Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2967/16.8T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ALEXANDRE REIS
Descritores: APLICAÇÃO FINANCEIRA
BANCO DE PORTUGAL
MEDIDA DE RESOLUÇÃO BANCÁRIA
BANCO DE TRANSIÇÃO
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
RESPONSABILIDADE CIVIL
ÓNUS DA PROVA
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
DESPACHO SANEADOR
INDEFERIMENTO LIMINAR
ANULAÇÃO DA DECISÃO
Data do Acordão: 02/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: ANULADA A SENTENÇA PROFERIDA NA 1ª INSTÂNCIA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / GESTÃO INICIAL DO PROCESSO E DA AUDIÊNCIA PRÉVIA / DESPACHO SANEADOR.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Anotado, III, 4ª ed., p.189 e 190;
- Antunes Varela, Manual do Processo Civil, 2ªed,. p. 385;
- Mafalda Miranda Barbosa, Boletim de Ciências Económicas, FDUC, vol. LIX, p.104 ; Os Limites da Medida de Resolução, Boletim de Ciências Económicas, FDUC, (2016), p. 11.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, 237.º E 238.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 595.º, N.º 1, ALÍNEA B).
Sumário :

I - Atendendo ao modo como os autores estruturam a sua pretensão ressarcitória neste processo, agora (apenas) contra a ré NB, a provar-se toda a matéria por eles alegada e controvertida, atinente à invocada aquisição (Fevereiro de 2014) de uma aplicação financeira, poderia suscitar-se a questão de saber se, no que concerne aos riscos a suportar na sequência duma medida de resolução bancária, os mesmos deveriam ser colocados a par dos investidores cujo risco é titulado por contrato que não padece de qualquer vício.
II - Na verdade, o eventual reconhecimento da invalidade do negócio subjacente à subscrição do questionado instrumento financeiro poderia importar a subsistência da quantia depositada na conta titulada pelos autores na instituição de crédito sobre que incidiu a medida de resolução e, por via disso, a sua transmissão para o banco de transição, como se não tivesse havido qualquer negócio e em igualdade de condições com os dos demais titulares de depósitos bancários.
III - Contudo, resulta claro, pelo menos, no termo (29/12/2015) do percurso deliberativo do BdP referido nos autos e atinente à medida de resolução bancária imposta ao BES, que o supervisor acabou por decidir não fazer recair sobre a instituição de transição a responsabilidade pela quantia depositada pelos autores no BES.
IV - E, cabendo apenas aos tribunais administrativos a apreciação da regularidade das questionadas deliberações do BdP, estas são vinculativas para os seus destinatários e são válidas e eficazes para a jurisdição comum, se não forem afastadas por via de decisão judicial para a qual é competente um diferente foro.
V - Os AA também alegaram vários factos em que se estribaram para sustentar que a instituição de transição assumiu a dívida ou uma garantia bancária atípica vinculativa, em qualquer caso, criadas originariamente na sua esfera jurídica, solução cuja plausibilidade, perante a factualidade material alegada, não pode ser liminarmente afastada, devendo, para tanto, os autores poder fazer a respectiva prova.
VI - Nada se apurando factualmente nos autos sobre a vontade real da ré NB nesse conspecto, caberá averiguar, ainda assim, se as alegadas declarações daquela têm o sentido por que pugnam os autores, considerando os critérios normativos consagrados na lei (arts. 236.º a 238.º do CC).
VII - Por outro lado, com base na factualidade alegada, os autores também sustentaram que a instituição de transição se comprometeu a resolver a situação e a reembolsá-los, o que significa que a sua pretensão se baseia também numa terceira via da responsabilidade civil, a violação da confiança, cuja plausibilidade é aceite e, por isso, não pode ser liminarmente afastada ou, pelo menos, deixar de ser encarada.
VIII - Por assim ser, quando proferiu o despacho saneador, o Julgador ainda não tinha à sua disposição todos os factos que interessam à resolução das várias questões de direito suscitadas na presente acção, o que implica a anulação dessa decisão, uma vez que, como resulta do disposto no art. 595.º, n.º 1, b), do CPC, nessa fase processual apenas se conhece imediatamente do mérito da causa quando a controvérsia se circunscreve a questões de direito, não havendo necessidade de mais provas do que as que já estão adquiridas.
Decisão Texto Integral:
                                                                                             

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
           

AA e BB intentaram acção contra “CC” e DD”, pedindo a condenação destes a pagar-lhes, solidariamente, a quantia de € 100.000, acrescida de juros vencidos e vincendos, ao A marido, a de € 3.500, a título de danos não patrimoniais, acrescida de € 500 por mês, desde Fevereiro de 2016, atenta a situação clínica deste e enquanto a mesma se mantiver, e, ainda, juros desde o trânsito em julgado da sentença condenatória, nos termos do nº 4 do art. 829º-A do CC.
Alegaram, para tanto, muito em suma:
1)- Em Fevereiro de 2014, sendo clientes do FF desde 2008, baseados e confiados na sua gestora de conta e por incitamento insistente desta, que seguia as instruções da 1ª R, aplicaram a quantia de € 100.000 em papel comercial emitido pela EE, entidade que integrava o grupo GG, por lhes ter sido asseverado que tal aplicação não comportava qualquer risco, pois era da responsabilidade exclusiva do próprio FF, então um “grande” banco, que garantia o reembolso do capital na data do vencimento e o pagamento de juros à taxa anual de 4,15%, como sucedâneo de um depósito a prazo;
2)- Para o efeito, os AA provisionaram a sua conta de depósitos à ordem no FF, que, no dia 27/02/2014, foi debitada pela referida quantia de € 100.000, para pagamento da subscrição emissão de papel comercial EE, cujo boletim o A assinou em finais desse mês ou início de Março de 2014;
3)- A 1ª R, enquanto intermediária financeira, propôs a aplicação das poupanças dos AA na subscrição de papel comercial da EE, no seu próprio interesse e nos das sociedades do mesmo grupo, em manifesto detrimento do interesse dos AA, sabendo que, à data, se encontrava impedida pelo Banco de Portugal de o fazer e que aquela aplicação não correspondia aos interesses nem tampouco se adequava ao perfil de investidores dos AA, aos quais não prestou, nem oralmente nem por escrito, as informações necessárias à tomada de uma decisão esclarecida, nomeadamente quanto aos riscos envolvidos nessa aplicação, antes lhes omitiu a falta de veracidade da informação financeira sobre a situação económica da EE contida na “Nota Informativa” – sujeita ao regime das cláusulas contratuais gerais –, o que impediu a recuperação antecipada do capital investido em papel comercial e determinou para os AA a perda da oportunidade de recuperar o capital aplicado;
4)- Em Dezembro de 2013 e Fevereiro de 2014 o BdP determinou uma série de medidas de protecção da área financeira do GG face aos riscos emergentes do ramo não financeiro do grupo, perante cujo incumprimento pelo FF, o supervisor, em 14/2/2014, em pleno período de subscrição do papel comercial que os AA viriam a adquirir, proibiu expressamente o FF de comercializar dívida emitida pela EE junto dos seus clientes de retalho; posteriormente, o BdP determinou ao FF a criação de uma provisão de 700M€ para assegurar o reembolso do papel comercial e a apresentação de uma garantia do seu pagamento, tendo o FF dado como tal a companhia de seguros Tranquilidade;
5)- Na sequência do pedido de “gestão controlada” formulado pela EE em 22/6/2014, um Tribunal do Luxemburgo determinou que a mesma se encontrava insolvente em 22/1/2014;
6)- A 1ª R (FF) obrigou-se ao reembolso dos títulos representativos de dívida emitidos por entidades do grupo GG (GG) e subscritos pelos seus clientes de retalho, constituindo uma garantia pessoal (bancária) por comunicado tornado público em 24/7/2014 e tendo pago tais títulos nas respectivas maturidades, até 30/7/2014,
7)- bem como registou para o efeito uma provisão de € 588.600.000,  para cobertura do risco do reembolso dos títulos de dívida emitidos pela EE, em conformidade com as determinações do BdP, através da carta de 2/04/2014, estabelecendo um efectivo mecanismo de reembolso do papel comercial emitido pela EE e colocado junto de clientes de retalho do FF;
8)- Em 6 e 7/8/2014, o BdP explicou que a referida provisão que acautelava o risco relacionado com o reembolso aos clientes do FF do papel comercial do GG foi transferida para o Novo Banco e que a este competia decidir sobre o reembolso do papel comercial do GG, tendo deliberado, em 14/8/2014, sobre as “Propostas do Conselho de Administração do DD, relativas ao tratamento comercial dos clientes de retalho, que tenham subscrito títulos de dívida emitidos por entidades do GG” que não poderia ser feito qualquer pagamento sem que o Banco de Portugal apreciasse o conteúdo de um inventário exaustivo desses títulos de dívida;
9)- Ainda em 6/8/2014, o BdP, em resposta enviada ao A marido por e‑mail, informou-o expressamente: «o Papel Comercial emitido pela HH e EE transitam para o DD, e este mantém a intenção de assegurar o reembolso, na maturidade, do capital investido pelos clientes não institucionais junto das redes comerciais do Grupo FF de então»,
10)- Entre 8/8/2014 e até, pelo menos,15/1/2015 constava nas “FAQ” publicitadas no sítio da internet da R NB uma informação com conteúdo igual à remetida pelo BdP ao A em 6/8/2014;
11)- Ainda em 14/8/2014, a 2ª R emitiu um comunicado referindo: «O Novo Banco está determinado em comprar aos clientes de retalho do Novo Banco o papel comercial da HH e EE, subscritos na rede de retalho do FF até 14 de Fevereiro de 2014, tal como fora anteriormente afirmado pelo FF. (…) O DD conta ter todas essas questões resolvidas com o Banco de Portugal, num curto prazo, para apresentar aos clientes propostas comerciais de compra do referido papel comercial».
12)- Também nas “FAQ” publicadas no sítio da internet da CMVM constava o esclarecimento de que o NB «mantém a intenção de assegurar o reembolso, na maturidade, do capital investido em papel comercial da HH e EE, pelos seus clientes não institucionais, junto das redes comerciais do Grupo FF de então, no seguimento do comunicado de 14 de agosto»;
13)- Na data do vencimento da referida aplicação (25/11/2014), a conta dos AA não foi creditada pelo respectivo valor (€ 100.000) e juros vencidos e esse montante jamais lhes foi reembolsado;
14)- Os factos descritos causaram ao A marido grande perturbação e uma situação clínica de ansiedade e depressão que se mantém.
Com tais fundamentos, os AA concluíram que: (i) o FF agiu de forma ilícita, deliberada e consciente, com o propósito de, no seu próprio interesse e nos das sociedades do seu grupo, os conduzir à dita subscrição do papel comercial, sabendo que, à data, se encontrava impedida de assim proceder pelo Banco de Portugal e fazendo os AA perder o montante aplicado: (ii) a responsabilidade da FF SA transmitiu-se, a título definitivo, para a 2ª R, por efeito da medida de resolução determinada ao FF pelo BdP, que criou o banco de transição (Novo Banco), mediante as respectivas deliberações de 3/8 e 11/8/2014; (iii) a 2ª R, além do mais, também assumiu ela própria reembolsar os AA, prestando uma garantia pessoal; (iv) as deliberações tomadas pelo BdP em 3/08/2014, 11/08/2014 e 29/12/2015, na parte em que excluem da transferência para a 2ª R as responsabilidades assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição dos instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o grupo GG, são nulas, nos termos do art. 133º do CPA (na redacção aplicável) e inconstitucionais, por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, bem como do direito de propriedade privada, plasmados, respectivamente, nos artigos 13º. 18º e 62º da CRP.

As RR contestaram.

Em sede de saneador, foi declarada extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto à R FF SA, e, por se entender que os autos continham já todos os elementos necessários para uma decisão de mérito sem necessidade de prova adicional, decidiu-se logo julgar verificada a ilegitimidade substantiva da 2ª R e absolvê‑la dos pedidos formulados pelos AA.

A Relação julgou improcedente a apelação que os AA interpuseram dessa decisão, a qual confirmou, afirmando que não se transmitiram para a R DD os créditos peticionados na causa, nem estes se geraram na sua esfera jurídica.

Desse acórdão da Relação, os AA interpuseram recurso de revista, cujo objecto delimitaram com a questão de saber se deve prosseguir a instância contra a R DD.
*
Importa apreciar e decidir, para o que releva o antecedentemente relatado e o teor – ponderado na decisão recorrida – das deliberações adoptadas nas seguintes sessões do Conselho de Administração do BdP:
1 - Em 3/8/2014 (medida de resolução aplicada ao FF):
«(…) isolar, em definitivo, o novo banco dos riscos criados pela exposição do Banco Espírito Santo, S.A., a entidades do GG» (Considerando 11), [procurando] «afastar-se os riscos para a estabilidade financeira, liberta-se o novo banco dos ativos de má qualidade que levaram à atual situação, expurgando-se incertezas sobre a composição do respetivo balanço, e abre-se assim o caminho para a venda da instituição a investidores privados» (Considerando 16), tendo sido «transferidos para o DD, (…) os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco CC, que constam dos Anexos 2 e 2A à presente deliberação».
2 - Em 11/8/2014:
«(…) clarificar e ajustar o perímetro dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do CC., transferidos para o DD.», ficando a constar, na versão consolidada do Anexo 2 à deliberação inicial, designadamente:
«1. Ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do CC. (CC), registados na contabilidade, que são objeto da transferência para o DD. (…)»:
(…) (b) As responsabilidades do FF perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste são transferidos na sua totalidade para o DD, S.A., com exceção dos seguintes («Passivos Excluídos»):
(…) (v) Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais
(…) vii) Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o Grupo Espírito Santo, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais anteriores a 30 de Junho de 2014, documentalmente comprovadas nos arquivos do FF, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.
(…) 2. Após a transferência prevista nas alíneas anteriores, o Banco de Portugal pode a todo o tempo transferir ou retransmitir, entre o FF e o DD, ativos, passivos, elementos patrimoniais e ativos sob gestão, nos termos do artigo 145.º H, número 5. (...)». 
Nos termos da al. c) do mesmo nº 1 do Anexo 2, as responsabilidades do FF que não fossem objecto de transferência permaneceriam na esfera jurídica do FF.
2 - Em 29/12/2015 (“Contingências”, “Perímetro” e “Retransmissão”) ([1]):
- “Contingências”:
«(…) A) Clarificar que, nos termos da alínea (b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de Agosto de 2014, não foram transferidos do FF. para o DD quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do B.E.S. que, às 20:00 do dia 3 de Agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais) independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do B.E.S.
(…) B) Em particular, desde já se clarifica não terem sido transferidos do FF para o DD os seguintes passivos do FF: (…) (vi) Todas as indemnizações e créditos resultantes de anulação de operações realizadas pelo FF enquanto prestador de serviços financeiros e de investimento»;
- “Perímetro”, conferindo ao texto consolidado do Anexo 2 a seguinte redação:
«1. Ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob GGtão do Banco CC. (CC), registados na contabilidade, que são objeto da transferência para o Novo Banco, S.A. (…)
   (…) (b) As responsabilidades do FF perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste são transferidos na sua totalidade para o DD., com exceção dos seguintes («Passivos Excluídos»):
(…) (v) Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, fiscais, penais ou contraordenacionais, com exceção das contingências fiscais ativas
(…) vii) Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira, processo de contratação e distribuição de instrumentos financeiros emitidos por quaisquer entidades, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados (…), que (a) fossem exigíveis à data da medida de resolução em virtude de o respectivo prazo já se ter vencido (…), e cumulativamente (b) resultassem de estipulações contratuais (negócios jurídicos bilaterais) anteriores a 30 de Junho de 2014, que tenham cumprido as regras para a expressão da vontade e vinculação contratual do FF e cuja existência se possa comprovar documentalmente nos arquivos do FF, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.»; 
- “Retransmissão”, ordenando «a retransmissão, do DD para o FF, das emissões de instrumentos de dívida não subordinada enumerados no Anexo I, originariamente transferidos do FF para o DD na sequência da deliberação de 3 de agosto (…)».
*
Portanto, em face do objecto da acção, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação dos recorrentes (art. 635º do CPC), apenas se trata aqui de saber se, ao invés do decidido pela Relação, os autos devem prosseguir em relação ao R DD, para apurar da eventual responsabilidade deste, atendendo aos termos em que os AA configuraram o seu pedido e respectiva causa de pedir.

Esta mesma Secção proferiu, em 18/1 e 27/02/2018, acórdãos nas revistas 18084/15.5T8LSB.L1.S2 e 17074/16.5T8LSB.L1.S1, respectivamente, em que também era recorrido o Novo Banco e em que a questão fulcral nelas colocada consistia, igualmente, em saber se o estado do processo permitia que se conhecesse imediatamente do mérito da causa, sem necessidade de mais provas. Daí que tenhamos em conta o expendido no último de tais arestos.

Neste caso, o Tribunal de 1ª instância, na fase do despacho saneador, considerou que dispunha já de todos os elementos que lhe permitiam conhecer do mérito da acção, o que fez, tendo concluído pela improcedência da acção em relação ao R recorrido DD. E o acórdão da Relação obteve idêntico desfecho: «não se transmitiram para o R. DD os créditos peticionados na causa, nem estes se geraram na sua esfera jurídica, sendo inevitável concluir pela ilegitimidade substantiva». Esta conclusão foi estribada numa argumentação de que se extraem os seguintes trechos:
«(…) analisando a deliberação inicial do BdP de 3.8.2014, sucessivamente clarificada e retificada, em particular pela deliberação de 29.12.2015, concluímos que os créditos reclamados na presente ação foram considerados passivo excluído, não transferido para o Novo Banco (cfr. nº 1, al. b), subls. v) e vii), do Anexo 2 da deliberação de 3.8.2014).
Assim, conforme se concluiu na sentença recorrida: “(…) As deliberações tomadas pelo Banco de Portugal, na medida em que asseveram a irresponsabilização do DD., seja a que titulo for, por responsabilidades que radicam na esfera do FF, tendo por base a actividade deste antes da medida de resolução – onde, claro está, se insere toda a actuação que fundamenta qualquer das pretensões dos AA. nos presentes autos (não sendo deduzida qualquer outra pretensão relativamente ao DD., senão com base na invocada “sucessão” de responsabilidade face ao FF, a qual, como se viu, se mostra inexistente) – configura uma causa que determina, quanto ao DD. a sua ilegitimidade substantiva.

(…) Por conseguinte, tem de entender-se que o banco de transição sucede, para todos os efeitos, nos direitos e obrigações do banco visado pela medida de resolução, salvas as exceções precisamente justificadas pela intervenção do Banco de Portugal.

(…) Assente que não cabe aos tribunais judiciais discutir a validade das deliberações do BdP, posto que a apreciação da sua legalidade deve ser feita na jurisdição administrativa (o que não é, em rigor, discutido no recurso), cremos que as mesmas estão conformes às normas legais aplicáveis, nomeadamente do RGICSF, e a interpretação que delas é feita não constitui violação de qualquer preceito constitucional. (…) Não vislumbramos, por isso, que nos critérios seguidos pelo Banco de Portugal se mostrem violados os arts. 13, 18 e 62 da C.R.P. ou qualquer outro preceito constitucional.».

 (…) O DD foi constituído com o propósito acima assinalado por deliberação do Banco de Portugal nos termos do nº 3 do art. 145-G do RGICSF, como banco de transição, sendo os seus estatutos aprovados pelo referido BdP e ficando sujeito a um regime jurídico específico.

(…) Afigura-se, assim, por demais evidente (…) que não poderia o CC assumir qualquer obrigação originária ou garantia pessoal perante os clientes do FF fora do contexto para que fora criado, para além do ato de resolução, como defendem os AA./apelantes.

Isto é, a comunicação a que se alude só pode compreender-se, justamente, no âmbito da aplicação da medida de resolução e por causa dela.
(…) Ora, como vimos, a deliberação inicial do Banco de Portugal foi sendo clarificada e retificada no domínio da concreta situação excecional verificada, ficando inteiramente esclarecido, em face da deliberação de 29.12.2015, que os créditos reclamados na presente ação foram considerados passivo excluído, não transferido para o Novo Banco (cfr. nº 1, al. b), subls. v) e vii), do Anexo 2 da deliberação de 3.8.2014).
Não teria, pois, o R. DD qualquer autonomia para contornar as deliberações do BdP e chamar a si responsabilidades do FF que tais deliberações tivessem excluído, ainda que numa interpretação ulterior. Tal seria ilógico e contrário aos fins que presidiram à criação do banco de transição e aos respetivos estatutos.
Dito de outro modo, tendo em conta o propósito de constituição do banco de transição pelo BdP e o regime jurídico a que ficou sujeito, no âmbito da aplicação de medida de resolução, não poderia aquele banco assumir uma obrigação originária ou garantia pessoal perante os clientes da instituição objeto da resolução fora do contexto para que fora criado, para além da própria medida de resolução e contrária a esta.»

Segundo os recorrentes, por um lado, o acórdão recorrido não apreciou «a situação em concreto dos factos carreados para os autos», pelo que «não se sabe se o douto Acórdão recorrido considera que existiu dolo, fraude, violação de disposições legais e regulamentares ou de normas prudenciais no que diz respeita ao momento (Março de 2014) em que foi vendido o produto financeiro descrito nos autos».

E, por outro lado, também entendem «que as declarações públicas do DD (comunicado do DD de 14 de Agosto de 2014), configuram uma assunção cumulativa de dívida ou uma garantia bancária atípica mas vinculativa e, em qualquer caso, criadas originariamente na esfera jurídica do DD».

Vejamos.

Relativamente à primeira linha da argumentação aduzida no recurso, dúvidas não restam que os AA se proporiam demonstrar na acção que o crédito a que se arrogam emerge de um contrato que reputam como inválido, em virtude de dolo ou erro provocado por violação por parte da instituição bancária dos deveres de informação e de outras disposições regulamentares.

Ora, atendendo ao modo como os AA estruturam a sua pretensão ressarcitória, agora (apenas) contra o R NB, e a provar-se toda a matéria por eles alegada e acima sinopticamente relatada, poderia suscitar-se «a questão de saber se, no que concerne aos riscos a suportar na sequência duma medida de resolução bancária, os mesmos devem ser colocados a par dos investidores cujo risco é titulado por contrato que não padece de qualquer vício», como se disse nos já referidos acórdãos desta Secção:

«Na verdade, nada na disciplina legal da medida de resolução obsta a que o regime privatístico seja convocado no quadro de actuação de uma instituição bancária objecto de uma medida de resolução (cfr. Mafalda Miranda Barbosa, in Boletim de Ciências Económicas, FDUC, vol. LIX, pág.104).

Assim, podem ser impugnados negócios que se integrem no perímetro de transferência determinada pelo Banco de Portugal, desde que para isso haja fundamento.

Se é certo que o contrato cria um risco para o investidor, também nos parece certo que esse risco só é por ele titulado se o contrato não padecer de qualquer vício que o perturbe ab initio (cfr. ob. cit., pág.89).

A assunção de um risco pelo investidor só corresponde a um ideal de justiça se o negócio que lhe subjaz for válido.

Note-se que, subjacente a um empréstimo obrigacionista, está, no fundo, um contrato de mútuo.

Os deveres de esclarecimento e aconselhamento em relação ao potencial investidor emergem como uma decorrência da boa fé, dependendo a sua intensidade das idiossincrasias do investidor.

Como é evidente, os deveres de informação serão diferentes consoante os sujeitos envolvidos, requerendo especial atenção os investidores não qualificados, a quem deve ser prestada toda a informação necessária para proporcionar uma decisão de investimento esclarecida.

O erro vício, previsto nos arts. 251º e 252º, do C.Civil, pressupõe que a vontade real se tenha formado em consequência do erro.

Isto é, se não fosse o erro, a pessoa não teria pretendido realizar o negócio, ou, pelo menos, não o teria realizado nos termos em que o efectuou.

Mas enquanto no art. 251º se prevê que o erro que recai sobre os motivos determinantes da vontade se refira à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, no art.252º prevê-se o caso de tal erro não se referir nem àquela pessoa, nem a este objecto (cfr. o nº1, do art.252º).

O nº2 deste último artigo, por seu turno, estabelece um regime diferente para o caso de o erro incidir sobre a base do negócio, ou seja, sobre circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar.

Tais erros do declarante são causa de anulação da respectiva declaração negocial, como resulta dos citados artigos.

A anulabilidade pode ser arguida, sem dependência de prazo, tanto por via de acção como por via de excepção, enquanto o negócio não estiver cumprido (art.287º, nº2, do C.Civil).

A anulação do negócio tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado (art.289º, nº1, do C.Civil).

Sendo o investidor titular de uma conta com depósito junto do banco objecto da medida de resolução e tendo a execução da ordem de subscrição das obrigações sido feita à conta do saldo existente, como aconteceu no caso dos autos, a anulação do negócio pode implicar, a nosso ver, a reconversão do crédito num saldo.

Caso em que se poderá, então, considerar que tal crédito consubstancia um verdadeiro depósito, transmissível para a instituição de transição, na medida em que não tenha sido excluída essa transmissão pela medida de resolução.

Na verdade, o credor de que se fala agora, sendo-o, só o é na medida em que, por uma questão de justiça, se procura apagar a relação negocial que existia anteriormente (cfr. Mafalda Miranda Barbosa, loc. cit., pág.132, e, ainda, a mesma autora, in «Os Limites da Medida de Resolução», FDUC, pág. 34).

Realmente, o reconhecimento da tese dos AA poderia importar a invalidade do negócio subjacente à subscrição dos questionados instrumentos financeiros e, por via disso, a subsistência da quantia depositada na sua conta titulada no então FF e investida na aplicação por este intermediada, depósito que, plausivelmente, teria transitado para o R NB, por força da deliberação do BdP de 3 de Agosto de 2014, que conformou a medida de resolução que incidiu sobre aquela instituição de crédito.

Essa plausibilidade colher-se-ia do teor literal de tal deliberação e não era lógico-racionalmente incompatível com a demais matéria de facto alegada pelos AA – se demonstrada – designadamente, a arrumada nos itens 6) a 12) do relatório deste acórdão.

Contudo, reponderando o que se concluiu nos precedentes acórdãos desta Secção a que vimos aludimos, entendemos resultar claro, pelo menos, no termo do acima mencionado percurso deliberativo do BdP, que este acabou por decidir não fazer recair sobre a instituição de transição a responsabilidade pela quantia depositada pelos AA no FF, uma vez que, à data da medida de resolução, o reconhecimento de tal responsabilidade era contingente por depender da comprovação judicial dos fundamentos invocados nesta acção para a invalidade de uma operação realizada «pelo FF enquanto prestador de serviços financeiros e de investimento» ou da «comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o Grupo Espírito Santo».

É o que não pode deixar de se admitir perante as sucessivas clarificações e rectificações a que foi submetida a deliberação inicial do BdP de 3/8/2014, particularmente pela tomada em 29/12/2015, das quais resulta, inequivocamente, que o BdP não transferiu aquela responsabilidade para a instituição de transição, que, nessa estrita medida, não pode ser tida por sucessora nos direitos e obrigações da instituição de crédito originária quanto à quantia depositada na conta titulada pelos AA no então FF.

É certo que, na perspectiva dos AA, tratar-se-ia de enfrentar o impacto da actuação do Estado (em sentido amplo) nos direitos a que os mesmos se arrogam perante a pretendida transmissão da instituição de crédito originária para a instituição de transição dos direitos e obrigações referentes ao designado “papel comercial”: essa responsabilidade do FF, tendo sido assumida em declarações várias e estando reflectida no registo nas suas contas uma provisão precisamente para fazer face ao reembolso dessa dívida, teria sido transferida, conforme vem aqui alegado, para a ora R NB porque para a constituição do capital deste (deliberação de 3/8/20104) foi tida em conta a dita provisão – que consta do seu balanço inicial –, alvitrando assim os AA que também a constituição (e transferência) da provisão constituiu reconhecimento da concernente responsabilidade.

Como tem sido consensualmente afirmado, a medida de resolução bancária assenta na proteção e estabilização da atividade bancária e do sistema financeiro (cf. art. 145º-A do RGICSF), de modo a assegurar a continuidade da prestação dos serviços essenciais e acautelar o risco sistémico, a confiança dos depositantes e os interesses dos contribuintes, sendo, sobretudo, nestes interesses que radica a justificação para esta especialíssima forma de ingerência do poder público no domínio jurídico-privado, por se entender, finalmente, que não se pode «continuar a viver num horizonte referencial em que os lucros são privados e os prejuízos são públicos» ([2]).

É certo que essa medida só deverá ser tomada caso seja necessária para a defesa do interesse público – a justificação para os efeitos gravosos para os credores por ela abrangidos – estando, por isso, sujeita a essa condição e, entre outras, a de não poder qualquer credor da instituição objecto de resolução suportar um prejuízo superior ao que ocorreria, no caso de essa instituição ter entrado em liquidação.

Porém, o BdP é uma pessoa colectiva de direito público [art. 1º da respectiva Lei Orgânica (nº 5/98, de 31/1)] à qual é cometida a prossecução do interesse público e o correspondente exercício de funções públicas, designadamente as inerentes à supervisão do sector financeiro da economia, entre as quais aqui relevam as visadas com a aplicação de uma medida de resolução.

Ora, no âmbito de tal aplicação, o referido ente público actua no exercício da autoridade imanente ao poder público, com vista à realização de interesse público legalmente definido ([3]), regulado por normas de direito administrativo.

Por isso, cabe apenas aos tribunais administrativos a competência material para conhecer as pretensões formuladas com fundamento na actuação assumida no âmbito de relações jurídicas administrativas, como preceitua o art. 212º nº 3 da CRP e reafirma o art. 1º nº 1 do ETAF (aprovado pela Lei 13/2002 de 19/2) ([4]).
E, assim, também compete ao contencioso administrativo a apreciação da regularidade dos questionados actos do BdP, designadamente quanto à questão de saber se foi desconsiderada a confiança na actuação do Estado em sentido amplo e a conformidade constitucional da interpretação que, com esse alcance, se faça das normas ao abrigo das quais se pautou a concreta actuação da pessoa colectiva de direito público.

Como tal, as aludidas deliberações do BdP são vinculativas para os seus destinatários e são válidas e eficazes para a jurisdição comum, se não forem afastadas por via de decisão judicial para a qual é competente um diferente foro.

Como se disse, em segunda linha, os recorrentes também se proporiam demonstrar na acção que as declarações públicas do Novo Banco «configuram uma assunção cumulativa de dívida ou uma garantia bancária atípica mas vinculativa e, em qualquer caso, criadas originariamente na esfera jurídica do Novo Banco».

No acórdão recorrido entendeu-se que, também aqui, não assiste razão aos AA, com os seguintes argumentos:

«O DD foi constituído com o propósito acima assinalado por deliberação do Banco de Portugal nos termos do nº 3 do art. 145-G do RGICSF, como banco de transição, sendo os seus estatutos aprovados pelo referido BdP e ficando sujeito a um regime jurídico específico.

Conforme resulta, claramente, do art. 3º desses mesmos estatutos: “1 - O DD, SA, tem por objeto a administração dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do CC, para o DD, e o desenvolvimento das atividades transferidas, tendo em vista as finalidades enunciadas no artigo 145º-A do RGICSF, e com o objetivo de permitir uma posterior alienação dos referidos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão para outra ou outras instituições de crédito. 2- No exercício da sua atividade o DD, deve obedecer a critérios de gestão que assegurem a manutenção de baixos níveis de risco e a maximização do valor dos ativos transferidos, nos termos do artigo 15º do Aviso do Banco de Portugal nº 13/2012.”

Afigura-se, assim, por demais evidente, na linha, aliás, do que acima deixamos dito, que não poderia o DD assumir qualquer obrigação originária ou garantia pessoal perante os clientes do FF fora do contexto para que fora criado, para além do ato de resolução, como defendem os AA./apelantes.

Isto é, a comunicação a que se alude só pode compreender-se, justamente, no âmbito da aplicação da medida de resolução e por causa dela. De resto, da sua leitura retira-se, precisamente, que o DD apelava então “à necessidade de acerto de algumas questões técnicas com o Banco de Portugal, nomeadamente salvaguarda de obrigações prudenciais e de outras obrigações que resultaram do próprio processo de resolução”.

(…) Não teria, pois, o R. DD qualquer autonomia para contornar as deliberações do BdP e chamar a si responsabilidades do FF que tais deliberações tivessem excluído, ainda que numa interpretação ulterior. Tal seria ilógico e contrário aos fins que presidiram à criação do banco de transição e aos respetivos estatutos

No essencial, a decisão recorrida refutou a possibilidade de às alegadas declarações da DD ser atribuída a virtualidade pretendida pelos AA por considerar a falta de autonomia desta R, enquanto mero instrumento subordinado à prossecução pelo BdP da medida de resolução adoptada em relação ao FF, e que no âmbito do subsequente desenvolvimento desta medida veio a ficar «inteiramente esclarecido, em face da deliberação de 29.12.2015, que os créditos reclamados na presente ação foram considerados passivo excluído, não transferido para o DD».

Porém, os AA alegaram vários factos – designadamente os sumariamente referidos nos itens 6) a 12) do relatório deste acórdão, relativos a afirmações da R NB de que, segundo aqueles aduzem, a mesma mantinha a intenção de pagar, na maturidade, o capital investido pelos clientes não institucionais junto das redes do FF e sobre a criação de uma provisão que assegurava esse reembolso, bem como sobre a salvaguarda e a garantia de que tal provisão passara para o banco de transição – estribados nos quais sustentaram que a R NB assumiu a dívida ou uma garantia bancária atípica e que, enfim, se comprometeu a resolver a situação e a reembolsá-los.

Ora, perante a factualidade material alegada, a plausibilidade da solução jurídica sugerida pelos recorrentes não pode deixar de ser encarada nem ser liminarmente afastada, segundo nos parece, apenas com a invocação da instrumentalidade/subordinação da R NB à prossecução pelo BdP da medida de resolução adoptada em relação ao FF.

Com efeito, o argumento da falta de autonomia da R não arreda, com uma autoridade determinante e definitiva, a verosimilhança de tal solução uma vez que, segundo o que vem alegado:

- O próprio BdP, em 6 e 7/8/2014, explicou que a referida provisão que acautelava o risco relacionado com o reembolso aos clientes do FF do papel comercial do GG foi transferida para o Novo Banco e que a este competia decidir sobre o reembolso do papel comercial do GG, bem como, em resposta enviada ao A marido em 6/8/2014, informou-o de que «o Papel Comercial emitido pela HH e EE transitam para o DD, e este mantém a intenção de assegurar o reembolso, na maturidade, do capital investido pelos clientes não institucionais junto das redes comerciais do Grupo FF de então»;

- Até, pelo menos,15/1/2015 constou uma informação com igual conteúdo nas “FAQ” publicitadas no sítio da internet da R NB;

- A R NB, em 14/8/2014, comunicou estar determinada em comprar aos clientes de retalho do DD o papel comercial da EE, subscritos na rede de retalho do FF até 14 de Fevereiro de 2014, tal como fora anteriormente afirmado pelo FF;

- E também a CMVM esclareceu que o NB mantinha a intenção de assegurar o reembolso, na maturidade, do capital investido em papel comercial da EE, pelos seus clientes não institucionais, junto das redes comerciais do Grupo FF de então, no seguimento do comunicado de 14/8/2014.

É claro que, uma vez admitida a mencionada plausibilidade, a prova de que a vontade real da R NB, no alegado contexto, foi a de assumir a dívida ou uma garantia bancária atípica, como os AA invocam, recairá sobre eles mesmos, devendo, para tanto, ser-lhes concedida a oportunidade de o fazerem.

Mas também é incontroverso que, nada se apurando factualmente nos autos nesse conspecto, as alegadas declarações devem valer com o sentido que um declaratário normal (medianamente instruído, diligente e sagaz), colocado na posição do declaratário efectivo, possa deduzir do comportamento do declarante, atendendo a todas as circunstâncias do caso concreto, que aquele teria tomado em conta, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. Por isso, nessa hipótese, caberá averiguar, ainda assim, por se tratar de matéria de direito, se as declarações em que os recorrentes procuram arrimo, têm o sentido por que os mesmos pugnam, considerando os critérios normativos consagrados na lei (arts. 236º a 238º do CC), como parâmetros para a pertinente actividade interpretativa.

Por outro lado, o modo como os AA estruturaram a sua pretensão indemnizatória também consente o significado de que os mesmos a fundam na responsabilidade pela violação da confiança, quando sustentam que a R NB se comprometeu a resolver a situação e a reembolsá-los, ou seja, de que o pedido também se baseia nesta terceira via da responsabilidade civil, cuja plausibilidade, à partida, não poderá ser alheada, pois há quem aceite essa terceira via de responsabilidade civil, para além da contratual e da extracontratual, o que não foi encarado no acórdão recorrido.
Também sobre esta vertente se pronunciaram os já referidos acórdãos desta Secção, a que aludimos, nos seguintes termos:

«Para esse tertium genus seriam reconduzidas, designadamente, as hipóteses de responsabilidade pela confiança e pela violação de deveres decorrentes da boa fé numa relação contratual. Poderá, assim, questionar-se um eventual direito a uma indemnização com fundamento em responsabilidade pela confiança, com base na prestação de informações incorrectas ou contraditórias, geradoras de uma confiança normativamente justificada
Em suma, a nosso ver, o julgador, quando proferiu o despacho saneador, ainda não tinha à sua disposição todos os factos que interessam à resolução das várias questões de direito suscitadas na presente acção. O que implica que a decisão proferida na 1ª instância não pode deixar de ser anulada, por violação da disciplina processual, uma vez que conheceu imediatamente do mérito da causa sem que se verificassem os requisitos a que alude o art. 595º, nº 1, b), do CPC.

Como resulta desse preceito, o despacho saneador pode destinar-se a conhecer-se imediatamente do mérito da causa, quando para tal não haja necessidade de mais provas do que aquelas que já estão adquiridas no processo, circunscrevendo-se a controvérsia a questões de direito, eventualidade em que não há necessidade de que o processo seja submetido a instrução.

No entanto, suscitando o conhecimento do mérito da causa, quase sempre, questões de direito e de facto, é consensual que os tribunais façam uso prudente e cauteloso desse poder, porquanto, a segurança não deve ser sacrificada à celeridade ([5]): Antunes Varela ([6]) afirma que normal é que o juiz, não estando ainda realizada a parte fundamental da instrução do processo, não possa conhecer da matéria no momento em que profere o despacho saneador; excepcional é que, com o encerramento dos articulados, o julgador tenha à sua disposição todos os factos que interessam à resolução da questão do direito exclusivamente suscitada pelas partes, ou encontre nos autos todos os elementos de prova essenciais ao julgamento da matéria de facto envolvida no litígio.
Por conseguinte, perante o reconhecimento de que estado do processo não permitia que se conhecesse imediatamente do mérito da causa, sem necessidade de mais provas, deverá o processo prosseguir na 1ª instância, tendo em vista o apuramento da matéria de facto precedentemente referenciada.

*

Síntese conclusiva:

1. Atendendo ao modo como os AA estruturam a sua pretensão ressarcitória neste processo, agora (apenas) contra a R NB, a provar-se toda a matéria por eles alegada e controvertida, atinente à invocada aquisição (Fevereiro de 2014) de uma aplicação financeira, poderia suscitar-se a questão de saber se, no que concerne aos riscos a suportar na sequência duma medida de resolução bancária, os mesmos deveriam ser colocados a par dos investidores cujo risco é titulado por contrato que não padece de qualquer vício.

2. Na verdade, o eventual reconhecimento da invalidade do negócio subjacente à subscrição do questionado instrumento financeiro poderia importar a subsistência da quantia depositada na conta titulada pelos AA na instituição de crédito sobre que incidiu a medida de resolução e, por via disso, a sua transmissão para o banco de transição, como se não tivesse havido qualquer negócio e em igualdade de condições com os dos demais titulares de depósitos bancários.

3. Contudo, resulta claro, pelo menos, no termo (29/12/2015) do percurso deliberativo do BdP referido nos autos e atinente à medida de resolução bancária imposta ao FF, que o supervisor acabou por decidir não fazer recair sobre a instituição de transição a responsabilidade pela quantia depositada pelos AA no FF.

4. E, cabendo apenas aos tribunais administrativos a apreciação da regularidade das questionadas deliberações do BdP, estas são vinculativas para os seus destinatários e são válidas e eficazes para a jurisdição comum, se não forem afastadas por via de decisão judicial para a qual é competente um diferente foro.

5. Os AA também alegaram vários factos em que se estribaram para sustentar que a instituição de transição assumiu a dívida ou uma garantia bancária atípica vinculativa, em qualquer caso, criadas originariamente na sua esfera jurídica, solução cuja plausibilidade, perante a factualidade material alegada, não pode ser liminarmente afastada, devendo, para tanto, os AA poder fazer a respectiva prova.

6. Nada se apurando factualmente nos autos sobre a vontade real da R NB nesse conspecto, caberá averiguar, ainda assim, se as alegadas declarações daquela têm o sentido por que pugnam os AA, considerando os critérios normativos consagrados na lei (arts. 236º a 238º do CC).

7. Por outro lado, com base na factualidade alegada, os AA também sustentaram que a instituição de transição se comprometeu a resolver a situação e a reembolsá-los, o que significa que a sua pretensão se baseia também numa terceira via da responsabilidade civil, a violação da confiança, cuja plausibilidade é aceite e, por isso, não pode ser liminarmente afastada ou, pelo menos, deixar de ser encarada.

8. Por assim ser, quando proferiu o despacho saneador, o Julgador ainda não tinha à sua disposição todos os factos que interessam à resolução das várias questões de direito suscitadas na presente acção, o que implica a anulação dessa decisão, uma vez que, como resulta do disposto no art. 595º, nº 1, b), do CPC, nessa fase processual apenas se conhece imediatamente do mérito da causa quando a controvérsia se circunscreve a questões de direito, não havendo necessidade de mais provas do que as que já estão adquiridas.

*

Decisão:
Pelo exposto, acorda-se em anular a sentença proferida na 1ª instância, bem como todo o processado subsequente, devendo o processo prosseguir seus regulares termos contra a R “DD, para apuramento da matéria de facto atrás mencionada, com o pertinente alcance em sede de solução de direito.

Custas pela parte vencida a final.

Lisboa, 19/02/2019


Alexandre Reis

Lima Gonçalves

Fátima Gomes


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[1] v. www.FF.pt/Deliberacoes_BdP/20151229%20Deliberacao%20Contingencias.pdf.
[2] Cf. Mafalda Miranda Barbosa, “Os Limites da Medida de Resolução”, estudo já referido, in Boletim de Ciências Económicas, da FDUC, (2016), p. 11, nota 6. A Autora, citando Manuel Magalhães, “A evolução do direito prudencial bancário no pós-crise: Basileia III e CRD IV”, in O novo direito bancário, 285 s, também anota que, na verdade, «“entre os objetivos de Basileia III avulta o de evitar que os bancos voltem a ser resgatados por capitais públicos” e acrescenta: «Em termos económicos, o efeito perverso será a diminuição do crédito e o abrandamento económico. Em termos jurídicos, a consequência será o do alargamento dos poderes de supervisão e a tentativa de criar mecanismos que permitam à entidade supervisora intervir no seio da instituição financeira antes de haver uma situação de insolvência que a todos traria graves problemas. É neste contexto que instrumentos como a medida de resolução são pensados.»
[3] «A função administrativa compreende o conjunto de actos destinados à produção de bens e à prestação de serviços tendo em vista a satisfação das necessidades colectivas, função que é desempenhada essencialmente por pessoas colectivas públicas, e, marginalmente, por pessoas colectivas privadas integradas na Administração Pública» (Ac. do T. de Conflitos de 2/10/2008, p. 12/08).
[4] «A relação jurídica administrativa tem sido definida como aquela que se desenvolve entre um ente público e pessoas privadas sob a égide de normas de direito público, isto é, que regulam a relação de modo diferente de correspondentes relações privadas, por incluírem um poder da parte pública ou uma sujeição especial, determinadas pela necessidade de conferir especial eficácia à tutela do interesse público. No domínio dos contratos a relação jurídica administrativa surge como aquela que extravasa da regra comum de igualdade de posicionamento e de equilíbrio das prestações, através da concessão à parte pública de poderes de conformar ou alterar aspectos da relação, em especial respeitantes à execução, que excedem do direito comum dos contratos.» (Ac. do T. de Conflitos de 04-06-2013, p. 29/13).
«À míngua de definição legislativa do conceito de relação jurídica administrativa, deverá esta ser entendida no sentido tradicional de relação jurídica regulada pelo direito administrativo, com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado em que intervém a Administração. Uma relação jurídica administrativa deve ser uma relação regulada por normas de direito administrativo que atribuam prerrogativas de autoridade ou imponham deveres, sujeições ou limitações especiais, a todos ou a alguns dos intervenientes, por razões de interesse público, que não se colocam no âmbito de relações de natureza jurídico-privada.» (Ac. do T. de Conflitos de 20/9/2012, p. 7/12).
[5] Cfr. Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil, Anotado”, III, 4ª ed., pp.189 e 190.
[6]In “Manual do Processo Civil”, 2ªed., p.385