Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
613/15.6T8PVZ.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO SILVA GONÇALVES
Descritores: REPRESENTAÇÃO VOLUNTÁRIA
EMPRESÁRIO DESPORTIVO
JOGADOR PROFISSIONAL
RESCISÃO UNILATERAL
CLÁUSULA PENAL
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
CONTRATO DE MANDATO
CONTRATO DE AGÊNCIA
FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
JUSTA CAUSA
Data do Acordão: 01/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICAS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CLÁUSULA PENAL.
Doutrina:
- Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 419.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, Vol. I, 153.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, N.º1, 801.º, N.º 1 E 2, 805.º, N.º 1 E 2, AL. A), 808.º, N.ºS 1 E 2, 810.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 12.06.2012, PROC. N.º 14.06.7TBCMG.G1.S1, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I. Estando evidenciado que o réu/jogador rescindiu, unilateralmente, o contrato sem justa causa e que, após ter feito cessar o contrato que mantinha com o autor assinou novo acordo de representação com outra pessoa, dúvidas não poderemos ter no sentido que o montante da cláusula penal fixado na cláusula 5.ª, para além de abarcar a violação da totalidade das obrigações predispostas no contrato, se enquadra, inequivocamente, no dispositivo da sua cláusula 4.ª;

II. Incumprindo aquilo a que se obrigou nas cláusula 4.ª e 7.ª deste acordo, o réu/cliente constitui-se na obrigação de indemnizar o autor/agente no montante líquido, certo e exigível, fixado no mínimo de 500.000 €, como está regulado na cláusula 5.ª do contrato.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



No Tribunal da Comarca do Porto, Póvoa de Varzim - Inst. Central - 2ª Secção Cível - J6, o autor AA, com domicílio na Avenida …, nº …, 2º direito, Lisboa, instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB, alegando resumidamente:

Outorgou com o R. um contrato denominado de prestação de serviços, tendo ficado estabelecido que a violação das suas cláusulas faria incorrer o R. no pagamento de uma cláusula penal fixada no mínimo de 500.000,00 euros, tendo sido outorgado para vigorar entre 23/03/2014 e 23/03/2016, e, tendo o mesmo sido por si cumprido, foi feito cessar por comunicação unilateral do R., realizada em 18/05/2014, sem qualquer fundamento.

Conclui pedindo que o Réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 150.000,00 euros, acrescida de juros de mora a contar desde a citação.


O Réu apresentou contestação alegando desconhecer se o A. era agente ou não de jogadores, agenciado pela Federação Portuguesa de Futebol, pondo em causa todas os actos que o A. alega ter prestado como seu representante.

Alega ainda que o valor da cláusula penal que foi fixado é manifestamente exorbitante, podendo e devendo ser reduzido pelo Tribunal.

Conclui pela improcedência da acção.


O processo prosseguiu termos e, findos os articulados, foi proferido despacho saneador, com selecção dos temas da prova, sem que tivesse sido apresentada qualquer reclamação.

Observado o legal formalismo foi realizada a audiência final.

Após, foi proferida a competente sentença que julgou «a presente acção improcedente, absolvendo-se R. BB do pedido que contra si foi formulado pelo A. AA relativo ao pagamento de uma indemnização pela revogação unilateral do contrato de representação». 


Inconformado, desta sentença recorreu o autor AA para a Relação do Porto que, por acórdão de 07.07.2016 (cfr. fls. 133 a 156):

1. Julgou improcedente o pedido de ampliação do objeto do recurso;

2. Julgou procedente o recurso de apelação e, em consequência, revogando a decisão recorrida, condenou o réu BB a pagar ao Autor AA a quantia de 150.000,00 Euros, acrescida dos juros à taxa legal, contados a partir da citação.


Desagradado, recorre agora para este Supremo Tribunal o réu BB, que alegou e concluiu pelo modo seguinte:

1. Através do presente recurso, o recorrente pretende colocar em crise a decisão que revoga a sentença recorrida e, em consequência, condena o Réu BB a pagar ao Autor AA a quantia de 150.000,00 Euros, acrescida dos juros à taxa legal, contados a partir da citação, bem como se pretende colocar em crise a decisão que julga improcedente o pedido de ampliação do objecto de recurso.

2. Salvo o devido respeito, que é muito, a decisão deveria ter sido no sentido contrário, ou seja, o Tribunal "a quo", deveria ter mantido a decisão proferida em Primeira Instância, na parte em que o ora Recorrido delimitou o objecto do seu recurso, atendendo à matéria de facto dada como provada e às disposições legais aplicáveis.

3. E no que concerne à ampliação do objecto do recurso, entende-se, salvo o devido respeito, que o tribunal a quo, deveria ter considerado a existência de fundamento para a resolução do contrato pelo ora Recorrente.

Posto isto

4. No acórdão do qual ora se recorre, considerou o Tribunal "a quo" que "a alínea k) - " A cláusula penal tinha sido estabelecida para situação de rescisão do acordo sem justa causa" - dos factos não provados deva ser eliminada, uma vez que se trata de matéria conclusiva a retirar da análise do contrato.

5. Ora, com o devido respeito pelo Tribunal "a quo" não pode o Recorrente concordar com tal decisão, uma vez que concorda com o Tribunal de Primeira Instância em decidir que "Nos termos do n.º 1 do art. 236.º do C. Civil, de acordo com a teoria da impressão do destinatário, a declaração deve ser entendida de forma objectiva”.

6. Isto é, com o sentido que uma pessoa medianamente instruída e diligente atribuiria à referida manifestação de vontade, com um sentido que tenha «um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso», ex vi art. 238.º do C. Civil, já que estamos perante um negócio formal».

7. Portanto, estamos perante uma questão de direito sobre a qual não está o Tribunal vinculado (cfr. n.º 3 do artigo 5.º do CPC)[1].

8. Com base na lei, o Tribunal de 1.ª Instância decidiu, e bem, que "A possibilidade de revogação unilateral do contrato está prevista na cláusula 7.ª".

9. Com efeito, a cláusula penal deve ser aplicada segundo a lógica da redação do contrato, conforme foi considerado na decisão de 1.ª Instância.

10. Pois, se a referida cláusula tivesse sido introduzida para indemnizar uma revogação unilateral ilícita do contrato, aquela teria sido colocada após a cláusula das "causas de rescisão" (cláusula 7.ª), o que não aconteceu.

11. Uma pessoa medianamente instruída e diligente atribuirá às manifestações de vontade um sentido que tenha "um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso", ex vi artigo 238.º do CC.

12. As regras constantes dos artigos 236.º a 238.º do CC constituem directrizes que visam vincular o intérprete a um dos sentidos propiciados pela actividade interpretativa.

13. Ora, o que se retira do artigo 236.° do CC "é que, em homenagem aos princípios da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico, dá-se prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário (receptor). No entanto, a lei não se basta com o sentido realmente compreendido pelo declaratário (entendimento subjectivo deste) e, por isso, concede primazia àquele que um declaratário normal, típico, colocado na posição do real declaratário, depreenderia (sentido objectivo para o declaratário).[2]

14. Ora, aqui chegados, é claro que qualquer pessoa, medianamente instruída, sagaz e diligente, ao analisar o Contrato de Representação, interpreta que a cláusula 5.ª se aplica apenas ao que antecede, como resulta óbvio da inserção sistemática das cláusulas.

15. É nítido, que o valor estipulado a título de cláusula penal nada tem que ver com o direito de indemnização do aqui Recorrido pela revogação alegadamente ilícita efectuada pelo Recorrente, não visando a sua fixação.

16. Pelo que deverá manter-se a decisão do Tribunal de 1.ª Instância referente à não condenação do Recorrido ao pagamento da indemnização prevista na cláusula penal.

17. Acrescente-se que, também conforme foi decidido pelo douto Tribunal de Primeira Instância, o credor não pode exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal, conforme estipula o n.º 3 do artigo 811.° do CC. [3]

18. Mantendo-se a decisão de que o ora Recorrente revogou o contrato sem justa causa, o que por mera hipótese se admite, este teria de se responsabilizar pelos danos causados ao Recorrido, nos termos e para os efeitos do artigo 798.° do CC.

19. Porquanto, e como resulta da matéria de facto, não foram invocados, nem provados, quaisquer prejuízos, nos termos e para os efeitos n. ° 1 do artigo 342.°.

20. Pelo que, a indemnização no valor de € 150.000,00 certamente excederia o valor do prejuízo sofrido pelo Recorrido - sempre se diga que não foi nenhum - resultante do alegado incumprimento da manutenção do contrato de representação.

21. Assim sendo, deverá manter-se a sentença de Primeira Instância no que toca à não existência de prejuízos suscetíveis de serem indemnizados pelo Recorrido.

Sem prescindir.

22. Pretendeu o Recorrente ampliar o objecto do recurso, pois na sentença proferida em Primeira Instância, considerou o tribunal “a inexistência de fundamento para a resolução do contrato" pelo Recorrente, e entendeu o Tribunal "a quo" concordar com tal entendimento.

23. Ora, com o devido respeito pelo douto Tribunal a quo, que é muito, não concorda o Recorrente com esta decisão.

24. Com efeito, em nenhum momento, se logrou provar que o, ora recorrido, tinha cumprido com as obrigações decorrentes do contrato junto aos autos, denominado de "contrato de representação".

25. E por esse motivo, o recorrente tinha evidente justa causa para rescindir o contrato celebrado, dado que, ocorreu evidente violação grosseira daquele contrato por parte do, ora Recorrido.

26. Pois, apesar de não se encontrarem estipulados no Contrato, os deveres do Recorrido, aqueles estão inerentes a qualquer "agente"/"empresário"/"intermediário" e estão regulamentados.

27. Segundo a Lei n.º 28/98 de 26 de Junho, alterada pela Lei n.º 114/99, de 3 de Agosto, que estabelece o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo e do contrato de formação desportiva, o empresário desportivo é a pessoa singular ou coletiva que, com capacidade jurídica, contra remuneração ou gratuitamente, representa o jogador ou o clube em negociações, tendo em vista a assinatura de um contrato de trabalho desportivo ou de um contrato de transferência.

28. E, conforme foi citado pelo Recorrido nas suas Alegações para o douto Tribunal "a quo", Kenneth Shropshie e Timothy Davis dizem que «Os empresários têm poderes que extravasam, em muito o simples negociar do contrato de trabalho (...) O empresário toma-se, assim, uma espécie de «babysitter»".

29. Ora, ficou provado que o aqui Recorrido NADA fez pelo Recorrente!

30. Não aconselhou, não negociou, não apoiou, ou seja, NÃO REPRESENTOU!

31. Pelo que, não se compreende a decisão recorrida quando afirma que «… o Réu não tinha qualquer fundamento para rescindir - isto é fazer cessar os efeitos do contrato ... "

32. Questiona-se então o seguinte: em que consiste a obrigação de representar?

33. Sendo certo que, não foi provado nenhum facto que referia que o Recorrido cumpriu com seu dever de representação.

34. O incumprimento desse dever, que se consubstancia numa violação grosseira da mais importante obrigação emergente do Contrato de Representação, concretiza-se numa justa causa para a resolução do Contrato.

35. Quanto ao estipulado na al. b) da Cláusula 7.ª do Contrato, o Recorrido, na carta datada de 18.05.2014, remetida ao Recorrente, invocou a justa causa para a resolução do contrato e indicou por escrito os factos.

36. Não foram apresentadas provas dos factos alegados, pois estamos perante uma omissão, um non facere, quando a obrigação do recorrente era agir, actuar, fazer.

37. O certo é que, nenhuma actuação alegada pelo Recorrente ficou provada.

38. Alegações essas que, se fossem verdades, correspondiam ao que de facto deve um intermediário fazer em representação de um jogador.

39. Com efeito, a decisão que considera a inexistência de justa causa, coloca o recorrente numa situação de manifesta injustiça.

40. Posto isto, deverá ser substituída a decisão do tribunal a quo na parte em que considera a inexistência de justa causa.

41. Decidindo o douto Supremo Tribunal de Justiça pela existência justa causa, nunca, em momento algum, poderá o Recorrido ser condenado ao pagamento de qualquer indemnização!

Termina pedindo que seja revogada a decisão relativa inexistência de justa causa para a resolução do contrato de representação e confirmada a decisão da Primeira Instância em toda a restante matéria.


Contra-alegou o autor/recorrido AA pedindo a manutenção do julgado.


Corridos os vistos legais, cumpre decidir.


As instâncias julgaram provados os seguintes factos:

1. O R. é jogador profissional de futebol.

2. A. e R. assinaram o documento que consta de fls. 8 a 10, cujo teor aqui se considera reproduzido, estando denominado de “contrato de representação” e estando o A. identificado como “agente de jogadores” e o R. como “cliente” dele constando que:

Cláusula 1.ª

Duração

“Este contrato será válido durante 24 meses e entrará em vigor em 23 de Março de 2014 e terminará em 23 de Março de 2016”.

Cláusula 2ª

Remuneração

“Sem prejuízo de estipulado no Regulamento de Agentes de Jogadores licenciados, o cliente deve remunerar o agente de jogadores pelo trabalho por ele realizado.

a) Jogador com cliente

O agente de jogadores receberá uma comissão correspondente a 10% do salário bruto anual devido ao jogador em resultado de contractos de trabalho negociados ou renegociados que será paga da seguinte forma:

- Um pagamento único no início do contrato de trabalho”.

Cláusula 3ª

Exclusividade

“As partes acordam entre si que o Agente de Jogadores terá a exclusividade e representação do jogador”.

Cláusula 4ª

Fidelidade

“ O cliente compromete-se, durante o período de vigência deste contrato, a não celebrar, alterar, aditar, rescindir ou renovar quaisquer contratos de trabalho desportivo ou outros relacionados com a sua actividade ou valorização enquanto jogador profissional de futebol e que constituem o objecto deste contrato, sem a presença e expressa anuência do agente de jogadores, bem como não poder estabelecer qualquer contacto directo ou indirecto com clubes, treinadores ou quaisquer terceiros com vista á sua contratação sem a concordância dele, ainda que os contrato apenas sejam válidos após a respectiva assinatura do jogador”.

Cláusula 5ª

Cláusula penal

Sem prejuízo de outras indemnizações a que possa haver lugar, a violação entre outras do estipulado na cláusula 4ª deste contrato, constituem o cliente na obrigação de indemnizar o agente de jogadores no montante líquido, certo e exigível, que desde já se fixa no mínimo de 500.000 € (quinhentos mil euros) ou outro superior desde que judicialmente comprovado.

Cláusula 7ª

Causas de rescisão

a) “O presente contrato apenas pode ser rescindido por comum acordo ou caso ocorra justa causa, desde logo por violação grosseira de quaisquer das obrigações emergentes do presente contrato.

b) A parte que invocar justa causa para a rescisão do contrato, deve indicar por escrito os factos circunstanciados acompanhados de prova documental ou testemunhal, com eventual depoimento escrito da mesma”.

Cláusula 9ª

Legislação aplicável

“As partes comprometem-se a cumprir os estatutos, regulamentos, directivas e decisões dos órgãos competentes da FIFA, das confederações e das federações em questão, bem como as disposições de direito laboral e outras disposições legais aplicáveis no território da federação, e ainda as leis internacionais e os tratados aplicáveis”.

3. O R. remeteu ao A. a carta que consta de fls. 10, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido, datada de 18 de Maio de 2014, e da qual consta que:

“Serve a presente para comunicar a V. Exª a minha intenção de rescindir e cessar, com efeitos imediatos, o contrato de representação celebrado com V. Exª no dia 23 de Março de 2014.

Em virtude do facto de não me sentir minimamente acompanhado e, muito menos, representado em face das obrigações contratualmente assumidas e das expectativas criadas aquando da sua celebração.

Acresce que, face às minhas insistentes tentativas de o contactar telefonicamente, sem qualquer atendimento ou subsequente resposta, sinto que fiquei por minha conta e risco. O que, associado ao período em que nos encontramos, isto é, o normal período em que se processam as novas contratações ou renegociação contratual e atentas as expectativas criadas por V. Exª e motivadoras da celebração do contrato em crise, levam-me a concluir pela V. ausência de interesse na defesa dos meus interesses profissionais, quiçá mercê de outros interesses maiores.

Assim, assenta a presente rescisão na total quebra de confiança na representação suportada no contrato que ora se rescinde.

Pois, além do mais, experimento um cabal desinteresse na minha pessoa, enquanto profissional de futebol, uma ausência de objectivos e de interesse no desenvolvimento e na promoção da minha carreira desportiva, bem como a inexistência da cooperação prometida.

Concebo o dispêndio o V. tempo na gestão da carreira de outros atletas, na V. perspectiva, mais apelativos, contudo não o compreendo pois, na medida do prometido, mais estima, consideração e acima de tudo suporte.

Sob qualquer perspectiva, principalmente pela falta de confiança na V. actuação, indubitavelmente, conceberão o alcance da presente.

Concluindo, serve a presente para comunicar a V. Exas as minha rescisão e cessação imediata do contrato supra identificado, a que se confere efeitos imediatos”.

Resultou ainda provado que:

4. O acordo foi assinado na data que dele consta.

5. O A. era agente licenciado pela Federação Portuguesa de Futebol desde 03/12/2013.

6. O documento referido em 2 foi remetido à Federação Portuguesa de Futebol para depósito, tendo sido registado.

7. O A. adquiriu para o R. um par de chuteiras de guarda-redes que lhe entregou.

8. Após ter feito cessar o contrato que mantinha com o A., o R. assinou novo acordo de representação com outra pessoa.

9. O R. jogava e joga futebol em equipa que disputa o campeonato nacional de futebol português, com várias presenças em competições de nível Europeu, sendo jogador internacional por Portugal nos escalões jovens.

10. Uma futura transferência do R. poderia implicar vários milhares de euros.

11. Ao clube do R. nunca chegou qualquer contacto ou proposta do A. ou de terceiro com vista à sua transferência.


Não se provaram quaisquer outros factos, nomeadamente:

a) O A. e os seus colaboradores tenham iniciado a promoção do A., após a outorga do documento referido em 2, com a deslocação a outros países.

b) O A. tivesse informado o R. destas deslocações, manifestando o R. o seu agrado.

c) O A. tenha adquirido e entregue ao R. qualquer outro equipamento desportivo.

d) O A. e os seus colaboradores contactassem várias vezes por semana o R..

e) O A. tivesse assegurado ao A. serviços jurídicos, de imprensa e de imagem após a outorga do contrato.

f) O A. tivesse disponibilizado ao R. os seus advogados para o acompanharem nos assuntos profissionais e familiares.

g) Tivessem sido estabelecidos contactos com a imprensa, elaborando o A. um relatório de imprensa sobre o R..

h) O R. tivesse uma cláusula de rescisão de cerca de 2.000.000,00 euros no seu contrato com o clube.

i) O R. nunca tivesse sido contactado pelo A..

j) O R. apenas tivesse assinado o contrato porque o A. lhe disse que lhe obteria uma proposta milionária em 15 dias.

k) A cláusula penal tenha sido estabelecida para a situação de rescisão do acordo sem justa causa.



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Em 23/03/2014 o autor AA, agente licenciado pela Federação Portuguesa de Futebol, celebrou com o réu BB, jogador profissional de futebol (internacional por Portugal nos escalões jovens), o denominado de “contrato de representação” documentado desde fls. 8 a 10, mediante o qual o demandante (“agente de jogadores”) e o demandado (“cliente”) concordaram no seguinte:

1.O cliente compromete-se, durante o período de vigência deste contrato, a não celebrar, alterar, aditar, rescindir ou renovar quaisquer contratos de trabalho desportivo ou outros relacionados com a sua actividade ou valorização enquanto jogador profissional de futebol e que constituem o objecto deste contrato, sem a presença e expressa anuência do agente de jogadores, bem como não poder estabelecer qualquer contacto directo ou indirecto com clubes, treinadores ou quaisquer terceiros com vista á sua contratação sem a concordância dele, ainda que os contrato apenas sejam válidos após a respectiva assinatura do jogador” (cláusula 4ª - Fidelidade).


2. Sem prejuízo de outras indemnizações a que possa haver lugar, a violação entre outras do estipulado na cláusula 4ª deste contrato, constituem o cliente na obrigação de indemnizar o agente de jogadores no montante líquido, certo e exigível, que desde já se fixa no mínimo de 500.000 € (quinhentos mil euros) ou outro superior desde que judicialmente comprovado (cláusula 5ª - cláusula penal).

3. a)O presente contrato apenas pode ser rescindido por comum acordo ou caso ocorra justa causa, desde logo por violação grosseira de quaisquer das obrigações emergentes do presente contrato.

  b) A parte que invocar justa causa para a rescisão do contrato, deve indicar por escrito os factos circunstanciados acompanhados de prova documental ou testemunhal, com eventual depoimento escrito da mesma (cláusula 7.ª - causas de rescisão).


Em 18/05/2014 o “cliente” (réu) remeteu ao “agente de jogadores” (autor) a carta que consta de fls. 10, na qual lhe comunica a rescisão, com efeitos imediatos, do contrato de representação anteriormente celebrado, para tanto invocando “não se sentir minimamente acompanhado e, muito menos, representado em face das obrigações contratualmente assumidas e das expectativas criadas aquando da sua celebração” - assenta a presente rescisão na total quebra de confiança na representação suportada no contrato que ora se rescinde, conclui o réu (“cliente”).


Acusando a violação daquela cláusula 4ª, pretende o “agente de jogadores” (autor) ser indemnizado pelo montante de € 500.000,00 (valor da cláusula penal fixada) para o incumprimento do contrato, o qual foi feito cessar sem qualquer fundamento.


Negando os fundamentos do pedido articulado pelo autor, o réu alega, ainda, que o valor da cláusula penal fixado é manifestamente exorbitante, podendo e devendo ser reduzido pelo Tribunal.


A sentença proferida na 1.ª instância absolveu o réu do pedido - não obstante se reconhecer a inexistência de fundamento para a resolução do contrato, não se mostram provados quaisquer prejuízos resultantes da conduta do réu, susceptíveis de indemnização, conclui.


A Relação, todavia, com o fundamento em que o réu rescindiu, sem justa causa, o contrato celebrado com o autor, revogando a decisão recorrida, condenou o réu BB a pagar ao autor AA a quantia de 150.000,00 Euros, acrescida dos juros à taxa legal, contados a partir da citação.


É contra este entendimento que o jogador (”cliente”) reage.

Para o recorrente, foi com justa causa que rescindiu o contrato; mas, ainda que se entenda que não houve justa causa para a resolução do contrato, porque não ficaram provados quaisquer prejuízos para o autor, nada é devido ao seu “agente”.


Vejamos se lhe assiste razão



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I. O denominado “contrato de representação”, documentado desde fls. 8 a 10, celebrado entre o autor AA (agente licenciado pela Federação Portuguesa de Futebol) e o réu BB, (jogador profissional de futebol), consubstancia um contrato “misto, próximo do mandato e da agência, ao qual são assim aplicáveis as regras próprias previstas na legislação desportiva e as normas previstas para cada um destes tipos de contrato, na medida em que sejam aplicáveis”, como foi entendido pelas instância e com o assentimento do recorrente e do recorrido.

Este contrato teria uma duração de 24 meses devendo o cliente (o réu) remunerar o agente (autor) pelo trabalho por ele realizado (cláusulas 1.ª e 2.ª), tendo o agente de jogadores (o autor) também a exclusividade e representação do réu/jogador (cláusula 3.ª).


Quando o réu/jogador remeteu ao autor/agente, em 18/05/2014, a carta de fls. 10, rescindiu ele, unilateralmente, o contrato que havia celebrado em 23/03/2014; e é, valendo-se na descrição posta na cláusula 4.ª do contrato, que o autor pretende ser indemnizado pelo montante de € 500.000,00 (valor da cláusula penal fixada) para o incumprimento do contrato, o qual, sem fundamento, o réu/jogador fez cessar.


II. No contrato bilateral, verificando-se que o devedor deixou de cumprir definitivamente a sua obrigação, tem o credor a possibilidade de resolver o contrato celebrado (art.º 801.º, n.º 1 e 2, do C.Civil).

A resolução do negócio jurídico só tem lugar, assim, nos casos de incumprimento definitivo, havendo-se como tal a verificação da perda do interesse do credor no cumprimento, apreciada objectivamente, ou quando a prestação, apesar de objectivamente ter interesse, não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor (art.º 808.º, n.º 1 e 2, do C.Civil); e, salvo se a obrigação tiver prazo certo, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido interpelado para cumprir judicial ou extrajudicialmente (art.º 805.º, n.º 1 e 2, al. a) do C.Civil).

A resolução operada num contrato bilateral tem o seu fundamento, essencialmente, no inadimplemento da obrigação da outra parte contratante - a resolução surge motivada por factores supervenientes e exteriores ao próprio «corpo» negocial, que geram situações violadoras da disciplina contratual originária [4]; e o seu regime legal há-de ter em consideração a situação que assim foi criada, ou seja, a desvinculação do contrato tornada efectiva por uma das partes e a necessidade recuperatória do que já foi prestado no âmbito desse mesmo negócio jurídico.


Tenhamos em consideração que, sendo um facto constitutivo do direito à resolução do contrato, ao réu incumbe o ónus de provar que o incumprimento do autor é definitivo, porquanto perdeu já o interesse na prestação;


Para a resolução do contrato - rescisão lhe chama o réu - o jogador/réu não alcançou provar a existência de alguma e justa causa para tal rescisão; e, sendo assim, havemos de considerar que a resolução do contrato, assim concretizada, determinou o incumprimento do contrato, tornando-o responsável pelos prejuízos que, em consequência disso, terão advindo ao autor.

   

A questão a dirimir agora é a de saber se há fundamento para que ao autor seja deferida a indemnização de € 500.000,00, correspondente à cláusula penal fixada na cláusula 5.ª (conforme o disposto no art.º 810.º do C.Civil).


III. Reza assim a cláusula 5.ª:

- Sem prejuízo de outras indemnizações a que possa haver lugar, a violação entre outras do estipulado na cláusula 4ª deste contrato, constituem o cliente na obrigação de indemnizar o agente de jogadores no montante líquido, certo e exigível, que desde já se fixa no mínimo de 500.000 € (quinhentos mil euros) ou outro superior desde que judicialmente comprovado.


Por sua vez, a cláusula 4.ª descreve que…o cliente compromete-se, durante o período de vigência deste contrato, a não celebrar, alterar, aditar, rescindir ou renovar quaisquer contratos de trabalho desportivo ou outros relacionados com a sua actividade ou valorização enquanto jogador profissional de futebol e que constituem o objecto deste contrato…

Na cláusula 7.ª (causas de rescisão) também se estipula que “o presente contrato apenas pode ser rescindido por comum acordo ou caso ocorra justa causa, desde logo por violação grosseira de quaisquer das obrigações emergentes do presente contrato e que a” parte que invocar justa causa para a rescisão do contrato, deve indicar por escrito os factos circunstanciados acompanhados de prova documental ou testemunhal, com eventual depoimento escrito da mesma”.

 

Recorrendo ao critérios legais de interpretação referentes aos negócios jurídicos, adiantados pelo disposto no artigo 236.º, n.º 1, do Cód. Civil - que consagra a denominada teoria da impressão do destinatário com a limitação de que, para que tal sentido possa valer é preciso que seja possível a sua imputação ao declarante, isto é, que este possa razoavelmente contar com ele ( art.º 236.º , n.º 1, in fine, do C.C.) - temos que tem o Julgador de ter em conta que a declaração deve valer com o sentido que um destinatário razoável, colocado na posição de real declaratário, lhe atribuiria; considera-se real declaratário nas condições concretas em que se encontra e tomam-se em conta os elementos que ele conheceu efectivamente mais os que uma pessoa razoável, quer dizer, normalmente esclarecida, zelosa e sagaz, teria conhecido e figura-se que ele raciocinou sobre essas circunstâncias como o teria feito um declaratário razoável (Prof. Mota Pinto; Teoria Geral do Direito Civil; pág. 419); e a normalidade do declaratário que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante (Prof. Pires de Lima e Antunes Varela; Cód. Civil Anotado; Vol. I; pág. 153).


Ora, o sentido que um jogador de futebol, normalmente esclarecido, zeloso e sagaz, depreenderá da declaração posta naquela cláusula 5.ª, será no sentido de que esta disposição contratual pretende abranger a violação do contrato, na sua plenitude, por qualquer uma das razões que foram decisivas para a sua subscrição - a violação entre outras do estipulado na cláusula 4ª deste contrato, diz a cláusula.

Estando evidenciado que o réu/jogador rescindiu, unilateralmente, o contrato sem justa causa e que, após ter feito cessar o contrato que mantinha com o autor assinou novo acordo de representação com outra pessoa, dúvidas não poderemos ter no sentido que o montante da cláusula penal fixado na cláusula 5.ª, para além de abarcar a violação da totalidade das obrigações predispostas no contrato, se enquadra, inequivocamente, no dispositivo da sua cláusula 4.ª, uma vez que o cliente (réu) se comprometeu a não celebrar qualquer contrato de trabalho desportivo ou outros relacionados com a sua actividade ou valorização enquanto jogador profissional de futebol e que constituem o objecto deste contrato.

Incumprindo aquilo a que se obrigou nas cláusula 4.ª e 7.ª deste acordo, o réu/cliente constitui-se na obrigação de indemnizar o autor/agente de jogadores no montante líquido, certo e exigível, fixado no mínimo de 500.000 € (quinhentos mil euros), como está regulado na cláusula 5.ª do contrato.


IV. Entendeu a Relação que a matéria factual que integra a alínea K) dos factos não provados - “não se provou que a cláusula penal tenha sido estabelecida para a situação de rescisão do acordo sem justa causa” - por se tratar de matéria conclusiva, deve ser eliminada do elenco dos factos não provados: a matéria em causa “a cláusula penal tenha sido estabelecida para a situação de rescisão do acordo sem justa causa” afigura-se nos que é uma conclusão a retirar da análise do contrato, expressa a Relação.

Também assim ajuizamos.

     

Contra esta decisão protesta o recorrente/réu, pois aceita o estabelecido pelo Tribunal de primeira instância em decidir que "nos termos do n.º 1 do art. 236.º do C. Civil, de acordo com a teoria da impressão do destinatário, a declaração deve ser entendida de forma objectiva”.


Sobre esta contingência jurídica o que temos a dizer é que, aceitando o recorrente a interpretação que a 1.ª instância atribui a este denotado circunstancialismo contratual, nenhuma relevância apresenta para a boa decisão da causa o juízo que, num ou noutro sentido, se possa fazer acerca da ocorrência factual incluída na alínea K) dos factos não provados.

 Tendo na devida conta que aquela facticidade se não provou, também é de nula importância o seu contributo para a interpretação do clausulado do contrato, a aferir nos termos do disposto no n.º 1 do art. 236.º do C. Civil.


Concluindo:

1. Estando evidenciado que o réu/jogador rescindiu, unilateralmente, o contrato sem justa causa e que, após ter feito cessar o contrato que mantinha com o autor assinou novo acordo de representação com outra pessoa, dúvidas não poderemos ter no sentido que o montante da cláusula penal fixado na cláusula 5.ª, para além de abarcar a violação da totalidade das obrigações predispostas no contrato, se enquadra, inequivocamente, no dispositivo da sua cláusula 4.ª;

2. Incumprindo aquilo a que se obrigou nas cláusula 4.ª e 7.ª deste acordo, o réu/cliente constitui-se na obrigação de indemnizar o autor/agente no montante líquido, certo e exigível, fixado no mínimo de 500.000 €, como está regulado na cláusula 5.ª do contrato.


Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.


Supremo Tribunal de Justiça
, 19 de janeiro de 2017.


Silva Gonçalves (Relator)

António Joaquim Piçarra

Fernanda Isabel Pereira

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 [1] “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”.
[2] Ac. STJ de 12.06.2012, proc. n.º 14.06.7TBCMG.G1.S1; dgsi.pt.

[3] O credor não pode em caso algum exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal.
[4] José Carlos Brandão Proença; ob. citada; pág. 64.