Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
539/05.1TBCBC.G2.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: ANULAÇÃO DE JULGAMENTO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
RENOVAÇÃO DA PROVA
PODERES DA RELAÇÃO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
DECISÕES CONTRADITÓRIAS
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
FORÇA VINCULATIVA
ACESSO AO DIREITO
CONTRATO DE EMPREITADA
RESCISÃO DE CONTRATO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
INTERPELAÇÃO
CONTINUAÇÃO DA OBRA
ABANDONO DA OBRA
Data do Acordão: 10/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / PRAZO DA PRESTAÇÃO / NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / MORA DO DEVEDOR / CONTRATOS EM ESPECIAL / EMPREITADA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( NULIDADES ) / RECURSOS / ALTERAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO / RECURSO DE REVISTA / NOVO JULGAMENTO.
Doutrina:
- Pedro Romano Martinez, Contrato de Empreitada, Almedina, 1994, 185.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 275.º, N.º2, 777.º, N.ºS 1 E 2, 805.º, N.º1, 808.º, 1229.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 615.º, N.º 1, AL. D), 662.º, N.º 3, AL. C), 674.º, N.º3, 683.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 6-3-2007 E DE 12-2-2008, CJ, 1, 84, PROC. N.º 74/07 E PROC. N.º 4654/07; DE 29-5-2007, PROC. N.º 1102/07, DE 18-10-2007, PROC. N.º 2195/07, DE 9-12-2008 E DE 13-9-2011, PROC. N.º 965/2008 E 6622/05, DE 2-3-2009, PROC. N.º 362/2009, DE 16-5-2015, PROC. N.º 236/06.
-DE 3-3-2016, PROC. Nº. 5429/11.
Sumário :
I - A anulação do julgamento tendo em vista a ampliação da matéria de facto não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições (art. 662.º, n.º 3, al. c) do CPC) daqui resultando que não é admissível a produção de nova prova ou a renovação de prova incidente sobre a parte da decisão que não esteja viciada.

II - Assim sendo, o Tribunal da Relação que determinar a anulação da decisão tendo em vista a ampliação da matéria de facto não incorre em qualquer nulidade, designadamente excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC), quando aprecia os recursos interpostos na parte em que impugnam a matéria de facto no tocante aos factos que não sejam suscetíveis de estar em contradição com os factos a aditar mercê da ampliação.

III - No tocante às questões de direito que o Tribunal da Relação haja tratado tendo em vista justificar a ampliação da matéria de facto, a primeira instância não está vinculada aos entendimentos assumidos pelo Tribunal da Relação contrariamente ao que sucede quando o STJ manda julgar novamente a causa, definindo o direito aplicável nos termos do artigo 683.º, n.º 1 do CPC.

IV - Se o Tribunal da Relação, no entanto, decidir algum dos pedidos e simultaneamente anular a decisão de 1.ª instância para ampliação da matéria de facto e verificando-se que o recurso interposto pelo recorrente vencido relativamente a esse pedido não foi admitido pelo STJ com base no entendimento de que, em caso de anulação, não releva processualmente o decidido na Relação que extravase o âmbito da anulação, então, nesse caso, os princípios do acesso ao direito e da segurança jurídica impõem que não se considerem precludidas, por força da decisão da Relação, a apreciação das questões de direito suscitadas.

V - No contrato de empreitada, o dono da obra não rescinde validamente o contrato se, ainda no decurso do prazo para conclusão da obra, interpela o empreiteiro para prosseguir os trabalhos no prazo máximo de 3 dias sob pena de considerar que houve abandono da obra e o contrato rescindido por culpa do empreiteiro, constatando-se que o empreiteiro não abandonou a obra e nela procedia a trabalhos embora com interrupções.

VI - Se o dono da obra, nas mencionadas circunstâncias, impedir subsequentemente o empreiteiro de aceder à obra e entregar a conclusão da empreitada a outro empreiteiro, tal situação configura desistência da empreitada (art. 1229.º do CC)

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1. AA, Lda. intentou no dia 28-7-2005 ação declarativa com processo ordinário contra BB e CC pedindo a condenação dos RR no pagamento de 90.823,00€, capital e juros de mora vencidos, acrescida de juros de mora vincendos à taxa legal até efetivo pagamento.

2. Alegou que celebrou com os RR empreitada para construção de casa de habitação pelo preço de 162.109,32€ acrescido de IVA à taxa em vigor a pagar no decurso da obra e até ao seu termo; a obra iniciou-se em junho de 2000 e a construção prosseguiu ininterruptamente até finais de novembro de 2002; foram pedidos trabalhos a mais no montante de 11.685,80€.

3. Quando a obra já estava quase finda, os trabalhos não puderam prosseguir porque os réus em dezembro de 2002 mudaram as chaves das portas de acesso à obra, não mais permitindo o acesso à obra. Esta prosseguiu com outro empreiteiro contratado pelos donos da obra.

4. A A. reclama, face ao incumprimento definitivo do contrato, os gastos de trabalho e o valor do proveito que poderia tirar da execução da obra (artigo 1229.º do Código Civil). Segundo a autora, os RR pagaram 117.802,18€; devem a quantia de 39.622,45€ respeitante a trabalhos realizados e não pagos, para além do indicado valor de 11.685,80€ de trabalhos a mais, num total de 51.308,25€; os juros de mora vencidos contam-se do incumprimento definitivo do contrato em dezembro de 2002. No tocante à indemnização respeitante ao proveito da obra, considera a A. o valor de 24.316,90€ correspondente a 15% do total contratado, percentagem que corresponde à margem de lucro habitual neste tipo de obra.

5. Os RR, por sua vez, alegam que o preço da empreitada integrava o valor de IVA e que efetuaram pagamentos no montante de 117.217,54€; estava previsto que o termo da construção ocorreria em junho de 2001, mas os trabalhos atrasaram-se por falta de pessoal; já efetuado o pagamento de 9.975,96€ em 10-5-2002, o réu enviou carta datada de 7-10-2002 onde referia que a obra estava abandonada há mais de 8 meses e que, quando foi entregue o último cheque, foi prometido pela A que a obra acabaria até ao fim de outubro corrente; mais referia que há mais de um mês que não anda ninguém na obra que está abandonada e, por isso, fixava à A. o prazo máximo de 3 dias após receção da carta para " retomar os trabalhos com intuito de os acabar rapidamente" sob pena de se considerar que a obra foi definitivamente abandonada, forçando-se a sua entrega a outro empreiteiro com inerente pedido de indemnização por todos os prejuízos causados; mais tarde, em 21-11-2002, os RR enviaram outra carta à A. declarando que verificaram que ela estava abandonada e sem fim à vista, ocorrendo abandono da obra e, por conseguinte, rescindido o contrato, declarando ainda que os trabalhadores da autora ficaram proibidos de entrar na obra cuja conclusão iria ser entregue a outro empreiteiro. A esta carta respondeu a A. em 27-11-2002 referindo que o réu estava em falta com o pagamento das prestações acordadas e com os trabalhos a mais, que não acatava a proibição de entrar na obra e que continuaria a sua execução ao ritmo permitido pelas suas capacidades financeiras face à falta de pagamento de algumas prestações e trabalhos a mais. Há ainda uma carta do réu dirigida à A. em 18-2-2003 onde refere que " não tendo surtido efeito prático as cartas que vos enviamos em 7-10-2002, 31-10-2002 e 21-11-2002 já que a obra continua abandonada e sem fim à vista. Apesar de termos levado em consideração o pedido do v/ advogado através da sua comunicação, chegamos à conclusão que V. Exªs não pretendem honrar o contrato para conclusão da empreitada. Assim sendo, pela última vez vimos informar V.Exªs que se no prazo máximo de 5 dias (cinco) não nos enviarem uma declaração/contrato com data para conclusão da empreitada, vamos recorrer a tribunal para exigir uma indemnização pelos prejuízos que voluntariamente nos causaram".

6. Deduziram os RR reconvenção pedindo a condenação da A. no pagamento de 73.801,00€ com juros de mora desde a citação até integral pagamento. Os réus consideraram que faltava liquidar ao empreiteiro 44.893,00€ (diferença entre o preço da empreitada de 162.110€ e os pagamentos feitos no montante de 117.217€).

7. Segundo os réus, na conclusão da obra gastaram 106.694€ e, por isso, tiveram um prejuízo de 61.801,00€ correspondente à diferença entre o que teriam de liquidar à A. se esta tivesse concluído os trabalhos e o que acabaram por gastar com a conclusão da obra (106.694-44.893); por danos morais reclamaram 10.000€; reclamaram ainda 2000€ de custos com gasolina, deslocações no acompanhamento de obras e aquisição de materiais decorrentes da nova empreitada.

8. Foi proferida sentença (fls. 577/590) em que se considerou que a pretensão da autora pressupunha a prova de que as obras executadas, incluindo os trabalhos a mais, importavam um custo superior ao valor já recebido de 117.216,60€; tão pouco ficou provado qual o lucro que a autora retiraria do negócio; no que respeita ao incumprimento do contrato, considerou a sentença que a sujeição, por parte da autora, do bom andamento da obra à realização de mais um pagamento por parte dos réus carece de cobertura legal e a laboração em ritmo lento por falta de pessoal suficiente e por paragens temporárias configura uma situação de mora no cumprimento da obrigação de conclusão da obra (artigo 1207.º e 1208.º do Código Civil). Não tendo a autora concluído a obra nem mesmo depois da carta de 18-2-2003, a autora entrou novamente em incumprimento definitivo da sua prestação contratual.

9. Improcedeu também o pedido reconvencional considerando que o valor suportado pelos RR para a conclusão dos trabalhos foi de 17.359,94€ a que acrescem custos no montante de 900,00€ num total de 18.269,54€, valor que está aquém do montante que teriam de pagar à autora por conta dos trabalhos da empreitada; não existindo, assim, prejuízo indemnizável, não se justifica indemnização autónoma no caso vertente a título de danos não patrimoniais.

10. O Tribunal da Relação por acórdão de 10-4-2012 julgou parcialmente a apelação da autora alterando a resposta do quesito 3º para provado - "O preço acordado para a execução da obra referida na alínea B) da matéria assente foi de 162.109,32€" (quesito 2 provado) a que acrescia IVA à taxa legal em vigor (quesito 3)"; anulou o julgamento para ampliação da matéria de facto considerando que " é de essencial importância apurar se a autora já tinha efetuado obras em valor superior àquele que foi pago pelo réu, ou seja, se o réu restava em dívida para com a autora, designadamente em maio e novembro de 2002, quando esta condicionou a continuação da obra ao pagamento das prestações em falta".

11. A razão de ser da anulação da sentença para ampliação da matéria de facto fundou-se no facto de a autora no artigo 18.º da petição ter reclamado a quantia de 39.622.45€ e a quantia de 11.685,80€ de trabalhos extra considerando que tais valores respeitavam " a trabalhos realizados e não pagos", ou seja, importava analisar, face ao alegado, se a autora tinha prestado trabalhos em montante superior ao valor que os réus tinham pago. A pretensão da autora tinha improcedido porque a sentença tinha considerado que constituía premissa essencial da afirmação do direito da autora a "prova de que a obra por si realizada - nesta incluídos os trabalhos extra que executou - vale mais do que o valor por si recebido por conta da mesma - o que não resulta dos autos".

12. No que respeita à apelação dos réus, o acórdão de 10-4-2012 julgou-a improcedente na parte que foi possível conhecer de imediato - impugnação da matéria de facto (pedido de alteração das respostas aos quesitos 24, 25 e 26) e pedido de condenação em danos morais em quantia não inferior a 10.000 euros - que não ficou prejudicada pela anulação do julgamento.

13. Os réus interpuseram recurso de revista que não foi admitido, por decisão do relator no STJ, considerando-se que não releva processualmente " o decidido na Relação que extravasa do mencionado âmbito (anulação do julgamento), não havendo, pois, ainda e sequer, qualquer relevante decisão da 1ª instância a legitimar correspondente tomada de posição por parte da Relação e, pois, interposição de recurso para este Supremo".

14. Os réus requereram que se efetivasse prova pericial sobre o quesito 24 respeitante aos gastos dos réus com a conclusão da obra.

15. Foi proferida nova sentença, após julgamento efetuado na sequência da anulação do julgamento, julgando-se parcialmente procedente por provada a ação, condenando-se os réus a pagar a quantia de 51.894,43€ (40.208,63€+11.685,80€) e a de 702,60€ (lucro indemnizável fixado na base de uma taxa de 15% em termos de equidade sobre o montante dos trabalhos cuja conclusão faltava terminar), acrescidos de IVA à taxa legal em vigor, absolvendo-se do mais contra si peticionado sendo devidos juros sobre o capital desde a citação até efetivo pagamento à taxa legal; julgou-se improcedente por não provada a reconvenção.

16. A decisão considerou que a condenação na aludida quantia se impõe uma vez provado trabalhos realizados e não pagos; no que respeita ao incumprimento, salientou-se que não estava fixado prazo certo para o cumprimento da empreitada, impondo-se interpelação fixando prazo razoável para a conclusão dos trabalhos (artigo 777.º/1 e 2 do Código Civil); face à mora, a sua conversão em incumprimento definitivo imporia a fixação de prazo para a conclusão do contrato (artigo 808.º/1 do Código Civil) o que não se verificou em nenhuma das cartas enviadas pelos réus.

17. O Tribunal da Relação por acórdão de 14-4-2016 julgou improcedente a apelação confirmando-se a sentença.

18. Interposta revista deste acórdão para o STJ os réus sustentam o seguinte:

A) Que o acórdão recorrido incorre em nulidade porque tinha de se pronunciar sobre a questão da interpretação da decisão do Supremo (ver supra 13) no sentido de se repetir todo o julgamento da 1ª instância mercê da anulação decretada pela Relação. Os réus sustentaram junto da Relação que o novo julgamento a efetuar na 1ª instância tinha de incidir sobre toda a factualidade que estava em causa e não somente sobre a matéria da ampliação sob pena de ilegalidade que anula todo o processo (artigo 615.º/1, alíneas d) e e) do CPC - ver conclusões IV a VI do recurso de apelação a fls. 958/959) - considerando a posição assumida pelo relator no STJ na decisão que não admitiu o recurso.

B) Que o valor de indemnização por perdas e danos porque não se trata de prestação de serviços nem transmissão de bens não pode ser acrescentado de IVA; que a expressão " chave na mão" significa que o valor final já contempla o IVA, competindo à A. o ónus de provar a incidência suplementar do IVA ao montante expresso no contrato

C) Que não pode ser dado como provado qualquer dano indemnizável se não é feita prova do mesmo

D) Que não se pode fixar com base na equidade o valor do lucro indemnizável em 15% quando não é líquido que as sociedades deem sempre lucro e muito mais quando havia critérios objetivos no processo de que o lucro da sociedade em dois dos 3 anos que apresentou o modelo 22 era tão só de 1% e 1,8% da coleta.

E) Que a A., assumindo em maio de 2002 que a obra estaria concluída em outubro de 2002 se os RR fizessem mais um pagamento e tendo este sido feito em maio de 2002 no montante de 9.975,96€, foi a própria autora que fixou o prazo de conclusão da empreitada e, por isso, quando os réus referem na carta de 7-10-2002 que os trabalhos devem ser retomados em 3 dias, eles não estão a exigir qualquer prazo de conclusão da obra, estão a exigir que a obra seja acabada no prazo fixado pela própria autora, não tendo os réus nenhuma fatura por pagar quando escreveram ao autor.

F) Que, para além das normas atinentes às empreitadas, também se aplicam as normas gerais relativas ao cumprimento ou incumprimento das obrigações que não se revelem incompatíveis com aquele regime e os contratos devem ser pontualmente cumpridos, no princípio da boa fé e do dever de cumprir a obrigação assumida.

G) Que pode, assim, advir a resolução do contrato por incumprimento definitivo do contrato, se o empreiteiro não concluir a empreitada no prazo que ele próprio fixou e já estava largamente ultrapassado, tendo o dono perdido o interesse na realização da prestação, se nem no mês seguinte ao do prazo da conclusão ele se verificava.

H) Que usou de má fé a A. quando pede que lhe seja feito mais um pagamento em maio de 2002 com a promessa de conclusão da obra em outubro de 2002 e, efetuado este, passados 2 meses do prazo ainda não concluíra a empreitada.

I) Que se extrai do seu comportamento que não cumpriu e não queria cumprir.

J) Que não foi feita prova do valor das obras em maio e novembro de 2002, a prova pericial não é concludente, a faturação é ulterior à realização das obras, a faturação é vaga e abstrata, tal como vago e abstrato é a petição, tudo a impor a anulação da sentença (ver fls. 839) que menciona que os réus não entregaram quantias superiores a 15.000€ quando o contrário decorre da matéria acordada em 5.

K) Que não pode ser julgada improcedente a reconvenção se, na repetição do julgamento, não é incluída essa matéria para prova e não havia decisão com trânsito em julgado sobre a matéria da reconvenção, o que implica a nulidade da sentença.

A minuta do recurso de revista finda nestes termos:

Termos em que, por erro de interpretação e aplicação do 1º Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, complementado com a decisão do STJ, não tendo o julgamento versado sobre toda a matéria, é nula a sentença por violação do disposto nas alíneas d) e e) do nº 1 do art.º 615 do C.P.C. e devendo tudo ser revogado e ser repetido o julgamento sobre toda a matéria, porque não há caso julgado em relação a nenhum facto dos autos.

Mais deve a ação ser julgada improcedente por não provada por erro de interpretação e aplicação dos artigos 1222.º e segs, 406,º nº 1, 762.º nº2, 798.º, 432.º nº 1, 801.º nº 1, 804.º nºs 1 e 2 e 808.º todos do C.C. e procedente a reconvenção e proferido acórdão que, para interesse público e do comércio jurídico defina e concretize as menções obrigatórias que devem constar nas faturas, com o que se fará a sempre esperada JUSTIÇA.

19. Factos provados

1. A Autora executou, até ao fim de novembro de 2002, os trabalhos descritos nas faturas números 56, 60, 66, 82, 95, 96, 97, 106, 107, 108, 109, 111, 112, 116, 120, 121 no valor de 157.424,63 euros e os trabalhos descritos na fatura nº 157 no valor de 11.685,80€.

Não se provou

Que a autora tivesse executado os trabalhos discriminados nas faturas referidas até maio de 2002.

Para além dos supra elencados, estão provados (por decisão proferida na 1ª instância com as alterações resultantes do acórdão do TRG) os seguintes factos:

2. Da certidão de matrícula com o n.º 32…/01… relativa à Autora “Construções AA, Lda.” consta na inscrição com o n.º 1 (Ap. 06/010314): «Contrato de Sociedade (…); Objeto: Indústria de Construção Civil e Empreitadas de Obras Públicas. Compra e Venda de bens imóveis (…); Sócios e Quotas: DD, viúva, EE, solteira, menor, FF e mulher, GG (…); Gerência: Pertence aos sócios HH e DD” (cf. Alínea A) dos factos assentes).

3. II acordou com os réus a construção de uma casa de habitação de rés do chão com águas furtadas, no lugar de … ou …, Outeiro, Cabeceiras de Basto, de acordo com o projeto aprovado pela Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto (cf. alínea B) dos factos assentes).

4. II faleceu antes do início da obra referida no número anterior (cf. alínea C) dos factos assentes).

5. FF assumiu a construção dessa obra antes do seu começo (cf. alínea D) dos factos assentes).

6. Para pagamento do preço da obra, a que se alude no anterior número 2., os réus entregaram as quantias de: 14.963,94€ em 26.08.2000; 4.987,99€ em 15.12.2000; 14.963,94€ em 06.02.2001; 12.469,95€ em 04.04.2001; 12.469,95€ em 15.05.2001; 12.469,95€ em 15.05.2001; 19.951,92€ em 26.12.2001; e 9.975,96€ em 10.05.2002, sendo que os pagamentos realizados a 26.12.01 e a 10.05.2002 foram realizados a FF (cf. alíneas E) dos factos assentes).

7. Após a morte de II, os réus acordaram com FF que este, através da sociedade identificada no anterior número 1., assumiria a execução da obra a que se alude no anterior número 2. (cf. resposta ao artigo 1º da base instrutória).

8. O preço acordado para a execução da obra referida no anterior número 2., foi de 162.109,32€ (cf. resposta ao artigo 2º da base instrutória).

9. Ao que acresce IVA à taxa legal em vigor (cf. resposta ao artigo 3º da base instrutória alterada no TRG).

10. Esse preço deveria ser pago no decurso da obra até ao seu termo, sendo a última prestação a satisfazer na data da sua conclusão (cf. resposta ao artigo 4º da base instrutória).

11. A Autora iniciou a obra em junho de 2000, tendo nela trabalhado até dezembro de 2002 (cf. resposta ao artigo 5º da base instrutória).

12. No decurso da obra, os réus pediram à Autora que efetuasse as seguintes obras não previstas no acordo a que alude o anterior número 2.: muro em betão na parte exterior; canalização da água do poço vizinho; aumento, em altura, do muro de vedação e suporte; aumento de construção do anexo e divisões interiores; alargamento dos passeios (cf. resposta ao artigo 6º da base instrutória).

13. Para além das quantias referidas no número cinco, supra, os réus entregaram a II a quantia de Esc.: 3.000.000$00 (14.963,00€) em 31.12.1999 (cf. resposta ao artigo 12º da base instrutória);

14. Em dezembro de 2002, quando ainda faltava pintar parte da casa, afagar e envernizar o soalho em madeira, montar uma porta de correr, colocar parte das louças, construir uma parede em tijolo vermelho, efetuar calcetas exteriores, instalar as máquinas da piscina e pintá-la, construir um muro de vedação junto à estrada nacional, pôr grades e rede da parte exterior, pôr espelhos dos aparelhos elétricos, suportes, lâmpadas e intercomunicador, os réus mudaram as chaves das portas de acesso à obra (cf. resposta à matéria dos artigos 8º e 9º da base instrutória).

15. Após a mudança das fechaduras, a Autora e os seus funcionários ficaram impedidos de aceder ao prédio (cf. resposta ao artigo 10º da base instrutória).

16. Os réus compraram materiais e contrataram com novos empreiteiros o prosseguimento dos trabalhos de construção para acabarem a obra (cf. resposta aos artigos 11º e 23º da base instrutória).

17. Desde meados de 2002 até dezembro de 2002, a obra esteve parada por mais de uma vez em períodos não inferiores a 15 dias e havia falta de pessoal a trabalhar nela (cf. resposta ao artigo 15º da base instrutória).

18. O legal representante da Autora assumiu em maio de 2002 que a obra estaria acabada em outubro de 2002 se o réu efetuasse mais um pagamento (cf. resposta ao artigo 16º da base instrutória).

19. Os réus comunicaram à Autora, por carta datada de 07.10.2002 com o teor documentado a fls. 40 dos autos, que “… se no prazo máximo de 3 dias após a receção da presente não retomarem os trabalhos com intuitos de os acabar rapidamente, concluiremos que abandonaram a obra de forma definitiva e, em consequência disso, consideramos o contrato rescindido por culpa da vossa parte, forçando-nos a entregar a obra a outro empreiteiro (…)” (cf. resposta ao artigo 17º da base instrutória).

20. Os réus comunicaram à Autora, por carta datada de 21.11.2002 com o teor documentado a fls. 41 dos autos: “…verifica-se que a obra continua abandonada e sem fim à vista. Deste modo, porque foram ultrapassados todos os prazos razoáveis, consideramos que houve abandono da obra e como tal, rescindida a empreitada entre nós acordada. A partir da receção da presente carta, estão proibidos de entrar na obra, e vamos entregar a conclusão da mesma a outro empreiteiro, a quem pedimos valores para a sua conclusão. Em breve vos daremos conhecimento dos prejuízos que nos causaram (…)” (cf. resposta aos artigos 18º e 19º da base instrutória).

21. Por carta datada de 18.02.2003 com o teor documentado a fls. 42 dos autos, os réus informaram a Autora que “…a obra continua abandonada e sem fim à vista. Apesar de termos levado em consideração o pedido do v/advogado através da sua comunicação, chegamos à conclusão que V. Exªs. não pretendem honrar o contrato para conclusão da empreitada. Assim sendo, pela última vez vimos informar V. Exªs. que se no prazo máximo de 5 dias (cinco), não nos enviarem uma declaração/contrato com data para conclusão da empreitada, vamos recorrer a tribunal para exigir uma indemnização pelos prejuízos que voluntariamente nos causaram.” (cf. resposta ao artigo 20º da base instrutória).

22. Em 28.03.2003, DD foi à EDP solicitar o cancelamento do pagamento das faturas de energia, esclarecendo-se que devido a erro humano da EDP foi gerada uma ordem de serviço para retirar o equipamento, o que veio a suceder em 01.04.2003 (cf. resposta ao artigo 21. da base instrutória).

23. Para acabarem a obra acordada nos termos referidos no anterior número 2., os réus gastaram os seguintes montantes: 1.000,00€ de eletricista; 4.848,00€ de mão de obra e materiais à construtora “JJ, Lda.”; 4.930,54€ de materiais e acessórios para WC; 232,00€ de uma banheira para WC; 1.600€ de taqueiro; 250,00€ de placô; 3.000,00€ para calcetar a entrada; valor não apurado a serralheiro para as grades e portões (cf. ponto I) da resposta ao artigo 24º da base instrutória).

24. Os réus gastaram ainda, em obras na casa referida em B) dos factos assentes, os seguintes montantes: 6.800,00€ ao Sr. KK, para colocação dos radiadores e caldeira do aquecimento e ligações dos eletrodomésticos da cozinha e contador; 2.750,00€ ao eletricista; 1.367,00€ de pastilha para a piscina; 1.670,00€ de máquina para desaterro; 551,26€ para um videoporteiro; 420,00€ em vidros; valor não apurado em roupeiros (cf. ponto I) da resposta ao artigo 24º da base instrutória).

25. Os réus tiveram de ir da Maia a Cabeceiras para comprar materiais, acompanhar as obras, acertar com empreiteiros, coordenar as diversas artes, tendo gasto em gasolina não menos de 900,00€ (cf. resposta ao artigo 25º da base instrutória).

26. Os réus ficaram preocupados com a conclusão da obra (cf. resposta ao artigo 26º da base instrutória);

27. Em 27.11.2002, a autora enviou aos réus a carta junta como documento n.º 1 (fls. 51 dos autos) ao articulado de réplica (cf. resposta ao artigo 27º da base instrutória) com o seguinte teor: ao que interessa: «o senhor António está em falta com o pagamento das prestações acordadas e com o pagamento dos trabalhos a mais (…) continuaremos a execução da obra ao ritmo que nos permitirá as nossas capacidades financeiras(…)”

28. A A., em data não posterior a novembro de 2002, pediu ao réu a realização de mais um pagamento por conta da empreitada, para além dos referidos nos anteriores números 6 e 13.

Apreciando

20. A primeira questão suscitada pelos recorrentes é a de saber se a anulação do julgamento pelo acórdão da Relação implicava a realização de um novo julgamento a incidir não apenas sobre as questões de facto que foram objeto de ampliação, mas também sobre a restante matéria de facto isto por força da decisão proferida no STJ pelo juiz relator que, não admitindo o recurso interposto pelos RR do acórdão da Relação na parte em que julgou improcedente a apelação, teria admitido que o julgamento incidisse sobre todas as questões suscitadas (ver 10, 12 e 13 supra).

21. Sustentam ainda que as questões de direito, objeto de recurso para o STJ do acórdão anulatório, têm de ser apreciadas, pois viram-se confrontados com uma decisão definitiva dessas questões feita no acórdão anulatório e que não voltaram a ser apreciadas como era sua expectativa e legítimo direito em conformidade com o entendimento do STJ, incorrendo o acórdão em nulidade por omissão de pronúncia (artigo 615.º/1, alínea d) do CPC/2013).

22. O artigo 712.º/4 do CPC com a redação vigente à data (10-4-2012) em que foi proferido o acórdão que anulou a sentença de 1ª instância prescrevia que, no caso de anulação do julgamento para ampliação da matéria de facto, " a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, podendo, no entanto, o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão"; o texto atual (artigo 662.º/3, alínea c) do CPC/2013) prescreve identicamente que " se for determinada ampliação da matéria de facto, a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições".

23. Não se suscita, pois, dúvida nenhuma de que o julgamento de facto se reconduz à matéria objeto de ampliação e, por isso, os réus não poderiam na 1ª instância pretender produzir novamente prova sobre matéria de facto que já tinha sido objeto de julgamento.

24. A anulação do julgamento para ampliação da matéria de facto a implicar uma nova sentença em sede de facto e em sede de direito não obsta a que o acórdão que decidiu anular o julgamento se pronuncie sobre a matéria de facto que foi objeto de impugnação, consolidando-se, nessa parte, o julgamento da matéria de facto.

25. Não se compreenderia, na verdade, desde logo por razões de economia processual e com base ainda no princípio de que devem ser resolvidas todas as questões suscitadas que não se mostrem prejudicadas, que os recursos interpostos no que respeita à impugnação da matéria de facto - designadamente aquela que não esteja conexionada ou dependente dos factos a aditar, não podendo, portanto, entrar com eles em contradição - não pudessem ser objeto de conhecimento pela Relação. O não conhecimento do recurso interposto pelos recorrentes no tocante a tais factos apenas porque o julgamento foi objeto de anulação tendo em vista apreciar factos que não tinham até então sido apreciados, impor-lhes-ia o ónus de, face ao novo julgamento, repetirem a impugnação da matéria de facto sem que daí se veja qualquer vantagem.

26. O Supremo Tribunal de Justiça não conhece de questões de facto e, por isso, os seus poderes de cognição estão limitados nos termos que constam do artigo 674.º/3 do CPC; daqui resulta que a anulação do julgamento tendo em vista a ampliação da matéria de facto determinada pela Relação não impede que se tenha por precludida a impugnação da decisão sobre os factos que foram já objeto de julgamento e de impugnação sujeita a apreciação pelo Tribunal da Relação, última instância em matéria de facto. Na verdade, os factos fixados pela Relação, nos termos assinalados, não podem ser alterados com base numa segunda e repetida impugnação da matéria de facto. Esta é a consequência que advém do facto de a lei não permitir a repetição do julgamento quanto à parte da decisão que não esteja viciada, ou seja, a decisão sobre matéria de facto.

27. Já o mesmo entendimento não é de perfilhar tratando-se de questões de direito. Não sendo admitido o recurso interposto por uma das partes do acórdão da Relação com fundamento na sua não admissibilidade quando haja anulação da decisão recorrida tendo em vista a ampliação da matéria de facto por provimento do recurso interposto pela outra parte, e não fixando a lei em sede de direito qualquer preclusão, entende-se que a decisão proferida pela Relação sobre questão de direito não é, em tais circunstâncias, uma decisão definitiva, não produzindo caso julgado.

28. Tal decisão não terá, assim, tratamento diverso daquele que é conferido às decisões da Relação que, na base de uma determinada interpretação de direito, determinam a anulação do julgamento para ampliação ou esclarecimento da matéria de facto (ver Ac. do STJ de 3-3-2016, rel. Fernanda Isabel Pereira, P. 5429/11).

29. A decisão do relator junto do STJ parece ir ainda mais além quando considera que não releva processualmente o decidido na Relação que extravase do âmbito da anulação, admitindo implicitamente que, mesmo no tocante à matéria de facto, a decisão não constitua caso julgado material. Seja como for, o que a decisão do STJ não consente é o entendimento de que a parte, anulado que seja o julgamento de 1ª instância para ampliação da matéria de facto, possa voltar a produzir prova sobre os aludidos factos, o que traduziria desrespeito do disposto no mencionado artigo 662.º/3, alínea c) do CPC/2013. Ora, sendo esta a pretensão dos réus, ela não pode merecer acolhimento na base de um igual entendimento por parte do STJ que não existiu.

30. Refira-se que nada obsta a que a parte impugne a matéria de facto, face à nova decisão proferida em matéria de facto resultante da ampliação da matéria de facto, quando esteja em causa a alteração de factos que não se compatibilizem com os factos provados no primeiro julgamento. Se essa alteração foi correta ou não, isso é sindicável em sede de facto. Mas isto é diferente de se admitir uma impugnação dos factos fundada nos mesmos meios de prova que estiveram na base da sua apreciação no primeiro julgamento e no recurso para a Relação.

31. Para o recorrente o que está em causa é a possibilidade de produzir prova sobre toda a matéria de facto. Neste ponto, que é o que delimita a sua pretensão, nenhuma razão lhe pode ser dada. Desde logo porque a lei expressamente não admite nestas condições - no caso de ampliação da matéria de facto - a renovação dos meios de prova sobre a parte da decisão que não está viciada. E depois porque não resulta da decisão do juiz relator do STJ que em tal caso seja admissível renovação ou mesmo nova produção de prova sobre tais factos, não podendo, por conseguinte, o recorrente acobertar-se na ideia de que a segurança jurídica do processo está posta em causa por não haver coincidência entre a orientação assumida pelo tribunal de primeira instância que restringiu os limites da deliberação à matéria do incumprimento (fls. 880) e a orientação que promana da decisão do relator que no STJ não admitiu o recurso interposto pelos RR do acórdão da Relação.

32. Não incorreu o acórdão da Relação em nulidade por omissão de pronúncia pois pronunciou-se sobre esta questão bem como sobre a improcedência da reconvenção e IVA, não se pronunciando sobre a questão dos danos morais que não foi novamente suscitada: ver fls. 1027/1028

33. Outra questão suscitada prende-se com a condenação no pagamento de IVA. No caso vertente, por força da decisão do Tribunal da Relação que alterou, em sede de recurso de impugnação da matéria de facto, a resposta ao quesito 3º dando como provado que ao preço acordado para execução da obra acrescia IVA à taxa legal em vigor, não subsiste dúvida de que, uma vez realizados todos os trabalhos orçamentados no indicado montante, o autor teria de liquidar em acréscimo o correspondente IVA. Provando-se que a A. executou até ao fim de novembro de 2002 os trabalhos descritos nas faturas mencionadas no montante de 157.424,63€ - faturas que incluem o valor dos trabalhos e IVA - a condenação já compreende o valor do IVA. Também não se vê que sobre a quantia de 702,60€ de lucro indemnizável não houvesse de incidir IVA. A sentença, confirmada pelo acórdão da Relação, ora recorrido, não condena os RR a pagar IVA sobre 51.894,93€ porque este montante já o inclui, mas apenas sobre 702,60€ (ver 15 supra) ponto este esclarecido no acórdão recorrido.

34. A autora alegou que tem direito a receber dos RR indemnização correspondente ao proveito que poderia tirar da obra (ver artigo 1229.º do Código Civil) considerando que dela resultaria um proveito de 15% do preço total contratado. Certo é que tal matéria de facto não foi dada como provada: ver resposta "não provado" ao quesito 13.º onde se perguntava: "a autora, com a execução da obra, obteria um proveito correspondente a 15% do preço a que se alude em 2?". O recurso à equidade pressupõe a prova do dano e a inviabilidade ou inutilidade da fixação do montante designadamente por via da liquidação. No entanto, no caso vertente nem se provou que a autora tirou (ou tiraria) proveito da obra, caso em que ficaria por apurar qual a percentagem do preço que correspondia a esse proveito. Assim sendo, não é de fixar qualquer indemnização a este título, não podendo utilizar-se o recurso à equidade para conseguir o mesmo resultado que se conseguiria com a prova do quesito. Neste ponto o recurso merece provimento.

35. Outra questão que se suscita - esta essencial - é a de saber se a autora incorreu em mora e se, em consequência da mora, os réus perderam o interesse na prestação ou se esta não foi realizada dentro do prazo razoavelmente fixado pelo credor (artigo 808.º do Código Civil).

36. O contrato de empreitada não previa prazo de conclusão. Alegou-se que a obra deveria estar concluída no prazo de um ano, em junho de 2001, mas tal facto, integrando o quesito 14.º, não se provou. Não estando fixado prazo de conclusão do contrato, o dono da obra teria de interpelar o empreiteiro para a conclusão da obra em prazo razoável considerado in casu o início da obra em junho de 2000 (facto supra 11 da matéria de facto mencionada em 19, referindo-nos doravante apenas ao número do facto); justifica-se a determinação do prazo pelo tribunal se as partes não acordarem na sua determinação (artigo 777.º/1 e 2 do Código Civil). Por isso, se o dono da obra fixar prazo razoável para a conclusão da obra mediante interpelação que não mereça oposição fundada, o prazo pode considerar-se fixado por acordo. Seja como for, a situação de mora "surge após interpelação que o comitente faça (artigo 777.º/1) tendo em conta o prazo razoável para a execução da obra (artigo 777.º/2). Depois de se ter constituído em mora, o empreiteiro pode efetuar um cumprimento retardado, desde que indemnize o dono da obra dos danos causados pelo atraso (purgação da mora)" (Contrato de Empreitada, Pedro Romano Martinez, Almedina, 1994, pág. 185).

37. No caso vertente não foi o empreiteiro interpelado para a conclusão da obra. Referem, no entanto, os recorrentes que o prazo para conclusão da obra em outubro de 2002 já tinha sido estabelecido pela empreiteira. Resulta da matéria de facto (ver 18 supra) que a autora assumiu em maio de 2002 a conclusão da obra em outubro de 2002. Condicionou esse compromisso ao pagamento de mais uma parcela do preço da empreitada. Os recorrentes consideram que essa quantia foi paga em 10-5-2002 (ver 6 supra). No entanto, essa exigência não respeita a esse pagamento conforme resulta da matéria de facto provada: ver 28 supra.

38. Não há, no entanto, prova alguma de que essa exigência tenha sido acompanhada da apresentação de fatura para pagamento com IVA, não se mostrando, portanto, provado que o empreiteiro pediu a realização de mais uma prestação de forma adequada a que o dono da obra ficasse obrigado ao seu cumprimento. E contrariaria os princípios da boa fé que se impõem a todos os contratantes que o empreiteiro se quisesse escapar ao cumprimento do prazo assumido para conclusão da obra sem viabilizar ao dono da obra o pagamento de prestação subsequente, impedindo, por conseguinte, ele próprio a verificação da condição (o pagamento de mais uma prestação) que fundava o compromisso assumido que, assim sendo, se deve ter por verificado (artigo 275.º/2 do Código Civil).

39. Reconhecendo-se que o empreiteiro se obrigou a concluir a obra em prazo certo (outubro de 2002) e considerando que o prazo para realização da obra é um prazo razoável dado o seu início em junho de 2000, pode concluir-se que o empreiteiro, ultrapassado o aludido prazo, incorreu em mora (artigo 805.º/1 do Código Civil).

40. No entanto, para que haja incumprimento definitivo, o dono da obra teria de fixar ao empreiteiro um prazo suplementar ou prazo admonitório (artigo 808.º do Código Civil).

41. Ora nenhuma das cartas enviadas pelo dono da obra configura uma interpelação admonitória tendo em vista a conclusão dos trabalhos: ver 19, 20 e 21 da matéria de facto supra. Aliás uma tal interpelação seria incompreensível no dia 7-10-2002, pois, nessa data, ainda nem sequer tinha decorrido o prazo assumido pela empreiteira para conclusão da obra.

42. Os réus partem do princípio de que houve um abandono da obra. Tal situação não se verificou conforme resulta do quesito 22, "não provado", onde se perguntava "se a A. abandonou a obra", em conjugação com 11 supra da matéria de facto que dá por provado que a empreiteira trabalhou na obra até dezembro de 2002. Não houve, pois, abandono da obra por parte da empreiteira, situação que, só por si, configuraria incumprimento definitivo, sendo desnecessário em tal caso qualquer interpelação (Ac. do STJ de 6-3-2007 e de 12-2-2008, rel. Azevedo Ramos, CJ, 1, pág. 84, revista 74/07 e revista n.º 4654/07, Ac. do STJ de 29-5-2007, rel. Paulo Sá, revista n.º 1102/07, Ac. do STJ de 18-10-2007, rel. Alves Velho, revista n.º 2195/07, Ac. do STJ de 9-12-2008 e de 13-9-2011, rel. Nuno Cameira, revista n.º 965/2008 e 6622/05, Ac. do STJ de 2-3-2009, rel. Urbano Dias, revista n.º 362/2009 Ac. do STJ de 16-5-2015, rel. Gregório Jesus, revisto 236/06).

43. Sustentam os réus que o dono da obra, face à comprovada paralisação da obra durante alguns períodos - ver 17 supra - e ultrapassado o prazo assumido pelo empreiteiro para conclusão da obra em outubro de 2002, perdeu objetivamente interesse na prestação.

44. Esta perspetiva não resulta das cartas, nem mesmo perante uma leitura muito forçada que delas se faça; é desmentida pelo facto de estar provado que o empreiteiro trabalhou na obra até dezembro de 2002, ou seja, até ao momento em que o dono da obra mudou as chaves de acesso à porta da obra (ver 11, 14 e 15 supra da matéria de facto); é desmentida pela mencionada carta em que o dono da obra, pressupondo que houve abandono, ainda assim manifesta interesse na conclusão da obra pelo empreiteiro e é finalmente desmentida ainda pela carta de 18-2-2003 em que o dono da obra ainda demonstra interesse na conclusão da empreitada com a autora.

45. Está provado que o empreiteiro trabalhou na obra até dezembro de 2002 (facto 11), que executou trabalhos até ao fim de novembro de 2002 (facto 1) e está provado que o dono da obra ainda em novembro de 2002 foi informado pelo empreiteiro de que este continuava a execução da obra (carta de 27-11-2002), o que fez em resposta à carta do dono da obra de 21-11-2002 (facto 20) tudo isto evidenciando que não houve abandono da obra. O dono da obra foi, portanto, informado da vontade de prossecução dos trabalhos e constata-se que havia trabalhos novos executados.

46. Não se pode, assim, sustentar o entendimento - que os recorrentes não assumem, mas que se poderia admitir a partir do momento em que o empreiteiro não respondeu à primeira carta que lhe foi enviada de 7-10-2002 (facto 19) - que o dono da obra não poderia deixar de estar convencido, quando em dezembro de 2002 entregou a empreitada a outra entidade, de que tinha havido um efetivo abandono, convicção que justificadamente lhe adviria se se tivesse verificado uma total ausência de resposta às cartas e uma comprovada inexistência de trabalhos executados em novembro de 2002 (o que não se provou) tudo isto conjugado com uma paralisação parcial dos trabalhos que se vinha efetivando há largos meses (facto 17).

47. Esta análise dos factos não foi feita nos autos, não foi perspetivada pelos recorrentes e não tem, como se viu, suporte factual (até ao final de novembro estavam executados trabalhos não pagos, a empreiteira esteve na obra a trabalhar até dezembro de 2002 e o empreiteiro em novembro de 2002 respondeu à carta do dono da obra). Tudo isto significa e evidencia que, no mencionado contexto de facto, o dono da obra não devia ter agido em dezembro de 2002 como se houvesse um efetivo abandono da obra nem é defensável que se possa considerar que ele estava justificadamente convencido do abandono da obra sendo a atitude do empreiteiro determinante dessa convicção. Quer isto dizer que os factos provados não são suficientes para nos permitir equiparar o ocorrido a um abandono da obra por assim se imporem as coisas aos olhos do dono da obra.

48. Foi, em boa verdade, o dono da obra que, impedindo o acesso do empreiteiro à obra e entregando a conclusão da empreitada a outro empreiteiro - ver 15 e 16 supra - desistiu da empreitada (artigo 1229.º do Código Civil); diversas seriam as coisas se o dono da obra, face aos sucessivos atrasos e decorrido o prazo assumido pelo empreiteiro para conclusão da obra (fim de outubro de 2002: ver facto 18 e carta de fls. 40 de 7-10-2002), lhe tivesse fixado um prazo razoável para a sua conclusão (os 3 dias da carta nunca seriam, para tais efeitos, um prazo razoável) sob pena de se considerar para todos os efeitos não cumprida a obrigação (artigo 808.º do Código Civil).

49. O STJ não estende os seus poderes de cognição à matéria de facto e, por isso, não relevam as observações dos recorrentes no que respeita à análise da prova pericial ou à realidade que é transmitida pela faturação, não tendo qualquer influência na decisão o facto de se comprovar que algumas parcelas pagas do preço da empreitada foram superiores a 15.000 euros.

Concluindo

I - A anulação do julgamento tendo em vista a ampliação da matéria de facto não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições (artigo 662.º/3, alínea c) do CPC/2013) daqui resultando que não é admissível a produção de nova prova ou a renovação de prova incidente sobre a parte da decisão que não esteja viciada.

II - Assim sendo, o Tribunal da Relação que determinar a anulação da decisão tendo em vista a ampliação da matéria de facto não incorre em qualquer nulidade, designadamente excesso de pronúncia (artigo 615.º/1, alínea d) do CPC/2013), quando aprecia os recursos interpostos na parte em que impugnam a matéria de facto no tocante aos factos que não sejam suscetíveis de estar em contradição com os factos a aditar mercê da ampliação.

III - No tocante às questões de direito que o Tribunal da Relação haja tratado tendo em vista justificar a ampliação da matéria de facto, a primeira instância não está vinculada aos entendimentos assumidos pelo Tribunal da Relação contrariamente ao que sucede quando o Supremo Tribunal de Justiça manda julgar novamente a causa, definindo o direito aplicável nos termos do artigo 683.º/1 do CPC/2013.

IV - Se o Tribunal da Relação, no entanto, decidir algum dos pedidos e simultaneamente anular a decisão de 1ª instância para ampliação da matéria de facto e verificando-se que o recurso interposto pelo recorrente vencido relativamente a esse pedido não foi admitido pelo Supremo Tribunal de Justiça com base no entendimento de que, em caso de anulação, não releva processualmente o decidido na Relação que extravase o âmbito da anulação, então, nesse caso, os princípios do acesso ao direito e da segurança jurídica impõem que não se considerem precludidas, por força da decisão da Relação, a apreciação das questões de direito suscitadas.

V - No contrato de empreitada, o dono da obra não rescinde validamente o contrato se, ainda no decurso do prazo para conclusão da obra, interpela o empreiteiro para prosseguir os trabalhos no prazo máximo de 3 dias sob pena de considerar que houve abandono da obra e o contrato rescindido por culpa do empreiteiro, constatando-se que o empreiteiro não abandonou a obra e nela procedia a trabalhos embora com interrupções.

VI - Se o dono da obra, nas mencionadas circunstâncias, impedir subsequentemente o empreiteiro de aceder à obra e entregar a conclusão da empreitada a outro empreiteiro, tal situação configura desistência da empreitada (artigo 1229.º do Código Civil)

Decisão:

Nega-se a revista salvo no que respeita ao pedido de condenação dos réus no pagamento da quantia de 702,60€ (setecentos e dois euros e sessenta cêntimos) do qual se absolvem.


Custas por A. e réus na medida do respetivo decaimento


Lisboa, 6 de outubro de 2016


Salazar Casanova (Relator)

Lopes do Rego

Orlando Afonso