Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
208/19.5GEBRG-N.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
PRESSUPOSTOS
PROVA PROIBIDA
DEPOIMENTO INDIRETO
MEDIDA CAUTELAR E DE POLÍCIA
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 06/23/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :
I - Nem os artigos 451.º a 454.º do CPP, que regulam a tramitação do recurso de revisão no tribunal onde se proferiu a sentença que deve ser revista, nem qualquer outra norma que disciplina a tramitação do recurso de revisão, admite a possibilidade de adesão ao recurso de revisão interposto por outro sujeito processual com legitimidade para tal, nem determina a aplicação, subsidiariamente, das disposições que regulam os recursos ordinários.
Na tramitação do recurso de fixação de jurisprudência - também um recurso extraordinário, com tramitação própria fixada nos artigos 437.º a 448.º do CPP -, o legislador determina no art. 448.º, que aos recursos de fixação de jurisprudência, se aplicam subsidiariamente as disposições que regulam os recursos ordinários. Assim, se o legislador tivesse querido que à tramitação do recurso de revisão fossem aplicáveis subsidiariamente as disposições que regulam os recursos ordinários, não teria deixado de o estabelecer também para o recurso de revisão.
Deste modo, mesmo para quem considere que o art. 402.º do CPP - que respeita ao «âmbito do recurso» -, integrado nas disposições «dos recursos ordinários» -, permite ao não recorrente “aderir” ao recurso interposto por outro sujeito processual, entende este Supremo Tribunal que face à natureza excecional do recurso de revisão, tal adesão não é admissível neste recurso extraordinário.
II - Perante o disposto na alínea e) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, existe um entendimento jurisprudencial consolidado do STJ de que o fundamento de revisão respeitante à condenação com recurso a provas proibidas exige a verificação de dois requisitos:
(i) condenação em provas proibidas, nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º do Código de Processo Penal; e
(ii) superveniência na demonstração de que serviu de fundamento à condenação uma prova proibida.
III - Ainda que não seja de todo pacífico na doutrina saber se só a violação dos direitos abrangidos no art. 32.º, n.º 8 da CRP constitui uma proibição de prova, ou se a violação de qualquer direito fundamental pode gerar tal proibição, o certo é que a alínea e), n.º1 do art. 449.º do CPP, é taxativo no sentido de que só a condenação em provas proibidas previstas nos n.º 1 a 3 do art. 126.º deste Código é fundamento de admissibilidade de revisão transitada em julgado.
III - A proibição de depoimento indireto não se insere, de modo algum, nas provas proibidas a que alude o art. 126.º, n.os 1 a 3 do CPP, ou seja, nas provas obtidas mediante tortura, coação, ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas e intromissão não autorizada no domicílio, vida privada e correspondência ou telecomunicações.
A proibição de valoração do depoimento indireto, fora dos condicionalismos legais, resulta do n.º 3 do art. 129.º do CPP.
IV - Assim, não tendo o depoimento indireto servido de fundamento à condenação do ora recorrente do pedido de revisão, nem constituindo tal depoimento indireto prova proibida tal como as previstas no art. 126.º do CPP, não se mostra preenchido o primeiro dos requisitos: (i) condenação em provas proibidas, nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º do Código de Processo Penal.
Decisão Texto Integral:


Proc. n.º 208/19.5GEBRG-N.S1

Recurso extraordinário de revisão

*

Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I- Relatório

     

1. No Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Criminal de Braga - Juiz 6, no âmbito do processo comum coletivo n.º 231/19.0GHCTB, foi o arguido AA condenado, por acórdão transitado em julgado em 26 de abril de 2021,

- como autor material, de um crime de furto simples, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.ºs 2, al. e), e 4, do CP (“Talho P...” - NUIPC 522/19.0GBVVD), na pena de 1 ano e 3 meses de prisão;

- como autor material, de um crime de furto simples, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.ºs 1, al. e), 2, al. e), 3 e 4, do CP (“Pastelaria D...” - NUIPC 392/19.7GCBRG), na pena de 1 ano e 2 meses de prisão;

- como autor material, de um crime de furto simples, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1. e 204.º, n.ºs 1, al. e), 2, al. e), 3 e 4, do CP (“Talho V...” - NUIPC 11/19.2GBBRG), na pena de 1 anos e 2 meses de prisão;

- como coautor, de um crime de furto simples p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.os 1, al. e), 2, al. e), 3 e 4, do CP (“F...” – NUIPC 363/19.4GAVVD), na pena de 1 ano e 2 meses de prisão;

- como coautor de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, al. e), do CP (“Confraria” - NUIPC 338/19.3GAAMR), na pena de 2 anos de prisão;

- como coautor de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, al. e), do CP (“Café C...” - NUIPC 250/19.6GAVRM), na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; e

- em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos e 2 meses de prisão efetiva.

2. Invocando como fundamento de revisão, o previsto na alínea e), n.º 1, do art.449.º do Código de Processo Penal, veio o condenado AA, em 10 de março de 2022, interpor recurso extraordinário de revisão do aludido acórdão condenatório, alegando o seguinte (transcrição):

1. Por acórdão transitado em julgado, foi o aqui recorrente condenado em cúmulo na pena única de 6 (seis) anos e 11 (onze) meses de prisão por Autoria em dois crimes de furto simples, p. e p. pelos artigos 26º/1, 203º/1, 204º/1, e), n.º 2), e), 3) e 4) do Código Penal, por referência ao art.º 202º/d, do mesmo código, um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 26º, 203º/1, 204º/1 e) e n.º 3), por referência ao art.202º/d, do Cód. Penal, e coautoria em um crime de furto simples, p. e p. pelos artigos 26º, 203º/1, 204º/1, e), 2), 3) e 4), com referência ao art.202º/d, C.P., e três crimes de furto qualificado, p(s). e p(s). pelos artigos 26º, 203º/1, 204º/1, e), 2) e 3), todos do Cód. Penal, tendo sido a mesma reduzida por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 12/04/2021, na pena única de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão efetiva.

2. O crime de furto qualificado que aconteceu no “Restaurante S.…” foi retirado dos factos provados e a sua pena deixou de fazer parte para a aplicação da medida concreta no cúmulo jurídico.

3. Como se vislumbra no acórdão, o reconhecimento do arguido se deu através da utilização de prova proibida, violando o artigo 126.º C.P.P..

4. O Sr. Guarda da GNR BB, testemunha indirecta, através de conversa informal com o casal não identificado, obteve a informação da placa do veículo furtado ...-...-UT, que levou a identificação do arguido.

5. A partir deste preciso momento iniciam-se os mecanismos de investigação no âmbito deste processo.

6. Violando, assim, o artigo 6, nº 1 e 3, da CEDH, e o artigo 32, da C.R.P.

7. E peremptoriamente violou o artigo 129, nº 1, e o nº 3 do C.P.P..

8. As proibições de prova correspondem a limites à descoberta da verdade, a verdadeiros direitos subjectivos, violações respeitantes a Direitos Fundamentais e à própria Dignidade da Pessoa Humana, o que significa que são inadmissíveis quer provas directamente obtidas pelo meio ou método proibidos, mas também aquelas que dele dependerem.

9. Esta dependência, como afirma Costa Pinto, é uma dependência lógica, material e axiológica. Também assim Paulo Pinto de Albuquerque “o apuramento do efeito à distância da proibição de prova ou, dito de outro modo, dos frutos da árvore envenenada há-de, pois, resultar de uma

necessária ponderação do nexo que liga a prova proibida e a prova mediata dela resultante”.

10. Assim, violou o acórdão a própria Constituição que no seu artigo 32.º n.º 8, refere que são nulas todas as provas obtidas, não fazendo a diferença entre provas imediata ou mediatamente obtidas.

11. Violando também o artigo 122.º, o qual determina que “tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aqueles que poderem afectar”.

12. É com a notícia do crime que se desencadeia o procedimento criminal sendo que no presente processo o mesmo está inquinado pelo depoimento indirecto, depoimento esse que constitui prova proibida.

13. Como é bem sabido, a jurisprudência, a doutrina e os princípios constitucionais inerentes, referem, inequivocamente, que “algo que começa mal tarde ou nunca se endireita”. Assim, o fundamento deste recurso de revisão pela alínea “E”, do artigo 449, do C.P.P., tem um fundamento válido, e já é raro no nosso ordenamento jurídico.

14. Assim, a prisão do recorrente não é válida, o recurso é fundamentado, e deve ser corrigido este erro judiciário.

TERMOS EM QUE, REQUER A SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO, VISTO QUE O ARGUIDO ENCONTRA-SE A CUMPRIR PENA DE PRISÃO POR DECISÃO PROFERIDA COM BASE EM PROVA PROIBIDA. REQUER-SE TAMBÉM SEJA REVISTA A DECISÃO E QUE O ARGUIDO SEJA ABSOLVIDO E RECEBA A INDEMNIZAÇÃO PELOS DANOS SOFRIDOS.

3. O Ministério Público, junto do Juízo Central Criminal de ..., respondeu ao recurso extraordinário de revisão, concluindo do modo seguinte (transcrição):

1. O fundamento do recurso de revisão previsto no artigo 449º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, tem dois pressupostos:

- que tenham servido de fundamento à condenação provas proibidas, tal como previstas no artigo 126º, do Código de Processo Penal;

- que a natureza proibida da prova só tenha sido conhecida após a decisão de condenação.

2. No caso em apreço, nenhum deles se verifica.

3. Desde logo porque a valoração de um depoimento indirecto não se encontra expressamente elencado no artigo 126º do Código de Processo Penal como método proibido de prova.

4. Depois porque a natureza do referido meio de prova já era conhecida aquando da prolação da decisão de condenação e foi até alegado pelo aqui recorrente como um dos fundamentos de recurso para o Tribunal da relação de Guimarães, sendo que nesse momento apenas invocou a sua invalidade em relação ao furto qualificado ocorrido no “Restaurante S.…” e não

relativamente aos demais factos e ilícitos imputados, pelos quais veio a ser condenado.

5. Ainda que assim não se entenda, a eventual invalidade do referido meio de prova, tido como depoimento indirecto não passível de valoração (já reconhecido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em relação aos factos ocorridos no “Restaurante S.…”) não poderá ter um efeito sistémico no sentido de inquinar toda a demais prova produzida que fundamentou a condenação pelos demais ilícitos imputados.

6. Os factos relativos aos demais ilícitos imputados ao recorrente foram dados como provados com base em elementos e meios de prova perfeitamente autónomos relativamente à prova do ilícito ocorrido no “Restaurante S.…” e sem qualquer relação de dependência relativamente a esta.

7. A decisão recorrida não violou quaisquer normativos legais, designadamente os invocados pelo recorrente.

8. A decisão recorrida não merece qualquer censura, nomeadamente na parte ora sindicada pelo recorrente.

9. Deve, por isso, julgar-se o fundamento invocado como improcedente, negando-se a requerida revisão.

Nestes termos, deverá:

i. rejeitar-se liminarmente a requerida revisão de sentença por falta de fundamento legal.

ii. Caso assim não se entenda, deverá julgar-se o fundamento invocado como improcedente, negando-se a requerida revisão.

4. Notificados os restantes sujeitos processuais afetados pelo recurso para, em 30 dias, responderem, querendo, veio o coarguido CC, por requerimento de 4 de abril de 2022, declarar aderir ao recurso extraordinário de revisão de sentença apresentado por AA, juntando a respetiva motivação, onde conclui que se autorize a revisão da sentença condenatória proferida no proc. n.º 231/19.0GHCTB, e seja absolvido e indemnizado pelos danos sofridos e, porque se encontra a cumprir pena de prisão por decisão proferida com base em prova proibida, requer a suspensão da execução da prisão.

5. Sobre o mérito do pedido formulado pelo arguido, pronunciou-se a Exma Juíza de Direito, nos termos do art.454.º do Código de Processo Penal, informando, além do mais:

«No caso dos autos, o recorrente invoca, como fundamento da revisão, o disposto no artigo 449.º, n.º 1, al. e) do CPP.

  (…)

A al. e) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP impõe a verificação de três requisitos.

O primeiro é o de que o Tribunal tenha utilizado provas proibidas. Como provas proibidas, para estes efeitos, devem ter-se apenas as referidas nos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º do CPP. Em suma, por provas proibidas devem entender-se aquelas obtidas mediante tortura, coacção, ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas e intromissão não autorizada no domicílio, vida privada e correspondência ou telecomunicações. Enfim, as provas obtidas por métodos violentos ou insidiosos, com ofensa à integridade física ou moral das pessoas nomeadamente de interrogatório ou inquirição nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º (cfr., neste sentido, Pereira Madeira in “Código de Processo Penal Comentado”, 2.ª ed. Revista, Almedina, p. 1509, apud citado Ac. do S.T.J. de 20-01-2021 in www.dgsi.pt.).

O segundo, é que essas provas proibidas tenham sido utilizadas na Sentença/Acórdão para efeitos de condenação do arguido. Importa, pois, que as provas proibidas tenham servido – em maior ou menor grau – como fundamento da condenação penal.

Em terceiro lugar, a lei impõe que a descoberta de provas proibidas se mostre posterior à decisão a rever (cfr. Ac. do S.T.J. de 09-01-2013 in www.dgsi.pt., proc. n.º 709/00.9JASTB-J.S1).

A utilização, no texto da lei, do verbo “descobrir” significa que se está perante algo que na altura da audiência de julgamento não seria possível reconhecer, ou por ser então totalmente desconhecido que a prova fora obtida por método proibido ou por ter mudado a lei, passando a considerar proibido certo método de obtenção de prova que na altura era lícito (cfr., neste sentido, o Ac. do S.T.J. de 26-11-2009 in www.dgsi.pt., proc. n.º 103/01.4 TBBRG-G.S1).

No caso dos autos entende este Tribunal da presente instância, na presente informação, que não se verificam os pressupostos que preenchem a al. e) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP.

Em primeiro lugar, porque a valoração do depoimento indirecto nem sempre é proibida por lei (cfr., por exemplo, neste sentido, vide o Ac. da R.C. de 10-12-2014 in www.dgsi.pt., proc. n.º 155/13.4PBLMG.C1).

Efectivamente, a validade da valoração do depoimento de ouvir dizer depende da observância de certos procedimentos que visam assegurar o contraditório nos depoimentos das testemunhas (cfr. artigo 129.º, n.º 1 do CPP; em regra, o juiz deve chamar a depor a pessoa que transmitiu a informação à testemunha que ouviu dizer; Se o não fizer, o depoimento pode ser valorado se o depoimento da testemunha que ouviu dizer, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por terem falecido, por se encontrarem com anomalia psíquica superveniente ou se se revelar impossível encontra-las).

Como foi sumariado no Ac. do S.T.J. de 02-05-2012 in www.dgsi.pt. , proc.º n.º 177/03.3GGLSB-B.S1: “As causas de afectação da prova enunciadas no art. 126.º do CP remetem, todas elas, para violações insuportáveis, que contendem e afectam a própria dignidade da pessoa, e que constituem sempre condutas absolutamente proibidas; as provas obtidas em tais circunstâncias são sempre, por isso, também «absolutamente proibidas» (não assumindo tal natureza a prova obtida mediante meio legalmente admitido ou admissível, cuja regularidade processual poderia ter sido considerada e discutida na decisão condenatória)”.

Em segundo lugar, porque a valoração de um depoimento indirecto (no pressuposto de que foi produzido fora das circunstâncias em que o artigo 129.º o admite) não se encontra expressamente elencado no artigo 126.º, nºs 1 a 3 como método proibido de prova, normas para as quais remete a al. e) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP.

Em terceiro lugar, porque não se está, no caso, perante circunstâncias que na altura da audiência de julgamento não seria possível reconhecer e que só agora podiam ser descobertas.

Observe-se, a este propósito, que no recurso de fls. 1388 e ss. (recurso do Acórdão condenatório proferido por esta primeira instância) o arguido colocou em causa a valoração do depoimento indirecto, alegando verificar-se valoração de prova proibida (cfr. ponto I do recurso, especialmente a fls. 1390 e ss.) quanto à situação do Restaurante S... [NUIPC 208/19.5GEBRG], o que veio a ser reconhecido pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12-04-2021 (cfr. especialmente p. 1624 e ss. dos autos [fls. 189 e ss. do Acórdão] e segmento decisório). Vale isto por dizer que o arguido, à data da apresentação do recurso do Acórdão condenatório proferido por esta primeira instância, estava também em condições de invocar a invalidade dos actos subsequentes, o que não sucedeu, não podendo agora invocar tal circunstância como motivadora do recurso de revisão alicerçado na al. e) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP.

Ainda nesta sede, não deixará de se notar que nenhum depoimento indirecto se vislumbra ter sido utilizado na fundamentação da matéria factual relativa aos factos que deram origem às condenações transitadas em julgado, sendo certo que alguns deles foram até confessados pelo arguido ora recorrente (por exemplo, no caso da “Pastelaria D...” em que a fundamentação do Acórdão da primeira instância faz expressa referência à confissão do arguido; o mesmo sucedeu relativamente à situação do “Talho P...” em que o ora recorrente confessou “de modo inequívoco” ter sido o respectivo autor; O condenado ora recorrente confessou também ter sido o autor do furto do “Café C...”; O condenado AA confessou igualmente ter sido o Autor do furto do “F...”; O arguido ora recorrente admitiu também em juízo ter sido o autor do furto ocorrido no Talho V...).

Do exposto decorre que entende este Tribunal de primeira instância não se verificarem os necessários pressupostos para o provimento do recurso de revisão interposto, informando o Colendo Supremo de Tribunal de Justiça em conformidade, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 454.º do CPP.».

6. O Ex. Procurador-Geral-Adjunto, neste Supremo Tribunal de Justiça, no visto a que alude o art. 445.º, n.º 1, do C.P.P., sustenta, por um lado, que o requerimento de adesão ao recurso apresentado pelo arguido CC não pode ser atendido, porquanto o art. 402.º, n.º 2, al. a), do C.P.P., não se aplica ao recurso extraordinário de revisão pois o art.448.º do C.P.P. limita a aplicação subsidiária das disposições que regulam os recursos ordinários (nas quais o referido art.402.º se inclui) aos recursos extraordinários de fixação de jurisprudência (arts. 437.º e segs. do CPP), de decisão proferida contra a jurisprudência fixada pelo STJ (art. 446.º do CPP) e no interesse da unidade do direito (art. 447.º do CPP); por outro lado, estando em total sintonia com a posição do Ministério Público e da Sr.ª Juíza de Direito, é de parecer a revisão deve ser negada.

7. Notificado o requerente do pedido de revisão, AA e o requerente que aderiu ao mesmo pedido, CC, da posição assumida pelo Ministério Público na vista a que alude o art. 455.º, n.º 1 do C.P.P., para, em 10 dias, querendo, dizerem o que tivessem por conveniente, nada disseram.

  8.  Realizada a Conferência, nos termos do art.455.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, cumpre decidir.

9. Âmbito do recurso:

Pretende o recorrente AA, ao abrigo do disposto no art. 449.º, n.º 1, alínea e) do C.P.P., que se autorize a revisão da sentença condenatória proferida no proc. n.º 231/19.0GHCTB, seja absolvido e indemnizado pelos danos sofridos no presente processo e, porque se encontra a cumprir pena de prisão por decisão proferida com base em prova proibida, requer a suspensão da execução da prisão.

9.1. Embora seja esta a questão suscitada no pedido de revisão formulado AA, antes de a conhecer, deparasse-nos uma questão prévia suscitada pelo Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal, respeitante ao requerimento de adesão ao recurso, apresentado pelo arguido CC, porquanto o art. 402.º, n.º 2, al. a), do C.P.P., não se aplica ao recurso extraordinário de revisão, e que deverá levar ao seu não atendimento.

Vejamos.

O coarguido CC, notificado pelo Ex.mo Juiz de 1.ª Instância para responder, querendo, ao pedido formulado por AA de revisão da sentença condenatória proferida no proc. n.º 231/19.0GHCTB, veio o mesmo “responder”, “aderindo ao mesmo”, através de requerimento.

Sendo o recurso de revisão, um «recurso extraordinário», como tal definido no Título II, do Livro IX, do Código de Processo Penal, um expediente de natureza excecional de reação contra uma decisão já transitada em julgado, não é de surpreender que percorra uma tramitação processual própria e autónoma, e que deva ser avalizado rigorosamente (acórdão deste Supremo de 11 de maio de 2000, proferido no processo n.º 20/2000 - 5.ª Secção).

No caso, nem os artigos 451.º a 454.º do Código de Processo Penal, que regulam a tramitação do recurso de revisão no tribunal onde se proferiu a sentença que deve ser revista, nem qualquer outra norma que disciplina a tramitação do recurso de revisão, admite a possibilidade de adesão ao recurso de revisão interposto por outro sujeito processual com legitimidade para tal, nem determina a aplicação, subsidiariamente, das disposições que regulam os recursos ordinários.

Na tramitação do recurso de fixação de jurisprudência - também um recurso extraordinário, com tramitação própria fixada nos artigos 437.º a 448.º do Código de Processo Penal -, o legislador determina no art.448.º, que aos recursos de fixação de jurisprudência, se aplicam subsidiariamente as disposições que regulam os recursos ordinários. Assim, se o legislador tivesse querido que à tramitação do recurso de revisão fossem aplicáveis subsidiariamente as disposições que regulam os recursos ordinários, não teria deixado de o estabelecer também para o recurso de revisão.

Deste modo, mesmo para quem considere que o art.402.º do Código de Processo Penal - que respeita ao «âmbito do recurso» -, integrado nas disposições «dos recursos ordinários» -, permite ao não recorrente “aderir” ao recurso interposto por outro sujeito processual, entende este Supremo Tribunal que face à natureza excecional do recurso de revisão, tal adesão não é admissível neste recurso extraordinário.

Pelo exposto, não se admite a “adesão” do arguido CC ao recurso extraordinário de revisão.

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II – Fundamentação

10. São as seguintes as ocorrências processuais relevantes que importa apreciar no âmbito deste recurso:

10.1 Do acórdão de 23 de Outubro de 2020, proferido pelo Juízo Central Criminal de ..., resultam provados os seguintes factos e respetiva motivação, com relevância para esta decisão:

Factos provados:  

«NUIPC 522/19.0GBVVD

 3. No dia 18 de Setembro de 2019, cerca da 01h47, o arguido AA e um outro indivíduo que, em concreto, não foi possível identificar, utilizando o veículo automóvel, da marca ..., modelo ..., de cor ... e de matrícula ...-...-UT (doravante,

abreviadamente, UT), dirigiram-se ao estabelecimento comercial denominado “Talho P.…”, situado na Rua ..., ..., em ..., com a intenção de uma vez no seu interior, apoderarem-se de objectos e/ou valores que lhes suscitassem interesse e pudessem retirar e levar consigo.

4. Uma vez ali chegados, em execução de um plano comum e em união de esforços, partiram a porta de entrada deste estabelecimento, em vidro, e, do seu interior, contra a vontade e sem autorização do seu dono, retiraram e levaram consigo objectos e/ou valores cujo montante total, em concreto, não foi possível apurar, mas nunca superior a €102,00 (cento e dois euros), a saber: i) a quantia monetária de €70,00 (setenta euros) em numerário (moedas); ii) um número de cartões multibanco que, em concreto, não foi possível determinar e cujo valor, em concreto, não foi possível concretizar mas sempre inferior a €102,00 (cento e dois euros); e iii) 2 (duas) chaves desse mesmo estabelecimento, cujo valor, em concreto, não foi possível apurar mas sempre inferior a €102,00 (cento e dois euros).

NUIPC 392/19.7GCBRG

5. No dia 18 de Setembro de 2019, entre as 05h25 e as 05h36, o arguido AA, utilizando o veículo automóvel UT, dirigiu-se ao estabelecimento comercial denominado “Pastelaria D.…”, situado na Avenida ..., da freguesia ..., do concelho ..., com a intenção de, uma vez no seu interior, apoderar-se de objectos e/ou valores que lhe suscitassem interesse e pudesse retirar e levar consigo.

6. Ali chegado, partiu a porta de entrada deste estabelecimento, em vidro, e do seu interior, contra a vontade e sem autorização do seu dono, retirou e levou consigo a gaveta da caixa registadora contendo no seu interior uma quantia em moedas no valor de, pelo menos, €50,00 (cinquenta euros).

NUIPC 338/19.3GAAMR

7. No dia 20 de Setembro de 2019, entre as 01h27 e as 02h44, os arguidos AA e CC deslocaram-se no veículo automóvel UT ao estabelecimento comercial pertencente à “Confraria”, situado no Largo ..., da freguesia ... (...), do concelho ... (...), com a intenção de, uma vez no seu interior, apoderarem-se de objectos e/ou valores que lhes suscitassem interesse e pudessem retirar e levar consigo.

8. Uma vez ali chegados, em execução de um plano comum e em união de esforços, contra a vontade e sem autorização do seu dono, quebraram o canhão da porta de entrada e assim acederam ao interior daquele estabelecimento, de onde retiraram e levaram consigo, integrando nos respectivos patrimónios, pelo menos: i) um número de garrafas de bebidas brancas que, em concreto, não foi possível determinar, cujo valor, em concreto, não foi possível definir; ii) um moinho de café, da marca ... ...’, cujo valor, em concreto, não foi possível determinar; iii) uma televisão, da marca ..., de cor preta, no valor de, pelo menos, €300,00 (trezentos euros); e iv) cerca de €100,00 (cem euros) em moedas, provenientes das esmolas dos peregrinos.

Mais ficou provado que:

9. Os objectos e valores referidos em 8., no seu conjunto, ascendiam a um total que rondaria os €800,00 (oitocentos euros) e os €1.000,00 (mil euros).

10. O arguido AA ressarciu a identificada “Confraria” de todos os prejuízos causados na sequência do sucedido no dia 20 de Setembro de 2019, supra descrito em 7. a 9.

NUIPC 208/19.5GEBRG

11. Em hora que, em concreto, não se logrou apurar, mas situada entre as 17h30 do dia 22 de Setembro de 2019 e as 09h45 do dia 23 de Setembro de 2019, os arguidos AA e CC deslocaram-se no veículo automóvel UT ao estabelecimento comercial denominado “Restaurante S.…”, situado na Avenida ..., da freguesia ..., do concelho ..., com a intenção de, uma vez no seu interior, apoderarem-se de objectos e/ou valores que lhes suscitassem interesse e pudessem retirar e levar consigo.

12. Ali chegados, em execução de um plano comum e em união de esforços, contra a vontade e sem autorização do seu dono, forçaram a porta traseira desse estabelecimento, estragando-a, e assim acederam ao seu interior, de onde retiraram e levaram consigo, que integraram nos respectivos patrimónios: i) a gaveta da caixa registadora contendo uma quantia cujo valor, em concreto, não foi possível apurar, mas, pelo menos, €1.000,00 (mil euros); ii) 2 (dois) televisores de cor preta, que à data da sua compra custaram €1.000,00 (mil euros), cada um, estando em uso no estabelecimento há, pelo menos, 3 (três) anos; iii) um número de bandejas de prata que, em concreto, não foi possível definir, mas, pelo menos, 8 (oito), cujo valor, em concreto, não foi possível determinar, mas superior a €102,00 (cento e dois euros); e iv) vários quilos de alimentos (polvo, bacalhau, carne de bovino), café e várias garrafas de bebidas alcoólicas de diferentes marcas, no valor total de, pelo menos, €2.160,00 (dois mil, cento e sessenta euros).

NUIPC 250/19.6GAVRM

19. Nesse mesmo dia 25 de Setembro de 2019, em hora que, em concreto, não foi possível apurar, mas situada entre 03h20 e as 04h, os arguidos AA e CC, utilizando a viatura UT, dirigiram-se ao estabelecimento comercial denominado “Café C.…”, situado na Praça ..., ..., em ..., com a intenção de, uma vez no seu interior, apoderarem-se de objectos e/ou valores que lhes suscitassem interesse e pudessem retirar e levar consigo.

20. Uma vez ali chegados, em execução de um plano comum e em união de esforços, contra a vontade e sem autorização do seu dono, partiram o vidro da porta de entrada desse estabelecimento e, deste modo, acederam ao seu interior, de onde retiraram e levaram consigo €200,00 (duzentos euros), em numerário, que integraram nos respectivos patrimónios.

NUIPC 363/19.4GAVVD

21. No dia 08 de Outubro de 2019, pelas 02h30, os arguidos AA e CC deslocaram-se no veículo automóvel UT ao estabelecimento comercial denominado “F.…”,

situado na Avenida ..., da freguesia ..., do concelho ... (...), com a intenção de uma vez no seu interior, apoderarem-se de objectos e/ou valores que lhes suscitassem interesse e pudessem retirar e levar consigo.

22. Ali chegados, em execução de um plano comum e em união de esforços, contra a vontade e sem autorização do seu dono, quebraram a porta de entrada em vidro, procedendo à sua quebra com violência e, desta forma, acederam ao seu interior, de onde retiraram e levaram consigo, integrando nos respectivos patrimónios, a caixa registadora que continha, pelo menos, €50,00 (cinquenta euros), como fundo de maneio.

NUIPC 11/19.2GBBRG

30. No dia 17 de Outubro de 2019, cerca das 03h, o arguido AA, utilizando o veículo automóvel UT, dirigiu-se ao estabelecimento comercial denominado “Talho V.…”, situado na Rua ..., da ..., do concelho ..., com a intenção de, uma vez no seu interior, apoderar-se de objectos e/ou valores que lhe suscitassem interesse e pudesse retirar e levar consigo.

31. Ali chegado, com recurso a uma pedra (paralelo), partiu a porta de entrada deste estabelecimento, em vidro, e do seu interior, contra a vontade e sem autorização do seu dono, retirou e levou consigo, integrando no respectivo património: i) a gaveta da caixa registadora contendo no seu interior uma quantia em numerário (moedas), cujo valor, em concreto, não foi possível apurar, mas, pelo menos, €100,00 (cem euros); e ii) 2 (duas) caixas de bifes da vazia e de picanha, cujo valor, em concreto, não foi possível determinar, mas, pelo menos, €130,00 (cento e trinta euros).

32. Neste dia, não obstante ter sido abordado pelos elementos da GNR após a consumação do furto, o que sucedeu já junto à sua residência, o arguido logrou evadir-se daqueles, evitando a sua detenção.».

(…)

Motivação:

(…)

“Restaurante S.…”

[NUIPC 208/19.5GEBRG]

Os factos tidos por assentes encontram apoio nos seguintes meios de prova:

[i] a certidão comercial, a fls.595-602, dos autos principais, respeitante ao estabelecimento comercial denominado “Restaurante S.…” e à sociedade que o explora (“M.…, Lda.”).

[ii] o auto de notícia, a fls.4-5/7-8, dos autos principais, elaborado por DD, militar da GNR que, no dia 23 de Setembro de 2019, encontrava-se de patrulha às ocorrências, acompanhado pelo militar da GNR EE.

Como resulta deste auto, na manhã desse dia foi-lhes solicitado que se deslocassem ao estabelecimento comercial denominado “Restaurante S.…” (…) em virtude de ter ocorrido um furto em interior de estabelecimento, o que fizeram, tendo sido recebidos por FF – que se apresentou como sua proprietária – com quem falaram.

Na sequência da referida deslocação, puderam observar que a porta das traseiras do estabelecimento em causa foi arrombada/estroncada.

[iii] o aditamento ao de notícia e faturas que o acompanham, a fls.171-172 e fls.173-176/72-75, dos autos principais, respectivamente, onde se discriminam os bens/valores que foram subtraídos do interior do aludido “Restaurante S.…”.

[iv] o relatório táctico de inspecção ocular e fotografia que o integra, a fls.10-11 e fls.12, dos autos principais, respectivamente, nele mencionando-se, entre o mais, que: (i) depois de uma observação atenta do local, verificou-se que o(s) assaltante(s) usou/usaram um pé de cabra para arrombar a porta daquele estabelecimento comercial em face do estado de destruição da mesma; e (ii) este estabelecimento não possui sistema de alarme, nem sistema de videovigilância, mas possui seguro de recheio.

[v] o relatório técnico de inspecção judiciária e relatório fotográfico que o instrui, a fls.163-166 e 167-169, dos autos principais, respectivamente, onde se assinala a porta que foi arrombada e a parte interior do estabelecimento que foi remexida.

[vi] o relatório de diligência externa, a fls.13-14, dos autos principais, elaborado pelos militares GG (acompanhado pelo militar HH) e BB (acompanhado pelo militar II), que descreve uma acção de vigilância ao arguido AA e às movimentações do veículo UT por este usado.

[vii] o relatório de exame pericial referente a vestígios lofoscópicos (recolhidos no local do crime que ora se aprecia), a fls.423-426 e a fls.615-618, dos autos principais, de onde ressaltam os seguintes resultados: (i) D1.1 (vestígio digital) – não se identifica com as impressões digitais dos arguidos; (ii) D1.2 (vestígio digital) – sem valor identificativo; (iii) D1.3 (vestígio digital) – não se identifica com as impressões digitais dos arguidos; (iv) D1.4 (vestígio digital) – não se identifica com as impressões digitais dos arguidos; e (v) D1.5 (vestígio palmar) – não se identifica com as impressões palmares dos arguidos.

Os documentos vindos de enunciar conjugaram-se com relato prestado pelas testemunhas GG e BB (que exercem funções na GNR – NIC de ...), que se afigurou credível, por ter sido objectivo, sério e circunstanciado, além de descomprometido e isento.

Além disso, os esclarecimentos que fizeram mostraram-se concordantes com os elementos documentais supra identificados.

A este propósito, a testemunha BB referiu ter sido o responsável pela elaboração do já aludido relatório táctico de inspecção ocular (cfr. fls.10-11, dos autos principais), cujo teor confirmou, de onde avulta, além do mais, que foi abordado por um casal de namorados que, estando a passear pela 01h no local onde se situa o estabelecimento comercial denominado “Restaurante S...”, viu 2 (dois) indivíduos a colocar objectos num veículo que estava parado na estrada principal de acesso ao santuário, localizado nas costas desse estabelecimento, tendo tirado uma fotografia, por acharem estranho, bem como apontado a matrícula “..-..-UT”, mais acrescentando não terem ligado à polícia por não terem rede, nem a certeza de que estivesse a ser praticado um crime, o que só souberam quando se espalhou a notícia do furto.

A fotografia que aí se menciona consta de fls.12, dos autos principais, e mostra-se desfocada, pelo que apenas é possível identificar-se um veículo automóvel de cor ... claro (já não a marca, modelo e matrícula, designadamente, se se trata da viatura UT).

Quanto à abordagem pelo referido casal de namorados e pelo que relataram ao militar da GNR BB, como é sabido, os agentes policiais podem depor sobre factos que tenham obtido por conhecimento directo, durante a prossecução da actividade investigatória (vide o Acórdão do STJ, de 07 de Outubro de 1992, acessível em www.dgsi.pt/jstj, Processo nº042849, relator NOEL PINTO), isto é, sobre factos que conheceram por meios diferentes das declarações (informais) que receberam do arguido no decurso do processo ou de depoimentos (informais) que receberam de testemunhas, ainda que também os tenham conhecido através dessas conversas informais.

(…)

No caso decidendo, o supra identificado relatório táctico de inspecção ocular, da autoria da testemunha BB, reporta-se a uma diligência de recolha de indícios que realizou no dia 23 de Setembro de 2019, tendo sido

elaborado no dia 24 de Setembro de 2019 (cfr. fls.10-11, dos autos principais), numa altura em que ainda não havia inquérito, nem arguido(s) constituído(s), pois que o inquérito apenas foi registado, distribuído e autuado no dia 25 de Setembro de 2019 (cfr. fls.2, dos autos principais).

Aliás, como a testemunha esclareceu, foi no âmbito dessa diligência que, depois de ter sido abordado pelo casal de namorados e obtido a identificação do veículo tripulado pelo arguido AA, iniciou a sua vigilância à viatura UT, o que ocorreu no próprio dia 23 de Setembro de 2019 (cf. fls.13-14, dos autos principais).

Deste modo, estamos perante uma recolha de prova realizada no âmbito das diligências cautelares previstas no artigo 249º, nºs1 e 2, alínea b), do CPP, sobre as quais os agentes policiais não estão impedidos de depor em sede de audiência de julgamento, que podem e devem ser valoradas, sendo que tudo aquilo que o indicado casal de namorados relatou à testemunha BB – que esta República Portuguesa, e artigo 327º, nº2, este do CPP).

Deste modo, citando-se o Acórdão do STJ, de 11 de Julho de 2001, (…) não podem ser tidas em conta conversas informais do arguido com agentes da PJ. Tal conversa reproduziu em audiência de julgamento –, por não se tratar de um depoimento em sentido processual – por ainda não existir inquérito –, não tinha que estar formalizada em auto, não configurando prova proibida (depoimento indirecto).

Termos em que, também nesta parte, o que esclareceu a identificada testemunha foi valorizado positivamente, resultando muito claro que o veículo UT foi observado nas imediações do estabelecimento “Restaurante S...” e que 2 (dois) indivíduos nele colocavam objectos.

Ora, sabendo-se que dias antes, mais concretamente a 20 de Setembro de 2019, os arguidos AA e CC tinham furtado bens/valores do estabelecimento comercial pertencente à “Confraria”, que o modus operandi foi similar e que nele também foi usada a viatura UT – que nos furtos de que se cuida nos presentes autos nunca foi tripulada por outra pessoa, que não aquele AA –, não temos quaisquer dúvidas em concluir que os tais indivíduos que foram observados junto do aludido “Restaurante S...” se tratavam dos arguidos.

Por fim, atentou-se no depoimento da testemunha FF – gerente do estabelecimento em causa –, que, de forma despretensiosa, sincera e consistente, aludiu às circunstâncias espácio-temporais do furto que se discute, identificando o local por onde se fez o acesso ao interior, bem com enumerando o que foi subtraído e os prejuízos de daí lhe advieram.

Consideraram-se as declarações prestadas pelos arguidos AA e CC – que tiveram lugar imediatamente antes das alegações orais (cfr. artigo 360º, do CPP) –, e que, no que

se refere ao identificado “Restaurante S.…”, negaram a factualidade que lhes é imputada, sem que, porém, lograssem convencer o tribunal.

10.2 O arguido AA não se conformando com o acórdão de 23 de Outubro de 2020, dele interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, impugnando, além do mais, a factualidade dada como provada relativamente ao “Restaurante S.…”.

Por acórdão de 12 de Abril de 2021, a Relação de Guimarães decidiu julgar procedente o recurso, nesta parte e, dando como não provada a participação do arguido AA no furto ocorrido no “Restaurante S.…”, decidiu, por via disso absolvê-lo da prática do crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º e 204.º, n.º 2, al. e), C.P..

Fundamentou a sua decisão do seguinte modo:

«2.3.1. – Da Matéria de Facto Referente ao “Restaurante S.…”

O arguido AA ataca o Acórdão proferido, impugnado os factos dados como provados relativamente ao “Restaurante S.…”. Com efeito, os arguidos AA e CC tinham sido dados como autores do furto ali realizado.

No seu recurso, o arguido AA diz que os depoimentos do Agente BB (N.I.C. de ...) e o de FF são insuficientes para a prova, dos referidos factos.

Quanto ao depoimento de BB (Gerente do “Restaurante S.…”).

Como decorre da fundamentação da matéria de facto na decisão recorrida, foram fulcrais para a prova destes factos, os depoimentos de GG e BB, ambos a exercer funções na “G.N.R. ...”.

O depoimento do segundo releva porquanto confirmou o relatório tático de inspeção ocular de fls. 10/11, realizado após ter chegado ao dito Restaurante chamado pela respetiva dona, que lhe deu conta do furto.

Referiu também que após ter saído do Restaurante foi abordado por um casal de namorados cuja identificação quiseram preservar. Este casal anónimo terá dito que viu movimentos suspeitos de duas pessoas junto do citado restaurante, um mais alto e outro mais novo e baixo. Estavam num “...” e, conforme consta do relatório de fls. 11, disseram-lhe que o mesmo tinha a matrícula “...-...-UT”. Tiraram duas fotografias ao dito veículo, que não permite ver a respetiva matrícula – fls. 12.

É a partir daqui que conseguem ver quem é o dono do referido automóvel e vêm a localizar o arguido AA, ao volante do mesmo (cfr. R.D.E. de fls. 13/14). Através de vigilâncias, concluem que o mesmo é consumidor de estupefacientes, sendo o mesmo conhecido por realizar furtos.

Ou seja: a investigação desenvolve-se a partir do momento em que um casal anónimo fala em dois homens que na noite do furto faziam uma movimentação suspeita, junto do dito Restaurante e identificam o automóvel, em que se transportavam.

Porém, este depoimento é não só um depoimento indireto, como se refere a pessoas que prestaram informações à G.N.R., que investigava os factos, mas de forma anónima.

Por outro lado, o depoimento de FF, Gerente do “Restaurante S.…”, refere a ocorrência do furto, diz o que foi furtado, mas nada refere quanto aos autores do mesmo, visto até que não presenciou a sua ocorrência.

GG, também Militar do N.I.C. de ..., por sua vez, só vem a participar na investigação a partir da vigilância de 23/9/2 019, altura em que vêem o arguido AA a conduzir o dito “...”, matrícula “UT”.

Ou seja: o único indício que podia ligar, em julgamento, o arguido AA ao furto ocorrido no dito Restaurante era a informação ouvida pela testemunha BB de um casal de anónimos, uqe referiu ter visto movimentos suspeitos de duas pessoas, que seguiam no dito “...” “UT”.

Com efeito, está em causa o depoimento indireto da referida testemunha BB, relativamente a um casal de anónimos.

Como se disse, este casal transmitiu informações ao dito Agente do N.I.C. apontando-lhe ter visto dois indivíduos em movimentações suspeitas, com o dito “...”, matrícula “UT”, que depois através de investigação policial foi relacionado com o arguido AA.

É certo que o referido depoimento pode, não obstante o disposto no art.º 356º/7 C.P.P., pode ser prestado e valorável, uma vez que este Proc.º ainda nem tinha sido autuado, ao tempo em que o mesmo foi prestado.

O problema não está aí.

A questão é que está sem dúvida em causa nos autos, um depoimento indireto e ainda por cima de duas pessoas não identificadas, nem identificáveis. Como contraditá-lo, sem nem se conhecem essas pessoas?

Deve lembrar-se aqui que o depoimento indireto não pode servir como meio de prova, tendo apenas relevância para se chamarem as pessoas ouvidas a depor, salvo se esta inquirição não for possível por morte, anomalia psíquica posterior ou impossiblidade de serem encontradas. No caso dos autos, não se revela estar perante uma destas três situações.

A questão que se põe é pois a de saber, como podem assim os arguidos exercer o contraditório, nos termos do disposto no art.º 32º/5 C.R.P.? É que, não só o depoimento é indireto, como os seus autores são anónimos, não havendo, pois, nenhuma maneira de os chamar a depor, pelo que não poderia servir como meio de prova e uma vez que não está também demonstrada a morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de as testemunhas serem encontradas (art.º 129º/1 C.P.P.).

Aliás, a testemunha BB não consegue sequer identificar as pessoas que deram as referidas informações, pelo que também o seu depoimento nesta parte, nunca seria valorizável – art.º 129º/3 C.P.P.

É que, quanto a esta parte do mesmo, os arguidos nunca poderiam exercer qualquer contraditório, como o impõe o art.º 32º/5 C.R.P.

Aliás e mesmo que tudo fosse utilizável, nunca se poderia retirar a conclusão, por se ter visto o automóvel “...” antes em manobras suspeitas junto do Restaurante assaltado e depois se ter associado aquele veículo ao arguido AA, de que era este e outro, quem nele estavam no dia do assalto, sendo os mesmos os autores do furto praticado.

Resulta assim que o depoimento de BB é assim inutilizável nesta parte como prova, quer por se tratar de um depoimento indireto, quer por estarem em causa anónimos, com o que fica cerceado qualquer direito ao contraditório, por parte do arguido.

Não resultando dos depoimentos de FF e GG que tenha sido este arguido um dos autores dos factos em análise, não há prova suficiente de que AA tenha participado no furto ao “Restaurante S.…”.

Pelo que, os factos 11. e 12. da matéria de facto provada devem agora passar a ser considerados como não provados, ou seja, deve considerar-se não provado que:

Art.º 11º - Pelo menos o arguido AA se tenha deslocado, entre as 17.30 horas do dia 22 de Setembro de 2 019 e as 09.45 horas do dia 23 seguinte, ao “restaurante S.…” com a intenção de se apoderar de bens que ali existiam.

Art.º 12º - Ali chegado e juntamente com o arguido CC, forçaram a porta traseira desse estabelecimento, estragando-a e assim acedendo ao seu interior, de onde retiram e levaram consigo vários bens, no valor total de pelo menos, 2 160€ (dois mil, cento e sessenta euros).».

11. O recorrente defende que no presente caso se verificam os pressupostos do recurso de revisão de sentença a que alude o art. 449.º, n.º 1, alínea e) do C.P.P., pelo que, para além da suspensão da execução da pena de prisão que está a cumprir, deve ser absolvido dos crimes e indemnizado pelos danos sofridos no presente processo.

Argumenta para o efeito e em síntese:

(i) o reconhecimento do arguido como participante no furto ocorrido no “Restaurante S...” só foi possível através da informação do número da placa de matrícula do veículo ..-..-UT, obtida pelo Guarda da GNR BB, através de conversa informal com um casal não identificado; (ii) é a partir deste momento que se inicia a investigação deste processo; (iii) a prova de “ouvir dizer”, sem que a pessoa fonte da informação seja ouvida, como aqui aconteceu, constitui, como o demonstra o art. 129.º, n.º 1 do C.P.P.  depoimento indireto e é prova proibida quando não cumpre os requisitos desta norma, como o determina o art. 226.º do C.P.P.; (iv) a consequência das provas proibidas, nos termos dos artigos 32.º, n.º 8 da C.R.P e 122.º do C.P.P., é que são inadmissíveis quer as provas diretamente obtidas pelo meio ou método proibido, mas também aquelas que dele dependerem, como frutos da árvore envenenada.

11.1. Antes da apreciação destes argumentos do recorrente, fixemos o regime legal que lhe subjaz.

A Constituição da República Portuguesa não nos dá uma definição explicita da figura do caso julgado, enquanto decisão judicial que pelo esgotamento das vias do recurso ordinário ou pelo decurso do prazo para o seu exercício, se tornam definitivas e irretratáveis.

De todo o modo, a sua definição é percetível da leitura de alguma das suas normas, como do art. 29.º, n.ºs 5 e 6, inserido no Título II, epigrafado de «Direitos, liberdades e garantias».

O fundamento central do caso julgado é uma concessão prática à necessidade de garantir a segurança e a certeza do direito, ensinando Eduardo Correia, que através dele “…ainda mesmo com possível, sacrifício da justiça material, quere-se assegurar através dele aos cidadãos a paz; quere-se afastar definitivamente o perigo de decisões contraditórias. Uma adesão à segurança com eventual detrimento da verdade, eis assim o que está na base do instituto.”.[1]      

Embora a segurança seja um dos fins do processo penal, não é o único.

Como bem realça Cavaleiro de Ferreira, “A justiça prima e sobressai acima de todas as demais considerações; o direito não pode querer e não quer a manutenção duma condenação, em homenagem à estabilidade das decisões judiciais a garantia dum mal invocado prestígio ou infabilidade do juízo humano, à custa de postergação de direitos fundamentais dos cidadãos, transformados então cruelmente em vítimas ou mártires duma ideia mais do que errada, porque criminosa da lei e do direito.”. [2]  

O caso julgado não pode, pois, ser um dogma absoluto face à injustiça patente e a nossa lei fundamental não deixa de o reconhecer, privilegiando a justiça material em detrimento da segurança e da certeza que resulta da autoridade do caso julgado, ao estabelecer no seu art.29.º. n.º 6, que «os cidadãos injustamente condenados têm o direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos».

Também o art. 4.º, n.º 2 do Protocolo n.º 7 da CEDH, admite a quebra do caso julgado «… se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afetar o resultado do julgamento.».   

Com o recurso de revisão consegue o legislador obter o equilíbrio entre a imutabilidade da sentença ditada pelo caso julgado (vertente da segurança) e a necessidade de assegurar o respeito pela verdade material (vertente da Justiça).

Neste mesmo sentido, no âmbito do processo civil, esclarece José Alberto dos Reis, que “O recurso de revisão pressupõe que o caso julgado se formou em condições anormais, que ocorreram circunstâncias patológicas suscetíveis de produzir injustiça clamorosa. Visa a eliminar o escândalo dessa injustiça. Quer dizer, ao interesse da segurança e da certeza sobrepõe-se o interesse da justiça”.[3]

O legislador, se deve garantir, por um lado, a possibilidade da revisão da sentença a todos «os cidadãos injustamente condenados» deve, por outro lado, circunscrever o âmbito deste recurso, por forma a evitar que também os «justamente condenados» quebrem o caso julgado.

Se assim não for, a ideia que subjaz à revisão da sentença pode ser subvertida, com claro prejuízo, seja para a realização da justiça seja, sobretudo, para a segurança jurídica dessa mesma justiça. Se nenhum cidadão inocente deve ser privado de se socorrer do recurso de revisão, também nenhum cidadão justamente condenado deve beneficiar dele.       

A revisão de sentença criminal, densificada no art. 449.º e seguintes do Código de Processo Penal, é um recurso extraordinário que visa a impugnação de uma sentença transitada em julgado e a obtenção de uma nova decisão, mediante a repetição do julgamento.
Comporta, no entendimento generalizado da doutrina, duas fases:

(i) uma fase rescidente, em que o requerente procura convencer o Supremo Tribunal de Justiça da justeza e legalidade da sua posição e obter a autorização de revisão da decisão impugnada, abrangendo a tramitação desde a apresentação do pedido até à decisão que concede ou denegue a revisão (regras que constam dos artigos 451.º a 458.º do Código de Processo Penal); e

 (ii) uma fase rescisória, que existe se a revisão for concedida, e se inicia com a baixa do processo, terminando com um novo julgamento (regulada nos artigos 459.º a 463.º, do mesmo Código).[4]
A primeira fase abrange a tramitação desde a apresentação do pedido até à decisão que concede ou denegue a revisão; a segunda fase – do juízo rescisório – só existe se a revisão for concedida e inicia-se com a baixa do processo e termina com um novo julgamento.[5]

O requerimento a pedir a revisão, contendo os fundamentos e as provas, é apresentado no tribunal que proferiu a decisão que deve ser revista (art. 451.º do C.P.P.) e depois remetido ao Supremo Tribunal de Justiça, que dele conhece.     

Em caso de autorização da revisão, o Supremo Tribunal de Justiça reenvia o processo ao tribunal de categoria e composição idêntica às do tribunal que proferiu a decisão a rever e que se encontre mais próximo e, em matéria de cumprimento de pena de prisão, decide, em função da dúvida sobre a condenação, se a execução deve ser suspensa (art. 457.º, n.ºs 1 e 2 do C.P.P.).

10.2. O problema fundamental da revisão é, antes do mais, o de identificação dos casos de injustiça da condenação.

É nas alíneas a) a g), do n.º 1, do art. 449.º do Código de Processo Penal, que o legislador ordinário plasmou os fundamentos e condições de admissibilidade da revisão da sentença penal transitada em julgado – ou de despacho que tiver posto fim ao processo -, em que seria injusto e intolerável manter a sentença transitada em julgado.

Esses casos de injustiça, que fundamentam o recurso de revisão, são taxativos e até às alterações do Código de Processo Penal levadas a cabo pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, correspondiam a situações de:

- Falsidade dos meios de prova, verificada por outra sentença transitada em julgado - alínea a);

- Dolo de julgamento, decorrente de crime cometido pelo juiz ou por jurado relacionado com o exercício da sua função no processo - alínea b);

- Inconciliabilidade de decisões, entre os factos que servirem de fundamento à condenação e os dados como provados noutra sentença, resultando graves dúvidas sobre a justiça da condenação - alínea c);

-  Descoberta de novos factos ou meios de prova que, em si mesmos ou conjugados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação - alínea d);

Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, ao n.º 1 do referido art. 449.º, acrescem aos casos de injustiça que fundamentam o pedido de revisão três novas situações, correspondentes:

- à utilização de prova proibida, nos termos dos n.ºs 1 a 3 do art. 126.º do C.P.P. – alínea e);

- à declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação – alínea f); e

 - à prolação de sentença por instância internacional, vinculativa do Estado português, inconciliável com a sentença criminal proferida ou de modo a suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça – alínea g).

10.3 No caso sub judice o requerente do pedido invoca, como fundamento de revisão, o previsto na alínea e) do n.º 1 do art. 449.º do Código de Processo Penal que, como já aqui se disse, prescreve que a revisão da sentença transitada em julgado é admissível quando «Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º».

Perante esta norma, existe um entendimento jurisprudencial consolidado do S.T.J. de que o fundamento de revisão respeitante à condenação com recurso a provas proibidas exige a verificação de dois requisitos:

(i) condenação em provas proibidas, nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º do Código de Processo Penal; e

- (ii) superveniência na demonstração de que serviu de fundamento à condenação uma prova proibida;

Analisemos, assim, brevemente, cada um destes dois requisitos.

Quanto ao primeiro requisito da revisão da sentença:

As proibições de prova como limite à procura da verdade, ou na definição de Gossel, citado por Costa Andrade, como «barreiras colocadas á determinação dos factos que constituem objeto do processo»[6], têm consagração na nossa lei fundamental, estabelecendo o art.32.º, n.º 8, que «São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.».

Densificando esta norma constitucional, o art. 126.º do Código de Processo Penal, sobre a epigrafe «Métodos proibidos de prova», dispõe no seu n.º 1, que « São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coação ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas» e, no seu n.º 3, que «Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular.».

São provas proibidas para efeito do disposto na alínea e), n.º 1, do art. 449.º do Código de Processo Penal, tanto as provas fundadas na violação da integridade física e moral das pessoas (n.ºs 1 e 2 do art. 126.º), como as provas que violem ilicitamente a sua privacidade (n.º 3 da mesma norma), já que o Estado não deve perseguir criminalmente à margem da ética.

No entanto, existe uma diferença entre as provas proibidas dos n.ºs 1 e 2 e do n.º 3, do art. 126.º do Código de Processo Penal, assente numa diferente natureza dos direitos violados.

No primeiro caso, tem como consequência, sempre, a inutilização da prova obtida; no segundo caso, a prova obtida desse modo, pode ser utilizada havendo consentimento ou acordo do visado na limitação dos seus direitos ou mediante autorização das autoridades para o efeito e segundo as formas previstas na lei.

Para a revisão de sentença transitada em julgado com fundamento na condenação em provas proibidas, não basta que a prova seja proibida nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º do Código de Processo Penal.

A lei exige ainda, como segundo requisito, que a revisão só tenha lugar «se se descobrir» que essas provas proibidas serviram para a condenação.

A expressão legal «se se descobrir», como requisito de revisão da sentença transitada em julgado, impõe que se clarifique, por um lado, o momento relevante de descoberta de utilização da prova proibida e, por outro, para quem é relevante o desconhecimento dessa prova proibida.

Da literalidade deste segmento normativo da alínea e), e da natureza extraordinária do recurso de revisão, resulta que a revisão só pode ser concedida se, e quando, se demonstre que a prova proibida que serviu de fundamento à condenação foi descoberta posteriormente ao trânsito da decisão, pois de outro modo estar-se-ia a transformar a revisão de sentença num outro grau de recurso, em violação do princípio constitucional ne bis in idem, ligado à figura do caso julgado.

Este é também o entendimento da doutrina e da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça.

Assim, Maia Gonçalves, anotando essa expressão do art. 449.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, entende que “Trata-se aqui, manifestamente, de provas que não tinham sido apreciadas no julgamento, coerentemente com o que se dispõe na al. d) e como resulta também da locução se descobrirem, no início desta alínea.”. [7]

Comentando o mesmo preceito, escreve Pereira Madeira, que «Na alínea e) do n.º 1, aditada pela Lei n.º 48/2007, de 29/8, passou a ser prevista a descoberta – depois da prolação da sentença revidenda, pois se antes, será a questão objeto de recurso ordinário – de provas proibidas que serviram de suporte à condenação. Como tais devem ter-se apenas as referidas no artigo 126.º do CPP, em suma, as provas obtidas mediante tortura, coação, ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas e intromissão não autorizada no domicílio, vida privada e correspondência ou telecomunicações. Enfim, as provas obtidas por métodos violentos ou insidiosos, com ofensa à integridade física ou moral das pessoas nomeadamente de interrogatório ou inquirição. A qualificação das provas, como “proibidas”, competirá naturalmente ao tribunal, embora a sua atuação nesse sentido possa ser impulsionada pelo interessado».

Não basta a mera invocação do uso de prova proibida para que a revisão seja lograda. Importa, por um lado, que essa descoberta se mostre posterior à decisão e confirmada no processo de modo claro e inequívoco, embora sem necessidade de confirmação por sentença, como acontece no caso previsto nas alíneas a), b) e c). E, por outro, que tais provas serviram – em maior ou menor medida – de fundamento à condenação. Deste modo, se não obstante tais provas proibidas não houve condenação, ou, a tê-la havido, ela não está, em segmento algum suportada nessas provas, soçobra o fundamento da revisão».[8]

Na jurisprudência, o Supremo Tribunal de Justiça tem-se pronunciado, reiterada e uniformemente, no mesmo sentido, nomeadamente nos seguintes acórdãos[9]:

- acórdão de 29-01-2014 (Proc. n.º 528/06.9TAVIG-A.S1 - 5.ª Secção):

 «Para efeitos do preenchimento do fundamento previsto na al. e) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, como se afirmou no Ac. do STJ de 28-10-2009, Proc. n.º 109/94.8TBEPS-A.S1, não basta a verificação de condenação baseada em provas proibidas. Antes, para o fim em vista e tendo em conta a natureza excecional da revisão de sentença transitada em julgado, relevam apenas o uso ou a utilização e a valoração das provas proibidas quando aqueles tiverem sido descobertos em momento ulterior ao da prolação da sentença

- acórdão de 16-10-2014 (Proc. n.º 370/08.2TAODM.E1-A.S1 - 5.ª Secção):

«() só se pode considerar verificada a situação da al. e) do n.º 1 do art.449.º do CPP se a «descoberta» de que serviram de fundamento à condenação provas proibidas daquela natureza tiver ocorrido num momento em que o vício já não podia ser considerado na decisão condenatória. Só se pode dizer que foi «descoberta» uma situação com relevo para a decisão de condenar ou absolver se ele era ou também era desconhecida do tribunal que proferiu a decisão. Se o tribunal conhecia toda a envolvência da situação, mas fez dela um incorreto ajuizamento, o que houve foi um erro de julgamento, para cuja correção a lei pressupõe serem suficientes as vias ordinárias admissíveis. Sendo por isso de negar a revisão de sentença.

- acórdão de 8-11-2017 (Proc. n.º 108/10.4PEPRT-F.S1 - 3.ª secção):

«(…) Por sua vez, a al. e) permite a revisão quando se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas, tal como vêm definidas nos n.ºs 1 a 3 do art.126.º do CPP, ou seja, as provas obtidas mediante tortura, coação ou ofensa à integridade física ou moral das pessoas e ainda as obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações, sem o consentimento do respetivo titular. XVI - Necessário é, por um lado, que a descoberta seja posterior ao trânsito da decisão e, por outro lado, que as provas tenham efetivamente servido de fundamento, mesmo que em conjugação com outras, à condenação. Se, portanto, ainda que tenham sido utilizadas no processo, as provas proibidas não serviram de maneira nenhuma de suporte à condenação, não haverá lugar à revisão».

- acórdão de 03-05-2018 (Proc. n.º 10939/16.6P8LSB-A.S1 - 5.ª Secção):

«I - Só as provas proibidas mencionadas no art.126.º, n.ºs 1 a 3, do CPP que hajam servido de suporte à condenação possibilitam a revisão, ou seja, «provas obtidas por métodos violentos ou insidiosos, com ofensa à integridade física ou moral das pessoas nomeadamente de interrogatório ou inquirição. II - Não basta a invocação do uso de prova proibida. É preciso que esse uso seja descoberto em momento posterior à decisão revidenda e isso confirmado de modo inequívoco. Este dado da descoberta posterior é fundamental pois se o uso de prova proibida é conhecido, no limite, até ao momento de ser proferida decisão final o meio próprio de a tal obstar é o recurso ordinário. Nunca o recurso extraordinário».

- acórdão de 04-07-2018 (Proc. n.º 1006/15.0JABRG-D.S1 - 3.ª Secção):

«I - A al. e) do nº 1 do art. 449º do CPP foi aditada pela Lei nº 48/2007, de 29- 8. Permite ela a revisão da sentença quando se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas, tal como vêm definidas nos nºs 1 a 3 do art.126º do CPP, ou seja, as provas obtidas mediante tortura, coação ou ofensa à integridade física ou moral das pessoas e ainda as obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações, sem o consentimento do respetivo titular.

II - As provas devem ter efetivamente servido de fundamento, mesmo que em conjugação com outras, à condenação. Se, portanto, ainda que tenham sido produzidas no processo, as provas proibidas não serviram de maneira nenhuma de suporte à condenação, não haverá lugar à revisão. III - A lei não exige uma decisão anterior sobre a invalidade das provas (ao contrário do que acontece com a falsidade das provas, fundamento da al. a) do nº 1 do mesmo art. 449º), servindo, pois, o próprio recurso de revisão como meio e lugar de averiguação e comprovação do caráter proibido das provas. Necessário é que a descoberta da invalidade seja posterior ao trânsito da decisão condenatória. Parece ser esta a única interpretação possível da expressão “se descobrir”, paralela aliás à da al. d), que significa a emergência de um facto novo, desconhecido até ao termo da discussão da causa, e por isso insuscetível de ter sido invocado pelo interessado em sede de recurso ordinário. Nessa hipótese, o recurso extraordinário de revisão apresenta-se como o único meio de defesa do condenado, um meio que não pode considerar-se excessivamente penalizador do caso julgado, dado o especial desvalor das provas proibidas».

- acórdão de 17-10-2018 (Proc. n.º 2/16.5PTBGC-A.S2 - 3.ª secção):

«Relativamente ao fundamento previsto na al. e) do art. 449.º do CPP importa apenas referir que abrange a descoberta, após a prolação da sentença cuja revisão se pretende, de provas proibidas que serviram de fundamento à condenação. Não basta a invocação do uso de prova proibida para que a revisão seja lograda. Importa, por um lado, que essa descoberta se mostre posterior à decisão e confirmada no processo de modo claro e inequívoco, embora sem necessidade de confirmação por sentença, como acontece no caso previsto nas als. a), b) e c)».

- acórdão de 18-12-2019 (Proc. n.º 8203/14.4TDLSB-A.S1 - 3.ª Secção):

«V - Sob invocação da al. e) do n.º 1 do art.449.º do CPP – condenação com base em provas proibidas, por circunstâncias relacionadas com a realização do exame para detecção de álcool no sangue – nada vem alegado, tratando-se de um argumento anteriormente utilizado no âmbito do recurso ordinário interposto para o tribunal da Relação, a propósito da validade da «exame pericial» para detecção de álcool, então considerado improcedente, mas relativamente ao qual nada há a conhecer no âmbito deste recurso. VI - Este fundamento apenas será de considerar em caso de descoberta de prova proibida que serviu de base à condenação, em momento posterior a esta, não havendo qualquer indicação nesse sentido».

No que respeita a saber para quem é relevante o desconhecimento da prova proibida, na causa de revisão prevista na alínea e), n.º 1 do artigo 449.º do C.P.P., Paulo Pinto de Albuquerque, entende que os sujeitos processuais não podem aproveitar-se de alguma omissão ou irregularidade porventura cometida ao longo dos atos processuais em que tiveram intervenção, guardando-a como um “trunfo” para, em fase ulterior do processo, se e quando tal lhes pareça conveniente, a suscitarem e obterem a destruição do processo. 

Na jurisprudência, neste sentido algo restritivo, o acórdão de 20-01-2021 (proc. n.º 374/11.8PFAMD-B.S1- 3.ª),  convocando o acórdão do  Supremo Tribunal de 25-07-2014, decidiu que o fundamento de revisão constante da alínea e) do n.º 1 do artigo 449º, “…só será atendível em recurso de revisão se o recorrente provar que só depois da condenação teve conhecimento da existência da prova proibida.”.[10]

Perante a ideia defesa do caso julgado e da lealdade processual dos sujeitos processuais, de que deve relevar tanto o desconhecimento do tribunal, como o do recorrente, pelo que se à data da condenação já era conhecida, maxime pelo arguido, a existência de utilização de prova proibida, não é admissível o recurso de revisão, decidiram, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28/10/2009 (proc. n.º 109/94-8TBEPS-A.S1) e de 26/11/2009 (proc. n.º 193/01.4TBBRG-G.S1).[11]

Por fim, restringindo, ainda mais, a operacionalidade do fundamento de revisão que vimos conhecendo, sustentam Simas Santos e Leal-Henriques, que “…parece dever entender-se que este fundamento de revisão exige que uma sentença transitada em julgado tenha reconhecido serem proibidas as provas que se mostrarem decisivas na sentença a rever.”[12]

Paulo Pinto de Albuquerque, defende que a alínea e), n.º 1 do art. 44.º do C.P.P. é inconstitucional por violar os artigos 2.º e 29.º, n.º 5, da C.R.P., o art.6.º, n.º da CEDH e 4.º, n.º 2, do protocolo adicional n.º 7, desde logo, porque abre a porta a um processo penal interminável, em que a revisão se transforma em “um grau de recurso ordinário encapotado”, a que o sujeito processual pode recorrer a qualquer momento e até depois mesmo da pena cumprida, degradando o valor da segurança jurídica inerente ao caso julgado, pelo menos quando se entenda que a causa de revisão prevista na alínea e) do n.º 1 do art. 449.º do Código de Processo Penal não supõe qualquer julgamento prévio sobre a validade da prova.[13]

Estes e outros argumentos de inconstitucionalidade deste fundamento de revisão adiantados por Paulo Pinto de Albuquerque, vêm sendo de algum modo ultrapassados, na doutrina e na jurisprudência, considerando, na sua interpretação, a natureza extraordinária, excecional, do recurso de revisão.

E cremos que bem, pois o grau de exigência na admissibilidade deste recurso extraordinário vem evitando, na medida do possível, a vulgarização deste fundamento de revisão de sentença transitada em julgado.

10.4 Retomando o caso concreto.

Quanto ao primeiro dos requisitos de revisão de sentença:       

A afirmação do recorrente de que o seu reconhecimento como participante no furto ocorrido no “Restaurante S...” só foi possível através da informação do número da placa de matrícula do veículo ..-..-UT, obtida pelo Guarda da GNR BB, através de conversa informal com um casal não identificado, para depois concluir, que a prova de “ouvir dizer”, sem que a pessoa fonte da informação seja ouvida, constitui depoimento indireto e prova proibida por força dos artigos 129.º e 126.º do C.P.P., merece-nos algumas considerações.

Uma coisa é a notícia do crime e as medidas cautelares e de polícia que os órgãos de polícia criminal devem desenvolver no âmbito da investigação do crime e, outra, diversa, é a valia da prova obtida com base nas investigações a partir das medidas cautelares e de polícia realizadas.

Quanto às medidas cautelares e de polícia, o art. 249.º do Código de Processo Penal, dispõe, com interesse para esta questão:

«1 - Compete aos órgãos de polícia criminal, mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente para procederem a investigações, praticar os atos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova.

2 - Compete-lhes, nomeadamente, nos termos do número anterior:

(…)

b) Colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição;».

Resulta desta norma que correndo inquérito, ou não, compete aos órgãos de polícia criminal colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição, sem para tal se consignar se nessa recolha de informações as pessoas se identificaram ou quiseram manter anónimas, por terem razões para não se quererem identificar.

Coisa diversa, é a valia do depoimento em audiência de julgamento do elemento do órgão de polícia criminal sobre a prática do crime fundada no que ouviu dizer a quem se quis manter anónimo na informação prestada.   

Como é sabido, a prova testemunhal incide sobre o que a testemunha percebeu pessoal e diretamente.

No depoimento indireto, a que alude o art. 129.º do C.P.P., não está em causa o que a testemunha percecionou visual ou auditivamente sobre os factos objeto de prova, mas apenas o que lhe foi transmitido por quem alegadamente percecionou os factos. 

Tendo a prova testemunhal como princípios de referência os da imediação e do contraditório, o depoimento indireto, de ouvir dizer, não pode deixar de suscitar reservas, pelo que como forma de as ultrapassar o legislador estabeleceu, no n.º 1 do art. 129.º do C.P.P., que a autoridade judiciária deve chamar a depor a pessoa a quem a testemunha “ouviu dizer”.

Se o juiz não chamar a depor a pessoa a quem a testemunha ouviu dizer, não poderá valorar, como meio de prova, o depoimento indireto, salvo se a inquirição da pessoa indicada não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontrada, como resulta dos n.ºs 2 e 3 do art.129.º do C.P.P..  

Por colocar em causa os princípios da imediação e do contraditório, o n.º 3 do art.129.º do C.P.P. estabelece a proibição de utilização do depoimento indireto, como meio de prova, fora do circunstancialismo descrito nos n.ºs 1 e 2 do art.129.º do C.P.P..

No caso do furto praticado no “Restaurante S...”,  consta da motivação da matéria de facto do acórdão de 23 de outubro de 2020, proferido em 1.ª instância, que no âmbito das investigações realizadas pela testemunha BB, militar da GNR, numa altura em que não havia ainda inquérito, nem arguido constituído, foi abordado por um casal de namorados que lhe disse que estando a passear pela 1 hora no local onde se situa aquele estabelecimento, viu 2 indivíduos a colocar objetos num veículo que estava parado e por acharam estranho tiraram uma fotografia ao veículo e apontaram a matrícula do veículo em causa: “..-..-UT”.   

A informação assim obtida constitui um ato válido para investigação sobre quem conduzia o veículo automóvel e obtenção de indícios da prática do crime de furto no estabelecimento por parte de quem o teria conduzido na data em causa.

Coisa diversa, é a valia do depoimento da testemunha BB em audiência de julgamento sobre a prática do crime pelo arguido AA em face do que ouviu dizer ao dito casal de namorados. 

Embora na 1.ª Instância tenha sido valorado o depoimento indireto da testemunha BB, obtido através de pessoas que perante si mantiveram o anonimato, essa valoração veio a ser revogada no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, e face à falta de prova deu como não provada a participação do ora requerente no furto realizado no “Restaurante S.…”.

Posto isto, será que o depoimento indireto, admitido em violação do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.129.º do Código de Processo Penal, constitui uma proibição de prova nos termos previstos no n.º 1 a 3 do art.126º deste Código, para permitir a revisão da sentença?

Adiantamos desde já que a resposta não pode deixar de ser negativa.

Em primeiro lugar, o arguido AA não foi condenado, mas sim absolvido, com trânsito em julgado, da prática do furto no “Restaurante S.…”, por falta de prova.

Em segundo lugar, ainda que não seja de todo pacífico na doutrina saber se só a violação dos direitos abrangidos no art. 32.º, n.º 8 da Constituição da República Portuguesa constitui uma proibição de prova, ou se a violação de qualquer direito fundamental pode gerar tal proibição[14], o certo é que a alínea e), n.º 1 do art. 449.º do Código de Processo Penal, é taxativo no sentido de que só a condenação em provas proibidas previstas nos n.º 1 a 3 do art.126º deste Código é fundamento de admissibilidade de revisão transitada em julgado.

A proibição de depoimento indireto não se insere, de modo algum, nas provas proibidas a que alude o art. 126.º, n.ºs 1 a 3 do C.P.P., ou seja, nas provas obtidas mediante tortura, coação, ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas e intromissão não autorizada no domicílio, vida privada e correspondência ou telecomunicações.

A proibição de valoração do depoimento indireto, fora dos condicionalismos legais, resulta do n.º 3 do art. 129.º do Código de Processo Penal. 

Assim, não tendo o depoimento indireto servido de fundamento à condenação do ora recorrente do pedido de revisão, nem constituindo tal depoimento indireto prova proibida tal como as previstas no artigo 126º, do Código de Processo Penal, não se mostra preenchido o primeiro dos requisitos: (i) condenação em provas proibidas, nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º do Código de Processo Penal.

Perante a distinção, suprarreferida, entre a investigação permitida pela recolha de informações de pessoas que facilitem a descoberta dos agentes dos crimes ao abrigo das medidas cautelares e de polícia e a sua valia como meio prova, não é racional afirmar que em face do depoimento indireto da testemunha BB prestado em audiência de julgamento pelo arguido AA, são inadmissíveis as provas obtidas nos restantes furtos pelos quais o ora recorrente foi condenado por dele dependerem como “frutos da árvore envenenada”.

Aliás, embora originariamente a doutrina dos “frutos da árvore envenenada”, iniciada nos Estados Unidos, afirmasse, em princípio, um total efeito-à-distância das proibições de prova, a jurisprudência foi elaborando um conjunto de exceções, como forma de atenuar esse efeito.

Entre as exceções ou limitações ao efeito-à-distância, o Supremo Tribunal de Justiça reconhece a exceção da fonte independente, podendo ler-se no acórdão de 12 de março de 2009, que “nada obsta a que as provas mediatas possam ser valoradas quando provenham de um processo independente de conhecimento independente e efetivo, uma vez que não há nestas situações qualquer relação de causalidade entre o comportamento ilícito inicial e a prova mediatamente obtida. Pode afirmar-se que o efeito metastizante da violação de regras de proibição de prova apenas tem razão de ser em relação à prova que se situa numa relação de conexão de ilicitude.”[15]       

Para além das investigações levadas a cabo pela GNR em face da informação obtida de pessoas que não se quiseram identificar, constituírem um ato permitido, também uma simples leitura da fundamentação da matéria de facto do acórdão permite perceber que os ilícitos pelos quais o ora recorrente se mostra condenado com transito em julgado fundaram-se em meios de prova autónomos - incluindo a confissão dos factos -, relativamente aos que levaram o Tribunal da Relação a absolvê-lo do furto praticado no “Restaurante S...”,.

Passando, agora, ao conhecimento do segundo dos requisitos do pedido de revisão de sentença: superveniência na demonstração de que serviu de fundamento à condenação uma prova proibida.

Um dos fundamentos de recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, invocado pelo ora peticionante, para que fosse dada como não provada a sua participação no furto praticado no “Restaurante S.…” foi a invalidade do depoimento indireto da testemunha BB, o que veio a ser reconhecido no acórdão proferido por aquela Relação.

Portanto, o depoimento indireto, mesmo que fosse prova proibida nos termos dos n.ºs 1 a 3 do art. 126.º do Código de Processo Penal – e não é – não poderia considerar-se uma prova descoberta posteriormente ao trânsito da decisão condenatória, nem para o ora peticionante da revisão de sentença, nem para o Tribunal da Relação, que reconheceu que não podia ser utilizado para dar como provada a factualidade relativa ao furto praticado no “Restaurante S.…”, na falta de outra prova.

Pelo exposto, concluindo-se que a situação exposta pelo recorrente AA não preenche nenhum dos fundamentos de revisão previstos na alínea e) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal, mais não resta que negar a revisão de sentença.

III - Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em negar a revisão de sentença peticionada pelo recorrente AA e rejeitar, por inadmissibilidade legal, o requerimento de “adesão” ao recurso formulado pelo arguido CC.

Custas pelo recorrente AA, fixando em 4 UCs a taxa de justiça (art.8.º, n.º 9 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais).

 *

(Certifica-se que o acórdão foi  processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do art. 94.º, n.ºs 2 e 3 do C.P.P.). 

*

Lisboa, 23 de junho de 2022

                                                                                                                                                         

Orlando Gonçalves (Relator)

Adelaide Sequeira (Adjunta)

Eduardo Loureiro (Presidente da Secção)

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[1] Cf. “II - Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz”, Coimbra Editora, 1983, pág.7
[2] Cf. In “Scientia Iuridica”, tomo XIV, n.ºs 75/76, págs. 520-521.
[3] Cf. “Código de Processo Civil Anotado”, Coimbra Editora, vol. V, pág. 158.
[4] Cf. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, 3º Vol., pág. 364 e Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal Anotado”, 7ª Ed., pág.644).
[5]  Cf. Germano Marques da Silva, in "Curso de Processo Penal",3º Vol., pág. 364 e Maia Gonçalves, "Código de Processo Penal Anotado", 17ª Ed., pág.644). 
[6]Cf. “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, pág. 83.

[7] Cf. “Código de Processo Penal anotado”, 17.ª edição, pág.1062.

[8] In “Código de Processo Penal Comentado,” Henriques Gaspar, Santos Cabral, Maia Costa, Oliveira Mendes, Pereira Madeira e Pires da Graça, 2016. Almedina -2ª edição revista, pág.1509.  
[9] In www.dgsi.pt
[10] In www.dgsi.pt.
[11] In www.dgsi.pt.
[12] Cf. “Recursos Penais”, 9.ª edição, 2020, Rei dos Livros, pág.247.
[13] Cf. “Comentário do Código de Processo Penal”, UCE, págs. 1215 a 1217.
[14] Cf. Helena Mourão que entende não se poder encarar o art.32.º, n.º 8 da C.R.P., como fornecendo um elenco taxativo de direitos fundamentais cuja violação gera nulidade de prova, pois quando um determinado direito “se encontrar intimamente relacionado com a dignidade humana e se situar num contexto de especial fragilidade com o poder em matéria probatória, é dever do intérprete proceder à devida aplicação analógica do regime constitucional e legal das proibições de prova”, in “O efeito à distância das proibições de prova no direito processual penal português”, Diss. FDUL, 2002, pág. 21.   
[15] Cf. proc. n.º 09p0395, in www.dgsi.pt.