Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B2028
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PERÍCIA
PERITO
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PROVA
PROVA PERICIAL
VALOR PROBATÓRIO
MATÉRIA DE FACTO
FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: SJ200709270020287
Data do Acordão: 09/27/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. Não cabe no âmbito dos recurso de revista analisar a apreciação que as instâncias fizeram quanto à prova pericial produzida nos autos, por sujeita à regra da livre apreciação da prova;
2 . Por se tratar de um meio de prova que, em regra, exige conhecimentos especiais, técnicos, científicos ou de outra natureza, que se não espera que o julgador tenha, é que a lei faz várias exigências destinadas a permitir o seu controlo racional, quer pelo juiz, quer pelas partes;
3. A lei impõe ao tribunal o dever de fundamentar a decisão da matéria de facto, seja qual for o meio de prova utilizado;
4. O princípio da livre apreciação da prova não contende com o dever de fundamentação das decisões judiciais, aliás judicialmente imposto (artigo 205º da Constituição).
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1. Em 24 de Fevereiro de 2000, a Administração do Condomínio do Prédio nº ... a ... da Praça Rainha D. Amélia, freguesia do Bonfim, Porto, e AA, proprietário de uma fracção autónoma do mesmo, instauraram no Tribunal Cível da Comarca do Porto contra Construções Empresa-A, Lda., uma acção na qual pediram que a ré fosse “considerada única e principal culpada pelas (…) graves deficiências e vícios de construção detectados no prédio” que construíra e vendera e “condenada a fazer por sua conta as obras necessárias e efectivas de reparação” ou, “em alternativa, a ser condenada ao pagamento aos autores”, nas “qualidades em que intervêm”, “de uma indemnização de valor correspondente ao custo das obras necessárias, sendo tal custo a liquidar em execução de sentença”.
A ré contestou, por impugnação e por excepção.
Foi proferido despacho saneador do qual, na parte em que indeferiu a excepção de ilegitimidade activa e relegou para conhecimento posterior a alegação de caducidade, foi interposto recurso de agravo pela ré. O recurso foi admitido, com efeito meramente devolutivo e subida diferida.
Após diversas vicissitudes e tentativas falhadas de acordo, a acção veio a ser julgada por sentença de 7 de Abril de 2006, a qual, esclarecendo que na acção estavam em causa apenas “reparação de defeitos em zonas comuns do prédio, ainda que tais defeitos provoquem prejuízos em fracções individualizadas”, julgou improcedente a caducidade oposta pela ré e decidiu ser esta, construtora e vendedora do prédio, responsável “pelos defeitos existentes na obra e que determinaram os problemas existentes nas fracções”.
Assim, e depois de indicar quais os defeitos a reparar e que são “da responsabilidade do construtor, e cuja eliminação incumbe à R.“deficiente impermeabilização da empena sul do prédio, tornando-se necessário substituir o material cartonado usado pela R. e que se soltou (…), substituindo-o por outro que dê garantias de estanquicidade”; substituição das “soleiras da fachada poente”; substituição do material cerâmico que revestia o prédio e que se desprendeu e caiu em vários pontos, nas zonas onde ocorreu tal queda e que estão identificadas no relatório de peritagem e naquelas onde a mesma queda, entretanto, se veio a verificar, tendo em conta que a peritagem data já de Maio de 2001”; “impermeabilização dos terraços ou zonas de cobertura que cobrem as fracções a que corresponde a loja com o nº de polícia 272 e a habitação sita ao nível do 4º andar (habitação 03) e subsequente cobertura com material cerâmico ou outro que se revele apropriado” – condenou a ré a realizar as obras necessárias à respectiva eliminação, com a obrigação de as iniciar no prazo de 30 dias.
Inconformada, a ré recorreu para o Tribunal da Relação do Porto. Todavia, por acórdão de 13 de Novembro de 2006, de fls. 543, foi negado provimento ao recurso. Após ter referido a matéria de facto provada, a Relação pronunciou-se nos seguintes termos:
“O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – arts. 684º, nº 3, e 690º, nº 1 e 3, do C.P.Civil.
No tocante ao mérito da acção, diremos, acompanhando a fundamentação vertida na sentença recorrida que, em face da matéria de facto apurada, se impunha a decisão da 1ª instância.
Na verdade, ao cumprimento defeituoso aplicam-se as regras comuns do não cumprimento e as normas especiais contidas no artº 1221º e sgs., do CC.
Competia ao dono da obra (representado pela administração do condomínio), por se tratar de facto constitutivo do seu direito à eliminação dos defeitos, a alegação e prova não só de que os vícios ou defeitos são consequência de uma deficiente construção ou da aplicação de materiais inadequados pelo empreiteiro bem como da urgência na eliminação dos defeitos por aquela e ainda da recusa do empreiteiro em eliminar o defeito ou efectuar nova construção (arts. 342º, n.º 1, e 1221º, do CC, A. Varela, Das Obrigações em geral, 7ª ed., II, p. 101).
Assim sendo, como entendemos ser, bem andou a julgadora a quo, atenta a matéria de facto provada – não a alegada, como pretende a apelante – e o direito aplicável, em julgar procedente a acção, pois que, no caso, ficaram provados os factos integradores dos pressupostos da responsabilidade civil contratual da ré empreiteira: o facto (danoso) objectivo do não cumprimento (cumprimento defeituoso ou imperfeito, imputável à ré) por parte da demandada, a ilicitude (desconformidade entre a conduta devida e o comportamento observado), o prejuízo sofrido pela credora/lesada e o nexo de causalidade entre aquele facto e o prejuízo – arts. 406º, n.º 1, 762º, n.º 1, 798º e 799º e 1221º, do CC, e A. Varela, Das Obrigações em geral, 7ª ed., vol. II, pág. 94, M. J. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 7ª ed., p. 483 e segs., e I. Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª ed., p. 331 e segs.).
As razões de tal entendimento mostram-se adequada e desenvolvidamente expostas na sentença recorrida, sendo desnecessário repeti-las (artº 713º, nº 5, do CPC).
Improcedem, assim, as conclusões do recurso da agravante [apelante].”

2. Deste acórdão, a ré interpôs recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça, invocando os artigos 732º [supõe-se que se queira referir ao artigo 722º], nº 3 e 755º, nº 1, a) do Código de Processo Civil e acusando o acórdão da Relação da “nulidade a que se refere a al. d) do nº 1 do artº 668º do CPC" por não “ter reapreciado a matéria de facto dada como provada na 1ª instância nos precisos termos em que foi alegado, limitando-se o tribunal ‘a quo’ a transcrever no acórdão esta mesma matéria sem a sindicar”. O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo.
Nas alegações então apresentadas, a recorrente formulou as seguintes conclusões:
a) O acórdão recorrido não apreciou a matéria de facto dada como provada pelo tribunal da 1ª instância, não obstante se ter dado cumprimento ao disposto no artº 690º-A do CPC.
b) O acórdão recorrido, pela omissão referida na alínea anterior, violou o disposto na al. d) do nº 1 do artº 668º do CPC, ferindo o mesmo de nulidade”.
E terminou sustentando que o processo devia regressar à 2ª Instância para que fosse reapreciada a decisão sobre a matéria de facto impugnada no recurso.
Por acórdão de 26 de Fevereiro de 2007, de fls. 585, o Tribunal da Relação de Lisboa, após ter observado que, ao ter considerado “como provada a matéria de facto constante da fundamentação de facto da sentença recorrida”, o que significa que, “implicitamente, se entendeu não existirem razões para a alteração da decisão sobre a matéria tomada na 1ª instância”, resolveu, “admitindo-se que possa ocorrer a nulidade por omissão de pronúncia”, passar “a suprir a mesma”.
Para o efeito, e após observações genéricas sobre os poderes de alteração da matéria de facto pela 2ª Instância, que apenas podem ser exercidos “nas situações previstas no artº 712º, do CPC", a Relação decidiu nestes termos:
“Feitas estas considerações, entendemos que, no caso em apreço, torna-se perfeitamente claro não ser aplicável a previsão das referidas alíneas a) e c), do nº 1, do artº 712º, do CPC, pois que, por um lado, foram inquiridas testemunhas por forma oral (não gravada) e, por outro, não foi apresentado documento novo superveniente.
Acresce, a nosso ver, que os elementos fornecidos pelo processo, designadamente o laudo de peritagem de fls. 86-93, não impõem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas (al. b), do nº 1, do artº 712º, do CPC).
As respostas dos peritos à matéria dos quesitos 2º, 3º e 4º, não obstam ao decidido pelo tribunal a quo ao indagado nos referidos quesitos, designadamente ao respondido na 1ª instância ao quesito nº 4. Recorde-se que, na motivação da decisão de facto, a julgadora refere que se baseou “essencialmente no relatório da peritagem colegial efectuada no âmbito deste processo e que se encontra junto a fls. 83 a 93, bem como nos documentos juntos aos autos, conjugados com o depoimento das testemunhas dos AA.”.
O decidido na 1ª instância resultou, pois, da análise crítica de todos aqueles elementos de prova, livremente apreciados, sem gravação da prova testemunhal, o que tem de respeitar-se, sendo certo que não se apresenta manifestamente contrário às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos.
A decisão sobre a matéria de facto é imodificável, não ocorrendo, no caso, as hipóteses previstas nas alíneas do nº 1, do artº 712º, do CPC.
Pelo exposto, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em suprir a nulidade do acórdão de fls. 543-546, prevista na al. d), do nº 1, do artº 668º, do CPC, nos termos que se deixaram explanados.”

3. A ré veio então de novo recorrer (de revista) para o Supremo Tribunal de Justiça “do conjunto dos dois acórdãos”, com os quais se não conforma, invocando o disposto no artigo 721º do Código de Processo Civil e a violação dos artigos 712º e 655º, nº 1 também do Código de Processo Civil, bem como do artigo 389º do Código Civil. Invocou, ainda, “a inconstitucionalidade destas disposições, na interpretação que lhes é dada pelas instâncias, por, além do mais, se ter violado o disposto no nº 1 do artº 205º da CRP (…)”.
Por despacho de fls. 598, foi admitido “o recurso interposto do acórdão de fls. 585-587, que supriu a nulidade do acórdão de fls. 543-546”, como agravo, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Nas alegações que juntou, o recorrente – que não impugnou a alteração da espécie de recurso constante do despacho de admissão, nos termos previstos no nº 4 do artigo 687º do Código Civil – apresentou as seguintes conclusões:
“A) Não resulta provado dos autos que se torne necessário substituir o material cartonado existente na empena sul do prédio e que se soltou, por outro que dê garantias de estanquicidade;
B) Nomeadamente, não resulta do laudo de peritagem, nem de quaisquer outros elementos de prova;
C) Tal substituição apenas constitui a alegação dos autores, que não lograram fazer a conveniente prova, nem tal substituição se mostra necessária;
D) As humidades existentes na loja com o nº de polícia 272, não são devidas a qualquer vício de construção, mas sim ao facto de ter sido retirada a conduta de ventilação vinda da cave do edifício;
E) A ré apenas está obrigada a reparar os vícios de construção e só estes;
F) A douta sentença violou o disposto no nº 1 do artigo 1221º do Código Civil, confirmada pelo tribunal da Relação ‘a quo’;
G) O artº 389º do Cod. Civil diz que a ‘força probatória dos documentos’ [leia-se, supõe-se, ‘das respostas dos peritos’] é livremente fixada pelo tribunal e o artº 591º do CPC na interpretação que lhes é dada pelas instâncias são inconstitucionais face ao disposto no nº 1 do artº 205º da CRP as decisões devem ser fundamentadas. As decisões judiciais contrárias ao laudo dos peritos devem ser devidamente fundamentadas, o que não foi o caso.
Termos em que e, nos mais de direito aplicáveis, devem ser consideradas inconstitucionais as citadas disposições e anular o acórdão recorrido, ordenando-se a reapreciação da prova produzida nos autos, baixando os autos à segunda instância para tal efeito e reformulação do acórdão (…)”.
Não houve contra-alegações.

4. A matéria que vem dada como provada pelas instâncias é a seguinte (cfr. acórdão de fls. 543):

“1 - A 1ª Autora administra o condomínio do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito à Praça Rainha D. Amélia, n.ºs ... a .... e Rua Coutinho Azevedo s/n, na freguesia do Bonfim, Porto, nomeada para o efeito pela Assembleia de Condóminos de 08/01/99 – acta n.º 7, junta a fls. 47 dos autos e, actualmente, acta n.º 19, junta a fls. 437 dos autos.
2 - O 2º Autor é dono e legítimo proprietário da fracção autónoma designada pelas letras «AU» e «F» do referido prédio urbano, inscrito na matriz urbana respectiva no artigo 11099 e descrito na Conservatória do Registo Predial competente sob o n.º 647/930219.
3 - Que adquiriu à Ré, por escritura pública de compra e venda, outorgada em 22/02/1995, lavrada a fls. 27 e seguintes do Livro 71-E do 2º Cartório Notarial do Porto.
4 - A Ré construiu o referido prédio urbano, do qual era dona, procedeu à respectiva participação na matriz urbana e à inscrição na C.R.P. e vendeu as correspondentes fracções autónomas – na sua totalidade – aos actuais condóminos.
5 - Em 1997/1998, alguns dos compradores das fracções autónomas detectaram nas mesmas humidades nas paredes de quartos e salas e diversas fissuras e rachadelas nos seus tectos e paredes.
6 - Factos que foram denunciados individual, verbalmente e por escrito à Ré e seus representantes legais, que nunca se recusaram a realizar as obras pretendidas mas que também nunca as realizaram.
7 - No final do ano de 1999, os condóminos do mencionado prédio e, nomeadamente, o 2º A., detectaram uma efectiva introdução/infiltração de águas.
8 - Os AA., por carta registada que enviaram à R. em 02/02/2000, concederam-lhe prazo até 15 de Fevereiro para executar as obras de reparação aí descritas, carta que não mereceu da parte da R. qualquer resposta.
9 - Após o que se refere em G) da matéria de facto assente (n.º 7 dos factos provados) apareceram, mais uma vez, humidades nas respectivas habitações.
10 - O que se fica a dever à deficiente impermeabilização da empena sul do prédio.
11 - Já que o material cartonado para tal efeito usado pela R., aquando da construção do prédio, permite que a água penetre nas paredes e destas penetre nos compartimentos das fracções que compõem o prédio.
12 - Torna-se necessário substituir o material cartonado que se soltou por outro que dê garantias de estanquicidade.
13 - As soleiras estão colocadas, duma maneira geral, de nível, sendo, por isso, mais susceptíveis à entrada de água das chuvas através da caixilharia, quando aquela é batida a vento, mormente na fachada poente, provocando humidades.
14 - O revestimento exterior do prédio, constituído por material cerâmico, desprendeu-se e caiu em vários pontos.
15 - Tendo-se tornado visível e notório no fim de 1999 e inícios do ano em curso, a queda de diversas placas que se desprendem das paredes e caem.
16 - O que origina que as paredes, por falta de revestimento, permitam a introdução de humidades.
17 - Introdução de humidades que aconteceu, entre outras fracções, na fracção «AU», que pertence ao 2º A..
18 - Existem também introduções de humidades na fracção autónoma correspondente à loja com o n.º de polícia 272, sita ao nível do rés-do-chão do prédio.
19 - Introdução que ocorreu até ao nível da cave de uma das lojas que dá para o pátio existente no prédio.
20 - O que se ficou a dever a defeituosa impermeabilização da zona de cobertura dessas fracções.
21 - Também uma das fracções sita ao nível do 4º andar, denota introdução de humidades proveniente do terraço da fracção situada no andar superior, que foi deficientemente impermeabilizado.
22 - Havendo rachadelas, fissuras ou outro tipo de zonas de infiltração que permitem tal introdução de humidades.”

5. Como se disse já nos autos, considera-se como revista o presente recurso, nos termos conjugados do disposto nos artigos 721º e 722º, nº 3, do Código de Processo Civil.
A recorrente, em síntese, coloca as seguintes questões:
– Erro de julgamento da matéria de facto, por ter sido indevidamente interpretada e valorada a prova pericial produzida;
– Violação do disposto no nº 1 do artigo 1221º do Código Civil, por se ter condenado a ré na eliminação de defeitos que não correspondem a deficiências de construção;
– Inconstitucionalidade da interpretação dada pelas instâncias aos artigos 389º e 591º do Código de Processo Civil, por violação do dever de fundamentação das decisões judiciais que o nº 1 do artigo 205º da Constituição impõe.

6. Começando pela questão colocada em primeiro lugar, há que relembrar que resulta do disposto no nº 2 do artigo 729º do Código de Processo Civil, como se sabe, que o Supremo Tribunal de Justiça não pode alterar a decisão do tribunal recorrido relativamente à matéria de facto, excepto no “caso excepcional previsto no nº 2 do artigo 722º” do mesmo Código. Isto significa que é preciso que o tribunal recorrido tenha ofendido “uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova” para que, na revista, o Supremo Tribunal possa corrigir qualquer “erro na apreciação das provas” ou na “fixação dos factos materiais da causa” (cfr., por exemplo, o acórdão deste Tribunal de 2 de Novembro de 2006, disponível com o nº 06B2641 em www.dgsi.pt).
Não cabe pois no âmbito deste recurso analisar a apreciação que as instâncias fizeram relativamente à prova pericial produzida nos autos, seja para a interpretar, seja para alterar a decisão de facto na medida em que nela se baseou.
Como a própria recorrente observa, a prova pericial está sujeita à regra da livre apreciação da prova, não tendo o seu valor legalmente tabelado; escapa, pois, ao controlo por parte do Supremo Tribunal de Justiça.
A recorrente sustenta, em síntese, que é difícil de aceitar que os tribunais se possam afastar das conclusões apresentadas pela prova pericial, pelo menos sem uma justificação convincente. Todos sabemos que, em regra, se recorre à prova pericial justamente porque está em causa a prova de factos para cuja percepção e apreciação se exigem conhecimentos especiais, técnicos, científicos ou de outra natureza, que não é de esperar que os juízes tenham (cfr. a noção de prova pericial, constante do artigo 388º do Código Civil). No entanto, todos sabemos igualmente que, na falta de regra especial que condicione por alguma forma o poder decisório do juiz (cfr., por exemplo, o que sucedia no âmbito das antigas “acções de arbitramento”), a prova pericial é, apenas, um meio de prova, cabendo ao tribunal considerá-la no conjunto das provas produzidas e decidir de acordo com a convicção a que chegar. Não é, aliás, por acaso que a lei é exigente quanto à fundamentação dos laudos periciais, ou que permite expressamente ao tribunal – e às partes – que peçam esclarecimentos adicionais aos peritos, bem como possibilita que o tribunal, se o achar conveniente ou as partes o requeiram, determine a sua comparência na audiência de julgamento para prestarem esclarecimentos. O objectivo é, além do mais, proporcionar ao tribunal uma fundamentação racionalmente controlável das conclusões apresentadas (cfr. artigos 586º, 587º ou 588º do Código de Processo Civil),
Nem outra solução seria possível num sistema que admite perícias colegiais e que permite que todos os peritos apresentem conclusões diferentes quanto aos mesmos factos (cfr. artigos 569º. 586º, nº 2
A recorrente sustenta, ainda, que, divergindo das conclusões da prova pericial, nomeadamente quando colegial e unânime nas apreciações que faz dos factos a provar, o tribunal tem o dever de fundamentar por que se afasta dos laudos. A verdade, todavia, é que a lei impõe ao tribunal o dever de fundamentar a decisão da matéria de facto (artigo 653º do Código de Processo Civil), e não só quando houve prova pericial.

7. Quanto à alegada violação do disposto no nº 1 do artigo 1221º do Código Civil, trata-se na realidade de uma questão que a recorrente coloca porque discorda da decisão alcançada quanto à matéria de facto.
Com efeito, só considerando que a recorrente foi condenada a realizar reparações cuja necessidade não resulta de “defeitos da obra”, como a recorrente sustenta relativamente a parte da condenação que lhe foi imposta, é que se poderia haver como infringido tal preceito. Mas essa conclusão implicaria uma alteração no julgamento de facto que, como se viu, não é agora admissível.

8. Finalmente, a recorrente alega a inconstitucionalidade da interpretação – que não esclarece qual é – com que as instâncias aplicaram os artigos 389º do Código Civil e 591º do Código de Processo Civil.
E dizem que é por infracção do nº 1 do artigo 205º da Constituição, que impõe que "as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei". Como se escreveu, desenvolvidamente, no acórdão nº 680/98 do Tribunal Constitucional (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), “Este texto, resultante da Revisão Constitucional de 1997, veio substituir o nº 1 do artigo 208º, que determinava que "as decisões dos tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei". A Constituição revista deixa perceber uma intenção de alargamento do âmbito da obrigação constitucionalmente imposta de fundamentação das decisões judiciais, que passa a ser uma obrigação verdadeiramente geral, comum a todas as decisões que não sejam de mero expediente, e de intensificação do respectivo conteúdo, já que as decisões deixam de ser fundamentadas "nos termos previstos na lei" para o serem "na forma prevista na lei". A alteração inculca, manifestamente, uma menor margem de liberdade legislativa na conformação concreta do dever de fundamentação.”
Sucede, todavia, que a acusação de inconstitucionalidade feita neste recurso é claramente infundada, além de infundamentada.
Em primeiro lugar, porque a recorrente a dirige a uma “interpretação” não explicitada que as instâncias terão atribuído aos artigos 389º do Código Civil e 591º do Código de Processo Civil. Destes preceitos apenas resulta que a prova pericial está sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, princípio esse que não se vê como possa contender com o dever de fundamentação das decisões judiciais.
Em segundo lugar porque, se a recorrente a quer ligar à afirmação de que “As decisões judiciais contrárias ao laudo dos peritos devem ser devidamente fundamentadas, o que não foi o caso”, tal acusação nada tem a ver com aqueles preceitos mas apenas, eventualmente, com a decisão da matéria de facto, que a recorrente sustenta ter contrariado as conclusões apresentadas pelos peritos.
Só que da leitura do acórdão recorrido resulta que a decisão da matéria de facto foi suficientemente fundamentada, quer ao acolher a justificação apresentada pela primeira instância, quer ao sanar a eventual nulidade apontada ao acórdão de fls. 543.

9. Nestes termos, nega-se provimento à revista.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 27 de Setembro de 2007
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa