Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
540/12.9TVLSB.L1.S1-A
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
POSSE PÚBLICA
PRESSUPOSTOS
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REJEIÇÃO DO RECURSO
MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 10/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / CUSTAS, MULTAS E INDEMNIZAÇÃO – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS / POSSE / CARACTERES DA POSSE.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 527.º, N.ºS 1 E 2, 688.º, N.ºS 1 E 2 E 692.º, N.º 1.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 1262.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 24-06-2010, PROCESSO N.º 137/06.2TCGMR.G1.S1.
Sumário :
I. O fundamento do recurso para uniformização de jurisprudência assenta numa contradição entre dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

II. Em termos normativos, os acórdãos em confronto afirmam o mesmo sentido normativo para a posse pública, ou seja, aquela que é exercida de modo a poder ser conhecida pelos interessados, rejeitando o conhecimento efetivo.

III. Não se surpreendendo entre os acórdãos uma contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, carece de fundamento o recurso para uniformização de jurisprudência.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I – AA e BB, em 4 de abril de 2017, depois do trânsito em julgado do acórdão proferido em 15 de fevereiro de 2017, interpôs recurso para uniformização de jurisprudência, para o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, alegando contradição com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de junho de 2010 (revista n.º 137/06.2TCGMR.G1.S1), no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental

Em síntese, alegou que o acórdão fundamento decidiu ajuizando da publicidade da posse em função da conduta do reivindicante possuidor consubstanciada na não ocultação dos eventuais interessados, enquanto o acórdão recorrido em função da conduta do reivindicante reclamante consubstanciada no seu conhecimento efetivo.


Contra-alegou a Recorrida, CC, Lda., no sentido de não ser admissível o recurso, nomeadamente por inexistência de oposição de julgados.


Por despacho de 22 de junho de 2017 (fls. 68 a 72), foi rejeitado o recurso para uniformização de jurisprudência.


As Recorrentes reclamaram, então, para a conferência, pedindo que fosse admitido o recurso para uniformização de jurisprudência.


Respondendo, a Recorrida pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação.


Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II – 1. O fundamento do recurso para uniformização de jurisprudência assenta numa contradição de dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito – art. 688.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC).

Trata-se, pois, de um meio processual destinado, unicamente, a resolver um conflito de jurisprudência sobre a mesma questão de direito, decidida contraditoriamente por dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça.

Por isso, o conflito de jurisprudência, para efeitos de uniformização, cinge-se apenas à oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento (art. 688.º, n.º s 1 e 2, do CPC).

Neste contexto, interessa, pois, verificar do fundamento do recurso, nomeadamente da oposição entre o acórdão recorrido, de 15 de fevereiro de 2017, e o acórdão fundamento, do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de junho de 2010 (revista n.º 137/06.2TCGMR.G1.S1).   


2. No acórdão recorrido, proferido por maioria, foi confirmado o acórdão da Relação, que, revogando parcialmente a sentença, reconhecera o direito de propriedade da Autora (ora Recorrida) sobre o prédio urbano sito na Rua …, n.º 1…6 a 1…4, tornejando para a Rua da …, n.º s 2 e 4, composto de rés-do-chão com lojas, cinco andares e águas furtadas, e condenara as Rés (ora Recorrentes) a restituírem à Autora a parte que ocupam por baixo do soalho do 1.º andar e em parte do rés-do-chão do prédio desta e a pagarem-lhe, desde 14 de março de 2012, o valor mensal de € 900,00, até que ocorra a restituição.

A decisão baseou-se, nomeadamente, na presunção do registo a favor da Autora e na falta de prova da usucapião invocada pela Rés, nomeadamente do requisito da posse pública, entendida esta como “poder ser conhecida pelos interessados”.


3. Por sua vez, o acórdão fundamento, revogando parcialmente o acórdão da Relação, julgou improcedente o pedido de reconhecimento aos Autores do direito de propriedade sobre a dependência das águas furtadas de certo prédio urbano e o pedido de indemnização pela ocupação de tal dependência.

A decisão baseou-se, no essencial, na verificação da usucapião, nomeadamente depois de se concluir pela existência de posse pública, em virtude da prática de atos materiais (da posse) ter sido exercida “de modo a poder ser conhecida de uma pessoa de normal diligência” e considerar ainda que a posse é pública quando exercida de “modo a poder ser conhecida pelos interessados”.


4. Descrita, no essencial, a situação versada em cada um dos dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, vejamos, então, se estão em contradição, nomeadamente sobre a mesma questão fundamental de direito, pressuposto substantivo do recurso para uniformização de jurisprudência.

No acórdão recorrido discutiu-se a posse das Rés sobre uma área de 12,30 m2, ao nível das lojas do r/c do prédio da Autora, e outra área de 13 m2, ao nível do 1.º andar do prédio da Autora, sendo certo ainda que a parte do 1.º andar do prédio da Autora, ocupada por parte das lojas das Rés, apresenta-se com o pavimento alteado, em cerca de 0,85 metros, e, ao nível do r/c do prédio da Autora, parte do pé direito encontra-se reduzido a 1,95 metros. Acresce ainda que a zona do saguão entre os prédios foi coberta, ao nível do r/c, servindo de comunicação para a arrecadação da loja n.º 8-A do prédio das Rés, na parte que se insere no prédio da Autora, e que as lojas das Rés sempre estiveram abertas ao público e a sua sempre foi feita à vista de todos os que frequentavam as lojas.

A posse, na modalidade de posse pública, é debatida a partir do conceito consagrado no art. 1262.º do Código Civil (CC), esclarecendo-se ainda não ser necessário o conhecimento efetivo da posse daqueles a quem interessa e bastar a possibilidade de se aperceberem do seu exercício, nomeadamente por pessoa de normal diligência, colocada na situação do titular do direito.

Com esta perspetiva normativa, concluiu o acórdão recorrido que a Autora não teve oportunidade, antes de janeiro 2006, de se ter apercebido da ocupação e uso das mencionadas áreas pelas Rés e, por isso, a posse, sendo oculta ou “clandestina”, não pode conduzir à aquisição, por usucapião, do direito de propriedade.

Por sua vez, no acórdão fundamento, estava em causa a posse dos Réus sobre a dependência das águas furtadas de prédio urbano, com a área de cerca de 1,72 m2, assente no piso de soalho e sob o telhado do prédio dos Autores e construída em madeira e lateralmente em tabique, sendo servida por uma entrada de acesso exclusivo para o interior do prédio dos Réus, sem qualquer ligação ou abertura de e para o prédio dos Autores.

A posse, na modalidade de posse pública, é também discutida a partir da noção constante do art. 1262.º do CC, e ainda nos mesmos termos normativos do acórdão recorrido, com adesão também à mesma doutrina.

Com este sentido, e depois de se afirmar que os Autores não podiam ignorar a existência de tal dependência, assim como também não podiam ignorar que apenas servia os proprietários vizinhos, durante mais de quarenta anos, no acórdão fundamento concluiu-se que o exercício da posse se revestia claramente de publicidade e, sendo a posse pública, não reconheceu o direito de propriedade a favor dos Autores.

Em termos normativos, é patente que ambos os acórdãos afirmam o mesmo sentido normativo para a posse pública, ou seja, a posse que é exercida de modo a poder ser conhecida pelos interessados, rejeitando o seu conhecimento efetivo.

Contudo, a conclusão e o efeito jurídico foram diversos.

Enquanto no acórdão recorrido se concluiu pela posse oculta, depois de se afirmar que o interessado não teve o “ensejo de se ter apercebido” da posse, antes de um certo tempo, já no acórdão fundamento a conclusão foi pela posse pública, após se entender que, pelas condições objetivas do caso, os interessados, com a normal diligência, podiam ter conhecido a posse.

Na verdade, as circunstâncias concretas versadas em cada um dos acórdãos são claramente diferenciadas e, por isso, a solução também só podia ser distinta.

De qualquer modo, é indubitável que o direito aplicado foi sempre o mesmo e interpretado no mesmo sentido, nomeadamente quanto ao conceito da posse pública. O julgamento nos dois casos, no entanto, foi diverso porque os factos não eram coincidentes.

Por isso, embora com contextos diferenciados, as soluções jurídicas dos acórdãos, nomeadamente sobre o sentido normativo da posse pública, não conflituam entre si, afastando uma oposição juridicamente relevante, em particular para efeitos de recurso de uniformização.

Pode, assim, concluir-se que, entre os acórdãos, não se surpreende uma contradição sobre a mesma questão fundamental de direito e, por isso, carece de fundamento o recurso para uniformização de jurisprudência – art. 688.º, n.º 1, do CPC.


Nestas condições, deve, portanto, ser rejeitado o interposto recurso para uniformização de jurisprudência – art. 692.º, n.º 1, do CPC, reiterando deste modo o despacho proferido pelo relator.


5. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:


I. O fundamento do recurso para uniformização de jurisprudência assenta numa contradição entre dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

II. Em termos normativos, os acórdãos em confronto afirmam o mesmo sentido normativo para a posse pública, ou seja, aquela que é exercida de modo a poder ser conhecida pelos interessados, rejeitando o conhecimento efetivo.

III. Não se surpreendendo entre os acórdãos uma contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, carece de fundamento o recurso para uniformização de jurisprudência.


6. As Recorrentes, ao ficarem vencidas por decaimento, são responsáveis pelo pagamento das custas (527.º, n.º s 1 e 2, do CPC).


III – Pelo exposto, decide-se:


1) Rejeitar o recurso para uniformização de jurisprudência.


2) Condenar as Recorrentes no pagamento das custas.


Lisboa, 12 de outubro de 2017


Olindo Geraldes (Relator)

Maria do Rosário Morgado

Sousa Lameira