Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1205/10.1TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA
RESPONSABILIDADE AGRAVADA
DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE
NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA
Data do Acordão: 05/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - ACIDENTES DE TRABALHO.
Doutrina:
- Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Almedina, 63, 103.
- Júlio Manuel Vieira Gomes, O Acidente de Trabalho, O acidente in itinere e a sua descaracterização, Coimbra Editora, 223 e segs.
- Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 2013, 6.ª Edição, Almedina, 819 e ss..
Legislação Nacional:
DECRETO-LEI N.º 323/2009, DE 24 DE DEZEMBRO: - ARTIGO 3.º
DECRETO-LEI N.º 50/2005, DE 25 DE FEVEREIRO, PRESCRIÇÕES MÍNIMAS DE SEGURANÇA E DE SAÚDE NA UTILIZAÇÃO DE EQUIPAMENTOS DE TRABALHO: - ARTIGO 39.º.
LEI N.º 102/2009, DE 10 DE SETEMBRO, QUE APROVOU O REGIME JURÍDICO DA PROMOÇÃO DA SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO: - ARTIGO 17.º.
REGULAMENTAÇÃO DO REGIME DE REPARAÇÃO DE ACIDENTES DE TRABALHO E DE DOENÇAS PROFISSIONAIS, APROVADA PELA LEI N.º 98/2009, DE 4 DE SETEMBRO: - ARTIGOS 14.º, 57.º, N.º 1, ALÍNEA C), 60.º, N.ºS 1 E 2, 66.º, 79.º, N.º 5.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 24-10-2012, PROCESSO N.º 1087/07.0TTVFR.P1.S1, DE 11-02-2015, PROCESSO N.º 1301/10.5T4AVR.C1.S1.
Sumário :
1. A iniciativa dos trabalhadores, à revelia das instruções do empregador, de executarem trabalhos em zona diferente da indicada por aquele, é suscetível, atenta a natureza da obra, trabalhos numa coluna de elevadores que se desenrolava em vários pisos, de impedir, em caso de acidente, a imputação ao empregador de falta de observação das regras sobre segurança relativamente a essa parte da obra.

2. Os objetivos reparadores da Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais permitem que se aceite que a violação das regras de segurança, por parte do trabalhador, possa ter outras causas justificativas, para além das referidas no n.º 2, do art.º 14, do referido diploma legal.

3. A habitualidade ao perigo e o excesso de confiança na experiência profissional podem determinar, da parte dos trabalhadores, um aligeiramento das condições de segurança e levar à prática de atos imprudentes no decurso da execução de certos trabalhos, que não integram o conceito de negligência grosseira.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                           I

  1. AA e BB (A.A.), representadas pelos seus avós paternos CC e DD, intentaram contra EE, Ld.ª, FF, S. A., GG, S. A. e Hotel HH, S. A. (R.R.), a presente ação especial emergente de acidente de trabalho do qual resultou a morte de II, pedindo:

 a) O pagamento de uma pensão anual e vitalícia de € 9.835,06 a partir de 1/03/2010, até perfazerem 25 anos de idade, enquanto frequentarem respetivamente, o ensino secundário, ou curso equiparado ou o ensino superior;

b) A quantia de € 5.030,64, a título de subsídio de morte;

c) A quantia de € 3.353,76, a título de despesas de funeral;

d) A quantia de € 100.000,00, a título de indemnização pelo dano morte no global e conjuntamente a ambas;

e) A quantia de € 30.000,00, a título de danos não patrimoniais, a cada uma.

Para o efeito, alegaram em síntese:

São filhas de II que, em 20/03/2010, sofreu uma queda de que lhe resultaram lesões que levaram ao seu falecimento, quando se encontrava a trabalhar para a sua entidade empregadora, EE, Ld.ª;

Embora auferisse anualmente a retribuição de € 9.835,06, a EE, Ld.ª apenas tinha transferido para a Companhia de Seguros a sua responsabilidade, mediante um contrato de seguro de acidentes de trabalho, pela retribuição anual de € 8.400,00;

O seu pai estava a efetuar um trabalho, para EE, Ld.ª, que era empreiteira numa obra da Ré Hotel HH e na qual se encontrava, igualmente, a trabalhar a GG, sem que estivessem reunidas as condições de segurança necessárias;

O acidente ocorreu por não estarem asseguradas as condições de segurança na obra, por falta de proteção coletiva;

O falecimento de seu pai determinou-lhes danos não patrimoniais, cujo ressarcimento peticionam.

As R.R. apresentaram as suas contestações.

A R. GG alegou que é parte ilegítima, por não ser a entidade empregadora do sinistrado, e que quanto a si caducou o direito de ação das autoras.

Impugnou os factos alegados pelas A.A. por não os conhecer, pois não tinha qualquer intervenção na obra que estava a ser realizada pelo sinistrado e pela sua entidade empregadora.

A R. FF alegou, em síntese, que houve negligência grosseira do sinistrado na ocorrência do sinistro, a que acresce que havia falta de condições de segurança da obra, que seriam da responsabilidade da entidade empregadora.

 Assim, a responsabilidade da ocorrência do acidente é do sinistrado ou, caso assim não se entenda, da entidade empregadora, que não assegurou as condições de segurança.

A R. EE, Ld.ª alegou que tinha implementado no local todas as medidas de segurança necessárias e adequadas para o trabalho que tinha distribuído para aquele dia, desconhecendo que o sinistrado iria decidir efetuar um trabalho diverso daquele que lhe foi distribuído usando igualmente meios desadequados à sua realização.

Assim, o sinistro não ocorreu por culpa sua, razão pela qual pugna pela respetiva absolvição.

A R. Hotel HH alegou que não tinha de elaborar qualquer plano de segurança e saúde, embora tenha elaborado fichas de procedimento de segurança para os trabalhos que comportavam riscos.

Conclui que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do sinistrado e por sua negligência grosseira.

As A.A. responderam à exceção de ilegitimidade invocada pela R. GG, alegando que a mesma se obrigara a garantir a coordenação e condução de todos os trabalhos de forma a ser cumprido o planeamento e garantida a qualidade final dos mesmos, pelo que concluiu pugnando pela sua improcedência.

  No despacho saneador foi decidido:

- Que as R.R GG e Hotel HH eram partes ilegítimas, tendo sido absolvidas da instância;

- Julgar a ação improcedente relativamente à R. FF, quanto aos pedidos formulados nas alíneas d) e e), quanto à indemnização pelo dano morte e indemnização por danos não patrimoniais, e na alínea a), no que respeita ao valor decorrente da agravação a que alude o art.º 18.º, n.º 4, do Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais.

Após a realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, que concluiu que o acidente ocorreu por violação de regras de segurança, por parte do sinistrado, pelo que a ação foi julgada improcedente e, em consequência, as R.R. absolvidas do pedido.

2. Inconformadas, as A.A. interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação que decidiu julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência:

a) Aditar aos factos provados que "o sinistrado veio a falecer com 33 anos de idade";

b) Condenar a R. FF, S.A., a pagar às A.A., uma pensão anual no valor total € 3.360,00, sendo para cada uma € 1.680,00, enquanto não atingirem os 18 anos de idade, até aos 22 anos enquanto frequentarem o ensino secundário ou curso equiparado, até aos 25 anos enquanto frequentarem curso superior ou equiparado e sem limite de idade quando afetadas por deficiência ou doença crónica que afete sensivelmente a sua capacidade para o trabalho;

c) Condenar a R. EE, Ld.ª a pagar-lhes uma pensão anual no valor total de € 6.475,06, sendo € 3.780,00 para cada uma; e a quantia de € 45.000,00 a título de compensação da perda do direito à vida da vítima, seu pai, na proporção de metade para cada uma delas, enquanto não atingirem os 18 anos de idade, até aos 22 anos enquanto frequentarem o ensino secundário ou curso equiparado, até aos 25 anos enquanto frequentarem curso superior ou equiparado e sem limite de idade quando afetadas por deficiência ou doença crónica que afete sensivelmente a sua capacidade para o trabalho;

d) Condenar ambas as R.R. a pagarem às A.A. o subsídio por morte da vítima no valor de € 5.533,70, na proporção decorrente das forças do capital seguro;

e) Condenar ambas as R.R. a pagarem a cada uma das A.A. a quantia de € 18.000,00 para compensação dos inevitáveis danos próprios decorrentes da circunstância de assim se verem privados do convívio paterno, na proporção decorrente das forças do capital seguro;[1]

f) Juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias vencidas e vincendas até integral pagamento;

g) No mais, julgar o recurso improcedente e, consequentemente, absolver as R.R. do remanescente do pedido contra elas formulado pelas A.A., ora recorrentes.

 

3. Inconformadas com esta decisão, as R.R., que foram condenadas, interpuseram, respetivamente, recursos de revista.

O recurso da R. FF, S.A., não foi admitido pelo relator do processo, decisão que transitou em julgado.

A R. EE, Ld.ª, formulou as seguintes conclusões:[2]

1. No essencial, assentou a decisão do douto acórdão recorrido, no seguinte: "(...) em conclusão, no local do acidente sofrido pela vítima, que também era o de trabalho dela, a ré empregadora não tinha instalados os meios de segurança necessários a prevenir quedas em altura. E que era a ela e não à vítima que tal competia fazer (...)

2. Salvo o devido respeito, discorda a recorrente desta fundamentação, porquanto:

3. Face à factualidade provada e às condições de segurança legalmente exigíveis, devem considerar-

-se aplicáveis ao caso sub judice, as disposições dos art.º 15.º e 17.º, da Lei n.º 102/2009 e dos artigos 36.º e 37.º do Decreto-Lei n.º 50/2005, tal como, bem, entendeu a Sr.ª Juíza do Tribunal da 1.ª Instância, concluindo que (...) a entidade empregadora tinha no local previsto para os trabalhos as medidas de proteção que seriam necessárias para a realização dos trabalhos planeados e distribuídos para o dia em questão, não lhe podendo ser assacada qualquer responsabilidade na não observação das regras de segurança."

            4. No entanto, no seu douto acórdão, entenderam os Senhores Juízes Desembargadores que não "dispunha de todas as medidas de segurança no local planeado para a realização dos trabalhos para aquele dia, (...)”. porque “(...) o local de trabalho (...) abarcava, também o poço do elevador, no 7.° piso (...)".

5. Não pode aceitar-se que, face à factualidade provada, se entenda que a empregadora não observou as necessárias regras de segurança, por não ter instalados os meios de segurança exigidos pela especificidade do trabalho a prestar, inclusive no local onde ocorreu o acidente.

6. Entende o recorrente que para se determinar quais eram as medidas de segurança a cuja observância estava obrigada, há que ter em consideração as especificidades da empreitada que se encontrava a realizar, a experiência dos trabalhadores e toda a dinâmica e circunstâncias que envolveram o acidente.

7. Da factualidade provada, resulta que aos trabalhadores da ora recorrente, no dia em que ocorreu o acidente, foram dadas instruções para que executassem trabalhos ao nível do 11.º piso, na casa das máquinas, local onde não havia risco de queda em altura.

8. Resulta também que foi por iniciativa dos trabalhadores que estes decidiram descer ao 7.º piso para executar um outro trabalho, completamente distinto daquele que estava previsto para aquele dia e o qual não era sequer “urgente face à planificação global dos trabalhos a executar na obra”,

9. Resulta ainda que a recorrente tinha instalado as medidas de proteção coletiva para prevenir o risco de queda em altura pela caixa dos elevadores, designadamente, os guarda corpos a 45 cm e a 90 cm.

10. Não estando prevista a execução dos trabalhos que por sua iniciativa os trabalhadores decidiram realizar noutro local (no 7.º piso) e muito menos da forma que o sinistrado decidiu executá-los (utilizando um escadote), não estavam, nem, com o devido respeito, tinham que estar implementadas as medidas de segurança específicas para os trabalhos com risco de queda em altura e, em particular, para uma queda daquela natureza.

11. É que, para a realização daquele trabalho, a infortunada vítima decidiu utilizar um equipamento - um escadote com 90 cm de altura - que nunca tinha sido utilizado para a execução daquele tipo de trabalho.

12. Com a escolha de tal equipamento para a execução daquela tarefa, a vítima colocou-se fora da proteção dos guarda-corpos que se encontravam instalados para prevenir os riscos de queda pelo poço do elevador.

13. A recorrente não podia prever que os trabalhadores iriam executar no dia do acidente um trabalho num piso distinto daquele onde se realizou o trabalho para o qual deu instruções, nem que a vítima decidisse executar tal trabalho - que não era um trabalho urgente - da forma como o fez, pois tal trabalho já havia sido executado em outros pisos com o poço do elevador montado e sem risco de queda em altura;

14. Não sendo, aquele, um trabalho urgente, podia ser realizado quando o elevador já estivesse montado.

15. A recorrente não podia adivinhar que a vítima iria utilizar um escadote com 90 cm, colocando-se assim acima dos guarda-corpos que se encontravam instalados para prevenir o risco de queda no poço do elevador, tornando-os inoperantes.

16. Não pode exigir-se à recorrente que, para além das medidas de segurança que tinha instalado, tivesse também as necessárias e adequadas à prevenção do risco de queda na execução daquele trabalho da forma como o mesmo foi executado;

17. Pois não só não estava prevista a execução daquele trabalho naquele dia, como nada fazia prever que a vítima o executasse daquela forma.

18. Não pode, assim, ser assacada à recorrente qualquer responsabilidade na não observação das regras de segurança no trabalho, como bem decidiu a Sr.ª Juíza do Tribunal de 1.ª instância.

19. Com o devido respeito, não pode subsumir-se o acidente objeto dos presentes autos no disposto nos artigos 30.º, 35.º e 36.º, do Decreto-Lei n.º 50/2005, para concluir que a recorrente não observou as necessárias regras de segurança.

20. Resulta da factualidade assente que, quando executara anteriormente aquele trabalho em outros pisos, o sinistrado fizera-o com o elevador montado, o qual, naturalmente, tapava o poço do elevador e servia de plataforma, não necessitando assim o trabalhador nem de utilizar o arnês de segurança, nem de guarda-corpos, pois não havia qualquer risco de queda em altura.

21. Não pode, pois, aceitar-se uma condenação por se entender que não observou as necessárias regras de segurança em virtude do comprimento do cabo do arnês não abarcar a distância até ao cabo do elevador e de os guarda-corpos instalados não serem aptos a proteger a queda de um trabalhador que, inusitadamente, decide instalar-se sobre um escadote de 90cm.

22. O trabalho que o sinistrado decidiu executar não era urgente face à planificação global dos trabalhos e da gestão das equipas, peio que não tinha, nem devia ter escolhido esse trabalho para executar naquele dia, pois bem sabia que não estando o elevador montado não dispunha das condições necessárias para o executar com segurança e muito menos da forma como decidiu fazê-lo.

23. A recorrente tinha instalados os meios de segurança adequados à realização do trabalho previsto para o dia em que ocorreu o acidente.

24. A recorrente proporcionava aos seus trabalhadores formação na área da segurança no trabalho, tendo inclusive a vítima frequentado uma ação de formação sobre higiene e segurança no trabalho que tinha por objetivo principal a sensibilização para os riscos inerentes à atividade de montagem de elevadores, conforme resultou provado.

            25. Não foi a recorrente quem ordenou aos trabalhadores que realizassem o trabalho naquele dia e naquelas condições, nem foi a recorrente que escolheu a forma e os equipamentos que a infortunada vítima decidiu usar.

26. Não houve, portanto, inobservância por parte da recorrente das normas sobre segurança no trabalho, ocorrendo errónea interpretação e aplicação ao caso concreto do disposto no art.º 281.º, n.º 2 e 3, do Código do Trabalho e dos artigos 3.º, alíneas a) e b), 30.º, 36.º e 37.º, do Decreto-Lei n° 50/2005, de 25 de fevereiro, na decisão do douto acórdão recorrido.

27. No Tribunal de 1.ª instância, considerou a Sr.ª Juíza, fundamentando a douta sentença que “teremos de concluir que o acidente ocorreu por violação de regras de segurança, sem causa justificativa, por parte do sinistrado, e nestes termos o empregador não tem de reparar os danos decorrentes deste acidente. (...)"

28. Com todo o respeito pela posição tomada no douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, considera a recorrente que é este o correto entendimento quanto à questão sub judice.

29. Considerando a factualidade assente, a iniciativa e a decisão de efetuar o trabalho de retificação da parte da verga da porta do elevador foi dos trabalhadores, designadamente do sinistrado, e não da entidade empregadora, não sendo o serviço em causa previsto para aquele dia e não se tratava de um trabalho urgente, isto é, poderia, sem inconveniente, ser realizado noutro dia.

30. Deste modo, poderia o sinistrado ter efetuado aquele trabalho, como, aliás, já havia feito noutras ocasiões, em perfeitas condições de segurança (em cima do teto do elevador), quando o elevador estivesse montado.

31. Contudo, o trabalhador malogrado optou por utilizar um escadote (com 90 cm de altura), tornando ineficazes os meios de proteção que estavam instalados (guarda corpos colocados a 45 e 90 cm), colocando-se voluntariamente em risco de queda pela caixa do elevador.

32. Acresce que o sinistrado, sabendo que tinha de usar cinto com arnês para ter segurança no trabalho que estava a efetuar e considerando que no local existia um arnês que se encontrava montado próximo, devia tê-lo deslocado de modo a poder usá-lo nessa operação, a fim de garantir a sua segurança individual - o que não fez.

33. Verifica-se, pois, que o sinistrado, não só agiu sem qualquer instrução da empregadora, ultrapassando o plano de trabalhos estabelecido, como (citando a douta sentença) “desrespeitou regras de segurança que conhecia e que são óbvias para um trabalhador comum" (...) violando manifestamente normas legais de segurança, “sem qualquer causa justificativa já que o trabalhador conhecia as regras, tanto que dias antes tinha tido uma formação sobre os riscos das montagens de elevadores” e porque o trabalho não era urgente.

34. Considera-se no douto acórdão recorrido que “não tendo a recorrida logrado provar factos que de uma forma ou de outra importassem a descaracterização do acidente de trabalho sofrido pela vítima, importa concluir-se que não podia a douta sentença recorrida apontar para esse sentido. (...)”.

35. Também este segmento da fundamentação não tem a concordância da recorrente.

36. Desde logo, com todo o respeito, não aceita a recorrente como correta a afirmação de que o acidente se ficou a dever “sobretudo, à ausência de implantação no local, pela recorrida empregadora, das legalmente necessárias medidas de segurança”.

37. Como acima se referiu (e resulta dos factos tidos por provados pelas instâncias), a entidade empregadora tinha colocado no local todos os meios de segurança necessários à prevenção de acidentes - concretamente destinados a evitar quedas no poço do elevador.

38. Resulta claro que o sinistrado atuou com negligência, grosseira, uma vez que estava munido dos conhecimentos técnicos (havia frequentado ação de formação dois dias antes do acidente) sobre segurança no trabalho que estava a realizar e não era a primeira vez que efetuava a retificação da parte da verga da porta, já tendo, portanto, realizado aquele trabalho de outra forma, sem risco de queda em altura.

39. Por outro lado, não se verifica outra causa que possa ter determinado o acidente que não seja o modo de atuação negligente do sinistrado.

40. Ocorre, por conseguinte, com todo o respeito por diverso entendimento, errónea interpretação e aplicação das disposições do art.º 14.º, n.º 1, alíneas a) e b), da Lei n.º 98/2009, na decisão do douto acórdão recorrido.

41. Para além da apreciação da exclusão da responsabilidade pela recorrente, e mesmo que assim se não venha a entender, haverá que colocar outra questão: o agravamento da responsabilidade.

42. Estamos, nesta parte, no âmbito de aplicação das disposições do art.º 18.º, da Lei n.º 98/2009.

43. Depende, assim, o agravamento da responsabilidade do empregador de ter o acidente sido provocado por este, por seu representante ou entidade por ele contratada e por empresa utilizadora de mão-

-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho.

 44. Deste modo, o primeiro passo a dar nesta averiguação é determinar sobre quem impende o ónus da prova dos factos que permitem declarar o agravamento da responsabilidade.

45. Neste caso, como se afirma no douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/11/2010, “O ónus da prova dos factos suscetíveis de agravar a responsabilidade do empregador recai sobre quem dela tirar proveito, sejam os beneficiários do direito reparatório, sejam as instituições seguradoras que pretendem ver desonerada a sua responsabilidade infortunística.”

46. Com todo o respeito por diverso entendimento, não podemos considerar que dos factos provados resulte com suficiência demonstrado que o acidente resultou de falta de observação, pela entidade empregadora, das regras sobre segurança no trabalho.

47. Por outra parte, ficou demonstrado que não existe relação causal (nexo de causalidade adequada) entre o acidente e a inexistência dos "meios de proteção necessários e adequados à execução" da retificação da parte da verga da porta do elevador.

48. Relembra-se que, além do mais, se encontravam instalados no local os meios de proteção necessários a prevenir os riscos da atividade que a entidade empregadora previa ser executada na data e local em que o sinistro ocorreu e que o serviço que o sinistrado se encontrava a realizar não estava previsto para essa altura, tendo a sua execução sido da iniciativa dos trabalhadores.

49. O modo utilizado pelo acidentado - colocar-se em cima de um escadote sem usar, como devia, o cinto com arnês que podia ter deslocado para o local - foi por ele escolhido, não só tendo consciência do risco, como já antes tinha executado as mesmas tarefas utilizando meios seguros.

50. Acresce ter em conta que, apesar de não estar instalado naquele local em concreto, a entidade empregadora dispunha na obra de todos os meios de segurança necessários aos trabalhos que ia executando, designadamente um cinto com arnês, que o sinistrado podia ter deslocado para o local de modo a usá-lo naquela tarefa.

51. Considerando, portanto, os factos e as circunstâncias do caso concreto, considera a recorrente que, com o devido respeito, incorreu, também, o douto acórdão recorrido em errónea aplicação das disposições do art.º 18.º, da Lei 98/2009.

As A.A. contra-alegaram, tendo formulado as seguintes conclusões:

1. A apresentação do recurso e das respetivas alegações pela Recorrente FF, em 18/03/16 é de todo extemporâneo, já que o prazo havia terminado no dia 14/03/16, pelo que deve ser liminarmente rejeitado, em face da verificada caducidade.

2. Não merece qualquer censura o douto acórdão da Relação, quando nele se decidiu que a Ré empregadora, não tinha instalados os meios de segurança necessários a prevenir quedas em altura. E que era ela e não à vítima que tal competia fazer, não restam dúvidas de qualquer espécie, atendendo ao disposto nos artigos 281.º/2 e 3, do Código do Trabalho e 3.º, alíneas a) e b) Decreto-Lei n.º 50/2005 de 25/02.

3. Antes de mais, saliente-se que para a decisão da matéria de facto, foi tido em consideração, o inquérito sumário do acidente de trabalho elaborado pela Autoridade para as Condições do Trabalho, junto a fls. 50 a 58 dos autos principais, assim como o relatório final desta entidade, junto a fls. 96 a 298, instrumento, sobre o qual, se deu como provado que não foi nomeado coordenador de segurança, nem elaborado plano de segurança e saúde em obra -PSS- (resposta quesito 20.º)

4. Do inquérito e no relatório final da Autoridade para as Condições do Trabalho, junto a fls. 96 a 298 dos autos principais, constatou-se que existiam as proteções coletivas previstas na legislação para trabalhos realizados ao nível do patamar do piso, uma vez que existiam guarda corpos a 45 cm e a 90 cm para prevenir o risco de queda em altura pela caixa dos elevadores (vide relatório da Autoridade para as Condições do Trabalho a fls. 96/108).

5. Todavia, subindo a realização dos trabalhos para um nível superior, por ex. um nível de 90 cm, como terá sido o caso, se utilizado um escadote, como no caso em apreço, as proteções existentes deixam de ter o seu efeito, e o trabalhador nesse caso fica sem proteção face ao risco de queda em altura.

6.Pelo que, não se pode concluir que existisse assim, uma proteção na própria caixa do elevador, a uma altura superior, isto é, guarda-corpos a nível de 90 cm do novo nível de trabalho.

Segundo a Autoridade para as Condições do Trabalho o elevador teria ainda que estar montado, tendo-se verificado que o mesmo já havia sido removido.

Deveria ter sido utilizada uma plataforma de trabalho, com os devidos elementos de proteção e devida estabilidade, o que também era inexistente. Ou em última opção proteção individual, tipo arnês de segurança, devidamente ligado a uma linha vida. Nenhumas destas condições de segurança se encontravam asseguradas.

7. Aliás, da inspeção realizada pela Autoridade para as Condições do Trabalho, concluiu-se pela existência das seguintes infrações:

I. Utilização de um equipamento não adequado, art.º 3.º, alínea a) e c), conjugado com o art.º 36.º/7, ambos do Decreto-Lei n.º 50/05, de 25/02 e com o art.º 11.º e 12.º da Portaria n.º 101/96 de 03/04, aplicáveis por força do art.º 29.º do Decreto-Lei n.º 273/03 de 29/10, constituída por uma contraordenação muito grave nos termos do art.º 43.º/1 do Decreto-Lei n.º 50/05, de 25/02, da responsabilidade da empresa EE, Lda.

II. Não nomeação de coordenador de segurança, art.º 9.º/2 Decreto-Lei n.º 273/03, de 29/10, constituída como contraordenação muito grave nos termos, da alínea a) do n.º 3 do art.º 25.º do mesmo diploma, da responsabilidade da empresa Hotel HH, SA.

8. Do relatório da Autoridade para as Condições do Trabalho, resulta que, foram suspensos imediatamente os trabalhos, sendo que uma das medidas, relacionadas com eventuais causas que poderão ter concorrido para a ocorrência do acidente, uma vez que não estavam garantidas as devidas proteção contra o risco de queda em altura, na execução desse trabalho específico, quer coletivas, quer individuais.

9. Acresce que, intervenção efetuada pelo sinistrado nesse piso, já havia sido efetuada, noutros pisos, e ainda, havia necessidade de a efetuar, noutros tanto, como constatou a ACT, pelo que mantinha-se a necessidade de estarem asseguradas todas as condições de segurança na obra, as quais por se mostrarem inexistentes, foi ordenada a suspensão imediata dos trabalhos.

10. E só foram retomados, após apresentação de um plano segurança e saúde e da nomeação de um coordenador de segurança.

11. Felizmente para todos aqueles trabalhadores que lá continuaram a trabalhar, e infelizmente para o sinistrado, que acabou por falecer, em face da inexistência de condições de segurança de trabalho.

12. Pelo coordenador de segurança entretanto nomeado após o falecimento do sinistrado, veio a ser apresentado no plano de medidas corretivas, conforme resulta do relatório da Autoridade para as Condições do Trabalho, que salientamos:

“2.2.1 Foram efetuadas as correções dos guarda corpos de forma a garantir a sua resistência;

2.2.2 Entretanto, está estabelecido com a entidade executante, que todos os trabalhos a executar na moldura do vão da caixa dos elevadores, só poderão ser efetuados com a utilização de uma plataforma de trabalho com proteção coletiva integrada (sistema de guarda corpos), que será um andaime, de modelo homologado...em anexo.

Complementarmente, os trabalhadores que utilizarem andaime, para a execução daqueles trabalhos, estarão obrigatoriamente equipados com arnês de segurança ancorado ao andaime” (cfr. doc. de fls. 170/186)

13. Ora, tais medidas de segurança impostas após o sinistro pela inspeção da Autoridade para as Condições do Trabalho, não se verificavam à data do acidente, que acabou por provocar a morte ao sinistrado.

14. À entidade patronal cabia assegurar as condições de segurança de trabalho dos seus trabalhadores, aqui incluindo o sinistrado, o que não se registou, pelo que bem andou o Tribunal da Relação ao entender e bem que não estavam reunidas pela entidade patronal, as condições de segurança em obra.

 15. O local de trabalho abarcava também o poço de elevador no 7.º piso, pois os trabalhos aqui previstos faziam parte da planificação geral da obra e a segurança exige-se desde o seu começo, até ao seu terminus, em todas as suas fases e plataformas.

16. Portanto, bem andou o Tribunal da Relação, quando na sua decisão invocou que a decisão da 1.ª instância padecia de “um vício de raciocínio, na medida em que se considerou que o acidente ocorreu no local de trabalho da vítima e que o mesmo consistiu numa queda em altura no poço do elevador no 7.º piso, não pode pois, depois para afastar a responsabilidade da Ré empregadora, bastar-se afirmar que esta dispunha de todas as medidas de segurança no local planeado para a realização dos trabalhos naquele dia, a saber, o piso da casa das máquinas do elevador no 11.º andar. É o que local de trabalho não se cingia a isso e abarcava, também, no que ao caso interessa, também o poço do elevador, no 7.º piso, precisamente onde se deu o sinistro. Diz ainda o Relator que relevaria saber, também, se em todo o local de trabalho da vitima, a empregadora observara e implementara ou não as medidas de segurança exigidas pela especificidade do trabalho a prestar, nisso se incluindo, portanto, o local onde o acidente se deu e não apenas o 11.º piso, local, especificamente indicado para a vítima e outros trabalhadores realizarem determinado serviço.”

17. Já vimos que ficou provado, em sede de 1.ª instância, resultando do relatório da Autoridade para as Condições do Trabalho, que não estavam reunidas as condições de segurança em obra, nos demais pisos, onde havia necessidade de realizar trabalhos idênticos, ao realizado pelo sinistrado e nessa medida, foi a obra suspensa, até que estivesse implementado um plano de segurança e saúde inexistente à data) a nomeação de um coordenador de segurança (inexistente à data) e implementadas todas as medidas de segurança em obra exigidas pela Autoridade para as Condições do Trabalho (inexistentes à data), só depois de verificados estes requisitos cumulativos, foi levantada a suspensão e retomados os trabalhos na obra.

18. O que se deu por provado foi que pese embora existissem proteções coletivas na caixa do elevador, com duplo guarda-corpos e guarda-cabeças, estas estavam colocadas por forma a proteger os trabalhadores que desenvolviam a atividade no solo. Encontrando-se o sinistrado a uma altura muito superior, encontrava-se totalmente desprotegido e exposto ao risco iminente de queda em altura para o interior da caixa de elevador, à beira da qual estava posicionado, a executar os trabalhos.

19. O sinistrado não tinha assim equipamento adequado, a nível da sua segurança no trabalho e também, não tinha proteção individual, pois mesmo que quisesse utilizar, esta era de todo inoperante, já que, se detetou que existia um arnês de segurança, mas este encontrava-se colocado na caixa de elevadores existente ao lado, e que era de reduzido cumprimento, que não daria para trabalhar na zona de trabalho de onde o sinistrado se encontrava a laborar.

As dimensões do arnês, apenas dariam para trabalhar na caixa de elevadores onde estava colocado.

20. Mais, veio a verificar-se também, que o arnês nem sequer se encontrava ligado a uma linha vida, como se exige.

21. Aliás, na fundamentação da matéria de facto provado, a Sr.ª Juíza na 1.ª instância, refere que:

- JJ, colega de trabalho do sinistrado, que o acompanhava na altura do acidente afirmou que o martelo usado pelo sinistrado era o adequado ao trabalho realizado e que o autor não usava arnês. Mais, disse que existia um arnês montado noutra caixa de elevador mas que não podia ser usado pelo sinistrado porque “o arnês não tinha alcance” (Razão pela qual se respondeu ao facto 13.º nos termos em que se fez)

(…)

KK, inspetor da Autoridade para as Condições do Trabalho, que se deslocou ao local do acidente de trabalho, confirmou o teor do relatório elaborado pela Autoridade para as Condições do Trabalho e os factos que percecionou e que constam do mesmo, nomeadamente, falta de nomeação de coordenador de segurança em obra e falta de Plano de Segurança e Saúde para a Execução da Obra.

Com especial relevância afirmou que existia de facto um arnês em obra mas que o mesmo não tinha cumprimento suficiente para poder ser utilizado pelo sinistrado. Sendo que, em qualquer caso, a utilização do mesmo pelo sinistrado sempre implicava a instalação de uma linha de vida no local onde se desenvolveu a tarefa que o mesmo levava a efeito aquando do sinistro. Linha de vida que inexistia no local.

(...)

22. A Sr.ª Juíza da 1.ª instância, termina a sua fundamentação da matéria de facto provada, dizendo que:

(-)

“Indiscutível é ainda o facto de apesar de existir arnês na obra, o mesmo não podia ter sido utilizado pelo sinistrado dado que o cumprimento do mesmo não o permitia como, também, inexistia linha de vida instalada perto do local onde o sinistrado desenvolvia a sua tarefa.

Como resultou claro do depoimento das testemunhas JJ e KK.

23. Portanto, mesmo que o trabalhador quisesse fazer uso do arnês, o mesmo era inoperante, não só porque não se encontrava colocado junto ao elevador em questão, era de reduzido tamanho, como nem sequer se encontrava ligado a uma linha vida, facto último que foi dada extrema relevância que foi apurado em sede de julgamento.

 24. Portanto jamais se pode aceitar que a Recorrida venha, em sede de recurso, pugnar que estavam verificadas as condições de segurança em obra por parte da entidade patronal, quando as mesmas eram de todo inexistentes e inoperantes.

25. E não se diga que o trabalho a executar pelo trabalhador não estava programado, pois que não é verdade, estava numa linha contínua da empreitada que estava em curso, trabalho esse que apenas foi interrompido, isso sim, pela necessidade urgente de proceder a trabalhos no 11.º piso na casa das máquinas, determinado para esse dia. Pois caso não fosse destinado esse trabalho para esse dia, seguir-se-ia os trabalhos de regularização das demais vergas das portas dos elevadores, nos pisos inferiores, os quais o sinistrado estava habituado a fazer.

26. Foi esse facto que ficou provado, na medida em que tendo “terminado os trabalhos destinados nesse dia, mais cedo, resolveram ir adiantar outro serviço, não destinado para esse dia, mas que já haviam realizado noutros pisos e que sabiam teria que ser realizado, num procedimento que, como a testemunha JJ afirmou em tribunal, era habitual”, conforme resulta da fundamentação da matéria de facto.

27. Do depoimento de LL, encarregado da obra e irmão do sinistrado, que consta da transcrição da matéria de facto provada, apurou-se que: - " (...) confirmou a reunião havida nessa manhã com os trabalhadores que se deslocaram ao Hotel HH, entre os quais se encontrava o seu irmão para realização da limpeza da casa das máquinas que a pedido da GG teve que ser realizada com urgência. Razão pela qual foi realizada a um sábado. Apesar de não ter acompanhado os trabalhos no dia do acidente esclareceu os moldes como os trabalhos que o irmão efetuava aquando do acidente vinham sendo feitos, nomeadamente, em cima do elevador velho. Afirmando, que depois do elevador ter sido desmantelado, como sucedia no dia do acidente, impunha-se a existência de andaimes. Facto, esse, afirmado, também, pelas testemunhas JJ e MM. Esclareceu, ainda, que o facto do sinistrado e o colega JJ se terem proposto fazer outros trabalhos que não os destinados para esse dia era normal dado que haviam terminado mais cedo e se tratavam de trabalhos já iniciados e que tinham de terminar, o que os mesmos sabiam. Facto, também, confirmado pela testemunha JJ.

28. Em bom rigor, se houve trabalhos que não estavam previstos para esse dia, nos termos da calendarização da obra, foram os determinados pela entidade patronal, que em face da exigência da GG, houve necessidade de proceder ao alisamento na casa das máquinas, como referiu a supra referida testemunha, caso contrário, seguir-se-ia, o plano de trabalhos normal, que era a regularização das vergas das portas dos elevadores nos outros pisos, que o sinistrado vinha levando a cabo.

29. Aliás do Relatório da Autoridade para as Condições do Trabalho também resulta que os trabalhos executados nesse dia pelo sinistrado estavam numa linha de continuidade e da falta de segurança em obra, que se registava, veja-se a fls. 57:

" (...) Tal suspensão não abrangeu apenas o piso 7, de onde caiu o trabalhador, mas também nos pisos inferiores, já que na visita efetuada verificou-se existir em alguns, a necessidade a necessidade de efetuar ainda essa intervenção. Nos pisos superiores essa intervenção já tinha sido efetuada. Tal suspensão baseou-se no facto de não estarem garantidas as devidas proteções contra o risco de queda em altura, na execução desse trabalho específico, quer coletivas quer individuais. Refira-se que para os trabalhos ao nível do patamar essas proteções existiam (existiam guarda corpos na caixa dos elevadores), mas para se trabalhar a um nível superior ao patamar (como aconteceu com o eventual uso do escadote), essas proteções não estavam aplicadas.”

30. Quer isto dizer, que, com efeito, incumbido um trabalhador de realizar tarefas laborais, o mesmo tem sempre uma autonomia técnica de as realizar, atenta a sua competência e experiência profissional, face ao objetivo/resultado que lhe é fixado pelo empregador. E como trabalhador, empenhado, conforme também resulta da matéria provada, não deixou trabalho por fazer e “pôs mãos à obra”, o que nunca se poderia ter registado, isso sim, era a remoção dos elevadores, encontrando-se na obra ainda em curso, a necessidade de dar continuidade, aos referidos trabalhos, e que segundo a Autoridade para as Condições do Trabalho, o elevador teria ainda que estar montado, tendo-se verificado, que o mesmo já havia sido removido.

31.Deveria ter sido utilizada uma plataforma de trabalho, com os devidos elementos de proteção e devida estabilidade, o que também era inexistente. Ou em última opção proteção individual, tipo arnês de segurança devidamente ligado a uma linha vida, o que também não se registava.

32. Pelo que era à Recorrente que cabia assegurar as condições de segurança de trabalho dos seus trabalhadores, aqui incluindo o sinistrado. Pelo que não podemos aceitar, que estavam reunidas as condições de segurança em obra e que o sinistro ocorreu antes sim por culpa do trabalhador.

33. Quanto às ações de formação que a Recorrente invoca ter frequentado o sinistrado e para os riscos em obra estar desperto, sempre se dirá a esse propósito que consta do relatório da Autoridade para as Condições do Trabalho, junto a fls.. dos autos, no qual e no âmbito da atividade inspetiva, se apurou que: -“Das fichas de procedimento de segurança, a Ré não concretiza em pormenor cada fase dos trabalhos e respetivas medidas de prevenção, não referindo em concreto, qualquer fase de demolição de estrutura. Refere ainda uma ficha de prevenção H 10, que salvo melhor análise, não se encontra nas fichas de procedimento" Vide fls. 102 do Relatório.

34. Quer isto dizer, que não se pode excluir a nosso ver a responsabilidade da empregadora, por assegurar ações de formação aos seus trabalhadores, em abstrato, se depois, nos seus procedimentos internos, não concretiza as medidas de prevenção, nomeadamente nos casos de demolição de estrutura, que devem ser cumpridos pelos mesmos.

35. E muito menos descuidar em obra, as medidas de segurança exigidas, não as vigiando, quando bem sabia, que os trabalhadores, estavam numa linha contínua de trabalhos, em que o risco de queda em altura está eminente, atenta a especificidades dos trabalhos da empreitada em curso.

36. Acresce que, foi constatado pela Autoridade para as Condições do Trabalho, e foi dado por provado, que não existia Plano de Segurança e Saúde em fase de projeto e em obra, o qual atento o disposto no art.º 5.°/4 do Decreto-Lei n.º 273/03, é obrigatório em obras sujeitas a projeto que envolvam trabalhos que impliquem riscos especiais, como a obra em apreço.

37. Acresce que, resulta do relatório da Autoridade para as Condições do Trabalho que, a obra no seu conjunto, envolveria um total de mais de 500 dias de trabalho, pois que a duração total da obra estava prevista entre 26/11/09 e 15/05/10, sendo que no período compreendido entre 18/01/10 e 20.03.10 foram utilizados 106 dias de trabalho.

38. Aliás diga-se que os trabalhos depois de suspensos pela Autoridade para as Condições do Trabalho, só foram retomados, depois de oferecido e cumprido a entrega do Plano de Segurança e Saúde, nos termos exigidos, supra enunciados.

39. Em relação à falta de plano de segurança para a fase de execução da obra em curso e à omissão do dever de informar e esclarecer os trabalhadores, incluindo o sinistrado, sobre os comportamentos a adotar e as regras de segurança a observar na execução dos trabalhos que desenvolviam, está provada a inobservância, pela entidade empregadora, do disposto nos artigos 273.º, n.º 2, alíneas a), b), n) e o), do Código do Trabalho de 2003, art.º 5.º, números 1 a 4, e 22.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 273/2003, e art.º 8.º, números 1 e 2, alínea d), do Decreto-Lei n.º 50/2005.

40. Com efeito, nos termos daqueles preceitos, o empregador (executante da obra) deve desenvolver e especificar o plano de segurança para a fase da execução da obra, sendo o mesmo obrigatório para obras que envolvam trabalhos que exponham os trabalhadores a risco de queda em altura, particularmente agravados pela natureza da atividade ou dos meios utilizados, comunicar aos trabalhadores o plano de segurança e saúde ou as fichas de procedimento de segurança, no que diz respeito aos trabalhos por si executados, e fazer cumprir as suas especificações, e, ainda, prestar informação adequada sobre os equipamentos de trabalho utilizados, o que não se registou por parte da empregadora.

41.Também ficou provado, que não existia coordenador de segurança em obra, o que se impunha, pois o mesmo é obrigatório sempre que na obra “intervierem duas ou mais empresas, incluindo a entidade executante e subempreiteiros”, como in caso e conforme referido no relatório pela Autoridade para as Condições do Trabalho.

42. Pelo que não poderá deixar de ser entendido, que a Recorrente não assegurou com quem contratou, nem vigiou as condições de segurança e saúde dos seus trabalhadores em obra, em face da falta de verificação da inexistência de um Plano de Segurança e Saúde, quer fase de projeto, quer em fase da sua execução, assim como pela falta de nomeação de um coordenador de segurança, ao qual se impunha a verificação e vigilância dessas mesmas condições, em toda a obra.

43. Provando-se a falta de um plano de segurança para a fase de execução da obra em curso e a omissão do dever de informar e esclarecer os trabalhadores, incluindo o sinistrado, sobre os comportamentos a adotar e as regras de segurança a observar na execução dos trabalhos que desenvolviam, impõe-se concluir que a entidade empregadora violou o disposto nos artigos 273.º, n.º 2, alíneas a), b), n) e o), do Código do Trabalho de 2003, art.º 5.º, números 1 a 4, e 22.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de outubro, e art.º 8.º, números 1 e 2, alínea d), do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de fevereiro.

44. Tentar menosprezar, a falta destas medidas de prevenção e segurança e pretender imputar ao trabalhador sinistrado, a responsabilidade pelo acidente que o vitimou, já que estava desperto, porque lhe havia sido ministrado ações de formação, é o entendimento que não tem qualquer sustentabilidade e peca por defeito, por incongruente e até nos afigura um abuso de direito na modalidade do "venire contra factum proprium".

45. Outro facto que não pode ser menosprezado é o chefe de equipa, não ter proibido o trabalhador sinistrado de executar os trabalhos a que se propôs, atenta a responsabilidade hierárquica que sobre ele exercia.

46. Na Primeira instância, a Sr.ª Juíza, entendeu tratar-se de um facto relevante e decidiu interromper a 1.ª sessão de julgamento, ampliando a matéria de facto, incluindo esse facto, o qual se veio a dar por provado, tendo na sua fundamentação alegado in fine, para o efeito que : “ (...) Não menosprezável é ainda o facto do seu colega de trabalho e naquele dia chefe de equipa que se encontrava junto ao mesmo não ter, também, refletido, quanto ao risco existente. Como o indicia o facto de o mesmo, com afirmou, nada ter dito ao sinistrado quando o viu subir em cima do escadote e desenvolver a tarefa que se propunha fazer".

 47. Se houve alteração ao plano, não ficou provado, que fosse por ordem do chefe de equipa, mas também daí não pode concluir o facto contrário, isto é, que o sinistrado não realizou tal tarefa por sugestão do chefe de equipa e também ficou provado, pelo depoimento deste, que nada disse ao sinistrado, para o impedir da realização do trabalho, nos termos em que o fez.

48. Não podemos deixar de citar, Carlos Alegre, quanto a esta temática:

"Toda a pessoa física, constituinte dos órgãos de direção da pessoa coletiva - entidade patronal, enquanto age em nome desta, é seu representante, o que pode constituir um conceito de representação mais alargado do que o previsto no artigo 163.º do Código Civil.

Todavia, afigura-se-nos que o conceito de representante da entidade patronal - seja ela, agora, pessoa individual ou coletiva - pode ser alargado a outras pessoas físicas que, de algum modo, atuem em representação daquela entidade seja porque detém um mandato específico para tanto, seja porque age sob as ordens diretas da entidade patronal, como é o caso de qualquer pessoa colocada na escala hierárquico-laboral de uma empresa”.

49. Quanto à descaracterização do acidente e à culpa que a Recorrente quer imputar ao sinistrado, sempre se dirá que mesmo que se considere que o sinistrado agiu com negligência, era essencial que esse facto, em concreto fosse causa necessária, única e exclusiva do acidente, o que jamais se aceita, pois não parece haver nexo causal entre o facto de o sinistrado ter utilizado o escadote e a queda do mesmo no poço do elevador.

50. Antes de mais, o escadote é uma estrutura instável, dada a sua altura e leveza e configuração, dado que os pés não têm mais peso que o resto da estrutura, o seu utente deve manter os dois pés no escadote e apoiar-se com uma mão, e deve estar colocado de frente para o escadote, e este de frente para o objeto ou superfície que se pretende alcançar. Quando se sobe um escadote, no momento em que um pé sai dum degrau e avança para o superior, o peso exercido pelo outro pé no escadote desestabiliza-o, e por isso se sobe com o apoio da mão correspondente ao pé que sobe. Quanto mais alto se está num escadote mais desequilibrado ele fica, a menos que o peso do utente esteja centrado e se estenda ao chão, por intermédio dos quatro apoios do escadote. Quando se está de frente num escadote, os pés apoiam no degrau e o peso do corpo inclina-se para o centro de gravidade do próprio escadote, acontecendo normalmente que, sentindo-se o escadote menos estável por força de movimento que se esteja a fazer, se coloquem os joelhos para a frente, encostando-os ao escadote.

51.Todavia, este desequilíbrio pode ter múltiplas causas imediatas, nomeadamente, a falta de estabilidade do escadote utilizado, mas a verdade é que não se fez prova das razões pelas quais o mesmo ocorreu. O acidente pode ter acontecido por o trabalhador/sinistrado ter escorregado, ter-se desequilibrado, ter tropeçado, ter desmaiado, perdido sentidos, ou ter-se desorientado espaço-temporalmente.

 52. Da matéria de facto dada por provada, não se conseguiu apurar o motivo da queda do sinistrado. Atenda-se a que o sinistrado começou a execução das tarefas em causa sem qualquer percalço, e só caiu na sequência do desequilíbrio sofrido.

Deste modo, se não tivesse ocorrido a situação de desequilíbrio do sinistrado este não teria sofrido qualquer queda e para este desequilíbrio podem ter contribuído um complexo variado de condições que concretamente não se mostram identificadas.

Não esclarecida a causa determinante da queda, não pode afirmar-se que a atuação concreta levada a cabo pelo sinistrado foi a causa da mesma e do acidente mortal sofrido pelo sinistrado.

53. Acresce que a lei exige que a conduta integrativa da negligência grosseira seja causa exclusiva do acidente, o que no caso dos autos não pode deduzir-se da simples utilização do escadote, nas condições em que o mesmo foi utilizado.

54. Por outro lado, a conduta do sinistrado ao utilizar um escadote, desconhecendo-se se encontrava em mau estado de conservação, sem estabilidade e sem o apoio de terceira pessoa, não assume a natureza de um comportamento temerário em alto e elevado grau que permita falar-se em negligência grosseira.

55. Pode, pois, concluir-se que a matéria de facto dada como provada não permite qualificar a conduta do sinistrado ao utilizar o escadote dos autos nos termos e circunstâncias, apuradas, como integrativa de negligência grosseira causal do acidente de que o mesmo foi vítima.

De todo o modo, desconhecendo-se as circunstâncias concretas do acidente, não pode concluir-se que o seu comportamento consubstancia negligência grosseira.

56. Sem conceder, mesmo que a sua conduta pudesse - e não pode, como já afirmámos, apenas se admitindo por mera hipótese académica - ser considerada negligente, não se evidencia que tal negligência seja causa do acidente ou que seja causa única do acidente, pois este pode ter ocorrido por o trabalhador/sinistrado ter tropeçado, ter-se desequilibrado, ter escorregado ou ter perdido a consciência espaço temporal.

57. De todo o modo, tendo em conta a profissão do sinistrado e atenta a natureza dos trabalhos, sempre será de concluir que o seu comportamento consubstancia um ato resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.

58.A «habitualidade ao perigo do trabalho executado» por parte do sinistrado e da confiança na experiência profissional que é inegável em face da prova provada são elementos que delimitam, por sua vez, negativamente, a negligência grosseira, tornando-a não censurável.

 59. O acidente em apreço, não pode ser descaracterizado, porquanto dispõe o art.º 14º, n.º 1, al. b) da Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, que:

«1. O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:

b) Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;»

Da referida disposição legislativa imediatamente se podem desprender os seguintes elementos essenciais:

a) Comportamento revelador de negligência;

b) A negligência tem de ascender ao patamar de «grosseira»;

c) Tem de haver uma relação de causalidade entre o comportamento consubstanciador de negligência grosseira e o acidente;

d) A existir negligência grosseira, esta tem de ser causa única «exclusiva» da eclosão/produção do acidente.

60. Por sua vez, o n.º 3, do art.º 14.º da Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, define a negligência grosseira como sendo o comportamento temerário em alto e elevado grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou os usos da profissão.

61. Ora, da matéria de facto apurada não se pode concluir que o trabalhador/sinistrado agiu com negligência grosseira, como a Recorrente quer fazer crer.

62. Com efeito, em primeiro lugar, no caso concreto, nada permite concluir que a movimentação do trabalhador sinistrado para o local onde ocorreu a queda não tem ligação com as funções laborais que lhe foram atribuídas, já que a regularização da verga da porta do elevador, fazia parte da calendarização da obra, trabalho que apenas terá sido interrompido para fazer face a uma trabalho mais urgente nesse dia, que se prendia com o alisamento no 11.º piso.

63. Com efeito, incumbido um trabalhador de realizar tarefas laborais, o mesmo tem sempre uma autonomia técnica de as realizar, atenta a sua competência e experiência profissional, face ao objetivo/resultado que lhe é fixado pelo empregador. No caso concreto, tal autonomia é patente, pois o empregador incumbiu o trabalhador/sinistrado de realizar tarefas laborais, em função do seu saber técnico e experiência. De todo o modo, desconhecendo-se as circunstâncias concretas do acidente, não pode concluir-se que o seu comportamento consubstancia negligência grosseira.

 64. Sem conceder, mesmo que a sua conduta pudesse - e não pode, como já afirmámos, apenas se admitindo para mera hipótese académica - ser considerada de grosseiramente negligente, não se evidencia que tal negligência seja causa do acidente ou que seja causa única do acidente, pois este pode ter ocorrido por o trabalhador/sinistrado ter tropeçado, ter-se desequilibrado, do escadote, ter escorregado ou ter perdido a consciência espaço temporal.

65. De todo o modo, tendo em conta a profissão do sinistrado e atenta a natureza dos trabalhos, sempre será de concluir que o seu comportamento consubstancia ato resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.

66. Adiante-se que a descaraterização do acidente constitui matéria de exceção, cujo ónus de prova impendia sobre a seguradora (art.º 342.º, n.º 2, do Código Civil).

67. Ora, não se mostram carreados factos que permitam concluir que o acidente se ficou a dever a negligência grosseira e exclusiva do trabalhador/sinistrado, não havendo razões para se concluir que o acidente deve ser descaraterizado nos termos do art.º 14.º, n.º 1, al. b), da Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais/2009.

68. E não ocorre também qualquer razão ou fundamento para se concluir que o acidente deve ser descaraterizado nos termos do art.º 14.º, n.º º1, alínea a), da Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais/2009.

Na verdade, não existem dados objetivos que permitem dar como assente a hipótese prevista em tal normativo.

Como a Relação defende, tratou-se de um evento súbito e inesperado, que levou à morte da vítima (e não qualquer suicídio ou auto mutilação da vítima)

69. Por outro lado, também como a Relação defendeu, o sinistro, não decorreu por força de uma ato ou omissão do sinistrado, que sem causa justificativa tivesse violado as condições de segurança, estabelecidas pela Lei ou pela Empregadora, porque simplesmente, elas eram inexistentes, na verdade no relatório da Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, foi pela atividade inspetiva, constado que havia falta de segurança em obra, não só no piso onde se deu o sinistro, como nos demais, que faziam parte da planificação da obra e por tal razão, os trabalhos foram imediatamente suspensos. Pois não havia sequer um plano de segurança e saúde e não existia qualquer coordenador de segurança nomeado para a obra.

 70. E foram impostas no plano uma série de medidas corretivas, conforme resulta do relatório da Autoridade para as Condições do Trabalho, como supra enunciamos, impostas após o sinistro pela inspeção da Autoridade para as Condições do Trabalho, não se verificavam à data do acidente, que acabou por provocar a morte ao sinistrado.

71. E as mesmas tinham que se verificar em toda a obra, pois não se pode descurar as condições de segurança num dia, em que excecionalmente se decide interromper os trabalhos normais, que estavam numa linha de continuidade da empreitada que estava a ser levada a cabo e se decide ir nesse dia, fazer outros trabalhos no 11.º piso, esses sim não calendarizados e decididos apenas nesse dia.

72. As regras de segurança previstas na lei são essencialmente dirigidas ao empregador, que as deve implementar e, de todo o modo, no caso concreto não existem quaisquer dados que deixem concluir que o trabalhador tomou a opção ou decisão de não as cumprir.

73. Também não se patenteiam quaisquer elementos de facto que permitam concluir que o trabalhador/sinistrado tomou qualquer opção ou decisão de não cumprir as regras de segurança previstas pelo empregador, desconhecendo-se a razão de não o estar a ser utilizado o arnês, ligado a um ponto fixo ou a linha da vida, sendo certo que não se provou como, nesse particular, que o empregador tenha proibido o sinistrado de dar continuidade aos trabalhos em curso, regularização das vergas das portas dos elevadores, o que apenas foi interrompido pela natureza urgente dos trabalhos na casa das máquinas, a realizar nesse dia no 11.º piso.

74. De resto, como já acima se acentuou, não se evidenciando as circunstâncias concretas em que ocorreu o acidente, não pode imputar-se ao sinistrado a violação, sem causa justificativa, das condições de segurança, como a Recorrente pugna.

Não é possível estabelecer qualquer relação de causalidade entre o comportamento do sinistrado, mormente entre as regras de segurança e o acidente, desde logo porque se desconhecem as circunstâncias e o modo como o acidente se verificou

75. Ademais, sempre o seu comportamento terá no limite que consubstanciar um ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.

76. Não existem, pois, elementos de facto - e o ónus da prova competia à R. Seguradora - nem fundamento legal para descaraterizar o acidente de que o trabalhador/sinistrado foi vítima.

 77. Neste plano de consideração, a lei acolheu a figura da «negligência grosseira que corresponde a uma negligência particularmente grave, qualificada, atento, designadamente, o elevado grau de inobservância do dever objetivo de cuidado e de previsibilidade da verificação do dano ou do perigo, Trata-se de uma negligência temerária, configurando uma omissão fortemente indesculpável das precauções ou cautelas mais elementares, que deve ser apreciada em concreto, em face das condições da própria vítima e não em função de um padrão geral, abstrato, de conduta.» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/09/2011, Processo n.º 896/07.5TTVIS.C1.S1, consultável em http://www.dgsi.pt/jstj.).

«I. A negligência grosseira que a lei exige para descaracterizar o acidente de trabalho corresponde a culpa grave, pressupondo, para a sua verificação, que a conduta do agente - porque gratuita e de todo infundada - se configure como altamente reprovável, à luz do mais elementar senso comum.» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.02.2007, Processo n.º 06S3545, consultável em http://www.dgsi.pt/jstj.)

«II. Correspondendo a “negligência grosseira” à “culpa grave”, a sua verificação pressupõe que a conduta do agente porque gratuita e de todo infundada - se configure como altamente reprovável, à luz do mais elementar senso comum. IV. A “negligência grosseira” deve ser apreciada em concreto - conferindo as condições do próprio sinistrado - e não com referência a um padrão abstrato de conduta.» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/06/2010, Processo n.º 579/09.1YFLSB, consultável em http://www.dgsi.pt/jstj.).

78. Jamais a conduta do sinistrado pode ser considerada negligente, num contexto de ter adotado um comportamento temerário, gratuito e inútil, de uma imprudência inaudita, sem fundamento, e, por isso, de todo reprovável à luz do senso comum e do elementar sentido de prudência, pressupostos no paradigma do homem médio/o 'bom pai de família', na consabida aceção ética ou deontológica do bonus cives.

79. Não se apurou onde se encontrava o escadote, em que condições o mesmo se encontrava, sendo certo que resultou provado que o martelo usado pelo sinistrado era o adequado às funções que desenvolvia naquele momento.

80. Indiscutível é ainda o facto de apesar de existir arnês na obra, o mesmo não podia ter sido utilizado pelo sinistrado dado que o cumprimento do mesmo não o permitia como, também, inexistia linha de vida instalada perto do local onde o sinistrado desenvolvia a sua tarefa.

81.Não nos logramos convencer que o sinistrado tivesse tido consciência do risco que corria ao efetuar os trabalhos nos moldes apurados. Porquanto, não se olvide que se mostravam instaladas barreiras de proteção junto à porta do elevador. Não menosprezável é ainda o facto de o seu colega de trabalho e naquele dia chefe de equipa que se encontrava junto ao mesmo não ter, também, refletido, quanto ao risco existente e o dever de o ter impedido ou proibido de tal tarefa.

 82. Falhando a prova quanto ao nexo de causalidade exclusiva entre o comportamento da vítima e a ocorrência do acidente, ilidido fica o requisito do exclusivo nexo causal entre o comportamento do trabalhador e a ocorrência do acidente.

83. Pelo que por tudo o que aqui ficou dito, não pode ter lugar a descaracterização do acidente, com recurso a qualquer das alíneas previstas no art.º 14.º, da Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, por inverificadas e não provadas e desse modo legitimar a recusa às AA/ Recorridas o direito à reparação do acidente, conforme e bem a Relação veio a entender, nos termos em que o fez, fazendo uma correta interpretação e aplicação da lei, contrariamente ao que a Recorrente alega.

84. Salvo o devido respeito, não tem in casu a aplicação da jurisprudência invocada pela Recorrente, porque a mesma parte do princípio que estavam verificadas em obra as condições de segurança e terem sido violadas peio trabalhador, por negligência, sem qualquer causa justificativa, o que já vimos não se ter verificado, pelo que a Recorrente também no seu raciocínio incorre em vício de interpretação, inquinando toda sua consequente fundamentação, pois quem faz uma interpretação e aplicação errada da lei aos factos dados por provados é a Recorrente e não o Tribunal da Relação, que decidiu de forma ímpar, embora não fosse ao encontro dos desígnios da mesma e por essa razão queira colher a sua sorte junto do Supremo Tribunal de Justiça, mas cujos fundamentos, pecam por inverificados.

85. O douto acórdão da Relação, apenas enferma de um erro material, no tocante à condenação da entidade empregadora, para além do valor de € 45.000,00 arbitrado para ressarcir a perda do direito à vida da vítima, na proporção de metade para cada uma das A.A., igualmente no montante de € 18.000,00 arbitrado para cada uma das A.A., para compensação dos inevitáveis danos próprios decorrentes da circunstância de assim se verem privadas, tão novas, do convívio paterno, em conformidade com a fundamentação, que se retira do penúltimo parágrafo de fls. 55 da decisão do douto acórdão, o que se traduziu, na certa de um mero lapso de omissão, não contemplado afinal, erro que se requer que seja apreciado e corrigido no lugar próprio, compreendendo a condenação também da entidade patronal, no valor de € 18.000,00 para cada uma das autoras, num total de € 36.000,00, para compensação dos inevitáveis danos próprios.

Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso e confirmado o acórdão recorrido.

4. Nas suas conclusões a recorrente suscita as seguintes questões:

a) Saber se ocorreu da sua parte falta de observação das regras sobre segurança e saúde no trabalho;

b) Saber se o acidente de trabalho proveio de ato do trabalhador, sinistrado, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei, ou, ainda, se proveio exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado.

Cumpre apreciar o objeto do recurso interposto.

                                                           II


1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1) As Autoras AA, nascida a …/…/… e BB, nascida a …/…/…, são filhas de II;

2) O exercício das responsabilidades parentais das menores encontra-se, atualmente, confiado aos seus avós paternos, CC e DD;

3) II foi admitido ao serviço da 1.ª R. (EE, Ld.ª) em 01/03/2005, mantendo-se ao seu serviço até 20/03/2010.

4) O mesmo tinha a categoria profissional de pintor, que mantinha à data do acidente;

5) Auferia, em 20/03/2010, a retribuição anual de € 9.835,06 (€ 600,00 x 14 + € 5,93 x 242);

6) A responsabilidade pela reparação das consequências do acidente encontrava-se, transferida da 1.ª R., para a 2.ª R. mediante seguro de acidente de trabalho titulado pela apólice n.º 2567684, pela retribuição anual de € 8.400,00 (€ 600,00 x 14);

7) II, no dia 20/03/2010, trabalhou "sob as ordens, direção e fiscalização da 1.ª Ré";

8) Cerca das 15,30 horas, numa obra de construção civil do Room - Service do Hotel HH, sita na Rua …, …, em Lisboa, II estava a proceder a trabalhos de retificação da parte da verga da porta do elevador ao nível do 7.º piso, em cima de um escadote, com cerca de 90 cm, quando sofreu uma queda de uma altura superior a 21 metros, para o nível inferior ao r/c, pela caixa dos elevadores;

9) Em resultado do acidente descrito, o sinistrado sofreu várias lesões traumáticas craniocerebrais, torácicas e abdominais, que resultaram de ação violenta de natureza contundente, que lhe provocaram direta e necessariamente a sua morte, nesse mesmo dia 20/03/2010;

10) No 7.º piso não estavam instalados "os meios de proteção necessários e adequados à execução" da retificação da parte da verga da porta do elevador, mas apenas guarda corpos a 45 cm e a 90 cm para prevenir o risco de queda em altura pela caixa dos elevadores, mas que apenas eram eficazes para quem estivesse a desenvolver a sua atividade no solo, o que não ocorria com o aludido II;

11) No dia 20/03/2010, o representante da ora Ré reuniu com os trabalhadores antes de os mesmos seguirem para a obra e deu-lhes as instruções necessárias para os trabalhos a realizar nesse dia: execução do trabalho de alisamento do pavimento da casa das máquinas, sita no 11.º piso e a remoção dos entulhos neles existentes;

12) Os trabalhadores concluíram os trabalhos que lhes haviam sido solicitados cerca das 14,30 horas, isto é, antes do final do horário previsto e o do seu horário de trabalho habitual;

13) Conhecendo todos eles o tipo de trabalho que se estava a realizar naquela obra (já que não só todos eles haviam integrado as equipas da ora Ré que vinham trabalhando no Hotel HH, mas também porque já haviam trabalhado em outras obras de instalação de ascensores), por sua própria iniciativa e sem para tal terem recebido instruções por parte da sua entidade empregadora, em vez de se irem embora após terminarem o trabalho planeado para aquele dia, decidiram executar alguns trabalhos que sabiam que teriam de vir a ser executados mais tarde;

14) Não era um trabalho urgente face à planificação global de todos os trabalhos a executar na obra e à necessidade de gestão das equipas;

15) Não estavam instalados os meios de proteção necessários e adequados à execução daquele trabalho com segurança;

16) Dois dos trabalhadores destacados para a obra onde ocorreu o acidente, JJ e II, o infortunado trabalhador acidentado, tinham estado dois dias antes, no dia 18 de março, numa ação de formação sobre higiene e segurança no trabalho promovida pela GG, que tinha por objetivo principal a sensibilização para os riscos inerentes à atividade de montagem de elevadores;

17) O Sinistrado encostou o escadote à porta do elevador e subiu para o mesmo;

18) O Sinistrado já tinha feito a mesma intervenção em outras vergas de portas de elevadores noutros pisos, mas com o elevador ainda montado e sem qualquer risco de queda;

19) E nesses casos sem recurso a qualquer escadote e fazendo essa tarefa em cima do teto do elevador ainda montado;

20) O falecido não usou cinto de segurança com arnês. Existia um arnês que se encontrava montado noutro local mas cujo cumprimento não chegava ao local onde se encontrava o sinistrado;

21) O sinistrado sabia que tinha de usar o cinto com o arnês para ter segurança no trabalho que estava a efetuar e evitar a queda no poço do elevador;

22) II era uma pessoa saudável, apto para o trabalho, cheio de energia, comunicativo e um bom colega;

23) Era uma pessoa alegre e bem-disposta, feliz e com grande vontade de viver;

24) Tinha a seu cargo, após separação de facto, a confiança e o "exercício das responsabilidades parentais" das menores suas filhas;

25) O falecido II era quem procedia ao pagamento de todas as despesas das autoras, já que a mãe não contribuía para as mesmas;

26) Na data do acidente, JJ era o chefe de equipa e encontrava-se junto ao sinistrado aquando da execução da tarefa e queda do mesmo;

27) Para a execução da obra não foi nomeado pela dona de obra, Hotel HH, coordenador de segurança nem elaborado plano de segurança e saúde.

O Tribunal da Relação decidiu acrescentar o seguinte facto:

O sinistrado veio a falecer com 33 anos de idade (acrescentando em nota de rodapé que o sinistrado nasceu a 26/08/1976).

2. Os presentes autos respeitam a ação emergente de acidente de trabalho ocorrido em 20/03/2010, tendo a decisão recorrida sido proferida em 17/02/2016.

Assim sendo, o regime aplicável é o seguinte:

- O Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n. os 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março, 295/2009, de 13 de outubro, que o republicou.

- O Código de Processo Civil, na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho;

- Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, aprovada pela Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.

3. A recorrente insurge-se contra o acórdão recorrido em duas vertentes, pugnando pela revogação do mesmo e pela sua absolvição dos pedidos.

a) A observação das regras sobre segurança e saúde no trabalho por parte do empregador.

Numa primeira linha, a recorrente sustenta que foram observadas as regras sobre segurança e saúde no trabalho, pelo que bem andou o Tribunal de 1ª Instância ao concluir que o empregador tinha no local previsto para os trabalhos as medidas de proteção que seriam necessárias para a realização dos trabalhos planeados e distribuídos para o dia em questão, não lhe podendo ser assacada qualquer responsabilidade na não observação das regras de segurança.

Assim, a recorrente rejeita a posição defendida no acórdão recorrido, no sentido de que não dispunha de todas as medidas de segurança no local planeado para a realização dos trabalhos para aquele dia, porque o local de trabalho abarcava, também o poço do elevador, no 7.º piso.

Acrescenta que não aceita que, face à factualidade provada, se entenda que não observou as necessárias regras de segurança, por não ter instalados os meios de segurança exigidos pela especificidade do trabalho a prestar, inclusive no local onde ocorreu o acidente.

A posição da recorrente estriba-se, factualmente, no seguinte:

- No dia que ocorreu o acidente foram dadas instruções aos trabalhadores para que executassem trabalhados ao nível do 11.º piso, na casa das máquinas, local onde não existia risco de queda em altura;

- Estavam instaladas as medidas de proteção coletiva para prevenir o risco de queda em altura pela caixa dos elevadores, os guarda-corpos a 45 cm e a 90 cm;

- Não estava prevista a execução dos trabalhos que por sua iniciativa os trabalhadores decidiram realizar no 7.º piso e muito menos da forma que o sinistrado decidiu executá-los, utilizando um escadote;

- Os trabalhos a executar no 7.º piso não eram urgentes, podendo ser realizados já com o elevador montado, sem risco de queda em altura.

A recorrente suscita, assim, uma questão muito relevante, que consiste em saber qual era o local definido para os trabalhos a realizar no dia em que ocorreu o acidente, defendendo que deu instruções no sentido de que os mesmos fossem só realizados no 11.º piso.

As recorridas, acerca desta questão, salientam que os trabalhos executados, no dia do acidente, pelo sinistrado, no 7.º piso, estavam numa linha de continuidade, faziam parte da planificação geral da obra, pelo que as condições de segurança deviam estar asseguradas desde o começo ao fim.

É pois altura de revisitar a matéria de facto, dada como provada, para se poder extrair alguma conclusão acerca desta questão.

No ponto 11.º, da matéria de facto dada como provada, refere-se que no dia do acidente, 20/03/2010, o representante do empregador reuniu com os trabalhadores, antes de os mesmos seguirem para a obra, e deu-lhes as instruções necessárias para os trabalhos a realizar nesse dia, que consistiriam na execução do alisamento do pavimento da casa das máquinas, sita no 11.º piso, e a remoção dos entulhos neles existentes.

Os trabalhadores concluíram os trabalhos que lhes haviam sido ordenados pelas 14.30 horas, antes do final do seu horário de trabalho habitual (ponto 12.º).

Conhecendo todos eles o tipo de trabalho que se estava a realizar naquela obra, já que não só todos eles haviam integrado as equipas do empregador que vinham trabalhando no Hotel HH, mas também porque já haviam trabalhado em outras obras de instalação de ascensores, por sua própria iniciativa e sem para tal terem recebido instruções por parte da sua entidade empregadora, em vez de se irem embora após terminarem o trabalho planeado para aquele dia, decidiram executar alguns trabalhos que sabiam que teriam de vir a ser executados mais tarde (ponto 13.º).

Esses trabalhos a realizar em outros pisos, incluindo no 7.º, onde ocorreu o acidente, não eram urgentes face à planificação global de todos os trabalhos a executar na obra e à necessidade de gestão das equipas (pontos 8.º e 14.º).

O acidente ocorreu pelas 15,30 horas quando o sinistrado estava a proceder a trabalhos de retificação da parte da verga da porta do elevador ao nível do 7.º piso, em cima de um escadote, com cerca de 90 cm de altura, sendo certo que na porta do elevador estavam instalados guarda-corpos a 45 cm e a 90 cm, para prevenir o risco de queda em altura pela caixa dos elevadores (pontos 8.º e 10.º).

Da factualidade referida podemos retirar que os trabalhadores da recorrente, incluindo o trabalhador sinistrado, estavam a efetuar uma intervenção numa coluna de elevadores, em vários pisos e na casa das máquinas que se situava no 11.º piso.

            A globalidade dos factos denota que se tratava de um trabalho complexo que exigia planificação dos trabalhos a executar, gestão de equipas e instalação de meios de proteção adequados à execução daquele trabalho com segurança.

O facto de se ter provado que no dia do acidente, 20/03/2010, o representante do empregador reuniu com os trabalhadores, antes de os mesmos seguirem para a obra, dando-lhes as instruções necessárias para os trabalhos a realizar nesse dia, que consistiriam na execução do alisamento do pavimento da casa das máquinas, sita no 11.º piso e a remoção dos entulhos neles existentes, denota que existia uma planificação dos trabalhos, assumida pelo empregador.

Esta planificação dos trabalhos, no caso concreto, era da maior importância, quanto aos meios de proteção necessários e adequados à execução daquele trabalho, pois o mesmo desenrolava-se em vários pisos na coluna dos elevadores.

Daí que a argumentação das recorridas, no sentido de que os trabalhos executados, no dia do acidente, pelo sinistrado, no 7.º piso, estavam numa linha de continuidade, faziam parte da planificação geral da obra, pelo que as condições de segurança deviam estar asseguradas desde o começo ao fim, não pode ser considerada determinante.

Na verdade, como alega a recorrente, e resulta do ponto 18.º matéria de facto provada, a intervenção nas vergas das portas dos elevadores podia ser executada sem qualquer risco de queda se o elevador estivesse montado, como o trabalhador sinistrado já tinha efetuado anteriormente.

Assim, temos de concluir que para a execução do referido trabalho com segurança não era necessário que as portas dos diversos pisos estivessem, ao mesmo tempo, desde o início até ao fim da obra, munidas de proteção especial contra quedas em altura, para além dos guarda-corpos.

A proteção especial tornava-se necessária apenas para a execução, com segurança, do referido trabalho de retificação da parte da verga da porta do elevador, e caso o mesmo não estivesse montado.

A iniciativa dos trabalhadores, à revelia das instruções do empregador, de executarem, no referido dia, outros trabalhos no piso 7.º, colidiu com a planificação global dos trabalhos, assumida pelo empregador, tal como resulta dos pontos 11.º e 14.º da matéria de facto provada.

É certo que consta no ponto 26.º dos factos provados que na data do acidente, JJ, que era chefe de equipa, encontrava-se junto ao sinistrado, aquando da execução da tarefa e queda do mesmo.

Como refere o Procurador-Geral Adjunto, Carlos Alegre[3], “o conceito de representante da entidade patronal - seja ela pessoa individual ou coletiva – pode ser alargado a outras pessoas físicas que, de algum modo, atuem em representação daquela entidade seja porque detém um mandato específico para tanto, seja porque age, sob ordens diretas da entidade patronal, como é o caso de qualquer pessoa colocada na escala hierárquica-laboral de uma empresa”.

No entanto, temos de concluir que o referido chefe de equipa não dispunha de poderes para determinar a execução de trabalhos atinentes à planificação global da obra pois, face ao que consta no ponto 11.º dos factos provados, essas instruções partiram de um representante do empregador.

Temos assim de concluir que os trabalhos efetuados no dia do acidente, no piso 7.º, ocorreram prematuramente ao planeado pelo empregador, daí que, na altura em que ocorreu o acidente, não se lhe possa imputar a violação das regras de segurança, nomeadamente quanto ao risco de queda em altura.

Nesta linha, não se podendo considerar que o acidente de trabalho que vitimou o sinistrado resultou de falta de observação das regras de segurança por parte do empregador, não há lugar ao agravamento da responsabilidade, a que alude o art.º 18.º do Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, pelo que nessa parte os pedidos formulados pelas A.A. têm de improceder.

b) Se o acidente de trabalho proveio de ato do trabalhador, sinistrado, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei, ou, ainda, se proveio exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado.

O art.º 14.º do Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, com a epígrafe “Descaracterização do acidente” dispõe o seguinte:

1 - O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:

a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu ato ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei;

b) Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;

c) Resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, nos termos do Código Civil, salvo se tal privação derivar da própria prestação do trabalho, for independente da vontade do sinistrado ou se o empregador ou o seu representante, conhecendo o estado do sinistrado, consentir na prestação.

2 - Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la.

3 - Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.

Vamos começar por averiguar se o acidente proveio de ato ou omissão do sinistrado que tenha violado, sem causa justificativa, as condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei.

A recorrente sustenta que o sinistrado sabendo que tinha de usar cinto com arnês para ter segurança no trabalho que estava a efetuar, e considerando que no local existia um arnês que se encontrava montado próximo, devia tê-lo deslocado de modo a poder usá-lo nessa operação, a fim de garantir a sua segurança individual, o que não fez.

As recorridas, por seu turno, defendem que o arnês de segurança existente encontrava-se colocado na caixa de elevadores que estava ao lado, e que era de reduzido cumprimento, não permitindo a sua utilização na zona de trabalho do sinistrado, sendo certo que se verificou que o mesmo nem sequer se encontrava ligado a uma linha de vida.

Nos pontos 20.º e 21.º da matéria de facto dada como provada consta o seguinte:

- O falecido não usou cinto de segurança com arnês. Existia um arnês que se encontrava montado noutro local mas cujo cumprimento não chegava ao local onde se encontrava o sinistrado;

- O sinistrado sabia que tinha de usar o cinto com o arnês para ter segurança no trabalho que estava a efetuar e evitar a queda no poço do elevador.

Perante esta factualidade temos de considerar que no local da obra existiam meios de proteção individual, no caso, um arnês, que estava montado noutro local.

Assim, nada impedia que o sinistrado o pudesse utilizar montando-o na caixa do elevador onde se encontrava a trabalhar, pois a instalação destes meios de proteção individual cabem aos respetivos trabalhadores, sendo certo que o fornecimento dos mesmos cabe ao empregador.

Saliente-se que, conforme consta do ponto 16.º dos factos provados, o sinistrado tinha estado dois dias antes do acidente numa ação de formação sobre higiene e segurança no trabalho promovida pela empresa GG, que tinha por objetivo principal a sensibilização para os riscos inerentes à atividade de montagem de elevadores.

Nos termos do art.º 17.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, que aprovou o Regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho, constitui obrigação do trabalhador, para além do mais, cumprir as prescrições de segurança e de saúde no trabalho estabelecidas nas disposições legais e utilizar corretamente os equipamentos de proteção coletiva e individual.

No que diz respeito à utilização dos equipamentos de trabalho destinados a trabalhos em altura o Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de fevereiro, para além das medidas de proteção coletiva, no seu art.º 39.º prevê a utilização dos arneses e a forma como os mesmos devem estar ligados à corda de segurança.

O facto de o sinistrado não ter diligenciado pela utilização do arnês para executar o referido trabalho, evitando assim queda em altura, consubstancia uma violação das condições de segurança previstas na lei, sendo certo que não resulta da matéria de facto provada causa justificativa para tal conduta.

Importa pois saber se essa violação das condições de segurança pelo sinistrado é suscetível de poder descaracterizar o acidente, nos termos previstos no art.º 14.º, n.º 1, alínea a), do Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais.

O Professor Pedro Romano Martinez[4] quando BBlisa as causas de exclusão e de redução da responsabilidade emergente de acidente de trabalho, a propósito da culpa do trabalhador, refere que a “exclusão ou a redução da responsabilidade por acidentes de trabalho pode advir de motivos imputáveis à vítima. Corresponde a uma autorresponsabilização do trabalhador pela sua conduta”, mas “não é qualquer atuação menos cuidada por parte do trabalhador que acarreta a exclusão ou a redução da responsabilidade; torna-se necessário que a falta tenha alguma gravidade.”

O mesmo Professor, ainda no âmbito das causas de exclusão, quando se pronuncia sobre a violação das condições de segurança sem causa justificativa, referida no art.º 14.º, n.º 1, alínea a), do Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, sublinha “ Neste caso, o legislador exige somente que a violação careça de «causa justificativa», pelo que está fora de questão o requisito da negligência grosseira da vítima; a exigência dessa culpa grave encontra-se na alínea seguinte do mesmo preceito. A diferença de formulação constante das alíneas a) e b) do n.º 1, do art.º 14.º, do Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais tem de acarretar uma interpretação distinta. Por outro lado, há motivos para que o legislador tenha estabelecido regras diversas. Na alínea a) só se exige a falta de causa justificativa, porque atende-se à violação das condições de segurança específicas daquela empresa; por isso, basta que o trabalhador conscientemente viole essas regras.

As condições de segurança, quando estabelecidas pela entidade patronal, podem constar de regulamento interno de empresa, de ordem de serviço ou de aviso afixado em local apropriado na empresa. As condições de segurança podem igualmente encontrar previsão na lei e, neste caso, incluem-se não só as regras de segurança no trabalho, como as que respeitam à segurança em outros sectores, nomeadamente na circulação rodoviária.

Se o trabalhador, conhecendo as condições de segurança vigentes na empresa, as viola conscientemente e, por força disso, sofre um acidente de trabalho, não é de exigir a negligência grosseira do sinistrado nessa violação para excluir a responsabilidade do empregador.”

O Professor Júlio Manuel Vieira Gomes[5], refletindo sobre a posição assumida pelo Professor Pedro Romano Martinez, aprofunda a questão, fazendo uma incursão pelos antecedentes da atual legislação, concluindo que “ Parece-nos, com efeito, que, tanto pelas razões históricas já atrás aduzidas, como para garantir a coerência do sistema face às consequências extremamente severas da descaracterização - com a exclusão de todas as prestações, ressalvando-se apenas o dever de prestar primeiros socorros e pedir auxílio – não pode ser o mero facto da violação das regras de segurança que opera a descaracterização, devendo exigir-se um comportamento subjetivamente grave, ao que acresce que outras «justificações» poderão ser relevantes. Terá, por conseguinte, que verificar-se, também aqui, uma culpa grave do trabalhador, tão grave que justifique a sua exclusão, mesmo que ele esteja a trabalhar, a executar a sua prestação, do âmbito de tutela dos acidentes de trabalho.” 

            Quanto à apreciação da culpa, o citado Professor aponta que a mesma “ deverá ser aferida em concreto e não em abstrato, e não poderá deixar de atender a fatores como o excesso de confiança induzido pela própria profissão, a eventual passividade do empregador perante condutas similares no passado – até porque muitos especialistas sublinham que o desrespeito por regras de segurança resulta, muitas vezes, de o trabalhador tentar encontrar «atalhos» para produzir mais rapidamente, sobretudo quando lhe são impostos ritmos de produção muito elevados ou de o trabalho ter sido, anteriormente, elogiado ou apreciado, apesar de o empregador bem saber que tinha sido prestado com violação das condições de segurança – e, simplesmente, fatores fisiológicos e ambientais, como o cansaço, o calor ou o ruído existentes no local de trabalho”.

            A posição defendida pelo Professor Júlio Manuel Vieira Gomes parece-nos bem conforme com os objetivos de uma lei que se pretende que seja o mais amplamente reparadora dos acidentes de trabalho, daí que se aceite que a violação das regras de segurança, por parte do trabalhador, possa ter outras causas justificativas para além das referidas no n.º 2, do art.º 14, do Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais.

            No caso concreto dos autos, a matéria de facto, dada como provada, permite-nos retirar algumas conclusões, a nosso ver, importantes para apreciar a questão, sendo certo que cabe à entidade que invoca a violação das condições de segurança, por parte do trabalhador, sem causa justificativa, alegar e provar os respetivos factos.

            Segundo os pontos 11.º, 12.º e 13.º dos factos provados, no dia do acidente, os trabalhadores, pelas 14,30 horas, terminaram a execução dos trabalhos, que lhes haviam sido ordenados, no piso 11.º, e por sua iniciativa, decidiram ir executar outros trabalhos até ao final do seu horário habitual de trabalho.

            Temos que os trabalhadores foram executar tarefas que não estavam planeadas para aquele dia, para adiantar trabalho, com vista a preencher o espaço de tempo entre as 14,30 horas e a hora de saída, tendo o sinistrado ido para o piso 7.º proceder à retificação da parte da verga da porta do elevador, sem estar munido do cinto de segurança com arnês.

            Como os referidos trabalhos não estavam planeados para aquele dia, tendo a decisão de os realizar sido tomada na altura, a conduta do sinistrado, de não ter diligenciado pela colocação do arnês, violando assim as condições de segurança, não pode ser considerada assim tão grave que possa determinar a descaracterização do acidente.

            Na verdade, os trabalhos no 11.º terão sido concluídos pelas 14,30 horas e o acidente ocorreu pelas 15,30 horas, o que nos leva a concluir que a sequência dos factos não terá permitido grande reflexão.

            O trabalho ao longo de várias horas acaba por se refletir na atenção, dando azo a erros que não seriam cometidos noutras circunstâncias.

            Assim, concluímos que o facto de o sinistrado não se ter munido do arnês para evitar a queda em altura, nas circunstâncias descritas, não integra uma culpa tão grave que justifique a descaracterização do acidente.

            Vejamos agora se acidente proveio, exclusivamente, de negligência grosseira do sinistrado ao socorrer-se de um escadote, com 90 cm de altura, para executar um trabalho na porta de uma coluna do elevador, quando a mesma estava apenas protegida com guarda--corpos de a 45 cm e a 90 cm, para evitar o risco de queda em altura pela caixa dos elevadores.

            A noção legal de negligência grosseira dada pelo n.º 3, do art.º 14.º do Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais consiste num comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.

O Procurador-Geral Adjunto, Carlos Alegre[6], sublinha que o legislador ao qualificar a negligência de grosseira está a afastar, implicitamente, a simples imprudência, inconsideração, irreflexão, impulso leviano que não considera os prós e os contras.

            A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nesta matéria, tem sido consistente ao exigir que estejamos perante uma conduta do sinistrado que se possa considerar temerária em alto e relevante grau e que se não materialize em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão.[7]

            Também, nesta matéria, compete à entidade que invoca a descaracterização do acidente por negligência grosseira do sinistrado, alegar e provar os respetivos factos.

            As considerações que tecemos a propósito da culpa do sinistrado pela violação das condições de segurança pela não utilização do arnês são também válidas para compreender este seu ato de utilizar um escadote com 90 cm de altura, para executar um trabalho na porta de uma coluna do elevador, quando a mesma estava apenas protegida com guarda-

-corpos a 45 cm e a 90 cm, para evitar o risco de queda em altura pela caixa dos elevadores.

            Note-se que segundo a matéria de facto provada nos pontos 10.º e 17.º os guarda-

-corpos eram eficazes se o trabalhador executasse o trabalho com os pés assentes no solo, mas o sinistrado encostou o dito escadote à porta do elevador e subiu para o mesmo.

            A utilização do escadote para executar a referida tarefa terá sido um ato pouco refletido motivado pelo facto de se pretender adiantar trabalho naquelas horas que antecediam o termo do horário habitual.

            Não resulta da matéria de facto provada quais foram as causas da queda, presumindo-se que tenha sido provocada por algum desequilíbrio, pois o escadote tinha a mesma altura que o guarda-corpos mais elevado.

            A utilização do escadote pelo sinistrado, no âmbito da obra que estava a executar e nas circunstâncias descritas, não pode ser considerado um ato temerário em alto e relevante grau, mas sim um ato irrefletido resultante da habitualidade ao perigo inerente ao tipo de trabalho e à confiança na experiência profissional, como até parece resultar do ponto 26.º da matéria de facto, dada como provada, pois os factos ocorreram na presença do chefe de equipa, que também não terá tomado qualquer medida para dissuadir o sinistrado de utilizar o escadote.

            Assim, também não se pode concluir que o acidente proveio de negligência grosseira do sinistrado e que deva ser descaracterizado, nos termos do art.º 14, n.º 1, alínea b), do Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais.

            Temos pois que o acidente que vitimou o sinistrado ocorreu no tempo e lugar de trabalho, pelo que tratando-se de um acidente de trabalho, têm as A.A. direito às prestações previstas na lei.

             As A.A. AA e BB são filhas do sinistrado e nasceram, respetivamente, a 4/3/2002 e 29/12/2005.

            Atenta a idade das mesmas e a data do óbito do pai, 20/03/2010, nos termos do art.º 57.º,n.º 1, alínea c) e 60.º, n.º 1, do Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, têm direito à pensão por morte.

            Considerando que são duas filhas o montante da pensão corresponde a 40% da retribuição anual que o pai auferia, que era de € 9.835,06, nos termos 60.º, n.º 2, do Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais.

            Assim, o montante da pensão devida às A.A. corresponde a € 3.934,02, desde 21/03/2010.

            Considerando que a responsabilidade pela reparação das consequências do acidente encontrava-se transferida, mediante contrato de seguro, pelo empregador para a R. seguradora- FF, S.A., pela retribuição anual de € 8.400,00, a pensão anual devida por esta às A.A. corresponde ao montante de € 3.360,00, desde 21/03/2010, atento o disposto no art.º 79.º, n.º 4, do Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, sendo para cada uma o montante de € 1.680,00.

            Consequentemente, atento o disposto no n.º 5, do citado art.º 79.º, do referido diploma, o empregador EE, …, Lda., é responsável pela diferença, ou seja, pela pensão anual de € 574,02, desde 21/03/2010,

sendo para cada uma o montante de € 287,01.

            A referida pensão é devida às A.A. até atingirem os 18 anos, ou até aos 22 anos, enquanto frequentarem o ensino secundário ou curso equiparado, ou ainda até aos 25 anos, enquanto frequentarem curso de nível superior ou equiparado, sendo ainda devida sem limite de idade, quando afetadas por deficiência ou doença crónica que afete sensivelmente a sua capacidade para o trabalho.

            As A.A. têm ainda direito a um subsídio por morte igual a doze vezes o valor de 1,1 do Indexante dos Apoios Sociais à data da morte[8], no valor de € 5.533,70 (€ 419,22 x1.1x12), sendo o montante de € 2.766,85 para cada uma delas.

            É ainda devido, nos termos do art.º 66.º do Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, um subsídio por despesas de funeral destinado a compensar as despesas efetuadas com o funeral do sinistrado, que seria pago a quem comprovadamente tivesse efetuado o pagamento destas.

            O subsídio por despesas de funeral é igual ao montante das despesas efetuadas com o mesmo, com o limite de quatro vezes o valor de 1,1 do Indexante dos Apoios Sociais, aumentado para o dobro se houver trasladação.

            Atento o valor do Indexante dos Apoios Sociais à data da morte (€ 419,22) o limite máximo do subsídio de funeral seria de € 1.844,60 (€ 419,22 x 1.1 x 4).

            O prazo para requerer o subsídio por despesas de funeral é de um ano a partir da realização da respetiva despesa, nos termos do n.º 5, do art.º 66.º, do Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais.

            As A.A. não demonstraram que tivessem suportado quaisquer despesas com o funeral do sinistrado, pelo que nesta parte o seu pedido não procede.

                                                           III

            Pelos fundamentos expostos, decide-se conceder parcialmente a revista, e em consequência:
a) Revoga-se o acórdão recorrido na parte em que condenou:

- A R. EE, …, Ld.ª a pagar às A.A., AA e BB, uma pensão anual no valor total de € 6.475,06, sendo € 3.780,00 para cada uma; e a quantia de € 45.000,00 a título de compensação da perda do direito à vida da vítima, seu pai, na proporção de metade para cada uma delas, enquanto não atingirem os 18 anos de idade, até aos 22 anos enquanto frequentarem o ensino secundário ou curso equiparado, até aos 25 anos enquanto frequentarem curso superior ou equiparado e sem limite de idade quando afetadas por deficiência ou doença crónica que afete sensivelmente a sua capacidade para o trabalho;

- As R.R., EE, …, Ld.ª, e FF, S. A., a pagarem a cada uma das A.A., AA e BB, a quantia de € 18.000,00 para compensação dos inevitáveis danos próprios decorrentes da circunstância de assim se verem privados do convívio paterno, na proporção decorrente das forças do capital seguro

b) Mantém-se a condenação da R. seguradora FF, S.A. a pagar às A.A., AA e BB, uma pensão anual no valor de € 3.360,00, desde 21/03/2010, sendo para cada uma € 1.680,00, enquanto não atingirem os 18 anos de idade, até aos 22 anos enquanto frequentarem o ensino secundário ou curso equiparado, até aos 25 anos enquanto frequentarem curso superior ou equiparado e sem limite de idade quando afetadas por deficiência ou doença crónica que afete sensivelmente a sua capacidade para o trabalho;

c) Condena-se o empregador EE, …, Lda., a pagar às A.A. AA e BB, uma pensão anual no valor de € 574,02, desde 21/03/2010, sendo para cada uma o montante de € 287,01, enquanto não atingirem os 18 anos de idade, até aos 22 anos enquanto frequentarem o ensino secundário ou curso equiparado, até aos 25 anos enquanto frequentarem curso superior ou equiparado e sem limite de idade quando afetadas por deficiência ou doença crónica que afete sensivelmente a sua capacidade para o trabalho;

d) Mantém-se a condenação das R.R. EE, …, Lda., e FF, S.A. a pagar às A.A., AA e BB, o subsídio por morte da vítima, conforme determinado;

e) Mantém-se a absolvição das R.R. EE, …, Lda., e FF, S.A., dos restantes pedidos contra elas formulados;

f) Mantém-se a condenação em juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias agora fixadas, vencidas e vincendas até integral pagamento.

Custas nas instâncias e no Supremo Tribunal de Justiça pelas A.A. e R.R. na proporção dos respetivos decaimentos.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 11 de maio de 2017

Chambel Mourisco (Relator)

Pinto Hespanhol

Gonçalves Rocha

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[1] Este segmento da decisão foi acrescentado por decisão do Tribunal da Relação, datada de 13/7/2016, na sequência de pedido de retificação formulado pelas Autoras.
[2] As conclusões da recorrente foram renumeradas, pois constatou-se um lapso a partir da conclusão 21.ª, que passa para a 12.ª, devendo ser 22.ª, e nas duas conclusões seguintes repete-se a numeração de 23.ª.
[3] Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Almedina, pág. 103.
[4] Direito do Trabalho, 2013, 6ª Edição, Almedina, pág. 819 e segs.
[5] O Acidente de Trabalho, O acidente in itinere e a sua descaracterização, Coimbra Editora, pág. 223 e segs.
[6] Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Almedina, pág. 63.
[7]  - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24-10-2012, Recurso n.º 1087/07.0TTVFR.P1.S1 - 4.ª Secção, relatado pelo Juiz Conselheiro Leones Dantas. - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11-02-2015, Recurso n.º 1301/10.5T4AVR.C1.S1- 4.ª Secção, relatado pelo Juiz Conselheiro Melo Lima.
[8] O Indexante dos Apoios Sociais à data da morte era de € 419,22, nos termos do art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 323/2009, de 24 de dezembro.