Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6444/15.6T8GMR.G1.S2
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA RIBEIRO COELHO
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
COMUNICAÇÃO AO ARRENDATÁRIO
PLURALIDADE DE SENHORIOS
FALTA DE ASSINATURA
INEFICÁCIA
ACTUALIZAÇÃO DA RENDA
ATUALIZAÇÃO DA RENDA
FALTA DE PAGAMENTO
USO PARA FIM DIVERSO
CESSÃO DE ARRENDAMENTO
CONFISSÃO JUDICIAL
DEPOIMENTO DE PARTE
ACTA DE JULGAMENTO
ATA DE JULGAMENTO
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 06/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, p. 115 e 116, 406 e 407;
- Francisco de Castro Fraga, Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, coordenação de António Menezes Cordeiro, 2014, p. 484;
- Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge, Arrendamento Urbano, Novo Regime Anotado e Legislação Complementar, 3.ª edição, p. 45;
- Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, 2º volume, p. 646.
Legislação Nacional:
LEI DE ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO (LOSJ): - ARTIGO 46.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 674.º, N.º 3 E 682.º, N.º 2.
ARRENDAMENTO URBANO (NRAU): - ARTIGO 11.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:


- DE 01-07-2014, PROCESSO N.º 3084/13.8YLPRT.L1-7, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Do art. 46º da LOSJ e dos arts. 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do CPC resulta que o STJ apenas conhece de matéria de direito, ressalvadas as exceções previstas na lei.

II - A intervenção do STJ no campo dos factos justifica-se apenas nas situações excecionais em que se está perante erros de direito que, por natureza, integram o objeto da competência do Supremo.

III - A confissão judicial só tem força probatória plena contra o confitente se for escrita;

IV – Sendo produzida em depoimento de parte, só pode valer como tal na medida em que for extratada na ata; se o não estiver, de nada vale, para efeitos de alteração da decisão proferida sobre os factos por este STJ, remeter para a gravação digital do depoimento de parte prestado.

V – A finalidade do art. 11º, nº 1 do NRAU, aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro, ao exigir que seja assinada por todos os senhorios a comunicação dirigida ao arrendatário, é a de assegurar a participação da totalidade dos titulares dessa posição, congregando numa única declaração negocial a vontade plural, mas unânime, de resolver o contrato ou de atualizar a renda para um certo valor.

VI – A não satisfação desta exigência determina a ineficácia da comunicação.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL





I - AA, BB e seu marido CC instauraram a presente ação declarativa contra Clube DD, formulando os seguintes pedidos:

"a) Ver resolvido o contrato de arrendamento ajuizado, por violação das regras de sossego e boa vizinhança, por utilização do prédio contrária aos bons costumes e à ordem pública, por uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina e por cessão parcial do mesmo a terceiros, sem autorização dos senhorios, e por realização de obras no prédio não consentidas pelos mesmos senhorios, e que afectam a estrutura do mesmo;

b) Ver resolvido o contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas, devidas a partir de Janeiro do corrente ano de 2015, à razão de 663,39 euros por mês,

c) Pagar aos autores as rendas vencidas até ao corrente mês de Outubro no total de 6.633,90, e as que se vencerem posteriormente até ao despejo efectivo, sempre à razão de 663,39 euros por cada mês;

d) Retirar o exaustor, as antenas e os tubos do ar-condicionado colocados no terraço e no telhado;

e) Eliminar, fazendo-os desaparecer, bem como os seus vestígios os buracos feitos nas paredes exteriores ou interiores do prédio;

f) A despejar e a entregar aos autores o prédio locado completamente livre e devoluto de pessoas e bens, e em bom estado de conservação e limpeza.

Quando, porém, se venha a entender que os factos descritos não autorizam a subsunção em quaisquer dos fundamentos referidos no artigo 1083.º do Código Civil, deve o réu ser condenado a reconhecer que:

g) A retribuição mensal devida pela ocupação do prédio é de 663,39 euros desde Janeiro de 2015, pelo que deve pagar todas as retribuições vencidas e vincendas, com o legal agravamento;

h) O contrato de arrendamento ajuizado fica subordinado a prazo certo e por 5 anos, a contar de 1 de Outubro de 2014, passando a ficar subordinado, nesse e em todos os domínios, ao regime do NRAU".


Alegaram, em síntese, que:

- entre eles, como senhorios, e o réu, como inquilino, existe um contrato de arrendamento que tem por objeto o 1.º andar e as lojas que se situam por baixo dele, do prédio que identificam;

- o réu realizou obras no locado, sem a sua autorização, e subscreveu “com várias associações do concelho e com a Câmara Municipal de …, um conjunto de protocolos e compromissos, estabelecendo regras de funcionamento do prédio locado e a ocupação deste por parte dessas associações, visando ocupar o seu espaço sociocultural, quer com actividades próprias do objecto social do Clube quer com actividades próprias e diversas dessas, dessas outras associações";

- no âmbito do processo de transição do regime do arrendamento para o NRAU, propuseram ao réu e este aceitou que, a partir de 1 de Janeiro de 2015, a renda mensal passasse a ser de € 663,39;

- o réu vem pagando renda no valor de apenas € 250,00


 

Foi requerida pelos autores, na petição inicial, e veio a ser admitida, sem a oposição do réu, a intervenção principal de EE, marido da autora AA.


O réu contestou e deduziu reconvenção, pedindo a condenação dos autores a pagarem-lhe, por benfeitorias realizadas no locado e que dele não podem ser retiradas e a título de indemnização pelos danos não patrimoniais que os autores, com o seu comportamento, causaram a sócios seus, a quantia global de € 97.000,00.

Em síntese, negou a verificação de todos os invocados fundamentos de resolução do contrato e afirmou desconhecer até então que os maridos das autoras têm também a posição de senhorios, tendo havido, nas comunicações que lhe foram dirigidas no processo negocial tendente à transição do arrendamento para o NRAU, à atualização da renda e à fixação de novo prazo do arrendamento, violação da regra instituída no art. 11º, nº 1 do NRAU, não podendo as mesmas, por isso, produzir qualquer efeito.


Realizado o julgamento, foi proferida sentença com o seguinte comando decisório:

"Com fundamento no exposto julgo a acção parcialmente procedente e consequentemente condeno a Réu Clube DD a retirar o exaustor, as antenas e os tubos do ar-condicionado colocados no terraço e no telhado;

No mais vai o réu absolvido.

Julgo a reconvenção improcedente e consequentemente absolvo as AA e interveniente dos pedidos nesta sede formulados."



Inconformados, os autores apelaram, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães proferido acórdão, cujo segmento decisório tem o seguinte conteúdo:

Com fundamento no atrás exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso, pelo que:

a) declara-se a nulidade do segmento da decisão recorrida que, com base no que se considerou ser um incorrecto valor patrimonial do arrendado, decidiu que «não tendo a comunicação da nova renda para o locado valor vinculativo, porque não correspondeu às indicações da lei (…), o seu não pagamento por este [o arrendatário] não é fundamento de resolução do contrato pelas senhorias, sendo ineficaz a declaração nesse sentido por ela feita.»

b) mantém-se no mais o decidido.”


Ainda inconformados, os autores interpuseram o presente recurso que, tendo sido rejeitado, por inadmissível, como revista-regra ou revista normal pela decisão singular de fls. 569-578, veio a ser recebido como revista excecional por acórdão da Formação aludida no nº 3 do art. 672º do CPC[1], que considerou estarem em causa interesses de particular relevância social – alínea b) do nº 2 do art. 672º[2].


Nas alegações apresentadas, os recorrentes formulam as prolixas e repetitivas conclusões[3] que passamos a transcrever:

1a- O acórdão recorrido, pronunciando-se sobre a motivação do recurso de apelação interposto da sentença que julgara a ação apenas parcialmente procedente, reconheceu e declarou uma nulidade da sentença que, com base no valor patrimonial do arrendado decidira não ser correto o valor da renda, julgando, assim, nulo o segmento da sentença que "com base no que se considerou ser um incorreto valor patrimonial do arrendado, decidiu que «não tendo a comunicação da nova renda para o locado valor vinculativo, porque não correspondeu às indicações da lei (...) o seu não pagamento por este [o arrendatário] não é fundamento de resolução do contrato pelas senhorias, sendo ineficaz nesse sentido por ela feita», mantendo no mais o decidido.


2a- Sendo, pois, nula a sentença produzida na parte em que julgou incorreto o valor patrimonial do arrendado, nula a decisão que considerou não vinculativa a nova renda para o locado por não corresponder às indicações da lei, nula a decisão que considerou o não pagamento da nova renda não era fundamento de resolução do contrato pelas senhorias, nem era ineficaz a declaração destas, necessário se tornava, o que o acórdão recorrido não fez, extrair consequências dessas nulidade e julgar, por isso, a questão, produzindo o julgamento de substituição exigido pelo artigo 665° do Código de Processo Civil, pelo que, não tendo sido feito esse julgamento, foi cometida (artigo 615°, n°l, al. d) do Código de Processo Civil) nulidade que importa suprir através das regras estabelecidas pelo n°4 do artigo 615° já citado.


3a- O sentido do julgamento omitido só pode ser, em consequência dessas declaradas nulidades, no sentido de passar a considerar-se que, ao invés do que a Ia instância decidira, a comunicação feita ao arrendatário pelas locadoras tinha caráter vinculativo, correspondendo às indicações da lei, pelo que o não pagamento da renda estabelecida era, sem mais, fundamento de resolução do contrato, que só não seria consequência inelutável dos factos apontados, se se entendesse, como se entendeu, mas erradamente, que as comunicações feitas ao arrendatário, não tendo sido subscritas por um dos comproprietários, na versão da Ia instância, ou pelos maridos das autoras, na versão do acórdão recorrido, são ineficazes por violarem o artigo 11°, n° l do NRAU -, pelo que, comprovando-se, como se comprovou, que as comunicações feitas ao arrendatário foram subscritas por todos os locadores e comproprietários do imóvel, tanto bastaria para nada obstar à procedência imediata da ação, nos termos dos artigos 1038°, ai. a), 1041°, 1042°, 1048°, 1083°, n°s 2 e 3 e 1084°, n° l do Código Civil.


4a- Na verdade, ficou provado que:

a) As autoras remeteram ao réu uma carta em 29-08-2014 informando-o de que (facto 15), considerando os critérios estabelecidos nas alíneas a) e b), do n°2 do artigo 35° da Lei 31/2012, aplicável por força dos artigos 52° e 33°, n°5, ai. b) da mesma lei, atualizavam a renda para 663,39€ - (explicitando os cálculos: valor patrimonial das frações R/C5 e 1° andar a dividir por 15 anos, e o resultado por 12 meses, para achar a renda mensal, isto é, 119.050,00€ (€2.370,00 + 116.000,00) a - 15 = €7963,67 - 12 meses = 663,39€);

b) Nessa carta, as autoras, declararam que o contrato passava a ser a prazo certo e por 5 anos, a contar de 29-08-2014, sendo aquela renda devida a partir de janeiro de 2015 (facto 16), mas o réu continuou desde então até hoje a pagar apenas 250.,00€ por mês (facto 21);

c) Essa carta e todas as demais comunicações das senhorias foram subscritas pela autora AA - proprietária, conjuntamente com seu marido, EE, de 2/3 do locado - e pela autora BB - proprietária, conjuntamente com seu marido, CC, do restante 1/3 do mesmo imóvel, isto é, pela totalidade dos locadores, em obediência ao disposto no artigo 11°, n° l do NRAU (facto 1 e documentos para os quais se remete na alegação correspondente na petição).


5a- Sem prescindir, o acórdão recorrido deveria ter julgado a ação de resolução do contrato de arrendamento provada e procedente, também, por se terem demonstrado os outros dois fundamentos de resolução invocados na petição (uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina contratualmente e cessão total ou parcial, temporária ou permanente e onerosa ou gratuita, do gozo do prédio, a terceiros, sem consentimento dos senhorios), nos termos do artigo 1083°, n° 2, al. c) e e) do Código Civil, ainda que se tivesse servido apenas dos factos que considerou terem-se provado, embora, como se demonstrou no texto das alegações, outros factos devessem também ter sido considerados, só não o tendo sido por o acórdão recorrido ter desrespeitado a lei, não concedendo relevância ao princípio da força probatória plena de documentos particulares cuja assinatura foi reconhecida, e não arguidos de falsos (artigo 376° do Código Civil) e à relevância da força probatória plena da confissão em depoimento de parte (artigo 358° do mesmo diploma), pois recusou a inserção na base instrutória desses outros factos, e a correção de alguns dos que considerou provados, e recusou tratar como nulidades a omissão dos mesmos, mesmo em sede de "erro de julgamento" para que remeteu, por erradamente entender que ou não eram relevantes para a discussão ou não comprovavam o que se pretendia comprovar.


6a- De facto, o acórdão recorrido, não obstante a prova produzida, através de documentos e confissão, demonstrativa de que o arrendatário cedeu e prometeu ceder a terceiros o locado para que eles aí exercessem atividades alheias ao fim contratualizado para o arrendamento, e de que ele próprio, réu, passou a exercer no locado funções e atividades, algumas de natureza comercial, não compreendidas no objeto do arrendamento, como, por exemplo, a confeção e fornecimento de refeições ao público em geral (facto 10 quanto ao destino do locado, factos 22, 24, 25, 26, 27, 28, 29 quanto à cedência não autorizada a terceiros e factos 34, 35, 36, 37e 38 quanto ao uso pelo réu do locado para fins não autorizados pelo contrato), julgou improcedente o pedido de despejo por sustentar que essas atividades se inscreviam nos fins permitidos no contrato e não integravam cedência do locado, porque o réu não perdia "o domínio do espaço que lhe está arrendado " o que viola frontalmente a lei (artigo 1083°, n°2, al. b), c) e e) do Código Civil).


7a- Assim, o presente recurso de revista visa, em sede de direito, uma melhor aplicação da lei, mas visa também, em sede de facto, embora nesta parte sem absoluta necessidade para a procedência da ação, uma melhor formulação dos mesmos, uma vez que é da competência jurisdicente do STJ, nos termos da parte final do artigo 674°, n°3 do Código de Processo Civil, sindicar o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, quando houver ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência dó facto, ou que fixe a força de determinado meio de prova, o que sucedeu em relação aos referidos factos e à sua sustentação por documentos particulares e autênticos não impugnados, nem arguidos de falsos, e às declarações confessórias do réu, conforme previsto pelos artigos 376° e 358° do Código Civil, atrás citados, o que levará, na procedência do recurso nesta parte a que o tribunal de revista, exercendo pelo menos uma "discreta censura" sobre os poderes da Relação quanto à fixação da matéria de facto, determine à anulação do julgamento para que na 2a instância seja reanalisada e de novo julgada a matéria de facto nos pontos viciados (cfr. entre muitos, o Ac. do STJ de 22-07-1973, BMJ 224, 132).


8a- Com efeito, resultou plenamente provado, por documentos e confissão que:

a) o facto 1 estava incorretamente exigido (sic), porquanto o prédio que aí se refere está inscrito na Conservatória do Registo Predial de … em nome da autora AA e marido, EE, na proporção de 2/3 e da autora BB e marido, CC, na proporção de 1/3 (e não de 1/3 apenas para cada uma das autoras);

b) a redação dada ao facto 7 deve ser corrigida por forma a acrescentar-se que, pela escritura aí referida, as partes também rescindiram o contratado quanto à faculdade de sublocar;

c) os factos 13, 14, 15 e 20 não reproduzem e devem reproduzir o texto integral das comunicações efetuadas entre as partes;

d) a redação dos factos 24, 25, 26, 27, 28 e 29 referente às entidades com as quais o réu estabeleceu protocolos não reproduz, e deve, também, reproduzir as atividades que cada uma dessas entidades protocolares exerce, em relação às que estão documentadas (no facto 26, deve constar que a associação promove a integração e reabilitação social, no facto 27, deve constar que a associação promove a divulgação do cinema entre os seus sócios, por exemplo);

e) desses factos não deve constar, porque não se provou, nem sequer se alegou, que o réu ou essas entidades cessionárias ficavam obrigadas a "promover atividades socioculturais de interesse público relevantes ";

f) do facto 36 deve constar, também, conforme confessado em depoimento de parte pelo Presidente da Direção do réu, que o réu realizou um jantar magusto com entradas pagas e acesso a não-sócios, um jantar dançante com acesso a não-sócios e entradas pagas, o I Encontro de Engenharia … e um Ciclo de conferências sobre alimentação'";

g) o facto constante do ponto II não provado, deve, pelo contrário, conforme confessado em depoimento de parte pelo Presidente do réu dar-se por provado, de modo a consignar-se que no locado se praticaram jogos de fortuna e azar;


9a- Quanto ao fundamento de despejo por falta de pagamento de rendas ficou provado que, sendo objeto do arrendamento, celebrado em 01-03-1903 o prédio identificado nos autos, para que nele o réu mantenha a sua sede social e nesta desenvolva e cimente relações de benevolência e boa sociedade com os seus associados, proporcionando-lhes passatempos honestos e civilizadores, nomeadamente através de conferências literárias, conversação, dança, jogos lícitos e divertimentos de boa sociedade, as autoras mulheres, representando todos os locadores, decidiram promover a transição do regime desse arrendamento para o NRAU e respetiva correção de renda, nos termos que passaram a ser facultados pela Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro, para o que, em 07/12/2012 dirigiram ao réu uma carta comunicando esse propósito e as mais condições previstas naquela lei - renda que o réu recusou, por carta de 28/01/2013, alegando falta de preenchimento dos requisitos legais, uma vez que não estava fixado o valor patrimonial correspondente à fração locada, conforme exigência das ais. b) e c) do artigo 30° da referida lei.


10a- Ficou também provado que, face a essa posição do réu, as autoras requereram à Repartição de Finanças de …, a certificação individualizada, após vistoria, do valor patrimonial do locado, que, quando lhes foi comunicado, transmitiram ao réu, por carta de 08/05/2014, tendo o réu, no entanto, pedido, por carta de 11/06/2014, que se iniciasse um novo processo, para o que as autoras deveriam renovar apresentação de nova proposta formal, ao que as autoras acederam, fazendo-lhe nova comunicação, em tudo semelhante à anterior, apenas juntando de novo a caderneta predial já atualizada com indicação do valor discriminado do locado, tendo o réu, sem impugnar qualquer dos fundamentos invocados, declarado que não aceitava a renda proposta.


11ª - Ficou ainda provado que, em face dessa recusa, as autoras, nos termos do artigo 33°, n.°5, al. b) da Lei 6/2006, comunicaram ao réu, dentro do prazo de 30 dias após a resposta, por carta de 29/08/2014, que atualizavam a renda de acordo com os critérios previstos nas als. a) e b) do n.°2 do artigo 35°, considerando o contrato celebrado com prazo certo, pelo período de 5 anos a contar da referida comunicação (o referido artigo 35° permite a atualização da renda para o valor anual correspondente a 1/15 do valor do locado, sendo este valor correspondente ao valor da avaliação realizada nos termos do artigo 38° e seguintes do CIMT, que havia acompanhado a carta de 01/07/2014), dizendo que: "Atualizavam a renda para o valor mensal de 663,39 euros, considerando os critérios previstos nas alíneas a) e b) do n° 2 do artigo 35° da lei 31/2012, aplicável por força dos artigos 52° e 33°, n° 5 alínea b) da mesma lei, considerando ainda que essa renda resultava do seguinte cálculo: €119.050,00 (€2.370,00 + €116.680,00) ^ 15 =€ 7.936,67; e €7.936,67 -12 = €663,39) e que o contrato ficava celebrado com prazo certo e por 5 anos, com início em 29 de Agosto de 2014, sendo a nova renda devida a partir do dia 1 de Outubro de 2014 (artigos 33°, n° 3 e 5, alínea b) da lei 31/2012, juntando de novo, com essa carta documento comprovativo do valor patrimonial do locado " (cfr. doc. n° 20 junto com a petição).


12a- Recebida essa comunicação pelo réu, este representado pelo então Presidente da sua Direção, FF, procurou a Ia autora, declarando-lhe aceitar aquele valor da renda, 663,39€, mas pretender que o Clube DD passasse a pagá-la apenas a partir de Janeiro de 2015, o que essa autora aceitou, mas, não obstante, o réu, em Janeiro de 2015, apenas pagou o valor da renda anterior, 250,00€, o que sucedeu em todos os meses subsequentes até hoje, apesar de instado.


13a- Em face dessa falta de pagamento da renda estabelecida, e das demais violações imputadas ao réu, os autores demandaram o réu, pedindo a sua condenação a ver resolvido o contrato de arrendamento, considerando essa falta de pagamento de rendas, em violação do disposto no n.° 3 do artigo 1083° do CC, e bem assim o facto de o réu ter, em violação do disposto no n.° 2 do mesmo artigo 1083° do CC, passado a utilizar o prédio para fins comerciais, diversos dos autorizados, com acesso ao público em geral, por pessoas estranhas aos seus associados, e para fins diversos do objeto social, e cedido o locado a terceiros de onde resulta terem pedido a título principal a declaração da resolução do contrato, por, entre o mais, falta de pagamento de renda, utilização do prédio para fim diverso e cessão parcial do mesmo a terceiros, sem autorização dos senhorios, e, a título subsidiário, a condenação do réu para a hipótese de improceder o pedido de resolução, no pagamento das rendas vencidas e vincendas, bem como, na transição do arrendamento para o NRAU, ficando o contrato subordinado a este regime em todos os domínios e com prazo certo de 5 anos.


14a- Discutida a causa, a ação veio a ser julgada improcedente e não provada, no que respeita ao pedido de resolução de contrato e de pagamento de rendas, porquanto a sentença entendeu que, o que foi mantido pelo acórdão recorrido:

a) Não se provou o incumprimento do contratado que pela sua gravidade e consequências torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento (artigo 1083°, n.° 2 do CC), por se entender que todas as atividades desenvolvidas pelo réu no locado cabiam no âmbito do seu escopo estatutário, o mesmo sucedendo quanto às atividades que exercia em parceria com outras entidades, empresariais ou outras;

b) As comunicações remetidas pelas autoras ao réu não cumpriram o disposto no artigo 11°, n.°l do NRAU, que determina sob pena de ineficácia que havendo pluralidade de senhorios todos devem subscrever as comunicações, pelo que "sendo o marido da 1a autora comproprietário de 1/3 do imóvel que está parcialmente arrendado ao réu, o facto de este não ter subscrito as cartas dos autos tem como consequência inevitável a sua ineficácia ".


15a- A matéria de facto dada por provada pelas instâncias era quanto bastava para a ação proceder, uma vez que estava assente a violação, pelo réu, das regras imperativas do artigo 1083°, n°2, al. c) e e) do Código Civil, porquanto estava provado que:

a) o réu celebrou protocolos com o Município de …, e com as associações GG, HH, II - Associação de Reabilitação e Integração Social-, Cineclube de …, Núcleo de Artes e Letras de …, através dos quais se obrigou a ceder a essas instituições, e efetivamente cedeu, as instalações locadas, para que estas, usando o salão nobre e demais instalações realizassem pelo menos semestralmente exposições, colóquios e outras atividades socioculturais;

b) o réu abriu um bar no prédio onde serve café e pequenas refeições ao público, passando a dispor de segurança privativa e privada à porta de entrada e a vender bilhetes de ingresso, realizando bailes de acesso ao público e entradas pagas, com consumo mínimo, promovendo e realizando vários jantares de gala e concertos com entradas pagas e consumo mínimo com acesso ao público em geral - factos provados n.°s 22, 24, 25, 26, 27, 28,29, 34, 35, 36 e 37.


16a- No entanto, e para além disso - o que é relevante, atenta a necessidade posta pela atual redação do artigo 1083°, n°2 do Código Civil (que exige que o incumprimento seja grave, reiterado e com consequências), a decisão que fixou a matéria de facto no acórdão recorrido, pese embora a correção introduzida (factos 28, 29 e 30 e eliminação da parte final do facto XV não provado), pecou quer pela errada redação dada à matéria de facto que considerou provada, quer por não ter considerado provada outra matéria de facto, também provada quer em resultado dos documentos juntos, quer da confissão do réu, também provada, conforme a respetiva gravação atrás sumariada e mais detalhadamente transcrita nas alegações de recurso de apelação, pois:

a) Manteve o texto do facto I da matéria provada, sustentando que "a Meritíssima Juíza tem inteira razão", insistindo em que as comunicações feitas não o foram por todos os proprietários do imóvel, o que é completamente errado, pois foram já que o prédio pertence à Ia autora AA e marido EE, casados no regime da comunhão geral, na proporção de 2/3, e aos 2°s autores BB e marido CC, casados também no regime da comunhão geral na proporção de 1/3 (cfr. os documentos que acompanharam a petição e o constante dos artigos Io a 14° desse articulado), pelo que todos os comproprietários estão representados na ação e em todos os procedimentos que a precederam a fim de provocar a passagem do contrato para o regime do NRAU;

b) Manteve nos factos n.°s 22, 24, 25, 26, 27, 28, 29 fixados pela sentença que os protocolos celebrados pelo réu com o Município de … e com as associações "GG", "HH", "II - Associação de Integração e Reabilitação Social", "Cineclube de …", "JJ”, "Clube DD …", visavam "promover atividades socioculturais de interesse público relevante'", o que nenhuma das partes afirmou, pelo que a expressão não pode manter-se, limitando-se a traduzir uma opinião pessoal e pecando ainda por omissão já que não refere, podendo e devendo fazê-lo as atividades que mercê desses protocolos passaram a ter lugar no locado, nem refere o facto de este ficar aberto ao público em geral;

c) Alterou o facto n.° 30 para uma expressão anódina, por irrelevante, ("o valor patrimonial (CIMI) do 1o andar do locado era em 2014 de €116.680,00") em substituição do que constava da sentença ("o valor ' patrimonial do locado 1o andar CIMI para serviços como consta do documento de folhas 93 em 2014 era de €116.680,00"), parecendo limitar erradamente o âmbito do locado que, sendo o 1o andar do prédio, só pode ter acesso pelo menos por uma divisão do r/chão, e está provado (facto 8) que os acessos do réu ao 1o andar se fazem através do r/c e por duas ruas, a Rua … e a Praça …, sempre sem se atender a que não era questionada a extensão do objeto de arrendamento, e que estava demonstrado, também sem contraditório, o valor patrimonial da parte do R/C por onde o réu faz acesso ao 1o andar.

d) Manteve a matéria de facto dita não provada onde, no n°1 se disse não se ter provado que o Presidente da Direção do Clube DD, FF procurou a 1a autora, propondo-lhe pagar a renda de €663,39 apenas a partir do mês de Janeiro de 2015, ao que essa autora anuiu, mas essa prova é inequívoca, como resulta da gravação da prova e o acórdão recorrido aceita, transcrevendo algumas passagens, embora sem valorar o que foi afirmado, com o argumento de que o depoimento é insuficiente, esquecendo que não se está ante um verdadeiro depoimento testemunhal, mas antes ante uma declaração confessória inequívoca (cfr. a parcela do depoimento atrás transcrita, extraída da gravação);

e) Manteve na matéria de facto dita não provada (n° II) que não se provou que no locado se praticam jogos de fortuna e azar, dizendo-se na sentença, que "não foi apresentado qualquer meio de prova", e no acórdão que, afinal, foi, mas que o depoimento de parte do Presidente é vago e refere-se a um passado não fixado no tempo, quando bastaria ler a contestação do réu, e conjugá-la com o depoimento de parte prestado pelo seu atual Presidente, para se dever concluir que essa matéria ficou parcialmente provada, por parcialmente confessada (artigo 37° da contestação);

f) Manteve-se na fundamentação aduzida, para não se ter provado o facto referido sob o n.° 1 não provado, que a própria pessoa aí visada, então Presidente da Direção do Clube DD "negou em julgamento que alguma vez tivesse aceite a atualização da renda no valor alegado pelos autores", o que não é verdade, como se vê da gravação respetiva, transcrita nas alegações do recurso de apelação;

g) Manteve-se a fundamentação da Ia instância, segundo a qual, "o próprio contrato de arrendamento autoriza o réu a proceder à sublocação daí a falência deste pressuposto da resolução", afirmação que não corresponde à verdade, pois embora no contrato inicial conste uma cláusula 7a permitindo a sublocação, nem se atentou em que a sublocação se autorizada teria de ser para o mesmo ramo do contrato, nem que na escritura junta aos autos e referida no facto 7o as partes declararam que "acordam em rescindir o contrato de arrendamento de 01/03/1903 quanto às lojas do rés-do-chão (...) rescisão que abrange igualmente a aludida sublocação", pelo que tal permissão já não existe.

h) Manteve-se o erro que vinha da 1a instância ao sustentar-se na fundamentação de direito, pretendendo justificar-se a improcedência da ação, por se entender que a tudo acresce que as comunicações remetidas ao réu não cumprem ainda o disposto no artigo 11°, n. °1 do NRAU, que determina, sob pena de ineficácia, que havendo pluralidade de senhorios todos devem subscrever as comunicações", o que não teria sucedido porque o marido da 1a autora é "comproprietário de 1/3 do imóvel que está parcialmente arrendado ao réu ", pelo que "o facto de este não ter subscrito as cartas dos autos tem como consequência inevitável, a sua ineficácia ", mas a afirmação é completamente errada pois, como já referimos, o marido da 1a autora AA não é comproprietário de 1/3 do imóvel, mas sim de 2/3 (1/3 adquirido pela mulher, por doação dos pais, 1/3 adquirido por ele por compra, sendo casados pelo regime de comunhão geral), e a autora BB é proprietária de outro 1/3, pelo que todas as comunicações dirigidas ao réu foram-no por todos os comproprietários, sem nenhum faltar.


17a- As omissões de factos aludidas nas conclusões anteriores foram, nas alegações de recurso de apelação, tratadas como nulidades, o que o acórdão recorrido rejeitou, mas sempre deviam ter levado a que se decidisse que a matéria de facto devesse ser complementada, quer a partir daquela que resulta já da documentação junta aos autos, quer a partir das declarações confessórias e, por isso, da gravação da prova, já que não foi lavrada, como devia ter sido, a competente assentada, tendo as recorrentes cumpridos os ónus impostos pelo artigo 640°, n.°l do Código de Processo Civil, inclusivamente no que respeita à retificação dos factos 1,7, 24 a 29 (estes relativos ao teor dos protocolos juntos aos autos e à periodicidade das ações das entidades terceiras), 29-A (relativo à celebração de outros protocolos, confessados expressamente no depoimento de parte do atual Presidente da Direção do réu) e 30 (este quanto ao correto valor patrimonial do locado).


18a- Nada impedia o julgamento da matéria de facto nos termos preconizados, pois nas alegações de recurso de apelação, os recorrentes indicaram, entre o mais, os depoimentos de parte do atual Presidente do Clube DD, KK, e do anterior Presidente do mesmo Clube, FF, conforme consta da ata de audiência de julgamento de 27/06/2017, gravações respetivamente com início pelas 10:35:18 e termo pelas 11:24:33 e reinício pelas 11:24:33 até às 11:38:02, quanto ao 1o, e de 16:02:59 a 16:07:35, cumprindo integralmente os ónus impostos pelo artigo 640° do Código de Processo Civil.

19a- Com base nesses elementos probatórios, entendem os recorrentes que, para além da correção dos factos atrás requerida, à matéria de facto devem acrescer os factos 36, 45 e 46 (a partir do que consta da gravação do depoimento do atual Presidente da Direção) e quanto aos factos 44, 45 e 46 (a partir do que consta da gravação do depoimento do anterior Presidente da Direção), por forma a esclarecer, também, o tipo de atividades realizadas por terceiros no locado, a sua periodicidade, e o acesso permitido ao público em geral (factos 36, 44 e 46), a aplicação do locado à prática de jogos de fortuna e azar (facto 45) e à decisão das autoras, comunicada e aceite pelo réu, de transição para o NRAU e fixação da renda em 663,39€, nos termos supra referidos, ao que não obstaria sequer a circunstância, referida pelo acórdão recorrido, de alguns desses factos não terem sido alegados, pois resultaram da discussão da causa, mas o artigo 5o, n°2, al. a) do Código de Processo Civil impõe ao juiz a consideração de todos os factos instrumentais que resultem da instrução da causa.


20a- Sem prescindir, o acórdão recorrido julgou também erradamente a matéria de direito, pois:

a) Mesmo que se socorresse apenas dos factos provados, embora aqueles cujo adicionamento se pretende confiram maior ênfase à violação contratual, teria de concluir-se estar plenamente provada a utilização do locado para fim diverso do contratualizado, designadamente para atividades comerciais, e a cessão não consentida pelos senhorios do locado a terceiros para exercício nele de atividades estranhas aos sócios do clube e abertas ao público em geral e algumas de natureza comercial, ou seja, provada ficou a violação pelo réu do disposto no artigo 1083°, n.°2 do CC, quer se considere a interpretação da lei no sentido de que os casos previstos nas diversas alíneas do n.° 2 daquele artigo são hipóteses taxativas de resolução, cuja verificação implica o despejo, quer se considere a interpretação da lei no sentido de que os respetivos fundamentos terão de atingir um nível de gravidade e gerar consequências tais que não seja razoavelmente de exigir ao senhorio a manutenção do contrato, pois as violações provadas são efetivamente intensas e graves.

b) Cumpre lembrar que, pelo menos a sentença produzida (o acórdão recorrido não permite pela sua ambiguidade dizer afoitamente se defende ou não a mesma tese) erradamente entendeu que as autoras promoveram a transição do arrendamento para o NRAU considerando uma área locada superior à real, o que corresponde a um duplo erro: por um lado, dizendo que a área do locado foi indicada pelas autoras como abrangendo o r/c, falta à verdade, pois a área do r/c considerada foi apenas a de uma das cinco divisões do r/c, pela qual o réu tem necessariamente de fazer o acesso ao 1o andar, por outro lado, porque entende dever excluir do arrendamento todo o
r/c, quando devia ser evidente, até porque as partes disso não dissentiram, que o acesso ao I
o andar só se podia fazer pelo r/c.

c) A comunicação ao réu dirigida pelas autoras por carta de 01/07/2014, exigindo a transição para o NRAU, e por carta de 29/08/2014 reiterando essa transição e a atualização da renda para o valor mensal e imperativo de 663,39€, obedeceu rigorosamente aos critérios previstos nas als. a) e b) do n.° 2 do artigo 35° da Lei 21/2012, aplicável por força dos artigos 52° e 33°, n.°5 da mesma Lei, considerando os cálculos aí indicados e a consequência da celebração do contrato por prazo certo de 5 anos, com a renda devida desde Janeiro de 2015, conforme consentimento das autoras, o que também obedeceu rigorosamente à lei, implicando o não pagamento dessa renda inequivocamente o despejo.

d) A posição assumida na aplicação ao caso do artigo 11o, n°l do NRAU é absolutamente inadmissível, por confundir a situação de comunhão conjugal com a de compropriedade, pretendendo que por o marido da autora ser comproprietário de 1/3 (o que não é exato, pois ele é comproprietário de 2/3, que, com o 1/3 da outra autora perfaz a compropriedade total), uma vez que a verdade é que há duas comunhões conjugais que são comproprietárias do imóvel, tendo, por isso, as comunicações sido feitas ao arrendatário pela totalidade dos comproprietários locadores, ao que não obsta o facto de elas terem sido feitas apenas pelas autoras mulheres, uma vez que visando as mesmas um aumento da renda e a fixação de um prazo de 5 anos para o arrendamento, tais ações cabem inequivocamente dentro da permissão legal, como atos de administração ordinária (artigo 1024°, n.°l do CC), sendo certo que também a jurisprudência não tem dúvidas a tal respeito (cfr. o acórdão do TRC de 01/03/1993, in BMJ 326,529).

e) Nunca era possível julgar-se a ação improcedente quanto aos pedidos principais e omitir qualquer decisão quanto ao pedido subsidiário de condenação do réu a reconhecer a validade da transição do arrendamento para o NRAU e o consequente prazo imperativo de 5 anos, contados de 01/10/2014, ainda que, por hipótese que se não admite e por absurdo, julgasse errado o cálculo da renda, pois esse erro, aliás inexistente, nunca "contaminaria" nem o projeto de transição para o NRAU, nem a fixação de um prazo de 5 anos para a duração do arrendamento, que eram imperativo legal, do mesmo modo que tendo-se decidido que o recurso procedia parcialmente, com a verificação da apontada nulidade, não era possível condenar-se as recorrentes na totalidade das custas, e esta condenação violou os artigos 527°, n°l e 535° do Código de Processo Civil.


Termos em que, na procedência do recurso, deve revogar-se o acórdão recorrido e corrigida e alterada a matéria de facto nos termos requeridos, ou, a não se entender assim, anulando-se o julgamento para que a matéria de facto seja julgada nos pontos viciados pela instância recorrida, mas com ou sem essa alteração, julgar-se a ação inteiramente procedente e provada, ou, quando assim se não entenda, procedentes e provados os pedidos subsidiários, nos termos sugeridos, sempre com custas e procuradoria pelo réu.


Em contra-alegações que apresentou, o réu, ora recorrido, pugnou pela improcedência da revista.


Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo questões sujeitas à nossa apreciação - visto o conteúdo das conclusões que, como é sabido, delimitam o objeto do recurso - as de saber:

- se o acórdão padece da nulidade que lhe é atribuída – conclusões 1ª e 2ª;

- se a matéria de facto deve ser “corrigida e alterada” (sic) nos termos pretendidos – conclusões 7ª, 8ª e 16ª a 19ª.

- se se impõe a declaração da pedida resolução do contrato pela demonstração de todos os fundamentos invocados – demais conclusões;

- se se impõe julgar procedente o pedido subsidiário nos termos indicados pelos recorrentes – conclusão 20ª, alínea e).


II – Vêm descritos como provados no acórdão impugnado os seguintes factos:

1. O prédio urbano composto de uma casa de rés-do-chão e dois andares, sita na Praça …, antiga Praça da …, da cidade de …, com os números de polícia … e … a …, com um terreno de logradouro, descrito sob o n.º 1786/19920204 na Conservatória do Registo Predial de … inscrito na matriz urbana da freguesia de … sob o artigo 367.º e inicialmente descrito na Conservatória de Registo Predial de … sob o número 9716 do livro 30, encontra-se inscrito a favor dos sucessores dos anteriores proprietários a A. AA, casada no regime de comunhão geral de bens com o interveniente principal EE, e da A. BB na proporção de 1/3 cada, e para o Interveniente através da Ap. 26 de 1992/02/04, retificada pelo averbamento realizado pela Ap. 3283, de 2010/11/18.

2. No dia 01.03.1903, na cidade de …, por escritura pública, LL, declarou dar de arrendamento ao Réu todo o primeiro andar e rés-do-chão, com exceção neste de uma pequena loja o (sic) subir as escadas do lado esquerdo.

3. Por tal contrato ficou o club DD autorizado a sublocar o arrendado no todo ou em parte.

4. O locado destinava-se e destina-se ao exercício das atividades estatutárias para que o Clube fora criado e compreendidas no seu objeto.

5. A renda inicialmente fixada, e vencível na casa da senhoria ou dos seus sucessores, era da quantia anual de 240 mil reis, a pagar em prestações mensais e iguais de 20 mil reis, no primeiro dia de cada mês (cfr. fls. 38 a 41)

6. Mais ficou acordado na cláusula 5ª: «Que o Club poderá fazer no prédio arrendado as obras ou modificações que entender convenientes adaptando-o a seu fim, tais como proceder ao alargamento de portas ou janelas, a abertura ou rompimento de outras alargamento de quaisquer aposentos fazendo-os comunicar por meio arco ou pela iluminação de alguma divisão ou tabique, ou proceder a quaisquer outras reparações tudo à custa do Club que findo o arrendamento, em qualquer tempo que seja, não fica o clube, o arrendatário, com direito a indemnização alguma por as obras ou reparos a que proceda na forma exposta»

7. Por escritura pública de 23 de Janeiro de 1985 as partes acordaram em rescindir o contrato de arrendamento de 1 de marco de 1903 quanto às lojas de rés-do-chão.

8. Nesta escritura declararam as partes que quanto ao 1.º andar do citado prédio e seus acessos pela rua … e pela praça … se mantem inteiramente o clausulado no aludido arrendamento de 1 de Março de 1903 passando a renda a ser fixada em 120.000$00 anuais duodécimos de 10.000$00 (fls. 126).

9. À data de Junho de 2014 a renda devida estava fixada em € 192,22.

10. Segundo o artigo 2.º, dos Estatutos do Réu, o Clube DD "tem por fim desenvolver e cimentar relações de benevolência e boa sociedade entre os sócios proporcionando-lhes passatempo honesto e civilizador por meio de reuniões, conferências, animação variada e outros quaisquer divertimentos de boa sociedade tais como: actividades lúdicas, sociais, desporto e recreio; actividade de hotelaria, nomeadamente bar e restauração; cooperação com instituições locais, regionais e centrais; concepção e execução de iniciativas de animação, realização e apoio à organização de seminários, colóquios e concepção, execução e ou apoio a projectos de base local com impacto económico, social, cultural e desportivo, de ocupação de tempos livres, de lazer e de bem-estar".

11. a) as Autoras dirigiram ao Réu as comunicações de 07.12.2012, 28.01.2013, 08.05.2014, 01.07.2014, 29.08.2014, 21.11.2014, 29.01.2015 e 04.03.2015, com o conteúdo correspondente aos documentos juntos sob os n.os 11, 13, 15, 20, 21, 24 e 26 à petição inicial, respetivamente, tendo sido recebidas pelo Réu;

b) o Réu dirigiu às Autores as cartas datadas de 11.01.2013, 19.03.2013,  1.06.2014, 04.08.2014, 09.02.2015 e 08.04.2015 com o conteúdo correspondente aos documentos juntos sob os n.os 12, 14, 17, 19, 25 e 27, à petição inicial, respectivamente;

Desta correspondência é relevante que:

12. O réu em 11 de Junho de 2014 propôs às AA que reiniciassem todo o processo de atualização de rendas solicitando o envio de nova proposta formal.

13. As autoras comunicaram ao réu por carta de 1 de Julho de 2014, recebida pelo Réu em 4/07/2014, que reiniciavam o processo de transição do arrendamento para o arrendamento do NRAU(…):

"São Excias locatários do prédio urbano onde funciona a respectiva sede social situado na rua …. … na cidade de … do qual como é do conhecimento de V. excias as signatárias são as atuais proprietárias.

Esse prédio encontra-se actualmente inscrito na matriz urbana da freguesia de … sob o artigo 367 e o seu 1.º andar bem como duas divisões do r/ch.ºa encontra-se dado de arrendamento a esse clube conforme contrato celebrado por escritura pública de 1903.

A retribuição mensal actual é de 192,22 euros.

(…) Pretendemos a transição para o NRAU

Passamos a indicar o valor da renda pretendida -1.500,00 euros

O tipo de contrato proposto: duração indeterminada.

Procedemos ao envio da caderneta predial urbana actualizada".

14. Em 4.08.2014 o réu respondeu a opor-se ao valor da renda. Ainda que:

O prédio locado carecia de obras de conservação;

E propôs renda de 250,00 euros mensais.

Que tinham sido realizadas benfeitorias que estimou em 80.000,00 euros

A invocar a faculdade de denúncia do contrato mediante pagamento de compensação no valor de 132.500,00 euros relativos a benfeitorias e a cinco anos de renda no valor médio da proposta e contraproposta.

15. As AA remeteram carta datada de 29 de agosto recebida a 4 de Setembro de 2014 informando que: não aceitavam a proposta.

Que considerando os critérios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 35.º da lei 31/2012, aplicável por força dos artigos 52.º e 33.º, n.º 5 alínea b) da mesma lei, atualizavam o valor da renda nos seguintes termos: "(valor patrimonial das fracções RC-5 e 1.º A: 15 anos: 12 meses isto é € 119.050,00 (€ 2370,00 + 116.000,00): 15 = € 7.936,67: 12 = 663,39 euros.

Consideramos o contrato celebrado pelo prazo certo e por cinco anos a contar da presente comunicação 29 de agosto de 2014.

Mais informamos que o valor da renda agora comunicado é devido desde o dia 1 do 2.º mês seguinte ao da recepção desta comunicação dia 1 de Outubro de 2014, considerando os artigos 33.º, n.º 3 e 5, alínea b) da lei 31/2012.

Junta documento comprovativo de actual valor patrimonial do locado."

16. Em 21 de Novembro de 2014, as autoras mulheres escreveram uma carta, registada com aviso de receção, ao réu Clube DD, por este recebida em 27 de Novembro de 2014, na qual declararam:

"Tendo-lhes dirigida no passado dia 29 de agosto uma carta de actualização de renda para 663,39 euros (…)

Foi-nos comunicado por V. Excias que a referida renda nos seria paga a partir de Janeiro de 2015, o que aceitamos.

Em consequência serão emitidos os correspondentes recibos daquele valor a partir desse mês pelo que o pagamento deve ser feito nos termos usuais mas actualizados".

17. As AA escreveram ao réu carta registada com aviso de receção, datada de 29 de Janeiro de 2015 relembrando que, conforme proposta do anterior presidente da direção, por elas aceite, a renda mensal de € 663,39 era-lhes devida a partir do mês de Janeiro e, solicitaram que a renda de Fevereiro fosse paga por € 663,39, acrescida da diferença em dívida em relação ao valor pago em Janeiro (€ 192,22).

18. O Réu respondeu por carta datada de 9 de Fevereiro de 2015 recebida pelas AA dando conta que não havia sido rececionada qualquer carta, sendo a ultima datada de 29 de agosto de 2014. Ainda que não houve compromisso por parte do anterior Presidente do clube no sentido da renda passar a ser, a partir de Janeiro de 2015 no valor de € 663,39 e procedeu à comunicação que iria proceder a reparações urgentes e indispensáveis na entrada principal do prédio e respetivas entradas (fls 97 verso e 98 verso).

19. As AA enviaram ao réu carta registada datada de 04.03.2015, por este recebida remetendo cópia do AR assinado da carta remetida em 21 de Novembro de 2014, bem como cópia da carta, mantendo a versão do acordo com o anterior presidente do clube de ser devida a renda atualizada a partir de Janeiro de 2015.

20. O réu respondeu remetendo às AA carta datada de 08.04.2015, reiterando, designadamente, que não tem conhecimento de qualquer aceitação da renda proposta por parte do clube (fls.106 e 107).

21. O Réu, em Janeiro, de 2015 deixou o cheque para pagamento da renda no montante de € 192,22 e, nos meses seguintes, se continuou a pagar € 250,00 até à instauração da presente ação.

22. O Clube DD celebrou protocolo com o Município de …, pelo qual se obrigou à "realização de exposições, colóquios ou outras actividades socioculturais", disponibilizando o salão nobre e demais instalações.

23. O clube recebeu um apoio de € 75 000,00 + € 4 000,00 para utilizar no equipamento necessário e dotar as instalações de infra-estruturas.

24. No protocolo celebrado entre o DD e o GG, o réu "compromete-se a ceder a título gratuito (…) o salão nobre e demais instalações da sua sede para a realização de exposições, colóquios ou outras actividades socioculturais", "no mínimo semestralmente uma actividade cultural (…) desde que tal seja estatutariamente compatível com os [seus] fins".

25. No protocolo celebrado entre o DD e a HH, o réu "compromete-se a ceder a título gratuito (…) o salão nobre e demais instalações da sua sede para a realização de exposições, colóquios ou outras actividades socioculturais", "no mínimo semestralmente uma actividade cultural (…) desde que tal seja estatutariamente compatível com os [seus] fins".

26. No protocolo celebrado entre o DD e a II -  Associação de Integração e Reabilitação Social, o réu "compromete-se a ceder a título gratuito (…) o salão nobre e demais instalações da sua sede para a realização de exposições, colóquios ou outras actividades socioculturais", "no mínimo semestralmente uma actividade cultural (…) desde que tal seja estatutariamente compatível com os [seus] fins".

27. No protocolo celebrado entre o DD e a Cineclube de …, o réu "compromete-se a ceder a título gratuito (…) o salão nobre e demais instalações da sua sede para a realização de exposições, colóquios ou outras actividades socioculturais", "no mínimo semestralmente uma actividade cultural (…) desde que tal seja estatutariamente compatível com os [seus] fins".

28. No protocolo celebrado entre o DD e a JJ, o réu "compromete-se a ceder a título gratuito (…) o salão nobre e demais instalações da sua sede para a realização de exposições, colóquios ou outras actividades socioculturais", "no mínimo semestralmente uma actividade cultural (…) desde que tal seja estatutariamente compatível com os [seus] fins".

29. No protocolo celebrado entre o DD e o Club DD …, o réu "compromete-se a ceder a título gratuito (…) o salão nobre e demais instalações da sua sede para a realização de exposições, colóquios ou outras actividades socioculturais", "no mínimo semestralmente uma actividade cultural (…) desde que tal seja estatutariamente compatível com os [seus] fins".

30. O valor patrimonial (CIMI) do 1.º andar do locado era, em 2014, de € 116 680,00.

31. A Câmara Municipal de … designou um arquiteto para fazer o acompanhamento dos trabalhos de forma a salvaguardar a proteção do imóvel em termos arquitetónicos e históricos, já que este é um dos prédios emblemáticos e mais antigos da cidade de … .

32. A Câmara Municipal de … exigiu ao réu, um registo fotográfico exaustivo do estado do prédio anterior às obras, em termos gerais e de pormenor, bem como uma planta detalhada do que se pretendia construir.

33. A Câmara Municipal de … considerou que as obras não eram carecidas de licenciamento e verificou que as mesmas ficaram concluídas em finais de 2012.

34. O Réu abriu um bar, no prédio onde serve café e pequenas refeições ao público.

35. O Clube passou a dispor de segurança privativa e privada à porta da entrada e a vender bilhetes.

36. O Réu tem realizado bailes, por vezes com DJ’s de acesso ao público em geral com entradas pagas e consumo mínimo sendo que a música e o barulho se fizeram ouvir pelo menos uma vez até à 1h 30m da manhã.

37. O Réu promoveu e realizou vários jantares de gala e concertos com entradas pagas e consumo mínimo e acesso ao público em geral.

38. A direção do Clube passou a abrir apenas às sextas e sábados à noite, para realização de convívios e bailes

39. O Réu realizou obras nos pavimentos, paredes, tetos, carpintarias, pinturas, cobertura, substituição de vidros, execução de chaminé, limpeza, colocação de corrimão, colocação de ar condicionado, colocação de tubagem, loiça sanitária, tapete sisal, execução de rede elétrica, de incêndio, de esgotos em PVC, de abastecimento de águas em PPR, de ventilação nas casas de banho

40. O valor das obras realizadas no prédio ascende a € 41 230,00.

41. O réu instalou no terraço do prédio um exaustor e tubos para ar condicionado.

42. O réu instalou no telhado do prédio duas antenas de televisão e tubos colocados ao longo do telhado.

43. As Autoras taparam a claraboia na área comum e desviaram a luz das escadas comuns de acesso ao clube.


III – É agora altura de abordar as questões suscitadas.


Da nulidade por omissão de pronúncia:

O comando decisório emitido no acórdão é, como referimos já, do seguinte teor:

Com fundamento no atrás exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso, pelo que:

a) declara-se a nulidade do segmento da decisão recorrida que, com base no que se considerou ser um incorrecto valor patrimonial do arrendado, decidiu que «não tendo a comunicação da nova renda para o locado valor vinculativo, porque não correspondeu às indicações da lei (…), o seu não pagamento por este [o arrendatário] não é fundamento de resolução do contrato pelas senhorias, sendo ineficaz a declaração nesse sentido por ela feita.»

b) mantém-se no mais o decidido.”


Por seu lado, a sentença, no tocante aos pedidos formulados pelos autores, emitiu decisão do seguinte teor:

"Com fundamento no exposto julgo a acção parcialmente procedente e consequentemente condeno a Réu Clube DD a retirar o exaustor, as antenas e os tubos do ar-condicionado colocados no terraço e no telhado;

No mais vai o réu absolvido.”


Ou seja, julgou improcedente o pedido de resolução do contrato de arrendamento fundado, além do mais, na falta de pagamento, por parte do réu, das rendas no valor atualizado de € 663,39.

E em fundamentação desta decisão escreveu-se, essencialmente, o seguinte:

"Tratando-se, como se disse, de arrendamento não habitacional, rege o art. 50.º do NRAU na redacção dada pela Lei n.º 31/2012, de 14.08, vigente à data dos factos, que atribuí ao senhorio a iniciativa de tal aumento, a efectivar através de comunicação ao arrendatário que indicasse:


a) O valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos;


b) O valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI, constante da caderneta predial urbana;


c) Cópia da caderneta predial urbana.


Estes elementos destinam-se a facultar ao arrendatário as informações que lhe permitirão avaliar a correcção e a razoabilidade do aumento comunicado, a fim de que possa formar uma vontade esclarecida sobre a manutenção do arrendamento, não obstante, em princípio, o senhorio seja livre na determinação desse aumento (vde Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, Coordenação António Menezes Cordeiro, 2014, pg. 483, "… o valor da renda pretendido pelo senhorio … não está sujeito a quaisquer limites.".


A caderneta predial urbana enviada ao réu com a comunicação do aumento de renda, constante de fls. 91 e segs., refere como andar com utilização independente o 1.º andar do prédio em questão, com o valor patrimonial actual de € 116.680,00, avaliado em 2013.


Não obstante o cálculo da nova renda efectuado pelas AA incide sobre este valor patrimonial somado ao valor patrimonial do r/chão.

(…)


Ora, o cálculo efectuado pelas AA partiu de premissas que o tornou desconforme com o regime legal estabelecido.


Acresce que não pode dizer-se que esta nova renda foi aceite pelo réu, já que nada se provou nesse sentido vindo o mesmo a recusar o pagamento deste valor.


Não tendo a comunicação da nova renda para o locado valor vinculativo, porque não correspondeu às indicações da lei e não foi aceite pelo arrendatário, o seu não pagamento por este não é fundamento de resolução do contrato pelas senhorias, sendo ineficaz a declaração nesse sentido por ela feita.


A tudo acresce que as comunicações remetidas ao réu não cumprem ainda o disposto no artigo 11º, nº 1 do NRAU que determina, sob pena de ineficácia, que havendo pluralidade de senhorios todos devem subscrever as comunicações.


In casu, sendo o marido da 1ª Autora comproprietário de 1/3 do imóvel que está parcialmente arrendado ao réu, o facto de este não ter subscrito as cartas dos autos tem como consequência inevitável, a sua ineficácia.


Assim é que o pedido de resolução e entrega do locado não pode proceder com este fundamento”


A resolução do contrato de arrendamento, fundada na falta de pagamento do valor da renda, alegadamente atualizada, foi, assim, julgada improcedente por se haver considerado como ineficaz o aumento do valor da renda comunicado pelos autores ao réu.

E essa ineficácia fundou-se em duas ordens de razões, a saber: a) ter o novo valor sido calculado com base em valor patrimonial superior ao que corresponde ao 1º andar locado, na medida em que se partiu de valor que corresponde à soma daquele com o do valor patrimonial do rés- do-chão, o que contraria o critério legalmente fixado; b) não ter sido subscrita por todos os senhorios a comunicação de aumento da renda feita pelos autores ao réu, com violação da exigência feita no art. 11º, nº 1 do NRAU.

Porque o primeiro dos fundamentos estruturantes da afirmada ineficácia da declaração não fora esgrimido pelo réu em sua defesa, os autores insurgiram-se contra a sua consideração pelo Tribunal de 1ª instância e, em sede de apelação, atribuíram à sentença nulidade por excesso de pronúncia, vício que o Tribunal da Relação considerou como verificado, assim surgindo, o segmento decisório do acórdão recorrido de onde os recorrentes partem para lhe atribuir nulidade, mas agora por omissão de pronúncia.

Conhecendo do dito vício que os aí apelantes haviam imputado à sentença, escreveu-se no acórdão impugnado, em sede de fundamentação, além do mais, o seguinte:

Neste contexto temos que na sua contestação o réu não colocou em causa o pressuposto apresentado pelos autores relativo ao valor patrimonial do locado, o qual contribuiu para os conduzir à conclusão de que a renda mensal devia passar a ser de € 663,39; o que o réu questionou foi unicamente a legitimidade das autoras para, desacompanhadas dos seus maridos, conduzirem o processo de actualização da renda. Dito de outra forma, não foi submetida ao conhecimento do tribunal qualquer questão relativa a um eventual erro no pressuposto indicado pelos autores relativo ao valor patrimonial do arrendado, pressuposto esse que os levou ao entendimento de que a renda mensal deveria ser actualizada para o montante de € 663,39.

O artigo 615.º n.º 1 d) dispõe que «é nula a sentença quando o juiz (…) conheça de questões de que não podia tomar conhecimento». Por isso, constitui «causa de nulidade o conhecimento de questões que não foram deduzidas pelas partes».

Consequentemente, tem que se concluir que está afectada de nulidade, que aqui se declara, o segmento da decisão recorrida que, com base no que se considerou ser um incorrecto valor patrimonial do arrendado, decidiu que «não tendo a comunicação da nova renda para o locado valor vinculativo, porque não correspondeu às indicações da lei (…), o seu não pagamento por este [o arrendatário] não é fundamento de resolução do contrato pelas senhorias, sendo ineficaz a declaração nesse sentido por ela feita.»"


Na tese dos autores, reconhecida e declarada a existência de tal nulidade, impunha-se ao Tribunal da Relação que extraísse daí as necessárias consequências, ou seja, “produzindo o julgamento de substituição exigido pelo artigo 655º do Código de Processo Civil” no sentido da procedência do pedido de resolução do contrato fundado na falta de pagamento das rendas.

Não o tendo feito, prosseguem os autores, o acórdão que proferiu está afetado de nulidade por omissão de pronúncia.


Mal se entende a sustentação desta tese, quando é facto evidente, considerado pelos autores - como demonstra o teor das conclusões 3ª e segs.-, que a comunicação de aumento da renda foi julgada ineficaz pela duplicidade de motivos que acima assinalámos, de onde, tendo um deles caído pela declarada nulidade da sentença, mas subsistindo, no modo de ver do acórdão recorrido, o outro motivo, com base nele se manteve a afirmada ineficácia da comunicação, a inerente inexigibilidade do pagamento de renda no valor de € 663,39 e a improcedência do pedido de resolução com esse fundamento.

De qualquer modo, e analisando a questão na perspetiva do cometimento de nulidade, dir-se-á que não tem qualquer fundamento a sua invocação.


Vejamos.

A alínea d) do nº 1 do art. 615º, em perfeita sintonia com a imposição estabelecida no nº 2 do art. 608º - nos termos da qual, e além do mais, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras -, fere de nulidade a sentença em que o juiz deixe de pronunciar-se sobre questão que devesse apreciar.

Estas “questões”, como é entendimento pacífico - tanto da doutrina como da jurisprudência -, são constituídas pelos pedidos e causas de pedir invocadas, bem como pelas exceções deduzidas, com elas não podendo ser confundidos os argumentos aduzidos pelas partes no sentido da solução que propõem como acertada para a decisão do pleito.[4]

E o objeto do recurso, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas questões que o recorrente haja suscitado nas conclusões – arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1.

Estas exercem, pois, “uma função semelhante à do pedido, na petição inicial, ou à das exceções na contestação”, balizando o campo de atuação do tribunal ad quem, que tem de apreciar as questões suscitadas, mas não tem de abordar e responder à totalidade dos argumentos usados em sustentação da tese defendida para a solução dessas questões.[5]

Arguida que fora aquela nulidade da sentença, ao Tribunal da Relação cabia, como fez, conhecer dela.

Deste modo, nunca lhe poderia ser assacado o cometimento de nulidade.

Se acaso tivesse deixado de retirar conclusões de natureza jurídica que se impusessem mercê da afirmada e declarada nulidade, estaríamos perante um erro de julgamento que, podendo comprometer o mérito da decisão em nada afetaria a sua regularidade formal.

O acórdão não padece, pois, da nulidade que lhe vem atribuída.



Da reapreciação da decisão sobre os factos:

É matéria que os recorrentes versam de modo algo desordenado nas conclusões 7ª e 8ª e 16ª a 19ª.


Segundo o art. 46º da LOSJ[6], o STJ apenas conhece de matéria de direito, ressalvadas as exceções previstas na lei.

Na mesma linha vão os arts. 674º, nº 3 e 682º, nº 2, estabelecendo o primeiro que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, e impondo o segundo a definitividade da decisão proferida pela Relação quanto à matéria de facto, ficando ressalvada a possibilidade de o STJ a alterar no caso excecional previsto na primeira das referidas normas.

A intervenção do STJ no campo dos factos justifica-se apenas nas situações excecionais em que, como refere Abrantes Geraldes[7], se está perante erros de direito que, por natureza, integram o objeto da competência do Supremo.


Tendo presentes os apertados limites de intervenção do STJ na decisão dos factos, analisemos a pretensão dos autores neste campo.


Na essência, reproduzem aqui o que sustentaram em sede de impugnação da decisão de facto no Tribunal da Relação, o que faz recear, à partida, que, embora afirmando expressamente a existência daqueles limites na conclusão 7ª, pretendam, na prática, a sua violação.


Visam a alteração dos factos descritos sob os nºs 1, 7, 13, 14, 15, 20 e 24 a 29 e 36 do elenco factual julgado como provado e, ainda, do facto II julgado como não provado- conclusões 7ª e 8ª -, invocando a prova plena, por documento ou confissão, da matéria que pretendem ver consagrada como verdadeira.


Os factos descritos sob os nºs 1 e 7 têm, relembremos, o seguinte teor:

1. O prédio urbano composto de uma casa de rés-do-chão e dois andares, sita na Praça …, antiga Praça da …, da cidade de …, com os números de polícia … e … a …, com um terreno de logradouro, descrito sob o n.º 1786/19920204 na Conservatória do Registo Predial de … inscrito na matriz urbana da freguesia de … sob o artigo 367.º e inicialmente descrito na Conservatória de Registo Predial de … sob o número 9716 do livro 30, encontra-se inscrito a favor dos sucessores dos anteriores proprietários a A. AA, casada no regime de comunhão geral de bens com o interveniente principal EE, e da A. BB na proporção de 1/3 cada, e para o Interveniente através da Ap. 26 de 1992/02/04, retificada pelo averbamento realizado pela Ap. 3283, de 2010/11/18.

7. Por escritura pública de 23 de Janeiro de 1985 as partes acordaram em rescindir o contrato de arrendamento de 1 de marco de 1903 quanto às lojas de rés-do-chão.


Na tese dos autores, está provado por documento autêntico:

 - quanto ao primeiro deles, que o prédio em causa “está inscrito na Conservatória (…) em nome da autora AA e marido, EE, na proporção de 2/3 e da autora BB e marido, CC, na proporção de 1/3 (e não de 1/3 apenas para cada uma das autoras)

- e quanto ao segundo, para além do que nele se descreve, ficou ainda provado e deve ser acrescentado que na escritura aí referida “as partes também rescindiram o contratado quanto à faculdade de sublocar


A respeito do julgamento destes factos, em relação aos quais, em sede de apelação, os autores se limitaram a pedir a sua correção, consta no acórdão recorrido:

“No que se refere ao facto n.º 1, a afirmação de que o imóvel está inscrito a favor da «autora AA, casada no regime de comunhão geral de bens com o interveniente principal EE, na proporção de 2/3 e da autora BB casada no regime de comunhão geral com CC, na proporção de 1/3» não tem suporte no documento do registo predial das folhas 24 verso e 25. O que aí se encontra é que, tal como figura no facto 1, o prédio está inscrito a favor da «A. AA, casada no regime de comunhão geral de bens com o interveniente principal EE, e da A. BB na proporção de 1/3 cada, e para o Interveniente através da Ap. 26 de 1992/02/04, rectificada pelo averbamento realizado pela Ap. 3283, de 2010/11/18».

No facto 7, a pretendida inclusão da referência a que também se acordou em rescindir o contrato «quanto à faculdade de sublocar» é, como os próprios autores dizem, «inócuo». Realmente esta parte é de todo irrelevante para a decisão da causa, pelo que não há motivos para incluir tal facto, que se sabe antemão ser inconsequente.


No facto nº 1, tal como foi redigido pela 1ª instância, com a confirmação do Tribunal da Relação, descreve-se exatamente o que consta da retificação feita pela ap. 3283 de 18/11/2010 – fls. 24 e 25 –, segundo a qual o prédio está inscrito na proporção de 1/3 a favor de BB, casada em regime de comunhão geral de bens com CC; na proporção de 1/3 a favor de EE casado em regime de comunhão geral de bens com AA; e na proporção de 1/3 a favor desta última, casada com aquele segundo o regime de bens referido.

E consta ainda da mesma certidão o seguinte: “CAUSA: 2/3 por doação com partilha de MM e mulher NN; 1/3 por compra a OO”.

Ou seja, cada uma das autoras adquiriu, por doação com partilha, 1/3 do prédio, e o interveniente, por seu lado, adquiriu 1/3 do mesmo prédio por compra a OO.

É o que consta do documento a que os recorrentes fazem apelo e é o que se descreve no ponto de facto nº 1, não havendo o menor fundamento para a “correção/alteração” em que as recorrentes continuam a insistir.

Coisa diversa é a conclusão jurídica passível de ser extraída do facto de a autora AA e de o interveniente EE, cada um sujeito ativo de aquisição de 1/3 do prédio, serem casados entre si segundo o regime de comunhão geral de bens, a significar, nos termos do disposto no art. 1732º do CC, que o bem de cada um deles faz parte integrante do património comum que, no caso, será composto, além do mais que se desconhece, por 2/3 do prédio em causa.


Continuando os autores a qualificar como “inócuo (…) em relação ao objeto da ação[8] o acrescento que pretendem ver aditado ao facto nº 7, não se encontra fundamento nem razoabilidade para persistirem na ideia de levar aos factos provados matéria que, embora seja conteúdo da escritura pública, desinteressa à ação.

Também quanto a este ponto nada há a retificar.



Os factos 13, 14, 15 e 20 têm o seguinte teor:

13. As autoras comunicaram ao réu por carta de 1 de Julho de 2014, recebida pelo Réu em 4/07/2014, que reiniciavam o processo de transição do arrendamento para o arrendamento do NRAU(…):

"São Excias locatários do prédio urbano onde funciona a respectiva sede social situado na rua …, … na cidade de … do qual como é do conhecimento de V. excias as signatárias são as atuais proprietárias.

Esse prédio encontra-se actualmente inscrito na matriz urbana da freguesia de … sob o artigo 367 e o seu 1.º andar bem como duas divisões do r/ch.ºa encontra-se dado de arrendamento a esse clube conforme contrato celebrado por escritura pública de 1903.

A retribuição mensal actual é de 192,22 euros.

(…) Pretendemos a transição para o NRAU

Passamos a indicar o valor da renda pretendida -1.500,00 euros

O tipo de contrato proposto: duração indeterminada.

Procedemos ao envio da caderneta predial urbana actualizada".

14. Em 4.08.2014 o réu respondeu a opor-se ao valor da renda. Ainda que:

O prédio locado carecia de obras de conservação;

E propôs renda de 250,00 euros mensais.

Que tinham sido realizadas benfeitorias que estimou em 80.000,00 euros

A invocar a faculdade de denúncia do contrato mediante pagamento de compensação no valor de 132.500,00 euros relativos a benfeitorias e a cinco anos de renda no valor médio da proposta e contraproposta.

15. As AA remeteram carta datada de 29 de agosto recebida a 4 de Setembro de 2014 informando que: não aceitavam a proposta.

Que considerando os critérios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 35.º da lei 31/2012, aplicável por força dos artigos 52.º e 33.º, n.º 5 alínea b) da mesma lei, atualizavam o valor da renda nos seguintes termos: "(valor patrimonial das fracções RC-5 e 1.º A: 15anos: 12 meses isto é € 119.050,00 (€ 2370,00 + 116.000,00): 15= € 7.936,67 : 12= 663,39 euros.

Consideramos o contrato celebrado pelo prazo certo e por cinco anos a contar da presente comunicação 29 de agosto de 2014.

Mais informamos que o valor da renda agora comunicado é devido desde o dia 1 do 2.º mês seguinte ao da recepção desta comunicação dia 1 de Outubro de 2014, considerando os artigos 33.º, n.º 3 e 5, alínea b) da lei 31/2012.

Junta documento comprovativo de actual valor patrimonial do locado."

20. O réu respondeu remetendo às AA carta datada de 08.04.2015, reiterando, designadamente, que não tem conhecimento de qualquer aceitação da renda proposta por parte do clube (fls.106 e 107).


Pretendem os autores que nos factos em causa conste o texto integral das cartas a que respeitam, trocadas entre as partes.

É pretensão de natureza factual que, segundo nos é dada constatar, não foi submetida à apreciação do Tribunal da Relação, sendo inovadoramente formulada nesta revista; está, por isso, fora do que é o objeto próprio do recurso que visa a sindicância de erros de julgamento cometidos pelo tribunal recorrido e não a emissão de novas decisões.

Daí que se não deva conhecer da matéria.

Sempre se dirá que as autoras não alegam, nem, aliás, se vê, que utilidade possa ter essa transcrição integral, sendo certo que, estando-se perante factos aceites por acordo e que constituem declarações escritas dirigidas por uma à outra parte em documentos particulares não impugnados, outros segmentos dessas missivas que, para além dos destacados nesses pontos de facto, pudessem interessar para a decisão jurídica da causa, sempre seriam de levar em consideração, apesar de não descritos – art.607º, nº 4, 2ª parte.


Sustentam os recorrentes que a redação dos factos nºs 24, 25, 26, 27, 28 e 29 referente “às entidades com as quais o réu estabeleceu protocolos não reproduz, e deve, também, reproduzir as atividades que cada uma dessas entidades protocolares exerce, em relação às que estão documentadas (no facto 26, deve constar que a associação promove a integração e reabilitação social, no facto 27, deve constar que a associação promove a divulgação do cinema entre os seus sócios, por exemplo)

E, ainda, que “desses factos não deve constar, porque não se provou, nem sequer se alegou, que o réu ou essas entidades cessionárias ficavam obrigadas a «promover atividades socioculturais de interesse público relevantes» ".


A pretendida reprodução das atividades que cada uma das entidades protocolares exerce é também uma questão nova, já que, em sede de apelação, as autoras, diversamente, se insurgiam contra a circunstância de nesses pontos – e também no nº 22 – não constarem “as atividades que mercê desses protocolos passaram a ser realizados no locado, e à sua periodicidade, quer quanto ao facto de este ficar aberto ao público em, geral.”[9]

A questão, assim suscitada, mereceu do Tribunal da Relação a seguinte apreciação:

No que toca ao facto 22, o documento das folhas 211 a 213 diz-nos que na cláusula 2.ª desse protocolo se acordou que as atividades consistiriam na "realização de exposições, colóquios ou outras actividades socioculturais".

E quanto aos factos 24 a 29 regista-se que resulta dos documentos das folhas 339 a 350 que nas cláusulas 2.ª e 3.ª desses protocolos se convencionou que o réu "compromete-se a ceder a título gratuito (…) o salão nobre e demais instalações da sua sede para a realização de exposições, colóquios ou outras actividades socioculturais", "no mínimo semestralmente uma actividade cultural (…) desde que tal seja estatutariamente compatível com os [seus] fins".

Sendo assim, é isso que deve ser levado a tais factos.”

E assim surgiram, por intervenção do Tribunal da Relação, os factos provados descritos sob os nºs 24 a 29, cujo teor, relembramos, é o seguinte:

24. No protocolo celebrado entre o DD e o GG, o réu "compromete-se a ceder a título gratuito (…) o salão nobre e demais instalações da sua sede para a realização de exposições, colóquios ou outras actividades socioculturais", "no mínimo semestralmente uma actividade cultural (…) desde que tal seja estatutariamente compatível com os [seus] fins".

25. No protocolo celebrado entre o DD e a HH, o réu "compromete-se a ceder a título gratuito (…) o salão nobre e demais instalações da sua sede para a realização de exposições, colóquios ou outras actividades socioculturais", "no mínimo semestralmente uma actividade cultural (…) desde que tal seja estatutariamente compatível com os [seus] fins".

26. No protocolo celebrado entre o DD e a II - Associação de Integração e Reabilitação Social, o réu "compromete-se a ceder a título gratuito (…) o salão nobre e demais instalações da sua sede para a realização de exposições, colóquios ou outras actividades socioculturais", "no mínimo semestralmente uma actividade cultural (…) desde que tal seja estatutariamente compatível com os [seus] fins".

27. No protocolo celebrado entre o DD e a Cineclube de …, o réu "compromete-se a ceder a título gratuito (…) o salão nobre e demais instalações da sua sede para a realização de exposições, colóquios ou outras actividades socioculturais", "no mínimo semestralmente uma actividade cultural (…) desde que tal seja estatutariamente compatível com os [seus] fins".

28. No protocolo celebrado entre o DD e a JJ, o réu "compromete-se a ceder a título gratuito (…) o salão nobre e demais instalações da sua sede para a realização de exposições, colóquios ou outras actividades socioculturais", "no mínimo semestralmente uma actividade cultural (…) desde que tal seja estatutariamente compatível com os [seus] fins".

29. No protocolo celebrado entre o DD e o Club DD …, o réu "compromete-se a ceder a título gratuito (…) o salão nobre e demais instalações da sua sede para a realização de exposições, colóquios ou outras actividades socioculturais", "no mínimo semestralmente uma actividade cultural (…) desde que tal seja estatutariamente compatível com os [seus] fins".


Operada esta modificação nos factos em causa, os recorrentes mudam na presente revista a posição antes assumida, trazendo uma novíssima versão acerca do que será o julgamento correto dessa mesma factualidade, o que, como dissemos já a propósito dos pontos anteriores, extravasa em absoluto o âmbito próprio do recurso, meio processual que se não destina à criação de novas decisões, mas ao suprimento de eventuais erros de julgamento que o tribunal recorrido tenha cometido.

Nesta conformidade, não é de conhecer desta matéria.


Não obstante, sempre se dirá que se não vê, nem as autoras fazem o menor esforço no sentido de explicitar, em que medida e por que razão os acrescentos – que serão parte integrante de documentos juntos aos autos pelo réu e cujo conteúdo foi tido como verdadeiro pelas autoras - terão interesse para a decisão da causa.


Os recorrentes, ao pretenderem que dos citados factos seja extirpada, por indemonstrada, a afirmação de que “o réu ou essas entidades cessionárias ficavam obrigadas a «promover atividades socioculturais de interesse público relevantes»”, mostram ter esquecido ou nem sequer ter dado conta da modificação introduzida nessa matéria pelo Tribunal da Relação.

A simples leitura dos factos revela que tal afirmação deixou de os integrar, sendo absolutamente infundado o que, em contrário, expressamente dizem na conclusão 16ª, alínea b), em atuação processual que só por grosseira distração se concebe.

Não faz qualquer sentido a sua tese, que, de qualquer modo, nunca seria suscetível de vingar, pois a este STJ é vedada a sindicância de decisão de facto que se haja fundado em livre apreciação da prova e seria um julgamento dessa natureza o que estaria em causa se a dita afirmação ainda integrasse os factos em causa.


Sustentam que do facto nº 36 deve constar também, conforme confessado em depoimento de parte pelo Presidente da Direção do réu, que o réu “realizou um jantar magusto com entradas pagas e acesso a não-sócios, um jantar dançante com acesso a não-sócios e entradas pagas, o I Encontro de Engenharia … e um Ciclo de conferências sobre alimentação”

No tocante ao facto julgado como não provado e descrito em II, defendem que deve ser julgado como provado com base na confissão alegadamente feita no mesmo depoimento de parte.

Foi matéria já levada à 2ª instância e aí decidida com a seguinte fundamentação:

Na perspectiva dos autores há erro no julgamento do facto 36 dos factos provados e I, II e XV dos factos não provados[10], por a prova produzida conduzir a conclusões diferentes das que foram dela extraídas.

Nestes factos consta:

"36. O Réu tem realizado bailes, por vezes com DJ’s de acesso ao público em geral com entradas pagas e consumo mínimo sendo que a música e o barulho se fizeram ouvir pelo menos uma vez até à 1h 30m da manhã.

(…)

II. No locado praticam-se jogos de fortuna e azar.

No que se refere ao facto 36, o que os autores querem é que se lhe acrescente que o réu "realizou um jantar magusto com entradas pagas e acesso a não sócios, uma festa do Halloween com entradas pagas e acesso a não sócios, um jantar dançante com acesso a não sócios e entradas pagas, o 1º encontro de Engenharia …, e um ciclo de conferências sobre alimentação, com fornecimento de documentação e certificado de participação".

A "festa do Halloween", se não se tiver já por abrangida nos "bailes", e o "jantar magusto com entradas pagas e acesso a não sócios", bem como o "jantar dançante", se se entender que não estão incluídos nos "jantares" a que alude o facto 37, então, tal como "o ciclo de conferências sobre alimentação, com fornecimento de documentação e certificado de participação", constituem factos não alegados, pelo que, independentemente da prova produzida, não podem figurar entre os provados.

Relativamente ao facto II dos factos não provados, os autores consideram que se deve jugar provado que "no locado praticaram-se, pelo menos no passado, jogos de fortuna e azar".

Salvo melhor juízo, este facto não tem relevância jurídica, pois ao referir-se, de forma absolutamente vaga, a um "passado" não situado no tempo, sabendo nós que o contrato de arrendamento foi celebrado há mais de 100 anos, não permite que dele se extrai qualquer efeito jurídico. Acresce que a testemunha KK[11], cujo depoimento os autores invocam, questionada sobre a matéria disse que "não tenho conhecimento de ver. Sempre ouvi falar, porque no passado longínquo, o jogo, sendo uma actividade sociocultural, era praticado, agora não sei se é de jogo e azar".

Ora, esta afirmação é claramente insuficiente para que se possa ter o facto por provado.



No tocante ao julgamento emitido sobre o facto nº 36, as recorrentes, optam, mais uma vez, por trazer a este STJ uma versão dos factos que pretendem ver consagrada como verdadeira, não totalmente coincidente com a que antes, em sede de apelação, haviam sustentado ser a que resultara provada.


Dizem ter havido erro de julgamento, por se ter desconsiderado a confissão, feita em julgamento, pelo legal representante do réu, tanto da matéria que pretendem ver acrescentada ao facto nº 36, como da que sustentam dever ser julgada como provada e que se acha descrita em II do elenco de facto tido como indemonstrado.



A confissão judicial só tem força probatória plena contra o confitente se for escrita; é o que claramente resulta dos nºs 1 e 4 do art. 358º do C. Civil.

Daí que, em consonância absoluta com tal regra, o art. 463º do CPC, estabelece no seu nº 1 que “O depoimento é sempre reduzido a escrito, na parte em que houver confissão do depoente, ou em que este narre factos ou circunstâncias que impliquem indivisibilidade da declaração confessória.”

E incumbindo ao juiz a redação da confissão feita, cabe às partes ou aos seus advogados fazer as reclamações que entendam convenientes.

Ora, revisitando as atas de julgamento, concretamente a de fls. 319 a 322 onde se dá conta da prestação de depoimento de parte de KK, que se identificou como legal representante do réu, enquanto seu Presidente, verifica-se que a fls. 320 consta o seguinte:

Findo o depoimento do legal representante do réu, pela Mmª Juiz foi proferida a seguinte assentada:

O réu celebrou protocolo com 8 (oito) instituições da cidade e abriu um bar onde serve café e pequenas refeições acessíveis ao público em geral”.

É só esta a confissão escrita, proveniente das declarações de parte, de que dispomos e só a esta pode ser atribuída força probatória plena.

Daí que de nada valha, para efeitos de alteração da decisão proferida sobre os factos por este STJ, remeter para a gravação digital do depoimento de parte prestado; não estando reduzida a escrito como declaração confessória nos termos já referidos, ainda que a parte ou o seu legal representante tenham eventualmente reconhecido facto que lhes é desfavorável, tal declaração, sendo de apreciação livre pelo tribunal – nº 4 do citado art. 358º -, está fora do controle deste STJ que apenas intervém no julgamento dos factos nos estreitos limites que acima definimos.

Soçobra também a pretensão das recorrentes quanto a este ponto.


Ainda no campo da sindicância da decisão proferida sobre os factos, prosseguem as recorrentes - mas agora bem mais à frente, na conclusão 19ª –, sustentando que se devem acrescentar como factos provados os que aí enumeram e descrevem, invocando como elemento probatório que ditará tal decisão o depoimento prestado pelo atual presidente de direção do réu.

Ou seja, pretendem que este tribunal, servindo-se de elemento de prova sujeito à livre apreciação do julgador, introduza alterações na decisão proferida pelas instâncias, o que, como já afirmámos e as próprias recorrentes aceitam em abstrato, está fora dos poderes do STJ.

Não colhe também a sua pretensão nesta parte.

 


Da resolução do contrato:

A tese dos recorrentes neste campo é a de que os factos provados, mesmo sem a introdução das alterações que propunham na presente revista, demonstram a verificação de todos os fundamentos invocados para a resolução do contrato, a saber, falta de pagamento das rendas no valor atualizado, o uso do prédio para fim diverso daquele a que contratualmente se destina e a cessão parcial do gozo do prédio sem o consentimento do senhorio.


Vejamos se lhes assiste razão.


Sobre a invocada utilização do locado para fim diverso do acordado e a sua cessão a terceiros sem o consentimento dos senhorios, lê-se no acórdão impugnado o seguinte:

“Para os autores a matéria de facto provada constitui "inequívoca prova de utilização do locado para fim diverso do contratualizado, designadamente para actividades comerciais, e a cessão não consentida pelos senhorios, do locado a terceiros para exercício nele de actividades estranhas aos sócios do clube e abertas ao público em geral, ou seja, provada ficou a violação pelo réu do disposto no artigo 1083.º, n.º 2 do CC"[12]. Para tal fazem alusão expressa aos "factos provados nos 22, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 34, 35, 36 e 37"[13].

Com a afirmação de que há uma utilização do locado "para fim diverso do contratualizado, designadamente para actividades comerciais, e a cessão não consentida pelos senhorios, do locado a terceiros para exercício nele de actividades estranhas aos sócios do clube e abertas ao público em geral", os autores só podem ter em mente as alíneas c) e e) do n.º 2 do artigo 1083.º do Código Civil.

Os factos 22 e 24 a 29 não correspondem, de modo algum, a uma cessão do gozo do prédio. Na verdade, o réu, ao ceder as suas instalações, no âmbito dos protocolos que celebrou, para a "realização de exposições, colóquios ou outras actividades socioculturais" está a actuar em parceria com essas entidades, não deixando de deter de facto o arrendado. O que o réu permite é que esses seus parceiros utilizem momentaneamente o arrendado, designadamente para lá colocarem objectos em exposição ou realizarem colóquios. No decorrer dessas actividades, necessariamente temporárias, o réu não perde o domínio do espaço que lhe está arrendado; não cede esse domínio de facto à entidade que ali expõe ou realiza um colóquio. E ao actuar dessa forma tem em vista atingir os fins que figuram nos seus estatutos, entre os quais se conta a "realização e apoio à organização de seminários, colóquios e concepção, execução e ou apoio a projectos de base local com impacto económico, social, cultural e desportivo, de ocupação de tempos livres, de lazer e de bem-estar" e a "cooperação com instituições locais, regionais e centrais", sendo certo que "o locado (…) destina-se ao exercício das actividades estatutárias para que o Clube fora criado e compreendidas no seu objecto"[14].

O réu tem ainda por objecto levar a cabo "actividades lúdicas", "actividade de hotelaria, nomeadamente bar e restauração" e "execução de iniciativas de animação". Sendo assim, a exploração do bar, a realização de bailes, de jantares e concertos não se traduz no uso do prédio para fim diverso daquele a que ele se destina. E a circunstância de a participação nestas actividades não ser gratuita e estar aberta ao público em geral não tem, para este efeito, significado. Na verdade, as "entradas pagas e consumo mínimo" para esses eventos, e a abertura destes à sociedade, correspondem, não só a uma forma de obter receita para suportar a despesa que eles próprios originam, como também, eventualmente, de gerar algum provento para fazer face aos diversos encargos que o réu, enquanto instituição, necessariamente tem, traduzindo-se esses acontecimentos na concretização de "projectos de base local (…) de ocupação de tempos livres" que constam dos seus estatutos.

Não há, portanto, qualquer violação ao disposto no n.º 2 do artigo 1083.º do Código Civil.


Porque a tese dos recorrentes exposta na revista é em tudo idêntica à apresentada na apelação e porque reiteramos, pelo seu inteiro acerto, as razões e argumentos usados no acórdão recorrido, em relação aos quais nada de substancial há a acrescentar, afirmamos, também nós, a não verificação dos fundamentos de resolução previstos no art. 1083º, nº 2, alíneas c) e e) do CC.


Quanto à invocada falta de pagamento das rendas no valor resultante da atualização que os recorrentes dizem ter feito, escreveu-se no acórdão recorrido:

“Os autores sustentam igualmente que "não é (…) feliz a sentença na interpretação que dá ao artigo 11.º, n.º 1 do NRAU, por (…) as comunicações (…) feitas apenas pelas autoras mulheres, uma vez que visando as mesmas um aumento da renda e a fixação de um prazo de 5 anos para o arrendamento, tais acções cabem inequivocamente dentro da permissão legal, como actos de administração ordinária (artigo 1024.º, n.º 1 do CC)"[15].

Neste ponto na sentença recorrida deixou-se dito que:

"(…) as comunicações remetidas ao réu não cumprem ainda o disposto no artigo 11.º, n.º 1, do NRAU que determina, sob pena de ineficácia, que havendo pluralidade de senhorios todos devem subscrever as comunicações.

In casu, sendo o marido da 1ª Autora comproprietário de 1/3 do imóvel[16] que está parcialmente arrendado ao réu, o facto de este não ter subscrito as cartas dos autos tem como consequência inevitável, a sua ineficácia."

Tem a Meritíssima Juiz inteira razão. Efectivamente, do facto 1 emerge, com toda a clareza, que o autor Armindo Lopes é um dos comproprietários do imóvel, pelo que, dado o disposto no artigo 11.º n.º 1 da lei 6/2006 de 27 de Fevereiro, era indispensável a sua participação -"sob pena de ineficácia"- nas comunicações dirigidas ao locatário. Ora, como é pacífico, o autor EE não interveio nesse processo. E esta ausência é quanto basta para, independentemente do mais, inquinar irremediavelmente o processo de transição para o NRAU que as autoras (desacompanhadas do autor EE) quiseram levar a cabo.

A posição defendida pelos autores na conclusão 20.ª pressupunha que, tal como eles pretendiam, se tivesse modificado o teor do facto 1, coisa que, como acima se viu, não aconteceu.

Consequentemente, fica prejudicado o conhecimento das questões suscitadas nas conclusões 18.ª e 21.ª.”


Também quanto a este ponto acompanhamos o entendimento já adotado nas instâncias, por duas vezes e em absoluta conformidade.


Está em causa essencialmente a questão de saber se é, ou não, eficaz a comunicação dirigida apenas pelas autoras ao réu, em 29.08.2014, onde diziam, além do mais, e como consta do facto nº 15, que,

(…) considerando os critérios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 35.º da lei 31/2012, aplicável por força dos artigos 52.º e 33.º, n.º 5 alínea b) da mesma lei, atualizavam o valor da renda nos seguintes termos: "(valor patrimonial das fracções RC-5 e 1.º A: 15 anos: 12 meses isto é € 119.050,00 (€ 2370,00 + 116.000,00): 15= € 7.936,67 : 12= 663,39 euros.

Consideramos o contrato celebrado pelo prazo certo e por cinco anos a contar da presente comunicação 29 de agosto de 2014.

Mais informamos que o valor da renda agora comunicado é devido desde o dia 1 do 2.º mês seguinte ao da recepção desta comunicação dia 1 de Outubro de 2014, considerando os artigos 33.º, n.º 3 e 5, alínea b) da lei 31/2012.

Junta documento comprovativo de actual valor patrimonial do locado."


Esta comunicação foi considerada ineficaz na sentença por duas ordens de razões, a saber: a) o cálculo da nova renda se ter fundado num valor patrimonial respeitante, não só ao 1º andar que é o objeto da locação, mas também ao rés-do-chão do prédio; b) a comunicação enviada não ter sido subscrita por todos os locatários, o que viola o nº 1 do art. 11º do NRAU e a torna, por força disso, ineficaz.

Vimos já que a sentença, pese embora o seu acerto nesse ponto, foi julgada nula pelo acórdão recorrido na parte em que considerou ineficaz a comunicação por, desrespeitando as exigências legais, ter considerado um valor patrimonial que excede o referente à parte do prédio arrendado, por se tratar de motivo de ineficácia não invocado pelo réu.

Assim, resta saber se a ineficácia afirmada com base na não subscrição da carta por todos os senhorios é de acompanhar.

É inequívoco que a mesma foi assinada apenas pelas autoras, não tendo sido subscrita, designadamente, pelo interveniente principal, que tendo inscrita a seu favor a aquisição, por compra, de 1/3 do prédio locado, tem seguramente, a posição de senhorio, não só por esse facto mas também por estar casado em regime de comunhão geral com a autora AA que, por seu lado, tem inscrita a seu favor a aquisição, por doação e partilha, de 1/3 do mesmo prédio.

O art. 11º do NRAU, aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro, inserido na Secção I com a epígrafe “comunicações” dispõe no seu nº 1 que: “havendo pluralidade de senhorios, as comunicações devem, sob pena de ineficácia, ser subscritas por todos, ou por quem a todos represente, devendo o arrendatário dirigir as suas comunicações ao representante, ou a quem em comunicação anterior tenha sido designado para as receber.

As comunicações a que a norma se reporta são as aludidas no precedente art. 9º, ou seja “as (…) legalmente exigíveis entre as partes, relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras”.

E, no tocante aos senhorios, é sua finalidade assegurar a participação da totalidade dos titulares dessa posição, congregando numa única declaração negocial a vontade plural, mas unânime, de resolver o contrato ou de atualizar a renda para um certo valor.

Só assim se alcança a certeza de que a comunicação dirigida ao arrendatário é expressão da vontade coletiva dos que, possuindo a qualidade de senhorios, têm legitimidade substantiva para emitir declaração negocial daquela natureza, obstando-se a que possam surgir comunicações plurais de conteúdo diverso, o que geraria instabilidade contratual com manifesto prejuízo de ambas as partes, ou que um dos senhorios veja o seu direito posto em causa por iniciativa de outro ou de outros senhorios.

Como se escreveu no acórdão da Relação de Lisboa de 1.07.2014[17] o aludido preceito legal “tem subjacente a regra da unanimidade em relação às comunicações por iniciativa dos senhorios, visando evitar que um senhorio possa actuar com desconhecimento dos restantes, ou seja, pretende-se garantir que nenhum senhorio vê o seu direito, enquanto senhorio, posto em causa por uma iniciativa isolada dos outros senhorios.”


Na linha do exposto aponta o regime instituído no nº 6 da mesma norma, segundo o qual equivale a silêncio a pluralidade de comunicações de diverso conteúdo que sejam emitidas pelos titulares das posições de senhorio ou de arrendatário.

Tanto mais que, não esqueçamos, o arrendatário tem o direito de denunciar o contrato nos termos e circunstâncias previstos no art. 31º, nº 3, alínea d) do mesmo diploma, o que pode ser contrário ao interesse do senhorio que não tiver intervindo, como subscritor, na comunicação que àquele foi dirigida, no âmbito do processo negocial tendente à transição para o NRAU e à atualização da renda.

Assim, sob pena de ineficácia, a comunicação de transição para o NRAU e de atualização de renda dirigida ao réu devia ter sido subscrita, além do mais, pelo interveniente EE, não só por ter adquirido, por compra, 1/3 do prédio, mas também por ser casado em regime de comunhão geral de bens com a autora AA que, por seu lado, era já titular de igual quota, sendo bem comum do casal 2/3 do dito imóvel.

Contra o que sustentam os recorrentes, a exigência de intervenção de todos os senhorios não se mostra satisfeita pelo facto de a comunicação ter sido subscrita por um dos titulares da comunhão.

Como fazem notar Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge[18], na “pluralidade de senhorios” sobre a qual o dito art. 11º, nº 1 dispõe, “estão abrangidos os casos de arrendamento de bem comum pelo cônjuge administrador, com o consentimento do outro cônjuge (cfr. artº 1682º-A do CC)

O preceito exige, pois, que ambos os titulares da comunhão subscrevam a comunicação, só desta forma se assegurando que a comunicação incorpora a vontade negocial de ambos os consortes.

É certeza que, a não ser assim, seria muito difícil de alcançar, particularmente em casos como o dos autos em que um dos senhorios, não tendo subscrito a comunicação, só passou a estar nos autos depois de chamado a intervir pelos demais autores, afirmando, então, a autora sua mulher, que litigava “por si e sem o prévio consentimento de seu marido”, a deixar perpassar a ideia de que todo o processo negocial que antecedeu a propositura da ação decorreu à revelia dele.

Daí a exigência feita no citado art. 11º, nº 1, cuja não satisfação determina a ineficácia da comunicação.

Francisco de Castro Fraga[19] afirma que a consequência, tanto para a falta dos requisitos materiais constantes do art. 30º, como para o não cumprimento das regras relativas à forma e destinatário da comunicação, constantes dos arts. 9º a 12º (todos do NRAU), é a ineficácia da comunicação.

No seu dizer: “tudo se passará como se ela não tivesse sido feita (…) Como exceção a esta regra aponta-se, apenas, os lapsos calami, erros de escrita” que, sendo revelados no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que esta é feita, nos termos do art. 249º do C. Civil, podem ser corrigidos.

Sendo ineficaz a comunicação remetida pelas autoras ao réu, não se produzem os efeitos que tal declaração negocial se destinava a produzir, ou seja, a transição para o NRAU e a atualização da renda.

Assim, também quanto à negação da resolução do contrato com fundamento na falta de pagamento do valor da renda “atualizado”, não merece censura o acórdão recorrido.


Do conhecimento do pedido subsidiário:

Atentemos, finalmente, na última das questões que os recorrentes submetem à apreciação deste tribunal nos termos expostos na conclusão 20ª, alínea e).

O seu teor combinado com a parte arrazoada das alegações respeitante a esta matéria revela que, ao fim - e - ao cabo, se insurgem contra o facto de o Tribunal da Relação não ter julgado procedente o pedido subsidiário, na parte em que se pretendia o reconhecimento de que o contrato de arrendamento juizado ficara “subordinado a prazo certo e por 5 anos, a contar de 1 de Outubro de 2014, passando a ficar subordinado, nesse e em todos os domínios, ao regime do NRAU"

Sustentam, como se vê dessa conclusão, que a transição para o NRAU e a fixação de um prazo de cinco anos para o arrendamento, comunicadas pelas autoras ao réu através da carta a que nos vimos referindo, não sairão “contaminadas” ainda que se entenda que foi incorretamente calculado o valor atualizado da renda.

Sem razão.

Mais uma vez esquecem que, tendo a ineficácia da comunicação sido afirmada na sentença com base em duas circunstâncias – o cálculo do valor da renda ter sido feito a partir de premissas que o tornaram desconforme com o regime legal vigente, pois assentou na consideração de um valor patrimonial que abrangia, não só o 1º andar locado, mas também o rés-do-chão do prédio e, ainda, a violação do art. 11º, nº 1 do NRAU, por a comunicação não ter sido subscrita pelo interveniente –, só o primeiro dos fundamentos, caiu, quando o acórdão impugnado declarou a nulidade da sentença nessa parte.

Reafirmou e reafirmámos também nós a ineficácia da comunicação por violação da regra ínsita no art. 11º, nº 1, nos termos sobreditos.

Essa ineficácia, como dissemos já, obsta a que a declaração negocial produza os efeitos que se destinava a produzir, tudo acontecendo como se não tivesse existido.

Daí que se não possa reconhecer que o contrato ficou subordinado ao regime do NRAU e a prazo certo por cinco anos, a contar de 1 de Outubro de 2014.


Na conclusão 20ª, alínea e) insurgem-se ainda os recorrentes contra a condenação na totalidade das custas; é matéria de que se não conhecerá, pois não se vislumbra que tenha sido versada na parte arrazoada das alegações de que as conclusões, por definição, devem ser uma súmula.


IV – Pelo exposto, julga-se a revista improcedente, mantendo-se o acórdão recorrido.


Custas a cargo das autoras.


Lisboa, 19.06.2019


Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho (Relator)

Catarina Serra

Bernardo Domingos

___________

[1] Diploma a que respeitam as normas de ora em diante referidas sem menção de diferente proveniência.
[2] Na medida em que a sorte do Clube DD, mais concretamente da sua sede, interessa, além do mais, a quem, por razões culturais, de convívio ou de diversão, o frequenta.
[3] Esquecendo que estas, por imposição do art. 639º, nº1, devem ser a súmula dos motivos pelos quais o recorrente pede a alteração ou anulação da decisão.
[4] Cfr., neste exato sentido, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, 2º volume, pág. 646 e arestos aí citados.
E, ainda, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, obra citada, pág. 727.
[5] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, págs. 115 e 116.
[6] Lei nº 62/2013, de 26 de agosto
[7] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 406 e 407
[8] Fls. 527 dos autos
[9] Como consta da conclusão 13ª b) aí formulada
[10] Cfr. concussões 13.ª e), f) e g) e 16.ª.
“[11] Actual Presidente da Direcção.”
[12] Cfr. conclusão 17.ª.
[13] Cfr. conclusão 12.ª.
“[14] Cfr. facto 4.”
“[15] Cfr. conclusão 20.ª.”
“[16] Sublinhado nosso.”
[17] Proc. nº 3084/13.8YLPRT.L1-7, relatora Desembargadora Cristina Coelho, www.dgsi.pt
[18] Arrendamento Urbano, Novo Regime Anotado e Legislação Complementar, 3ª edição, pág. 45 
[19] “Leis do Arrendamento Urbano Anotadas”, coordenação de António Menezes Cordeiro, 2014, pág. 484.