Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
314/2000.P1.S1-A
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
REQUISITOS
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
Data do Acordão: 10/21/2014
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Decisão: DEFERIDA A RECLAMAÇÃO (ORDENADA A APRESENTAÇÃO DO PROCESSO AO RELATOR)
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS.
Doutrina:
- Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre O Novo Processo Civil, Lex, 1997 64/66.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 7.º, 627.º, N.º2, 690.º, 672º, Nº1, ALÍNEA C) E Nº2, ALÍNEA C).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-N.ºS 620/2013, 1259/2013 E 368/ 2014, DISPONÍVEIS NA BASE DE DADOS DO SITE DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL.
Sumário :

I O normativo inserto no artigo 690º, nº2 do NCPCivil impõe que a parte junte com o seu requerimento inicial a cópia do Acórdão fundamento, no caso de interposição de recurso para uniformização de jurisprudência por oposição de acórdãos.

II Se a parte não cumprir tal ónus, mas não se limite a interpor recurso invocando uma qualquer oposição de Acórdãos, fazendo consignar naquele seu requerimento inicial, aquando da sua motivação, que o Acórdão recorrido se encontrava em oposição com um outro deste Supremo Tribunal, o qual identifique, pela data e número, acrescentando ainda que o mesmo se encontrava publicado na base de dados do ITIJ, não deverá ser rejeitada in limine a mencionada impugnação, sem que antes se convide a Recorrente a juntar a cópia em falta.

III Esta actuação prévia impõe-se por força do princípio da cooperação a que alude o artigo 7º do NCPCivil, o qual se destina a transformar o processo civil numa “comunidade de trabalho” o que implica a interacção das partes com o Tribunal e deste com aquelas.

(APB)

Decisão Texto Integral:

 

 ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

M, nos autos de acção declarativa com processo ordinário que intentou contra D e outros e em que foi Recorrente, veio nos trinta dias subsequentes ao trânsito em julgado do Acórdão que lhe negou a Revista, nos termos do artigo 688º, nºs 1 e 2 do NCPCivil, interpor recurso para uniformização de jurisprudência, alegando para o efeito que o Acórdão recorrido está em oposição com um outro Acórdão, proferido por estes mesmo Supremo Tribunal, em 2 de Outubro de 2010, no processo 1816/06.OTBFUN.L1.S1, acessível na base de dados do ITIJ.

Notificada da decisão singular do Exº Relator, que lhe rejeitou liminarmente o requerimento de interposição de recurso para uniformização de jurisprudência, por omissão da junção da cópia do Acórdão fundamento aludida no disposto no artigo 690º, nº2 do NCPCivil, vem a Recorrente reclamar para a conferência, aduzindo brevitatis causa, os seguintes fundamentos:

- O Relator deveria ter ouvido as partes antes de rejeitar o recurso com o alegado fundamento, ao abrigo do princípio do contraditório

- E ainda que se entendesse - e não deve entender-se - que esta norma processual só se aplica ao recurso de Apelação, sempre deveria ter sido proferido Despacho, convidando ao Aperfeiçoamento do que julgasse ser necessário, convidando as partes a praticar os actos adequados nos termos do disposto no nº2 do artigo 6° do NCPC.

- Sob pena de proferir uma decisão surpresa, como sem dúvida é a ínsita no Despacho de que ora se reclama, sem ter sido dada às partes a possibilidade de, sobre esta questão da cópia do Acórdão-fundamento, se pronunciarem e de, a final, vir a juntar uma cópia impressa, apesar de ter sido indicado o endereço electrónico na firme convicção de ser um plus relativamente à exigência legal (pois a cópia impressa chega cada vez mais em piores condições aos Tribunais).

- A entender, como entendeu, que a junção do simples endereço electrónico completo do Acórdão-fundamento não satisfazia o requisito do nº2 do artigo 690º do NCPC, estava - em nosso entender e, ainda mais, à luz dos princípios do NCPC - o Supremo Tribunal incurso no dever processual de convidar os recorrentes a juntar uma "cópia" do mesmo, único entendimento conforme com o princípio pro actione e os seus múltiplos afloramentos ou concretizações normativas - cfr., art.652°, a), b) e d) do Cód. Proc. Civil, art. 639°, nº 3, do NCód. Proc. Civil, ainda melhor consignados no novo CPC, para além destas, nas normas dos artigos 6, 7, 8 e 9 do NCPC.

- O actual artigo 7° do NCPC, ao consignar o dever de cooperação, coloca a cargo do Tribunal, entre o mais, um dever de esclarecimento, um dever de prevenção e um dever de consulta dos quais resulta o dever de o tribunal prevenir as partes sobre eventuais deficiências ou insuficiências das suas alegações ou pedidos e de as ouvir antes de decidir sobre uma questão de facto ou de direito em relação às quais as partes não tenham tido oportunidade de se pronunciar, procurando-se, desse modo, evitar as decisões-surpresa.

- Acresce que, a rejeiçao do recurso, sem que ninguém, mormente a parte contrária, tenha colocado em causa a existência do acórdão-fundamento, revela-se, também neste ângulo complementar de observação, como uma medida despropositada e desproporcionada.

- A norma invocada no Despacho em apreço interpretada no sentido supra exposto, afectou, de forma definitiva e absoluta e, por isso, intolerável e inadmissível, o direito de os recorrentes ver sindicada a manifesta oposição jurisprudencial existente entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento no âmbito do presente recurso para Uniformização de jurisprudência que interpuseram, como único meio de defesa ao seu alcance, retirando-se-lhes, efectivamente, qualquer possibilidade de se defenderem da decisão proferida.

- A interpretação feita no Acórdão-recorrido, pelo menos implicitamente, dos arts. 30, nº3 e 655º nº1 do NCód. Proc. Civil, no sentido de que não há lugar à audição dos recorrentes antes de se decidir pela rejeição do recurso interposto obstando-se, assim, ao conhecimento da questão de fundo nele suscitada - a existência de uma oposição de julgados -, designadamente porque não se considerou estar cumprido o ónus de junção de cópia do acórdão-fundamento e a verificação dos pressupostos estabelecidos no art 690º e 691º  nº1 do NCPC padece de inconstitucionalidade material por ofensa dos princípios constitucionais, da certeza, da segurança jurídica, da confiança, da boa-fé, da proporcionalidade, do contraditório, da cooperação e do direito de acesso à justiça e a um processo equitativo plasmados nos arts. 1°, 2° e 20º, nº 1 e nº 4 da CRP.

Na sua resposta o Recorrido pugna pela manutenção da decisão singular proferida.

Vejamos.

A decisão reclamada é do seguinte teor:

«Decorre do preceituado no art. 690º, nº2, do CPC que com o requerimento de interposição do recurso para uniformização de jurisprudência, o recorrente junta cópia do acórdão anteriormente proferido pelo STJ, com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição.

Trata-se de um verdadeiro requisito de admissibilidade do sobredito recurso, sem cuja junção, aliás, não é possível aquilatar a verificação ou inverificação da invocada contradição de acórdãos.

Nestes termos, por incumprimento do correspondente ónus previsto no art. 690º, nº2 do CPC e face ao preceituado no art. 692º, nº1 do mesmo Cod., rejeito o recurso para uniformização de jurisprudência interposto a fls . 2 e segs (…)».

Dispõe o normativo a que alude o artigo 690º do NCPCivil:

«1. O requerimento de interposição, que é autuado por apenso, deve conter a alegação do recorrente, na qual se identificam os elementos que determinam a contradição alegada e a violação imputada ao acórdão recorrido.

2. Com o requerimento previsto no número anterior, o recorrente junta cópia do acórdão anteriormente proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição.»

Por seu turno estabelece o artigo 692º, nº1 do mesmo diploma que «Recebidas as contra-alegações ou expirado o prazo para a sua apresentação, é o processo concluso ao relator para exame preliminar, sendo o recurso rejeitado, além dos casos previstos no nº2 do artigo 641º, sempre que o recorrente não haja cumprido os ónus estabelecidos no artigo 690º, não exista oposição que lhe serve de fundamento ou ocorra a situação prevista no nº3 do artigo 688º

Na especie o Exº Sr Relator rejeitou liminarmente o recurso interposto pela aqui Reclamante porquanto a mesma não fez juntar com o seu requerimento inicial a cópia do Acórdão fundamento, ónus este que efectivamente é imposto pelo normativo inserto no artigo 690º, nº2 do NCPCivil.

Todavia, a Recorrente não se limitou a interpor recurso invocando uma qualquer oposição de Acórdãos, fazendo consignar naquele seu requerimento inicial, aquando da sua motivação, que o Acórdão recorrido se encontrava em oposição com um outro deste Supremo Tribunal, o qual identificou, pela data e número, acrescentando ainda que o mesmo se encontrava publicado na base de dados do ITIJ.

Não podemos dizer que este tivesse sido o comportamento mais ortodoxo para quem interpõe um recurso de uniformização de jurisprudência, impondo-se-lhe um zelo acrescido quer no seu argumentário, quer no cumprimento dos vários ónus que lhe são impostos pelos preceitos legais aplicáveis, posto que já não estamos em sede de recursos ordinários, mas num outro patamar, dos recursos extraordinários, cfr artigo 627º, nº2 do NCPCivil.

Todavia, face aos contornos da interposição de tal recurso, também não nos parece, sempre s.d.r.o.c., que o caso levasse a uma rejeição liminar, sem que antes se tivesse convidado a Recorrente a juntar a cópia do Acórdão que havia indicado como estando em contradição com o Acórdão recorrido.

Esta actuação prévia impor-se-ia por força do princípio da cooperação a que alude o artigo 7º do NCPCivil,  o qual se destina a transformar o processo civil numa “comunidade de trabalho” o que implica  a interacção das partes com o Tribunal e deste com aquelas, cfr Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre O Novo Processo Civil, Lex, 1997 64/66.

Neste preciso conspectu permitimo-nos acrescentar ex abundanti que no âmbito da ponderação dos pressupostos processuais, os princípios antiformalistas, “pro actione” e “in dubio pro favoritate instanciae” impõem uma interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, pelo que, suscitando-se quaisquer dúvidas interpretativas nesta área, deve optar-se por aquela que favoreça a acção e assim se apresente como a mais capaz de garantir a real tutela jurisdicional dos direitos invocados pela parte.

Ora no caso em apreço, duvidas não poderão subsistir, face à forma como a questão foi apresentada a este Órgão – indicando-se e identificando-se o Aresto fundamento, embora se tivesse omitido a respectiva junção – dever-se-ia ter optado por uma solução mais «aberta», em obediência àqueles supra mencionados princípios, sendo certo que, além do mais no caso paralelo da admissibilidade das Revistas excepcionais, as quais poderiam, como podem, ser rejeitadas por falta de junção de cópia do Acórdão fundamento (artigo 721º-A, nº1, alínea c) e nº2 alínea c) do CPCivil pretérito, actual artigo 672º, nº1, alínea c) e nº2, alínea c)), a rejeição liminar «tout court» com fundamento na omissão daquele dever, sem que previamente se convidem as partes a suprir a mesma, foi declarada inconstitucional pelos Ac 620/2013, 1259/2013 e 368/ 2014, do Tribunal Constitucional, disponíveis na base de dados do site do Tribunal Constitucional, sendo que aquele primeiro Aresto decidiu o seguinte a este propósito «(…) julgar inconstitucional, por violação do direito a um processo equitativo, consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, a norma constante do artigo 721º-A, n.º 1, c), e n.º 2, c), do Código de Processo Civil, interpretado no sentido de que no recurso de revista excepcional cabe ao recorrente juntar certidão do acórdão-fundamento, com o requerimento de interposição de recurso, sob pena deste ser liminarmente rejeitado (…) (cfr. Decisão, a)). As Decisões Sumárias nº 564/2013 e n.º 747/2013 decidiram em sentido idêntico (cfr. Decisão, alínea a)).(…)

Afigura-se que este entendimento se aplica ao caso vertente, não obstante o pedido se circunscrever, in casu, à interpretação da alínea c) do n.º 2 do artigo 721.º-A do Código de Processo Civil (de 1961), pelo que, pelas razões invocadas na fundamentação daquele Acórdão, e para as quais se remete, se deve formular idêntico juízo de inconstitucionalidade.

II – Decisão

8. Pelo exposto, decide-se:

a) julgar inconstitucional, por violação do direito a um processo equitativo, consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, a norma constante do artigo 721º-A, n.º 2, c), do Código de Processo Civil, interpretado no sentido de que no recurso de revista excecional cabe ao recorrente juntar certidão do acórdão-fundamento, com o requerimento de interposição de recurso, sob pena deste ser liminarmente rejeitado;(…)».

Face a todo o exposto, dúvidas não poderão subsistir sobre a bondade da pretensão apresentada pela Requerente, o que põe em causa a subsistência do despacho singular do Exº Relator o qual se revoga, não se convidando contudo a Recorrente a apresentar a cópia do Acórdão a que faz referência no seu requerimento inicial, uma vez que a mesma o apresentou com a reclamação, cfr fls 39 a 45.

Destarte, defere-se a reclamação apresentada e mostrando-se junta a cópia em falta, apresentem-se oportunamente os autos ao Exº Senhor Relator para ulterior apreciação da oposição de Acórdãos fundamento do pedido recursivo.

Custas pelo Recorrido, com taxa de justiça em 2 Ucs, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.

Lisboa, 21 de Outubro de 2014

(Ana Paula Boularot, Relatora por vencimento)

(Pinto de Almeida)

(Fernandes do Vale, Relator vencido nos termos da declaração que junto)

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Voto de vencido:

                        Com todo o respeito pela posição que fez vencimento, voto vencido, em síntese, pelas seguintes e essenciais razões, que adito à invocada na decisão reclamada:

                                                      /

--- Não constando qualquer distinção na previsão do art. 692º, nº1, do CPC, carece de fundamento legal qualquer discriminação quanto aos ónus impostos ao recorrente no art. 690º do mesmo Cod.;

--- Face aos dizeres expressos do citado art. 692º, nº1, não tem lugar o cumprimento do preceituado no art. 655º do mencionado Cod., precedendo a rejeição liminar do recurso para uniformização de jurisprudência;

--- Por idêntica razão, não há lugar a qualquer despacho de aperfeiçoamento (com a artificial e indirecta ampliação dum prazo judicial improrrogável, comprometendo, aí sim, a tutela jurisdicional efectiva da contraparte), à semelhança, aliás, do que ocorre quando há omissão total de formulação de conclusões pelo recorrente, como decorre da conjugação do preceituado nos arts. 639º, nº3 e 641º, nº2, al. b), ambos do CPC (Cfr., neste sentido, Cons. António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, pags. 116);

--- Não pode considerar-se decisão-surpresa a mera aplicação da sanção legalmente prevista para a omissão do cumprimento de qualquer ónus impendente sobre a parte, a qual, em tal situação, tem de com a mesma contar;

--- A natureza instrumental do Direito processual relativamente ao Direito substantivo não pode ter o condão de obviar à aplicação de qualquer sanção prevista pela própria lei adjectiva para os casos de incumprimento de ónus impendentes sobre as partes, mormente quando, sistemática e sucessivamente, mantida na lei adjectiva, não obstante as transformações verificadas em matéria informática, com generalizado acesso a bases de dados;

--- Como decorre do art. 7º do CPC, maxime dos seus nº/s 1 e 4, o princípio da cooperação impõe-se a todos os intervenientes processuais, mormente às próprias partes e independentemente da conveniência ou inconveniência processual momentânea, devendo ser observado pelo Tribunal em conjugação com o princípio da auto-responsabilidade das partes (Cfr. Ac. deste Supremo, de 26.02.13, de que foi relator o Ex. mo Cons. Sebastião Póvoas, no Proc. nº 67/1999.L1.S1, da 1ª Secção);

--- Não se vislumbra, por isso, que o despacho reclamado enferme, por qualquer forma, das inconstitucionalidades que lhe são assacadas.

 Fernandes do Vale