Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
381/16.4GAMMC.C1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO CLEMENTE LIMA
Descritores: RECURSO PENAL
MATÉRIA DE FACTO
VÍCIOS DO ARTº 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA QUALIFICADA
PENA SUSPENSA
REGIME DE PROVA
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADOS PARCIALMENTE PROCEDENTES OS RECURSOS.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - A matéria invocada nos recursos, relativa à violação dos princípios da livre apreciação da prova e dos princípios, associados, de presunção de inocência e do in dubio pro reo, reporta, reconhecidamente, tão-apenas à decisão levada, nas instâncias, sobre matéria de facto, cujo conhecimento está eximido aos poderes de cognição do STJ (art. 434.º, do CPP).
II - Outro tanto vale no que respeita à alegada verificação dos vícios elencados no n.º 2 do art. 410.º, do CPP, de que o STJ apenas pode conhecer, por si e de ofício, quando constate, à evidencia, um daqueles piáculos, que inviabilize uma correcta decisão sobre as questões de direito que lhe são submetidas, operando o consequente reenvio do processo para novo julgamento.
III - Por outro lado, saliente-se, a limitação dos poderes de cognição do STJ ao (exclusivo) reexame da matéria de direito (art. 434.º, do CPP), não consente a reabertura da discussão sobre a decisão levada, nesse particular, pelo acórdão da Relação, para tanto competente (art. 428.º, do CPP), esgotado que se mostra o grau de recurso para tanto estabelecido.
IV - Uma vez julgado provado que um dos arguidos agarrou a vítima, pelo pescoço, colocando a cabeça deste debaixo da sua axila e que, nessa posição, os três arguidos o socaram na cabeça, causando-lhe lesões que determinaram, poucas horas depois, a morte, o Tribunal de 1.ª instância não podia concluir, à luz das mais elementares regras da experiência (que ditam, designadamente, que sucessivas e reiteradas, violentas, agressões a murro sobre a cabeça de indivíduo, imobilizado, são susceptíveis de lhe causar lesões que fazem perigar a vida da vítima), como concluiu, que os arguidos não representaram a possibilidade de as agressões provocarem perigo para a vida do FF.
V - Tal conclusão evidenciava uma clara incompatibilidade com a comprovada conduta dos arguidos.
VI - Ao Tribunal da Relação, recorrido, cumpria, pois, reparar o julgado, como reparou (por via da invocada coincidência entre a verificação de um erro de julgamento da matéria de facto e da sanação do vício de erro notório na apreciação da prova), em deciso que não suscita qualquer discordância.
VII - O crime agravado pelo resultado deve ser entendido não como o crime preterintencional, em que o resultado agravante se soma à conduta base, exigindo-se ainda uma conduta base dolosa, a criação dolosa de um perigo de verificação de um resultado agravante, e a negligência relativamente a um resultado agravante, seja um crime de aptidão consumada – dado que a conduta base cria não só um resultado, como gera o perigo de outro resultado, do passo em que a conduta base é apta para a criação daquele perigo, aptidão esta confirmada na efectiva produção (negligente) do resultado agravante, que mais não é que a materialização do perigo criado.
VIII - Verificam-se as condições agravativas prevista no disposto nos arts. 144.º, al. d), 145.º n.º 1 al. c) e 2 e 132.º n.º 2 al. h), do CP, quando o crime de ofensas corporais, agravado pela morte da vítima, resulta de uma agressão, motivada pelo facto de a vítima, na zona dos bares da ..., ter derrubado um copo de cerveja que atingiu a namorada de um dos arguidos, levada por este e pelos co-arguidos, a um ponto extremo de punição e violência não pode deixar de relevar-se no âmbito da comprovação de uma maior eficácia da acção e da consequente maior dificuldade de defesa em que se coloca a vítima, como foi o caso, ademais com os murros desferidos, sucessiva e repetidamente, pelos arguidos sobre a cabeça da vítima manietada, imobilizada sob a axila de um dos agressores, a revelar falta de escrúpulo no abuso da posição ascendente conferida pela força da acção grupal sobre uma vítima isolada, o que não pode deixar de considerar-se relevante no ponto da verificação da especial censurabilidade da conduta dos arguidos.
IX - Figurando-se particularmente ponderosas as razões de prevenção geral, devem relevar-se os factores atenuativos julgados provados, de que resulta, quanto a todos os arguidos, uma primariedade que indicia um agir delitivo ocasional, fortes laços de integração familiar, social e profissional, a que não pode deixar de adir-se seja a atitude de contrição manifestada, seja o facto de irem decorridos mais de quatro anos sobre a ocorrência delitiva, encontrando-se os arguidos em liberdade, o que indiciará, sem olvido da gravidade da conduta e a da imperecível dor que a morte da vítima (e nas circunstâncias em que ocorreu) causou, nos seus pais, familiares e no seu círculo convivial, uma atenuação da sensibilidade comunitária relativamente às exigências de aplicação de penas detentivas.
X - Tudo ponderado e sopesado, afigura-se que, na moldura abstracta aplicável, de 3 a 12 anos de prisão, a pena, relativamente a cada um dos arguidos, deve concretizar-se na medida de 5 anos de prisão, não se vendo razões, designadamente em face da conjunção delitiva, mesmo da idade de cada um, para distinguir as penas concretas aplicadas.
XI - A concretização, no caso, de penas de suspensão da execução da pena de prisão, nos termos prevenidos, maxime, no art. 50.º do CP, face à redacção introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, é de acolher, desde logo pela inverificação de particulares razões de prevenção especial, podendo concluir-se, a partir da indiciada ocasionalidade da conduta e dos relevantes factores de inserção familiar, social e laboral de que todos os arguidos beneficiam, que simples ameaça de execução da pena será suficiente para afastar os arguidos da criminalidade, com o que se figura consistente a formulação do pretextado juízo de prognose favorável, seja em atenção ao trajecto vital dos arguidos, ponderando-se que uma pena de prisão, suspensa na sua execução, mediante regime de prova e garantias reparatórias (no possível da reparação), responde com adequado vigor, ao sentimento de justiça, mas também de esperança, da comunidade.
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 381/16.4GAMMV.C1.S1

Recurso penal

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Nos autos de processo comum em referência, precedendo acusação do Ministério Público, pedido de indemnização civil dos assistentes AA e BB, e alteração não substancial dos factos e da respectiva qualificação jurídica, os Senhores Juízes do Tribunal Judicial da comarca de …. – J…., por acórdão de 23 de Janeiro de 2019, decidiram nos seguintes termos (transcritos na parcela que importa à apreciação do recurso):

«Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este tribunal coletivo em julgar parcialmente procedentes, a acusação, com a referida alteração de qualificação jurídica, e o pedido de indemnização civil, consequentemente decidindo:

A) – absolver os arguidos CC, DD e EE da prática do crime de ofensa à integridade física qualificada, agravada pelo resultado, na parte da imputação respeitante ao artigo 144.º, alínea c), do artigo 145.º e à alínea e) do n.º 2, do artigo 132.º, no âmbito da remissão do artigo 145.º, n.º 2, todos do Código Penal, sem prejuízo da sua condenação pela prática do crime em resultado da comunicada alteração de qualificação jurídica;

B.1) – condenar o arguido CC pela prática, em coautoria, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, agravada pelo resultado, previsto e punível pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, 132.º, n.º 2, alínea h) e 147.º, n.º 1, todos do Código Penal, na pena de quatro anos e nove meses de prisão;

B.2) – suspender a execução daquela prisão, nos termos dos artigos 50.º, n.ºs 1, 2 e 5, 51.º, n.º 1, alínea a), 53.º, n.ºs 1 e 2, por igual período de tempo, mediante regime de prova e sujeito ao dever de o arguido pagar, aos demandantes, em cada seis meses, a contar do trânsito em julgado, a quantia de cinco mil euros, ao longo do período da suspensão, por conta da indemnização em cujo pagamento vai condenado, ou garantir tal pagamento por meio de caução idónea, fazendo disso prova nos autos;

C.1) – condenar o arguido DD pela prática, em coautoria, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, agravada pelo resultado, previsto e punível pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, 132.º, n.º 2, alínea h) e 147.º, n.º 1, todos do Código Penal, na pena de quatro anos e três meses de prisão;

C.2) - suspender a execução daquela prisão, nos termos dos artigos 50.º, n.ºs 1, 2 e 5, 51.º, n.º 1, alínea a), 53.º, n.ºs 1 e 2, por igual período de tempo, mediante regime de prova e sujeito ao dever de o arguido pagar, aos demandantes, em cada seis meses, a contar do trânsito em julgado, a quantia de cinco mil euros, ao longo do período da suspensão, por conta da indemnização em cujo pagamento vai condenado, ou garantir tal pagamento por meio de caução idónea, fazendo disso prova nos autos;

D.1) – condenar o arguido EE pela prática, em coautoria, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, agravada pelo resultado, previsto e punível pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, 132.º, n.º 2, alínea h) e 147.º, n.º 1, todos do Código Penal, na pena de quatro anos e seis meses de prisão;

D.2) - suspender a execução daquela prisão, nos termos dos artigos 50.º, n.ºs 1, 2 e 5, 51.º, n.º 1, alínea a), 53.º, n.ºs 1 e 2, por igual período de tempo, mediante regime de prova e sujeito ao dever de o arguido pagar, aos demandantes, em cada seis meses, a contar do trânsito em julgado, a quantia de cinco mil euros, ao longo do período da suspensão, por conta da indemnização em cujo pagamento vai condenado, ou garantir tal pagamento por meio de caução idónea, fazendo disso prova nos autos;

(…)

F) – condenar os demandados CC, DD e EE no pagamento, solidário, aos demandantes AA e BB, da quantia de 199.825,00 euros (cento e noventa e nove mil, oitocentos e vinte e cinco euros), a dividir entre estes em partes iguais, sendo 196.000,00 (cento e noventa e seis mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros legais desde a decisão, e 3.825,00 euros (três mil, oitocentos e vinte cinco euros) a título de danos patrimoniais, com juros legais desde a notificação para contestar até integral pagamento, do mais peticionado absolvendo os demandados;

(…)

H) – ordenar a restituição dos objetos apreendidos aos arguidos (fls. 217/8, 224/5 e 231/2), bem como a entrega dos objetos referidos a fls. 51 aos assistentes, nos termos do disposto no artigo 186.º, n.º 1, do Código de Processo Penal;

(…).»

2. Os arguidos DD, EE e CC, o Ministério Público e os assistentes, interpuseram recurso daquele acórdão para o Tribunal da Relação …...

3. No Tribunal da Relação ….., por acórdão de 24 de Junho de 2020, decidiu-se nos seguintes (transcritos) termos:

«Nos termos expostos acordam os juízes que compõem este tribunal:

a) Julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos pelos arguidos/demandados DD, EE, pelo Ministério Público e pelos assistentes AA e BB e, em consequência:

b) Absolver os três arguidos do crime agravado pelo resultado, p. e p. nos termos do artigo 147.º, n.º 1 do Código Penal;

c) Condenar, cada um dos três arguidos pela prática, em coautoria material, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pela alínea d), qualificado nos termos da alínea c), do n.º 1 e n.º 2 do artigo 145.º, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea h), todos do Código Penal na pena de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão (efetiva);

d) Condenar os demandados DD, EE e CC no pagamento solidário aos demandantes AA e BB, a título de danos não patrimoniais, da quantia de 176.000,00 € (cento e setenta e seis mil euros);

e) Revogar em correspondência com o supra decidido, quer na parte criminal, quer na parte cível, a decisão recorrida, mantendo-a, em tudo o mais, inalterada;

f) Julgar prejudicado, em função do decidido, o conhecimento das demais questões suscitadas nos recursos.

Sem custas na parte crime.

Custas cíveis por demandantes e demandados na proporção do decaimento – [cf. artigos 523.º do CPP; 527.º do CPC].»

4. Os arguidos DD, EE e CC, interpuseram recurso daquele acórdão do Tribunal da Relação …. para o Supremo Tribunal de Justiça.

5. Extraem da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:

5.1. O arguido DD:

«1. O artigo 410º, n.º 2, do CP Penal plasma a chamada “revista alargada” que evidencia a faculdade de se controlar as decisões judiciais sempre que tenha lugar uma das específicas vicissitudes previstas no texto legal, designadamente erro notório na apreciação da prova.

2.      Ora, o Douto Acórdão em recurso entendeu que a referida vicissitude inquinava a decisão exarada pelo Juízo Central Criminal da Comarca .…...

3.      Com efeito, decidiu-se pela existência de erro evidente, tão crasso e notório que será apreensível pelo «homem médio», nomeadamente por se entender que a consideração existente no ponto 25 da factualidade provada era inconciliável com outros factos, maxime aqueles onde se se narrava a agressão.

4.      O mesmo é dizer que se julgou irromper anomalia com um tão elevado grau de ostensividade que contendia, inexoravelmente, com as ditas “regras da experiência comum”.

5.      No entanto, essa espécie de juízo é absolutamente indefensável, já que inexiste a espécie – dramática! – de erro passível de fazer funcionar o mecanismo específico da revista alargada.

6.      Na verdade, inexistia a aludida espécie de incompatibilidade entre a materialidade demonstrada e a não representação de perigo para a vida da vítima.

7.      Desde logo, da factualidade assente que traduz a forma como foram perpetradas as agressões não decorre, como parece resultar do Douto Acórdão em recurso, que as mesmas tenham sido desenvolvidas simultaneamente pelos co-arguidos em concomitância real.

8.      Com efeito, o Douto Acórdão de que recorre não se limita a louvar-se na prática dos factos em co-autoria, antes aludindo a uma agressão sempre perpetrada por três adultos em jovem de 18 anos.

9.      E desde logo, os factos não se passaram exactamente assim, na exacta medida em que há uma primeira agressão com um só dos arguidos, subsequente apartamento destes contendores, por um dos outros co-arguidos que envolve o pescoço da vítima enquanto o soca e, só nesse momento é que é registada acção do aqui recorrente – a esmurrar a vítima diversas vezes, três das quais na cabeça; após, ainda o primeiro co-arguido volta a agredir a vítima.

10. Ora, repete-se, apesar de toda esta multiplicidade dinâmica de componentes haver sido unificado pela co-autoria, certo é que a factualidade demonstrada diverge abissalmente da ideia levada a leit motif do erro notório:

11. Três adultos a agredirem em simultâneo um jovem adulto, esmagando-o com a constante superioridade numérica, tinham de necessariamente ter representado a criação de perigo para a vida.

12. Ora a falência da premissa em que assentava a construção erigida traz imanente, salvo o devido respeito, a falibilidade da referida construção.

13. Na verdade, foi uma agressão censurável mas que em momento algum se alcandorou ao nível de violência que implicasse que a criação de perigo para a vida fosse uma “decorrência lógica” passível de ser alcançada pela inteligência comum do homem médio.

14. De facto, a decisão aqui tirada afigura-se gerada pelo conhecimento efectivo da funesta vida da vítima,

15. O que a torna refém de um claro juízo ex post, ao invés de emergir na sequência da desejável decisão proferida no conhecimento dos factos tais quais revelados no momento da respectiva prática.

16. De facto, não obstante a exigente natureza do vício invocado, está-se em crer que o mesmo ressuma agora da leitura analítica do esforço levado a cabo no Acórdão recorrido.

17. Na verdade, considerar que o que se recortou como uma actuação contra a integridade física fosse encarada como necessária e ostensivamente criadora de perigo para a vida, representa erro notório na apreciação da prova, tributário de uma visão desligada do normal acontecer.

18. Reitera-se: só uma análise efectuada com base no conhecimento do óbito ocorrido durante a madrugada subsequente aos factos é que permitirá falar em perigo para vida.

19. Ora, a assunção da representação do aludido perigo foi fundamental para a subsunção da conduta ao crime p. e p. pelo art. 144º do CP,

20. Atenta a circunstância deste se tratar de delito qualificado pelo resultado

21. A coenvolver necessariamente especiais densidade e acuidade das lesões sofridas.

22. Justamente, quando o ofendido seja privado de importante órgão ou membro, ou desfigurado grave e permanentemente; se lhe tire ou afecte, de maneira grave, a capacidade de trabalho, as capacidades intelectuais ou de procriação, ou a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem; lhe seja provocada doença particularmente dolorosa ou permanente, ou anomalia psíquica grave ou incurável, ou, finalmente, lhe seja provocado perigo para a vida.

23. Acrescendo a qualidade duplamente dolosa do tipo em questão, dado que quer as ofensas quer o especial resultado delas provenientes têm de ser imputados ao agente dessa forma – i. é, dolosa.

24. Assim, é patente que só a alteração factual emergente da putativa existência de erro notório permitiu a espécie de subsunção preconizada no Acórdão recorrido.

25. Na verdade, a ausência da representação da criação de perigo para a vida inviabilizaria a condenação por este específico tipo de ilícito.

Sem prescindir,

26. Nos termos do artigo 26º do CP «É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outras pessoas à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução".

27. Ora, atenta a sobredita formulação legal é possível discernir – de entre a visão global da co-autoria – aquilo que se poderá entender como manifestação de um elemento estritamente subjectivo (justamente, o acordo, ou decisão, que visa a perpetração de determinada acção típica) e outro elemento de contornos objectivos (a realização conjunta do facto ilícito, necessariamente integrado pela concreta acção de um determinado agente equivalente à fatia do evento que lhe coube na divisão das tarefas que perseguem o fim tipicamente ilícito).

28. Ora, o Douto Acórdão recorrido reconhece a inexistência de materialidade que traduza a alegada dimensão subjectiva da co-autoria.

29. Louva-se, contudo, em diversas – e proficientes – posições que tornam supérflua a existência dessa decisão inicial.

30. Todavia, salvo o devido respeito, tal acquis não esvazia de sentido que se proceda a análise detalhada e consequente da problemática suscitada.

31. Na verdade, desde logo, a questão sub judice adquire contornos de insofismável delicadeza – pelas consequências letalmente irreversíveis que ditaram para a vítima – e de intrínseca gravosidade para os arguidos - a aplicação de uma pena de prisão efectiva.

32. É que os factos 6 e 7 dizem inequivocamente respeito a uma actuação isolada de um dos co-arguidos.

33. Sendo cero que, relativamente ao aqui recorrente se trata de factos que lhe são alheios, atenta a ausência de decisão conjunta ou de qualquer acção que o mesmo tivesse neles desenvolvido.

34. E de tais factos resulta que pelas 3.15 existiu um confronto físico entre um co-arguido do recorrente e a vítima,

35. Traduzido em empurrões, durante a qual o arguido colocou a mão no pescoço da vítima, deu-lhe uma chapada e um soco na cabeça, entre outras agressões mútuas.

36. Ou seja, é incontornável a ocorrência de um episódio de confronto físico entre a vítima e um dos co-condenados em que existiu a colocação da mão no pescoço da vítima, seguidas de uma chapada e de um soco na cabeça que também atingiram a vítima, a que se seguiram agressões mútuas até que houve separação.

37. Contrariamente ao discurso que perpassa a Douta decisão sob recurso há dois momentos indiscutivelmente distintos na dinâmica dos acontecimentos em causa – sem possibilidade de os assimilar a uma linha de actuação contínua, almejando um mesmo propósito, por parte dos três arguidos, com agressões em simultâneo, traduzindo-se estas numa espécie de encadeado de episódios unificados por um qualquer fio que os entrelace.

38. Por outra banda, entre ambos segmentos factuais mediou um hiato temporal que quebrou qualquer continuidade que unifique os eventos numa mesma amálgama factualmente indistinguível.

39. Assim, é apodíctica a existência de uma questão – indubitavelmente relevante – que não se encontra convenientemente resolvida na Douta Decisão em recurso.

40. Já que inexiste qualquer elemento endoprocessual que elucide sobre as consequências na pessoa da vítima das agressões perpetradas na vítima antes da acção imputada ao recorrente, não se tendo esgotado o thema probandum.

Ainda sem prescindir,

41. A tipologia de intenção que subjaz à criação do crime de ofensas à integridade física qualificadas é replicar a usada no tipo de crime de homicídio qualificado do artigo 132º.

42. Ora, tal técnica legislativa obedece a uma estrutura sui generis, porquanto deita mão dos designados “exemplos-padrão”, já que a qualificação deriva da verificação de um tipo de culpa agravado, assente numa cláusula geral extensiva e descrito com recurso a conceitos indeterminados: «especial censurabilidade ou perversidade» do agente referida no nº 1; verificação indiciada por circunstâncias ou elementos uns relativos ao facto, outros ao autor, exemplarmente elencados no nº 2, elementos estes assim, por um lado, cuja verificação não implica sem mais a realização do tipo de culpa e a consequente qualificação; e cuja não verificação, por outro lado, não impede que se verifiquem outros elementos substancialmente análogos aos descritos e que integrem o tipo de culpa qualificador.”

43. Ou seja, o acento tónico da agravação é colocado, inexoravelmente, no desvalor da atitude do agente, designadamente quando a mesma convoca “uma imagem global do facto agravada”.

44. Por isso, além da indagação da existência de um dos circunstancialismos elencados no artigo 132º, n.º 2, do CP – aplicável ex vi artigo 145º – importará aferir da concreta actuação do agente para decidir se a mesma comporta – ou não – um juízo qualificado de censura.

45. No entanto, tal não eximirá o intérprete de atentar na específica alínea erigida pelo Tribunal como índice semiótico da especial perversidade ou censurabilidade da conduta do agente.

46. Aqui está em causa a al. l: isto é, “o agente praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas, utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime comum”

47. O segmento aqui relevante, “praticar o facto juntamente com pelo menos 2 pessoas” erige-se como matéria passível de gerar aporias hermenêuticas, já que o respectivo o exacto sentido pode causar dificuldades interpretativas.

48. Todavia, a factualidade em causa só se verificará se no facto confluírem, pelo menos, três agentes actuando em co-autoria e em execução partilhada e simultânea.

49. Ora, como da factualidade provada, nunca consta que os três co-arguidos agredissem em concomitância é intrinsecamente discutível se se verifica o elemento em análise.

50. Por outra banda, na lição de FIGUEREDO DIAS – ob. e local citados, págs. 67 – “Como quer que seja, decisivo é considerar que uma interpretação menos exigente da circunstância em análise só poderá ser aceite se – (…) – se considerar que não é comparticipação em si, e por si mesma, que constitui o exemplo-padrão mas apenas se e quando ela determinar uma particular perigosidade do «meio» (…) e uma consequente dificuldade particular da vítima de dele se defender. Afinal, exatamente a mesma estrutura valorativa que preside à especial punibilidade (…) da associação criminosa.

51. Na verdade, a especial falta de concreta densidade desta circunstância obrigará a uma particular exigência na utilização do referido elemento agravante, tornando ingente um diálogo entre a cláusula geral e a circunstância concreta, no sentido de que a enunciação das alíneas concretiza e densifica a cláusula geral.

52. Assim, está-se em crer que a factualidade em análise não assume a imagem particularmente grave nem a situação em si colocou a vítima num estado de indefesa que legitime a condenação pelo tipo qualificado.

53. Razão porque se tem por violada a norma do artigo 145º 1 e 2, e al. l), do artigo 132º do CP.

Finalmente,

54. Por outro lado, a medida concreta da pena aplicada – 5 anos e 8 meses – surge claramente desfasada dos preceitos normativos reitores deste segmento da juridicidade.

55. Desde logo, encarada a prevenção geral na sua feição de reiteração de validade da norma punitiva, a mesma não exige que a pena concreta aplicada seja exemplar e se assuma como intrinsecamente intimidatória.

56. Por outro lado, as exigências preventivas especiais são sensivelmente moderadas, designadamente atendendo à inserção comunitária do recorrente,

57. Designadamente mostram-se, pois, violados os art.s 70º/1 e 40/2, ambos do CP.

58. Os sobreditos incisos plasmam os critérios determinantes da fixação da medida da pena elegendo, a esse propósito, uma teleologia essencialmente preventiva, todavia temperada pela ideia da culpa.

59. E, salvo o devido respeito, também a matricial ideia da culpa ressuma imolada, quando se pune a conduta do recorrente em pena superior a cinco anos.

60. De facto, a consideração da orientação dimanada dos incisos legais e constitucionais convocados imporia que o recorrente, a manter-se a condenação nos exactos moldes emergentes da Douta decisão recorrida, visse a sua pena fixada em patamar inferior ao determinado.

Ainda sem prescindir

61. Finalmente, a pena aplicada em quantum inferior a cinco anos, de acordo com a regra dimanada do art. 50.º do Código Penal, deverá ser suspensa na sua execução.

62. Na verdade, o sobredito preceito estatui que “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

63. Ou seja, a suspensão da execução da pena não obedece a qualquer ideia de discricionariedade, decorrendo, ao invés, do exercício de um poder-dever vinculado, que impõe que seja decretada sempre que se verifiquem os pressupostos legalmente enunciados.

64. Com efeito, são as razões preventivas de natureza especial que se alcandoram a um patamar de indesmentível relevância no que tange ao funcionamento do sobredito mecanismo, sem que se possa, todavia, olvidar a prevenção geral.

65. No entanto, sob pena de violação irremissível do disposto no n.º 1 do mencionado artigo 50º do CP deve a pena aplicada ao recorrente – fixada que seja em quantum igual ou inferior a cinco anos – ser suspensa na sua execução.

66. Efectivamente, a personalidade do agente, o seu comportamento anterior e posterior aos crimes e as circunstâncias deste permitem o juízo de prognose que a ameaça da pena e a censura traduzida nesta realizam as finalidades da punição.»

5.2. O arguido CC:

«1. Não somos – não o podemos ser! – alheios ao infortúnio e à infelicidade para que estes acontecimentos nos transportam – e que, repisa-se, nunca se tentou branquear ou, seja de que forma for, maquilhar.

2.      Sem embargo, o imperativo de realização de Justiça convoca-nos ao esforço, particularmente acicatado no caso concreto, de levar este recurso ao Supremo Tribunal de Justiça. Isto porque, como infra se procurará detalhar, muito houve que o Tribunal recorrido não logrou apurar e analisar – porque, talvez, transportado para aqueloutra dimensão da nossa existência.

3.      O presente esforço recursório procurará debater, ponto a ponto, as questões que, do ponto de vista do recorrente, merecem ser tratadas pelo Tribunal de recurso – o que se procurará fazer por referência à decisão em crise e de forma sistemática e estruturada.

4.      O aresto em crise não fundamenta cabalmente a alteração à matéria de facto promovida quanto altera a redação do ponto 25 e, assim, altera a qualificação jurídica.

5.      O tribunal da Relação, aqui recorrido, incorre em vários erros de raciocínio que redundam na falta de fundamentação aqui assinalada.

6.      O tribunal recorrido omite que os arguidos não se conheciam entre si e não discute essa concreta questão – fulcral, no que atine à determinação de uma eventual decisão conjunta;

7.      O tribunal recorrido omite e desvaloriza de forma ostensiva as declarações, até assaz incriminatórias dos arguidos; veja-se, a título de exemplo e a este propósito, o requerimento dado aos autos pelo arguido EE, constante de fls. do processo físico (referência citius: …), do qual consta “parecer de avaliação psicológica forense”, do qual se retira o seguinte: “Um outro amigo de EE, ........ de profissão [DD], agrediu-o com murros o desconhecido [FF], enquanto o Sr. EE ainda o segurava” (SIC). – ora, aqui, não há qualquer referência ao ora recorrente CC.

8.      O tribunal recorrido, ao desvalorizar os momentos elencados por CC – dizendo, aliás, que este os encena em seu proveito – o que é amplamente falso! – omite que CC não intervém naquele momento da contenda a que faz referência o sobredito documento e outra, vasta, prova – como infra melhor se verá.

9.      Mais ainda, o tribunal recorrido omite a concreta valoração da prova testemunhal carreada aos autos, mormente, GG, HH e II – todos coerentes ao referir que não viram qualquer intervenção de CC [conjunta com DD e EE].

10. O Tribunal recorrido não podia, assim, concluir que CC voltou à contenda – para dar como assente o ponto 14 da matéria de facto, para depois ficcionar o ponto 15 com base nos sobreditos testemunhos – que, agora, valoriza, depois de descredibilizar – para, finalmente, concluir (cf. ponto 25) pela representação do perigo para a vida.

11. O tribunal recorrido omite a análise crítica da prova carreada que dissente do sentido do juízo que veio a ser postulado – que se respeita, mas com o qual, naturalmente, não se concorda.

12. Assim, é nulo o aresto em crise por vício de falta de fundamentação – que desde já se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

13. Cumpre também trazer à colação o diálogo entre a alteração dos factos e da qualificação jurídica, cruzando, tal circunstância, com o dever de fundamentação com ressonância no princípio in dúbio pro reo.

Assim,

14. O ponto 25 da matéria de facto dada com assente junto da primeira instância, narrava da seguinte forma: “25 - Os arguidos CC, EE e DD não representaram a possibilidade de as agressões perpetradas com a suas condutas provocarem perigo para a vida de FF nem a morte que veio a ocorrer.”

15. Por seu turno, na factualidade não provada poderia encontrar-se o ponto V que referia o seguinte: “V– os três arguidos sabiam que com as suas condutas provocavam perigo para a vida de FF;”

16. Após a alteração postulada pelo Tribunal da Relação, agora recorrido, passou a conter a seguinte redação: “Os arguidos CC, EE e DD representaram a possibilidade de com as lesões (que representaram) decorrentes das agressões por si perpetradas provocarem perigo para a vida de FF, não obstante agiram, conformando-se com o resultado; Os mesmos arguidos não representaram a morte de FF, que veio a ocorrer”.

17. Pois bem, e em apertada síntese, o aresto da primeira instância condenava os arguidos, em coautoria material, por crime de ofensa à integridade física qualificada, agravada pelo resultado, nos termos e com referência aos artigos 144.º, 145.º, nº 1, alínea c) e nº 2, 132.º, nº 2, e) e h) e 147.º, nº 1, todos do Código Penal;

18. Por seu turno, o aresto do Tribunal da Relação …., com a alteração dos factos acabada de enunciar – e apenas por meio desta – condena os arguidos, em coautoria material, por um crime de ofensa à integridade física grave, nos termos da alínea d) do artigo 145.º, CP, qualificada pela alínea c) e nº 2 do artigo 145.º, CP, por referência ao artigo 132.º, nº 2, alínea h), todos do Código Penal.

19. A sobredita alteração – que redunda, na verdade, no segmento postulado pela nova redação do ponto 25 da matéria assente: representação do perigo para a vida – culmina, na verdade, na alteração da moldura penal em abstrato aplicável ao caso – melhor se dirá, na agravação dessa moldura penal.

20. De acordo com o artigo 1.º, al. f) do CPP, a alteração substancial dos factos é “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”.

21. Nos termos do disposto no artigo 424.º, n.º 3 do CPP, “sempre que se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na decisão recorrida ou da respetiva qualificação jurídica não conhecida do arguido, este é notificado para, querendo, se pronunciar no prazo de 10 dias”, o que não aconteceu no caso em apreço.

22. Assim, enferma o aresto em crise de nulidade – que, desde já, se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

23. Ainda, o aresto afronta o princípio da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo.

24. In casu, assume particular relevância no discurso que infra se procurará desenvolver, a questão da representação do perigo para vida – desde logo postulada pelo afastamento do arguido e o seu suposto regresso à contenda – e, outrossim, dos supostos murros atribuídos ao arguido CC – e a respetiva adequação ao resultado, infeliz, que veio a acontecer. Assim, de forma a sistematizar o presente esforço recursório, discutiremos cada um destes pontos de forma isolada, ainda que, naturalmente, sempre relacionada e que, a jusante, colide com o princípio da livre apreciação da prova.

25. No que atine à representação do perigo para a vida, o tribunal recorrido aceita e dá como assente que:

“11 – Perante isso, para os separar, JJ agarrou o arguido CC e afastou-o para a zona do relvado.

12 – Então, o arguido EE agarrou FF pelo pescoço, colocando-o por debaixo da sua axila esquerda, imobilizando-o, enquanto lhe desferiu vários socos na cabeça.

13 - Enquanto o EE segurava o FF, o arguido DD desferiu diversos murros em várias zonas do corpo, sendo três na cabeça de FF, sem que este conseguisse reagir.

14 – Quando JJ largou o arguido CC este voltou a dar mais murros e pontapés no FF, ainda agarrado pelo arguido EE.

15 – O envolvimento terminou quando foram separados por outras duas pessoas.”

26. Ainda, a respeito da alteração ao ponto 25 da matéria de facto, refere o Tribunal que:

Do relatório de autópsia médico-legal, prova de valor reforçado (artigo 163.º do CPP), resulta ter a vítima sofrido as lesões, descritas sob o item 20 (factos provados), ficando a sua morte a dever-se às lesões traumáticas crânio-encefálicas e meningo-medulares cervicais, tal como acolhido na matéria de facto provada (cf. o item 21). Lesões, essas, que foram produzidas pelas agressões levadas a cabo pelos arguidos (cf. o item 22).

Dos esclarecimentos prestados pela perita, subscritora do relatório de autópsia,

nos segmentos indicados pelo recorrente, a propósito das lesões sofridas por FF e do processo de execução compatíveis com as mesmas, sobressaem as seguintes passagens:

“(…) ele tem um edema cerebral gravíssimo e tem (…) uma lesão medular alta, ao nível do tronco cerebral (…) e portanto estas lesões são as lesões graves, que se englobam nas lesões crânio-encefálicas e meningo-medulares cervicais”; “(…) As lesões, a forma como as lesões se apresentam seria compatível com um traumatismo a nível da região temporal direita. As lesões em baixo teriam a ver com um mecanismo de deslocação. Por exemplo, uma híperflexão. Se uma pessoa leva uma pancada, mesmo em acidentes de viação, se há um mecanismo que flete muito para a frente e depois muito para trás, vai provocar alterações a nível da articulação e lesões tecidulares, a nível dos tecidos do sistema nervoso central. Aqui, esse mecanismo, tendo em conta o modo como as lesões se apresentam, não seria no sentido antero-posterior, mas no sentido lateral”; “Esta disrupção tecidular a nível da medula, com este edema cerebral que ele vem a sofrer, isto é o suficiente para produzir, sem dúvida alguma, a morte. E estas lesões a nível de tecido medular poderiam, era mais provável que as circunstâncias a existência dos elementos representativos e volitivos, na base das comuns regras da experiência (a dinâmica do crime e a forma de o levar a cabo; a direção, o número e a violência dos golpes que atingiram a vítima; (…); a zona do corpo procurada e atingida; (…), a energia e o vigo que pôs na ação, etc.”], importa reconhecer razão ao recorrente e, consequentemente, nos termos consentidos pelo artigo 431.º, alínea b), do CPP, proceder à modificação/alteração da matéria de facto.

Assim, o item 25 dos factos provados passa, em substituição, a assumir a seguinte redação: “Os arguidos CC, EE e DD representaram a possibilidade de com as lesões (que representaram) decorrentes das agressões por si perpetradas provocarem perigo para a vida de FF, não obstante agiram, conformando-se com o resultado; Os mesmos arguidos não representaram a morte de FF, que veio a ocorrer”. 

27. O aresto agora em diferendo entende que CC representou o perigo para a vida que a sua conduta poderia traduzir.

28. E o tribunal da Relação chega a esta conclusão – postulada, como se disse, na já supra enunciada alteração dos factos sob ponto 25 – estribado na gravidade das agressões.

29. Omite, porém, o tribunal recorrido que o afastamento da contenda do arguido e recorrente CC - postulada e assente no ponto 11 da matéria de facto.

30. Queremos com isto significar que o recorrente CC não poderia representar o resultado pois que se encontrava afastado da contenda – e, portanto, não assistiu às agressões perpetradas pelos arguidos DD e EE – exaradas sob ponto 12 da matéria de facto.

31. Na verdade, a admissão do dolo eventual como forma de comissão do crime doloso encontra-se hoje bem sedimentada na doutrina e jurisprudência e é admitida pela generalidade dos ordenamentos penais. Decisivo para o preenchimento dessa modalidade da vontade mostra-se o conhecimento pelo agente da idoneidade do instrumento usado para provocar a morte - no caso bem claro - a representação pelo agente do concreto resultado (perigo para a vida) não diretamente querido e, por fim, a atuação indiferente a esse resultado concreto – o que aqui não sucede.

32. O arguido CC, por ter sido afastado da contenda – como se dá como assente, não pode, sequer, ter representado qualquer resultado – o que pressupõe, como se assinalou, a representação do concreto perigo: que aqui não ocorre porque CC, por via do seu afastamento, sequer viu as agressões perpetradas por DD e EE.

33. O Tribunal recorrido dá um salto lógico na sua apreciação critica da prova; na verdade, se CC estava afastado da contenda, mal se compreende, até pelas regras da experiência, que este tenha representado o resultado morte ou, sequer, tenha querido participar desse resultado.

34. Ao dar aquele salto lógico – que não tem arrimo na prova assente e aceite pelo Tribunal recorrido – a decisão em crise como que se socorre de presunção: presume que CC participou de toda a contenda – o que não é verdade! Mesmo que se entenda que a ela tornou a aderir, omite o Tribunal recorrido que o seu afastamento – até, in casu, às mãos de um amigo do malogrado FF – inviabilizaria a sobredita representação e a suficiente adesão à contenda.

35. O raciocínio que merece reparo sobeja evidente do seguinte segmento que apenas se transcreve em ordem a ilustrar o ponto de partida do Tribunal da Relação:

Resultou provado que os três arguidos, agindo de comum acordo e em conjugação

de esforços, agrediram FF, agarrando-o pelo pescoço, colocando-o por debaixo da axila de um deles, e com o mesmo, assim imobilizado – sem que conseguisse reagir - desferiram-lhe murros e pontapés em diferentes partes do corpo e vários socos na cabeça; agressões estas que foram causa adequada das lesões descritas na matéria de facto cf. o item 20), mormente traumáticas crânio-encefálicas e meningo-encefálicas, tendo os mesmos representado a possibilidade de com tais lesões - que igualmente representaram – provocarem perigo para a vida de FF não obstante agiram, conformando-se com o resultado.

36. Ora, desde logo, resulta evidente que os três arguidos não aturam em conjunto e que CC não assistiu à contenda entre EE e DD – porque afastado.

37. A ser assim, o Tribunal recorrido afrontou o princípio da livre apreciação da prova para, assim, poder alterar a factualidade assente e agravar a moldura penal em abstrato aplicável, e, a jusante, o princípio in dubio pro reo (cf. os artigos 127º do Código de Processo Penal e 32º nº 2 da Constituição da República Portuguesa).

38. Sem embargo, e a título de cautela, sempre se dirá que, a admitir-se, sempre terá de ser a título de negligência.

39. No que concerne à representação do resultado morte, o tribunal da relação dá como assente que:

6 - Devido a esse incidente, ambos se envolveram em discussão e empurrões, durante a qual o arguido CC meteu a mão no pescoço de FF e deu-lhe uma chapada e um soco na cabeça.

(…)

12 – Então, o arguido EE agarrou FF pelo pescoço, colocando-o por debaixo da sua axila esquerda, imobilizando-o, enquanto lhe desferiu vários socos na cabeça.

13 - Enquanto o EE segurava o FF, o arguido DD desferiu diversos murros em várias zonas do corpo, sendo três na cabeça de FF, sem que este conseguisse reagir.

14 – Quando JJ largou o arguido CC este voltou a dar mais murros e pontapés no FF, ainda agarrado pelo arguido EE.

40. Sendo certo que, o malogrado FF morreu devido:

“(…) ele tem um edema cerebral gravíssimo e tem (…) uma lesão medular alta, ao nível do tronco cerebral (…) e portanto estas lesões são as lesões graves, que se englobam nas lesões crânio-encefálicas e meningo-medulares cervicais”; “(…) As lesões, a forma como as lesões se apresentam seria compatível com um traumatismo a nível da região temporal direita. As lesões em baixo teriam a ver com um mecanismo de deslocação. Por exemplo, uma híperflexão. Se uma pessoa leva uma pancada, mesmo em acidentes de viação, se há um mecanismo que flete muito para a frente e depois muito para trás, vai provocar alterações a nível da articulação e lesões tecidulares, a nível dos tecidos do sistema nervoso central. Aqui, esse mecanismo, tendo em conta o modo como as lesões se apresentam, não seria no sentido antero-posterior, mas no sentido lateral”; “Esta disrupção tecidular a nível da medula, com este edema cerebral que ele vem a sofrer, isto é o suficiente para produzir, sem dúvida alguma, a morte. E estas lesões a nível de tecido medular poderiam, era mais provável que efetivamente conduzissem à morte.”; “O facto de levar um traumatismo de um lado, vai provocar … não é uma deslocação da cabeça em flexão … e a flexão … é como se comprimisse os tecidos e depois ao endireitar há um novo estiramento dos tecidos. E, portanto, este mecanismo bate-flete-estica-bate-flete-estica via levar à disrupção dos tecidos.”

41. Se o resultado morte é produzido por um “mecanismo bate-flete-estica-bate-flete-estica via levar à disrupção dos tecidos” (SIC), e se a CC – conforme resulta assente e é pacífico – é imputado o ato de “meter a mão no pescoço de FF e deu-lhe uma chapada e um soco na cabeça.” (SIC), resulta à saciedade e é evidente que não pode ter sido a conduta de CC a causar as lesões que determinaram o resultado morte.

42. Estas, à luz da prova, até especialmente tarimbada como a pericial, carreada aos autos, não são compatíveis com a violência necessária a causar a morte e que, pelo contrário – e como todo o respeito, que muito é! – é compaginável com as condutas dos demais arguidos – igualmente dadas com assentes.

43. Mesmo o regresso de CC à contenta para em que este este voltou a dar mais murros e pontapés no FF, ainda agarrado pelo arguido EE (SIC), ainda que não se concorde com tal leitura dos factos, o certo é que extrair desse concreto ponto que esta conduta é adequada a causar as lesões que determinaram a morte é, como todo o respeito, inaceitável. Haja em linha de conta que, sequer, o tribunal recorrido ou, tampouco, a primeira constância conseguem apurar uma questão fundamental: onde são esses ditos murros e pontapés!

44. Na verdade, o tribunal recorrido limita-se a presumir que esses murros e pontapés são, igualmente, na cabeça – o que não tem atinência com a factualidade assente – de forma a conseguir colocar CC na posição de coautor – assunto a que infra voltaremos – com uma conduta apta a causar o resultado morte – o que, repisa-se, não tem atinência com a verdade.

45. O tribunal recorrido, que todo o respeito nos merece, limita-se a presumir que CC levou a cabo as mesmíssimas ações que os demais arguidos – o que não é, de todo, verdade.

46. Uma vez mais, no seu afã de todos pagarem na mesma moeda, o tribunal recorrido viola o princípio da livre apreciação da prova, estribando-se nas regras da experiência comum e numa suposta apreciação crítica da prova, estribada na circunstância de se tratar de um ambiente confuso e de festa – argumentário que não serve, contudo, para incriminar o aqui recorrente, até contra as declarações, assaz incriminatórias dos demais arguidos e da prova testemunhal.

47. E detendo a nossa atenção sobre este princípio, a livre apreciação é, então, o princípio máximo, base e transversal de prova, que rege no processo desde o início deste. Ele “vale para todo o decurso do processo penal e para todos os órgãos da justiça penal”. Esclarece ainda Figueiredo Dias que a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica, resultado de um convencimento do juiz sobre a verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável.

48. As regras da experiência, os critérios gerais, não serão aqui mais do que índices corrigíveis, critérios que definem conexões de relevância, orientam os caminhos da investigação e oferecem probabilidades conclusivas, mas apenas isso – é assim em geral, em regra, mas sê-lo-á realmente no caso a julgar?” (aqui, Paulo de Sousa Mendes cita Castanheira Neves). Revemo-nos nas conclusões deste autor, que são as seguintes: “as regras da experiência servem para produzir prova de primeira aparência, na medida em que desencadeiam presunções judiciais simples, naturais, de homem, de facto ou de experiência, que são aquelas que não são estabelecidas pela lei, mas se baseiam apenas na experiência de vida”. “Então, elas ficam sujeitas à livre apreciação do juiz.”

49. São “argumentos que ajudam a explicar o caso particular como instância daquilo que é normal acontecer, já se sabendo, porém, que o caso particular pode ficar fora do caso típico. O juiz não pode, pois, confiar nas regras da experiência mais do que na própria averiguação do real concreto, sob pena de voltar, de forma encapotada, ao velho sistema da prova legal, o qual se baseava, afinal de contas, em meras ficções de prova. Em última análise, a prova é particularística, sempre”. Finaliza o autor com uma importante ilação: a de que “o juiz pode decidir contra as regras da experiência.

50. A prova indireta determina especiais exigências de fundamentação. Nas várias classificações das provas, a distinção mais importante segundo Taruffo, é a que distingue entre provas diretas e indiretas. Seguindo de perto este autor, a distinção assenta na conexão entre o facto objeto do processo “e o facto que constitui o objeto material e imediato do meio de prova”. “Quando os dois enunciados têm que ver com o mesmo facto, as provas são diretas”, pois incidem diretamente sobre um facto principal. “O enunciado acerca deste facto é o objeto imediato da prova”. “Quando os meios de prova versam sobre um enunciado acerca de um facto diferente, acerca do qual se pode extrair razoavelmente uma inferência acerca de um facto relevante, então as provas são indiretas ou circunstanciais”. Trata-se de uma distinção funcional que depende da conexão entre as provas e os factos. Indiretas podem ser quaisquer provas, obtidas por qualquer meio. Numa pseudo hierarquia de provas, a prova indireta não ocupa uma boa posição. Cavaleiro de Ferreira, reconhecendo a sua importância pois “são mais frequentes os casos em que a prova é essencialmente indireta do que aqueles em que se mostra possível uma prova direta”, considera-a “enganadora” por consentir “graves erros”. Chama-lhe prova “difícil”, dizendo que “só começa depois de estabelecidos ou provados os factos indiciantes”.

51. Ainda sobre esta questão, e porque lapidar, trazemos à colação Susana Aires de Sousa segundo a qual “No Código de Processo Penal (CPP) não há normas especificamente direcionadas à prova por presunção, sua formação, produção ou valoração, desde logo pela razão essencial de não estar em causa um meio de prova stricto sensu mas sim um procedimento mental, de natureza inferencial, levado a cabo pelo julgador.

52. Na senda da mesma Autora, tratando-se de prova indireta, a enumeração dos factos legalmente exigida impõe quer a enunciação do facto presumido quer a enumeração dos factos indiciantes ou indícios. Com efeito, se o tribunal dá como provado o factum probandum socorrendo-se de juízos de inferência, tem de indicar, logo na enumeração, os factos provados que servem e fundamentam a presunção. Como bem nota Sérgio Poças, não é procedimento adequado identificar os factos indiciantes apenas na motivação da decisão da matéria de facto, misturando-se realidades substancialmente diferentes: factos e provas.

53. Também por estas razões, agora enumeradas, se deve exigir que os factos-indícios ou indiciantes – a base da presunção – resultem de prova direta, rejeitando-se que possam resultar, eles mesmos, de uma presunção, numa sequência incerta e pouco precisa – e por isso inadmissível – de presunções em cadeia ou conjunto de ilações, prejudicial a um efetivo exercício de defesa e de contraditório dos factos que sustentam a condenação.

54. Na medida em que tais factos – indiciantes e indiciado – são essenciais para a decisão de condenação, eles não podem deixar de constar na decisão.

55. De outro modo, a insuficiência da matéria de facto determina a nulidade da sentença [artigo 379.º, n.º 1, alínea a)], vício abrangido pelo n.º 2 do artigo 410.º do CPP, cognoscível ainda que a lei restrinja os poderes de cognição do tribunal de recurso a matéria de direito.

56. Reitera-se que Tribunal recorrido se limita a presumir, sem mais – vale isto por dizer: sem arrimo na prova produzida e sem dar guarida ao dever de fundamentação – que CC deu “mais socos e pontapés” que [se presume] foram no mesmo local que os demais e, portanto, aptos a causar o resultado morte. Ora, por tudo quanto já se enunciou, tal não pode aceitar-se porque, desde logo, violador do nº 2 do artigo 410.º, CP, e, outrossim constitui, constitui uma violação do dever constitucionalmente imposto de fundamentar as decisões judiciais nos termos legais a que se refere o artigo 205.º, n.º 1, da CRP.

57. Assim, e em jeito de remate, a prova em que assenta o raciocínio lógico do tribunal recorrido é, quanto muito, uma prova indireta, que não tem atinência com a própria factualidade assente e que não permite a conclusão que vai extraída mesmo que fundada nas regras da experiência comum porquanto ela não fica aquém da dúvida razoável.

58. Também por essa razão, porque o tribunal não pode – sem que tal seja considerado abusivo – ir além daquela dúvida razoável (isso, aliás, não teria estribo na prova produzida e na factualidade aceite), e não tendo esse juízo factual por fundamento uma inversão do ónus da prova (inversão constitucionalmente proibida por força da presunção de inocência), antes resultando do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, como impõe o artigo 355º, nº 1 do Cód. Proc. Penal, subordinadas ao princípio do contraditório (artigo 32º, nºs 1 e 5, da CRP), tem de prevalecer, in casu, o princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência que vão violados, por força, como se disse, da assinalada subversão ao princípio da livre apreciação da prova.

59. E ainda estreitamente relacionado com o que acaba de enunciar-se, cumpre deter o passo para olhar, novamente, para a possibilidade de representação do resultado, imposta pelo preceito legal em que se estriba o tribunal recorrido, v.g., o artigo 145.º, CP, mormente no que atine à alínea c). 

60. Resulta sobejo que ao ora recorrente não podem ir aplicados os incisos ínsitos no artigo 144.º, al. d) e 145.º, nº 1, alínea c), CP que determinam a condenação do arguido em pena privativa da liberdade.

Mais ainda,

61. O acórdão recorrido refere, a fls. 164 e ss., que LL, MM, JJ e NN, referiram, ou pelo menos, parecem incluir CC no designado “segundo momento”, citando: “1. - A testemunha LL, cingindo-se ao segundo episódio, referiu: “Voltou a haver confrontos mais graves porque eles agarraram no FF”; foi um confronto “de um contra três”; “Houve uma altura em que o FF e o CC se voltaram a pegar”; “Estes os três (arguidos) entraram em confronto com o FF ao mesmo tempo”; “O FF parecia um saco de boxe, como se fosse um boneco”; “A agressão (foi) simultânea pelos três”; Já a testemunha MM, referindo-se ao segundo episódio, disse: “Ele (FF) estava com o pescoço debaixo da axila de um deles; estavam os três em conjunto, foi no mesmo momento, a agredir; Por seu turno a testemunha JJ, o qual apenas assistiu ao segundo episódio, declarou: “O senhor CC (que trajava uma camisa aos quadrados) chamou o FF; “Ele foi lá, começaram a agarrá-lo e a bater-lhe; “Avançaram logo todos para o FF a bater...”; “Quando larguei o CC (que entretanto tinha agarrado e levado para a zona do relvado) ele “ainda voltou para o pé do FF à luta”; “Vi o senhor CC dar-lhe um murro sobre a cabeça”; (os arguidos) agrediram-no “em conjunto”; “Vi o FF a ser atingido na cabeça pelo CC (depois de este ter voltado novamente à luta, depois de o ter afastado”; “todos (os arguidos) batiam ao mesmo tempo”; “afastei o CC mas ele escapa-se, vai em direção à briga e dá-lhe (ao FF) um murro”; NN, reportando-se ao segundo episódio, referiu: “As pessoas que o chamaram (ao FF) pegaram-no e começaram a agredi-lo”; “Lembro-me de uma camisa ao xadrez cor-de-rosa (envergada) por pessoa que estava a bater no FF”; “Vi- os todos a dar socos”; “Vi a pessoa que foi afastada, o que tinha a camisa na barriga, a dar murros na cabeça do FF”; “O da camisa de xadrez deu murros quando o (ao FF) estavam a agarrar, imobilizado”;” (negrito nosso)

62. Outros são os que referem que CC não estava, ou que pelo menos nada fez. Citando novamente:“- OO, reportando-se ao segundo episódio: “Vi o EE também envolvido no meio da pancadaria”; “O FF imobilizado e ao mesmo tempo a ser socado”; “O EE intervinha como agressor”; “O DD segurava com a mão esquerda e dava-lhe com a direita ...o EE também a bater-lhe”; “O FF estava imobilizado, era impossível sair de lá sozinho”; Estavam lá os três arguidos, mas quem vi a agredir foi o EE juntamente com o DD”; “O EE agrediu na cabeça”;” (negrito nosso). E ainda, de acordo com: - GG “... vi o EE a agarrar, o DD a bater mas que não viu, junto deles o CC”; - HH “... estive sempre de olho no CC, a quem nunca largou, e que este estava sereno, na zona da relva” - II “... vi o CC com HH na zona da relva” e “não vi qualquer intervenção do CC” (negrito nosso),

63. Havendo ainda outros, nomeadamente, PP, QQ e RR, que não viram o CC no “segundo momento”, deixando, deste modo, aquém a lógica do processo de convicção do tribunal coletivo.

64. Assim, e olhando à justificação do coletivo em relação a esta temática, não é pelo facto de o acórdão referir a fls. 159, que “foram os três os “contendores” no confronto com a vítima, não havendo notícia que intervenientes tivessem sido outros que não os arguidos” que deve concluir-se que CC esteve presente no “segundo momento”, sendo-lhe imputado o crime que ora se assacou.

65. O tribunal recorrido apoia-se, ainda, aos depoimentos de NN, JJ, MM e LL, para justificar a sua convicção, quando, pelo menos uma das testemunhas apresenta vários lapsos de memória no depoimento, nomeadamente, NN.

66. Se de facto, o Tribunal recorrido encontra depoimentos em ambos os sentidos, e sob pena de credibilizar uns e descredibilizar outros, deverá, no caso do CC, em relação à sua presença no “segundo momento”, decidir de acordo com o princípio in dubio pro reo, cumprindo assim a presunção de inocência inscrito no art. 32.º, n.º 2 da C.R.P., pois, se existe a mera possibilidade de uma solução alternada, deveria aplicar a possibilidade mais favorável ao arguido, isto, dada a multiplicidade de versões, quer das testemunhas dos arguidos, quer do malogrado FF.

67. Neste sentido, o acórdão do TRC de 03.06.2015, Proc. n.º 12/14.7GBSRT.C1, “Se a decisão factual do tribunal recorrido se baseia numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível e naquela optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção – obtida com o benefício da imediação e da oralidade – apenas pode ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum”.

68. O aresto em diferendo estriba a posição sufragada na co-autoria, considerando, os três arguidos como co-autores – de tal ordem que, como infra se verificará em detalhe, vilipendia o princípio da culpa.

69. Sem embargo, por agora, o recorrente CC deter-se-á no debate sobre a co-autoria e o uso deste instrumento que faz o tribunal recorrido, que nela se estriba.

70. Com efeito, o tribunal recorrido configura os factos em situação de co-autoria – o que faz nos seguintes termos:

“Retomando o caso dos autos, concentrando-nos nos factos descritos nos itens 8 a 15 (factos provados) não vislumbramos maneira de configurar a situação como de coautoria sucessiva. Descortina-mos, sim, uma linha de atuação contínua, com o mesmo propósito, por parte dos três arguidos, sem hiatos relevantes, com agressões em simultâneo, traduzindo-se estas num encadeado, demonstrativo da escalada da violência, sem que nos suscite dúvida a existência do dito acordo tácito, na fase inicial de execução, sendo manifesta a consciência e vontade de colaboração, entre todos eles, na prática do crime, aspetos que conjugados com a matéria inscrita sob o item 24, não consente a mínima reserva sobre a presença da dimensão subjetiva da coautoria.

Na verdade, o ingresso dos agentes (arguidos) aconteceu praticamente em simultâneo, não ocorrendo motivo válido para excluir o princípio da “imputação recíproca de esforços e contribuições”. Em suma, o caso dos autos não configura uma situação de coautoria sucessiva; os factos não omitem a dimensão subjetiva da coautoria; não se inclui no núcleo dos factos que suporta a responsabilidade do recorrente a matéria descrita em 6 e 7 dos factos provados, os quais, perante a dimensão e natureza das lesões que provocaram perigo para a vida da vítima e lhe vieram a determinar a morte, resultam irrelevantes” foram causa adequada da morte da vítima, resultam irrelevantes.”

71. Refere Figueiredo Dias que “autor é todo aquele que executa, total ou parcialmente, a conduta que realiza o tipo (de ilícito)”; é assim, “quem domina o facto, quem dele é “senhor”, quem toma a execução “nas suas próprias mãos” de tal modo que dele depende decisivamente o se e o como da realização típica; nesta precisa aceção se podendo afirmar que o autor é a figura central do acontecimento (...) ele aparece, numa sua vertente como obra de uma vontade que dirige o acontecimento, noutra vertente como fruto de uma contribuição para o acontecimento dotada de um determinado peso e significado objetivo”.

72. Ainda na senda do mesmo autor – e porque tal não é de somemos importância para estes autos – “em definitivo, nos termos do disposto no artigo 26.º, o autor não é quem causa o facto mas quem o executa, direta ou indiretamente: e é isto que corresponde à exigência próprio do Estado de Direito de que a punição se vincule e refira à realização do tipo (…). AO que acresce, para nós, decisivamente, o seguinte: se autor é quem realiza o facto típico e se todo o tipo é tipo de ilícito, então a essência da autoria tem de decorrer da essência do ilícito e este (…) surge como ilícito pessoal, não como ilícito causal, desprendido da pessoa do agente.”

73. Assim, e em síntese que vai na linha do propugnado pelo mesmo Professor, “uma conceção correta de autoria terá por força de radicar na realização pessoal de um ilícito, não na sua causação.”

74. Feito este enquadramento, necessariamente breve, a respeito da autoria, cumpre sublinhar que o artigo 26.º do CP, individualiza e distingue a autoria imediata, a autoria mediata e a coautoria.

75. O certo é que, nas palavras de Figueiredo Dias, a lei vigente exige sempre uma decisão conjunta, impondo que o co-autor tome parte direta da execução – cada coautor apresenta-se como momento essencial da execução do plano comum, constituindo a realização como uma “divisão de trabalho” que impõe, de casa um, um domínio funcional do facto.

76. Ora, o aresto em crise limita-se a arguir esta co-autoria, sem que a concretize. Melhor dizendo: o aresto em crise limita-se a atribuir aos arguidos o papel de co-autores sem individualizar o papel, concretamente – perdoe-se-nos a redundância – assumido por cada dos intervenientes.

77. O aresto em crise lavra em erro na medida em que não elenca o papel assumido pelo ora recorrente, limitando-se, in casu, a qualificar a sua atuação – que, repisa-se, não individualiza! – como co-autor, bastando-se, como efeito, a referir que: Descortina-mos, sim, uma linha de atuação contínua, com o mesmo propósito, por parte dos três arguidos, sem hiatos relevantes, com agressões em simultâneo, traduzindo-se estas num encadeado, demonstrativo da escalada da violência, sem que nos suscite dúvida a existência do dito acordo tácito, na fase inicial de execução, sendo manifesta a consciência e vontade de colaboração, entre todos eles, na prática do crime, aspetos que conjugados com a matéria inscrita sob o item 24, não consente a mínima reserva sobre a presença da dimensão subjetiva da coautoria – cf. fls 185 do aresto em crise.

78. O realce é nosso, apenas para repisar que não se vislumbra qual seja esta “linha”; com efeito, o facto de acontecimentos terem sido (alegadamente) sucessivos não os torna habilitados ao enquadramento do instituto da co-autoria. Aliás,

79. O supra transcrito colide, frontalmente, com os factos dados como provados e replicados pelo mesmo aresto; veja-se:

13 – Enquanto o EE segurava o FF, o arguido DD desferiu diversos murros em várias zonas do corpo, sendo três na cabeça de FF, sem que este conseguisse reagir.

14 – Quando JJ largou o arguido CC este voltou a dar mais murros e pontapés no FF, ainda agarrado pelo arguido EE.

15 – O envolvimento terminou quando foram separados por outras duas pessoas.

80. Trecho de onde se retira que o arguido CC, ora recorrente, não esteve no concreto momento em que o DD socava o FF e este era segurado pelo EE. Aliás, nem se percebe da factualidade assente – e a isso voltaremos num outro ponto – qual a concreta intervenção de CC – melhor dizendo: qual o seu comportamento que conduziu ao resultado, infeliz, do decesso de FF.  

81. Ora, e sem embargo de não se concordar com esta factualidade assente, o certo é que não se retira do excerto – o mesmo, de resto, que serve de estribo ao tribunal recorrido – qualquer acordo entre os participantes, expresso ou implícito, tendo, neste conspecto, andado mal o Tribunal recorrido ao bastar-se com esta argumentação, baseada num exercício de mera presunção, que, portanto, não é válida, nem pode aceitar-se. 

82. O tribunal limita-se a enunciar, replicando que: 24 – Na segunda situação descrita, os arguidos CC, EE e DD atuaram em conjugação de esforços e intentos com o propósito de agredir o FF e de lhe provocar as lesões supra descritas, resultado que representaram.

83. Enunciação que não concretiza e que, sequer, se compagina com os pontos supra citados. Diga-se de outra forma: em lado algum dos factos dados como assentes há, sequer, indícios de ter existido uma execução conjunta – recorde-se, até, que o arguido CC não conhecia o arguido DD – nem, tampouco, uma decisão conjunta.

84. De facto, como assinala a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, “Para haver coautoria material não basta a execução conjunta, sendo também indispensável uma decisão conjunta. Contudo, essa decisão conjunta, que normalmente ocorre antes do facto, pode ser posterior ao início da execução, constituindo a coautoria sucessiva, que responsabiliza o coautor sucessivo pela conduta dos demais coautores, desde que ele conheça essa atuação, com ela concorde e contribua igualmente para o resultado.” – veja-se o aresto deste Supremo Tribunal, datado de 12/06/2013, relatado por Maia Costa.

85. Ainda, “a doutrina e também a jurisprudência, designadamente deste STJ, tem entendido que a co-autoria define-se pela existência de um acordo prévio, expresso ou implícito, entre os agentes em ordem à realização de um facto ilícito típico, em que, embora não sendo imprescindível que cada co-autor tome parte activa e decisiva em todos os actos de execução, exige-se que aquele ou aqueles actos em que participe se mostrem essenciais para a obtenção do resultado visado e querido.” – veja-se, também deste Supremo Tribunal, o aresto datado de 20/02/2019, relatado por Isabel São Marcos.

86. Refere o aresto em crise, a fls. 177 e ss., que, para a co-autoria, “é indispensável uma decisão conjunta (componente subjetiva) e uma execução conjunta da decisão, também se nos afigura, tal como escreve Faria Costa, Formas do Crime, in Jornadas de Direito Criminal, CEJ, 1983, pág. 170, que para “definir uma decisão conjunta parece bastar a existência da consciência e vontade de colaboração de várias pessoas na realização de um tipo legal de crime (“juntamente com outro ou outros”)”, sendo a “forma mais nítida, comum e normal, de adesão de vontades na realização de uma figura típica (...) a do “acordo prévio”, que pode mesmo ser tácito”.

87. Inexiste decisão conjunta, como, outrossim, inexiste execução conjunta. Ao tribunal recorrido cabia isolar as condutas de cada um dos arguidos e, em conformidade, condenar, tendo avaliado erroneamente a prova produzia que, no mais, é insuficiente para concluir em linha com o postulado pelo aresto em crise – cf. o disposto no artigo 410.º, nº 1, al. a), CPP.

88. Andou mal o tribunal recorrido, devendo a decisão em crise soçobrar e, neste concreto ponto, ser substituída por outra, que dê guarida ao ora propugnado.

89. Assim, e ao contrário do propugnado no aresto em crise – que, sem embargo, nos merece o melhor respeito – a situação em diferendo, concretamente vertida nestes autos, configura, in limine, isso sim, uma situação de co-autoria sucessiva, nos termos da qual “ao co-autor sucessivo só é imputável o ilícito realizado depois da sua adesão ao acordo, sob pena de solução diversa implicar uma inadmissível punição do dolus subsequens.

90. Diga-se, e pedindo que se nos releve alguma, eventual, insistência neste ponto, que o recorrente CC, alegadamente, terá regressado à contenda, que decorria apenas entre DD, EE e o falecido FF; neste regresso – onde não se densifica nem, sequer, se prova, qual a concreta intervenção de CC (melhor: se os murros que lhe terá dado foram causa adequada de morte), o Tribunal limita-se a presumir a linha de atuação conjunta – que não existe: não apenas porque CC e DD não se conheciam (nem conhecem) entre si, como, outrossim, não se percebe se o CC vê, efetivamente, do local onde estaria para (querer) aderir ao acontecimento, como, ainda, ao arguido CC não pode ser imputada uma conduta anteriormente perpetrada por DD e EE – note-se que estamos perante dois homens adultos, com diferença de idade significativa em relação ao FF (tema a que voltaremos infra) – que o manietavam e socavam.

91. Isto, com efeito, e sem prejuízo de outras considerações, leva-nos a uma outra questão que o aresto em crise não trata – mas deveria tratar – o do excesso da co-autoria.

92. O aresto em crise, na sua senda de prover em relação a todos ao “pagamento na mesma moeda” omite a discussão fática essencial que o arguido CC procurou, de forma infrutífera, dar à estampa: qual seja, o concreto contributo dos arguidos para o infeliz desfecho.

93. Recorda-se que FF faleceu mercê de lesões crânio-encefálicas e meningo-medulares cervicais – cf. o ponto 20 dos factos provados.

94. Concluindo-se – cf. ponto 21, fls. 110 do aresto – “A morte de FF foi devida às lesões traumáticas crânio encefálicas e meningo-medulares cervicais descritas” que “foram produzidas pelas aludidas agressões dos arguidos CC, EE e DD”.

95. Em parte alguma da sua alocução o aresto em crise atribui a CC um comportamento adequado a produzir tais lesões.

96. Na primeira situação [meteu a mão no pescoço de FF e deu-lhe uma chapada e um soco na cabeça – cf. ponto 6], o arguido CC atuou com o propósito de atingir o corpo de FF face ao desentendimento verificado na sequência do derrube de um copo de cerveja que atingiu a sua namorada – citamos o ponto 23 dos factos provados.

97. Na segunda situação [Então, o arguido EE agarrou FF pelo pescoço, colocando-o por debaixo da sua axila esquerda, imobilizando-o, enquanto lhe desferiu vários socos na cabeça – ponto 12; Enquanto o EE segurava o FF, o arguido DD desferiu diversos murros em várias zonas do corpo, sendo três na cabeça de FF, sem que este conseguisse reagir – ponto 13; Quando JJ largou o arguido CC este voltou a dar mais murros e pontapés no FF, ainda agarrado pelo arguido EE. – ponto 14], o recorrente CC, sequer, participou das citadas (e dadas como assentes) agressões que são habilitadas a casuar o resultado morte.

98. Vale isto por dizer que não crível que as lesões dadas como assentes – ainda que essas, as dadas como assentes, em jeito de cautela – e levadas a cabo pelo recorrente CC, sejam aptas a causar o resultado morte – como supra se deixou dito.

99. Na verdade, o Tribunal recorrido, ao chegar a esta conclusão - postulada pelo ponto 24 – mais não faz do que presumir que o arguido CC participou naquele segundo momento – o único adequado a causa a morte, pelo seu impacto e gravidade – na mesma medida que DD e EE. E dizemos que presume – conforme já se deixou dito – porque, sequer, o Tribunal concretiza as agressões em que se estriba para chegar àquela sobredita conclusão, limitando-se a referir, de forma – ressalvado o devido respeito, que muito é!, lacónica e conclusiva – que “o arguido CC este voltou a dar mais murros e pontapés no FF, ainda agarrado pelo arguido EE” – cf. ponto 14 – mas, cumpre indagar, onde são esses murros e pontapés? E se são aptos a lograr o resultado, infeliz, que veio a acontecer.

100. Assim, a conclusão, lacónica, a que chega o tribunal recorrido, não tem estribo na prova produzida e é insuficiente no que atine à sua fundamentação – devendo, como infra se verificará, soçobrar.

101. O raciocínio agora excogitado vale, igualmente, para concluir, na senda do presente ponto, que, de facto, cada co-autor responde apenas até onde vai o acordo recíproco, não sendo responsável pelos excessos do(s) outros(s).

102. Donde se retira que ao recorrente CC – ainda que se excogite a possibilidade da co-autoria – não podem imputar-se os excessos supra enunciados e, a outrance, ser condenado pela mesma medida que é aplicada aos demais arguidos.

103. Andou, assim, mal o tribunal recorrido ao adir o raciocínio que vai excogitado e que consubstancia erro de direito – que, desde já, se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

104. O que vai postulado pelo aresto em crise é, outrossim, apto a violar o disposto no artigo 29.º, CP. De facto, “cada comparticipante é punido segundo a sua culpa, independentemente da punição ou do grau de culpa dos outros comparticipantes”.

105. A ratio deste preceito reside na circunstância de a culpa dos comparticipantes dever ser “avaliada autonomamente, que no que respeita às causas de exclusão da culpa, quer à imputação de circunstâncias agravantes ou atenuantes” – a este ponto, o relativo à concreta ponderação das circunstâncias atenuantes, voltaremos infra.

106. O certo é que – e isso, in casu, deve merecer a mais vincada crítica ao aresto em crise – não é objeto de qualquer ponderação pelo tribunal recorrido que se limita a aplicar a todos a mesma pena – pagando todos pela mesma moeda – ressalvado o devido respeito, que muito é.  Ora,

107. Quando uma pluralidade de agentes comparticipa num facto - e é só nesse caso que assume relevo prático-normativo a distinção dos papeis de cada um perante a execução, o contributo de cada um para a realização típica. Mas, como refere Figueiredo Dias, nem por isso se dirá com razão tratar-se aqui de um "conceito indeterminado", como tal imprestável para a aplicação do direito penal no momento de fundamentação da responsabilidade. O que sucede, sim, é que não deparamos aqui com um conceito fixo, definitório e apto a subsunção. Correto é qualificá-lo, afirma o próprio Roxin, como um conceito aberto, isto é, de um parâmetro regulativo, cujo conteúdo é suscetível de adaptar-se as variadíssimas situações concretas da vida a que se aplica e que só na aplicação alcança a sua medida máxima de concretização.

108. Resulta daqui, e em primeiro lugar, que a realização pessoal, e plenamente responsável, de todos os elementos do tipo fundamenta sempre a autoria e este é, também, o sentido do artigo 26 do Código Penal ao apontar aquele que realiza por si mesmo o delito.

109. Assim, como noutra sede já se deixou dito, a coautoria consiste numa "divisão de trabalho" que torna possível o facto ou que facilita o risco. Requer, no aspeto subjetivo que os intervenientes se vinculem entre si mediante uma resolução comum sobre o facto, assumindo cada qual, dentro do plano conjunto uma tarefa parcial, mas essencial, que o apresenta como cotitular da responsabilidade pela execução de todo o processo. A resolução comum de realizar o facto é o elo que une num todo as diferentes partes.

110. No aspeto objetivo, a contribuição de cada coautor deve alcançar uma determinada importância funcional, de modo que a cooperação de cada qual no papel que lhe correspondeu constitui uma peça essencial na realização do plano conjunto (domínio funcional).

111. O necessário subjetivo da coautoria é a resolução comum de realizar o facto. Unicamente através da mesma se justifica a imputação recíproca de contribuições fácticas.

112. Não basta um consentimento unilateral, senão que devem "actuar todos em cooperação consciente e querida" Um acordo de vontades em que se fixa a distribuição de funções graças á qual deve obter-se, com as forças unidas o resultado perseguido em comum. Aliás, a forma como se faz a repartição de papéis deverá revelar que a responsabilidade pela execução do facto impende sobre todos os intervenientes.

113. Por outro lado, para caracterizar a decisão conjunta não parece bastar a existência de um qualquer acordo entre os comparticipantes - acordo que em regra existe também entre o autor e o cúmplice, - exigindo uns que todos os coautores tenham uma "incondicional vontade de realização do tipo"; - impondo outros que o papel desempenhado por cada um revele objetivamente a sua participação no domínio do facto. Deste último ponto de vista, o essencial residirá então no segundo requisito da autoria: o exercício conjunto do domínio (funcional) do facto. Um domínio funcional do facto que existirá quando o contributo do agente - segundo o plano de conjunto - põe, no estádio da execução, um pressuposto indispensável ã realização do evento intentado, quando, assim, "todo o empreendimento resulta ou falha".

114. Em resumo, é indispensável uma decisão conjunta e uma execução conjunta da decisão. O acordo entre os agentes pode ser expresso ou tácito, prévio ou não à execução do facto.

115. Ora, e volvendo à questão da culpa postulada pelo artigo 29.º, CP, esta, a culpa responde á pergunta de saber de se, e em que medida, o facto deve ser reprovado pessoalmente ao agente, assim como qual é a pena que merece.

116. Em termos dogmáticos é fundamento da individualização da pena a importância do crime para a ordem jurídica violada (conteúdo da ilicitude) e a gravidade da reprovação que deve dirigir-se ao agente do crime por ter praticado o mesmo delito (conteúdo da culpa) – seguimos de perto o aresto deste Supremo Tribunal de Justiça, relatado por Santos Cabral e datado de 27/02/2012.

117. O certo é que – e é aqui que retomamos o nosso excurso para o unir com o disposto no artigo 29.º, CP – vimos de dizer que o certo é que o Tribunal recorrido não individualiza – passa a redundância, não pessoaliza – a pena concreta.

118. O tribunal recorrido, ao não valorar a culpa – individual, pessoal e concreta, perdoem-se-nos os pleonasmos e exageros de linguagem – de cada dos arguidos, também aí recorrentes, afronta a Constituição da República Portuguesa.

119. O tribunal recorrido não estabelece esse sobredito nexo entre o agente e o seu facto, limitando-se a medir o facto e o agente pela mesma bitola que os demais. Ainda, assim, mal o tribunal recorrido, incorrendo em erro de direito que, no mais, conflitua inclusivamente, como se disse, com a Constituição da República Portuguesa, mormente nos seus artigos 1.º, 18.º, nº 2 e 25.º, todos da Lei Fundamental.

120. O certo é que o aresto em crise faz – ressalvado o devido respeito, que muito é – tábua rasa deste princípio, condenando todos os arguidos na mesma bitola, assim desconsiderando as suas circunstâncias pessoais – que dá como assentes – e, a jusante, ignorando o sobredito princípio da culpa.

121. Na verdade, ainda que se aceite – mesmo que em jeito de raciocínio académico – a co-autoria, não pode aceitar-se, de todo, que os arguidos, aqui recorrentes, sejam, todos, condenados na mesma pena, extrapolando as suas condições pessoais.

122. Com efeito, o modelo de prevenção acolhido pelo CP – porque de proteção de bens jurídicos – determina que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

123. Dentro desta medida de prevenção (proteção ótima e proteção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de proteção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.

124. Ora, o critério e as circunstâncias do art. 71.º do CP são contributo quer para a determinação da medida concreta proporcionalmente compatível com a prevenção geral (que depende da natureza e do grau de ilicitude do facto face ao maior ou menor sentimento comunitário de afetação dos valores), quer para identificar as exigências de prevenção especial, ditadas pelas as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento, fornecendo ainda indicações exógenas objetivas para a apreciação e definição da culpa do agente.

125. No que atine ao ora recorrente CC, o aresto omite essa concreta ponderação, nomeadamente quanto às suas concretas circunstâncias pessoais, v.g., a sua idade.

126. Aquando do acontecimento, o malogrado FF, nascido em 1997, contava com dezanove anos de idade; CC, nascido …… de 1993, contava com vinte e três anos de idade – isto é, escassos quatro anos separam a vítima deste arguido; por sua vez, DD, nascido em 1978, contava com trinta e oito anos de idade; e, por seu turno EE contava com trinta e três anos de idade.

127. Ora, CC tinha, efetivamente, uma idade próxima – e, concomitantemente, escassa – à do FF.

128. Aqui, cumpre fazer um breve parêntese para referir que no Reino Unido – de cujo exemplo nos servimos apenas por ser claro e paradigmático - o Sentencing Council lançou diretrizes aos juízes, de forma a que estes possam levar em consideração a “falta de maturidade” como fator atenuante, em certos crimes.

129. Assim, apesar de olharem a antecedentes criminais, caráter do arguido, confissão, cooperação na investigação, subordinação laboral, coação/intimidação/exploração, consciência da ilicitude, entre outros, releva, agora, a idade e/ou a falta de maturidade.

130. De acordo com o Youth Justice Legal Center, os jovens adultos (18 a 25 anos) devem ser tratados como um grupo distinto dos adultos mais velhos, principalmente porque ainda estão no processo de maturação.

131. Com efeito, os jovens adultos têm uma maior probabilidade de entrarem no sistema criminal, em comparação com os adultos mais velhos, pois, de acordo com a neurociência, o desenvolvimento do cérebro continua até meados dos 20 anos.

132. Ademais, de acordo com um relatório do Justice Committee, várias pesquisas, numa grande variedade de disciplinas, apoiavam fortemente a visão de que os jovens adultos são um grupo distinto, com necessidades diferentes, tanto das crianças, menores de 18 anos, como dos adultos, maiores de 25 anos.

133. O Justice Committee concluiu que os jovens adultos se desenvolvem neurologicamente até aos 25 anos de idade e têm uma alta prevalência para o desenvolvimento cerebral atípico. Assim: “Dealing effectively with young adults while the brain is still developing is crucial for them in making successful transitions to a crime-free adulthood. They typically commit a high volume of crimes and have high rates of reoffending and breach, yet they are the most likely age group to stop offending as they ‘grow out of crime’.”

134. Desde 2011 que o Sentencing Council afirmou que a “falta de maturidade” deve ser um potencial fator atenuante para determinação da pena nos jovens adultos.

135. Além disso, desde 2013 que a Crown Prosecution Service (CPS), no seu Código de Conduta incluiu, pela primeira vez, a maturidade como fator a considerar na culpabilidade.

136. A maturidade pode ser influenciada por experiências da vida, mas também por características individuais.

137. No domínio do direito interno, Ana Rita Alfaiate: “A noção de intellectus criminalis que trazemos a público é, como vimos, enformada por três dimensões: de conhecimento, de vontade e de adequada modelação social. Poderíamos ter recuperado as ideias de inteligência e liberdade dos códigos anteriores, ou aceitado o contributo do direito italiano, na sua formulação de “capacità di intendere e di volere”, mas pareceu-nos que faltava aí o eco axiologicamente comprometido com o direito penal, que se espera do imputável. Na realidade, mais que uma incompletude dolosa para o crime, reconduzida aos elementos intelectual e volitivo do dolo, defendemos que falta ao delinquente reunir a necessária capacidade, daí derivada, para a apreensão da sua relação com o direito. Do facto praticado não resulta ainda uma atitude interior de contrariedade ou indiferença para com o dever-ser jurídico-penal, na estrita medida em que não há ainda uma completa formação da compreensão e da vontade que poderiam ser substrato desta contrariedade. Por isso é que, mais que uma incapacidade para o dolo, o delinquente revela uma imaturidade precedente, pela formação ainda incompleta das suas competências cerebrais. A compreensão e a volição destes delinquentes não está ainda no patamar essencial de compreensão e volição jurídico-penalmente relevantes e que permitem desencadear o juízo de censura que vem a clarear-se pela culpa. Nas palavras de Marty Beyer, “responsabilizar os jovens por aqueles seus actos que prejudicaram outras pessoas deve ser abordado num contexto desenvolvimental, porque os jovens pensam de um modo diferente dos adultos, são emocionalmente imaturos e não têm ainda valores morais completamente formados.”

138. Aliás, é perspícuo assinalar que, por escassos dois anos, ao arguido, ora recorrente, CC, não é abrangido pelo regime penal aplicável a jovens delinquentes, postulado pelo Decreto-Lei nº 401/92, de 23 de setembro, cujo postulado reside, justamente, na circunstância de, ao regime penal, não poder ser alheia a idade – e a maturidade – do agente.

139. Como, hoje, merece vasto acolhimento, aquele regime surge da necessidade de instituir um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e de exigir, sempre que a pena prevista seja a de prisão, que esta possa ser especialmente atenuada, nos termos gerais, se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que, assim, se facilitará aquela reinserção.

140. Se esta consideração não serve para arredar a censura jurídico-penal dirigida ao arguido CC, servirá, por certo, para mitigar essa censura; como se sabe e, aliás, decorre das mais elementares regras da experiência comum, a maturidade de um jovem de vinte e três anos é, habitualmente, inferior à de um homem (feito, permitisse-nos a coloquialidade da expressão) perto dos quarenta (!) anos de idade.

141. Na verdade, a escassa idade do arguido – e a sua concomitante imaturidade, espelhada, até, no tão badalado episódio de despir a camisa, sem qualquer motivo ou consequência – associada à sua escassa experiência de vida, tem, necessariamente, de significar uma menor capacidade de representação da ilicitude que o Tribunal recorrido não valora – omitindo essa concreta valoração – e, de facto, deveria ter valorado, conforme decorre inequivocamente do texto do citado artigo 71.º, CP e, mais, exigindo-se no mesmo artigo que a determinação da medida da pena deva merecer fundamentação expressa, o que, in casu, não acontece.

142. Veja-se: “Por outro lado, milita a favor dos arguidos a respetiva inserção profissional e familiar, bem como a consideração que beneficiam no meio em que vivem, tidos como pessoas responsáveis, educadas, trabalhadoras, aspetos que aliados ao facto de nenhum deles registar antecedentes criminais, atenua as exigências de prevenção especial de socialização, pese embora as características de personalidade reveladas por todos eles na execução do crime.”

143. O Tribunal recorrido não valora nem considera, igualmente na senda do mesmo raciocínio que vai vertido, a divergência, clara, de idades entre os demais arguidos, EE e DD – e o arguido CC e a vítima FF. Concretamente, separa o arguido DD de FF, uma diferença de duas décadas (!). Diferença, esta, que deveria atribuir a DD o papel de pai de FF e de CC e a EE o lugar de irmão mais velho.

144. Ora, se ao arguido CC a idade terá, necessariamente, o efeito prossecutor da atenuação da medida da pena – nos termos acabados de exarar – mal se compreende ao mesmo tenha sido considerada medida da pena semelhante à dos outros dois arguidos, em razão da diferença de idades supra explicitada e ainda se diga que não pode aceitar-se tal similitude da medida da pena quando mormente quanto ao arguido DD s profissão: mal se compreende que alguém, que trata de alguém que exerce profissionalmente a atividade ........, necessariamente preparado para situações de elevada tensão e, até, manifesta violência. Aos vinte de três anos de idade, embora não possa deixar de lamentar-se e censurar-se o comportamento que ressumbra dos autos, há-de, todavia de compreender-se que CC não estivesse tão preparado para uma situação de elevada tensão e que não tenha representado a ilicitude do seu comportamento, na mesma forma e grau que se esperaria de EE e DD.

145. Assim, e sem embargo de tudo quanto vai dito, andou, uma vez mais, erradamente, o Tribunal recorrido ao não considerar esta concreta questão pessoal dos arguidos – devendo o aresto em crise ser revisto, de forma a dar guarida ao ora propugnado.

146. Ainda neste concreto capítulo, uma vez mais, o Tribunal recorrido omite a valoração imposta, desta feita, pela alínea e) do nº 2 do artigo 71.º, CP, segundo a qual, deve considerar-se a conduta anterior ao facto ou posterior a este.

147. Com efeito, no cotejo da “conduta anterior” deve incluir-se os seus antecedentes criminais, o modo de vida do agente, familiar, profissional e social – tudo de forma a aferir as necessidades de prevenção do agente e da comunidade.

148. O menor grau de participação do arguido na contenta – e, a jusante, no resultado, conforme supra se deixou dito – e que, outrossim, não pode ser, in casu, ignorado e, portanto, valorado na determinação da medida da pena, quer quanto à culpa, quer quanto à ilicitude.

149. O aresto em crise, a fls. limita-se a referir que “milita a favor dos arguidos a respetiva inserção profissional e familiar, bem como a consideração de que beneficiam no meio em que vivem, tidos como pessoas responsáveis, educadas, trabalhadoras, aspetos que aliados ao facto de nenhum deles ter antecedentes criminais, atenua as exigências de prevenção especial de socialização, pese embora as características de personalidade reveladas por aqueles na execução do crime”.

150. Daqui deve resultar que o facto é nada mais que um facto isolado na vida do arguido CC, nada permitindo concluir que venha a repetir-se.

151. Aliás, como resulta vastamente documentado – até do excerto supra transcrito – o arguido goza de grande reputação no meio social, profissional, académico e familiar onde se insere, sendo, amiúde, descrito como uma pessoa calma, ponderada e trabalhadora.

152. Sem embargo do – aliás breve – trecho supra transcrito, o certo é que o Tribunal recorrido não retira dele qualquer consequência ou efeito – o que, no mais, apenas poderia fazer pela via da determinação medida da pena.

153. O que antecede leva-nos, justamente, a debruçar-nos sobre essa problemática: a da determinação da medida da pena, lembrando que culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo de determinação da medida da pena.

154. Ora, na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem se perder de vista a culpa do agente, conforme já se deixou visto, noutra sede. Numa conceção moderna, a finalidade essencial e primordial da aplicação da pena reside na prevenção geral, o que significa “que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto, alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada…” (Anabela Miranda Rodrigues, “A determinação da medida da pena privativa de liberdade”, Coimbra Editora, pág. 570).

155. Na suspensão da execução da pena é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime – o que, novamente se repisa, sem deixar de se sublinhar o respeito, que muito é, pelo Tribunal recorrido, não é feito -, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.

156. Ainda neste concreto ponto, cabe recordar que o nosso sistema sancionatório assenta na conceção básica de que as sanções privativas da liberdade constituem a última ratio da politica criminal, dando cumprimento ao princípio político criminal da necessidade / subsidiariedade da intervenção penal e da proporcionalidade das sanções penais – de resto, com respaldo no artigo 18.º, nº 2, CPR e, entre outros, os artigos 70.º e 98.º, CP.

157. Ora, da factualidade vertida e assente nos autos, resulta que a pena privativa da liberdade, não apenas não se encontra devidamente aquilatada – e, aqui, retomamos o princípio da culpa – como resulta manifestamente desproporcional em função das concretas características do arguido – seja pela sua (parca) idade, seja pela evidente forma (salutar) como se encontra integrado na sociedade, seja ainda pela ausência de antecedentes criminais ou ainda, com efeito, pelo facto de (sempre) ter conduzido a sua vida de forma correta e no estrito cumprimento das normas legais.

158. Com efeito, o infeliz episódio que tem reflexo nestes autos – e, no mais, em sede do qual nunca o arguido negou a sua responsabilidade! – tratou-se se um caso isolado no percurso do arguido – grave, é certo, e que este não pode deixar de lamentar.

159. Não obstante, não é absurdo ponderar a possibilidade de, tendo a referida contenda ficado pelas agressões entre FF e CC, o seu resultado não teria sido aquele que motiva este processo – antes, teria ficado por mais uma patética briga entre dois jovens com ânimos inflamados pela testosterona, como é frequente naquelas pueris idades.

160. Aquilatar-se uma pena privativa da liberdade, atento o que vai enunciado, em nada contribui para a ressocialização do arguido; no mais, aquilatar-se essa mesma pena constitui uma afronta ao princípio político criminal da necessidade e da proporcionalidade das sanções penais e, a jusante, uma afronta ao nº 2 do artigo 18.º, CRP.

161. In casu, a aplicação de uma pena privativa da liberdade, atentas as já enunciadas exigências de prevenção (ou falta delas) constitui uma afronta ao princípio enunciado pelo artigo 18.º, nº 2, CRP, sendo, a aceitar-se – o que apenas se excogita a título de cautela de patrocínio – manifestamente inconstitucional – o que, no mais, desde já se invoca, a título meramente cautelar.

162. O legislador tem clara preferência pela aplicação de penas de substituição, tanto assim que, essa aplicação, não traduz um poder discricionário, mas antes um poder-dever ou um poder vinculado, tal como reconhecidamente sucede com a pena de suspensão de execução da prisão, tendo o tribunal sempre de fundamentar especificamente, quer a concessão quer a denegação da suspensão.

163. Ora, in casu, o tribunal limita-se a denegar a substituição tendo por base o especial gravame social do crime em causa. Omite, porém, o tribunal recorrido o demais: id est, o diálogo entre esse mesmo gravame social – vale por dizer, as necessidades de prevenção geral - e as necessidades de prevenção especial.

164. Tal omissão consubstancia uma errada aplicação do direito que, portanto, deve soçobrar.

165. Ainda quanto a este concreto ponto em diferendo, v.g., na determinação da medida da pena, andou mal o tribunal recorrido ao não considerar a cláusula geral de atenuação da pena ínsita na alínea d) do nº 2 do artigo 72.º, CP, nos termos da qual o tribunal atenua especialmente a pena quando “[tendo] decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta”.

166. Com efeito, entre a infeliz data da prática dos factos, 2016, e a presente, 2020, estão volvidos quatro anos.

167. Ao longo destes quatro anos, o arguido, ora recorrente, CC pautou a sua conduta pelo estrito cumprimento de todas as normas jurídicas e sociais: terminou a licenciatura em ……., em horário pós-laboral, continua a trabalhar na empresa onde começou a vida profissional, muito jovem, sendo aí reconhecido como funcionário exemplar; mantém as suas atividades na …… e o bom entendimento com a família e amigos – no mais, não há que lhe assacar, sequer, uma contraordenação de trânsito.

168. Do funcionamento das circunstâncias atenuantes que vão elencadas e do princípio da culpa, nos termos primeiramente exarados, deveria ter tido por efeito a atenuação da pena em moldes a permitir a suspensão – o que, cautelarmente, desde já se requer. Falhou, assim, o tribunal recorrido ao não considerar as questões elencadas, devendo, efetivamente, ser a decisão substituída por outra, que as considere e, a jusante, determine a aplicação de pena não privativa da liberdade, mormente mercê da aplicação do instituto da suspensão da pena de prisão.

169. O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. A suspensão da execução da pena de prisão é, sem dúvidas, um poder vinculado do julgador, que terá de a decretar sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos formais e materiais.

170. Ora, além da omissão que supra vai enunciada, andou, também, erradamente, o julgador ao omitir a realização desse poder-dever a que está vinculado – como lhe competia. E competia-lhe porque, como, outrossim, noutra sede já se disse, nada há que limite em desfavor do arguido CC que determine o cumprimento da pena de prisão. Aliás, por nada haver em seu desfavor é que o julgador omite, ostensivamente, a cabal realização do princípio da culpa v.g. na determinação da medida da pena, mormente no que atine à idade, integração social, familiar e profissional do sobredito arguido, aqui recorrente – o que apenas faz com o fito de, por escassos oito meses, determinar o cumprimento de pena efetiva de prisão, em violação, ostensiva, do princípio da proporcionalidade e necessidade penais e, a jusante, em violação da própria Constituição da República Portuguesa.

171. Quanto à indemnização cível, não é intento do recorrente questionar o direito à vida como o mais elementar de todos nem a concreta valoração que o tribunal recorrido dele faz.

172. Atento o que vai explanado, e merecendo acolhimento por este Tribunal, sempre terá se ser revisto o quantum indemnizatório da concreta responsabilidade do recorrente CC.

173. O recorrente CC, que não escamoteia a sua responsabilidade, não pode ser solidariamente condenado no quantum indemnizatório – solidariedade essa que pressupõe uma comunhão de meios e de esforços e, outrossim, uma identidade na ilicitude e na culpa que, in casu, não se verifica.

174. Deverá, neste segmento, ser revisto o aresto em crise, concomitantemente com o que vai, aqui, exarado.»

5.3. O arguido EE:

«1. Fundando no vício patente no art. 410.º, n.º 2, al. c) do CPP, o tribunal a quo alterou a matéria de facto dada como provada pelo tribunal de primeira instância, alegadamente com recurso “a um juízo de lógica” e “às regras da experiência”.

2. Da sobredita alteração, com relevância mor, passou a constar da matéria provada que o Recorrente, juntamente com os demais co-arguidos, representou perigo para a vida de FF, conformando-se com o resultado. – cfr. ponto 25. da matéria provada.

3. Com fundamento na consequência das agressões perpetuadas e não se abstreaindo da morte que viria a ocorrer, com fundamento na consequência do facto, determinou que o Recorrente agiu com dolo no momento do facto.

4. Ou seja, o entendimento no qual funda tal alteração factual não tem por referência o facto praticado – as agressões – mas sim e ao invés, a extensão das suas consequências.

5. O momento no qual o dolo deve ser avaliado é no momento da realização do facto e não após estar na posse da repercussão total e completa da realização do mesmo.

6. Tendo a gravidade das lesões sido apenas conhecida a posteriori naturalmente, a mera invocação de que as agressões foram violentas não é bastante para imputar ao Recorrente a prática de um crime à ofensa à integridade física grave, por força da al.  d) do art. 144.º do CP.

7. Para aferir da existência de uma conduta dolosa é necessário que o agente conheça, saiba, represente corretamente ou tenha consciência do facto que preenche o tipo de ilícito objetivo.

8. O conhecimento requerido pelo dolo do tipo exige a sua atualização na consciência psicológica ou intencional no momento da ação e não posteriormente à realização desse facto. Teremos de estar perante um conhecimento atual em relação à prática do facto.

9. Ou seja, não basta nunca a mera “possibilidade” de representação do facto, antes se requer que o agente represente a totalidade da factualidade típica e a atualize de forma efetiva.

10. A procedência do erro notório na apreciação da prova não se encontra dependente de atividade discricionária ou arbitrária por banda do tribunal de recurso, não bastando a mera discordância subjetiva da convicção formada em primeira instância - tem de ser um erro patente, evidente, percetível por um qualquer cidadão médio e não configura um erro claro e patente o entendimento que possa traduzir-se numa leitura possível, aceitável, razoável, da prova produzida.

11. Não se denota qualquer incompatibilidade resultante da matéria dada como provada pelo Coletivo que possa fundar tal alteração factual e que notoriamente afronte o entendimento do tribunal de primeira instância.

12. O juízo que o Coletivo de primeira instância fez mostra-se aceitável, razoável e possível, não bastando, como tal, o vertido na decisão recorrida para proceder o vício de erro notório na apreciação da prova.

13. O juízo de prognose póstumo que seria exigível em sede de decisão recorrida, não colocou o julgador no tempo e circunstâncias da prática do facto, ao invés, partindo da factualidade assente, mormente no ponto 20., na extensão das lesões concluiu que com base nas mesmas não seria possível, no momento das agressões, o Recorrente não ter representado a colocação em perigo da vida da vítima.

14. Não ressalta da decisão de primeira instância qualquer “juízo ilógico” ou incompatibilidade grosseira e notória entre a factualidade provada e não provada, que faça proceder o erro notório na apreciação da prova, julgado procedente pela Relação.

15. Pelo que, incorreu a decisão ora recorrida em notório erro na apreciação da prova, a qual se alega para os devidos e legais efeitos, nos termos do art. 410.º, n.º 2, al. c) do CPP, devendo a alteração factual a que o mesmo procedeu decair, valendo, como tal, factualidade assente em sede de primeira instância e, consequentemente, a qualificação jurídica por esta cedida.

16. Sem prescindir,

17. Sempre a consideração do dolo eventual quanto à dimensão da colocação da vida em perigo não assume, no âmbito dos presentes autos, a autonomia que o tribunal recorrido lhe reconhece, nos termos em que o faz.

18. Depois de proceder à alteração factual ora debatida, o tribunal a quo enquadrou juridicamente os factos no crime de ofensa à integridade física grave, p.e.p. pelo art. 144.º, al. d), laborando, no nosso modesto entender, em erro de Direito.

19. É que, os crimes qualificados pelo resultado (Paula Ribeiro de Faria) ou crimes qualificados em função do tipo (Helena Moniz) não coincidem com os crimes agravados pelo resultado.

20. É que, segundo o texto da decisão vertida, o tribunal recorrido tinha em vista dois bens jurídicos distintos – integridade física e a vida. E, aqui, emerge o invocado erro. Enquanto nos crimes graves, o tipo integra elementos adicionais relativamente ao tipo fundamental relativos à ilicitude e/ou à culpa, que agravam a pena em função da produção de um outro resultado material mais grave, todavia havendo lesão do mesmo bem jurídico, nos crimes agravados pelo resultado, o crime incorpora um resultado distinto (quer o resultado material, quer o resultado em função do bem jurídico protegido), dado que, para além de uma ilicitude intensificada, se trata de uma ilicitude distinta da subjacente ao tipo eventualmente preenchido com a conduta base. [Helena Moniz, Agravação pelo Resultado?, ob. cit., p. 413].

21. O tribunal recorrido, não se abstraindo do resultado morte, enquadrou juridicamente os factos erradamente, numa tentativa injustificada de agravação da pena do Recorrente.

22. Com efeito, a convocar a aplicabilidade do art. 144.º, al. d), o tribunal recorrido teria de desconsiderar o resultado morte (e, naturalmente a lesão no bem jurídico vida), considerando apenas e somente a lesão da integridade física, com a eventual agravação da pena, atendendo a um elemento adicional ao tipo (perigo para vida).

23. No entanto, nesta hipótese tanto o objeto da ação, como o objeto de proteção seriam idênticos – corpo da vítima e a sua integridade física. Mediante o excerto que ora se transcreveu, vemos que não foi essa a linha de fundamentação do acórdão recorrido.

24. Desconsiderou a decisão ora recorrida o facto de nos crimes agravados pelo resultado se denotar uma só conduta da qual derivam dois resultados e um deles é a materialização de um perigo típico ligado àquela conduta.

25. No crime agravado pelo resultado, o resultado mais grave adicional cumula-se, constituindo uma lesão de um bem jurídico distinto, já no tipo qualificado temos uma lesão mais grave do mesmo bem jurídico protegido pelo tipo simples, não bastando por isso a mera negligência, como sucede em relação ao primeiro.

26. Destarte, a considerar o evento perigo para a vida, este digno tribunal nunca o poderá fazer nos termos empreendidos pelo tribunal recorrido, desde logo, dada alteração factual pela qual se pugnou anteriormente, a propósito da imputação subjetiva de tal facto ao Recorrente. Equivale o exposto a afirmar, portanto, que a dimensão de perigo para a vida a ser considerada, tê-lo-á de ser sempre a título negligente e jamais a título de dolo, ainda que eventual.

27. Portanto, e ante o que se expôs relativamente ao elemento do dolo eventual considerado relativamente à conduta do Recorrente – o qual terá sempre de decair – sendo a colocação em perigo da vida da vítima imputável a título de negligência, a qualificação jurídica a ceder à factualidade em causa será necessariamente a de um crime de ofensa à integridade física qualificada, agravada pelo resultado perigo para a vida, p.e.p. pelos arts. 143.º, 145.º, n.º 1, al. a) e 147.º, n.º 2, por referência à al. d) do art. 144.º, todos do CP.

28. Sem prescindir,

29. Embora de forma camuflada, sob égide do perigo para a vida, a decisão recorrida veio, na verdade, considerar para efeitos de condenação do Recorrente, o resultado morte. Sucede que, ainda que seja a factualidade alterada pelo tribunal a quo mantida, o perigo para a vida a título de dolo eventual não poderá fundar a condenação pelo art. 144.º, al. d) do CP.

30. Isto porque, nos crimes agravados pelo resultado, a conduta base, independentemente dos resultados intermédios ocorridos, terá de se mostrar apta à criação e potencialização de um perigo que, a jusante, se materializa.

31. É na potencialização, a montante, e na materialização, a jusante, de um perigo que reside a especial agravação da pena nestes crimes.

32. Ou seja, o perigo para a vida, nos casos em que a conduta base se materialize no resultado morte demonstra-se como condição desse processo de encadeamento de factos, como condição da agravação, inerente ao facto global.

33. Uma consideração distinta, segmentária, conduziria a uma violação do princípio ne bis in idem, isto porque, nos crimes agravados pelo resultado, aliado à produção de um resultado material - mais grave e reflexo da conduta do agente sobre o objeto de ação – encontrarmos um resultado normativo distinto, enquanto efeito sobre o objeto de proteção, o qual passa a ser outro com a ocorrência daquele efeito adicional, aqui a título negligente. O que funda a agravação da moldura penal é a lesão (ou colocação em perigo) de um outro bem jurídico, distinto do protegido pela norma incriminadora da conduta base, sendo o resultado material a concretização do perigo inerente.

34. Pelo que, a agravação pelo resultado prescrita pelo art. 147.º do CP, enquanto materialização do perigo e meio de agravação da moldura penal dele decorrente, absorve a al. d) do art. 144.º do CP, sob pena de uma dupla valoração sobre o mesmo facto – o perigo.

35. E, ainda que assim, não fosse sempre o crime agravado pelo resultado morte deve ser reputado como lex specialis em relação à criação de perigo para vida, porquanto este demonstra-se como um estado lógico-conceitualmente necessário do resultado morte.

36. Aliás, adiante-se, que a previsão constante do art. 144.º, al. d) apenas e somente existe à corrente data por razões conexas com a segurança jurídica.

37. Talvez, então, também assim possa ser entendido o disposto no art. 144.º, al. d) não constituindo mais do que a punição expressa da tentativa de resultado agravado, só se justificando, mais uma vez, a sua manutenção devido ao facto de a doutrina ainda não ser unânime quanto à possibilidade de punição de tentativa nestes casos”. [Helena Moniz, Agravação pelo Resultado?, ob. cit., p. 610 e 611, n. 1717].

38. O que, nos leva a concluir pela inadmissibilidade do crime de ofensa à integridade física grave, pela al. d) do art. 144.º do CP, agravada pelo resultado morte (art. 147.º, n.º 1 do CP).

39. No entanto, cumpre questionar como tal se articula com a imputação do evento perigo para a vida a título de dolo eventual ao Recorrente.

40. Além dos requisitos gerais de imputação e os pressupostos da totalidade, imediação e intermediação, no caso do crime apreço, mais um pressuposto se ergue: o do efeito letal, o qual pressupõe que a conduta base dolosamente provocada é indispensável para a verificação do resultado morte, embora não se revele imprescindível que tal seja do conhecimento do agente ou de um observador objetivo.

41. O exposto releva porque o tribunal recorrido, erradamente na nossa modesta opinião, afasta a qualificação jurídica cedida pelo Coletivo de primeira instância – crime de ofensa à integridade física qualificada agravada pelo resultado -, fundado no facto dado como provado de que os “arguidos não representaram o resultado morte” e, como tal, o mesmo não lhe pode ser imputado, pelo menos, a título de negligência.

42. Ou seja, o tribunal recorrido, segmentando os “vários tipos” imputou subjetivamente a ofensa à integridade física a título de dolo eventual, o perigo para a vida igualmente a título de dolo eventual e, por último, o resultado morte pugna o tribunal recorrido que não lhe foi imputado, a qualquer título, quando na verdade consta da matéria provada que os arguidos “não representaram a morte”, o que mais não corresponde a uma negligência inconsciente assim sem mais considerada.

43. Mais uma vez, o tribunal recorrido não olhou para o facto como um só crime, vendo dois crimes distintos na factualidade vertida. Posição na qual não alinhamos.

44. É que, mesmo improcedendo requalificação do dolo do Recorrente nos termos já pugnados, não deixaremos de ter um crime agravado pelo resultado. Nos casos em que o agente tenha atuado com dolo em relação à conduta base e com dolo em relação ao perigo de  verificação do resultado, então, parece que este dolo em relação ao perigo de verificação do resultado (com conhecimento e vontade de realização da conduta perigosa e do perigo) inclui a representação da possibilidade de verificação do resultado em sentido estrito e, com isto, a negligência consciente em relação ao resultado estrito, ou seja, temos um crime agravado pelo resultado negligente.” [Helena Moniz, Agravação pelo Resultado?, ob. cit., p. 613].

45. Estaremos, portanto, perante crime agravado pelo resultado negligente, concretamente crime de ofensa à integridade física qualificada agravada pelo resultado, p.e.p. pelos arts. 143.º, n.º 1; 145.º, n.º 1, al. a) e 147.º, n.º 1, todos do CP.

46. Sem prescindir de tudo o que antecede, merecer-nos-á a nossa passagem igualmente pela agravação conferida pela art. 145.º do CP, agora por referência à al. a) no n.º 1 e não à al. c) do CP.

47. Cumprirá, desde logo, referir que nem a mera verificação dos exemplos-padrão conduz automaticamente à constatação que estaremos perante um tipo de culpa qualificador, mas também que outras circunstâncias análogas o podem fundar. Certo é que, exigir-se-á sempre, por banda do julgador, um juízo sindicável pelos critérios ou exemplos-padrão referenciados, no que à verificação ou não desse tipo de culpa qualificador.

48. Vejamos, no que respeita à intensidade das agressões, lidas em articulação com as lesões provocadas. Estas relevam para efeitos de tipo de ilícito. Ora, sucede que, os “exemplos-padrão”, constituem elementos que relevam ao nível da culpa, ou seja, são considerados, no tipo de culpa e não no tipo de ilícito. O fundamento avançado pelo tribunal recorrido não encontra correspondência direta com nenhum dos exemplos-padrão, pelo que sempre a decisão recorrida teria de ter como presente um juízo que legitimasse que o mesmo é substancial e teleologicamente análogo a qualquer um dos previstos. O que não ocorreu.

49. A circunstância da vítima contar com apenas 18 anos de idade, sobretudo quando comparado com as idades, de pelo menos, dois dos arguidos.

50. A idade, sem mais adiantamentos, não colocaria a vítima numa situação de especial vulnerabilidade e que assacaria ao Recorrente um juízo de especial censurabilidade. Até porque 18 anos não é idade de uma pessoa que se encontre em especial vulnerabilidade.

51. Adianta ainda a decisão recorrida “sobretudo quando comparado com as idades, de pelo menos, dois dos arguidos.”, não especificando sequer quais arguidos, porquê de tal juízo diferenciador, indiciando um juízo de culpa diferenciador em relação a cada um dos arguidos, pelo menos quanto a esta dimensão, o qual no entanto, não logrou demonstrar, nos termos do art. 29.º do CP.

52. Por último, a agressão levada a efeito por três pessoas

53. não é comparticipação em si, e por si mesma, que constitui o exemplo-padrão mas apenas se e quando ela determinar uma particular perigosidade do «meio» (…) e uma consequente dificuldade particular da vítima de dele se defender. Afinal, exatamente a mesma estrutura valorativa que preside à especial punibilidade (…) da associação criminosa.” O que se procura é indagar se no caso aquela concreta situação encerra ou não em definitivo uma especial censurabilidade ou perversidade do agente. [Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I – Artigos 131.º a 201.º, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2012, p. 66].

54. O que não ocorreu.

55. a decisão recorrida trunca a matéria de facto, de modo a fazer valer uma imagem de um episódio de brutalidade máxima, quando na verdade, olhando os factos na sua globalidade não é isso que transparece.

56. Sem prescindir de tudo o que antecede,

57. A verdade é que, ainda que tudo o demais improceda – o que convictamente não cremos -, sempre a pena concretamente aplicada pelo tribunal a quo se revela excessiva.

58. Crê o Recorrente que o sentido, limite e finalidade da pena aplicada se revelaram ultrapassados e, como tal, a pena aplicada demonstra-se como desproporcional atendendo às exigências que os presentes autos fazem denotar.

59. A ideia de prevenção geral não radica na ideia de aplicação de penas exemplares, com vista a demonstrar à comunidade a reprovação jurídico-penal em relação àquele concreto facto e muito menos, agente.

60. Atendendo ao contexto social que o Recorrente se encontra inserido, à comunidade em que o mesmo insere e no qual o mesmo é parte integrante ativamente (a este respeito, valendo já as exigências de prevenção especial), apenas poderemos concluir que são medianas as exigências de prevenção geral.

61. Por outro lado, no que se reporta às exigências de prevenção especial, as necessidades de Recorrente inexistentes ou muito reduzidas. Se a função de socialização constitui hoje em dia – e deve continuar a constituir no futuro – o vetor mais relevante da prevenção especial, a verdade é que ela só entra em jogo se o agente se revelar carecido de socialização, sendo esta pois a primeira verificação a que o juiz é obrigado neste domínio. Se uma tal carência se não verificar, tudo será uma questão, em termos de prevenção especial, de conferir à pena uma função de suficiente advertência do agente, o que permitirá que a medida da pena desça até perto do limite mínimo de defesa do ordenamento jurídico, ou mesmo que com ele coincida. [Figueiredo Dias, Direito Penal…, ob. cit.,, p.229]. O que parece ter sido ignorado na fixação da pena concreta ao Recorrente.

62. Contudo, já no respeita à dimensão da culpa, considerada a título de dolo eventual pelo tribunal recorrido, as suas exigências demonstram-se, em muito ultrapassadas, pelo quantum da pena aplicada.

63. Sendo a culpa limite inultrapassável da pena,

64. Sendo as exigências de prevenção geral medianas e,

65. As exigências de prevenção especial inexistentes ou escassas,

66. A pena aplicada ter-se-á sempre de demonstrar inferior a 5 anos.

67. E, atenta a factualidade assente 56. a 65. e o disposto no art. 50.º do CP, sempre suspensa na sua execução, no sentido de serem a mera censura e a ameaça da prisão, podendo ser acompanhadas ou não pela prescrição de deveres e/ou regras de conduta ou mesmo de regime de prova, suficientes – e, diga-se as únicas aptas - para a realização das finalidades punitivas.»

6. Os recursos foram admitidos por despacho de 23 de Setembro de 2020.

7. O Ministério Público no Tribunal da Relação ….. respondeu aos recursos, defendendo a confirmação do julgado.

8. Os assistentes responderam aos recursos, defendendo a confirmação do julgado.

9. Foi levada audiência, no Supremo Tribunal de Justiça, a requerimento do arguido DD, que ali reiterou o essencial do alegado.

10. O Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça é de parecer que os recursos devem ser julgados improcedentes.

Pondera, designadamente, nos seguintes (transcritos) termos:

«Ao Supremo Tribunal de Justiça cumpre apreciar exclusivamente matéria de direito, não podendo reeditar-se no recurso para o STJ as razões que fundaram a alegação dos vícios relacionados com a matéria de facto, que já foram apreciados pelo Tribunal da Relação, sendo definitiva a decisão. O Supremo Tribunal de Justiça pode no entanto conhecer dos vícios a que alude o art.º 410.º n.ºs 2 e 3, a título oficioso nos termos do art.º 434.º do CPP, não porque possam ser alegados em novo recurso mas quando por força da inquinação da decisão recorrida fique impedido de conhecer de direito sob o prisma das várias soluções jurídicas (neste sentido Ac.do STJ de 27/10/2010).

Por outro lado, a verificação de tais vícios tem de emanar do texto do acórdão recorrido, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, para que este Tribunal possa dele conhecer. Ora no caso em apreço, afigura-se-nos não existir nenhum vício ou erro de análise de que cumpra ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer oficiosamente.

O Ministério Público no Tribunal da Relação …. refutou todas as questões suscitadas pelos recorrentes, o que fez de modo proficiente e, por concordarmos com os argumentos aduzidos neles nos louvamos.

Na decisão recorrida não se detectam violações aos princípios processuais e constitucionais que regem a aplicação do direito aos factos e correcta foi a aplicação do direito.

As penas aplicadas não excedem a medida da culpa, são justas e proporcionais e com respeito pelas normas a que alude o art.º 40.º e 71.º do CP. Na verdade, como refere o douto acórdão recorrido, a factualidade provada é reveladora de especial censurabilidade da conduta dos arguidos, traduzindo elevadas exigências de prevenção geral atenta a frequência com que se sucedem delitios da mesma natureza revelando desprezo pela vida e integridade física, reclamando uma resposta adequada que reafirme a validade das normas jurídicas.

As penas aplicadas, pelo seu quantum impedem a suspensão da execução e mesmo que assim não fosse, não obstante militar a favor dos arguidos a inserção familiar não reúnem condições que permitam concluir que a simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

O Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça reitera deste modo que deve ser negado provimento aos recursos mantendo-se o acórdão recorrido do Tribunal da Relação.»

11. O objecto dos recursos reporta ao exame das seguintes questões:

a) recurso interposto pelo arguido DD: do erro de julgamento a1) na alteração da factualidade provada, a2) na verificação da co-autoria, a3) na verificação da qualificativa prevista na alínea h) do n.º 2 do artigo 132.º, do Código Penal (CP), e a4) na escolha e medida da pena;

b) recurso interposto pelo arguido CC: a1) da nulidade do acórdão recorrido, por falta de fundamentação da decisão relativa à alteração levada, pelo Tribunal da Relação, no ponto 25 do rol de factos julgados provados, a2) da nulidade, por falta de cumprimento do disposto no artigo 359.º, do CPP, relativamente à alteração de factos que culminou na agravação da moldura penal aplicável, a3) da violação dos princípios da livre apreciação da prova, do in dubio pro reo e de um erro notório na apreciação da prova no ponto em que se julgou provado que o recorrente representou o perigo para a vida da vítima e que a sua conduta contribuiu para causar as lesões que determinaram a morte desta, a4) do erro de julgamento na verificação da co-autoria, e a5) do erro de julgamento na escolha e medida da pena;

c) recurso interposto pelo arguido EE: do erro de julgamento a1) na alteração da factualidade provada, a2) na qualificação jurídica dos factos, seja por referência ao disposto na alínea d) do artigo 144.º, seja por reporte à alínea h) do n.º 2 do artigo 132.º, do CP, e a3) na escolha e medida da pena.

II

12. Os Senhores Juízes do Tribunal de 1.ª instância apreciaram a matéria de facto nos seguintes (transcritos) termos:

«Realizada a audiência de julgamento, provaram-se os seguintes factos:

1 – No dia 03 de setembro de 2016, a hora não concretamente apurada, os arguidos CC, DD e EE deslocaram-se à ……., onde permaneceram até hora não concretamente apurada da madrugada de 04 de setembro de 2016.

2 – Nesse mesmo dia 03 de setembro, FF deslocou-se, na companhia do pai AA e dos irmãos SS e TT, à ……., onde permaneceu entre as 22:00h de 03 de setembro e as 04:00h do dia seguinte.

3 – FF frequentou a zona dos bares, na pista tartan, com os amigos LL, MM, UU, VV, XX, ZZ e JJ, entre outros.

4 – Cerca das 03:15/20 horas, do dia 04 de setembro de 2016, FF derrubou um copo de cerveja que atingiu PP, namorada do arguido CC.

5 – De imediato o arguido CC exigiu-lhe um pedido de desculpas pelo sucedido.

6 – Devido a esse incidente, ambos se envolveram em discussão e empurrões, durante a qual o arguido CC meteu a mão no pescoço de FF e deu-lhe uma chapada e um soco na cabeça.

7 – Depois de se terem agredido mutuamente, o arguido CC e o FF acabaram por ser separados pelos amigos que ali se encontravam.

8 – Cerca de 30 minutos após aquele confronto, o arguido CC, fazendo gestos com a mão, chamou FF.

9 – Em resposta ao chamamento, FF aproximou-se do arguido CC que se encontrava num grupo que incluía os arguidos DD e EE.

10 – De imediato, FF e CC voltaram a discutir e a envolver-se fisicamente, agarrando-se e batendo-se reciprocamente.

11 – Perante isso, para os separar, JJ agarrou o arguido CC e afastou-o para a zona do relvado.

12 – Então, o arguido EE agarrou FF pelo pescoço, colocando-o por debaixo da sua axila esquerda, imobilizando-o, enquanto lhe desferiu vários socos na cabeça.

13 – Enquanto o EE segurava o FF, o arguido DD desferiu diversos murros em várias zonas do corpo, sendo três na cabeça de FF, sem que este conseguisse reagir.

14 – Quando JJ largou o arguido CC este voltou a dar mais murros e pontapés no FF, ainda agarrado pelo arguido EE.

15 – O envolvimento terminou quando foram separados por outras duas pessoas.

16 – Depois, FF abandonou o recinto da feira e dirigiu-se para a sua habitação, sita em …., na companhia do amigo LL e do pai deste, AAA, que o transportou no seu veículo automóvel.

17 – Nesse trajeto de regresso a casa, FF queixou-se de fortes dores de cabeça e, após, terem percorrido cerca de 10 Kms, vomitou.

18 – Ao chegar a casa, FF foi para o seu quarto, onde, cerca das 08:00 h de 04 de setembro de 2016, foi encontrado inconsciente pela sua mãe, BB, apresentando escorrência sanguinolenta proveniente da boca.

19 – FF morreu nesse dia 04 de setembro de 2016, sendo o seu óbito verificado às 09:25 horas.

20 – No dia 05 de setembro de 2016, pelas 11:00 horas, o corpo de FF, ao ser autopsiado, apresentava, entre o mais:

I – na cabeça:

a) – partes moles (tegumento piloso, periósteo e músculos); infiltração sanguínea a nível da região temporal direita e do músculo temporal homolateral; algumas sufusões sanguíneas subepicraneanas;

b) – base: traço de fratura na escama do temporal direito, disposto no sentido antero-posterior, rodeado de infiltração sanguínea; equimose óssea do rochedo do temporal direito;

c) – encéfalo: sinais de edema acentuado, traduzido por apagamento dos sulcos e achatamento das circunvoluções cerebrais; círculo arterial de configuração normal, se lesões de aterosclorose; ao corte, encéfalo e cerebelo sem alterações macroscópicas aparentes, tronco cerebral com medida alongada muito amolecida; congestão do parênquima;

II – Coluna vertebral e medula – cervical, dorsal e lombar-ligeira diástase occipito-atlantoideia à esquerda; sangue no espaço epidural, junto ao forâmen magnum, e que se continua pelo canal vertebral ao longo das primeiras vertebras cervicais; infiltração sanguínea dos músculos profundos situados externamente ao contorno do forâmen magnum na posição lateral direita; infiltração sanguínea dos músculos profundos situados entre o occipital e o atlis e axis, na porção lateral esquerda, na zona de inflexão vertebral esquerda, sem aparente lesão vascular deste vaso; área de contusão da medula cervical, na porção mais próxima.

21 – A morte de FF foi devida às lesões traumáticas crânio-encefálicas e meningo-medulares cervicais descritas.

22- As referidas lesões foram produzidas pelas aludidas agressões dos arguidos CC, EE e DD.

23 – Na primeira situação, o arguido CC atuou com o propósito de atingir o corpo de FF face ao desentendimento verificado na sequência do derrube de um copo de cerveja que atingiu a sua namorada.

24 – Na segunda situação descrita, os arguidos CC, EE e DD atuaram em conjugação de esforços e intentos com o propósito de agredir o FF e de lhe provocar as lesões supra descritas, resultado que representaram.

25 – Os arguidos CC, EE e DD não representaram a possibilidade de as agressões perpetradas com a suas condutas provocarem perigo para a vida de FF nem a morte que veio a ocorrer.

26 – Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente.

27 – Os arguidos sabiam ainda que as suas condutas eram proibidas por lei penal.

28 – O arguido CC nasceu a ….. de 1993, o arguido DD nasceu a …… de 1978 e o arguido EE nasceu a ……. de 1983; FF nasceu a …… de 1997.

29 – O arguido CC media 1,84 metros de altura, o arguido EE media 1,80 metros de altura e o arguido DD tinha 1,80 metros de altura; FF tinha 1,92 metros de altura e pesava 88 Kgs.

30 – No momento da morte, FF tinha uma taxa de álcool no sangue de cinquenta e um centigramas por litro.

31 – À data da prática dos factos, o arguido CC trazia vestida uma camisa com padrão ….. de cores…., o arguido DD uma camisa …. e o arguido EE um pólo às riscas…., de cor…..

32 - No registo criminal do arguido CC nada consta.

33 – O arguido CC nasceu em …., sendo o único filho de um casal, em que o pai é ........ e a mãe empregada .........

34 – O arguido CC concluiu o 12º ano com 18 anos de idade.

35 – Após, fez um curso de formação profissional de manutenção industrial e eletromecânica, durante ano e meio no Instituto Superior …… em …...

36 – De seguida fez um estágio de meio ano na “S….. – empresa de construção de……”, localizada em …., onde acabou por ser contratado como operário em 2013, com 20 anos de idade.

37 – O arguido CC continua a trabalhar naquela empresa “S….”, ganhando mensalmente cerca de 750,00 euros.

38 – No ano letivo 2016/2017, o arguido CC candidatou-se à Licenciatura em …… no ….., foi admitido estando a frequentar como estudante trabalhador o segundo ano desse curso, com aproveitamento.

39 – O arguido CC vive com os pais em casa destes; dispõem de terreno próprio onde praticam “…..”, como ajuda para a economia familiar.

40 – A família mostra compreensão, afetividade e entreajuda entre todos os membros, em termos económicos, a família subsiste com o rendimento proveniente do rendimento obtido pelos pais e pelo próprio arguido.

41 – O arguido CC tem a subsistência assegurada pelos pais e utiliza o seu vencimento para assegurar o pagamento das despesas com os estudos, transportes, vestuário e ainda com alguns dos seus passatempos.

42 – O arguido CC, além de ajudar os pais nos trabalhos….., no tempo livre de que dispõe, cuida e alimenta…. , pratica ….. e é…….

43 – O arguido CC é considerado um jovem educado, responsável, muito trabalhador e com “bom relacionamento” com as outras pessoas.

44 – No registo criminal do arguido DD nada consta.

45 – O arguido DD nasceu em …, sendo o mais novo de dois filhos de um casal em que o pai era ........ e a mãe .........

46 – O arguido DD frequentou a escola até aos 19 anos, sem registo de problemas, completando então o ensino secundário.

47 – Aos 18 anos de idade, o arguido DD começou a trabalhar como….., no Mercado …….., no período noturno, atividade laboral que irá manter até 2002.

48 – Em 2002, o arguido DD ingressou nos Serviços ….., na carreira profissional de ........, onde se mantém atualmente, tendo desempenhado funções inicialmente, cerca de uma no, no Estabelecimento ..…. e posteriormente no Estabelecimento ….…, encontrando-se colocado no Estabelecimento ……. desde Maio de 2018.

49 – Não obstante colocado num estabelecimento …….. na zona …, o arguido DD manteve contacto com a família em …., para onde se deslocava nos dias livres de horário laboral.

50 – À data dos factos, o arguido DD residia em …., com a companheira (BBB, 32 anos), os pais desta (CCC e DDD) e ainda um irmão de BBB.

51 – O casal, que mantém uma relação afetiva há cerca de quatro anos, reside em zona habitacional autónoma, anexa a residência principal; a família manifesta um relacionamento estável, marcado por ligação afetiva e sentido de entreajuda entre os diferentes elementos.

52 – A situação económica do casal assenta no salário do arguido (cerca de 1,100,00 euros/mês) e da companheira (650,00 euros por mês); tendo como despesa fixa a prestação de um empréstimo bancário (450,00 euros/mês) participando ainda nas “despesas correntes” da família.

53 – O arguido DD e a companheira são pais de um menino que nasceu em …… de 2018.

54 – Em termos profissionais, o arguido DD encontra-se presentemente, de baixa médica, por motivos psiquiátricos decorrentes do desgaste provocado pelo presente processo.

55 – Na zona de residência atual e no meio onde cresceu, o arguido DD é considerado uma pessoa educada.

56 – No registo criminal do arguido EE nada consta.

57 – O arguido EE nasceu em ….., sendo o mais novo de dois filhos de um casal em que o pai é ….. na reserva e a mãe .........

58 – O arguido EE frequentou a escola até ao 6.º ano de escolaridade, e ….. e depois prosseguiu os estudos em ….. até ao 10.º ano de escolaridade que não concluiu, ainda frequentou a escola profissional ….., tendo abandonado os estudos aos 17 anos de idade.

59 – O arguido EE, aos 18 anos ingressou na……, como voluntário, onde permaneceu a contrato até 2007/2008; durante este período passou inicialmente pela ……, posteriormente foi colocado na Base … e terminou na Base …...

60 – Após o seu regresso a casa passou por um período de desemprego, de cerca de 2 anos, em 2010, começou a trabalhar na “So….” empresa ….. que presta serviços nos ….. e onde permaneceu cerca de um ano e meio.

61 – Em 2012 e depois de um período de 8 meses no desemprego ingressou na empresa “M….” – ….” que viria a falir em 2014, tendo passado a trabalhar na empresa “U…” como …… e, que deixou em maio de 2017, para ir trabalhar na empresa “Me.….” do ramo……., com sede em ….

62 – O arguido EE vive com os pais, em …, em casa própria; o relacionamento familiar é pautado por fortes laços afetivos entre os diferentes membros do agregado.

63 – O arguido EE ocupa os seus tempos livres em casa com a família e com os amigos e gosta……...

64 – O arguido EE é considerado um jovem pacato, educado e muito trabalhador, respeitador, sempre disponível para ajudar os outros.

65 – Os arguidos manifestaram arrependimento.

66 – FF era solteiro e vivia com os pais e mais três irmãos (SS de 12 anos, TT de 21 anos e EEE de 25 anos).

67 – FF e família moravam todos em casa dos pais em …, …..

68 – FF havia concluído o Curso Vocacional do terceiro ciclo (equivalente ao 9º ano de escolaridade) e frequentava o curso técnico-profissional…….

69 – FF não apresentava problemas de saúde.

70 – FF jogava …. no … depois de ter jogado na …...

71 – FF tinha uma forte ligação aos pais e irmãos e dava-se bem com toda a gente e tinha um “comportamento irrepreensível”.

72 – Os pais e irmãos de FF ficaram destroçados pela dor e sofrimento devido à morte deste.

73 – Os pais de FF ficaram depressivos, tristes, acabrunhados destroçados e cheios de sofrimento e dores que os vai acompanhar até à morte.

74 – Os pais de FF sofrem dores, angústias, pesadelos e sofrimentos diários e contínuos.

75 – FF era amigo de toda a gente e era acarinhado e estimado por todos.

76 – Os demandantes pagaram o funeral de FF, que importou em 3.600,00 euros, a lápide, aros cromados e duas fotocerâmicas importaram em 225,00 euros.

Factos não provados

Nenhuns outros factos relevantes para a discussão da causa se provaram em audiência de julgamento, nomeadamente não ficou provado que:

I – o arguido CC apertou o pescoço de FF com uma das mãos;

II – o arguido DD agarrou o FF pelo pescoço nem que o colocou por baixo da sua axila esquerda;

III – a intervenção de EE foi de tentar pacificar, serenar e apaziguar os elementos de um grupo e de outro;

IV – os três arguidos atuaram motivados pelo derrube do copo de cerveja que atingiu a namorada do arguido CC;

V – os três arguidos sabiam que com as suas condutas provocavam perigo para a vida de FF;

VI – a presença de álcool no sangue acentua/potenciou a morte de FF;

VII – a taxa de alcoolemia apresentada por FF foi relevante para o rápido efeito letal da lesão;

VIII – as agressões sofridas por FF nunca teriam provocado a sua morte em “circunstâncias normais”;

IX – FF tinha um largo futuro pessoal, profissional e familiar longo;

X – FF era um rapaz feliz em todos os aspetos;

XI – FF padeceu “inimagináveis dores e sofrimentos”;

XII – os demandantes gastaram cerca de 300,00 euros em transporte ao hospital, ao Ministério Público, à GNR, ao Tribunal e ao advogado;

XIII – a roupa de FF perdeu-se toda (cuecas, calças, camisa, camisola, meias, sapatos) nem que essa roupa valia cerca de 150,00 euros;

XIV – FF jogava futebol profissional;

XV – FF morreu “agonizando” em dores, vendo-se morrer;

XVI – Os pais viram FF morrer sem nada puderem fazer.»

13. Os Senhores Juízes do Tribunal da Relação decidiram, em sede de matéria de facto, nos seguintes termos (transcritos na parcela que importa à apreciação dos recursos - fls. 182 e 183 do acórdão recorrido):

«Assim, o item 25 dos factos provados passa, em substituição, a assumir a seguinte redação:

“Os arguidos CC, EE e DD representaram a possibilidade de com as lesões (que representaram) decorrentes das agressões por si perpetradas provocarem perigo para a vida de FF, não obstante agiram, conformando-se com o resultado;

Os mesmos arguidos não representaram a morte de FF, que veio a ocorrer”.

A parte final do item em referência, não objeto de impugnação, mantém-se inalterada.

Em consequência do acima exposto elimina-se dos factos não provados o ponto V (também ele objeto de impugnação).»

Isto, em resultado da verificada «coexistência do vício da alínea c), do n.º 2, do artigo 410.º, do CPP e do erro de julgamento, este decorrente da sindicância ampla da matéria de facto, na sequência do recurso interposto pelo Ministério Público» (fls. 189 do acórdão).

14. No que respeita ao alinhamento da apreciação das questões suscitadas pelos recorrentes, sumariadas acima (§ 11), importa, seguindo um critério de lógica e cronologia preclusivas [artigos 608.º e 663.º n.º 2, do Código de Processo Civil, ex vi artigo 4.º, do Código de Processo Penal (CPP)], tratar, desde logo, a matéria atinente à nulidade do acórdão recorrido, suscitada pelo arguido CC.

15. O arguido CC defende que o acórdão revidendo é nulo (i) por falta de fundamentação do decidido quanto à alteração introduzida no ponto 25 do rol de factos julgados provados, (ii) por falta de cumprimento do disposto no artigo 359.º, do CPP, no ponto em que o acórdão recorrido procedeu a uma alteração de factos que resultaram na alteração da respectiva qualificação jurídica com agravação da moldura penal aplicável, e (iii) que incorre em violação dos princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo.

16. Afigura-se que sem razão.

Vejamos.

17. A comutação levada no elenco dos factos julgados provados em 1.ª instância pelo Tribunal da Relação reporta apenas à alteração do primeiro segmento do ponto 25 dos factos provados e à eliminação do ponto V dos factos não provados.

18. Tal comutação mostra-se cabal e especificadamente fundamentada (fls. 168 a 175 do acórdão revidendo):

«n) 25 (factos provados) V (não provados), respetivamente do seguinte teor “Os arguidos CC, EE e DD não representaram a possibilidade de as agressões perpetradas com as suas condutas provocarem perigo para a vida de FF nem a morte que veio a ocorrer”; “Os três arguidos sabiam que com as suas condutas provocavam perigo para a vida de FF".

Em questão, segundo o Ministério Público (recorrente) o segmento de não haverem os três arguidos representado a possibilidade de as agressões perpetradas com as suas condutas provocarem perigo para a vida de FF; com referência ao que consignado vem em V o facto de ter sido dado como não provado que sabiam os mesmos que com as suas condutas causavam o dito perigo.

A impor, em ambos os casos, decisão diversa da acolhida no acórdão indica o relatório médico-legal de autópsia e os esclarecimentos complementares – cujas passagens do registo áudio identifica -, prestados em sede de audiência de discussão e julgamento pela Senhora perita, subscritora daquele relatório. Pugna, assim, pela alteração da matéria de facto no sentido de vir a ser dado como provado haverem os arguidos representado a possibilidade de as agressões por si praticadas provocarem perigo para a vida da vítima, o que sabiam.

Do mesmo passo que invoca o erro de julgamento, aponta ao acórdão os vícios de erro notório na apreciação da prova e de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão – cf. as alíneas c) e b), do n.º 2 do artigo 410.º do CPP.

Neste caso, mais por uma questão de facilidade de raciocínio do que pelo facto de o recorrente convocar os vícios em momento prévio ao do erro de julgamento, daremos primazia ao conhecimento dos primeiros.

Os vícios em questão – conforme já antes referido - respeitando à confeção técnica da decisão, materializam-se em juízos contraditórios e/ou de todo ilógicos, os quais, nos termos da lei, tem de resultar do texto da sentença/acórdão, por si só ou conjugado com as regras da experiência, sem recurso, por conseguinte, a elementos ao mesmo estranhos. Ocorrerá o vício da alínea b), do n.º 2, do artigo 410.º do CPP sempre que se constate uma «incompatibilidade, não ultrapassável, através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados, ou entre a fundamentação probatória e a decisão»; traduzindo-se o erro notório na apreciação da prova numa «falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum (…)», sendo de concluir pelo vício «quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis» - [cf. Simas Santos e Leal-Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6.º edição, 2007, Editora Rei dos Livros, pág. 69-74].

O erro notório na apreciação da prova vem sustentado na incompatibilidade entre os factos dados por assentes (provados) em 10, 11, 12, 13, 14, 19, 20, 21, 22, 24 e 28 e a “conclusão” representada naqueles outros consignados sob o item 25 (provados) e V (não provados), na parte que se reporta à não representação – ao desconhecimento – da causação de perigo para a vida, traduzindo estes, nos termos da alegação, um juízo destituído de lógica, em violação das regras da experiência.

Pois bem, se nos ativermos às lesões descritas no item 20 dos factos provados e no que reporta (como provado) o ponto 24 (factos provados) no segmento “atuaram em conjugação de esforços e intentos, com o propósito de agredir o FF e de lhe provocar as lesões supra descritas, resultado que representaram” afigura-se-nos clara a verificação do invocado vício. Na verdade, as zonas atingidas e a natureza das lesões (de todo compatíveis com as partes do corpo da vítima objeto das agressões) conjugada com a circunstância de os três arguidos terem agido com o propósito de as (lesões) causarem, “resultado que representaram” não é compatível com o facto de os arguidos não haverem representado “a possibilidade de as agressões perpetradas com as suas condutas provocarem perigo para a vida de FF”. O juízo ilógico em que, a este propósito, incorreu o Coletivo traduz-se num erro ostensivo, imediatamente apreensível pelo homem de mediano discernimento, porquanto em violação das mais elementares regras da experiência.

Por seu turno, reconduz o recorrente o vício da alínea b), do n.º 2, do artigo 410.º, à manifesta contradição entre os factos vertidos no dito item 25 – no segmento supra identificado – e no ponto V (factos não provados) e a fundamentação da decisão de facto na parte em que consigna: “Ora, o contexto em que os arguidos atuam, o modo como bateram no FF são suficientes para concluir pelo preenchimento dos elementos subjetivos do crime de ofensa à integridade física; sendo manifesto que o arguido EE não pretendia afastar ou defender o FF conforme já foi referido supra. No que tange à representação e aceitação da atuação conjunta tal decorre, pelo menos, do modo conjugado como agiram, sendo impossível que tal não fosse representado e querido, percebendo as “vantagens” e potenciando tal atuação entre os três arguidos. Por outro lado, nada permite afirmar que os arguidos tivessem representado a possibilidade de FF vir a falecer, apesar do modo como o agrediram e de o terem atingido na cabeça, com o pescoço “enganchado” pelo arguido EE; todavia, tal representação, perante a situação concreta, era possível”.

Em face do excerto da motivação acima reproduzido, aduz o recorrente “Perante os factos objetivos provados, constantes dos pontos 10 a 14, 19 a 24 e 28, o Tribunal concluiu, acertadamente, que era possível representar que a vítima podia vir a falecer […] Mas, por maioria de razão, teria de concluir também que era possível representar que ocorresse perigo para a vida da vítima e que os arguidos representaram a possibilidade de provocarem perigo para a vida de FF.”- [cf. os pontos 14, 15 e 16 das conclusões].

Não cremos que assista razão ao recorrente quanto ao invocado vício.

Para assim concluir importa ter presente a diferente configuração típica dos crimes prevenidos nos artigos 144.º e 147.º, ambos do Código Penal.

Enquanto no último, como escreve Paula Ribeiro de Faria, in Comentário Conimbricense do Código Penal, 1999, Tomo I, Coimbra Editora, pág. 240, “Estamos perante um delito qualificado pelo resultado que se caracteriza por uma especial combinação de dolo e negligência (crime preterintencional)”, em que o “delito fundamental doloso (aqui a lesão da integridade física) é por si só suscetível de punição”, sendo “no entanto a pena (…) substancialmente elevada com base numa especial censurabilidade do agente, uma vez que o perigo específico que envolve esse comportamento se concretiza num resultado agravante negligente (morte ou lesão da integridade física graves)» - [cf. o artigo 18.º do C. Penal], o primeiro configura um tipo doloso, compatível com qualquer das suas modalidades, que não comporta a punição a título de negligência – [cf. artigo 13.º do C. Penal].

Donde, no caso em apreço, a consideração (como provado) de que era possível aos arguidos representar que com as agressões provocavam perigo para a vida da vítima - tal como na motivação da convicção é referido em relação à não representação da morte, não obstante à possibilidade de, na situação concreta, assim dever ter sido - com o devido respeito, em função da natureza dolosa do crime de ofensa à integridade física grave (artigo 144.º do C. Penal), não assumiria relevância.

Retomando o erro de julgamento.

Do relatório de autópsia médico-legal, prova de valor reforçado (artigo 163.º do CPP), resulta ter a vítima sofrido as lesões, descritas sob o item 20 (factos provados), ficando a sua morte a dever-se às lesões traumáticas crânio-encefálicas e meningo-medulares cervicais, tal como acolhido na matéria de facto provada (cf. o item 21). Lesões, essas, que foram produzidas pelas agressões levadas a cabo pelos arguidos (cf. o item 22).

Dos esclarecimentos prestados pela perita, subscritora do relatório de autópsia, nos segmentos indicados pelo recorrente, a propósito das lesões sofridas por FF e do processo de execução compatíveis com as mesmas, sobressaem as seguintes passagens: “(…) ele tem um edema cerebral gravíssimo e tem (…) uma lesão medular alta, ao nível do tronco cerebral (…) e portanto estas lesões são as lesões graves, que se englobam nas lesões crânio-encefálicas e meningo-medulares cervicais”; “(…) As lesões, a forma como as lesões se apresentam seria compatível com um traumatismo a nível da região temporal direita. As lesões em baixo teriam a ver com um mecanismo de deslocação. Por exemplo, uma híper-flexão. Se uma pessoa leva uma pancada, mesmo em acidentes de viação, se há um mecanismo que flete muito para a frente e depois muito para trás, vai provocar alterações a nível da articulação e lesões tecidulares, a nível dos tecidos do sistema nervoso central. Aqui, esse mecanismo, tendo em conta o modo como as lesões se apresentam, não seria no sentido antero-posterior, mas no sentido lateral”; “Esta disrupção tecidular a nível da medula, com este edema cerebral que ele vem a sofrer, isto é o suficiente para produzir, sem dúvida alguma, a morte. E estas lesões a nível de tecido medular poderiam, era mais provável que efetivamente conduzissem à morte. “O facto de levar um traumatismo de um lado, vai provocar … não é uma deslocação da cabeça em flexão … e a flexão … é como se comprimisse os tecidos e depois ao endireitar há um novo estiramento dos tecidos. E, portanto, este mecanismo bate-flete-estica-bate-flete-estica via levar à disrupção dos tecidos.”

Da prova, assim, produzida é possível inferir quer a violência das agressões, quer o respetivo processo de execução levada a efeito pelos arguidos, compatível com a natureza e gravidade das lesões que vitimaram FF. Ora, se a tal acrescentarmos o já acima referido, aquando da apreciação do vício da alínea c), do n.º 2, do artigo 410.º do CPP, sobre o juízo de todo ilógico que representa depois de se dar como provado que “Na segunda situação descrita, os arguidos CC, EE e DD atuaram em conjugação de esforços e intentos, com o propósito de agredir FF e de lhe provocar as lesões supra descritas, resultado que representaram” – [negrito nosso], ter-se igualmente por provado que os mesmos arguidos não hajam representado a possibilidade de as agressões provocadas com as suas condutas provocarem perigo para a vida da vítima e, bem assim, como não provado que os “três arguidos sabiam que com as suas condutas provocavam perigo para a vida de FF”, sem perder de vista que os factos que pertinam aos elementos subjetivos do crime não são diretamente apreensíveis; antes sim, se hão-de extrair, através de juízos de inferência, assentes em presunções naturais, decorrentes das regras da experiência comum, da matéria objetiva, mormente da que enforma os demais elementos (objetivos) integrantes da infração [no fundo, como escreve Figueiredo Dias, in RLJ, ano 105º, pág. 125, restará ao interprete “considerar as circunstâncias exteriores (objetivas) que de qualquer modo possam ser expressão da relação psicológica do agente com o facto, inferindo … de tais circunstâncias a existência dos elementos representativos e volitivos, na base das comuns regras da experiência (a dinâmica do crime e a forma de o levar a cabo; a direção, o número e a violência dos golpes que atingiram a vítima; (…); a zona do corpo procurada e atingida; (…), a energia e o vigo que pôs na ação, etc.”], importa reconhecer razão ao recorrente e, consequentemente, nos termos consentidos pelo artigo 431.º, alínea b), do CPP, proceder à modificação/alteração da matéria de facto.

Assim, o item 25 dos factos provados passa, em substituição, a assumir a seguinte redação: “Os arguidos CC, EE e DD representaram a possibilidade de com as lesões (que representaram) decorrentes das agressões por si perpetradas provocarem perigo para a vida de FF, não obstante agiram, conformando-se com o resultado; Os mesmos arguidos não representaram a morte de FF, que veio a ocorrer”.

A parte final do item em referência, não objeto de impugnação, mantém-se inalterada.

Em consequência do acima exposto elimina-se dos factos não provados o ponto V (também ele objeto de impugnação).

Com a modificação introduzida à matéria de facto resulta sanado o vício de erro notório na apreciação da prova – (cf. a primeira parte, do n.º 1, do artigo 426.º, conjugado com a alínea b), do n.º 1, do artigo 431.º, ambos do CPP).»

19. O transcrito evidencia, por si, que o acórdão recorrido não padece do piáculo que lhe vem apontado, pois que os Senhores Juízes do Tribunal da Relação recorrido fundamentaram, cabalmente, e com a transparência imposta pelo respeito devido ao disposto no artigo 205.º n.º 1, da Constituição, e nos artigos 97.º n.º 5 e 374.º n.º 2, do CPP, o decidido, designadamente naquele particular.

20. Não se verifica, ademais, a omissão de cumprimento do disposto no artigo 359.º, do CPP, do passo em que o arguido (i) havia sido acusado pela prática de factos consubstanciadores da co-autoria material de um crime de ofensa à integridade física, agravado pelo resultado, previsto e punível (p. e p.) nos termos do disposto nos artigos 144.º, 145.º n.ºs 1 alínea c) e 2, 132.º n.º 2 alíneas e) e h) e 147.º n.º 1, do CP, (ii) foi condenado, em 1.ª instância, pela prática de factos consubstanciadores de um crime de ofensa à integridade física qualificado, agravado pelo resultado, p. e p. nos termos do disposto nos artigos 143.º n.º 1, 145.º n.ºs 1 alínea a) e 2, 132.º n.º 2 alínea h) e 147.º n.º 1, do CP, (iii) vindo a ser condenado, na Relação, pela prática de factos consubstanciadores de um crime de ofensa à integridade física, qualificado, p. e p. nos termos do disposto nos artigos 144.º alínea d), 145.º n.ºs 1 alínea c) e 2, e 132.º n.º 2 alínea h), do CP, não podendo conceder-se a pretextada alteração substancial [cfr. artigos 1.º alínea f), e 359.º, do CPP], que sempre haverá de ser reportada à moldura delitiva especificada no despacho acusatório, prevenindo, por referência a este, a prolacção de decisões que, adrede, surpreendam o arguido, em violação, designadamente, dos respectivos direitos de defesa.

21. Ademais, como se adiantou – sem que a assertiva mereça reparo – no acórdão revidendo (transcrição):

«Previamente diga-se que a circunstância de a acusação omitir em qual das alíneas do artigo 144.º do Código Penal se fundamenta, não acarreta no caso qualquer diminuição aos direitos de defesa dos arguidos, pois a narração dos factos, da mesma, constante é expressa quanto à causação de “perigo para a vida”, não consentindo, pois, a mínima dúvida sobre a imputação com referência à alínea d) do dito preceito. Assim, também o entendeu – pois outra interpretação não seria possível – o acórdão em crise, no qual vieram efetivamente os arguidos a ser ilibados do referido crime.»

22. O recorrente CC defende ainda que o acórdão recorrido incorreu em violação dos princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo, no ponto em que o Tribunal recorrido julga provado que o arguido representou o perigo para a vida da vítima e que a sua conduta contribuiu para causar as lesões que lhe determinaram a morte, ponderando que, em decorrência do ponto 11 do rol dos factos julgados provados, o arguido foi afastado do local da contenda por uma testemunha, por isso que não viu as agressões que os co-arguidos infligiam à vítima, e, ademais, do passo em que apenas apertou o pescoço e deu uma chapada na vítima, pelo que a sua conduta não pode ter causado o resultado morte.

23. A matéria invocada, relativa à violação dos princípios da livre apreciação da prova e dos princípios, associados, de presunção de inocência e do in dubio pro reo, reporta, reconhecidamente, tão-apenas à decisão levada, nas instâncias, sobre matéria de facto, cujo conhecimento está eximido aos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça (artigo 434.º, do CPP).

24. Outro tanto vale no que respeita à alegada verificação dos vícios elencados no n.º 2 do artigo 410.º, do CPP, de que o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode conhecer, por si e de ofício, quando constate, à evidencia, um daqueles piáculos, que inviabilize uma correcta decisão sobre as questões de direito que lhe são submetidas, operando o consequente reenvio do processo para novo julgamento.

25. No caso, diga-se oficiosamente, o acórdão do Tribunal da Relação, recorrido, não evidencia qualquer dos aludidos vícios de procedimento.

26. Por outro lado, saliente-se, a limitação dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça ao (exclusivo) reexame da matéria de direito (artigo 434.º, do CPP), não consente a reabertura da discussão sobre a decisão levada, nesse particular, pelo acórdão da Relação, para tanto competente (artigo 428.º, do CPP), esgotado que se mostra o grau de recurso para tanto estabelecido.

Vejamos ainda.

27. Como decorre do acima editado (§ 11), os arguidos apontam ao acórdão recorrido a questão do erro de julgamento no ponto em que julgou verificada a co-autoria.

28. Aqui, no essencial, reeditando a censura do acórdão do Tribunal de 1.ª instância que haviam levado ao exame do Tribunal da Relação.

29. O Tribunal da Relação, recorrido, pronunciou-se, a respeito, nos seguintes (transcritos) termos:

«§3. Da não verificação dos pressupostos capazes de configurar a coautoria [recursos de DD; EE; CC]

Contestam os recorrentes a sua condenação a título de coautoria.

Sobre os fundamentos, para tanto, esgrimidos pelo recorrente DD, já nos pronunciámos por ocasião da apreciação do invocado vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Se bem compreendemos, sustenta o recorrente EE a não configuração, no caso, de uma situação de coautoria porquanto, defendendo a subsunção dos factos ao ilícito típico prevenido no artigo 151.º, n.º 1, do Código Penal (Participação em rixa), deixaria de poder ser individualizável ou concretizável a sua atuação. Neste seu desiderato, refere: “não se logrou apurar que a fratura crânio-encefálica que determinou a morte do FF, na decorrência da hemorragia que teve lugar, foi provocada pelo primeiro murro do CC, pelo segurar ou afastar do Recorrente (…), pelo(s) murros(s) de DD” pelo que “o evento lesivo – a morte” não seria “individualizável”, pois não se teria determinado qual o concreto facto ou ação que atuou de forma a provocá-lo” – [cf. pontos 85 e ss. das conclusões].

Por seu turno, o recorrente CC, conforme se alcança dos pontos 91 e ss. das conclusões, fazendo letra morta da matéria de facto dada como provada – sendo que a alteração produzida por esta instância ao acervo factual em nada influência, nesta parte (relativa à coautoria), a decisão -, socorre-se do julgamento que ele próprio faria dos factos, não obstante sem correspondência no julgamento levado a efeito pelo Coletivo de juízes, para se insurgir contra a consideração da coautoria, não demandando, assim, outra atenção, por parte deste tribunal, para além daquela que foi sendo desenvolvida aquando do escrutínio da decisão de facto.

Por uma questão de economia na gestão da presente peça processual, vale a pena reproduzir o que deixamos exarado quando nos pronunciámos sobre a “questão”, colocada (pelo recorrente DD), embora, numa outra perspetiva mas que não altera a solução.

Disse-se então:

“A este respeito vem alegada a escassez da “materialidade apurada para determinar a condenação do recorrente por coautoria”, já que seria o acórdão omisso quanto à respetiva dimensão subjetiva, falhando precisamente “o acordo, ou a decisão, que visa a perpretação de determinada ação típica”. Desenvolvendo esta linha de pensamento aduz: “… atento o recorte factual dimanado da factualidade provada, é patente que o recorrente havia sido alheio à primeira manifestação dos factos e que o segundo episódio já estava em curso antes de ele ter intervindo, sem existir rasto de uma qualquer decisão conjunta dos envolvidos …”, realidade – acrescenta – tão só compatível com a coautoria sucessiva, traduzida na adesão à execução do facto, depois de este ter início e antes de se consumar. Mas, a ser assim, citando Figueiredo Dias, refere, “ao coautor só deve ser imputado o ilícito cometido depois da sua adesão ao acordo”, o que no caso se revelaria impossível pela inexistência de elemento endoprocessual que “elucide sobre as consequências na pessoa da vítima das agressões perpetradas pelo recorrente antes da sua intervenção no episódio…”.

Analisemos.

Não suscitando qualquer reserva que na coautoria é indispensável uma decisão conjunta (componente subjetiva) e uma execução conjunta da decisão, também se nos afigura, tal como escreve Faria Costa, Formas do Crime, in Jornadas de Direito Criminal, CEJ, 1983, pág. 170, que para “definir uma decisão conjunta parece bastar a existência da consciência e vontade de colaboração de várias pessoas na realização de um tipo legal de crime (“juntamente com outro ou outros”)”, sendo a “forma mais nítida, comum e normal, de adesão de vontades na realização de uma figura típica (…) a do “acordo prévio”, que pode mesmo ser tácito. Do mesmo modo, e em princípio, cada coautor é responsável como se fosse autor singular da respetiva realização típica” – [cf. M. Miguez Garcia e J.M. Castela Rio, in Código Penal, Parte geral e especial, 2014, Almedina, pág. 194]. Por conseguinte, prosseguem os Autores, a coautoria “estrutura-se, sob o ponto de vista subjetivo, na “decisão conjunta” que pode ser “um acordo expresso” ou “um acordo tácito”, desde que inequivocamente consistente pelo menos na consciência bilateral, reportada ao querido facto global, da reciproca colaboração, do conhecimento dos agentes, à consumação do tipo legal visado, sob o ponto de vista objetivo, mediante a contribuição das condutas, ainda que distribuídas por tarefas, antes combinadas ou tacitamente aceites, mas convergentes quanto a um mesmo ilícito”.

O acordo (expresso ou tácito), como refere Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Portuguesa, págs. 122-123, “pode verificar-se antes ou durante a execução do facto, isto é, até à consumação formal do crime (coautoria sucessiva) …”e neste último caso, conforme realça Figueiredo Dias, in Direito Penal, Sumários das Lições, 1975, pág. 58, isto é “quando um dos coautores toma parte no facto só depois de este se encontrar já parcialmente realizado (…) não se vê como possa fazer-se retrotrair a coautoria a momento anterior à decisão conjunta. Isso significaria, na verdade, a aceitação de um dolus subsequens que a moderna doutrina jurídico-penal recusa – e bem – unanimemente”, o que significa que “ao coautor sucessivo só é imputável o ilícito realizado depois da sua adesão ao acordo …”.

Retomando o caso dos autos, concentrando-nos nos factos descritos nos itens 8 a 15 (factos provados) não vislumbramos maneira de configurar a situação como de coautoria sucessiva. Descortinamos, sim, uma linha de atuação contínua, com o mesmo propósito, por parte dos três arguidos, sem hiatos relevantes, com agressões em simultâneo, traduzindo-se estas num encadeado, demonstrativo da escalada da violência, sem que nos suscite dúvida a existência do dito acordo tácito, na fase inicial de execução, sendo manifesta a consciência e vontade de colaboração, entre todos eles, na prática do crime, aspetos que conjugados com a matéria inscrita sob o item 24, não consente a mínima reserva sobre a presença da dimensão subjetiva da coautoria.

Na verdade, o ingresso dos agentes (arguidos) aconteceu praticamente em simultâneo, não ocorrendo motivo válido para excluir o princípio da “imputação recíproca de esforços e contribuições”.

Em suma, o caso dos autos não configura uma situação de coautoria sucessiva; os factos não omitem a dimensão subjetiva da coautoria; não se inclui no núcleo dos factos que suporta a responsabilidade do recorrente a matéria descrita em 6 e 7 dos factos provados, os quais, perante a dimensão e natureza das lesões que provocaram perigo para a vida da vítima e lhe vieram a determinar a morte, resultam irrelevantes”.

A isto, tendo presente a alegação do recorrente EE, acrescentaremos não ser decisivo, em face da decisão conjunta, traduzida no acordo (tácito), e execução conjunta, afastada que resulta a figura da “coautoria sucessiva”, saber de entre as agressões, ocorridas no segundo episódio – sendo certo que as descritas no item 6 (factos provados) nunca se revelariam idóneas a provocar o tipo de lesões compreendidas no ponto 20 (factos provados) -, qual ou quais se vieram a revelar “fatais” na produção do perigo para a vida; o que de facto releva é que foram, as mesmas, causa direta das lesões, descritas no ponto 20 dos factos provados, que, por sua vez, se apresentaram determinantes da morte da vítima. Acresce que na comparticipação criminosa, sob a forma de coautoria, não é indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os atos, bastando que a atuação de cada um seja elemento do todo indispensável à produção do resultado. Por fim, pressupondo a rixa “que não houve acordo, entre os participantes; tendo existido, o caso será de comparticipação, em ofensas corporais ou homicídio” – [cf. acórdão do STJ de 03.11.1994 (proc. n.º 046842)], no caso em apreço carece de fundamento a subsunção dos factos ao ilícito típico do artigo 151.º do Código Penal. Na verdade, tratando-se a participação em rixa de crime plurisubjetivo, o que sucede, na grande maioria das vezes, é que cada interveniente atua de per si; circunstância é certo, que não exclui que se formem grupos de agressores e agredidos simultaneamente. Acontece, porém, que nestas situações falha o “domínio funcional” e a “decisão conjunta”, que caraterizam a coautoria (artigo 26.º do Código Penal), os quais, contudo, in casu, se mostram presentes.» - fls. 190-193

30. Não se vê que o alegado pelos recorrentes infirme tal deciso.

31. No caso do arguido DD, pode apenas reiterar-se que os factos sedimentados (não impugnados) como provados (acima transcritos – pontos 4 a 15 e 24) evidenciam que, conquanto não tenha desencadeado a agressão, conhecia a fracção delitiva encetada pelo co-arguido CC, associando e encadeando a sua conduta com a dos co-arguidos, tudo no sentido de, de par com estes, castigar a vítima e assegurando com tal conduta a verificação do resultado letal.

32. Outro tanto ocorreu com o arguido CC.

Cita-se do transcrito:

«9 – Em resposta ao chamamento, FF aproximou-se do arguido CC que se encontrava num grupo que incluía os arguidos DD e EE.

10 – De imediato, FF e CC voltaram a discutir e a envolver-se fisicamente, agarrando-se e batendo-se reciprocamente.

11 – Perante isso, para os separar, JJ agarrou o arguido CC e afastou-o para a zona do relvado.

12 – Então, o arguido EE agarrou FF pelo pescoço, colocando-o por debaixo da sua axila esquerda, imobilizando-o, enquanto lhe desferiu vários socos na cabeça.

13 – Enquanto o EE segurava o FF, o arguido DD desferiu diversos murros em várias zonas do corpo, sendo três na cabeça de FF, sem que este conseguisse reagir.

14 – Quando JJ largou o arguido CC este voltou a dar mais murros e pontapés no FF, ainda agarrado pelo arguido EE.

15 – O envolvimento terminou quando foram separados por outras duas pessoas.

24 – Na segunda situação descrita, os arguidos CC, EE e DD atuaram em conjugação de esforços e intentos com o propósito de agredir o FF e de lhe provocar as lesões supra descritas, resultado que representaram.»

33. Sempre à luz do disposto no artigo 26.º, do CP, não sobram dúvidas de que cada um dos três arguidos, tomaram parte directa na execução do facto ilícito, por acordo e juntamente com os outros, compartilhando o domínio do curso do facto e concausando o resultado típico.

34. Termos em que, na parcela em que dissentem da julgada verificação da co-autoria, os recursos não podem lograr provimento.

35. Como não podem lograr provimento quanto ao invocado erro de direito na qualificação jurídica dos factos em função e na dependência da modificação operada no ponto 25 do rol de factos julgados provados, de par com a eliminação do ponto V do rol de factos julgados não provados.

36. Por um lado, desde logo, na medida em que se invoca um erro de direito na dependência de uma decisão sobre a matéria de facto que este Supremo Tribunal não pode sindicar (cfr. § 26, acima).

37. Por outro lado, conceda-se que, uma vez julgado provado que o arguido EE agarrou a vítima, FF, pelo pescoço, colocando a cabeça deste debaixo da sua axila e que, nessa posição, todos os arguidos o socaram na cabeça (pontos 12 a 14), causando-lhe lesões que determinaram, poucas horas depois, a morte do FF (pontos 19 a 22), o Tribunal de 1.ª instância não podia concluir, à luz das mais elementares regras da experiência (que ditam, designadamente, que sucessivas e reiteradas, violentas, agressões a murro sobre a cabeça de indivíduo, imobilizado, são susceptíveis de lhe causar lesões que fazem perigar a vida da vítima), como concluiu, que os arguidos não representaram a possibilidade de as agressões provocarem perigo para a vida do FF.

38. Tal conclusão evidenciava uma clara incompatibilidade com a comprovada conduta dos arguidos.

39. Ao Tribunal da Relação, recorrido, cumpria, pois, reparar o julgado, como reparou (por via da invocada coincidência entre a verificação de um erro de julgamento da matéria de facto e a sanação do vício de erro notório na apreciação da prova), em deciso que não suscita qualquer discordância.

Tal seja:

«Do relatório de autópsia médico-legal, prova de valor reforçado (artigo 163.º do CPP), resulta ter a vítima sofrido as lesões, descritas sob o item 20 (factos provados), ficando a sua morte a dever-se às lesões traumáticas crânio-encefálicas e meningo-medulares cervicais, tal como acolhido na matéria de facto provada (cf. o item 21). Lesões, essas, que foram produzidas pelas agressões levadas a cabo pelos arguidos (cf. o item 22).

Dos esclarecimentos prestados pela perita, subscritora do relatório de autópsia, nos segmentos indicados pelo recorrente, a propósito das lesões sofridas por FF e do processo de execução compatíveis com as mesmas, sobressaem as seguintes passagens: “(…) ele tem um edema cerebral gravíssimo e tem (…) uma lesão medular alta, ao nível do tronco cerebral (…) e portanto estas lesões são as lesões graves, que se englobam nas lesões crânio-encefálicas e meningo-medulares cervicais”; “(…) As lesões, a forma como as lesões se apresentam seria compatível com um traumatismo a nível da região temporal direita. As lesões em baixo teriam a ver com um mecanismo de deslocação. Por exemplo, uma híper-flexão. Se uma pessoa leva uma pancada, mesmo em acidentes de viação, se há um mecanismo que flete muito para a frente e depois muito para trás, vai provocar alterações a nível da articulação e lesões tecidulares, a nível dos tecidos do sistema nervoso central. Aqui, esse mecanismo, tendo em conta o modo como as lesões se apresentam, não seria no sentido antero-posterior, mas no sentido lateral”; “Esta disrupção tecidular a nível da medula, com este edema cerebral que ele vem a sofrer, isto é o suficiente para produzir, sem dúvida alguma, a morte. E estas lesões a nível de tecido medular poderiam, era mais provável que efetivamente conduzissem à morte. ”; “O facto de levar um traumatismo de um lado, vai provocar … não é uma deslocação da cabeça em flexão … e a flexão … é como se comprimisse os tecidos e depois ao endireitar há um novo estiramento dos tecidos. E, portanto, este mecanismo bate-flete-estica-bate-flete-estica via levar à disrupção dos tecidos.”

Da prova, assim, produzida é possível inferir quer a violência das agressões, quer o respetivo processo de execução levada a efeito pelos arguidos, compatível com a natureza e gravidade das lesões que vitimaram FF. Ora, se a tal acrescentarmos o já acima referido, aquando da apreciação do vício da alínea c), do n.º 2, do artigo 410.º do CPP, sobre o juízo de todo ilógico que representa depois de se dar como provado que “Na segunda situação descrita, os arguidos CC, EE e DD atuaram em conjugação de esforços e intentos, com o propósito de agredir FF e de lhe provocar as lesões supra descritas, resultado que representaram” – [negrito nosso], ter-se igualmente por provado que os mesmos arguidos não hajam representado a possibilidade de as agressões provocadas com as suas condutas provocarem perigo para a vida da vítima e, bem assim, como não provado que os “três arguidos sabiam que com as suas condutas provocavam perigo para a vida de FF”, sem perder de vista que os factos que pertinam aos elementos subjetivos do crime não são diretamente apreensíveis; antes sim, se hão-de extrair, através de juízos de inferência, assentes em presunções naturais, decorrentes das regras da experiência comum, da matéria objetiva, mormente da que enforma os demais elementos (objetivos) integrantes da infração [no fundo, como escreve Figueiredo Dias, in RLJ, ano 105º, pág. 125, restará ao interprete “considerar as circunstâncias exteriores (objetivas) que de qualquer modo possam ser expressão da relação psicológica do agente com o facto, inferindo … de tais circunstâncias a existência dos elementos representativos e volitivos, na base das comuns regras da experiência (a dinâmica do crime e a forma de o levar a cabo; a direção, o número e a violência dos golpes que atingiram a vítima; (…); a zona do corpo procurada e atingida; (…), a energia e o vigo que pôs na ação, etc.”], importa reconhecer razão ao recorrente e, consequentemente, nos termos consentidos pelo artigo 431.º, alínea b), do CPP, proceder à modificação/alteração da matéria de facto.

Assim, o item 25 dos factos provados passa, em substituição, a assumir a seguinte redação: “Os arguidos CC, EE e DD representaram a possibilidade de com as lesões (que representaram) decorrentes das agressões por si perpetradas provocarem perigo para a vida de FF, não obstante agiram, conformando-se com o resultado; Os mesmos arguidos não representaram a morte de FF, que veio a ocorrer”.

A parte final do item em referência, não objeto de impugnação, mantém-se inalterada.

Em consequência do acima exposto elimina-se dos factos não provados o ponto V (também ele objeto de impugnação).

Com a modificação introduzida à matéria de facto resulta sanado o vício de erro notório na apreciação da prova – (cf. a primeira parte, do n.º 1, do artigo 426.º, conjugado com a alínea b), do n.º 1, do artigo 431.º, ambos do CPP).»

40. E assim, ademais, em linha com o pensamento de Figueiredo Dias (em »Responsabilidade pelo resultado e crimes preterintencionais», Coimbra, 1961, 129 e 143 ss., e em «Direito Penal – Parte Geral», Tomo I, 3.ª edição, Gestlegal, 2019, pp. 355 e ss.), de Paula Ribeiro de Faria (no «Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial», Tomo I, Coimbra Editora, 2.ª edição, 2012, pág. 357 e pp. 369 e ss., e em «Formas Especiais do Crime», Universidade Católica Editora Porto, 2017, pp. 123 e ss.), e de Helena Moniz (em «Agravação pelo Resultado?», Coimbra Editora, 2009, §§ 8 a 11, pp. 95 e ss. e 401 e ss.). Outra é a posição de José de Faria Costa (designadamente e por mais recente, em «Direito Penal», INCM, 2017, pp. 434 a 436).

41. Se tanto pode sintetizar-se: «o crime agravado pelo resultado deve ser entendido não como o crime preterintencional, em que o resultado agravante se soma à conduta base, exigindo-se ainda uma conduta base dolosa, a criação dolosa de um perigo de verificação de um resultado agravante, e a negligência relativamente a um resultado agravante, seja um crime de aptidão consumada (Helena Moniz) – dado que a conduta base cria não só um resultado, como gera o perigo de outro resultado, do passo em que a conduta base é apta para a criação daquele perigo, aptidão esta confirmada na efectiva produção (negligente) do resultado agravante, que mais não é que a materialização do perigo criado.»

42. Acresce salientar (cfr. § 26, acima) que a apreciação da matéria relativa à intenção dos arguidos na perpetração delitiva, seja da questão da determinação dos elementos subjectivos do tipo-de-ilícito, configura, necessariamente, um reexame da matéria de facto, cujo conhecimento de esgotou pela decisão proferida no Tribunal da Relação, pois que eximido aos poderes cognitivos do Supremo Tribunal de Justiça (artigo 343.º, do CPP).

43. Termos em que, nesta parcela, os recursos não podem lograr provimento.

44. Cabe, de seguida, reverter ao exame da questão, suscitada nos recursos, relativa à subsunção dos factos no tipo-de-ilícito previsto no artigo 144.º.

45. A questão, já levada ao exame do Tribunal da Relação, veio a ser apreciada nos seguintes (transcritos) termos:

«§4. Do erro de direito, resultante da absolvição dos arguidos pela prática do crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo artigo 144.º, alínea d) do Código Penal [recursos do Ministério Público e assistentes AA e BB].

Insurgem-se o Ministério Público e assistentes (recorrentes) contra a absolvição dos arguidos pela prática do crime de ofensa à integridade física grave, imputado na acusação.

Previamente diga-se que a circunstância de a acusação omitir em qual das alíneas do artigo 144.º do Código Penal se fundamenta, não acarreta no caso qualquer diminuição aos direitos de defesa dos arguidos, pois a narração dos factos, da mesma, constante é expressa quanto à causação de “perigo para a vida”, não consentindo, pois, a mínima dúvida sobre a imputação com referência à alínea d) do dito preceito. Assim, também o entendeu – pois outra interpretação não seria possível – o acórdão em crise, no qual vieram efetivamente os arguidos a ser ilibados do referido crime.

A razão para assim ter sido, reconduziu-a o Coletivo de juízes à circunstância de ter “resultado” provado não haverem os arguidos CC, EE e DD representado a possibilidade de as agressões perpetradas com as suas condutas provocarem perigo para a vida de FF [cf. o item 25 (factos provados), bem como o ponto V (factos não provados)], factos estes que, no seguimento dos invocados vício de erro notório na apreciação da prova e de erro de julgamento, foram objeto de alteração/modificação nesta instância

O artigo 144.º do Código Penal consubstancia um crime qualificado pelo resultado, no que ora importa, o de provocar “perigo para a vida”, através de ofensa no corpo ou na saúde de outra pessoa, resultado este que terá de estar abrangido pelo dolo – bastando o dolo eventual -, decorrendo a agravação dos efeitos da ofensa. No caso da alínea d), diferentemente do que sucede com as demais contempladas no preceito, estamos perante um crime de perigo concreto, que não dispensa a relação causal entre o delito “base” e o resultado agravante. O “perigo para a vida”, como o define NÉLSON HUNGRIA, «é a probabilidade concreta e presente do resultado letal» - [cf. Simas Santos e Leal-Henriques, in Código Penal Anotado, 3.ª Edição, 2000, 2.º Volume, Editora Rei dos Livros, pág. 247].

Retomemos os factos.

Resultou provado que os três arguidos, agindo de comum acordo e em conjugação de esforços, agrediram FF, agarrando-o pelo pescoço, colocando-o por debaixo da axila de um deles, e com o mesmo, assim imobilizado – sem que conseguisse reagir - desferiram-lhe murros e pontapés em diferentes partes do corpo e vários socos na cabeça; agressões estas que foram causa adequada das lesões descritas na matéria de facto (cf. o item 20), mormente traumáticas crânio-encefálicas e meningo-encefálicas, tendo os mesmos representado a possibilidade de com tais lesões - que igualmente representaram - provocarem perigo para a vida de FF não obstante agiram, conformando-se com o resultado.

As lesões sofridas pela vítima (representadas pelos arguidos) decorrentes das agressões, causa direta e adequada daquelas, encerravam a séria possibilidade de dano, contendo um risco implícito, um perigo concreto para o bem jurídico vida, o qual foi representado pelos arguidos, que se veio a materializar no resultado morte.

Mostram-se, pois, reunidos os elementos típicos, objetivos e subjetivos, do crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo artigo 144.º, alínea d), do Código Penal, em cuja prática, em coautoria material, incorreram os arguidos.

Procedem, nesta parte, os recursos.»

46. À luz de quanto acima se expôs, não se vê razão para dissentir do decidido.

47. A tanto se acrescenta, tão-apenas, a respeito do tipo subjectivo de ilícito prevenido no artigo 144.º, do CP, que, em vista dos factos sedimentados como provados pelo julgamento levado no Tribunal da Relação, colhe renovado mérito para o caso a lição de Paula Ribeiro de Faria (ob. e loc. citados, pág. 357, § 38):

«O dolo do agente tem que abranger não só todos os elementos do crime fundamental, como as consequências que o qualificam. O dolo eventual é suficiente. Relativamente à alínea d), e além do dolo dirigido á ofensa ao corpo ou à saúde da vítima, basta que o agente conheça as circunstâncias em que actua e das quais resulta o perigo genérico para a vida da vítima, mesmo que não as tenha como efectivamente perigosas no caso concreto».

48. Termos em que, também neste particular, a decisão do Tribunal da Relação não suscita qualquer reparo.

49. A questão da (não) verificação da qualificativa prevenida na alínea h) do n.º 2 do artigo 132.º, do CP, para os efeitos previstos no artigo 145.º n.ºs 1 e 2, do CP, suscitada nos recursos interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça, foi já suscitada junto do Tribunal da Relação e ali apreciada.

Nos seguintes (transcritos) termos:

«§7. Da não verificação da circunstância prevista na alínea h), do n.º 2, do artigo 132.º do Código Penal, ex vi do artigo 145.º, n.ºs 1 e 2 do mesmo diploma [recursos de DD; EE; CC].

Dissentem os recorrentes DD, EE e CC do acórdão no segmento em que considerou verificada a circunstância “Praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas” – alínea h), do n.º 2, do artigo 132.º do Código Penal.

Na parte não prejudicada pelo supra decidido - contrariando a alegada (pelos recorrentes) negação da coautoria e/ou a afirmação de coautoria sucessiva e, bem assim, enquanto (após o escrutínio da decisão de facto) se julgou definitivamente estabilizada (com a modificação produzida) a matéria de facto, é possível extrair das respetivas conclusões, como fundamento da desejada absolvição pela circunstância qualificativa em causa a consideração de a factualidade não assumir uma imagem particularmente grave, tão pouco tendo sido a vítima colocada num estado de indefesa capaz de legitimar a condenação pelo tipo qualificado (DD); o facto de se mostrar a mesma sustentada por uma motivação forçada e generalizada da “especial censurabilidade ou perversidade do agente” (EE); a não verificação de “desproporção de meios” e de “impossibilidade de defesa” (CC).

A propósito, ficou a constar no acórdão:

“A alínea h) respeita aos casos em que o agente pratica o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum.

Nesta situação, formalmente, verifica-se a circunstância de serem três os arguidos a agredir FF; impõe-se analisar e ponderar, em concreto, se tal é suscetível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade exigida pelo normativo em causa.

A atuação dos arguidos aponta para a existência duma especial censurabilidade da sua conduta e que se manifesta na circunstância de FF se encontrar imobilizado, pelo pescoço, enquanto sofria murros em várias partes do corpo e na cabeça, em zona particularmente sensível.

Os arguidos, perante essa situação de indefensibilidade, deram-lhe os murros, na cabeça, aproveitando ainda, a situação de superioridade numérica e de maior experiência por serem mais velhos (FF tinha 18 anos, e os arguidos 23, 38 e 33 anos de idade, respetivamente).

Além disso, também se manifesta uma desproporcionalidade de meios e de intensidade da agressão, sem justificação ou necessidade e ainda o facto de a agressão só ter terminado pela intervenção de outras pessoas; mais ainda, a agressão ocorre, de noite, num contexto de feira e com a envolvência de pessoa em ambiente de diversão.

Assim, a especial vulnerabilidade em que se encontrava a vítima, proveniente da globalidade de tal atuação dos arguidos, bem como a intensidade da agressão, mostra uma atitude profundamente rejeitável e configura uma situação em que a especial intensidade da culpa associada à coautoria é reveladora de especial censurabilidade, num grau que configura a agravante prevista na alínea h), do n.º 2, do artigo 132.º.

(…)”.

A acrescida censurabilidade ou perversidade do agente, decorrente dos exemplos padrão do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, constituindo elementos da culpa, não opera automaticamente. Com efeito, é pacífico o entendimento de que a qualificação, assentando num tipo de culpa agravado, ter-se-á de reconduzir à cláusula geral do n.º 1, isto é à especial perversidade ou censurabilidade do agente.

Como refere Teresa Serra, in “Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena”, Coimbra, 1992, págs. 63-65, “No artigo 132.º, trata-se de uma censurabilidade especial: as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que refletem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores (…). Com a referência à especial perversidade, tem-se em vista uma atitude profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinada e constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade”.

Também Figueiredo Dias, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo I, pág. 29, reportando-se à especial censurabilidade realça que em causa estão “aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refração, ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas”, reconduzindo à especial perversidade “aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta diretamente na documentação no facto de qualidades de personalidade do agente especialmente desvaliosas”.

Vem sendo defendido que a “comprovação, no facto, de circunstâncias que preenchem um dos exemplos-padrão tem um efeito de indício de especial censurabilidade ou perversidade, efeito indício esse que, todavia, pode ser afastado mediante a verificação de outras circunstâncias que o anulem …” – [cf. o acórdão do STJ de 21.06.2012 (proc. n.º 525/11.2PBFAR.S1; no mesmo sentido vide os acórdãos do STJ de 05.09.2007 (proc. n.º 07P2294), 10.12.2008 (proc. n.º 08P3703), 21.03.2013 (proc. n.º 2024/08.0PAPTM.E1.S1), 19.02.2014 (proc. n.º 168/11.0GCCVB.S1), 11.02.2016 (proc. n.º 205/14.7PLLRS.L1.S1)].

No caso concreto, é manifesto que os arguidos, agindo em conjugação de esforços, agrediram, designadamente com diversos socos na cabeça, a vítima, o que fizeram em simultâneo, colocando FF preso pelo pescoço por debaixo da axila de um deles, assim o imobilizando e retirando-lhe a capacidade de reação. A intensidade das agressões, lidas em articulação com as lesões provocadas, resulta com clareza dos factos provados; não é, igualmente, de desprezar a circunstância de a vítima contar com apenas 18 anos de idade, sobretudo quando comparado com as idades de, pelo menos, dois dos arguidos. As condutas destes aniquilaram qualquer possibilidade de defesa por parte da vítima. Não estamos, pois, perante uma agressão que, embora levada a efeito por três pessoas contra uma – no caso um jovem - “encaixe” no padrão normal de uma mera “zaragata”, ainda que com consequências gravíssimas, como foi o caso; antes sim, face a um “quadro” de “brutalidade” extrema, perpetrada por intermédio de um “processo” de exclusão de liberdade de ação que não deixou qualquer hipótese à vítima.

Como assim, não nos merece censura o acórdão em crise enquanto considerou a verificação da especial censurabilidade da conduta dos arguidos, decorrente de uma forma de realização do facto especialmente desvaliosa.

Mantém-se, pois, nesta parte a decisão recorrida.»

50. Não se vê que a alegação trazida pelos recorrentes ao exame do Supremo Tribunal de Justiça, infirme o ponderado e decidido no Tribunal da Relação, que não pode deixar de confirmar-se.

51. A agressão, motivada pelo facto de a vítima, FF, na zona dos bares…, ter derrubado um copo de cerveja que atingiu PP, namorada do arguido CC, levada por aquele e pelos co-arguidos, a um ponto extremo de punição e violência não pode deixar de relevar-se no âmbito da comprovação de uma maior eficácia da acção e da consequente maior dificuldade de defesa em que se coloca a vítima, (cf. Figueiredo Dias, no «Comentário Conimbricense», citado, pág. 66, § 35), como foi o caso, ademais com os murros desferidos, sucessiva e repetidamente, pelos arguidos sobre a cabeça da vítima manietada, imobilizada sob a axila de um dos agressores, a revelar falta de escrúpulo no abuso da posição ascendente conferida pela força da acção grupal sobre uma vítima isolada, não pode deixar de considerar-se relevante no ponto da verificação da especial censurabilidade da conduta dos arguidos.

52. Termos em que, também neste particular, os recursos não podem lograr procedência.

Vejamos ainda.

53. Os arguidos suscitam o reexame da escolha e medida da pena em que foram condenados no Tribunal da Relação, recorrido, concretizada em 5 anos e 8 meses na moldura abstracta de 3 a 12 anos de prisão, pedindo a redução das correspondentes penas a medida que não ultrapasse os 5 anos de prisão, e suspensas, mesmo condicionadamente, na sua execução.

54. Em concreto, os arguidos abonam tal pretensão nos seguintes termos:

(i) o arguido DD releva a inserção comunitária, a personalidade e o comportamento anterior e posterior ao crime (que sintetiza, designadamente, nas conclusões 56.º e 66.º da motivação do recurso);

(ii) o arguido CC, sublinha a idade (nascido a …….. de 1993, tinha 23 anos, ao tempo dos factos), próxima da idade da vítima e menor do que a dos co-arguidos, a concomitante imaturidade, o menor grau de participação na contenda, a ocasionalidade delitiva, a perenidade das condições de inserção familiar, social e laboral, sendo reputado como pessoa calma ponderada e trabalhadora, para além do lapso de tempo decorridos desde a ocorrência (que sintetiza, designadamente, nas conclusões 125-127,  141, 143, 148, 150, 151 e 156 da motivação do recurso);

(iii) o arguido EE salienta as condições de inserção social (que sintetiza, designadamente, na conclusão 60.ª da motivação do recurso).

55. Em matéria de escolha e medida das penas, os Senhores Juízes do Tribunal recorrido ponderaram nos seguintes (transcritos) termos:

Ǥ8. Da medida da pena

Do que se vem de expor resulta haverem os três arguidos incorrido na prática, em coautoria material, e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo artigo 144.º, alínea d), do Código Penal, qualificado nos termos da alínea c), do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 145.º, do mesmo diploma, a que corresponde a moldura penal abstrata de prisão de 3 a 12 anos de prisão, o que conduz à necessidade de “reformular” as penas aplicadas em primeira instância, melhor dizendo de as “encontrar” à luz do novo quadro punitivo, perdendo, assim, acuidade quer os recursos interpostos pelo Ministério Público e assistentes, pugnando pela aplicação de penas mais severas, quer os recursos apresentados pelos arguidos, formulando pretensão em sentido contrário.

Na apreciação das penas, o ponto de partida e enquadramento geral da tarefa a realizar prende-se com o disposto no artigo 40.º do Código Penal, segundo o qual toda a pena tem como finalidade «a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», não podendo em caso algum ultrapassar a medida da culpa.

Vem a jurisprudência reiteradamente afirmando, seguindo a doutrina de Figueiredo Dias [“Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2005, pág. 227 e ss], que, se as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos, e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade, então, o processo de determinação da pena concreta a aplicar refletirá, de um modo geral, a seguinte lógica: a partir da moldura penal abstrata procurar-se-á encontrar uma submoldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar; será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão atuar os pontos de vista da reinserção social; quanto à culpa, para além do suporte axiológico-normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar - [cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 24.04.2008 e de 16.10.2008, ambos sumariados in www.stj.pt.].

Isto dito, centremo-nos no caso concreto.

De acordo com o artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal, “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, devendo o tribunal, para o efeito, atender “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”, considerando, nomeadamente, as elencadas no n.º 2 do preceito.

As exigências de prevenção geral, como meio de proteção do bem jurídico protegido com a incriminação, revelam-se elevadas, não sendo de olvidar a frequência com que se vem sucedendo os delitos desta natureza – não raramente com resultados trágicos -, o que traduz um grande desprezo por bens jurídicos fundamentais, como seja a integridade física e mesmo a vida, reclamando, assim, uma resposta adequada que reafirme a validade das normas jurídicas de modo a que na comunidade em geral não se instale a descrença nas mesmas.

O grau de ilicitude, considerando a intensidade da lesão do bem jurídico, integridade física, é igualmente elevado; a gravidade das consequências, que se veio a concretizar na morte da vítima, não podia ser maior; releva ainda o modo de execução do crime, através de um encadeado de ações, contando com pontapés e murros, os quais, em parte, desferidos em zona extremamente melindrosa, pelas consequências gravosas para a saúde que podem advir das ofensas, na mesma, perpetradas.

A culpa manifestou-se sob a forma de dolo eventual.

Foi acentuado o sentimento de desprezo, refletido nos factos, pela integridade física e vida da vítima, não se descortinando fundamento para tamanha violência.

Por outro lado, milita a favor dos arguidos a respetiva inserção profissional e familiar, bem como a consideração que beneficiam no meio em que vivem, tidos como pessoas responsáveis, educadas, trabalhadoras, aspetos que aliados ao facto de nenhum deles registar antecedentes criminais, atenua as exigências de prevenção especial de socialização, pese embora as características de personalidade reveladas por todos eles na execução do crime.

Tudo ponderado, no seio da moldura abstrata de prisão de 3 a 12 anos, julga-se adequada e proporcional a aplicação, a cada um dos arguidos, da pena de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão – não se vendo, sopesando o nível de participação, razão para as distinguir -, a qual, afigurando-se-nos ainda responder satisfatoriamente às exigências de prevenção, não ultrapassa a medida da culpa respetiva.

As penas concretas agora aplicadas não consentem a ponderação da respetiva suspensão, porquanto resulta, desde logo, comprometido o pressuposto formal da dita pena de substituição (artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal).»

56. O Ministério Público defende, também neste particular, a confirmação do julgado.

Vejamos.

57. Dispõe o artigo 40.º n.º 1, do CP, que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

58. As finalidades das penas (na previsão, na aplicação e na execução) são, assim, na filosofia da lei penal portuguesa expressamente afirmada, a protecção de bens jurídicos e a integração de agente do crime nos valores sociais afectados.

59. Na protecção de bens jurídicos vai ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afectem tais bens e valores, ou seja, de prevenção geral.

60. A previsão, a aplicação ou a execução da pena devem prosseguir igualmente a realização de finalidades preventivas, que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes, ou seja uma finalidade de prevenção especial.

61. As finalidades das penas (de prevenção geral positiva e de prevenção especial de integração) conjugam-se na prossecução do objectivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.

62. Num caso concreto, a finalidade de tutela e protecção de bens jurídicos há-de constituir, por isso, o motivo fundamento da escolha do modelo e da medida da pena; de tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas, e especificamente na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afectados.

63. Por seu lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser, em cada caso, prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.

64. Nos limites da prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização há-de ser encontrado o modelo adequado e a medida concreta da pena, sempre de acordo com o princípio da culpa como seu limite inultrapassável.

65. A criminalidade contra a integridade física, através de violência contra as pessoas, tem um efeito devastador e potencialmente desestruturante da tranquilidade social comunitária.

66. A frequência, a amplificação de efeitos dos factos e as dificuldades de investigação determinadas muitas vezes pela fragmentaridade das ocorrências, constituem factores acrescidos de interiorização negativa de factores de insegurança comunitariamente pressentida.

67. Os crimes de ofensas corporais agravadas, designadamente em face da consequente morte da vítima, constituem, hoje, um dos factores que provoca maior perturbação e comoção social, designadamente em face dos riscos (e danos) para bens e valores fundamentais que causam e da insegurança que geram e ampliam na comunidade.

68. O reconhecimento do fenómeno e da comoção social que provoca, faz salientar a necessidade de acautelar as finalidades de prevenção geral na determinação das penas nos crimes em referência, como garantia da validade das normas e de confiança da comunidade.

69. As exigências de prevenção geral são pois de acentuada intensidade.

70. As imposições de prevenção especial, por seu lado, devem ser levadas na direcção da prevenção da reincidência, de modo a obter, na melhor medida possível, um reencontro do agente com os valores comunitários afectados, e a orientação da sua vida no futuro de acordo com tais valores.

71. Na determinação da pena o juiz deve atender a todas as circunstâncias que possam ser consideradas a favor ou contra o agente, entre as quais as que estão exemplificativamente enunciadas no artigo 71.º n.º 2 alíneas a) a f), do CP.

72. Elementos de referência na determinação da pena são o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e a gravidade das consequências.

73. No caso, o desvalor do resultado da conduta dos arguidos que, num desforço manifestamente excessivo, por razões de reduzida significância, tirou a vida à vítima, não pode deixar de ser realçado.

74. Sem embargo, devem relevar-se os factores atenuativos descritos nos pontos 32 a 43 (arguido CC), 44 a 55 (arguido DD) e 56 a 64 (arguido EE), do rol de factos julgados provados, de que resulta, quanto a todos, uma primariedade que indicia um agir delitivo ocasional, fortes laços de integração familiar, social e profissional, a que não pode deixar de adir-se seja a atitude de contrição que decorre do ponto 65 daquele rol, seja o facto de irem decorridos mais de quatro anos sobre a ocorrência delitiva, encontrando-se os arguidos em liberdade, o que indiciará, sem olvido da gravidade da conduta e a da imperecível dor que a morte da vítima FF (e nas circunstâncias em que ocorreu) causou, nos seus pais, familiares e no seu círculo convivial, uma atenuação da sensibilidade comunitária relativamente às exigências de aplicação de penas detentivas.

75. Tudo ponderado e sopesado, afigura-se que, na moldura abstracta aplicável, de 3 a 12 anos de prisão, a pena, relativamente a cada um dos arguidos, deve concretizar-se na medida de 5 anos de prisão, não se vendo razões, designadamente em face da conjunção delitiva, mesmo da idade de cada um, para distinguir as penas concretas aplicadas.

76. Todos os arguidos defendem que a pena de prisão se concretize em medida que consinta a suspensão da respectiva execução.

77. Para a aplicação da suspensão da execução da pena (artigo 50.º, do CP), a lei define um requisito objectivo (condenação em pena de prisão não superior a 5 anos) e estabelece pressupostos subjectivos, determinados por finalidades político-criminais – os que permitam concluir pelo afastamento futuro do delinquente da prática de novos crimes, através da sua capacidade de se reintegrar socialmente.

78. Trata-se, de alcançar a socialização, prevenindo a reincidência.

79. Assim, sempre que o julgador puder formular um juízo de prognose favorável, à luz de considerações de prevenção especial sobre a possibilidade de ressocialização do arguido, deverá deixar de decretar a execução da pena.

80. Estão em causa, não considerações sobre a culpa mas prognósticos acerca das exigências mínimas de prevenção.

81. Pretende-se, como sublinha, com incontornável autoridade, o Professor Figueiredo Dias, «o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer correcção, melhora ou – ainda menos – metanóia das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É, em suma, como se exprime Zipf, uma questão de legalidade e não de moralidade que aqui está em causa. Ou como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o conteúdo mínimo da ideia de socialização, traduzida na prevenção da reincidência».

82. Depois de se optar por uma pena detentiva, à luz das considerações e com os critérios legais sobre-expostos, importa pois determinar se existe a esperança fundada de que a socialização em liberdade pode ser alcançada, a partir de razões fundadas e sérias que levem a acreditar na capacidade do delinquente para a auto-prevenção do cometimento de novos crimes, devendo negar-se a suspensão sempre que, fundadamente, seja de duvidar dessa capacidade.

83. Nos termos prevenidos no artigo 50.º, do CP, a averiguação de tal capacidade deve ser feita em concreto, através da análise da personalidade do arguido, das suas condições de vida, da conduta que manteve antes e depois do facto e das circunstâncias em que o praticou.

84. Se, dessa análise, resultar que é possível esperar que a ameaça da pena de prisão e a censura do facto são idóneos a permitir a formulação do referido juízo de confiança na capacidade do arguido para não cometer novos crimes, deverá ser decretada a suspensão da execução da pena.

85. Isto posto, e retomando o caso, pode dizer-se que a desconsideração pela integridade física, mesmo pela vida alheias, impõe, para além de quaisquer considerações atenuativas, um particular rigor punitivo.

86. Sem embargo, por outro lado, a concretização, no caso, de penas de suspensão da execução da pena de prisão, nos termos prevenidos, maxime, no art. 50.º do CP, face à redacção introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, é de acolher, desde logo pela inverificação de particulares razões de prevenção especial, podendo concluir-se, a partir da indiciada ocasionalidade da conduta e dos relevantes factores de inserção familiar, social e laboral de que todos os arguidos beneficiam, que simples ameaça de execução da pena será suficiente para afastar os arguidos da criminalidade, com o que se figura consistente a formulação do pretextado juízo de prognose favorável, seja em atenção ao trajecto vital dos arguidos, ponderando-se que uma pena de prisão, suspensa na sua execução, mediante regime de prova e garantias reparatórias (no possível da reparação) – artigos 50.º, 51.º e 53.º, do CP – responde com adequado vigor, ao sentimento de justiça, mas também de esperança, da comunidade. 

87. Assim, nesta parcela e em tais termos, os recursos interpostos pelos arguidos merecem provimento.

88. O conhecimento da questão relativa à decisão do Tribunal da Relação, recorrido, em matéria de indemnização civil, que confirma a decisão de 1.ª instância, suscitada pelo arguido CC (conclusões 172-174), fica prejudicado na medida em que foi expendida no suposto da procedência da pretensão formulada em matéria criminal.

89. Não cabe tributação – artigo 513.º n.º 1, do CPP.

90. Em conclusão e síntese:

(i) a matéria invocada nos recursos, relativa à violação dos princípios da livre apreciação da prova e dos princípios, associados, de presunção de inocência e do in dubio pro reo, reporta, reconhecidamente, tão-apenas à decisão levada, nas instâncias, sobre matéria de facto, cujo conhecimento está eximido aos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça (artigo 434.º, do CPP);

(ii) outro tanto vale no que respeita à alegada verificação dos vícios elencados no n.º 2 do artigo 410.º, do CPP, de que o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode conhecer, por si e de ofício, quando constate, à evidencia, um daqueles piáculos, que inviabilize uma correcta decisão sobre as questões de direito que lhe são submetidas, operando o consequente reenvio do processo para novo julgamento;

(iii) por outro lado, saliente-se, a limitação dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça ao (exclusivo) reexame da matéria de direito (artigo 434.º, do CPP), não consente a reabertura da discussão sobre a decisão levada, nesse particular, pelo acórdão da Relação, para tanto competente (artigo 428.º, do CPP), esgotado que se mostra o grau de recurso para tanto estabelecido;

(iv) uma vez julgado provado que um dos arguidos agarrou a vítima, pelo pescoço, colocando a cabeça deste debaixo da sua axila e que, nessa posição, os três arguidos o socaram na cabeça, causando-lhe lesões que determinaram, poucas horas depois, a morte, o Tribunal de 1.ª instância não podia concluir, à luz das mais elementares regras da experiência (que ditam, designadamente, que sucessivas e reiteradas, violentas, agressões a murro sobre a cabeça de indivíduo, imobilizado, são susceptíveis de lhe causar lesões que fazem perigar a vida da vítima), como concluiu, que os arguidos não representaram a possibilidade de as agressões provocarem perigo para a vida do FF;

(v) tal conclusão evidenciava uma clara incompatibilidade com a comprovada conduta dos arguidos;

(vi) ao Tribunal da Relação, recorrido, cumpria, pois, reparar o julgado, como reparou (por via da invocada coincidência entre a verificação de um erro de julgamento da matéria de facto e da sanação do vício de erro notório na apreciação da prova), em deciso que não suscita qualquer discordância;

(vii) o crime agravado pelo resultado deve ser entendido não como o crime preterintencional, em que o resultado agravante se soma à conduta base, exigindo-se ainda uma conduta base dolosa, a criação dolosa de um perigo de verificação de um resultado agravante, e a negligência relativamente a um resultado agravante, seja um crime de aptidão consumada – dado que a conduta base cria não só um resultado, como gera o perigo de outro resultado, do passo em que a conduta base é apta para a criação daquele perigo, aptidão esta confirmada na efectiva produção (negligente) do resultado agravante, que mais não é que a materialização do perigo criado;

(viii) verificam-se as condições agravativas prevista no disposto nos artigos 144.º, alínea d), 145.º n.º 1 alínea c) e 2 e 132.º n.º 2 alínea h), do CP, quando o crime de ofensas corporais, agravado pela morte da vítima, resulta de uma agressão, motivada pelo facto de a vítima, na zona dos bares ........, ter derrubado um copo de cerveja que atingiu a namorada de um dos arguidos, levada por este e pelos co-arguidos, a um ponto extremo de punição e violência não pode deixar de relevar-se no âmbito da comprovação de uma maior eficácia da acção e da consequente maior dificuldade de defesa em que se coloca a vítima, como foi o caso, ademais com os murros desferidos, sucessiva e repetidamente, pelos arguidos sobre a cabeça da vítima manietada, imobilizada sob a axila de um dos agressores, a revelar falta de escrúpulo no abuso da posição ascendente conferida pela força da acção grupal sobre uma vítima isolada, o que não pode deixar de considerar-se relevante no ponto da verificação da especial censurabilidade da conduta dos arguidos;

(ix) figurando-se particularmente ponderosas as razões de prevenção geral, devem relevar-se os factores atenuativos julgados provados, de que resulta, quanto a todos os arguidos, uma primariedade que indicia um agir delitivo ocasional, fortes laços de integração familiar, social e profissional, a que não pode deixar de adir-se seja a atitude de contrição manifestada, seja o facto de irem decorridos mais de quatro anos sobre a ocorrência delitiva, encontrando-se os arguidos em liberdade, o que indiciará, sem olvido da gravidade da conduta e a da imperecível dor que a morte da vítima (e nas circunstâncias em que ocorreu) causou, nos seus pais, familiares e no seu círculo convivial, uma atenuação da sensibilidade comunitária relativamente às exigências de aplicação de penas detentivas;

(x) tudo ponderado e sopesado, afigura-se que, na moldura abstracta aplicável, de 3 a 12 anos de prisão, a pena, relativamente a cada um dos arguidos, deve concretizar-se na medida de 5 anos de prisão, não se vendo razões, designadamente em face da conjunção delitiva, mesmo da idade de cada um, para distinguir as penas concretas aplicadas;

(xi) a concretização, no caso, de penas de suspensão da execução da pena de prisão, nos termos prevenidos, maxime, no art. 50.º do CP, face à redacção introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, é de acolher, desde logo pela inverificação de particulares razões de prevenção especial, podendo concluir-se, a partir da indiciada ocasionalidade da conduta e dos relevantes factores de inserção familiar, social e laboral de que todos os arguidos beneficiam, que simples ameaça de execução da pena será suficiente para afastar os arguidos da criminalidade, com o que se figura consistente a formulação do pretextado juízo de prognose favorável, seja em atenção ao trajecto vital dos arguidos, ponderando-se que uma pena de prisão, suspensa na sua execução, mediante regime de prova e garantias reparatórias (no possível da reparação), responde com adequado vigor, ao sentimento de justiça, mas também de esperança, da comunidade. 

III

91. Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se:

a) conceder provimento parcial aos recursos interpostos pelos arguidos, tão-apenas no ponto em que se reduz a pena de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão, estabelecida no Tribunal da Relação, recorrido, à pena de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, mediante regime de prova (a estabelecer em 1.ª instância) e a sujeição de cada um dos arguidos a pagar aos demandantes, em cada seis meses a contar do trânsito em julgado, a quantia de cinco mil euros, ao longo do período da suspensão, por conta da indemnização fixada nas instâncias, ou garantir tal pagamento por meio de caução idónea, disso fazendo prova nos autos – no mais se confirmando o decidido;

b) não caber tributação.

Lisboa, 11 de Fevereiro de 2020

António Clemente Lima (Relator)

Margarida Blasco (Adjunta)

Manuel Joaquim Braz (Presidente da Secção)