Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
958/07.9TBCVLC1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: ARRENDAMENTO RURAL
BENFEITORIAS ÚTEIS
Data do Acordão: 11/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS / POSSE / EFEITOS DA POSSE / BENFEITORIAS NECESSÁRIAS E ÚTEIS.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018 (5.ª edição), p. 397 e ss. e p. 431 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 640.º, N.º 1, ALÍNEAS A), B) E C).
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 1273.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 18-09-2018, PROCESSO N.º 3316/11.7TBSTB-A.E1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
Quando as benfeitorias úteis não possam ser levantadas sem detrimento do prédio tem o arrendatário o direito de ser compensado por tais benfeitorias de acordo com as regras do enriquecimento sem causa (artigo 1273.º, n.º 2, do CC).
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

                                                           *
I. RELATÓRIO

Recorrente: AA

Recorridos: BB, Lda., et al.

                                                           *

1. No Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco - Juízo Central Cível de Castelo Branco - Juiz 2, a sociedade “BB, Lda.”, com sede na ..., nº ..., no lugar da ..., ..., intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum ordinário, contra AA, residente na Rua ..., ..., ..., formulando os seguintes pedidos:

a) Que o R. seja condenado a reconhecer que a denúncia efectuada só produzirá efeitos a partir do dia 31/12/2008 e que só a partir desta data a Autora terá de entregar o prédio, sem prejuízo do invocado direito de retenção.

b) Que o R. seja condenado a pagar à Autora a quantia total de €997.100,00, a título de indemnização por benfeitorias, sendo €55.000,00 referentes às benfeitorias necessárias e €942.000,00 referentes às benfeitorias úteis, porquanto estas foram consentidas e não podem ser retiradas sem desvalorização do prédio.

c) Que o R. seja condenado a reconhecer que a Autora tem direito de retenção sobre o arrendado até que o Réu pague à Autora o valor das benfeitorias efectuadas por esta.

d) Que o R. seja condenado a pagar à Autora, pelos demais danos resultantes para a Autora, a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença.

e) Subsidiariamente, para o caso de improcedência total ou parcial do demais que vai pedido, o que se refere por mera hipótese de raciocínio, deve o Réu ser condenado a pagar à Autora a quantia de €997.100,00, a título de enriquecimento sem causa.

f) Que o R. seja condenado a pagar à Autora juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal e sobre a quantia de €997.100,00, contados a partir da citação e até integral pagamento”.

2. O réu apresentou contestação, pedindo a improcedência da acção.

A autora apresentou resposta à contestação.

O réu apresentou tréplica, onde mantém os termos da contestação por si apresentada.

Foram admitidas as intervenções (provocadas) de CC e da sociedade “DD, S.A.” (cfr. despacho de fls. 286-288).

Os chamados apresentaram os seus articulados, deduzindo ainda a chamada CC reconvenção.

A final, em 22.01.2018, foi proferida sentença (fls. 1471/1494), em que foi decidido:

a) Julgar parcialmente procedente a ação intentada por “BB, L.da” e, consequentemente:

1. Declarar válido e eficaz o contrato de arrendamento rural celebrado entre a A. e o R. AA em 01.01.1994 e declará-lo ineficaz relativamente aos chamados “DD - ..., SA” e CC;

2. Condenar o R. AA a reconhecer que a denúncia do dito contrato de arrendamento só produziu efeitos a partir do dia 31.12.2008;

3. Condenar o dito R. a pagar à A. a quantia de €60.583,48 (sessenta mil e quinhentos e oitenta e três euros e quarenta e oito cêntimos), a título de benfeitorias úteis por si consentidas por escrito;

4. Reconhecer à A. o direito de retenção sobre o dito prédio até que o R. proceda ao pagamento da dita quantia;

5. Absolver o R. do demais peticionado.

b) Julgar totalmente improcedentes as reconvenções e, consequentemente, absolver a A. dos ditos pedidos reconvencionais.

c) Absolver o R. do pedido de litigância de má-fé”.

3. Não se conformando, dessa sentença interpuseram recurso de apelação CC e AA.

A sociedade BB, Lda., apresentou contra-alegações ao recurso interposto por CC. E, notificada do recurso apresentado pelo réu AA, deduziu ainda recurso subordinado, a que este último respondeu, apresentando, por seu turno, contra-alegações.

Dos recursos interpostos extraiu o Tribunal da Relação de Coimbra cinco questões, que identificou como sendo as questões a conhecer:

A – Nulidade da sentença (recurso subordinado interposto pela A.);

B - Impugnação da decisão de 1ª instância proferida em matéria de facto (recurso interposto pelo Réu AA);

C – Valor das benfeitorias indemnizáveis (recurso interposto pelo Réu AA e recurso subordinado interposto pela A.);

D – Direito de retenção reconhecido à A. (recurso interposto pela chamada CC e recurso interposto pelo Réu AA);

E – Apreciação do pedido reconvencional deduzido pela A./Recorrente CC”.

A final, em 16.10.2018, proferiu o Tribunal da Relação de Coimbra Douto Acórdão (fls. 1585/1609) contendo a seguinte decisão:

Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente apenas em parte o recurso interposto pelo R. AA, na parte em que defende e requer a derrogação da sentença recorrida quanto ao reconhecimento do direito de retenção reconhecido à A. sobre o imóvel objeto de arrendamento rural, o que se julga procedente; em julgar procedente apenas em parte o recurso interposto pela chamada CC, quanto à sobredita questão; em julgar procedente apenas em parte o recurso subordinado interposto pela A., quanto à arguida nulidade de sentença, que se reconhece e de cuja questão se toma conhecimento.

Pelo que, em consequência, se altera o dispositivo da sentença recorrida, o qual passa a ser o seguinte:

a) Julga-se parcialmente procedente a ação intentada pela sociedade “BB, L.da” e, consequentemente, decide-se:

1. Declarar válido e eficaz o contrato de arrendamento rural celebrado entre a A. e o R. AA em 01.01.1994 e declará-lo ineficaz relativamente aos chamados “DD - ..., SA” e CC;

2. Condenar o R. AA a reconhecer que a denúncia do dito contrato de arrendamento só produziu efeitos a partir do dia 31.12.2008;

3. Condenar o dito R. AA a pagar à A. a quantia de €60.583,48 (sessenta mil e quinhentos e oitenta e três euros e quarenta e oito cêntimos), a título de benfeitorias úteis feitas no arrendado e por si consentidas contratualmente por escrito, montante este acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, contados desde a data de citação deste R. e até efetivo pagamento, à taxa legal (4%).

4. Absolver o R. AA do demais peticionado.

b) Julga-se totalmente improcedentes as reconvenções deduzidas e, consequentemente, absolve-se a A. dos ditos pedidos reconvencionais.

c) Absolve-se o R. AA do pedido de litigância de má-fé.

d) Custas da ação e dos recursos interpostos a cargo de todas as partes na proporção dos respetivos decaimentos”.

4. Desta decisão vem o réu AA interpor o presente recurso de revista, pugnando pela improcedência da acção (fls. 1617/1623).

A terminar as suas alegações, o recorrente formula as conclusões que a seguir se reproduzem e que – deve assinalar-se – correspondem a uma versão reformulada, apresentada na sequência do despacho proferido pela presente relatora em 6.06.2019. Neste último, tendo-se verificado que não haviam sido cumpridos integralmente os requisitos do artigo 639.º, n.º 2, do CPC, convidava-se o recorrente, em observância do dever de gestão processual (artigo 6.º do CPC) bem como do disposto especialmente na lei (artigo 639.º, n,º 3, do CPC), a suprir as correspondentes faltas / deficiências[1]:
A) Vem o presente Recurso interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que decidiu o seguinte:
«Face ao exposto acorda-se em julgar procedente apenas em parte o recurso interposto pelo R. AA, na parte e que defende e requer a derrogação da Sentença recorrida quanto ao reconhecimento do Direito de Retenção reconhecido à A. sobre o imóvel objecto de arrendamento rural, o que se julga procedente; em julgar procedente apenas em parte o recurso interposto pela Chamada CC, quanto à sobredita questão; em julgar procedente apenas em parte o recuso subordinado interposto pela A., quanto á arguida nulidade de sentença, que se reconhece e de cuja questão se toma conhecimento. Pelo que, em consequência, se altera o dispositivo da Sentença recorrida, o qual passa a ser o seguinte:
a) Julga-se parcialmente procedente a ação intentada pela sociedade “ BB, Lda.” e consequentemente decide -se:
1. Declarar valido e eficaz o Contrato de Arrendamento rural celebrado entre a A. e o R. AA em 1.01.2004 e declara-lo ineficaz relativamente aos chamado “ DD- ..., SA” e “CC”.
2. Condenar o Reu AA a reconhecer que a denúncia do contrato de arrendamento só produziu efeitos a partir do dia 3.12.2008.
3.  Condenar o dito R. AA a pagar à A. a quantia de € 60.583,48 ( sessenta mil e quinhentos e oitenta e três euros e quarenta e oito cêntimos) a titulo de benfeitorias uteis feitas no arrendado e por si consentidas contratualmente por escrito, montante este acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, contados desde a data de citação deste R. e até efectivo pagamento, á taxa legal (4%).
4.  Absolver o R. AA do demais peticionado.
b) Julga-se totalmente improcedente as reconvenções deduzidas e, consequentemente absolve-se a A. dos ditos pedidos reconvencionais.
c)  Absolve-se o R. AA do pedido de litigância de má-fé.
d) Custas da ação e dos recursos interpostos a cargo de todas as partes na proporção dos respectivos decaimentos»
B) Não se conforma Réu AA com a decisão final proferida nos presentes autos daí o presente Recurso
C) Foi declarado valido e eficaz o Contrato de Arrendamento firmado entre AA e a A. BB em 1.01.2004, o qual tem por objecto um prédio com uma área total de 35 hectares.
D) Todavia a Autora explorou uma área superior ao 35hectares do prédio dado de arrendamento, explorou uma área total de 70 hectares, tendo implementado em TODA essa área as benfeitorias uteis fixadas nos Autos.
E) Só para as benfeitorias uteis implementadas no locado existe consentimento contratual escrito do Reu AA.
F) Não se encontra fixado no Autos quais foram as Benfeitorias uteis concretamente implementadas no locado, nem o Autor alegou o que fez e o que implementou nesse concreto prédio de 35 hectares objecto do Contrato de Arrendamento.
G) E muito mesmo está fixado e concretizado que o montante dos € 60.583,48 (sessenta mil e quinhentos e oitenta e três euros e quarenta e oito cêntimos) diz respeito a benfeitorias uteis concretamente feitas no arrendado e que foram consentidas contratualmente por escrito pelo Réu.
H) O titulo jurídico que legitima a condenação do Réu AA é o Contrato de Arrendamento firmado em 1.01.2004 e não estando concretizadas quais foram as benfeitorias em concreto implementadas no locado e o respectivo custo importaria que se tivesse proferido decisão a relegar esta concretização e liquidação para execução de sentença, sob pena de enriquecimento sem justa causa
I) O montante de € € 60.583,48 (sessenta mil e quinhentos e oitenta e três euros e quarenta e oito cêntimos) não diz respeito a benfeitorias implementadas no locado, objecto do Contrato de Arrendamento, mas à totalidade da área explorada pela autora, a qual EXCEDE o objecto do citado Contrato de Arrendamento.
J) Não existe nos Autos prova que permita imputar ao Reu AA qualquer montante a título de benfeitorias implementadas no prédio inscrito na matriz predial sob o artigo ... rustico cujo artigo foi posteriormente alterado para a inscrição nº 153, e muito menos imputar em concreto a quantia de € 60.583,48.
K) Pelo exposto, resulta manifesto e evidente que o Tribunal da Relação de Lisboa não atendeu á inversão do ónus da prova que recaiu sobre a BB, no que se refere à concreta área que foi efetivamente objecto do Contrato de Arrendamento Rural , pelo que violou o artigo 640º, nºs 1 al a),b), e c) do C.P.C.
L) Porque a condenação fixada pelo Tribunal da Relação de Lisboa de indemnizar a Autora por benfeitorias realizadas pela mesma excede a concreta área de terreno que foi dada de arrendamento pelo Contrato dado como assente nos Autos.
M) E o Reu provou esse facto não tendo a Autora ilidido o ónus de prova no sentido de demonstrar que todas as benfeitorias objecto da indemnização fixada no Acórdão da Relação de Lisboa foram implementadas unicamente nos 35 hectares abrangidos pelo Contrato de Arrendamento.
N) A ser corretamente aplicado o disposto no artigo no artigo 640º, nºs 1 al a),b), e c) do C.P.C., o Tribunal podia condenar, mas teria de relegar para execução de Sentença o apuramento do montante das benfeitorias implementadas na área do Contrato suporte deste processo.
O) Manter-se a condenação sobre o Recorrente nos termos expressos no Acórdão Recorrido ocorre violação do disposto nos artigo 473º e ss do Código Civil, porquanto o Réu foi condenado para além dos limites legais do Contrato que juridicamente o responsabiliza e estamos perante uma condenação sem “titulo” que acarreta para a Autora um enriquecimento sem justa causa.
P) Valorou ainda o Tribunal da Relação de Lisboa ,no Acórdão recorrido, erradamente o disposto nos artigos 14º, n1 e 15º nº 3 do DL 385/88 de 25/10 porquanto este é o diploma legal que regulava os Contratos de Arrendamento Rural à data e impunha que só as benfeitorias uteis eram indemnizáveis, sendo que no contrato apenas se diz que “ 1o Outorgante autoriza desde já o 2o outorgante a plantar pomares no prédio arrendado.
Q) O que é diferente de afirmar como o faz o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que o Reu autorizou a realização das benfeitorias.
R) Posto isto se a autorização foi apenas para plantar pomares para tudo o mais o Tribunal da Relação de Lisboa tinha de atender ao que está expresso na Lei em vigor à data.
S) Não tendo a Autora logrado provar que as benfeitorias que realizou são “uteis” para efeitos da supra citado Diploma Legal a acção só pode improceder”.
Na sequência da reformulação das conclusões, vem a autora / ora recorrida BB apresentar requerimento em que refuta a argumentação do recorrente, afirmando, além disso, que ele não deu integral cumprimento ao convite de aperfeiçoamento, pois não indicou o sentido com que as normas que foram objecto de errada interpretação pelo Tribunal recorrido deveriam ter sido interpretadas, conforme exige o artigo 639.°, n° 2, al. b), do CPC.

Como se sabe, o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC). As questões a decidir são, assim:
1.ª – se, ao condenar o réu / recorrente naquela obrigação de restituição, o Tribunal recorrido violou ou fez uma incorrecta interpretação do artigo 640.º, n.º 1, als. a), b) e c), do CPC;
2.ª – se, ao condenar o réu / recorrente naquela obrigação de restituição, o Tribunal recorrido violou ou fez uma incorrecta interpretação dos artigos 473.º e s. do CC; e
3.ª – se, ao condenar o réu / recorrente naquela obrigação de restituição, o Tribunal recorrido violou ou fez uma incorrecta interpretação dos artigos 14.º, n.º 1, e 15.º, n.º 3, do DL n.º 385/88, de 25.10.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

São os seguintes os factos provados e que se reproduzem tal como enunciados no Acórdão recorrido[2]:

1. Por escritura pública outorgada no dia 21.01.1991, EE declarou vender e FF e GG, na qualidade de representantes da sociedade "HH, L.da", declararam comprar, pelo preço de quinze milhões de escudos, o direito e acção a metade de um prédio rústico, composto por terras de regadio e sequeiro, casa e altos e baixos, um coberto e duas palheiras, denominado "...", freguesia e ..., concelho da ..., confrontando de Norte com o rio ..., Sul com herdeiros de II, Poente com herdeiros de JJ, Nascente com Dr. KK, não descrito na Conservatória do Registo Predial e inscrito na matriz respectiva sob os artigos … - rústico e ...- urbano, com o valor tributável correspondente de trezentos e quarenta e três mil e vinte escudos.

2. Na escritura pública referida em 1., EE declarou, ainda, que os referidos prédios e direitos lhe foram "adjudicados nos autos de inventário obrigatório, registado sob o número setenta barra setenta e seis da Primeira Secção do Tribunal Judicial da Comarca da ..., a que procederam por óbito de JJ, LL, MM e NN ( ... )".
3. Encontra-se inscrita (Insc. 1) na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa – 3.ª Secção, a incorporação, por fusão, da sociedade "HH, Lda." na sociedade "HH, S.A".
4. Encontra-se inscrita (Insc. 4 - AP, 10/20070122) na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa – 3.ª Secção, a incorporação, por fusão, da sociedade "DD … S.A." na sociedade "HH, S.A", tendo sido adoptada a firma "DD - ..., S.A.".
5. A "DD - ..., S.A.", em virtude da fusão aludida em 4., incorporou o património pertencente à sociedade "HHL.da", do qual faz parte o imóvel referido em 1…
6. Por escrito datado de 1 de Janeiro de 1994, sob a epígrafe "Contrato de Arrendamento Rural", o Réu AA e a A., representada por OO e PP, acordaram, designadamente, o seguinte: “1ª - O 1.º OUTORGANTE [o Réu AA] é dono e legítimo possuidor do prédio rústico denominado ..., sito na Freguesia de ..., concelho da ..., que confronta de Norte com Rio ..., Sul com Herdeiros de II, Poente com Herdeiros de JJ e Nascente com Dr. KK, não descrito na Conservatória do Registo Predial e inscrito na Matriz respectiva sob os artigos ... rústico e ... urbano. 2ª- O 1.º OUTORGANTE arrenda este prédio ao 2.º Outorgante pelo prazo de sete anos, renováveis automaticamente por períodos de três anos, com início em 1 de Janeiro de 1994. 3.ª - A renda será no montante anual de 200.000$00 (duzentos mil escudos) pagável na residência do 10 OUTORGANTE, no final do período a que respeita. 4.ª - O 1. OUTORGANTE autoriza desde já o 2.º OUTORGANTE a plantar pomares no prédio arrendado. ( ... ) 6.ª - Em tudo o que este contrato for omisso seguir-se-á a Lei em vigor."
7. Em 31 de Dezembro de 1996 entrou em vigor uma avaliação geral efectuada à propriedade rústica de todas as freguesias do concelho da ..., sendo que nessa data deixaram de estar em vigor os artigos da anterior matriz, não sendo possível ao Serviço de Finanças da ... certificar qualquer correspondência entre os artigos agora em vigor e os existentes na anterior matriz.
8. O prédio denominado "...", inscrito na matriz, desde o ano 1996, sob o artigo 153, é composto de terra de regadio e centeeiras, com árvores de fruto, mato, pinhal, casa e barracões agrícolas, tem a área total de 35 hectares, confronta a Norte com o Professor KK e outros, a Sul com QQ e outros, a Nascente com caminho e a Poente com o rio ..., pertencendo, em compropriedade, ao Réu, à chamada CC e à chamada "DD - ... SA", nas proporções de 1/4, 1/4 e 1/2, respectivamente.
9. Em 22/09/l997 deu entrada na Repartição de Finanças da ... um documento subscrito por RR, em representação da "HH, S.A.", com os seguintes dizeres: "( ... ) HH, Limitada ( ... ) proprietário do prédio RÚSTICO inscrito na respectiva matriz predial da freguesia de ... sob o artigo …, vem respeitosamente a V. Ex. se digne mandar proceder às seguintes rectificações. SITUAÇÃO: ...; DESIGNAÇÃO E DESCRIÇÃO DO PRÉDIO: Prédio rústico, denominado ..., composto de terras de regadio e centeeiras, com árvores de fruto, mato, pinhal, casas e barracões agrícolas. ÁREA TOTAL: 350.000 m2 NORTE: Prof. KK e outros; SUL: QQ e outros; NASCENTE: Caminho POENTE: Rio ... ( ... )".
10. O documento referido em 9. deu origem ao Processo de Reclamação ..., na Repartição de Finanças da ..., do qual faz parte o documento com os seguintes dizeres: "(…) cumpre-me informar V Exa. que o artigo rústico … da freguesia de ... tem a área de 1.200.000 m2 ( .. )".
11. Do teor do artigo … da matriz predial rústica de ..., em vigor até 29 de Junho de 2007, pode-se verificar, no fim da coluna denominada "Área parcial e total - Hectares", que o valor 112,000 foi riscado, tendo sido inscrito o valor 35,000.
12. Em 1 de Julho de 2004 a sociedade "HH, S.A." requereu (ap. n.º 7-7-0), na Conservatória do Registo Predial da ..., que fosse registado a seu favor, bem como a favor de CC e de AA, o "Prédio misto, sito na ... ( ... ) denominado "...", composto de um prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... e terras de regadio, com árvores de fruto, mato, pinhal, rapas e barracões agrícolas (...) inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ..., hoje na sequência da actualização efectuada à matriz rústica e que entrou em vigor em 1997, Artigo 153, correspondente à verba 11 do documento complementar anexo à escritura de compra e venda outorgada em 21 de Janeiro de 1991 no Cartório Notarial de ...( ... ) não descrito na Conservatória do Registo Predial".
13. No dia 27 de Dezembro de 2006 o Réu AA, reportando-se ao contrato mencionado em 6., enviou à A. uma carta registada, com aviso de recepção, com o seguinte conteúdo: "Vimos pela presente, nos termos da lei denunciar o contrato acima referido [contrato de arrendamento rural celebrado em 1 de Janeiro de 1994 - ... ...], relativo ao arrendamento rural da ..., inscrita na matriz predial rústica sob o artigo ... e na matriz predial urbana sob o artigo ..., ambos da freguesia de ..., concelho da ..., com referência ao dia 31 de Dezembro de 2007. Em tal data, os referidos prédios deverão ser-me entregues livres e desocupados de pessoas e bens (...). Aproveito para chamar a atenção de V. Exas. para o facto de existirem rendas vencidas que não foram ainda pagas, pelo que agradeço a sua regularização com a maior brevidade possível."
14. O prédio referido em 6. destinava-se à exploração agrícola de frutícolas.
15. A A. podou, pulverizou, adubou, regou e limpou o terreno do imóvel mencionado em 6.
16. Foi emitido à ordem do Réu AA o cheque ..., da conta n.º ..., titulada pela A., no valor de Esc.200.000$00, sacado sobre a C.C.A.M. de ... e ..., agência da ..., no qual consta a data de 5 de Fevereiro de 1997.
17. Foi emitido à ordem de CC o cheque n.º ..., da conta 11.° ..., titulada por OO, no valor de 100.000$00, sacado sobre a C.C.A.M. de ..., ... e Peniche, agência da ..., no qual consta a data de 14 de Junho de 2000.
18. A A. não desocupou o prédio referido em 6.
BI                                                                                                                            
19. A título de “renda” respeitante ao imóvel referido em 6. a A. procedeu ao pagamento ao Réu das quantias mencionadas nos documentos juntos a fls. 166 a 203 e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido.
20. No dia 10 de Setembro de 2007 PP pagou a SS a quantia de €2.500,00, a título de "renda" respeitante ao imóvel referido em 6.
21. A A. abriu valas para implantar o sistema de rega no prédio referido em 6.
22. A A. retanchou pereiras rocha na parcela com 10 hectares, plantou cerca de 16 hectares com macieiras bravo de esmolfe e cerca de 28 hectares com pessegueiros, no imóvel referido em 6.
23. A A., desde que iniciou a exploração do terreno aludido em 6, substituiu 1000 pereiras da variedade rocha e plantou 18.500 macieiras da variedade bravo de esmolfe e 46.000 pessegueiros de diferentes variedades.
24. O custo que a A. teve com as referidas árvores, à data, foi de cerca de €1.870,00, €37.000,00 e €86.020,00, respectivamente.
25. E com a sua instalação teve os seguintes custos: cerca de €7.198,00 com as pereiras; cerca de €92.807,00 com os pessegueiros e cerca de €60.128,00 com as macieiras.
26. O valor actual do capital fundiário terra e “obras” existentes no prédio referido em 6. é de €1.424.481,25.
27. O valor, em 1994, do capital fundiário terra “nua” da parcela aludida em 6. com cerca de 60ha era de €780.681,00 e actualmente é de €915.985,00.
28. O valor da parcela com cerca de 10 ha de pereiras da variedade rocha, em 1994, era de €172.118,00.
29. As ditas plantações, e respectivas instalações, na parcela de terreno aludida em 6., fez aumentar o seu valor em €8.294,00 relativamente às 1000 pereiras rocha; €187.200,00 relativamente às macieiras e €124.440,00 relativamente aos pessegueiros.
30. A A. colocou terras e pedras em diversos locais da mota do rio ....
31. A A. procedeu ao arranque das macieiras velhas e doentes.
32. A A. gastou com as obras de colocação de pedra e terra para reparação da parte da mota do rio a quantia de €1.640,00.
33. A A. abriu valas para drenagem e procedeu à colocação de drenos enterrados, gastando a quantia de €4.984,00.
34. A A., desde que iniciou a exploração do terreno aludido em 6, substituiu 1000 pereiras da variedade rocha e plantou 18.500 macieiras da variedade bravo de esmolfe e 46.000 pessegueiros de diferentes variedades.
35. A A. gastou na dita substituição cerca de €7.198,00 e na plantação €37.000,00 e €86.020,00, respectivamente.~
36. A A. procedeu a obras de remodelação do posto de transformação e comprou os materiais necessários à sua aprovação e funcionamento, e comprou e instalou quadros eléctricos novos, transformador, sistema de ligações e corte, no que gastou €5.000,007. 37. A A. abriu uma charca, procedeu à compactação das terras das margens e à remoção das terras, despendendo a quantia de €22.500,00.
38. A A. procedeu à instalação de um sistema de rega gota a gota, com sistema de adubação automática em aproximadamente 56,6ha hectares.
39. Para esse efeito, comprou e instalou no imóvel bombas, filtros, programador (computador), quadros eléctricos, electroválvulas, tubagem enterrada e tubo gota a gota, e procedeu à abertura e tapagem de valas para enterrar a tubagem de distribuição de água do sistema de rega gota a gota.
40. Tendo gasto, com os materiais utilizados e a mão-de-obra aplicada na compra e instalação do sistema de rega a quantia de €134.400,00.
41. A A. instalou um sistema de rega por aspersão em cerca de 49 hectares do imóvel, tendo, para tanto, comprado e instalado bombas, filtros, programador, termóstatos, quadros eléctricos, electroválvulas, tubagem enterrada e aspersores e procedido à abertura e tapagem de valas para enterrar a tubagem do distribuição de água do sistema de rega por aspersão, despendendo a quantia de €147.000,00.
42. A A. num armazém já existente, instalou uma câmara frigorífica, procedeu ao isolamento das paredes, tecto e piso da parte do armazém onde implantou a câmara frigorífica e comprou e instalou motores de compressão, evaporadores e componentes eléctricos, gastando a quantia de €8.500,00.
43. A A. criou um cais para cargas e descargas da fruta, despendendo, com a compra dos materiais e a mão-de-obra utilizada na instalação do cais para cargas e descargas a quantia de €750,00.
44. Em construções já existentes no imóvel e para utilização dos trabalhadores, a A. construiu um refeitório com chaminé e lareira e balneários com casas de banho, despendendo, com a compra dos materiais e mão-de-obra utilizada na construção do refeitório e do balneário, a quantia de €3.000,00.
45. A A., para explorar o imóvel referido em 6., teve de contratar vários funcionários a tempo inteiro, bem como comprar máquinas e instrumentos de trabalho.
46. A A. apresentou ao Ifadap 6 projectos de financiamento tendo por objecto o prédio mencionado em 6.
47. No âmbito de cada projecto foram pagas à A. as seguintes quantias: - projecto de financiamento n.º …, recebeu a quantia de € 20.575,41; - projecto de financiamento n.º ..., recebeu a quantia de € 17.058,00; - projecto de financiamento n.º …, recebeu a quantia de € 95.026,05; -projecto de financiamento n.º …, recebeu a quantia de € 48.580,92; -projecto de financiamento n.º …, recebeu a quantia de € 36.417,86; - projecto de financiamento n.º …, recebeu a quantia de € 62.267,69.
48. O projecto n.º ... tinha como objectivo “Melhoramentos fundiários 970 m na reposição das terras e margens do Rio”.
49. O projecto n.º ... tinha como objectivo a “plantação de cerca de 6,2ha de pomares de pessegueiros. Montagem do sistema de rega por aspersão. Montagem de um PT para fornecimento de En. Eléctrica. Aquisição de um cultivador de inter-filas”.
50. O projecto n.º ... tinha como objectivo “Plantação de 4,3ha de macieiras e 8ha de Pessegueiros com a instalação de rega gota a gota e rega anti-geada. Aquisição de máquina automizada para colheita de fruta”.
51. O projecto n.º ... tinha como objectivo “Plantação de 8,5ha de pomar de pessegueiros e instalação de rega gota a gota e sistema anti-geada. Aquisição de uma fresa automática para cultivar…”.
52. O projecto de financiamento n.º ... tinha como objectivo a “Plantação de 3 ha de macieiras de bravo de esmolfe e 2ha de pessegueiros…instalação de rega gota a gota e rega anti-geada”.
53. O projecto de financiamento n.º ... tinha como objectivo “Plantação de 10,3ha de pomar de pessegueiros numa área (68ha) de propriedade, que por estar abandonada (inculta), não tem vindo a ser referida nos projectos anteriores (…)”.


Vem como não provado o seguinte:
a) A "DD- ..., S.A" consentiu na celebração do contrato referido em 6.. b) CC visita, com frequência, o prédio referido em 6. c) A instalação do sistema de rega pela A. provocou um sulco que se repete ao longo do comprimento da estrada. d) A sociedade A. solicitou outro tipo de apoio, nomeadamente ajudas directas para as parcelas da propriedade da .... e) Aquando do acordo referido em 6, a A. e o Réu estipularam que o "arrendamento" se manteria pelo menos durante 25 a 30 anos. f) Aquando do acordo referido em 6, a A. e o Réu estipularam que à "renda" anual acrescia um montante anual a pagar pela A. em função do rendimento obtido no imóvel. g) A A. pagou a dívida que o Réu tinha para com a EDP. h) A A. arrancou os paus de xisto que existiam nos pomares. i) A instalação do sistema de rega gota a gota aludido em 31. abarcou aproximadamente 70ha. j) A A. gastou a quantia de €2.500,00 na criação do cais para cargas e descargas da fruta aludido em 36.. k) A A. gastou a quantia de € 4.000,00 na construção refeitório com chaminé e lareira e balneários com casas de banho aludidos em ... l) A A. gastou na compra das árvores aludidas em (macieiras, pereiras e pessegueiros) a quantia de €327.500,00. m) A A. ampliou e compactou as margens e removeu as terras de duas outras pequenas charcas já existentes, tendo pago a quantia de €10.000,007.        n) A charca aludida em 30. tem capacidade para 10.000 metros cúbicos. o) O prédio referido em 6. valia, quando a A. o começou a amanhar, €300.000,00, sendo que actualmente tem o valor aproximado de €1.300.000,00. p) A A. gastou com as obras de melhoramento da mota do rio, em máquinas e mão-de-obra, a quantia de €30.000,00. q) A A. gastou, com o arranque das árvores velhas, silvas e mato e queima destas, em máquinas e mão-de-obra, a quantia de €25.000,00. r) A A. na abertura das valas para drenagem e colocação de drenos enterrados, gastou €20.000,00. s) Quando a A. começou o amanho do prédio referido em 6., aquele era composto por uma parte, com aproximadamente 10 hectares, com muitas árvores mortas. t) As árvores não eram podadas, nem regadas, nem sujeitas a adubações ou a tratamentos fitossanitários. u) A margem do rio ... (mota do rio) havia rebentado em vários locais e a água invadia o prédio, rasgando grandes sulcos e levando o terreno. v) Várias zonas do prédio encontravam-se cobertas de silvas e mato, assim como as árvores ainda existentes. x) Quando o nível da água no rio ... baixava não havia água para rega.         z) A A. limpou o terreno das silvas e do mato que tinham invadido o prédio.     y) A restante parte do prédio, com aproximadamente 60 hectares, tinha plantadas macieiras com mais de 30 anos e pessegueiros com cerca de 20 anos de idade, em grande parte mortas, devido à idade e às doenças resultantes da falta de amanho e tratamento, apresentando o prédio grandes manchas de terreno sem qualquer árvore. w) O objectivo da A. na colocação de terras e pedras em diversos locais da mota do rio ... foi evitar que este não invadisse o prédio e não levasse o terreno. aa) A A procedeu ao arranque dos pessegueiros velhos e doentes. bb) A A. lavrou o terreno e, posteriormente, procedeu à sua gradagem, terraplanagem e nivelamento, bem como à armação de cambalhões, correção dos solos e adubação de fundo para plantar as árvores, no que despendeu a quantia de €90.000,00.

O DIREITO
Como se viu, a 1.ª questão é a de saber se, ao condenar o réu / recorrente naquela obrigação de restituição, o Tribunal recorrido violou ou fez uma incorrecta interpretação do artigo 640.º, n.º 1, als. a), b) e c), do CPC.
 Resulta ela do grupo de conclusões em que o recorrente suscita, pela primeira vez, um problema de errada interpretação de normas – as conclusões K) a N).
Refere-se o artigo 640.º do CPC ao ónus do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto e tem, no número e nas alíneas indicadas, o seguinte teor:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
Impondo a norma um ónus a cargo do recorrente aquando da impugnação, por parte dele, da decisão sobre a matéria de facto, não é fácil compreender a sua invocação no presente contexto. Acresce que, como afirma a autora / recorrida, as conclusões mencionadas não permitem esclarecer o sentido em que, no entender do recorrente, esta norma deveria ter sido interpretada ou, pelo menos, não sendo lógico retirar dela que uma “inversão do ónus da prova [] reca[ía] sobre a BB no que se refere à concreta área que foi efetivamente objecto do Contrato de Arrendamento Rural” [cfr. conclusão K)].
Mesmo que se concluísse, com algum esforço – deve dizer-se – que, com esta invocação o recorrente pretendia, de facto, que o Supremo Tribunal de Justiça se pronunciasse sobre a apreciação da decisão sobre a matéria de facto, feita pelo Tribunal recorrido a pedido do recorrente, a sua pretensão não poderia ser acolhida.
A intervenção deste Supremo Tribunal no tocante à decisão sobre a matéria de facto é meramente residual, destinando-se a garantir a observância das regras de Direito probatório material ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, conforme resulta das disposições do n.º 3 do artigo 674.º e do n.º 3 do artigo 682.º do CPC[3]. A norma do artigo 640.º do CPC é uma norma da lei processual e por isso a sua violação não é susceptível de constituir fundamento para uma intervenção deste tipo.

A 2.ª questão é a de saber se, ao condenar o réu / recorrente naquela obrigação de restituição, o Tribunal recorrido violou ou fez uma incorrecta interpretação dos artigos 473.º e s. do CC.

Resultaria esta violação do facto de “o Réu [ter sido] condenado para além dos limites legais do Contrato que juridicamente o responsabiliza e esta[r]mos perante uma condenação sem 'titulo' que acarreta para a Autora um enriquecimento sem justa causa” [conclusão O)].

Mais uma vez, não se compreende bem onde reside a violação nem qual é a interpretação sustentada para as normas em causa (e nem tão-pouco quais as normas alegadamente violadas para além do artigo 473.º do CC, já que se o recorrente se limita a remeter para as seguintes).

Retirando do facto provado sob o número 6 que a plantação de pomares estava autorizada por escrito no contrato (cláusula 4.ª[4]), enquadrando a plantação de pomares no conceito de benfeitorias úteis[5] e verificando que elas não podiam ser levantadas sem detrimento do prédio[6], o Tribunal a quo concluiu que o arrendatário tinha o direito de ser compensado por tais benfeitorias de acordo com as regras do enriquecimento sem causa (artigos 473.º a 482.º do CC). Para a fixação da obrigação de restituição atendeu, designadamente, aos artigos 473.º e 479.º do CC[7], ponderando o valor do enriquecimento do réu e o valor do empobrecimento da autora. Seguiu o método de cálculo adoptado pelo Tribunal de 1.ª instância, apoiando-se, em especial, nos factos provados sob os números 22, 23, 29, 34, 46, 47, 49, 50, 51, 52 e 53.

Em face disto, não se vê que concluir-se que houve condenação do réu “para além dos limites legais do Contrato que juridicamente o responsabiliza ou “condenação sem 'titulo' que acarreta para a Autora um enriquecimento sem justa causa”.

E ainda que, por mera hipótese, se devesse interpretar esta última referência como uma pretensão do recorrente a que a autora fosse condenada numa obrigação de restituição por enriquecimento sem causa, então nem sequer se poderia conhecer desta alegação. Tratar-se-ia de uma questão nova. Ora, como é consensualmente entendido, o Supremo Tribunal de Justiça só pode apreciar as questões já suscitadas ao tribunal recorrido a não ser que sejam de conhecimento oficioso[8] – o que manifestamente não é o caso.

Passando, por fim, a 3.ª questão é a de saber se, ao condenar o réu / recorrente naquela obrigação de restituição, o Tribunal recorrido violou ou fez uma incorrecta interpretação dos artigos 14.º, n.º 1, e 15.º, n.º 3, do DL n.º 385/88, de 25.10

Não se discute que ao contrato em causa nos autos seja aplicável o DL n.º 385/88, de 25.10.

No entanto, segundo o recorrente, o Tribunal recorrido teria violado o disposto nos artigos 14.º, n.º 1, e 15.º, n.º 3, deste diploma, ao decidir pela existência daquele “direito de indemnização” pelas benfeitorias.

Novamente aqui, é difícil compreender em que reside exactamente tal violação [conclusões P) a S)]. Tão-pouco se compreende qual a interpretação propugnada pelo recorrente.

Dispõe-se no artigo 14.º, n.º 1, que “[o] arrendatário pode fazer no prédio ou prédios arrendados benfeitorias úteis com o consentimento do senhorio ou, na falta deste, mediante um plano de exploração a aprovar pelos serviços regionais do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação no prazo de 90 dias a contar com a recepção do pedido, depois de ouvidas as partes ou os seus representantes”.

E dispõe-se no artigo 15.º, n.º 3, que “[se] houver resolução do contrato por parte do senhorio, ou quando o arrendatário ficar impossibilitado de prosseguir a exploração por razões de força maior, tem o arrendatário direito a exigir indemnização pelas benfeitorias necessárias e pelas úteis consentidas pelo senhorio, calculadas estas segundo as regras do enriquecimento sem causa”.

Aquilo que fez o Tribunal recorrido – repete-se – foi o seguinte: retirando do facto provado sob o número 6 que a plantação de pomares estava autorizada por escrito no contrato (cláusula 4.ª), enquadrando a plantação de pomares no conceito de benfeitorias úteis e verificando que elas não podiam ser levantadas sem detrimento do prédio, concluiu que o arrendatário tinha o direito de ser compensado por tais benfeitorias de acordo com as regras do enriquecimento sem causa (artigos 473.º a 482.º do CC). Para a fixação da obrigação de restituição atendeu, designadamente, aos artigos 473.º e 479.º do CC, ponderando o valor do enriquecimento do réu e o valor do empobrecimento da autora. Seguiu o método de cálculo adoptado pelo Tribunal de 1.ª instância, apoiando-se, em especial,, nos factos provados sob os números 22, 23, 29, 34, 46, 47, 49, 50, 51, 52 e 53.

É visível que a condenação, pelo Tribunal a quo, do réu / recorrente nesta obrigação de restituição não contraria nenhuma das normas mencionadas.


                                   *

III. DECISÃO

Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o acórdão recorrido.

                                                           *

Custas pelo recorrente.

                                                           *

LISBOA, 12 de Novembro de 2019

Catarina Serra (Relatora)

Raimundo Queirós

Ricardo Costa

___________________
[1] A reformulação assenta, essencialmente, no aditamento das conclusões K) a S).
[2] Note-se que a decisão sobre a matéria de facto foi impugnada na apelação mas mantida pelo Tribunal recorrido.
[3] Sobre isto cfr., por todos, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018 (5.ª edição), pp. 397 e s. e pp. 431 e s.
[4] Consta da cláusula 4.ª do contrato o seguinte: “O 1. OUTORGANTE autoriza desde já o 2.º OUTORGANTE a plantar pomares no prédio arrendado…”
[5] O conceito está definido no artigo 216-º, n.º 3, do CC, do qual decorre que são benfeitorias úteis “as que, não sendo indispensáveis para a [] conservação [do prédio], lhe aumentam, todavia, o valor”.
[6] O requisito é imposto pelo artigo 1273.º, n.º 2, do CC, onde se dispõe que “[q]uando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa”.
[7] Dispõe-se no artigo 473.º, n.º 1, do CC que “[a]quele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou” e, no n.º 2, que “[a] obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou”. Dispõe-se no artigo 489.º do CC que “[a] obrigação de restituir fundada no enriquecimento causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente” e, no n.º 2, que “[a] obrigação de restituir não pode exceder a medida do locupletamento à data da verificação de algum dos factos referidos nas duas alíneas do artigo seguinte”.
[8] Cfr., só para um exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.09.2018, Proc. 3316/11.7TBSTB-A.E1.S1 (disponível em http://dgsi.pt), em que se diz: “[o]s recursos destinam-se a reapreciar e, eventualmente, a alterar/modificar decisões proferidas sobre questões anteriormente decididas e não a decidir questões novas ou a criar decisões sobre matéria nova, não sendo, por isso, lícito às partes invocarem, nos mesmos, questões que não tenham suscitado perante o tribunal recorrido, a menos que se esteja perante questões de conhecimento oficioso”.