Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
60/16.2YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: MANUEL BRAZ
Descritores: TRABALHO IGUAL SALÁRIO IGUAL
ACUMULAÇÃO DE FUNÇÕES
TRABALHO SUPLEMENTAR
RETRIBUIÇÃO
AJUDAS DE CUSTO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
ISENÇÃO DE CUSTAS
JUIZ
RECURSO CONTENCIOSO
DELIBERAÇÃO DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO
Data do Acordão: 02/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO CONTENCIOSO
Decisão: NEGADO O RECURSO
Área Temática:
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - ESTATUTOS PROFISSIONAIS / MAGISTRADOS JUDICIAIS.
Doutrina:
Legislação Nacional:
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 59º, Nº 1, ALÍNEA A).
ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGO 17.º, N.º 1, AL. H).
LEI N.º 62/2013, DE 26-08, QUE APROVOU A LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO (LOSJ): - ARTIGO 87.º, N.ºS 1 E 2, 187.º.
REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS (RCP): - ARTIGO 4.º, N.º 1, AL. C).
Legislação Comunitária:
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 15/12/2011, PROCESSO Nº 70/11.6YFLSB, E DE 10/11/2011, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 31/11.5YFLSB.
Sumário :

I - A interpretação da expressão “confere apenas” contida no n.º 2 do art. 87.º da LOSJ (cujo art.º 187.º revogou expressamente a LOFTJ) implica, inequivocamente, que o juiz que exerça funções em mais de uma secção da mesma comarca somente tenha jus a receber as correspondentes ajudas de custo e ao reembolso das despesas de deslocação e não qualquer retribuição suplementar.
II - O n.º 1 do art. 87.º da LOSJ exige que o CSM pondere as necessidades do serviço e o volume processual existente, o que implicará que se tenha em atenção o volume de serviço que o juiz tem a seu cargo na secção em que se acha colocado e, no caso de ser determinado o exercício de funções em mais do que uma secção da mesma comarca, se delimite o serviço que ficará a seu cargo na nova secção, de forma a obter a possível igualização do trabalho entre os vários juízes.
III - Não tendo a recorrente a seu cargo a totalidade do serviço nas duas instâncias locais da mesma comarca onde, por algum tempo, desempenhou funções por determinação do CSM (tendo, inclusive, lhe sido retirada uma parte muito relevante do serviço da secção de que era titular), é de concluir que, enquanto essa situação durou, aquela não teve, sob a sua responsabilidade, um maior volume de serviço do que qualquer outro juiz que exercesse funções numa só secção da mesma espécie, razão pela qual a interpretação do n.º 2 do art. 87.º da LOSJ referida em I não é inconstitucional face ao princípio previsto na alínea a) do n.º 1 do art. 59.º da CRP.
IV - A isenção de custas a que se refere a alínea c) do n.º 1 do art. 4.º do RCP e a alínea h) do n.º 1 do artigo 17.º do EMJ não abrange as impugnações de deliberações do CSM que versem sobre questões remuneratórias.
Decisão Texto Integral:

                       Acordam na secção de contencioso do Supremo Tribunal de Justiça:

           AA, juíza ..., interpôs, ao abrigo dos artºs 168º e seguintes do EMJ, aprovado pela Lei nº 21/85, de 30 de Julho, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura que julgou improcedente a sua pretensão de que lhe fosse processada remuneração suplementar que lhe seria devida por haver assegurado o serviço de juíza de outra instância em acumulação com o serviço da instância em que se encontrava colocada, concluindo e pedindo nos termos que se transcrevem:

           «A) No ano judicial de 2015/2016, a ora recorrente ficou colocada na Instância Local de ..., com início em Setembro de 2015.

B) Desde o dia 01.12.2015 até Julho de 2016, a recorrente assegurou o serviço urgente e o serviço não urgente da Instância Local de ..., em acumulação com o serviço da Instância Local de ....

C) A recorrente não recebeu qualquer remuneração suplementar pela situação de acumulação de serviço.

D) Por tal acréscimo de trabalho é devida remuneração suplementar, nunca inferior a 2/5 da remuneração auferida pela recorrente (índice 135).

E) A Lei 62/2013, de 26.08, não teve a virtualidade de revogar as normas constantes dos arts. 68º e 69º da LOFTJ, razão pela qual deverá ser fixada remuneração suplementar nos termos supra referidos.

F) Caso assim não se entenda, a interpretação do art. 87º, n° 2, da LOSJ [aprovada pela Lei nº 62/2013, de 26.08], no sentido de que, a contrario, não é admissível o pagamento de remuneração suplementar em caso de acumulação de serviço, é inconstitucional por violação frontal do disposto no art. 1º, 2°, 13º e 59º da Constituição da República Portuguesa, o que se invoca, desde já, nos termos e para os devidos efeitos legais.

G) Este juízo de inconstitucionalidade determinará a desaplicação da norma constante do art. 87º, nº 2, da LOSJ, determinando, consequentemente, a repristinação das normas anteriormente em vigor [arts. 68º e 69º da LOFTJ] no sentido de ser devida retribuição suplementar pela situação de acumulação de funções.

Nestes termos, pelo exposto, dando provimento ao presente recurso e revogando a decisão recorrida, substituindo-a por outra que fixe à ora recorrente uma retribuição suplementar não inferior a 2/5 do vencimento da ora recorrente (índice 135), cumprirão V. Exas. a Constituição e a Lei, fazendo, assim, JUSTIÇA».

Na resposta a que se refere o artº 174º do EMJ, o CSM disse, em conclusão:

«Por tudo o exposto, e sem prejuízo da superior apreciação dos Venerandos Juízes Conselheiros desse Supremo Tribunal de Justiça, conclui o recorrido:

a) Após 1 de Setembro de 2014, o exercício de funções por um juiz em mais de uma secção da mesma comarca confere apenas direito a ajudas de custo e ao reembolso das despesas de transporte em função das necessidades de deslocação nos termos da lei geral, pelo que a atribuição de remuneração pela acumulação não é possível, por contrariar lei expressa nos termos do artigo 87º, nº 2 da LOSJ;

b) No exercício da função administrativa, o CSM não pode afastar o disposto no artigo 87º, nº 2 da LOSJ com fundamento na sua incompatibilidade com a Constituição, devendo aplicá-lo até que o legislador o revogue ou modifique, um tribunal recuse a sua aplicação perante uma controvérsia concreta (e apenas nesse caso singular) ou o Tribunal Constitucional o declare inconstitucional com força obrigatória geral.

Termos em que se conclui que deverá ser julgado improcedente o presente recurso contencioso, sem prejuízo do que vier a ser doutamente decidido em sede de recurso de constitucionalidade».

A recorrente e o recorrido apresentaram alegações nos termos que se transcrevem:

A recorrente:

«É com convicção que a recorrente reitera o teor do recurso interposto perante este Supremo Tribunal.

De facto,

No ano judicial de 2015/2016, a ora recorrente ficou colocada na Instância Local de ..., com início do exercício das suas funções no mês de Setembro de 2015.

Desde o dia 1 de Dezembro de 2015 até final do mês de Julho de 2016, a recorrente assegurou o serviço urgente e o serviço não urgente da Instância Local de ..., em acumulação com o serviço da Instância Local de ....

A recorrente não recebeu qualquer remuneração suplementar pela situação de acumulação de serviço antes descrita.

Por tal acréscimo de trabalho é devida remuneração suplementar, a qual nunca deverá ser inferior a 2/5 da remuneração auferida pela recorrente (índice 135).

A Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto, não teve a virtualidade de revogar as normas constantes dos artigos 68º e 69º da LOFTJ, razão pela qual deverá ser fixada remuneração suplementar nos termos supra referidos.

Caso assim não se entenda, a interpretação do artigo 87º, nº 2 da LOSJ (aprovada pela Lei nº 62/2013, de 26.08), no sentido de que, a contrario, não é admissível o pagamento de remuneração suplementar em caso de acumulação de serviço, é inconstitucional por violação frontal do disposto no artigo 1º, 2º,13º e 59º da Constituição da República Portuguesa, o que se invoca, desde já, nos termos e para os devidos efeitos legais.

Este juízo de inconstitucionalidade determinará a recusa de aplicação da norma constante do artigo 87º, nº 2 da LOSJ, obrigando, consequentemente, a operar a repristinação das normas anteriormente em vigor (artigo 68º e 69º da LOFTJ), no sentido de ser devida retribuição suplementar pela situação de acumulação de funções.

Como decorre do teor da resposta apresentada pelo Conselho Superior da Magistratura, a recusa da aplicação de uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade compete aos tribunais, pelo que se requer a este Supremo Tribunal que, repondo a conformidade à Constituição, desaplique a norma em crise nos presentes autos e fixe a remuneração da ora recorrente em valor não inferior a 2/5 da sua remuneração (índice 135),

Assim se fazendo a tão esperada JUSTIÇA».

O recorrido:

«1. A recorrente interpôs recurso contencioso da deliberação do Conselho Superior da Magistratura, adoptada no Plenário em 14 de Junho de 2016, que considerou improcedente a reclamação apresentada contra a decisão proferida pelo Senhor Juiz Secretário do Conselho Superior da Magistratura que não lhe tinha reconhecido o direito à remuneração decorrente do exercício simultâneo de funções em duas secções da mesma comarca.

2. Mais concretamente, por referência ao exercício de funções pela recorrente nas Secções de Instância Local do ... e de Instância Local da mesma comarca de ..., durante o período compreendido entre 1 de Dezembro de 2015 e 15 de Julho de 2016, a deliberação recorrida entendeu que o percebimento da remuneração correspondente a essa acumulação de serviço não estava legalmente previsto, tendo para o efeito aplicado a norma constante do art. 87°, n° 2, da LOSJ, aprovada pela Lei n° 62/2013, de 26 de Agosto.

3. Mais se entendeu na deliberação recorrida - porque oportunamente suscitado pela então ainda reclamante - que está vedado ao CSM não aplicar a referida norma legal com fundamento na respectiva inconstitucionalidade material - nomeadamente por eventual violação do disposto nos artigos 1°, 2°, 13° e 59°, da Constituição - pois não cabe às entidades administrativas desobedecer à lei com fundamento na sua incompatibilidade com a Constituição.

4. A recorrente impugnou a deliberação em apreço com os seguintes fundamentos subsidiários entre si:

a) No caso concreto, não obstante a entrada em vigor da LOSJ, aprovada pela Lei n° 62/2013, de 26 de Agosto, a questão da remuneração do exercício simultâneo de funções em duas secções da mesma comarca continua a ser regulada pelas normas constantes dos artigos 68° e 69° da anterior LOFTJ, aprovada pela Lei n° 3/99, de 13 de Janeiro, das quais decorre expressamente o direito a uma remuneração suplementar;

b) Se assim não se entender, a norma constante do art. 87°, n° 2, da LOSJ, aprovada pela Lei n° 62/2013, de 26 de Agosto, interpretada com o sentido de que o exercício de funções em mais de uma secção da mesma comarca não confere o direito a uma remuneração suplementar, é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 1°, 2°, 13° e 59° da Constituição da República Portuguesa.

5. O CSM respondeu oportunamente que deverá ser julgado improcedente o presente recurso contencioso, sem prejuízo do que vier a ser doutamente decidido em sede de recurso de constitucionalidade.

6. Notificada, nos termos e para os efeitos previstos no art. 176°, do EMJ, a recorrente apresentou alegações reiterando integralmente os aludidos fundamentos.

7. Nesta parte, o CSM dá aqui por reproduzida a resposta que apresentou ao recurso em apreço, não tendo a recorrente logrado apresentar nas suas alegações qualquer novo argumento que sustente a sua pretensão ou que infirme o sustentado pelo CSM.

8. Na parte referente à alegação de inconstitucionalidade do art. 87°, n° 2, da LOSJ, aprovada pela Lei n° 62/2013, de 26 de Agosto, o CSM dá igualmente por reproduzida a resposta que apresentou ao recurso em apreço, não tendo a  recorrente logrado apresentar nas suas alegações qualquer novo argumento que sustente a sua pretensão ou que infirme o sustentado pelo CSM.

9. Concluindo pela improcedência do recurso nos seguintes termos:

(…)

Por tudo o exposto, e sem prejuízo da Superior apreciação dos Venerandos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, conclui o recorrido:

a) Após 1 de Setembro de 2014, o exercício de funções por um juiz em mais de uma secção da mesma comarca confere apenas direito a ajudas de custo e ao reembolso das despesas de transporte em função das necessidades de deslocação nos termos da lei geral, pelo que a atribuição de remuneração pela acumulação não é possível, por contrariar lei expressa nos termos do artigo 87°, n° 2 da LOSJ;

b) No exercício da função administrativa, o CSM não pode afastar o disposto no artigo 87°, n° 2 da LOSJ com fundamento na sua incompatibilidade com a Constituição, devendo aplicá-lo até que o legislador o revogue ou modifique, um tribunal recuse a sua aplicação perante uma controvérsia concreta (e apenas nesse caso singular) ou o Tribunal Constitucional o declare inconstitucional com força obrigatória geral.

Termos em que se conclui que deverá ser julgado improcedente o presente recurso contencioso, sem prejuízo do que vier a ser doutamente decidido em sede de recurso de constitucionalidade».

Apresentou ainda alegações o MP, pronunciando-se pela inaplicabilidade ao caso das normas da Lei 3/99, por este diploma haver sido revogado pela Lei nº 62/2013, e pela não inconstitucionalidade do nº 2 do artº 87º deste diploma, ao prever que o exercício de funções de um juiz em mais de uma secção da mesma comarca confere apenas o direito a ajudas de custo e ao reembolso das despesas de deslocação, devendo, em consequência, improceder o recurso.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação:

Os factos:

1. No ano judicial de 2015/2016, a recorrente esteve colocada na instância local do ..., secção de competência genérica, do Tribunal Judicial da comarca de ....

2. Com o fundamento de que a juíza colocada na instância local genérica de ... do mesmo tribunal ficaria de baixa médica de 01/12/2015 a 15/12/2015, entrando a partir desta última data em licença de maternidade, estando-se por isso perante uma ausência do serviço de longa duração, o juiz presidente do tribunal, por despacho de 01/12/2015, designou a recorrente “para assegurar o serviço” da instância local de ..., secção de competência genérica, em acumulação com o seu serviço”, o que a recorrente passou a fazer até 20/01/2016.

3. Nessa data, após homologação pelo CSM de proposta que lhe apresentara nesse sentido, o juiz presidente proferiu novo despacho, ditando a seguinte distribuição de serviço no que se refere às instâncias locais do ... e de ...

a) as juízas da secção cível da instância local de ... assegurariam a tramitação dos processos cíveis (de acordo com o critério da estatística) não urgentes da instância local de ..., com excepção das respectivas diligências e julgamentos;

b) a recorrente, enquanto juíza da instância local do ..., asseguraria “a tramitação dos demais processos da instância local de ..., “bem como as diligências e julgamentos de todos os processos da mesma” instância local;

c) a juíza da instância local de ... asseguraria “a tramitação, diligências e julgamentos de todos os processos cíveis (de acordo com o critério mencionado”) da instância local do ...;

d) esta distribuição de serviço teria início no dia 25/01/2016, segunda-feira.

4. Nesse despacho esclareceu-se ser “adequado” que, nos processos da instância local de ... em que as juízas da secção cível da instância local de ... tivessem intervenção e devesse haver lugar a julgamento ou diligências, fosse a requerente a proceder ao respectivo agendamento, por lhe competir a realização desses actos.

5. A recorrente exerceu funções nos termos referidos, não recebendo qualquer remuneração suplementar por via do serviço prestado na instância local de ....

O direito:

1. Com vista à procedência do seu pedido, a recorrente argumenta assim: A Lei nº 62/2013 “não teve a virtualidade de revogar as normas constantes dos artºs 68º e 69º” da Lei nº 3/99, que prevêem a remuneração da acumulação de funções, pelo que com base nessas disposições deve ser-lhe fixada uma remuneração suplementar pelo tempo em que, em acumulação com as funções exercidas na secção do Redondo, prestou serviço na secção de ...; se assim não se entender, deverá considerar-se inconstitucional, por violação dos artºs 1º, 2º, 13º e 59º da Constituição, o nº 2 do artº 87º da Lei nº 62/2013, interpretado no sentido de não ser devida remuneração no caso de acumulação de funções em outra secção diferente daquela em que o juiz se encontra colocado, desaplicando-o e aplicando, por repristinação, aquelas disposições da Lei nº 3/99.

O primeiro raciocínio da recorrente é claramente insustentável, não podendo haver quaisquer dúvidas de que a Lei nº 62/2013 revogou a Lei nº 3/99. Na verdade, sob a epígrafe Norma revogatória, estabelece o artº 187º daquele diploma: «São revogados: a) …; b) a Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro …».

A presente situação rege-se, pois, pela Lei nº 62/2014, em vigor desde 01/09/2014, sendo que no seu artº 87º se estabelece:

1 – Para além dos casos previstos na lei, o Conselho Superior da Magistratura pode, sob proposta do juiz presidente do tribunal de comarca, determinar que um juiz exerça funções em mais de uma secção da mesma comarca, respeitando o princípio da especialização dos magistrados, ponderadas as necessidades do serviço e o volume processual existente.

2 – O exercício de funções a que alude o número anterior confere apenas direito a ajudas de custo e ao reembolso das despesas de transporte em função das necessidades de deslocação nos termos da lei geral.

Este nº 2 é unívoco, não admitindo outra interpretação que não seja a de que o exercício de funções em mais de uma secção da mesma comarca não confere o direito a remuneração suplementar. O uso do inciso confere apenas delimita inequivocamente o universo dos valores que podem ser recebidos pelo juiz que exerça funções em mais de uma secção da mesma comarca. Esse exercício não lhe confere direito a mais do que ajudas de custo e reembolso das despesas de deslocação.

Pretende a recorrente que a norma, nesta interpretação é inconstitucional, por violação dos artºs 1º, 2º, 13º e 59º da Constituição.

Não diz, porém, de que modo ou por que via essa interpretação violaria os dois primeiros preceitos, nem qual o segmento de cada um com que conflituaria, pelo que nesta parte não vem suscitada qualquer verdadeira questão de constitucionalidade.

O artº 13º da Constituição não merece da parte da recorrente qualquer reflexão autónoma, sendo invocado no contexto do artº 59º, nº 1, alínea a), aparentemente como princípio geral de que esta última norma será uma afirmação no âmbito especial dos direitos dos trabalhadores.

É o seguinte o texto do artº 59º, nº 1, alínea a), da Constituição: «Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito: À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna».

Defende a recorrente que deste princípio para trabalho igual salário igual decorre a proibição de remunerar de modo igual trabalho diferente (quantitativamente), sendo essa a sua situação enquanto exerceu funções em duas secções da Comarca de ... [secção de competência genérica da instância local do ... e secção de competência genérica da instância local de ...]. Concretizando, diz que “durante um período de oito meses, assegurou o dobro do volume processual atribuído, em virtude da situação de acumulação, permanecendo a auferir o montante que sempre seria pago pela atribuição de funções exclusivas no tribunal onde exerce funções como juiz titular (IL do ...)”, o que contraria “os mais basilares  princípios que subjazem à fixação de justa retribuição, colocando a ora recorrente em situação de desigualdade para com os demais juízes que, exercendo funções apenas num tribunal, auferem a mesma exacta quantia que a ora recorrente”.

Há alguma falta de rigor nesta alegação. Em primeiro lugar, fala do tribunal onde exercia funções, referindo-se ao ..., que é apenas uma instância local do Tribunal da comarca de ..., tal como é .... Em segundo lugar, está longe de ser exacta a afirmação de que durante 8 meses teve o dobro do serviço do que teria se tivesse exercido funções apenas na instância local do ..., na medida em que, a partir de 25/01/2016, não teve a seu cargo a totalidade do serviço das instâncias locais do ... e de .... Efectivamente, as juízas da instância local de ... estavam incumbidas de uma parte do serviço respeitante aos processos cíveis não urgentes de ... [facto 3 a)], e uma parte do serviço do ... foi atribuída à juíza da instância local de ... [facto 3 c)]. Se é certo que a parte do serviço de ... que ficou a cargo das juízas da instância local de ... era residual, o mesmo não se pode dizer da parte do serviço do ... atribuído à juíza da instância local de ...: “tramitação, diligências e julgamentos de todos os processos cíveis”.

E não se vê onde está a alegada desigualdade da recorrente relativamente a outros juízes.

À luz do artº 87º da Lei nº 62/2013, a possibilidade de o CSM, sob proposta do presidente do tribunal, determinar que um juiz exerça funções em mais de uma secção da mesma comarca abrange o universo de todos os juízes, uma vez que no actual modelo de organização judiciária, em que a base territorial de cada tribunal de comarca foi grandemente alargada, todos os tribunais se desdobram em instâncias centrais e locais e essas instâncias integram várias secções. E se é verdade que, enquanto uns juízes exercem funções em mais de uma secção (da mesma comarca), outros há que exercem funções só na secção onde foram colocados em movimento judicial, sem que isso determine diferença de remuneração, desse facto, só por si, não resulta desigualdade, em face do factor de correcção previsto na parte final do nº 1 do artº 87º: A decisão do CSM de determinar que um juiz exerça funções em mais de uma secção da mesma comarca exige ponderação das necessidades do serviço e do volume processual existente. Significa isso que o volume de serviço que um juiz tem a seu cargo na secção em que foi colocado pesará na decisão do CSM de determinar ou não que esse juiz passe a acumular funções noutra secção da mesma comarca e, no caso de determinar, na delimitação do serviço que ficará a seu cargo na nova secção, tudo por forma a conseguir-se a possível igualização entre os vários juízes. É esse esforço de igualização que se detecta na situação presente, em que o serviço das instâncias locais do ... e de ... foi distribuído pela recorrente e pelas juízas das instâncias locais de ... e de .... O facto de a recorrente exercer simultaneamente funções nas secções de competência genérica das instâncias locais do ... e de ... não significa que, enquanto essa situação durou, ela teve a seu cargo maior volume de serviço do que qualquer outro juiz que exerceu funções numa só secção da mesma espécie. Até porque, como se viu, durante a maior parte do período de acumulação, a recorrente viu ser-lhe retirada uma parte muito relevante do serviço da secção de que era titular.

Não se mostra, assim, que o nº 2 do artº 87º da Lei nº 62/2013, interpretado no sentido de que o exercício de funções por parte de um juiz em mais de uma secção da mesma comarca não lhe confere direito a remuneração suplementar, viole as normas constitucionais apontadas pela recorrente.

2. Na parte final do seu requerimento de interposição do recurso, a recorrente afirma estar isenta de custas, nos termos dos artºs 4º, nº 1, alínea c), do RCP e 17º, nº 1, alínea h), do EMJ.

Não tem, porém, razão. Como este Supremo Tribunal vem decidindo, essa isenção não se aplica a processos em que o próprio magistrado vem impugnar deliberações do CSM relativas à sua prestação laboral que, designadamente, versem sobre questões de retribuição (cf., por exemplo, acórdãos de 15/12/2011, proferido no processo nº 70/11.6YFLSB, e de 10/11/2011, proferido no processo nº 31/11.5YFLSB).

Decisão:

Em face do exposto, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça decidem negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.

                                   Lisboa, 22 de Fevereiro de 2017

Manuel Braz (Relator) - Gabriel Catarino - Tavares de Paiva - Pires da Graça - Ana Luísa Geraldes - Pinto de Almeida - Silva Gonçalves - Sebastião Póvoas (Presidente da Secção)