Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
101/17.6YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
REQUISITOS
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
DELIBERAÇÃO
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO
INDEFERIMENTO
JUIZ
Apenso:
Data do Acordão: 09/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO CONTENCIOSO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO – PROCESSOS CAUTELARES / CRITÉRIOS DE DECISÃO.
Doutrina:
- RUI MACHETE, Comentário à Revisão do Código do Procedimento Administrativo, 2016, p. 270.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS (CPTA): - ARTIGO 120.º, N.º 1.
ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGO 170.º, N.º 1.
Sumário :
I - A impugnação judicial das deliberações do Plenário do CSM não suspende a respectiva eficácia, podendo, no entanto, o recorrente impetrar a suspensão da eficácia do ato quando considere que a execução imediata daquele é susceptível de lhe causar prejuízo irreparável ou de difícil reparação.
II - Tal providência cautelar poderá ser adotada, desde que cumulativamente e numa apreciação assente num juízo de mera verosimilhança, a situação fáctica apurada evidencie um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora), e que seja provável que a pretensão a formular nesse processo venha a ser julgada procedente (fumus boni iuris).
III - Os prejuízos tidos como irreparáveis pela recorrente – a mudança de residência para Cascais e a privação do apoio dos seus familiares e amigos, de que carece, para o desempenho das tarefas quotidianas em virtude das limitações físicas de que padece – são unicamente atribuíveis ao facto de a requerente, no movimento judicial ordinário de 2018, ter sido colocada naquela comarca, ou seja, resultam de uma colocação distinta da que ocorreria antes daquele movimento, mas não directamente da decisão que aprovou a notação cuja eficácia pretende suspender.
IV - Acresce que a mudança do local do exercício de funções e os inconvenientes que, a nível pessoal, tal acarreta para o juiz estão intrinsecamente associados ao desempenho do magistério judicial e à carreira profissional de juiz, razão pela qual, à luz de um critério de adequação social, tem-se vindo a considerar que, por si só, não integram o conceito de prejuízo irreparável ou dificilmente reparável.
V - Assim, não se verificando o requisito de decretamento da providência requerida que se acha primeiramente enunciado no n.º 1 do art. 120.º do CPTA e no n.º 1 do art. 170.º do EMJ, o que torna despiciendo determinar se se verificaria o outro requisito acima explicitado, não estão reunidos os requisitos legais indispensáveis ao decretamento da providência cautelar requerida.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I – RELATÓRIO

 AA e BB, Juízes ..., interpuseram recurso da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM), de 17 de outubro de 2017, que julgou improcedente a reclamação hierárquica apresentada, relativamente à decisão de devolução de boletins itinerários apresentados pelas Recorrentes, e negou o pagamento das ajudas de custo, por força da deslocalização do Juízo de Comércio de ... para ..., concluindo pelo pedido de nulidade ou, no mínimo, de anulação da deliberação.

Para tanto, alegaram, em síntese, que, estiveram colocadas vários anos na Comarca de ...; no movimento de 2014, deliberado a 8 de julho de 2014, a que concorreram, foram colocadas no Juízo de Comércio de ...; têm as suas vidas pessoais e familiares organizadas em função do exercício profissional em ...; por despacho da Ministra da Justiça, de 21 de agosto de 2014, foi determinada, transitoriamente, a deslocalização da Secção de Comércio da Instância Central de ... para ...; por deliberação do CSM de 16 de junho de 2015, foi decidido atribuir ajudas de custo aos juízes das Secções deslocalizadas; as Recorrentes foram deslocadas em serviço para fora onde está situado o tribunal da comarca, devendo serem-lhes pagas as ajudas de custo; o contrário é ilegal por erro nos pressupostos de facto e vício de violação de lei, designadamente do art. 27.º do E.M.J.; subsidiariamente, a deliberação recorrida padece de omissão de pronúncia, incorrendo na violação dos arts. 94.º, n.º 1, e 191.º, n.º 2, do CPA; a deliberação de 12 de julho de 2016 é inovadora, sofrendo o ato recorrido de erro quanto aos pressupostos de facto; essa alteração apenas podia valer para o futuro; o entendimento da administração afronta os princípios da inamovibilidade e independência dos juízes, violando os arts. 203.º e 216.º da Constituição da República; a interpretação do art. 27.º do E.M.J. sustentado na decisão recorrida, por violação dos princípios da confiança e boa fé e, ainda, da inamovibilidade, sofre de inconstitucionalidade material, pois que o mesmo deve ser interpretado no sentido de, pelo menos, até 3 de fevereiro de 2017, no limite sem prazo, deverem ser abonadas ajudas de custo às Recorrentes; não foram ouvidas aquando da deliberação de 12 de julho de 2016, tendo havido preterição de audiência prévia, com afronta do disposto nos arts. 12.º e 121.º do CPA.

Respondeu o Conselho Superior da Magistratura, alegando que, a partir do movimento judicial de 2015, não são devidos quaisquer pagamentos de ajudas de custas, sustentando também que à deliberação impugnada não se pode imputar qualquer dos vícios invocados e concluindo pela improcedência do recurso.

Alegaram as Recorrentes, formulando no essencial as seguintes conclusões:

a) Há vício de violação de lei por erro de facto nos seus pressupostos.

b) A deliberação de 2016 alterou o ato de 2015, sofrendo o ato recorrido, ao ter sustentado o oposto, de erro quanto aos pressupostos de facto.

c) A Administração apenas podia alterar o sentido do ato para o futuro, nomeadamente a partir de 3 de fevereiro de 2017.

d) Deve estar protegida a confiança depositada na situação jurídica/laboral.

e) A interpretação do art. 27.º, n.º 1, do E.M.J., sustentada na decisão recorrida, sofre de inconstitucionalidade material, por violação dos princípios da confiança e boa fé e da inamovibilidade.

f) O ato sofre do vício de violação do direito de audiência prévia.

g) As Recorrentes só conheceram a deliberação de 2016 em 2017.

As Recorrentes insistem no provimento do recurso, mediante a declaração de nulidade ou anulação da deliberação.

Alegou também o Recorrido, reiterando a improcedência do recurso.

O Ministério Público, por sua vez, emitiu parecer, nomeadamente no sentido de ser negado provimento ao recurso e mantida a deliberação recorrida, nos termos constantes de fls. 181 a 205.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Estão provados os seguintes factos:

1. O Plenário do Conselho Superior da Magistratura deliberou, em 17 de outubro de 2017, a improcedência da reclamação hierárquica apresentada contra a devolução, em 4 de janeiro de 2017, dos boletins itinerários apresentados, relativamente à decisão de 4 de janeiro de 2017, de devolução de boletins itinerários apresentados pelas Recorrentes, nos termos de fls. 24 a 26, nomeadamente que “a situação concreta de exercício de funções das Reclamantes no, agora, Juízo de Comércio de ..., deslocalizado em ..., já não confere o direito ao recebimento das reclamadas ajudas de custo, por já não se verificar a situação de “quebra das expetativas” que as justificava.”

2. A Recorrente AA, após concorrer, foi colocada por deliberação de 8 de julho de 2014, com efeitos a 1 de setembro de 2014, na então Secção de Comércio de ..., Secção Central da Comarca de ... (atualmente Juízo de Comércio de ...).

3. A Recorrente BB, após concorrer, foi colocada por deliberação de 8 de julho de 2014, com efeitos a 1 de setembro de 2014, na então Secção de Comércio de ..., Secção Central da Comarca de ... (atualmente Juízo de Comércio de ...).

4. Anteriormente, em 1 de outubro de 2010, a Recorrente BB tomou posse, como efetiva, no Juízo de Grande Instância Cível de ....

5. Por despacho n.º 10780/2014, de 21 de agosto, a Ministra da Justiça determinou que, “no Tribunal Judicial de ..., a 1.ª Secção de Comércio da Instância Central, com sede em ..., é, transitoriamente, deslocalizada para ...”.

6. No âmbito do Gabinete de Apoio ao Vice-Presidente e Membros do CSM foi elaborado o parecer de fls. 102 a 120, nos termos do qual se concluiu, designadamente: “iii. São devidas ajudas de custas aos magistrados colocados em determinada secção sempre que esta seja temporariamente deslocalizada para fora da área do município onde se encontra legalmente sediada, independentemente da distância dessa deslocação, atento o disposto no artigo 27.º, n.º 1, do EMJ, norma especial relativamente à prevista no n.º 1 do art. 1.º do DL n.º 106/98, de 24 de abril, e desde que verificados os requisitos do artigo 8.º deste diploma. iv. As ajudas de custo referidas em “iii.” devem ser calculadas por dias sucessivos e sem limite de tempo, nos termos do n.º 4 do artigo 8.º do DL n.º 106/98, de 24 de abril, desde o primeiro dia em que o juiz exerce funções na secção deslocalizada até que a deslocalização termine ou cessem ali as suas funções”.

7. O Plenário do Conselho Superior da Magistratura, em 16 de junho de 2015, deliberou “por unanimidade: (i) concordar com as conclusões gerais i., ii., v., vi., vii., viii. e ix. do referido parecer; (ii) quanto à conclusão geral iii. do referido parecer, concordar com a mesma, mas apenas quando a secção tenha sido temporariamente deslocalizada da sua sede legal por despacho ministerial, publicado após a abertura do Movimento Judicial pelo qual o magistrado judicial foi colocado ou destacado, e já não quando a deslocalização ocorreu em momento anterior, por via legal, uma vez em que tais situações não ocorre quebra da expetativa criada relativamente ao município em que seria exercida a função; (iii) quanto à conclusão iv., concordar com a mesma no que tange ao cálculo das ajudas de custo, por dias sucessivos, nos termos do n.º 4 do art. 8.º do DL n.º 106/98, de 24 de abril, desde o primeiro dia em que o juiz exerce funções na secção deslocalizada e relegar para o momento em que for discutido o direito a ajudas de custo pelos juízes que exercem funções nos quadros complementares quanto a saber se deve aplicar-se o limite de tempo previsto no art. 12.º, n.º 1, do DL n.º 106/98, de 24 de abril, ou se não há limite de tempo”.

8. Pelo mesmo Gabinete, foi elaborado o parecer de fls. 122 a 129, nos termos do qual se concluiu, designadamente que “B) (…), já não serão devidas ajudas de custo quando a deslocalização ocorreu em momento anterior, por via legal, uma vez que em tais situações não ocorre, de acordo com o deliberado, quebra da expetativa criada relativamente ao município em que seria exercida a função; (…); E) A compensação referida em D) apenas se justifica enquanto o magistrado judicial se encontre vinculado a permanecer no lugar para onde concorreu, não podendo, atento o disposto no artigo 43.º, n.º 1, o EMJ, ser transferido para outro tribunal ou secção, sendo que, caso tal vinculação não ocorra (v.g. nos casos a que alude o n.º 5 do art. 43.º do EMJ) ou caso tenha cessado o impedimento de movimentação (cfr. Artigo 43.º, n.º 1, do EMJ) então deixa de se justificar a compensação da deslocalização supervenientemente conhecida, por o magistrado judicial poder, se o pretender, ser movimentado para outro tribunal ou secção (ainda que tal, de facto, não venha a ocorrer, por circunstâncias que já se prendem com as regras do movimento e, não, com a impossibilidade legal de movimentação; F) No movimento judicial em curso (2016), caso sejam efetuados requerimentos/provimentos para lugares em secções deslocalizadas (já sendo conhecido, previamente ao requerimento para movimento, que as mesmas são se encontram instaladas na sede legalmente prevista – independentemente, parece-nos, da forma pela qual se efetive a deslocalização de instalações – por despacho ou por via legal) não se mostra que haja qualquer confiança a reintegrar, pelo que, não se afigura, nestes casos, ser devido o pagamento de quaisquer ajudas de custo”.

9. Integrado no expediente apresentado pela Juiz de Direito, Dra. CC, que solicitara esclarecimentos acerca da deliberação do Conselho Plenário de 16 de junho de 2015, o Plenário do Conselho do CSM, de 12 de julho de 2016, deliberou por unanimidade concordar com as conclusões genéricas deste último parecer.

10. Do aviso de abertura do movimento judicial ordinário de 2015, consta: “33. Ao presente movimento judicial não é aplicável o disposto no n.º 1 do art. 43.º do EMJ, por decorrência do disposto no n.º 5, do mesmo preceito, tendo por referência que todos os lugares de efetivo dos tribunais de primeira instância foram criados e providos ex novo no movimento judicial ordinário de 2014”.       

 

***

2.2. Delimitada a matéria de facto relevante, importa conhecer do objeto do recurso, respeitante à impugnação da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 17 de outubro de 2017, que indeferiu a reclamação hierárquica apresentada, relativamente à decisão de devolução, em 4 de janeiro de 2017, dos boletins itinerários apresentados pelas Recorrentes, e negou o pagamento das ajudas de custo, pela deslocalização do Juízo de Comércio de ... para ....

As Recorrentes imputaram à deliberação impugnada diversos vícios para justificar a peticionada declaração de nulidade ou anulação, acompanhada das consequências legais daí emergentes.

O Recorrido (CSM), por sua vez, alega que a deliberação impugnada não padece de qualquer dos vícios invocados, sendo o recurso improcedente, posição também corroborada pelo Ministério Público.

2.2. Neste recurso da deliberação do CSM, discute-se a problemática do abono das ajudas de custo a juízes, por serviço prestado em tribunal, transitoriamente, deslocalizado da sede da comarca, na sequência da organização judiciária aprovada pela Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) – Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto.

Especificamente, no art. 27.º, n.º 1, da Lei n.º 21/85, de 30 de julho, que aprovou o Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), regula-se que “são devidas ajudas de custo sempre que um magistrado se desloque em serviço para fora da comarca onde se encontre sediado o respetivo tribunal ou serviço”.

Com a nova organização judiciária, esta norma ficou desajustada, nomeadamente quanto ao âmbito territorial da comarca, agora com uma extensão bastante mais alargada, identificada, em geral, com a área do distrito, enquanto antes correspondia, genericamente, à do respetivo município. Contudo, o direito específico ao recebimento do abono das ajudas de custo pelos juízes continua a manter-se sem qualquer modificação.

A questão que emerge dos presentes autos prende-se, sobretudo, com a existência, ou não, de limite temporal ao direito de abono das ajudas de custo, por efeito da deslocalização transitória do tribunal.

O direito ao abono de ajudas de custo foi reconhecido, em virtude da deslocalização do tribunal ter sido posterior ao concurso de preenchimento do respetivo lugar, afetando a expetativa legítima dos concorrentes e originando, em abstrato, acréscimo de despesas provocadas pela deslocação, suscetíveis de justificar o abono das ajudas de custo.

O mesmo direito, porém, já não foi reconhecido, quando se considerou não haver “quebra das expetativas”, nomeadamente a partir do preenchimento do lugar por efeito do movimento judicial ordinário de 2015, ao qual, conforme o respetivo aviso, não era aplicável a limitação do disposto no n.º 1 do art. 43.º do EMJ, por decorrência do disposto no n.º 5, do mesmo preceito, tendo por referência que todos os lugares de efetivo dos tribunais de primeira instância foram criados e providos ex novo no movimento judicial ordinário de 2014.

É contra este último entendimento que as Recorrentes se manifestam, considerando genericamente que, estando o tribunal deslocalizado, como ainda sucede, não existe limitação do direito ao abono das ajudas de custo.

Mas, as Recorrentes não têm a razão do seu lado.

Na verdade, as Recorrentes, podendo ter ficado surpreendidas pela deslocalização do tribunal já depois da deliberação do movimento judicial ordinário de 2014, que as colocara naquele tribunal, podiam depois ter concorrido a outro lugar, nomeadamente no movimento judicial ordinário de 2015, porquanto a limitação decorrente do n.º 1 do art. 43.º do EMJ, que as podia atingir, não era aplicável, conforme constava, expressamente, do respetivo aviso de abertura. Não estavam, por isso, obrigadas a permanecer no mesmo lugar e, dessa forma, continuar a suportar os efeitos imprevistos decorrentes da deslocalização do tribunal.

As Recorrentes, ao não concorrerem, quando podiam, nomeadamente no movimento judicial ordinário de 2015, para um outro lugar, sem os mesmos inconvenientes, acabaram, tacitamente, por aceitar prestar funções no tribunal deslocalizado. As condições dos movimentos, em abstrato, podem considerar-se semelhantes, impossibilitando a afirmação de que um certo movimento pode ser mais favorável ou desfavorável do que outro.

As Recorrentes, ao manterem-se no mesmo lugar, quando podiam ter concorrido a outro lugar, aceitaram o exercício de funções no tribunal deslocalizado, aí estabelecendo o seu domicílio necessário. Não havendo deslocação do domicílio necessário, não se justifica a atribuição do abono das ajudas de custas, pelo serviço prestado em tribunal deslocalizado, levando em conta as normas dos arts. 1.º e 2.º, alínea a), do DL n.º 106/98, de 24 de abril, aplicáveis subsidiariamente por efeito do disposto no art. 32.º do EMJ. Na verdade, a prestação do exercício da função no domicílio necessário, não correspondendo a acréscimo de despesas, designadamente por inexistência de deslocação, não pode fundamentar o direito ao recebimento do abono de ajudas de custo (a Recorrente Iolanda Alves Pereira, aliás, sempre permaneceu em Anadia).      

Nestas circunstâncias, a deliberação objeto de impugnação não padece de ilegalidade, nomeadamente por ofensa ao art. 27.º, n.º 1, do EMJ ou a qualquer norma subsidiária do DL n.º 106/98, de 24 de abril.

Por outro lado, também não há violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto, como se alegou, porquanto, como referido, a situação de facto considerada na deliberação impugnada corresponde, efetivamente, à realidade material de juízes que concorreram e foram colocadas num tribunal, que, depois, foi deslocalizado e onde ainda permanecem em exercício de funções, não obstante terem disposto da faculdade de concorrer a outro lugar, desde logo no movimento judicial imediato.

Mais especificamente, a deliberação incidiu sobre a reclamação contra a devolução, em 4 de janeiro de 2017, dos boletins itinerários apresentadas por juízes colocadas, desde setembro de 2014, em tribunal deslocalizado em agosto de 2014.

Esta situação fáctica não enferma de qualquer erro e, por isso, não se surpreende qualquer violação de lei.

A deliberação impugnada, como resulta do seu teor, assenta a sua fundamentação nas deliberações do CSM de 16 de junho de 2015 e 12 de julho de 2016, inteiramente compatíveis entre si, atentando ao seu conteúdo, e limitou-se a aprovar, com algumas reservas, os pareceres jurídicos elaborados pelos serviços do CSM.

Tais deliberações, que aprovaram os pareceres jurídicos, não tipificam um ato ou regulamento administrativo. Com efeito, as deliberações não visaram a produção de efeitos jurídicos externos para uma situação individual e concreta (art. 148.º do CPA), mas o estabelecimento de orientações gerais e abstratas para a prática dos correspondentes atos administrativos. Por outro lado, não visando produzir efeitos externos, as deliberações não são mais do que meros regulamentos internos (RUI MACHETE, Comentário à Revisão do Código do Procedimento Administrativo, 2016, pág. 270), não lhe sendo aplicável a disciplina própria do regulamento administrativo (art. 135.º e segs. do CPA).

Dada a natureza jurídica de tais deliberações não se lhe podem atribuir vícios próprios quer do ato administrativo quer, também, do regulamento administrativo, prejudicando a alegação das Recorrentes.

A conformidade legal da posição do CSM exclui, necessariamente, a violação dos princípios da confiança e boa fé, próprios de um Estado de Direito democrático, porquanto aquela posição, nos termos sucessivamente assumidos, não podia criar uma justificada expetativa nas Recorrentes de que o abono das ajudas de custas seria pago enquanto o tribunal se mantivesse deslocalizado. A limitação temporal fixada não é mais do que o complemento da posição inicial que ficara, expressamente, por definir, sem ofensa a qualquer expetativa legítima e relevante.

Para além disso, não impressiona a circunstância de outra entidade administrativa ter procedido ao pagamento do abono das ajudas de custo por um período de tempo mais alargado, uma vez que tal procedimento não vinculava o CSM, para além da sua posição, como se viu, estar em conformidade com a lei aplicável.

Embora se alegue também a violação da garantia da inamovibilidade dos juízes, o certo é que dos factos constantes dos autos não se evidencia tal infração àquela importante garantia constitucional, para além das Recorrentes nem sequer a terem fundamentado, obstando, por isso, à declaração da invocada inconstitucionalidade, por violação do artigo 216.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

Em virtude da natureza jurídica das deliberações do CSM de 16 de junho de 2015 e 12 de julho de 2016, que não constituem atos ou regulamentos administrativos, encontra-se prejudicada a alegada preterição de audiência prévia.

Na situação versada nos autos, não estando em causa o procedimento de qualquer ato ou regulamento administrativo, não se justificava a obrigatoriedade da audiência prévia, para o CSM aprovar os pareceres jurídicos sobre o pagamento do abono das ajudas de custo aos juízes em tribunais deslocalizados.

Consequentemente, não houve violação da lei, designadamente do disposto no art. 121.º do CPA. 

Antes de concluir, importa ainda especificar que não houve omissão de pronúncia na deliberação impugnada, como foi alegado pelas Recorrentes, porquanto a mesma resolveu a questão pertinente suscitada pela reclamação interposta pelas Recorrentes contra a devolução dos boletins itinerários apresentados, nomeadamente o direito ao recebimento do abono das ajudas de custo, que foi negado, com observância do disposto no art. 94.º, n.º 1, do CPA.

Resolvida a questão do direito ao recebimento do abono das ajudas de custo, as restantes questões suscitadas, dependentes daquela, ficaram fatalmente prejudicadas, não obrigando a pronúncia, sob pena de repetição inútil, que a lei processual não tolera. Efetivamente, a deliberação impugnada, remetendo essencialmente para as deliberações anteriores, que aprovaram os pareceres jurídicos, esvaziou toda a argumentação contrária produzida pelas Recorrentes na reclamação.    

 Assim, não se mostrando inválida ou ilegal a deliberação impugnada, improcede claramente o recurso.

2.3. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:

 

I. Não havendo deslocação do domicílio necessário, não se justifica a atribuição do abono das ajudas de custo, pelo serviço prestado em tribunal deslocalizado.

II. As deliberações, que aprovaram parecer jurídico, não tipificam um ato ou regulamento administrativo.

III. A conformidade legal da posição do Conselho Superior da Magistratura exclui a violação dos princípios da confiança e boa fé.

IV. Não estando em causa o procedimento de qualquer ato ou regulamento administrativo, não se justifica a obrigatoriedade da audiência prévia.

V. Resolvida a questão do direito ao recebimento do abono das ajudas de custo, as restantes questões suscitadas, dependentes daquela, ficaram prejudicadas, não obrigando a pronúncia.

2.4. As Recorrentes, ao ficarem vencidas por decaimento, são responsáveis pelo pagamento da taxa de justiça, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC, fixando-a em 6 UC.

III – DECISÃO

Pelo exposto, decide-se:

1) Negar provimento ao recurso.

2) Condenar as Recorrentes no pagamento da taxa de justiça de 6 (seis) UC.

Lisboa, 18 de setembro de 2018

(Olindo Geraldes)

(Roque Nogueira)

(Abrantes Geraldes)

(Raul Borges)

(José Rainho)

(Pinto Hespanhol)