Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
034288
Nº Convencional: JSTJ00004092
Relator: BOTELHO DE SOUSA
Descritores: CONVERSÃO DA MULTA EM PRISÃO
EXECUÇÃO
EXECUÇÃO DOS BENS DO DEVEDOR
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ197507230342883
Data do Acordão: 07/23/1975
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR IS 1975/10/14, PÁG. 1623-1624 - BMJ Nº 249 ANO 1975 PÁG. 413
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR PROC PENAL. DIR CRIM - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CCJ62 ARTIGO 202 N1 N2.
CPP29 ARTIGO 640 N1 N2 PAR5 ARTIGO 644 ARTIGO 646 N6 ARTIGO 669 PARUNICO.
CCIV66 ARTIGO 1696.
DL 185/72 DE 1972/05/31.
CPC67 ARTIGO 763 ARTIGO 766.
CP886 ARTIGO 63 ARTIGO 123 ARTIGO 124 ARTIGO 126 PAR3.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO RL DE 1974/05/29 IN BMJ N237 PAG295.
Sumário :
A conversão da multa em prisão não pode ser feita com precedencia sobre a excussão dos bens do devedor, quando deva ser instaurada execução para cobrança das quantias da condenação.
Decisão Texto Integral:
Acordam neste Supremo Tribunal de Justiça em Tribunal Pleno:

O excelentissimo Procurador da Republica junto da Relação de Lisboa, nos termos do disposto nos artigos 669 do Codigo de Processo Penal e 763 do de Processo Civil, interpos recurso extraordinario, do acordão de 14 de Junho de 1974, da mesma Relação, por estar em oposição, com o desse Tribunal, datado de 29 de Maio do mesmo ano.
Alegou que neles se decidiram questões de direito no dominio da mesma legislação, mas em total oposição uma da outra, juntando certidões de tais arestos, e que, por se tratar de processos de transgressão, segundo o preceituado no artigo 646, n. 6, do Codigo de Processo Penal, não podia, nem houve, recurso de tais decisões.
- A Secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça, a folhas 23, decidiu, preliminarmente, nos termos do artigo 766 do Codigo de Processo Civil, aplicavel por força dos paragrafos unicos dos artigos 668 e 669 do Codigo de Processo Penal, estarem verificadas as condições para o prosseguimento dos autos.
Na verdade, as disposições aplicadas e aplicaveis nos dois acordãos, artigo 640 seus numeros e paragrafos do Codigo Penal (alteração do Decreto-Lei n. 185/72, de 31 de Maio), e, o artigo 202 do Codigo das Custas, entre as datas dos acordãos em oposição, e no momento em que foram lavrados, não sofreram alteração.
Tambem, tais acordãos foram proferidos em dois processos de transgressão diferentes, tendo o de 29 de Maio de 1974, transitado em julgado.
E, finalmente, o problema a decidir, nesses dois acordãos, era o de saber, face aqueles preceitos do artigo
640 do Codigo de Processo Penal e 202 do Codigo das Custas, se, perante a informação da secretaria, de desconhecer se o reu, devedor de multa, imposto de justiça e custas, era possuidor de bens exequiveis, deve o Ministerio Publico instaurar execução relativa a todas as referidas especies em divida, ou, somente, com relação as duas ultimas, convertendo-se, imediatamente, em prisão, a multa.
Desta forma, bem se decidiu no dito acordão de folhas
23, existir a referida oposição de direito, e as demais condições para prosseguir este recurso.
- A folhas 22 e seguintes, o excelentissimo Ajudante do Procurador-Geral da Republica apresentou as suas alegações, manifestando-se no sentido da conversão da prisão em multa não poder ser efectivada, se, simultaneamente se proceder a execução nos termos dos ns. 1 e 2 do artigo 640 do Codigo de Processo Penal.
Com os vistos legais, nada obsta a que se conheça do objecto do recurso.
- Resulta dos ns. 1 e 2 do artigo 202 do Codigo das Custas o seguinte regime, no caso de não terem sido pagas pelo reu a multa, impostos de Justiça resultantes de condenação e as custas: a secção, informara se o devedor possui bens que possam ser imediatamente executados, e, se estes forem conhecidos ou se faltarem informações precisas, instaurar-se-a execução a requerimento do Ministerio Publico, que, seguira os termos das execuções por custas, reguladas na parte civel, perante o tribunal da condenação.
Porem, com a publicação do Decreto-Lei n. 185/72, de 31 de Maio, prevendo-se o caso do reu não pagar a multa no fim do respectivo prazo, ou da sua prorrogação, dispõe o artigo 640 do Codigo de Processo Penal, no seu n. 1:
"Tendo o reu bens suficientes e desembaraçados de que o tribunal tenha conhecimento ou que o reu indique no prazo de pagamento, comprovando a sua titularidade, o Ministerio Publico promovera logo a execução, que seguira os termos das execuções por custas, com observancia do disposto no artigo 1 696 do Codigo Civil".
A seguir, o n. 2 desse artigo 640, preceitua: "Na falta de bens nas condições referidas no numero anterior, ou quando se verifique, apos a execução, a insuficiencia dos bens, sera a multa convertida em prisão, no seu total ou na parte não paga, ou substituida por prestação de trabalho a requerimento do condenado, antes ou depois da conversão, nos termos dos artigos 123 e 124 do Codigo Penal".
Do confronto do disposto naquele artigo 202, com o preceituado neste 640, resulta que, neste, se não manda instaurar execução para pagamento da multa no caso referido, tambem, naquele n. 2 do artigo 202 do Codigo das Custas, de faltarem informações precisas sobre a existencia de bens naquelas condições, o que se verifica no caso dos dois acordãos em oposição.
Mas, como o artigo 202, abrange, não so, a multa como o imposto de justiça e custas, temos sempre que considera-lo em vigor pelo menos para estes dois ultimos, ja que o artigo 640 apenas se refere aquela pena, e, por isso, o não revogou quanto a falta de pagamento do imposto de justiça e custas.
Assim, nos termos do n. 2 do dito artigo 202, mesmo, faltando informações sobre se o reu possui ou não bens naquelas condições, ha que instaurar a execução ai referida.
E, mesmo na interpretação do acordão de 29 de Maio de 1974 dada ao n. 2 do artigo 640 citado, afigura-se-nos que tal execução deveria abranger tambem a multa, apesar de convertida em prisão.
Baseamos o nosso ponto de vista, no paragrafo 5 desse artigo 640 onde se preceitua que, "a conversão em prisão", de multa, "não extingue o direito a execução dos bens se, a qualquer tempo e antes de cumprida a prisão", "houver conhecimento de bens suficientes e desembaraçados do reu; mas a prisão so cessara mediante a efectiva liquidação do montante da multa não cumprida em prisão".
Acresce, como motivo desse entendimento, graduar o artigo 644 do Codigo de Processo Penal, em primeiro lugar, as multas penais ao estabelecer a ordem dos pagamentos das quantias exequendas em divida, pelo produto dos bens executados, em tais execuções.
Aproveitar-se-ia, assim, essa execução, onde se daria cumprimento, se fossem encontrados tais bens, a estes dispositivos legais, com relevancia na economia processual e maior rapidez, do que, se a execução se instaurasse apos o conhecimento de bens aludido no dito paragrafo
5 daquele artigo 640.
Vejamos agora o problema por outro aspecto.
Em face do disposto nos artigos 63 e 123 do Codigo Penal, a multa penal e uma pena pecuniaria, de caracter economico, e, por isso, somente pode ser modificada na sua execução, pela conversão da prisão, ou, pela prestação de trabalho, quando, faltarem, aos devedores, bens suficientes e desembaraçados.
Nessa orientação consta do relatorio daquele Decreto-Lei n. 185/72, expressamente, qualificar-se a multa penal como "uma pena pecuniaria", e por isso, pretendeu-se, em conformidade com o direito substantivo vigente, que seja executada como tal, permitindo-se, continua tal relatorio, a prorrogação do prazo do pagamento do seu quantitativo ou o pagamento em prestações, e se regulamente a sua substituição pela prestação de trabalho".
"Devem reduzir-se, deste modo, os casos de conversão da multa em prisão", termina, dizendo, tal relatorio.
Desta forma, se o tribunal desconhecer se, o reu condenado em multa tem bens suficientes e desembaraçados não se verifica o pressuposto legal - (artigo 123 do Codigo Penal) - para a modificação da execução de tal pena, e, consequente, conversão em prisão, que se traduz na certeza dessa falta de bens.
So com a instauração e prosseguimento duma execução se podera chegar a tal conclusão.
Ha tambem a considerar, não obrigar a lei, a que, o reu, condenado em multa não paga, indique os bens que possam por ela ser executados, pois, apenas, aquele n. 1 do artigo 640, lhe faculta, o direito de os indicar.
Assim, não podendo, o desconhecimento por parte do tribunal da situação economica desse reu, ser a este imputado, não pode o mesmo sofrer qualquer modificação na execução dessa pena pecuniaria, que não seja resultante da lei, nomeadamente, da lei substantiva.
Mas, mesmo que a lei obrigasse o condenado em multa penal, no caso de a não ter pago, a dizer qual a sua situação economica e indicar os bens destinados a respectiva execução, cominando a conversão em prisão, se ele declarasse não ter bens ou nada informasse, mesmo assim não estaria de harmonia com aquela natureza pecuniaria de multa tal sistema.
Pois, bem podia suceder, que esse condenado, por motivos que lhe interessassem, preferisse cumprir a prisão, em vez de perder o montante economico da multa, que assim continuaria no seu patrimonio.
E, não ha duvida, de que, num caso destes, a conversão em prisão seria contraria ao preceituado naquele artigo 123 do Codigo Penal.
Tem assim de se entender o n. 2 do artigo 640 referido, de harmonia com aquele artigo 123 do Codigo Penal, no sentido de que so ha que converter a multa, não paga, apos a verificação, atraves da execução instaurada, da falta de bens, ou, apos a excussão, da sua insuficiencia e na respectiva proporção ou medida.
O argumento de que o prazo de prescrição das penas aplicadas em transgressão e apenas de 1 ano (artigo 126, paragrafo 3, do Codigo Penal) não impede tal orientação.
Na verdade, mesmo na orientação do acordão de 29 de Maio, ha que instaurar execução se forem conhecidos bens suficientes e desembaraçados se o reu os indicar (artigo 640, n. 1, referido), sinal de que a lei não viu nisso inconveniente, e ela não excepciona o regime as multas por contravenções.
Nestes termos acordam os juizes do Supremo Tribunal de Justiça reunidos em Tribunal Pleno, em decidir o presente conflito de jurisprudencia objecto deste recurso formulando o seguinte assento:
A conversão da multa em prisão não pode ser feita com precedencia sobre a excussão dos bens do devedor, quando deva ser instaurada execução para cobrança das quantias da condenação.

Lisboa, 14 de Outubro de 1975

Eduardo Botelho de Sousa (Relator) - Antonio Acacio de Oliveira Carvalho - Adriano Vera Jardim - Eduardo Correia Guedes - Jose Antonio Fernandes - João Moura - Eduardo Arala Chaves - Francisco Bruto da Costa - Daniel Ferreira Jose Montenegro - Jose Amadeu de Carvalho - Americo Botelho de Sousa - Rodrigues Bastos (Votei que, não pagando o reu a multa no prazo legal, e informando a secretaria que lhe não são conhecidos bens suficientes e desembaraçados, ela lhe devera ser convertida em prisão, nos termos combinados dos ns. 1 e 2 do artigo
640 do Codigo de Processo Penal).