Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
366/13.2TNLSB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA E PRAZO DE PRESCRIÇÃO
PRORROGAÇÃO DO PRAZO (ART. 327º
Nº 3
DO CC)
IMPUTABILIDADE DO MOTIVO
MOROSIDADE EXCESSIVA DA DECISÃO
INDEMNIZAÇÃO PELO DIREITO À VIDA
LITISCONSÓRCIO VOLUNTÁRIO
Data do Acordão: 12/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA. NEGADA A AMPLIAÇÃO DO RECURSO
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PRESCRIÇÃO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL ( POR FACTOS ILÍCITOS ).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - INSTÂNCIA / EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA.
Doutrina:
- Ana F. Morais Antunes, “Algumas questões sobre prescrição e caducidade”, em Estudos em Homenagem ao Prof. Sérvulo Correia, vol. III, 54, 55, 57; Prescrição e Caducidade, 2.ª ed., 347.
- Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. II, 275.
- Antunes Varela, “Código Civil”, Anotado, anotação ao artigo 327.º.
- Ary Elias da Costa, “Código de Processo Civil” Anotado, vol. III, 584.
- Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil” Anotado, vol. I, 561.
- Vaz Serra Trabalhos Preparatórios do “Código Civil” de 1966, B.M.J., 106.º, 248, 257.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 2.º, N.º 1, 320.º, N.º 1, IN FINE, 323.º, N.ºS 1 E 2, 327.º, N.ºS 2 E 3, 496.º, N.º2, 498.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 102.º, N.º 1, 103.º, 510º, Nº 1, AL. A).
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC)/2013: - ARTIGO 279.º, N.º2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 20.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 21-10-93, C.J./S.T.J., TOMO III, 79,
-DE 21-6-95, EM WWW.DGSI.PT .
- DE 15-4-97, EM WWW.DGSI.PT E NA C.J./S.T.J., TOMO II, 42, DE 23-3-95, NA C.J./S.T.J., TOMO I, 230, E DE 16-1-02, PROC. N.º 2989/01, DA 3.ª SECÇÃO.
-DE 6-5-03, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 14-1-06 E DE 27-10-16, EM WWW.DGSI.PT
-DE 30-6-11, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 16-2-12, EM WWW.DGSI.PT , COM CITAÇÃO DE OUTROS ARESTOS, DESIGNADAMENTE DO AC. DO S.T.J., DE 6-5-03.
-DE 16-2-12, C.J./S.T.J., TOMO I, 80.
-DE 16-6-15, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 14-1-16, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I. Declarada a absolvição da instância, a contagem do prazo de prescrição inicia-se a partir da data da sua interrupção na acção. Mas quando a mesma “não for imputável” ao titular do direito e o prazo de prescrição tenha entretanto terminado, é concedida ao autor uma prorrogação de 2 meses a contar do trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância (art. 327º, nº 3, do CC).

II. O requisito da “não imputabilidade” de que depende a prorrogação do prazo não se reporta exclusivamente ao motivo da absolvição da instância, implicando também com as razões que determinaram que prazo de prescrição se esgotasse antes de ser proferida essa decisão.

III. Não é imputável ao autor que pretende o reconhecimento do direito de indemnização submetido a um prazo de prescrição de 3 anos (art. 498º, nº 1, do CC) o facto de a excepção dilatória de incompetência em razão da matéria ter sido apreciada apenas quando já haviam decorrido 15 anos desde a data da interposição da acção.

IV. Sendo a referida excepção dilatória de conhecimento oficioso e podendo ser apreciada mesmo avulsamente, antes do despacho saneador, o decurso do prazo de prescrição sem que a decisão tivesse sido proferida é de imputar ao Tribunal Judicial. Por isso, é de considerar tempestiva a segunda acção que, com o mesmo objecto da anterior, foi interposta 28 dias depois do trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância.

V. O art. 496º, nº 2, do CC, ao prever que a indemnização devida pela morte de alguém é atribuída, “em conjunto”, aos familiares do falecido identificados em tal preceito, não implica uma situação de litisconsórcio necessário e é compatível com a actuação de cada um dos interessados, ainda que restrita à respectiva quota-parte nessa indemnização.

VI. Ao filho do falecido é reconhecida legitimidade activa para a interposição da acção de indemnização em que, para além da invocação de danos próprios decorrentes da morte do seu progenitor, de natureza patrimonial e não patrimonial, invoca também o seu direito à indemnização devida pela morte do progenitor e pelos danos morais que este sofreu antes do óbito.

Decisão Texto Integral:
I - AA instaurou acção declarativa contra

BB,

CC,

DD,

EE,

FF - Comércio de Mariscos, Lda,

GG, SA,

HH, SA,

II - Companhia de Seguros, SA, e

JJ - Comp. de Seguros, SA (agora KK - Comp. de Seguros, SA),

pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 100.000,00 pelo dano decorrente da morte do seu falecido pai no naufrágio do navio de pesca “LL”, € 25.000,00 por danos não patrimoniais que precederam a morte, € 50.000,00 por danos não patrimoniais do A. motivados pela morte do seu pai e € 200.000,00 por danos patrimoniais do A. pela perda de rendimentos a partir de então, tudo com juros de mora.

Em contestação foi invocada a preterição de litisconsórcio necessário activo e a prescrição, nos termos do art. 498º, nº 1, do CC. Aquela, com fundamento em que o direito de indemnização pela perda do direito à vida e pelos danos não patrimoniais do pai do A. apenas pode ser exercido com intervenção de todos os herdeiros, faltando, no caso, a mãe do A. e viúva do falecido. A excepção de prescrição fundada no facto de o naufrágio do navio ter ocorrido em 4-12-91. Tendo a primeira acção sido interposta apenas em 24-11-97, a mesma veio a terminar por decisão de absolvição da instância, com fundamento na incompetência material do Tribunal imputável ao A. Esta decisão transitou em julgado em 31-5-13, de modo que o prazo de prescrição começou a correr desde a data da sua interrupção naquela acção e encontrava-se esgotado quando foi interposta a presente acção.

Em resposta o A. pronunciou-se pela improcedência da excepção de preterição de litisconsórcio necessário activo, argumentando que litiga em nome próprio para fazer valer os seus direitos. E quanto à excepção de prescrição alegou que inicialmente foi deduzido pedido de indemnização cível no processo-crime, a que se sucedeu, depois do arquivamento deste, a instauração de uma acção na 1ª Vara Cível de Lisboa. Tendo sido declarada a absolvição da instância nessa acção, o A. interpôs esta segunda acção no Trib. Marítimo de Lisboa em prazo que permite a invocação da extensão prevista no art. 279º, nº 2, do CPC.

No despacho saneador foi julgada procedente a excepção de ilegitimidade activa, por preterição de litisconsórcio necessário quanto aos pedidos de indemnização relativos ao dano-morte e danos não patrimoniais do falecido. Foi ainda julgada procedente a excepção de prescrição, sendo os RR. absolvidos quando aos demais pedidos.

Tendo o A. interposto recurso de apelação, a Relação revogou a decisão da 1ª instância na parte em que julgou procedente a excepção de preterição de litisconsórcio necessário activo, considerando o A. parte legítima relativamente a todos os pedidos. Já quanto à prescrição confirmou a decisão que a julgara procedente.

O A. interpôs recurso de revista excepcional na parte em que foi considerada verificada a excepção de prescrição do direito de indemnização, concluindo essencialmente que:

- A matéria da responsabilidade civil extracontratual que integra a presente acção não cabe em qualquer das previsões que definem a competência do Tribunal Marítimo;

- Não houve qualquer lapso do A. quando intentou a primeira acção no Tribunal Cível numa altura em que ainda não haviam sido testadas as normas sobre a competência material do Tribunal Marítimo;

- Não tem base legal o acórdão que retirou ao A. o benefício da interrupção da prescrição com fundamento na alegada responsabilidade na escolha do Tribunal;

- Foi feita errada aplicação do art. 113º, nº 1, da LOSJ, do art. 279º, nº 2, do CPC, e do art. 20º, nº 4, da CRP.

Foram apresentadas contra-alegações, e a R. II ampliou o objecto do recurso de revista pretendendo que se declare a ilegitimidade activa, por preterição de litisconsórcio necessário activo no que concerne ao pedido de pagamento de indemnização pelo dano-morte e pelo sofrimento da vítima antes de morrer.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.


II – Matéria de facto apurada pelas instâncias:

a) Em 4-12-91, ocorreu o naufrágio e afundamento do navio LL com 30 pessoas a bordo, incluindo o pai do A.;

b) Em 14-11-95, o A. (representado pela sua mãe) deduziu pedido de indemnização cível no processo-crime nº 3.583/91, relacionado com aquele naufrágio, que correu termos no 4º Juízo do Trib. de Instrução Criminal de Lisboa.

c) Em 23-8-96, foi preferida decisão instrutória nesse processo-crime, arquivando-o (confirmado por acórdão da Relação de 7-5-97 – fls. 375 e segs.).

d) Em 24-11-97, o A. (representado pela sua mãe) interpôs contra os RR. acção indemnizatória na 10ª Vara Cível de Lisboa, a qual correu termos sob o nº 19.931/97;

e) Os RR. foram citados em ambos os processos;

f) Por sentença datada de 16-1-13, proferida no último processo, foi declarada a incompetência em razão da matéria do Trib. Cível de Lisboa e absolvidos os RR. da instância;

g) Por acórdão de 14-5-13, transitado em julgado em 31-5-13, a Relação de Lisboa confirmou a decisão da 1ª instância;

h) Em 28-6-13, o A. propôs a presente acção.


III – Decidindo:

1. Quanto à prescrição do direito de indemnização:

1.1. Importa, antes de mais, consolidar os elementos de facto e de direito que relevam para efeitos de apreciação da questão essencial em torno da prescrição do direito de indemnização, conjugada com a absolvição da instância declarada na anterior acção.

Através da presente acção o A. veio invocar um direito de indemnização decorrente do óbito do seu pai ocorrido em 4-12-1991 aquando do naufrágio e afundamento do navio de pesca LL, onde seguia.

Tal remete-nos para o instituto da responsabilidade civil extracontratual e para o prazo prescricional previsto no art. 498º, nº 1, do CC, do qual decorre que, em princípio, tal direito deveria ser exercido no prazo de 3 anos a contar da data em que o lesado dele teve conhecimento (nº 1).

Porém, os factos que envolveram o naufrágio determinaram a abertura de um procedimento criminal, de modo que, enquanto este se manteve pendente, o prazo de prescrição relevante equivaleria ao prazo de prescrição do procedimento criminal, 10 anos, atenta a natureza do crime investigado (art. 117º, nº 1, als. b) e c), do Cód. Penal de 1982).

Releva ainda o facto de, no âmbito do referido procedimento criminal, a mãe do A., por si e em representação deste, ter sido deduzido, em 14-11-1995, pedido cível, o qual, depois de ter sido notificado aos ora RR., determinou a interrupção do prazo prescricional em curso (art. 323º, nº 1, do CC).

Em tal procedimento criminal foi proferida decisão de arquivamento, a partir da qual se iniciou novo prazo prescricional, agora de 3 anos, considerando que, a partir de então, o direito do A. ficou submetido exclusivamente ao regime previsto no art. 498º, nº 1, do CC.

Foi ainda dentro deste novo prazo de 3 anos que a mãe do A., por si e em representação deste, instaurou nos Tribunais Cíveis de Lisboa, em 24-11-97, uma acção de indemnização.

Por decisão de 16-1-2013 (ao fim de 15 anos!), confirmada pela Relação em 14-5-2013, com trânsito em julgado em 31-5-2013, foi declarada a absolvição da instância em tal acção com fundamento na incompetência material do Tribunal Cível, por se considerar competente o Tribunal Marítimo de Lisboa.


1.2. Para além de o A. ser menor (teria 4 anos de idade quando ocorreu o acidente em 4-12-91) e de, assim, lhe ser aplicável a tutela especial prevista no art. 320º, nº 1, in fine, do CC, os antecedentes processuais enunciados nunca permitiriam que se considerasse prescrito o direito de indemnização aquando foi interposta a primeira acção, em 24-11-97.

Tendo em conta a data em que a primeira acção foi instaurada, o prazo de prescrição de 3 anos que na altura estava em curso foi interrompido no 5º dia posterior, ou seja, em 29-11-97, atento o disposto no art. 323º, nº 2, do CC.

Desde esta última data até à instauração da presente acção (28-6-2013) foi largamente excedido o prazo de 3 anos previsto no art. 498º, nº 1 do CC, sendo caso para verificar se o direito de indemnização invocado pelo A. se deve considerar extinto.

As instâncias assim o consideraram, mas cremos que a análise mais aprofundada das diversas circunstâncias que emergem e do regime jurídico da prescrição extintiva, associada a decisões de absolvição da instância, determina o resultado inverso.

O facto de a apreciação definitiva da excepção dilatória de incompetência material (31-5-2013) ter ocorrido passados 15 anos(!) depois de o prazo de prescrição ter sido interrompido na primeira acção (29-11-1997) leva-nos a julgar improcedente a excepção de prescrição.

É este o resultado pretendido pelo A. ora recorrente e que, ainda que com uma motivação jurídica não coincidente com a que invocou nas alegações, acabará por ser concedido no final de uma mais completa fundamentação.


1.3. Conforme a regra geral do nº 2 do art. 327º do CC, terminando por decisão de absolvição da instância a acção através da qual se pretende exercitar um direito, o prazo de prescrição não se renova, sendo antes contabilizado a partir da data da sua interrupção em tal acção.

Todavia, a gravidade de tal efeito extintivo derivado de razões de ordem adjectiva levou o legislador a prever uma prorrogação do prazo por mais dois meses, nos casos em que a absolvição da instância no período que decorreu desde a interrupção do prazo na acção seja determinada por “motivo processual não imputável ao titular do direito” (nº 3 do art. 327º).

Este preceito não coincide com o art. 279º, nº 2, do CPC, nos termos do qual, “sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova acção for intentada ou o réu citado para ela dentro doe 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância”.

Resulta desta norma que, independentemente do motivo que deu causa à absolvição da instância, esta não afecta certos efeitos civis derivados da propositura da acção ou da citação do réu, desde que o autor instaure nova acção no prazo de 30 dias.

Diverge tal regime do que consta do art. 327º, nº 3, do CC (e também do art. 331º, nº 1, do CC, a respeito da caducidade), essencialmente em dois pontos:

a) Nos casos abarcados pelo art. 279º, nº 2, do CPC, o ónus de interposição da nova acção deve ser exercido no prazo de 30 dias, ao passo que no art. 327º, nº 3, do CC, se prevê um prazo de 2 meses;

b) Para efeitos do art. 279º, nº 2, do CPC, a faculdade concedida ao titular do direito não está condicionada pela não imputabilidade da absolvição da instância, ao passo que nos termos do nº 3 do art. 327º do CC a extensão do prazo é condicionada pelo facto de a absolvição da instância, depois de findar o prazo de prescrição, não ser imputável ao titular do direito.


1.4. Para alguns autores, a ressalva feita no nº 2 do art. 279º do CPC relativamente ao que a lei civil dispõe acerca da prescrição e da caducidade tem como resultado a exclusão de qualquer destas excepções peremptórias do âmbito de aplicação daquela norma. Concretamente, no que concerne à prescrição, assevera-se que o art. 327º, nº 3, do CC, foi introduzido para substituir o regime que resultava da aplicação da regra geral do art. 289º, nº 2, do CPC de 1961, norma que, sem limitação quanto aos efeitos civis, concedia ao autor a faculdade de interpor nova acção num prazo suplementar de 30 dias.

É esta a tese defendida por Anselmo de Castro, para quem o âmbito de aplicação do art. 289º, nº 2 do CPC de 1961 (actual art. 279º, nº 2, do CPC) se reporta aos demais efeitos civis derivados da propositura da acção ou da citação do réu: à cessação da boa fé do possuidor (art. 564º, al. a), do actual CPC), à constituição do devedor em mora (art. 805º, nº 2, do CC) e à inibição do réu de instaurar nova acção (art. 564º, al. c), do actual CPC). Conclui, então, que os efeitos civis conexos com a caducidade e a prescrição, respectivamente associados à instauração da primeira acção e à citação do réu para essa acção, são regidos exclusivamente pelos arts. 327º e 332º do CC (Direito Processual Civil Declaratório, vol. II, pág. 275).

Também assim Antunes Varela, na anot. ao art. 327º, nº 3, do CC, para quem o regime da prescrição contido em tal preceito veio substituir o que resultava da primitiva redacção do art. 289º (actual art. 279º) do CPC de 1961. Outrossim Ary Elias da Costa (CPC anot. vol. III, pág. 584) quando refere que, “quanto à caducidade e à prescrição, há que atender ao que a lei civil estipula a tal respeito, que prevalece; quanto aos outros possíveis efeitos, regula o disposto no nº 2 deste artigo” (agora, o art. 279º do CPC).

Lebre de Freitas sustenta que o nº 2 do art. 279º do CPC não prejudica os arts. 327º, nº 3, e 332º, nº 1, do CC, “aos quais se adiciona, e aplica-se seja ou não imputável ao autor o motivo da absolvição da instância” (CPC anot., vol. I, pág. 561). Para este autor, os efeitos civis em geral, sem exclusão dos que respeitam à interrupção da prescrição ou ao impedimento da caducidade, manter-se-ão, desde que o autor instaure nova acção no prazo de 30 dias previsto no art. 279º, nº 2, do CPC, independentemente de a absolvição da instância ser ou não imputável ao autor. Em acumulação com essa possibilidade, defende que, para efeitos de prescrição ou de caducidade, a nova acção pode ainda ser instaurada no prazo de dois meses, quando o motivo da absolvição da instância não seja de imputar ao autor (art. 327º, nº 3, do CC).

No campo jurisprudencial a abordagem da questão revela uma prevalência da primeira tese, como o demonstra o Ac. do STJ, de 16-2-12 (www.dgsi.pt), com citação de outros arestos, designadamente do Ac. do STJ, de 6-5-03.

Também assim o Ac. do STJ, de 16-6-15 (www.dgsi.pt), ainda que a respeito da caducidade do direito. Sustentado nos elementos histórico, literal e racional, conclui que esta excepção peremptória é regulada pelo disposto no art. 332º, nº 1, do CC (tal como seria regulada pelo art. 327º, nº 3, do CC, se estivesse em causa a prescrição), não relevando o que consta do art. 279º, nº 2, do CPC.

Não se torna fácil dirimir a divergência doutrinal, pois nenhuma das teses é imediatamente afastada pela letra do nº 2 do art. 279º do CC, cujo segmento “sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade …” tanto pode significar uma limitação do regime jurídico relativamente a esses específicos efeitos civis, como pode servir para sustentar a concorrência de regimes, com aplicação casuística daquele que se revele mais favorável ao autor. E seria mais favorável ao autor a aplicação do art. 279º, nº 2, do CPC, na medida em que admite que, independentemente da imputabilidade da absolvição da instância, o titular do direito pode interpor nova acção em 30 dias.

Mas, sem embargo de se reter a prevalência da primeira tese na jurisprudência deste Supremo Tribunal, consideramos que não é necessário tomar posição específica sobre a polémica, na medida em que outros argumentos se conjugam para a improcedência da excepção de prescrição.

Com efeito, posto que se considere, de harmonia com a referida corrente jurisprudencial e com a maioria da doutrina, que a regulação da prescrição em face da decisão de absolvição da instância é resolvida exclusivamente pela norma do art. 327º, nº 3, do CC, centrado na não imputabilidade da absolvição da instância, no caso presente as circunstâncias acabam por confluir para a verificação desse pressuposto legal.


1.5. Prevê o art. 327º, nº 3, do CC, que se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância e o prazo de prescrição (interrompido com a citação do réu, nos termos do art. 323º, nº 1, do CC, ou no 5º dia posterior à instauração da acção, nos termos do art. 323º, nº 2) tiver entretanto terminado, a prescrição não se considera completada antes de findarem dois meses sobre o trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância.

Uma leitura menos atenta do preceito pode levar a afirmar que a imputabilidade a que alude está exclusivamente conexa com o fundamento processual que esteve na génese da absolvição da instância, desligando-o das demais circunstâncias que tenham determinado nessa acção o esgotamento do prazo de prescrição.

Não é esta a melhor interpretação. A não imputabilidade de que a lei faz depender o prolongamento do prazo prescricional (ou, na perspectiva inversa, a imputabilidade que impede a invocação do prolongamento do prazo) não se refere simplesmente ao fundamento (“motivo processual”) determinante da absolvição da instância, alargando-se às demais circunstâncias que levaram ao esgotamento do prazo de prescrição durante a pendência da acção, entre o acto de interrupção e o trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância.

A prorrogação do prazo de prescrição por mais dois meses que é de conferir ao titular do direito não se reporta exclusivamente aos casos em que o “motivo” de absolvição da instância não seja causalmente imputável ao incumprimento de dever de diligência por parte do titular do direito, devendo ainda ser associado ao modo como se processou a tramitação processual e que levou a que, entretanto, o prazo de prescrição viesse a extinguir-se. Não sendo de imputar ao titular do direito os efeitos da demora na prolação da decisão formal, não se justifica que lhe seja vedada a possibilidade de intentar nova acção já regularizada quanto ao motivo da absolvição da instância, num prazo que a lei fixou em 2 meses após o trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância.


1.6. A aplicação do preceituado no art. 327º, nº 3, do CC, está centrada no segmento normativo respeitante à “não imputabilidade”, conceito indeterminado que deverá ser casuisticamente preenchido a partir de um critério que pondere os deveres de diligência da parte no preenchimento dos requisitos formais da instância e relativamente à tramitação processual, desde a interposição da acção.

Mostra-se especialmente relevante a análise dos casos que vêm sendo decididos neste Supremo Tribunal de Justiça. Ainda que circunscrita ao motivo gerador da absolvição da instância, a jurisprudência deste Supremo revela a prevalência de um entendimento no sentido de que a aferição do “motivo processual não imputável ao titular do direito” deve alicerçar-se essencialmente numa ideia de culpa, no sentido de uma actuação merecedora de reprovação ou de censura do titular do direito sujeito a prazos de prescrição ou de caducidade (Ac. do STJ, de 16-6-15, www.dgsi.pt).

Ideia que também é exposta nos Acs. do STJ, de 14-1-06 e de 27-10-16 (www.dgsi.pt), onde se aponta para a diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso.

Em concreto, já se decidiu neste Supremo Tribunal de Justiça ser imputável ao A. a absolvição da instância decorrente da ineptidão da petição inicial que constitui uma excepção dilatória (Ac. do STJ, de 21-10-93, CJSTJ, tomo III, pág. 79), a preterição de litisconsórcio necessário passivo numa acção de preferência (Ac. de 16-6-15, www.dgsi.pt) ou a desistência da instância, a que foram atribuídos efeitos similares ao da absolvição da instância (Ac. do STJ, 16-2-12, na CJSTJ, tomo I, pág. 80).

Com similitude relativamente ao caso sub judice, sustentou-se a mesma conclusão num caso que redundou no indeferimento liminar, por verificação da excepção dilatória de incompetência material (Ac. de 21-6-95, www.dgsi.pt). E com maior paralelismo em face da concreta situação, foi precisamente a partir da verificação da violação da regra de competência material do Tribunal do Comércio que no Ac. de 6-5-03 (www.dgsi.pt) se afirmou que era de imputar ao autor a absolvição da instância, não lhe aproveitando a extensão do prazo prescricional prevista no nº 3 do art. 327º do CC.

Em contraponto também já considerou que não era imputável ao autor a absolvição da instância devida à falta de junção de contrato de arrendamento escrito, apesar das diligências que efectuara no sentido de obter tal documento (Ac. do STJ, de 30-6-11, www.dgsi.pt) ou na sequência da adopção de um determinado entendimento acerca da personalidade judiciária do condomínio sujeita a divergências jurisprudenciais (Ac. do STJ, de 14-1-16, www.dgsi.pt).

A exclusividade da imputabilidade ao autor do efeito da absolvição da instância é afirmada por Ana F. Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, 2ª ed., pág. 347, referindo que a extensão do prazo deve ser impedida quando o efeito de absolvição da instância assentar, de modo exclusivo, numa conduta errónea do titular do direito.

Problemática que a mesma autora desenvolve com mais pormenor no artigo intitulado “Algumas questões sobre prescrição e caducidade”, em Estudos em Homenagem ao Prof. Sérvulo Correia, vol. III, onde defende que “a dilação do efeito interruptivo da prescrição depende da ausência de um comportamento do titular do direito susceptível de ser objecto de um juízo de censura”, o que exige “mais do que um mero nexo de causalidade material entre o facto praticado pelo titular do direito e a decisão de absolvição da instância” (pág. 54). A partir da consideração de que a solução legal do prolongamento dos efeitos da interrupção da prescrição não pode desligar-se das “circunstâncias processuais a que o titular do direito será alheio”, propugna, como nos parece mais razoável, que é preciso que o desfecho do processo não se funde numa atitude processual culposa por parte do titular do direito (pág. 55), como já assinalara Vaz Serra. Conclui a mesma autora que “se o propósito do legislador não fosse o de penalizar apenas as condutas processuais assentes em erro grosseiro, ou pelo menos censurável, ficaria prejudicada a operatividade daquela norma”, de modo que para que a mesma “seja dotada de conteúdo útil, será necessário apelar a um critério que permita esclarecer e destrinçar as situações em que não é justificável dilatar a interrupção da prescrição daquelas em que a extinção do processo não se funde num acto imputável ao titular do direito” (pág. 57).

A mesma ideia perpassa pelas considerações que Vaz Serra formulou no âmbito dos Trabalhos Preparatórios do CC de 1966, onde refere que a razão da eficácia permanente da interrupção do prazo decorrente da citação para a acção, nos termos dos arts. 323º, nº 1, e 327º, nº 1, do CC, tem subjacente a ideia de que é dado “início a um processo, durante o qual pode admitir-se que o titular não está inactivo e deve, assim, manter-se a eficácia da interrupção” (BMJ, 106º, pág. 248).


1.7. Para Anselmo de Castro será difícil “o caso em que seguramente possa dizer-se que a absolvição da instância não seja imputável ao autor” (Direito Processual Civil Declaratório, vol. II, pág. 275).

Não nos parece que seja esta a linha de entendimento que deve ser observada e, em concreto, não cremos que possa fundar-se numa consideração tão genérica a afirmação da imputabilidade ao autor da errada escolha do Tribunal a que se dirigiu na primeira acção. Cautelas que, aliás, também foram ponderadas por Vaz Serra precisamente ao abordar a questão da absolvição da instância com fundamento na incompetência material do Tribunal (BMJ 106º, pág. 257).

No que concerne ao pressuposto da competência material, nem sempre é imediata a sua percepção, como o revela a significativa taxa de conflitos de competência ou de jurisdição suscitados sempre que ocorrem modificações na organização judiciária.

Em 24-11-97, vigorava o art. 70º da Lei nº 38/87, de 23-12 (reproduzindo, aliás, o art. 4º da Lei nº 35/86, de 4-9, que procedera à criação do Tribunal Marítimo de Lisboa, entretanto já instalado), nos termos do qual competia a este Tribunal “conhecer, em matéria cível, das questões relativas a … indemnizações devidas por danos causados ou sofridos por navios, embarcações e outros engenhos flutuantes, ou resultantes da sua utilização marítima, nos termos gerais de direito” (al. a) ou a “contratos de seguro de navios, embarcações e outros engenhos flutuantes destinados ao uso marítimo” (al. f)).

Ora, nessa primeira acção, tal como na presente, eram diversos os sujeitos demandados, não havendo identidade quanto aos fundamentos da responsabilidade que aos mesmos era imputada.

Relativamente a alguns dos Réus a conexão com o Tribunal Marítimo era imediata, não suscitando aquele preceito dúvidas sérias relativamente à competência material, como sucedia com as RR. FF e GG (e respectiva Seguradora), atenta a sua qualidade de armadoras, cuja responsabilidade era directamente associada aos “danos causados ou sofridos por navios” de que eram detentoras.([1])

Porém, já o mesmo grau de segurança não existia, na ocasião e mesmo agora, quando aos demais demandados (o falecido marido da 1ª R., os RR. CC, DD, EE, HH e respectiva Seguradora), cuja imputação da responsabilidade não decorria da titularidade do navio, mas antes da intervenção em operações que precederam a verificação das condições técnicas necessárias para que fosse colocado a navegar. Assim, a sua conexão com os danos provocados pelo naufrágio do navio é apenas indirecta, resultando do incumprimento de deveres de diligência profissional situados a montante do sinistro.

Esta a primeira advertência quanto a uma precipitada conclusão acerca da imputabilidade do erro na escolha do Tribunal materialmente competente. Tendo em atenção a multiplicidade de sujeitos passivos e a diversidade dos fundamentos em que assentava a imputação da responsabilidade civil extracontratual a alguns dos RR. coligados, em 1997, quando foi interposta a primeira acção, não era tão segura, como o afirmado pelas instâncias, a tarefa de identificação do Tribunal materialmente competente em relação à globalidade dos sujeitos passivos.


1.8. Mas o argumento crucial para inverter a solução decretada pelas instâncias até pode dispensar a “não imputabilidade” ao A. do motivo que esteve na base da absolvição da instância. Independentemente da amplitude e da responsabilidade referente ao erro na identificação do Tribunal materialmente competente ou da imputação desse erro à representante legal do A. (enquanto foi de menoridade) ou a este (depois de atingir a maioridade), não é nesse evento fortuito que se centra a causa real do decurso do prazo de prescrição que se reiniciara depois da propositura da acção, em 1997.

Começaremos por evidenciar um motivo subjectivo que não foi ponderado pelas instâncias.

O A., aquando da interposição da primeira acção era menor, motivo pelo qual esteve legalmente representado pela sua mãe e co-autora. Assim, embora aquele poder de representação legal do menor abarcasse também o dever de diligência quanto à escolha do Tribunal materialmente competente para a instauração da acção, o erro nessa identificação nunca se poderia reflectir na esfera jurídica do A. antes de perfazer 19 anos de idade (um ano após a maioridade), nos termos do art. 320º, nº 1, do CC.

Ora, se acaso o A. (ou melhor, a sua representante legal) tivesse sido confrontado com uma decisão de absolvição da instância antes de atingir a maioridade (em 2004), disporia ainda da possibilidade de, até ao fim do ano subsequente (2005), interpor nova acção sem qualquer condicionalismo legal e sem correr o risco - que agora enfrentou - de se debater com a prescrição ou com as dificuldades de ultrapassar os requisitos que o art. 327º, nº 3, do CC, coloca à prorrogação do prazo de prescrição.

Tal não sucedeu, o que objectivamente privou o A. de poder renovar a sua pretensão indemnizatória ao abrigo daquele mecanismo especial de tutela de direitos dos incapazes.

Refere Antunes Varela, à margem do art. 327º, nº 3, do CC, que este preceito só tem interesse prático “em relação às prescrições de curto prazo. Desde que a citação produz os seus efeitos interruptivos e se começa a contar novo prazo, é difícil que até à absolvição da instância decorra um novo prazo de 20 anos ou até de 5” (CC anot, art. 327º).

Difícil seria, como disse, mas o certo é que, no caso concreto, foi superado quer o prazo que seria razoável para a apreciação de uma questão tão singela, quer o prazo prescricional de 3 anos previsto para o direito de indemnização invocado pelo A.


1.9. Qualquer consideração que possa ser feita em torno da problemática da prescrição, associada aos efeitos da absolvição da instância e à verificação do condicionalismo da prorrogação do prazo, jamais pode deixar de ponderar, por um lado, a natureza instrumental do processo civil, que deve estar ao serviço do direito substantivo e, por outro, a razão que preside à fixação de um prazo para o exercício de direitos, incluindo as regras sobre a interrupção que vigoram na pendência de um processo judicial.

O A. exerceu o seu direito, posto que errando na instância judiciária, e ficou à espera de uma resposta que, no entanto, apenas lhe foi apresentada volvidos 15 anos. Renovando a sua pretensão com a interposição da presente acção no Tribunal inequivocamente competente, recebe deste e da Relação uma resposta ainda mais gravosa que, a ser confirmada por este Supremo, significaria pura e simplesmente que estava extinto o seu direito, constituído em 1991, por que clama desde 1995 e em cujo reconhecimento insistiu em 1997.

E extinto porquê? Porque o A. cometera aquele erro fatal de se ter equivocado na porta a que deveria ter batido para obter o reconhecimento do seu direito, de modo que (qual “pecado original”) arrostaria com a extinção do seu alegado direito, ainda que, como é por demais evidente, aquele erro formal pudesse ter sido remediado a tempo, se a tempo o Tribunal Cível tivesse decidido a questão processual, em lugar de uma inércia que perdurou 15 anos.

Uma tal solução, encontrando, porventura, algum apoio formal na letra do art. 327º, nº 3, do CC, passaria para segundo plano aquilo que salta aos olhos de qualquer observador, ou seja, o inadmissível arrastamento de um processo judicial, em que apenas se pedia uma decisão sobre um aspecto de ordem processual resolúvel mediante a simples apreciação dos elementos que já constariam dos autos, acabaria, afinal, por se virar contra o próprio A., penalizando-o acrescidamente com a extinção do seu direito material.

Aos efeitos negativos da morosidade relativamente ao exercício do direito de acção através do anterior processo somar-se-iam, agora, os efeitos negativos de uma decisão que colocaria um ponto final na sua pretensão indemnizatória por via da prescrição extintiva.

O que ressaltaria do complexo processual com que nos defrontamos assemelhar-se-ia a uma situação de venire contra factum proprium, em que o A., alegado titular de um direito que pretende ver reconhecido, acabaria por ser confrontado com a inviabilidade dessa apreciação fundamentalmente por via do funcionamento (ou melhor, do não funcionamento) dos mecanismos processuais que não eram da sua responsabilidade e que apenas são de imputar ao próprio Tribunal onde foi instaurada a acção.


1.10. Do bloco normativo respeitante à prescrição de direitos decorre que o regime foi edificado (e deve ser interpretado) no sentido de penalizar a inércia do titular do direito nos casos em que a demora lhe seja imputável. Assim o demonstram, por exemplo, os arts. 306º, 1ª parte (início da contagem do prazo), 323, nº 2, 1ª parte (imputabilidade da demora do acto interruptivo), ou 327º, nºs 2 e 3 (imputabilidade da absolvição da instância) (cfr. Vaz Serra, BMJ 106º, pág. 248).

Mas decorre também do mesmo regime que essa penalização não deverá aplicar-se quando a demora na exercitação do direito ou na tramitação da acção seja devida a outras razões objectivas ou imputável a outrem. É o que designadamente emerge dos arts. 306º, nº 2 e 3 (protelamento do início de contagem do prazo), 318º a 321º (suspensão do prazo), 323º, nº 2, 2ª parte (interrupção do prazo), 327º, nº 1 (desconsideração da demora decorrente da tramitação processual), ou 327º, nº 3 (não imputabilidade dos motivos e dos efeitos da absolvição da instância).

Estamos perante um instituto com diversas particularidades legais que nos permitem a afirmação do princípio de que é ilegítimo penalizar o titular do direito quando a demora na tramitação e no reconhecimento da sua pretensão não lhe seja causalmente imputável, designadamente por ser o resultado de mecanismos processuais que não estavam sob o seu directo controlo.

Sem embargo da quota-parte de responsabilidade que decorra do exercício de ónus ou de deveres processuais que recaiam sobre a parte que vem a juízo, nada do que esteja relacionado com a direcção efectiva do processo (art. 6º do CPC), com a tramitação processual, com a celeridade ou com a oportunidade das decisões judiciais (arts. 152º e 156º do CPC) lhe pertence, sendo ao juiz que cabe o papel determinante na dinamização dos autos, com vista à prolação de uma decisão célere (de preferência sobre o mérito da causa), e a quem cumpre em exclusivo a responsabilidade pela prolação da decisão.

Ora, o A., representado pela sua mãe, fez uma primeira tentativa no sentido de lhe ser reconhecido o direito de indemnização (pedido cível anexo ao procedimento criminal), a qual foi gorada por motivos atinentes às regras do processo criminal. Fez uma segunda tentativa cujo resultado formal (declaração de incompetência material) apenas foi conhecido após 15 anos, em manifesta violação do direito a uma decisão em prazo razoável previsto no art. 20º da CRP e no art. 2º, nº 1, do CPC.

A ausência de uma decisão de absolvição da instância antes de esgotado o prazo prescricional de 3 anos previsto no art. 498º, nº 1, do CC, não encontra nas regras do processo ou nos elementos dos autos qualquer justificação.

É completamente destituído de razão o atraso que se verificou na prolação de uma decisão que se traduzia simplesmente na aferição da competência material do Tribunal Cível em face da causa de pedir e da pretensão expostas na petição inicial, a um tal ponto que se acaso tivesse sido outro o ritmo a que tal acção foi sujeito, ou seja, se a absolvição da instância tivesse sido decretada num período razoável, sempre ao A. ficaria aberta a possibilidade de instaurar esta segunda acção sem o risco de ser confrontado, como veio a ser, com a alegação da prescrição contabilizada desde a data da interrupção na primeira acção.

Por isso, ainda que porventura se pudesse concluir que o motivo de absolvição da instância declarada na primeira acção era de imputar ao A. (ou mais correctamente à sua mãe, co-Autora e representante legal), não se encontram motivos que permitam assacar-lhe a demora verificada na declaração da incompetência material do Tribunal Cível cuja responsabilidade era exclusiva do Tribunal.


1.11. Tendo a acção sido instaurada em 24-11-97, depois de a representante do A. ter sido notificada do despacho de arquivamento do processo-crime, no âmbito do qual fora deduzido em 14-11-95 pedido cível, se acaso o despacho saneador tivesse sido proferido com a oportunidade e tempestividade exigível, teria sido objectivamente possível ao A. instaurar nova acção, através da sua representante legal, ou por si, até ao final do primeiro ano após a sua maioridade, a tempo de evitar a prescrição.

Vejamos:

a) Suposta a excepção dilatória de incompetência material do Tribunal Cível para a apreciação da primeira acção, sem embargo da sua arguição por parte dos RR. na contestação, a mesma era de conhecimento oficioso (art. 102º, nº 1, do anterior CPC, que na ocasião era aplicável).

b) Considerando o relevo que é atribuído a um tal pressuposto processual objectivo, a apreciação oficiosa da excepção poderia – e deveria – ter sido feita em qualquer estado do processo, mesmo avulsamente antes do despacho saneador (arts. 102º, nº 1, e 103º do anterior CPC).

c) Ainda que porventura não tivesse havido oportunidade para tal (em face da ausência de despacho liminar e do facto de o primeiro contacto do juiz com o processo ocorrer, em regra, depois de finda a fase dos articulados), tal excepção não poderia deixar de ser apreciada no despacho saneador (art. 510º, nº 1, al. a), do anterior CPC).

d) Essa apreciação teria por base essencialmente os fundamentos de facto alinhados na petição inicial, uma vez que, como é jurisprudência e doutrina uniforme, a competência material do Tribunal afere-se pela causa de pedir e pedido formulado, não dependendo da averiguação dos factos que se revelem controvertidos.

Neste contexto, parece a todos os título ilegítimo que, agora, junto do Tribunal inequivocamente competente e habilitado para apreciar o seu direito, lhe seja negada a apreciação efectiva e definitiva do seu direito sob o pretexto de que o A. (ou, melhor, a sua mãe e representante legal) não fora diligente naquela segunda tentativa!

Se, como seria expectável e razoável, a excepção da incompetência material do Tribunal tivesse sido decidida em tempo razoável contado a partir da data em que foi instaurada a primeira acção, isto é antes (muito antes, aliás) de o A. atingir a maioridade ou de se esgotar o prazo suplementar específico previsto no art. 320º, nº 1, in fine, do CC, sempre o A. poderia ter beneficiado da possibilidade de instaurar esta segunda acção, sem necessitar de invocar sequer a extensão geral que decorre do art. 327º, nº 3, do CC.

Numa acção que foi instaurada em 24-1-97 não é aceitável que uma questão de natureza processual tenha sido protelada por um período tempo que quintuplicou o prazo de prescrição a que o direito de indemnização estava sujeito.

Argumentos que tornam ainda mais visível a inadequação de uma resposta formal assente unicamente no erro na escolha do Tribunal materialmente competente, sem ponderação dos verdadeiros motivos que estiveram na génese do esgotamento do prazo de prescrição antes de ter sido proferida a decisão de absolvição da instância ao fim de um penoso período de 15 anos.

Um erro “táctico”, ainda assim advindo da representante legal, não pode comprometer a “estratégia”, desde o início delineada e depois confirmada, no sentido de obter o reconhecimento do direito de indemnização, quando, afinal, o efeito pretendido foi essencialmente prejudicado pela demora da instituição judiciária a que o titular do direito se dirigiu.


1.12. O dever de diligência processual é de duplo sentido. Tanto incide sobre as partes, designadamente quanto ao preenchimento dos pressupostos processuais e cumprimento dos ónus que influem na tramitação processual, como recai sobre as instâncias judiciárias (ou sobre o sistema de Administração da Justiça) quando se trata de zelar pela tramitação das acções de modo a que as respectivas decisões sejam proferidas em tempo razoável (art. 2º, nº 1, do anterior CPC, e art. 20º da CRP)

Nesta perspectiva, que não deve ser de modo algum desconsiderada quando se trata de extrair do art. 327º, nº 3, do CC, as respectivas consequências legais, a mesma diligência que era exigível do A. (ou da sua representante legal) no que concerne à determinação do Tribunal materialmente competente para a acção era aplicar ao Tribunal Cível onde a acção foi proposta e se encontrava a aguardar uma decisão meramente formal em torno da verificação da correspondente excepção dilatória.

O que nos permite concluir que, embora tenha sido o erro da identificação do Tribunal materialmente competente que formalmente esteve na génese da absolvição da instância, independentemente da imputação subjectiva desse erro, o posterior esgotamento do prazo de prescrição não encontra nele a sua causa adequada, sendo as consequências da absolvição da instância determinadas essencialmente pela injustificada (e injustificável) demora na actuação do Tribunal Cível.

Tendo o A. suportado já – e de que maneira! – os efeitos da demora na tramitação da anterior acção, seria de todo irrazoável que agora fosse confrontado com a extinção do mesmo direito de indemnização que além estava em discussão, por via de uma prescrição que verdadeiramente apenas pode ser imputada àquela demora excessiva na tramitação processual.

Seria verdadeiramente desproporcionado e irrazoável que, em face do que se dispõe no art. 327º, nº 3, do CC, cujo elemento subjectivo ligado à imputabilidade tem como pressuposto o regular funcionamento dos mecanismos processuais e a tramitação das acções em obediência ao ritmo e aos prazos legalmente fixados para a prática dos actos, o A., que esperou 15 anos pela prolação de uma decisão formal, tivesse como resposta a prescrição do seu direito de indemnização que apenas diferidamente está relacionada com o erro na determinação do Tribunal materialmente competente.

Numa acção instaurada em 1997, na qual apenas ao fim de 15 anos foi proferida uma decisão relacionada com um pressuposto processual objectivo cuja aferição apenas dependia do confronto entre a petição inicial e a norma delimitadora da competência material, fica bem evidenciada a imputação – ao menos objectiva – dessa demora à instituição judiciária, devendo ser desvalorizada a actuação pontual do titular do direito no início da instância processual.

Verificando-se a existência de um nexo causal entre essa demora – excessiva, irrazoável, injustificada – e o esgotamento do prazo prescricional, não pode deixar de ser conferida ao A. a possibilidade de se aproveitar, como aproveitou, da prorrogação do prazo prevista no art. 327º, nº 3, do CC. 

Improcede, por isso, a prescrição invocada pelos RR.


2. Quanto à preterição de litisconsórcio necessário activo:

2.1. A 1ª instância considerou verificada a excepção de ilegitimidade do A. no que concerne ao pedido de indemnização respeitante ao dano-morte e ao sofrimento do pai do A. antes de morrer. Já a Relação considerou que essa excepção se não verificava, não sendo necessária a intervenção litisconsorcial de todos os interessados nessas indemnizações.

A R. II, em sede de ampliação do objecto do recurso de revista, insiste na verificação da excepção de preterição de litisconsórcio necessário activo.


2.2. Nos termos do art. 496º, nº 2, do CC, a indemnização pelo dano morte (a que pode ainda adicionar-se a indemnização pelos danos sofridos pela vítima antes de falecer) é concedida conjuntamente e de forma sucessiva aos grupos de familiares aí identificados.

Há quem extraia desta formulação legal uma situação de litisconsórcio necessário. Outros, pelo contrário, identificam nela uma mera regra de direito material que não obsta a que cada um dos interessados faça valer a sua quota-parte de forma individualizada. Esta divisão é visível na jurisprudência deste Supremo Tribunal.

Na jurisprudência deste Supremo Tribunal prevalece a tese que nega o litisconsórcio necessário activo (Acs. do STJ, de 15-4-97, em www.dgsi.pt e na CJSTJ, tomo II, pág. 42, de 23-3-95, na CJSTJ, tomo I, pág. 230, e de 16-1-02, Proc. nº 2989/01, da 3ª Secção).


2.3. O preceituado no nº 2 do art. 496º do CC não representa uma situação de litisconsórcio necessário activo, antes constitui uma norma que atribui a indemnização, de forma escalonada, a um conjunto de interessados, de acordo com o grau de parentesco considerado relevante.

Abstraindo da natureza jurídica da indemnização pela perda da vida, como direito próprio da vítima que se transmite para os familiares identificados ou como direito que se constitui directamente na esfera dos familiares em consequência da morte, o legislador assumiu naquele preceito, de forma autónoma e fora do quadro do direito sucessório, uma determinada regra atributiva e distributiva da indemnização.

Ora, tal não colide com a possibilidade de ser reclamada por cada um dos sujeitos a quota-parte da indemnização que lhe caiba, matéria que se integra no mérito da pretensão e que não colide com a legitimidade activa.

No que concerne à indemnização pela morte do pai do A. e aos danos morais precedentes, a pretensão do A. é restrita à que lhe respeitar em consequência da aplicação do art. 496º, nº 2, do CC, tendo em conta que existirá ainda outra interessada, a sua mãe, que não figura na presente acção.

Com esta clarificação, para além de não estarmos perante uma situação de preterição de litisconsórcio necessário activo, o facto de o A. peticionar a indemnização pelo direito à vida do seu pai sem estar acompanhado da mulher da vítima e mãe do A. não se reconduz a uma situação de ilegitimidade processual, antes a uma questão de mérito que será decidida oportunamente consoante as regras do art. 496º do CC.


IV – Face ao exposto, acorda-se em:

a) Julgar improcedente a ampliação do objecto do recurso deduzida pela R. II, confirmando o acórdão da Relação na parte em que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade activa por preterição de litisconsórcio necessário, sendo reconhecida ao A. a legitimidade para a dedução da pretensão indemnizatória, na parte que lhe corresponda, em relação à morte do seu pai e aos danos que a precederam;

b) Julgar procedente a revista interposta pelo A., revogando-se o acórdão da Relação e considerando improcedente a excepção peremptória de prescrição do direito de indemnização;

c) Consequentemente determina-se o prosseguimento dos autos.

Custas da revista a cargo dos RR.

Notifique.

Lisboa, 7-12-16


Abrantes Geraldes (Relator)

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo

___________________

[1] O ora relator, enquanto juiz do Tribunal Marítimo de Lisboa, proferiu em 28-6-1999 sentença de mérito numa outra acção que, com a mesma causa de pedir, foi instaurada por MM (por si e enquanto sucessora de NN, na sequência de habilitação) contra as sociedades FF - Comércio de Marisco, Ldª (ora demandada) e OO, Ldª.