de 1996 o crédito do BESCL sobre a Empresa-A, relativo à 1ª livrança avalizada, era de apenas 3.996.000$00 – como do próprio acórdão resulta – como pode o Recorrido ter pago, dois meses depois, 9.500.000$00 por conta desta livrança?! É impossível!
9 - Não se trata – assim – da dívida relativa à primeira livrança, pois que tal dívida, à data do pagamento efectuado pelo Autor, ora Recorrido, era de apenas 3. 996.000$00.
10 - Não se tratará certamente também da dívida relativa à livrança datada de Fevereiro de 1993, pois que essa sequer foi avalizada pelo Autor ora Recorrido.
11 - O douto acórdão deveria ter revogado a sentença que condenou todos os réus no pedido formulado, por permanecer desconhecida a dívida que esteve na origem do pagamento efectuado pelo Autor.
12 - Não logrou o autor provar a que título procedeu ao pagamento do valor de 9.500.000$00, facto que, salvo o devido respeito por opinião contrária, é absolutamente fundamental para que o autor possa fazer valer o seu alegado direito de regresso.
13 - Mesmo que assim se não entenda e se considere irrelevante a origem do referido pagamento – o que sequer se admite e apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio – sempre a decisão assumida pelo Tribunal de 1ª Instância haveria de ser alterada e em sentido diferente do assumido pelo Tribunal da Relação.
14 - Foram os réus avalistas condenados a pagar – cada um – uma quarta parte do valor de 9.500.000$00, nos seguintes termos:
. BB condenado a pagar 1/4
. CC e mulher condenados a pagar 1/4
. EE e marido condenados a pagar 1/4
15 - Sendo seis os avalistas das duas livranças (nos termos considerados pelo Tribunal) e tendo sido todos eles, à excepção do autor, demandados pela presente acção, que sentido faz que os réus avalistas sejam condenados na quarta parte do valor de 9.500.000$00 e não na sexta parte do mesmo valor?
(…) 18 - Nos termos do disposto no artigo 524º do Código Civil, o devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete.
19 - O réu, ora recorrente, não pode ser condenado em montante superior à sua quota de responsabilidade no crédito.
20 - A decisão da 1ª Instância condena cada um dos réus a pagar o supra referido valor, sendo o mesmo exigível "uma vez excutidos os bens da ré “Empresa-A, Lda.” sem que se obtenha a integral satisfação do seu crédito".
21 - Parece o referido excerto da decisão apontar no sentido de os réus serem devedores da quarta parte do valor de 9.500.000$00 e de tal quantia lhes poder ser exigida desde que a Empresa-A não proceda à integral satisfação do crédito.
22 - Sempre deveria, assim, a sentença ser alterada no sentido de se considerar que os réus avalistas só poderão alguma vez ser responsabilizados pelo pagamento, não da quarta parte de 9.500.000$00, mas sim da sexta parte do valor que resultar devido após a excussão do património da Empresa-A. Lda.
23 - Ora, ao invés da douta sentença de fls., o douto acórdão da Relação de Lisboa veio a condenar o Réu ora recorrente no pagamento do valor de 4.500.000$00, acrescido de juros desde a citação até integral pagamento.
24 - Em primeiro lugar, o ora recorrente nunca podia ser condenado em valor superior a metade de 9.500.000$00 (valor pago pelo autor recorrido), ou seja, 4.225.000$00.
25 - Em segundo lugar, existe contradição entre os fundamentos da decisão e a própria decisão. Por um lado afirma o Tribunal da Relação que a sentença de 1ª instância que fixou a responsabilidade de cada um dos réus em1/4 do valor pago pelo autor fez já caso julgado em relação aos réus não recorrentes; mas por outro não deixa de fixar a responsabilidade do aqui recorrente em 50% do valor pago pelo autor recorrido, considerando que apenas o Autor e o Réu aqui Recorrente eram responsáveis pelo pagamento da dívida. As duas afirmações não são compatíveis, pelo que o acórdão é nulo atento o disposto no artigo 668° nº 1 alínea c), ex vi artigo 721º nº 2 do CPC.
26 - Por todas as razões que se encontram acima expostas, não fez o Tribunal a quo a melhor apreciação da matéria de facto considerada provada, não tendo daí retirando as competentes consequências jurídicas, designadamente no que respeita aos preceitos vertidos nos artigos 524º e seguintes do Código Civil.”
Termina concluindo que deve “ser concedido provimento ao presente recurso, sendo alterada a decisão que julgou parcialmente procedente a acção nos exactos termos acabados de referir.”

Quanto ao autor, terminou as contra-alegações da seguinte forma:
A) Decidiu o Tribunal de 1ª Instância, e a Relação confirmou, e bem, pela existência de duas contas correntes caucionadas, tituladas pela Empresa-A, Lda., que em Outubro de 1995, apresentavam saldos devedores, de respectivamente, 3.999.000$00 e 15.000.000$00;
B) Estes saldos derivavam das livranças emitidas, respectivamente em 1993 e 1991, estando a 1ª avalizada por BB, CC e mulher DD, EE e marido, FF, e a 2ª avalizada por BB e AA;
C) Em Maio de 1996, o AA pagou ao BESCL, metade da dívida apurada em A), isto é, 9.500 contos;
D) O direito de regresso do Autor, AA, deriva da relação de co-avalista do Réu BB, conforme a sua qualidade de avalistas da livrança emitida em 1991;
E) O Termo de Fiança Geral celebrado em 1993 entre os sócios da Empresa-A Lda. abrange as dívidas anteriores à data da sua celebração contraídas por aquela sociedade perante o BESCL;
F) Onde se inclui a dívida consubstanciada na livrança de 15.000.000$00 emitida em 1991, e avalizada por BB e AA;
G) O Termo de Fiança Geral subscrito por todos os Réus, comporta obrigações solidárias, com renúncia aos benefícios da excussão e da divisão,
H) Assistindo assim, ao Autor, AA, o direito de regresso nas respectivas co-responsabilidades dos Réus, logo, também na quota-parte dos Réus, DD e marido.”

5. Pelo acórdão de 21 de Dezembro de 2006, de fls. 668, para o que agora releva, o Tribunal da Relação de Lisboa rejeitou a arguição de nulidade do acórdão de 27 de Junho anterior, deduzida pelo recorrente nas suas alegações, esclarecendo que “o acórdão em referência limitou-se a analisar o tipo de responsabilidade de cada um dos RR perante o A., em articulação com o facto de haver RR que não recorreram da sentença da 1ª Instância e, nessa medida, o ali decidido ter constituído, quantos aos mesmos, caso julgado”.

6. São os seguintes os factos definitivamente assentes e que não são questionados neste recurso:
“1. Pela apresentação 04/921020, encontra-se registada a transmissão da quota, no valor de Pte. 1.860.000$00, resultante de divisão da quota de Pte. 3.060.000$00, a favor de CC, casado com DD, por cessão de AA, na sociedade "Empresa-A – Importação e Comércio de Produtos Alimentares, Lda", matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Loures, sob o nº 06792/880725 (…).
2. Pela apresentação 05/921020, encontra-se registada a transmissão da quota, no valor de 1.200.000$00, resultante de divisão da quota de Pte. 3.060.000$00, a favor de EE, casada com FF, por cessão de AA, na sociedade "Empresa-A – Importação e Comércio de Produtos Alimentares, Lda" (…).
3. Pela apresentação 06/921020, encontra-se registada a cessação de funções de gerente de AA, por renúncia, em 92-10-15, na sociedade "Empresa-A – Importação e Comércio de Produtos Alimentares, Lda" (…).
4. Em Maio de 1991, o BESCL, através da sua agência em Bucelas, concedeu à ré "Empresa-A, Lda" crédito em conta corrente até ao montante de Pte. 15.000.000$00.
5. Em garantia do crédito assim disponibilizado, a ré "Empresa-A, Lda", através dos, então, seus representantes, subscreveu uma livrança, com data de emissão de 22.05.1991 e o montante e data de vencimento em branco, livrança essa em que o autor e o réu BB deram o seu aval à firma subscritora.
6. A ré "Empresa-A, Lda", através dos, então, seus representantes, subscreveu, ainda, uma livrança, com data de emissão de 24.02.1993 e o montante e data de vencimento em branco, respeitante à garantia bancária nº 202142, no montante de Pte. 10.532.581$00, na qual o autor e o réu BB deram o seu aval à firma subscritora.
7. Em garantia de um crédito em conta corrente até ao montante de Pte. 15 000 000$00, a ré "Empresa-A, Lda", através dos, então, seus representantes, subscreveu uma livrança, com data de emissão de 24.02.1993 e o montante e a data de vencimento em branco, livrança essa em que os restantes réus deram o seu aval à firma subscritora.
8. Em Outubro de 1995, o BESCL fez valer perante o autor as garantias decorrentes dos avales prestados à "Empresa-A, Lda".
9. Na qualidade de avalista da ré "Empresa-A, Lda", o autor desembolsou, em Maio de 1996, a quantia de Pte. 9.500.000$00.
10. A ré "Empresa-A, Lda" foi procedendo a entregas de Pte. 666 000$00 de cada vez, que foram creditadas na respectiva conta corrente, até que, em Março de 1996, o crédito do BESCL era de Pte. 3.996.000$00.
11. Por fax datado de 25-03-1996, o BESCL comunicou ao réu BB, na qualidade de avalista e de fiador da ré "Empresa-A, Lda", que a conta nº 267/45832/260.2, no seu fecho, apresentava um saldo devedor (um débito) de Pte. 3.996.000$00.
12. O BESCL preencheu a livrança datada de 24.02.93, nela apondo, como data de vencimento, o dia 09.07.97 e a quantia de Pte. 4 950.757$00.
13. O montante referido no número anterior foi reduzido para Pte. 4.450.757$00 em virtude de a ré DD ter procedido ao pagamento de Pte. 500.000$00.
14. Em Julho de 1997, a ré DD negociou com o BESCL a sua responsabilidade decorrente do aval dado à ré "Empresa-A, Lda" na livrança referida no n.º 7.
15. Na sequência, em 24-07-1997, a ré DD pagou ao BESCL a quantia de Pte. 500.000800 e esta instituição bancária comprometeu-se a nada mais exigir-lhe, judicial ou extra-judicialmente, a esse título.
16. Em finais de 1995, as contas correntes caucionadas resultantes da disponibilização de crédito à ré "Empresa-A, L.da" apresentavam um saldo devedor global de cerca de 20.000.000$00.
17. Em face disso, o autor propôs ao BESCL o pagamento do montante referido no nº 6, proposta que esta instituição bancária aceitou.
18. Os réus (com excepção da ré Empresa-A, Lda.) subscreveram o termo de fiança geral datado de 22-02-1993, formalizado pelo escrito particular que está junto, por fotocópia, a fls. 250-251 dos autos.”
Além destes factos, transcritos do texto do acórdão recorrido, resulta ainda do mesmo que a Relação considerou ainda provado, sem contestação do recorrente, que o BESCL, por carta dirigida ao autor desta acção e datada de 22 de Maio de 1996 (cfr. fls. 144), afirmou expressamente que “Confirmamos a aceitação da sua proposta quanto ao pagamento de Pte. 9.500.000$00, por conta do seu aval à firma Empresa-A, Lda (…) uma vez que se encontra cumprido (…) este Banco declara que nada mais lhe exigirá (…) no que se refere às mesmas responsabilidades Relativamente ao eventual cumprimento de uma garantia de Pte. 10.532.581$00 (…) apenas voltaremos à sua presença solicitando-lhe o pagamento de ½ do montante que vier a ser reclamado pelo beneficiário, se, de facto, o BES vier a ser chamado a honrá-la”.
Por outro lado, e como se verifica pelo julgamento da matéria de facto (cfr., neste ponto, fls. 442), foi dado como não provado o seguinte:
“a) Após a cessação de funções do autor na ré «Empresa-A, Lda.», não mais os restantes sócios cumpriram os compromissos bancários a que se tinham vinculado;
b) Aquando do mencionado nas alíneas A) e B) da matéria de facto já assente, a livrança com data de emissão de 22.05.1991 foi substituída pela livrança datada de 24.02.1993.
c) A importância de 4.950.757$00 inscrita na livrança datada de 24.02.97 corresponde à dívida de 3.996.000$00, acrescida de juros”.

7. Estão, assim, agora em causa as seguintes questões, colocadas pelo recorrente:
- Nulidade do acórdão recorrido, por contradição “entre os fundamentos e a decisão”;
- Não constituição, na esfera jurídica do autor, do direito de regresso que nesta acção pretende exercer, porque não logrou demonstrar a que título procedeu ao pagamento, ao Banco credor, da quantia de 9.500.000$00;
- Subsidiariamente, e para a hipótese de se concluir pela existência de tal direito de regresso, em que percentagem deve o recorrente ser condenado a pagar, se a dívida subsistir após a excussão do património da Empresa-A.
Não se analisará a condenação da ré Empresa-A nos termos determinados pela 1ª instância, que nunca foram impugnados, havendo, portanto, caso julgado quanto à sua condenação “a pagar ao autor a quantia de 9.500.000$00 (ou melhor, o correspondente valor em euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, a contar da citação e até integral satisfação do crédito”.
Para além disso, como a 1ª instância entendeu aplicar, aqui, o regime definido pelo nº 3 do artigo 650º do Código Civil para o pagamento voluntário na fiança, e, portanto, condicionou o pagamento por parte dos garantes à prévia excussão do património da devedora Empresa-A, Lda., em decisão mantida pela Relação e não impugnada, há igualmente caso julgado quanto a este ponto. Não se terá, portanto, em conta que o avalista não goza do benefício da excussão, já que “é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada” (artigo 32º da Lei Uniforme), sendo portanto solidária com a do avalizado e não subsidiária a sua responsabilidade (cfr., por ex., os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Janeiro de 2003, de 23 de Setembro de 2003, de 13 de Março de 2007, ou de 3 de Junho de 2007, www.dgsi.pt)
Finalmente, está também fora de apreciação a condenação proferida pela 1ª instância dos réus EE e marido, por também ter transitado em julgado.

8. Como se viu já, o Tribunal da Relação indeferiu a arguição de nulidade do seu acórdão de 27 de Junho de 2006, que o recorrente BB acusa de enfermar de contradição entre os fundamentos e a decisão, por entender estar decidido, com força de caso julgado, que os réus EE e marido são responsáveis (após a excussão do património da Empresa-A) por ¼ da quantia paga pelo autor ao Banco, acrescida dos devidos juros, e, simultaneamente, condená-lo, nas mesmas condições, no pagamento de metade dessa mesma quantia, cuja responsabilidade apenas incumbiria a ele próprio e ao autor da acção.
Há realmente duas posições diferentes quanto à determinação dos sócios relativamente aos quais o autor da acção pode pretender exercer o seu alegado direito de regresso. A 1ª instância concedeu relevo ao “Termo de Fiança Geral” que todos os réus (à excepção da Empresa-A, naturalmente) subscreveram em 22 de Fevereiro de 1993 (cfr. fls. 250-251), entendendo que ele valia também para o crédito a que corresponde a livrança a que o autor prestou o seu aval; a Relação, diferentemente, considerou que o autor, sendo terceiro em relação a tal termo de fiança, subscrito a favor do Banco, não podia beneficiar dele, apenas lhe sendo possível exercer o seu direito de regresso contra o réu BB, que com ele avalizou a livrança de 1991, exigindo-lhe metade do valor pago.
Seguindo este raciocínio, a Relação absolveu a recorrente DD do pedido e condenou BB no pagamento de metade do crédito avalizado.
Não se verifica, pois, o motivo de nulidade apontado pelo ora recorrente, porque a condenação proferida pela Relação é coerente com a fundamentação que apresentou, como se vê.
Ocorre, todavia, um obstáculo a que subsistam simultaneamente os dois julgamentos, e que resulta de ter transitado em julgado a condenação de EE e marido no eventual pagamento de ¼ desse crédito, já que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça foi julgado intempestivo, como se viu, e que o presente recurso interposto lhes não aproveita, como explica a Relação, citando o artigo 683º do Código de Processo Civil.
Com efeito, se configurarmos a hipótese de ser excutido o património da Empresa-A e de os garantes serem chamados a cumprir o direito de regresso do autor na proporção das condenações proferidas pelas instâncias, verifica-se que este mesmo autor acaba por responder por menos de ½ da dívida que avalizou.
Isto significa que não ocorre a apontada nulidade mas que a condenação proferida na Relação deveria ter tomado em consideração a que já transitou, quando definiu o montante em que o recorrente CC pode ter de vir a satisfazer o direito de regresso do autor. Caso contrário, não se respeitaria o caso julgado formado na configuração do direito que o autor pretende fazer valer, nos termos impostos pelo artigo 671º, nº 1, do Código de Processo Civil.

10. Quanto à segunda questão suscitada pelo recurso interposto por BB, resulta da matéria definitivamente provada – e que este Tribunal não pode modificar – a constituição do direito de regresso do autor (sem agora curar do montante respectivo) quanto ao pagamento, ao Banco, de 9.500.000$00.
Com efeito, decorre da prova feita que o autor e o réu BB avalizaram uma livrança, com data de emissão de 22 de Maio de 1991 e montante e data de vencimento em branco, livrança essa subscrita pela Empresa-A para garantir o crédito em conta corrente que lhe foi concedido em Maio de 1991, até ao montante de 15.000.000$00; decorre ainda que foi dado como provado que o autor pagou ao Banco credor a quantia de 9.500.000$00 com fundamento no aval que prestou à livrança de 1991, não só porque o Banco (cfr. a já referida carta junta a fls. 144) esclareceu que esse pagamento se não referia ao outro aval que o autor prestou, relativo “à garantia bancária no nº 202142, no montante de Pte. 10.532.581$00”, a favor da Alfândega do Porto, mas também porque foi dado como não provado que a livrança de 1991 houvesse sido substituída “pela livrança datada de 24.02.1993” (cfr. fls. 442).

11. Quanto à terceira questão atrás enunciada, o recorrente BB sustenta, em primeiro lugar, que, a ser condenado a satisfazer o direito de regresso invocado pelo autor, ainda que nos termos determinados em 1ª instância e confirmados pela Relação – isto é, após excussão do património da Empresa-A – apenas lhe competiria a responsabilidade por 1/6 do montante global, por serem seis os avalistas, apelando ao disposto no artigo 524º do Código Civil, relativo à solidariedade entre devedores (“O devedor que satisfizer o direito do credor para além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete”).
Tal alegação assenta, quanto a este recorrente, na circunstância de serem “seis os avalistas das duas livranças”, e de todos serem partes da presente acção.
É certo que a Lei Uniforme sobre Letras e Livranças não regula as relações entre os co-avalistas, no caso de apenas um ou parte deles ter procedido ao pagamento da livrança, apenas prevendo a hipótese de o avalista que pagar ficar “subrogado nos direitos emergentes da [livrança] contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval e contra os obrigados para com esta em virtude da [livrança]” – artigos 32º e 77º respectivos.
Assim sendo, e embora reconhecendo as evidentes diferenças existentes entre a fiança e o aval, tem-se recorrido às regras definidas pelo Código Civil para o caso de pluralidade de fiadores (artigos 650º, nº 1, 516º e 524º do Código Civil) para regular essas relações (cfr., por exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Fevereiro de 2002, www.dgsi.pt). Entende-se, assim, que o avalista que pagou em quantia superior à que lhe competia – e convém lembrar que “o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada” (nº 1 do já citado artigo 32º da Lei Uniforme) – tem direito de reaver dos restantes avalistas a parte que a cada um compete, que se presume ser igual para todos.
Sucede, todavia, que está assente que o autor apenas avalizou (conjuntamente com BB, aliás) duas livranças, as que foram emitidas em 22 de Maio de 1991 (em garantia do crédito disponibilizado à Empresa-A, Lda., em Maio de 1991) e em 24 de Fevereiro de 1993 (respeitante à garantia bancária nº 202142), e que o direito de regresso que pretende exercer nesta acção respeita apenas à primeira.
Os réus CC e mulher, DD, e EE e marido, FF, apenas avalizaram a outra livrança emitida em 24 de Fevereiro de 1993, na qual o autor não interveio.
Recorde-se, ainda, que não foi dado como provado que esta última livrança tenha substituído a de 1991.
Não pode, pois, proceder a pretensão de dividir pelos outros réus o pagamento efectuado pelo autor, com o fundamento de que todos são avalistas, já que o pagamento efectuado corresponde a uma livrança apenas avalizada pelo próprio autor e por BB, ora recorrente.

12. Mas também não pode proceder tal pretensão recorrendo ao “Termo de Fiança Geral” datado de 22 de Fevereiro de 1993, como, aliás, defende o autor nas suas contra-alegações.
Conforme está provado, nesta data, BB, CC, DD, EE e FF assinaram em documento designado “Termo de Fiança Geral” no qual declararam que se “responsabilizam solidariamente como principais pagadores de Empresa-A – Importação e Comércio de Produtos Alimentares, Lda., (...), perante o BANCO ESPÍRITO SANTO E COMERCIAL DE LISBOA, com referência a todas as responsabilidades que os mesmos Empresa-A – Importação e Comércio de Produtos Alimentares, Lda., tenham ou venham a ter para com o dito Banco, seja qual for a proveniência ou título e por isso obrigamo-nos solidariamente com os nossos afiançados a pagar tudo o que, em consequência de tais responsabilidades for ou vier a ser devido ao referido Banco, com EXPRESSA RENÚNCIA AOS BENEFÍCIOS DA EXCUSSÃO E DA DIVISÃO que, de qualquer modo, possa restringir ou anular os efeitos desta obrigação, que é estipulada sob as mesmas condições inerentes às responsabilidades assim garantidas”.
Como se sabe, poder-se-iam levantar inúmeras questões relativas à validade deste “Termo de Fiança Geral”, nomeadamente quanto a saber se exprime um acto unilateral ou se é integrada num contrato de fiança, ou quanto ao problema da determinabilidade ou indeterminabilidade do respectivo objecto e, portanto, da sua compatibilização com o artigo 280º do Código Civil (cfr. Acórdão Uniformização de Jurisprudência nº 4/2001, Diário da República, I Série, de 8 de Março de 2001), questão eventualmente facilitada por se tratar, no caso, de um pagamento correspondente a um crédito anterior à assinatura do termo.
Trata-se, todavia, de questões sem relevo no âmbito deste recurso.
Com efeito, nenhuma base, legal ou convencional, pode ser invocada, nem pelo ora recorrente, co-avalista da livrança em causa nesta acção, e, simultaneamente, signatário daquele termo, nem pelo autor da acção, para os fazer participar no pagamento por este efectuado ao Banco.
Quanto ao autor da acção, que pagou a livrança, a lei prevê que “fica sub-rogado nos direitos emergentes da [livrança] contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval e contra os obrigados para com esta em virtude da [livrança](já citado artigo 32º da Lei Uniforme). Não é, manifestamente, o caso dos subscritores do “Termo de Fiança”.
O fundamento de que dispõe para exigir de BB metade do que pagou, caso a Empresa-A o não reembolse, foi já apontado, e reside na relação de solidariedade que liga os co-avalistas da mesma livrança. Não abrange, portanto, os demais subscritores do “Termo de Fiança”.

13. Assim sendo, e não fora o caso julgado formado contra os réus EE e marido pela condenação, em 1ª instância, no pagamento de ¼ da quantia de 9.500.000$00 (no “correspondente valor em euros”), acrescida dos juros, vencidos e vincendos, a contar da citação nesta acção, após excussão dos bens da Empresa-A, nada haveria a opor à condenação do recorrente BB no pagamento ao autor de metade daquele valor, como decidiu o acórdão recorrido.
A verdade, todavia, é que a obrigação de respeitar o caso julgado impõe a subtracção ao montante total o valor em que EE e marido foram condenados, reduzindo a condenação do recorrente BB para metade do valor assim encontrado.

14. Nestes termos, decide-se conceder provimento parcial à revista, reduzindo a condenação de BB a pagar ao autor a quantia de € 17.669,92, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação nesta acção e que se vencerem até integral pagamento, após excussão do património da Empresa-A sem que o crédito seja satisfeito.

Custas pelo recorrente e pelo recorrido, na proporção do respectivo decaimento.

Lisboa, 15 de Novembro de 2007
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa