Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
220/11.2TTTVD.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DE NORMAS DE SEGURANÇA
RESPONSABILIDADE AGRAVADA
Data do Acordão: 05/06/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
DIREITO DO TRABALHO - ACIDENTES DE TRABALHO / PREVENÇÃO E REPARAÇÃO DE ACIDENTES.
Doutrina:
- INOCÊNCIO GALVÃO TELES, Direito das Obrigações, 7.ª Edição, Coimbra Editora, 1997, pp. 404, 405.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º2, 563.º.
CÓDIGO DE TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGO 283.º, N.º1 E N.º6, 284.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 59.º, N.º1, ALÍNEA F).
DECRETO-LEI N.º 50/2005, DE 25 DE FEVEREIRO: - ARTIGOS 3.º 6.º, 16.º.
LEI N.º 98/2009, DE 4 DE SETEMBRO: - ARTIGOS 18.º, 79.º, N.º3.
Sumário :
1 – A imputação à entidade empregadora da responsabilidade pela reparação de acidente de trabalho decorrente de violação de normas de segurança, nos termos do artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: a) que sobre a empregadora recaia o dever de observância de determinadas normas ou regras de segurança; b) que aquela as não haja, efectivamente, cumprido: c) que se verifique uma relação de causalidade adequada entre aquela omissão e o acidente;

2 – Na situação descrita no número anterior, quando a responsabilidade pela reparação dos danos tenha sido transferida para uma seguradora, nos termos do n.º 3 do artigo 79.º daquela Lei, a seguradora satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa da empregadora, sem prejuízo do direito de regresso;

3 – Operando o sinistrado uma tupia sem os dispositivos de protecção (topos de início e final de ataque e tela de cobertura frontal à guia), em violação do disposto no artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro, se, por força da falta desses dispositivos, a mão esquerda sinistrado entrou em contacto com a fresa, sofrendo lesões nos dedos e na mão esquerdos, mostra-se integrada a previsão do artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, para responsabilizar a empregadora pela reparação do sinistro, nos termos previstos naquela norma.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I

AA, com o patrocínio do Ministério Público, intentou acção especial para efectivação de direitos emergentes de acidente de trabalho contra a COMPANHIA DE SEGUROS BB, SA e a CC, Ld.ª, sua empregadora.

Invocou como fundamento dessa acção que prestava a sua actividade de carpinteiro ao serviço da CC, Ld.ª quando foi vítima de um acidente de trabalho, ocorrido em 22-10-2010, do qual resultaram sequelas, cuja reparação reclama.

Fundamenta a demanda da seguradora e da empregadora no facto de a primeira refutar a sua responsabilidade na reparação, alegando que o acidente se deveu exclusivamente ao incumprimento, pela entidade patronal, de normas de segurança.

Terminou reclamando o pagamento das seguintes quantias:

1. A pensão anual e vitalícia no montante de € 7 030,63, a partir de 31 de Maio de 2011.

2. A quantia de € 170,00, por si despendida na realização de exame de especialidade.

3. A quantia de € 3 873,58, a título de subsídio por elevada incapacidade permanente, nos termos do artigo 67º, nº 3 da Lei nº 98/2009.

4. A quantia de € 12,90, por si despendida em transportes para comparecer em tribunal e a exame médico.

5. Juros sobre todas as quantias referidas, à taxa legal, e a apurar a final.

A Ré seguradora contestou, alegando que o acidente se deveu exclusivamente à violação de normas de segurança pela entidade patronal, pelo facto do equipamento utilizado não estar dotado de mecanismo de protecção e também por falta de formação do sinistrado, pelo que invocou o seu direito de regresso contra esta.

Impugnou, igualmente, o valor da incapacidade atribuída em sede de exame médico, requerendo a realização de exame por junta médica, e impugnou a obrigação de pagar a quantia despendida pelo sinistrado com relatório e exame médico.

A Ré empregadora veio também contestar, reconhecendo a ocorrência do sinistro, mas refutando qualquer responsabilidade sua na reparação do mesmo.

Como fundamento desta afirmação referiu que o equipamento utilizado se encontrava devidamente certificado pelas entidades competentes, tendo mesmo sido objecto de prévia inspecção pela seguradora antes da celebração do contrato de seguro sem que qualquer reparo tenha sido apontado, e que o sinistrado executava um trabalho que já havia efectuado anteriormente, e que o efectuava habitualmente, possuindo o equipamento todos os mecanismos de segurança necessários.

Impugnou, pois, a violação de normas de segurança pela sua parte, concluindo pela improcedência da acção no pedido contra si formulado.

A acção prosseguiu os seus termos e veio a ser decidida por sentença de 2 de Setembro de 2013, que integra o seguinte dispositivo:

«Termos em que, com a fundamentação de facto e de direito exposta, se decide:

a) Absolver a ré CC, Lda. do pedido contra si formulado nos autos;

b) Considerar o autor/sinistrado afectado por uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 67,32% desde 31-5-2011;

c) Condenar a ré Companhia de Seguros BB, SA a pagar ao autor a pensão anual e vitalícia de 5 251,07 € (cinco mil duzentos e cinquenta e um euros e sete cêntimos) desde 1-6-2011;

d) Condenar a ré Companhia de Seguros BB, SA a pagar ao autor os juros de mora vencidos desde 1-6-2011 e vincendos até efectivo e integral pagamento sobre a diferença entre o valor da pensão provisória liquidada e o valor da pensão fixada em c);

e) Julgar quanto ao mais peticionado contra Companhia de Seguros BB, SA a acção improcedente por não provada absolvendo, nessa parte, a ré do pedido.

Custas da acção pela ré seguradora – art 527º do Código de Processo Civil.

Nos termos do art 120º nº 3 do Código de Processo do Trabalho, ponderado o disposto no seu nº 1, altero o valor da acção anteriormente fixado para 69 272,12 €».

Inconformada com esta decisão dela apelou a Ré seguradora para o Tribunal da Relação de Lisboa que veio a conhecer do recurso por acórdão de 22 de Outubro de 2014, nos seguintes termos:

«Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso, pelo que se altera a decisão recorrida, quanto à alínea c) do dispositivo, que passa a ter a seguinte redacção:

c) Condenar a ré Companhia de Seguros BB, SA a pagar ao autor a pensão anual e vitalícia de 5 251,07 € (cinco mil duzentos e cinquenta e um euros e sete cêntimos) desde 1-6-2011, sem prejuízo do direito de regresso que lhe assiste sobre a Ré CC, Lda.

Mantém-se, no mais, a decisão recorrida.

Custas da Apelação pela Ré CC, Lda».

Irresignada com esta decisão dela recorre, agora de revista, a Ré CC, Ld.ª para este Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:
«Quanto à admissibilidade do Recurso
1 - O douto Acórdão ora em Revista não confirmou a sentença da 1.ª Instância;
2 - Não existe em consequência dupla conforme;
3 - Pelo que o Recurso de Revista do douto Acórdão, ora em apreço, deve ser admitido;
4 - Quanto ao entendimento do douto Acórdão Recorrido de que não ficou demonstrado que o equipamento existia no local de trabalho e estava disponível para ser utilizado pelo trabalhador, refere o Recorrente que da conjugação do depoimento de parte do gerente da Recorrente, do A. e dos colegas de trabalho, resulta que a tupia possui topos de início e de ataque, que são mecanismos de protecção;
5 - Para além destes, a tupia possuía outros mecanismos de protecção, frontal e ou calços;
6 - Bem como que todos os mecanismos de protecção se encontravam numa prateleira junto à tupia, para serem utilizados quando o trabalhador entendesse necessário;
7 - Existia dificuldades em operar com a tupia e com as protecções existentes, quando se trabalhava com as peças de 1,10m x 0,90 cm, em envasar;
8 - Concluindo-se que, ao contrário do entendimento do Acórdão recorrido, os mecanismos de protecção da tupia existiam no local de trabalho e estava disponível para ser utilizado pelo trabalhador; 
Quanto à não utilização dos mecanismos de protecção da tupia, no momento em que ocorreu o acidente,
9 - Alega a Recorrente que, resulta dos autos que esta permite efectuar uma variedade de trabalhos em madeira;
10 - A cada trabalho, são mudadas pelo trabalhador que opera com a tupia o tipo e as dimensões da freza, consoante o tipo de trabalho a realizar;
11 - Bem como são retiradas e colocadas as protecções da referida tupia, adequadas a cada tipo de trabalho;
12 - No momento do acidente era o A., que trabalhava com a tupia;
13 - O A. conhecia a existência e localização dos referidos mecanismos de protecção;
14 - Não resultam dos autos as razões pelas quais no momento do acidente a tupia não tinha colocados os mecanismos de protecção;
15 - Não se apurou ainda, que tal tivesse sido efectuado pela Recorrente ou por sua ordem, seja o A. ou qualquer outro trabalhador;
16 - O uso ou não dos mecanismos de protecção não deve ficar dependente de instruções concretas do empregador nesse sentido, mas o trabalhador de motu proprio tem de cumprir as regras de segurança e as instruções que nesse sentido lhe foram dadas pela Entidade Empregadora;
17 - Ora, o não apuramento de tais factos, impede a imposição à Recorrente, da falta de observância das regras de segurança, a título de culpa;
18 - Pelo contrário, o acidente ocorrido traduz a existência de um risco inerente ao exercício da atividade, e como tal da responsabilidade da Recorrida, por transferência da mesma por contrato;
19 - Deveria assim ter sido considerado improcedente o Recurso deduzido pela Recorrida;
20 - Ao decidir como decidiu, o douto Acórdão ora Recolhido, violou o disposto nos termos conjugados dos art°s. 283° n.º 5 do Código do Trabalho, 7.º, 18.º e 79.º (estes dois últimos à contrário) da Lei n° 98/2009 de 4/9.»

Termina pedindo que seja concedido provimento ao recurso e revogado «o douto Acórdão ora Recorrido, substituindo-o por outro que mantenha a decisão recorrida nos seus precisos termos».

A Ré Seguradora respondeu ao recurso interposto terminando as alegações apresentadas com a seguinte síntese conclusiva:
«Não pode, pois, em sede de revista, sindicar-se alegados erros na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais, como parece ser a verdadeira pretensão do recorrente.
Pelo exposto, considera a Recorrida, que não estando em causa a verificação de nenhuma das alíneas do n.º 1 do artigo 674.º do NCPC, nem tendo havido ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que a força de determinado meio de prova, como se exige no n.º 3 do mesmo artigo, o douto Supremo Tribunal de Justiça, não pode em sede de revista, conhecer de matéria de facto.
Improcedem, por estas razões, os argumentos e conclusões apresentadas pela Recorrente.»

Neste Tribunal, a Exm.ª Procuradora Geral Adjunta proferiu parecer, nos termos do n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho, concluindo nos seguintes termos:

«5. A responsabilidade agravada do empregador exige, pois, a verificação dos seguintes pressupostos legais:

- que exista uma violação de regras de segurança, higiene e saúde no trabalho, seja que a entidade empregadora se encontrava obrigada a observar determinadas regras de segurança que não observou;

- que essa violação seja causal do acidente, que o evento seja consequência directa e necessária da violação da norma de segurança, ou seja, que foi o desrespeito dessas normas de segurança que originou o acidente.

6. Neste enquadramento, tendo ficado provada a violação de regras de segurança e o nexo de causalidade (que não vem, nem foi, questionado), verificam-se os pressupostos legais da responsabilidade agravada da entidade empregadora/recorrente, previstos na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, pelo que à seguradora, que responde a título principal, perante o sinistrado, assiste o direito de regresso sobre aquele que não observou as regras sobre a segurança no trabalho, de conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 79.º do mesmo diploma legal, como se decidiu no acórdão recorrido» e «perante todo o exposto e em síntese conclusiva, emite-se parecer no sentido de ser negada a revista requerida pela Ré, e de ser mantido o acórdão recorrido, por ter feiro correcta interpretação e aplicação da lei, ao caso em apreço».

Sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista saber se a responsabilidade pela reparação dos danos derivados do acidente dos autos é imputável à Ré empregadora, por violação das normas de segurança, nos termos do artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.


II

As instâncias fixaram a seguinte matéria de facto:

«1. No dia 22 de Outubro de 2010, o autor/sinistrado exercia a sua actividade profissional de carpinteiro, por conta, sob a autoridade e direcção de CC, Lda.

2. Mediante uma remuneração mensal de 700,00 €, paga catorze vezes por ano e acrescida de 122,10 € mensais a título de subsídio de alimentação paga onze vezes por ano.

3. No dia 22-01-2010, cerca das 10,30 h e quando exercia a actividade referida em 1 manobrando uma tupia, o autor foi colhido na mão esquerda pelo instrumento de corte da máquina.

4. A ré empregadora havia transferido a responsabilidade infortunística laboral para ré seguradora através de contrato de seguro de acidentes de trabalho titulado pela apólice 0000366334 com referência aos valores referidos em 2.

5. O autor foi pago pela seguradora dos períodos de incapacidade temporária e encontra-se a receber desta pensão provisória diária de 4,99 € desde 1-6-2011.

6. O autor despendeu 170,00 € com a realização de consulta médica e relatório de ortopedia.

7. Nas circunstâncias referidas em 3, o autor preparou a tupia para envasar peças de madeira com 1,10mx4,5cmx9cm.

8. Sendo o envasamento com 1 cm de profundidade e efectuado entre as duas extremidades da peça a 15cm dos topos.

9. A mesa de trabalho da máquina tinha o comprimento de 2,5 metros.

10. Encontrando-se o eixo vertical onde está fixada a fresa no meio da mesa.

11. A tupia estava equipada com carro de alimentação automática utilizada para trabalho com peças corridas ou ao longo de toda a peça.

12. O autor segurava a peça de madeira com a mão direita na extremidade oposta à fresa.

13. E com a mão esquerda na extremidade junto à fresa.

14. A tupia não possuía quaisquer topos de início e final de ataque.

15. Nem qualquer tela de cobertura frontal fixada à guia e regulável em altura.

16. Ou outra protecção que impedisse o contacto com a ferramenta de corte.

17. Quando o autor empurrava a peça de madeira contra a guia paralela para iniciar o envasamento a peça, ao contactar com a fresa, foi projectada para trás.

18. Tendo a mão esquerda do autor entrado em contacto com a fresa.

19. Provocando as lesões nos dedos e mão do autor.

20. O autor teve alta em 31-5-2011, apresentando uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 44,88% correspondente à soma dos coeficientes arbitrados segundo as rubricas 8.5.1 d), 8.5.2. c), 8.5.3 d), 8.3.4 b) e 8.4.4 d) do Capítulo I da TNI.

21. O autor trabalhava para [a] ré há cerca de cinco meses.

22. O autor nasceu a …-…-1959.

23. CC, Ld.ª tem por objecto a exportação, importação, transformação e comercialização de madeiras e seus derivados.

24. A máquina com a qual o autor trabalhava foi adquirida pela empregadora em 10-4-2002 acompanhada de certificado de exame nos termos da directiva 98/37/CE, datado de 4-9-2000 e no qual consta que a mesma se mostra “em conformidade com o dossier técnico de fabrico apresentado e satisfaz as exigências de segurança e saúde que lhe são aplicáveis, para as condições de serviço previstas pelo fabricante».


III


1 - Nas conclusões 4.ª a 14.ª das alegações que apresentou a recorrente suscita um conjunto de questões que se materializam em alterações à matéria de facto fixada pelas instâncias e através das quais pretende pôr em causa a decisão recorrida, na parte em que a responsabilizou pela reparação dos danos derivados do acidente dos autos, por violação de normas de segurança, nos termos do artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.

Refere, com efeito, que «quanto ao entendimento do douto Acórdão Recorrido de que não ficou demonstrado que o equipamento existia no local de trabalho e estava disponível para ser utilizado pelo trabalhador, refere o Recorrente que da conjugação do depoimento de parte do gerente da Recorrente, do A. e dos colegas de trabalho, resulta que a tupia possui topos de início e de ataque, que são mecanismos de protecção»; que «para além destes, a tupia possuía outros mecanismos de protecção, frontal e ou calços», «bem como que todos os mecanismos de protecção se encontravam numa prateleira junto à tupia, para serem utilizados quando o trabalhador entendesse necessário».

Realça que «existia dificuldades em operar com a tupia e com as protecções existentes, quando se trabalhava com as peças de 1,10m x 0,90 cm, em envasar» e que «ao contrário do entendimento do Acórdão recorrido, os mecanismos de protecção da tupia existiam no local de trabalho e estava disponível para ser utilizado pelo trabalhador».

Refere ainda que «resulta dos autos que esta permite efectuar uma variedade de trabalhos em madeira» e que, «a cada trabalho, são mudadas pelo trabalhador que opera com a tupia o tipo e as dimensões da freza, consoante o tipo de trabalho a realizar», «bem como são retiradas e colocadas as protecções da referida tupia, adequadas a cada tipo de trabalho» e que «no momento do acidente era o A., que trabalhava com a tupia» e «o A. conhecia a existência e localização dos referidos mecanismos de protecção».

1.1 - Ponderados os factos descritos nas conclusões n.ºs 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 14, 15, constata-se que se trata de factos que não foram integrados pela recorrente, ou pela Ré Seguradora, nos articulados respectivos, não tendo integrado a Base Instrutória, tal como se alcança de fls. 93 e 94.

A terem tais factos chegado ao conhecimento do tribunal, no contexto da audiência de julgamento, como pode deduzir-se das alegações apresentadas pela Seguradora no recurso de apelação que interpôs, a verdade é que nada foi decidido ou requerido, atempadamente, relativamente ao seu aditamento à base instrutória, nos termos do artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho.

Este facto motivou a recusa de ampliação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação, suscitada no âmbito daquele recurso de apelação.

Referiu-se, com efeito, como fundamento do aí decidido o seguinte:

«1. Da impugnação da matéria de facto

Está em causa no recurso, como referimos, saber se o acidente dos autos é imputável à entidade empregadora por esta não ter observado regras sobre a segurança no trabalho que sobre si impendiam, sustentando a Apelante que deve ser alterada a matéria de facto.

Segundo esta, quer da motivação das respostas à matéria de facto, quer do depoimento de parte do legal representante da Ré patronal, resultaram provados os seguintes factos:

- A tupia dispunha de mecanismos de protecção desde a sua aquisição, em 2002;

- Esses mecanismos foram retirados e encontravam-se normalmente numa prateleira junto à máquina e só eram utilizados quando se trabalhava com peças de pequena dimensão;

- Cabia ao trabalhador que operava com a máquina decidir se utilizava ou não os mecanismos de protecção.

- Esta factualidade era do conhecimento da Ré empregadora.

Trata-se, porém, de factos que não foram alegados pelas partes, pelo que, atento o disposto no nº 4 do art. 72 do CPT, ainda que se tivesse efectuada prova sobre os mesmos, está esta Relação impedida de proceder à ampliação da matéria de facto.

Com efeito, esta norma estabelece um limite temporal para a ampliação da matéria de facto, que é a do encerramento dos debates, relativamente a factos que não tenham sido articulados, como é o caso.»

A recorrente retoma agora no recurso de revista parte desta argumentação.

1.2 - Os factos em causa não fazem parte da matéria de facto dada como provada, pelo que não se tratando de factos de que o Tribunal possa oficiosamente conhecer, nos termos do artigo 412.º do Código de Processo Civil, eles não podem ser invocados no processo como fundamento da decisão a proferir.

Por outro lado, não tendo sido integrados pelas partes nos articulados, mesmo que se considerasse que os mesmos eram relevantes para a decisão, não seria possível a ampliação da matéria de facto, nos termos do n.º 3 do artigo 682.º do Código de Processo Civil, que se mostra balizada pelos factos integrados nos articulados.

Por outro lado, na conclusão 4.ª, a recorrente manifesta a sua desconformidade com a ponderação da prova relativamente a um dos factos em causa - «que a tupia possui topos de início e de ataque, que são mecanismos de protecção», matéria que integra, com resposta em sentido contrário, o ponto n.º 14 da matéria de facto dada como provada.

Trata-se de matéria que não foi objecto de qualquer tomada de posição no âmbito da decisão recorrida, no contexto do ali decidido relativamente à alteração da matéria de facto.

Na verdade, o Tribunal da Relação, conheceu de certos aspectos da matéria de facto, nos termos do artigo 662.º do Código de Processo Civil, no âmbito do recurso de apelação interposto pela Ré seguradora, mas não se debruçou sobre o facto em causa.

Deduz-se, contudo, das conclusões da recorrente que esta pretende a alteração desse facto.

2 - De acordo com o disposto no artigo 682.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, «aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido, o Supremo aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado», sendo que «a decisão proferida pelo Tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, a não ser no caso excepcional previsto no n.º 3 do art. 674.º».

Nos termos desta disposição, «o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de Lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova».

Deste modo, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa só pode ser objecto do recurso de revista quando haja ofensa de «disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova».

Acresce que, por força do disposto no n.º 3 do artigo 682.º do Código de Processo Civil, «o processo só volta ao Tribunal recorrido quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de Direito, ou quando ocorram contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito».

Da análise do processo, constata-se que a recorrente se conformou com a decisão da 1.ª instância no que se refere à fixação da matéria de facto, não tendo aproveitado o regime de ampliação do âmbito do recurso interposto pela seguradora da decisão proferida na 1.ª instância, onde figurava como recorrida, para pedir a alteração da matéria de facto fixada, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º do Código de Processo Civil.

Não pode agora, em sede de revista, vir pôr em causa a matéria de facto fixada pelas instâncias, uma vez que se trata de matéria que não cabe no âmbito do recurso de revista, tal como acima se referiu.

Por outro lado, não é invocada pela recorrente como fundamento da pretendida alteração da matéria de facto nenhuma das situações previstas no n.º 3 do artigo 674.º do Código de Processo Civil.

Em face do exposto, improcede a revista no que se refere à matéria das conclusões 4.ª a 14.º das alegações.


IV


1 - Tem consagração constitucional o direito dos trabalhadores à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde, conforme resulta da alínea c) do n.º 1 do artigo 59.º da Lei Fundamental, resultando igualmente da alínea f) do n.º 1 do mesmo artigo, o direito dos trabalhadores à assistência e reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais de que sejam vítimas.

O Código de Trabalho de 2009, em coerência com a Lei Fundamental, veio consagrar no seu artigo 283.º alguns princípios estruturantes do regime de reparação dos danos derivados de acidentes de trabalho, reafirmando no n.º 1 daquele artigo que «o trabalhador e os seus familiares têm direito à reparação de danos emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional» e determinando que «o empregador é obrigado a transferir a responsabilidade pela reparação prevista neste capítulo para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro», sendo certo que, nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, «a garantia do pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho que não possam ser pagas pela entidade responsável, nomeadamente por motivo de incapacidade económica, é assumida pelo Fundo de Acidentes de Trabalho, nos termos da lei».

O regime de reparação dos acidentes de trabalho, em execução do disposto no artigo 284.º do Código do Trabalho, veio a ser estabelecido pela Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2010 e que por tal motivo define o regime jurídico à luz do qual é resolvido o presente litígio, uma vez que o acidente ocorreu no dia 22 de Outubro de 2010.

2 – Está em causa no presente recurso saber se a responsabilidade pela reparação dos danos derivados do acidente dos autos é imputável à Ré empregadora, por violação das normas de segurança, nos termos do artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.

O artigo em causa é do seguinte teor:

«Artigo 18.º
Actuação culposa do empregador
1 - Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.
2 – (…).
3 - Se, nas condições previstas neste artigo, o acidente tiver sido provocado pelo representante do empregador, este terá direito de regresso contra aquele.
4 – (…).
5 - No caso de morte, a pensão prevista no número anterior é repartida pelos beneficiários do sinistrado, de acordo com as proporções previstas nos artigos 59.º a 61.º
6 - No caso de se verificar uma alteração na situação dos beneficiários, a pensão é modificada, de acordo com as regras previstas no número anterior.»

Resulta deste artigo um regime específico de reparação de acidentes de trabalho, quando os mesmos resultem de uma actuação culposa do empregador ou de outrem que o represente ou actue no seu interesse, nomeadamente, quando «sejam provocados pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra», ou quando resultem de uma actuação culposa materializada na «falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho».

A especificidade do regime reflecte-se também na dimensão da reparação estabelecida e na determinação dos seus destinatários.

Este regime projecta-se nas relações entre as empregadoras e as seguradoras para quem tenha sido transferida a responsabilidade pela reparação dos danos derivados dos acidentes estabelecidas no artigo 79.º daquela Lei, que é do seguinte teor:

«Artigo 79.º
Sistema e unidade de seguro
1 - O empregador é obrigado a transferir a responsabilidade pela reparação prevista na presente lei para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro.
2 - A obrigação prevista no número anterior vale igualmente em relação ao empregador que contrate trabalhadores exclusivamente para prestar trabalho noutras empresas.
3 - Verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso.
4 - Quando a retribuição declarada para efeito do prémio de seguro for inferior à real, a seguradora só é responsável em relação àquela retribuição, que não pode ser inferior à retribuição mínima mensal garantida.
5 - No caso previsto no número anterior, o empregador responde pela diferença relativa às indemnizações por incapacidade temporária e pensões devidas, bem como pelas despesas efectuadas com a hospitalização e assistência clínica, na respectiva proporção.»

Por força do disposto no n.º 3 deste artigo, nas situações previstas no artigo 18.º desta lei, «a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso».

O regime estabelecido nesta Lei, relativamente ao envolvimento das seguradoras na reparação dos danos derivados destes acidentes, afasta-se do que resultava da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais), que previa no n.º 2 do seu artigo 37.º que «verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, n.º 1, a responsabilidade nele prevista recai sobre a entidade empregadora, sendo a instituição seguradora apenas subsidiariamente responsável pelas prestações normais previstas na presente lei».

De um regime de mera responsabilidade subsidiária, passou-se, na vigência da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, para um regime de responsabilidade a título principal, embora limitada, tal como no anterior diploma, às prestações que seriam devidas «caso não houvesse actuação culposa», consagrando-se, contudo, o direito de regresso contra os outros responsáveis.

Tal como no regime decorrente da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, cabe aos beneficiários do direito à reparação por acidente de trabalho, bem como às seguradoras que pretendam ver reconhecido o seu direito de regresso, nos termos do n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil, o ónus de alegar e provar os factos que revelem que o acidente ocorreu por culpa do empregador ou de outrem actuando no seu interesse, ou que o mesmo resultou da inobservância por parte daqueles de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho.

Não basta, contudo, que se verifique um comportamento culposo daqueles responsáveis, ou uma situação de inobservância por parte dos mesmos das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, para a responsabilização agravada, pela reparação das consequências do acidente, tornando-se, ainda, necessária a prova do nexo de causalidade entre a conduta culposa daqueles responsáveis ou a inobservância pelos mesmos das regras de segurança e a produção do acidente.

Torna-se pois necessário demonstrar o relevo do desrespeito pela norma de segurança para a ocorrência do sinistro em termos de causalidade adequada.

3 – No caso dos autos está em causa a violação das normas de segurança relativas a instrumentos de trabalho decorrentes do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro.

Na verdade, tal como decorre da matéria de facto dada como provada, «a tupia não possuía quaisquer topos de início e final de ataque», «nem qualquer tela de cobertura frontal fixada à guia e regulável em altura», «ou outra protecção que impedisse o contacto com a ferramenta de corte» e «quando o autor empurrava a peça de madeira contra a guia paralela para iniciar o envasamento a peça, ao contactar com a fresa, foi projectada para trás», «tendo a mão esquerda do autor entrado em contacto com a fresa» e «provocando as lesões nos dedos e mão do autor».

Esse diploma impõe ao empregador um conjunto de obrigações estruturantes relativamente à segurança do trabalhador na sua relação com os instrumentos de trabalho, nos seus artigos 3.º e 16.º, que são do seguinte teor:


«Artigo 3.º

Obrigações gerais do empregador


Para assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho, o empregador deve:

a) Assegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efectuar e garantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização;

b) Atender, na escolha dos equipamentos de trabalho, às condições e características específicas do trabalho, aos riscos existentes para a segurança e a saúde dos trabalhadores, bem como aos novos riscos resultantes da sua utilização;

c) (…);

d) (…);

e) Assegurar a manutenção adequada dos equipamentos de trabalho durante o seu período de utilização, de modo que os mesmos respeitem os requisitos mínimos de segurança constantes dos artigos 10.º a 29.º e não provoquem riscos para a segurança ou a saúde dos trabalhadores.»


Artigo 16.º

Riscos de contacto mecânico


1 - Os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protectores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas.

2 - Os protectores e os dispositivos de protecção:

a) Devem ser de construção robusta;

b) Não devem ocasionar riscos suplementares;

c) Não devem poder ser facilmente neutralizados ou tornados inoperantes;

d) Devem estar situados a uma distância suficiente da zona perigosa;

e) Não devem limitar a observação do ciclo de trabalho mais do que o necessário.

3 – (…).»

No caso dos autos está em causa o uso da tupia sem os dispositivos de protecção que impeçam o contacto das mãos do operador com as zonas perigosas.

Nos termos do n.º 1 do artigo 3.º, o empregador é obrigado a «assegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efectuar e garantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização» e a «atender, na escolha dos equipamentos de trabalho, às condições e características específicas do trabalho, aos riscos existentes para a segurança e a saúde dos trabalhadores, bem como aos novos riscos resultantes da sua utilização».

 As obrigações que este diploma impõe aos empregadores não se esgotam na escolha do equipamento, mas alargam-se à sua manutenção periódica, única forma de os objectivos em termos de segurança serem alcançados.

Na verdade, tal como decorre do artigo 6.º deste diploma, o mesmo impõe aos empregadores a obrigação de verificação periódica dos equipamentos, de forma a acautelar os riscos decorrentes da sua deterioração e para assegurar que continuam a respeitar os níveis de segurança que os caracterizam.

O empregador é, assim, responsável por garantir que os equipamentos que disponibiliza aos seus trabalhadores respeitam integralmente as condições de segurança legalmente estabelecidas, não podendo alhear-se da forma como esse equipamento é utilizado, nem podendo tolerar que as normas de segurança em causa sejam desrespeitadas.

4 - O artigo 563.º do Código Civil, sob a epígrafe «nexo de causalidade», ao estatuir que «a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão», fundamentando a solução legislativa na probabilidade de não ter havido prejuízo se não fosse a lesão, tem sido visto como expressão do acolhimento no sistema jurídico português da teoria da causalidade adequada.

Conforme refere INOCÊNCIO GALVÃO TELES, «a orientação hoje dominante (…), consiste em só considerar como causa jurídica do prejuízo a condição que, pela sua natureza e em face das circunstâncias do caso, se mostre apropriada para o gerar. A ideia de causalidade fica assim restringida às condições que (…) apresentam aptidão ou idoneidade para a produção do dano. Causa será só a condição adequada a essa produção»[1].

Prossegue aquele autor referindo que a melhor formulação daquela teoria talvez seja a seguinte: «como causa adequada deve considerar-se, em princípio, toda e qualquer condição do prejuízo. Mas uma condição deixará de ser causa adequada, tornando-se pois juridicamente indiferente, desde que seja irrelevante para a produção do dano segundo as regras da experiência, dada a sua natureza e atentas as circunstâncias conhecidas do agente, ou susceptíveis de ser conhecidas por uma pessoa normal, no momento da prática da acção. E dir-se-á que existe aquela irrelevância quando, dentro deste condicionalismo, a acção não se apresenta de molde a agravar o risco de verificação do dano» e prossegue «Alguém pratica certo acto a que se segue, imediatamente ou mais tarde, um prejuízo que sem esse acto não se daria. O acto, condição ou pressuposto do prejuízo, é, em princípio, causa jurídica deste. Mas deixará de o ser se, à data da ocorrência, não se mostrar idóneo para aumentar o perigo de produção do prejuízo, segundo o que a experiência da vida ensina, em face da própria índole do acto e das circunstâncias conhecidas ou cognoscíveis»[2].

5 - A recorrente insurge-se contra esta decisão nas conclusões 15.ª a 18.ª, referindo que «não resulta dos autos as razões pelas quais no momento do acidente a tupia não tinha colocados os mecanismos de protecção» e que «não se apurou ainda, que tal tivesse sido efectuado pela Recorrente ou por sua ordem, seja o A. ou qualquer outro trabalhador».

Refere ainda que «o uso ou não dos mecanismos de protecção não deve ficar dependente de instruções concretas do empregador nesse sentido, mas o trabalhador de motu proprio tem de cumprir as regras de segurança e as instruções que nesse sentido lhe foram dadas pela Entidade Empregadora» e que «ora, o não apuramento de tais factos, impede a imposição à Recorrente, da falta de observância das regras de segurança, a título de culpa».

Termina referindo que «pelo contrário, o acidente ocorrido traduz a existência de um risco inerente ao exercício da atividade, e como tal da responsabilidade da Recorrida, por transferência da mesma por contrato» pelo que «deveria assim ter sido considerado improcedente o Recurso deduzido» e que «ao decidir como decidiu, o douto Acórdão ora Recorrido, violou o disposto nos termos conjugados dos art°s. 283° n.º 5 do Código do Trabalho, 7.º, 18.º e 79.º (estes dois últimos a contrario) da Lei n° 98/2009 de 4/9».

6 - Na decisão recorrida considerou-se que Ré empregadora devia ser responsabilizada pela reparação dos danos derivados do acidente dos autos, nos termos do artigo 18.º da lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, com os seguintes fundamentos:

«No caso vertente, ficou provado que a tupia interveniente no acidente foi adquirida pela empregadora em 10-4-2002 acompanhada de certificado de exame nos termos da directiva 98/37/CE, datado de 4-9-‑2000 e no qual consta que a mesma se mostra “em conformidade com o dossier técnico de fabrico apresentado e satisfaz as exigências de segurança e saúde que lhe são aplicáveis, para as condições de serviço previstas pelo fabricante”.

Porém, ficou também provado que aquando do acidente:

14. A tupia não possuía quaisquer topos de início e final de ataque.

15. Nem qualquer tela de cobertura frontal fixada à guia e regulável em altura.

16. Ou outra protecção que impedisse o contacto com a ferramenta de corte.

Ora embora a tupia se encontrasse certificada no momento da aquisição, em 10.4.02, possuindo nessa data o mecanismo de protecção, na medida em que satisfazia as exigências de segurança previstas na lei, certo é que se provou que, na altura do acidente, a máquina já não dispunha de tal equipamento.

(…)

A tupia, possuindo um instrumento de corte mecânico, é um equipamento de trabalho nos termos e para os efeitos do art. 2º do DL 50/2005, de 25.2.

Preconiza o seu art. 16 que “Os elementos móveis dos equipamentos de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protectores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis no acesso a essa zonas.”

Ora, competindo à entidade patronal proporcionar aos seus trabalhadores a utilização de equipamento em conformidade com as regras de segurança estabelecidas nesta norma, certo é que não o fez, uma vez que, na altura do acidente, a tupia não dispunha do equipamento de protecção.

E também não ficou demonstrado que esse equipamento existia no local de trabalho e estava disponível para ser utilizado pelo trabalhador. E foi a inexistência dos mecanismos de protecção, que visavam impedir o contacto com a ferramenta de corte, que permitiu que a mão do sinistrado entrasse em contacto com a fresa.

Está por isso provado que o acidente ocorreu devido à inexistência dos meios de protecção.

Como referimos, por força do art. 16 do DL50/2005, competia à empregadora colocar à disposição do sinistrado o meio de protecção adequado aí previsto para evitar os riscos de contacto com o equipamento de corte.

Ao não cumprir com aquela obrigação, a entidade patronal não observou as regras de segurança que lhe eram impostas por aquele normativo legal.

Deste modo, mostram-se preenchidos os dois requisitos de que depende a responsabilidade agravada prevista no art. 18, nº1 da LAT/09:

a) a falta de observação das regras de segurança no trabalho por parte da empregadora;

b) o nexo de causalidade entre aquela falta e a produção do acidente.»

7 – À luz da matéria de facto dada como provada, a máquina usada pelo sinistrado não tinha instalados os mecanismos de protecção do risco de contacto das mãos do operador com a zona de corte, na altura do acidente, e a falta desses mecanismos é causa adequada do sinistro.

Tal como acima se referiu, a empregadora tem a responsabilidade pelo respeito pelas normas de segurança dos equipamentos que disponibiliza aos seus trabalhadores, responsabilidade que acompanha aqueles equipamentos em todo o circuito da sua vida útil e que não se esgota apenas no momento da respectiva aquisição, mas que está presente na manutenção dos mesmos equipamentos e na necessidade de verificação permanente dos mesmos.

A empregadora não pode alhear-se da forma como os equipamentos em causa são usados, tendo um permanente dever de vigilância sobre a forma como o seu uso ocorre, e não pode tolerar a utilização desses equipamentos pelos trabalhadores ao seu serviço, sem as referidas protecções.

Acresce que nada se provou sobre as circunstâncias que motivaram a retirada dos mecanismos de segurança ao equipamento em causa no presente processo, cuja ausência originou o acidente.

A empregadora é, deste modo, responsável pelo uso daquela máquina pelo sinistrado sem os referidos dispositivos de segurança, tendo dado causa com essa sua actuação ao sinistro, constituindo-se, por tal motivo, como responsável pela reparação dos danos decorrentes do mesmo.


VI


Nestes termos acorda-se em negar a revista e em confirmar a decisão recorrida.

Custas da revista pela recorrente.

Junta-se sumário do acórdão.

Lisboa, 6 de Maio de 2015

António Leones Dantas (Relator)

Melo Lima

Mário Belo Morgado

___________________
[1] Direito das Obrigações, 7.ª Edição, Coimbra Editora, 1997, p. 404.
[2] Obra citada, p. 405.