Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
18085/17.9T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: AÇÃO DE PREFERÊNCIA
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
Data do Acordão: 12/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário : I.— A responsabilidade civil pressupõe a prova de um dano.
II. — O alegado erro na apreciação da prova não pode ser objecto do recurso de revista.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. — RELATÓRIO

   1. PLÁCIDO DE ABREU E ASSOCIADOS – SOCIEDADE DE ADVOGADOS, SP, RL, identificada nos autos, intentou a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra SILCOGE – SOCIEDADE CONSTRUTORA DE OBRAS GERAIS, S.A., SUMMERCITY, S.A. e NBALANCE – SOLUÇÕES INTEGRADAS DE EMAGRECIMENTO, S.A., também identificadas nos autos, tendo pedido o seguinte:

“a) Deve a 1ª Ré ser condenada a abster-se de celebrar escritura pública de compra e venda do prédio urbano destinado a serviços sito na Rua ..., 23, em …, descrito na Conservatória do Registo Predial de ..... sob o n.º ….. da freguesia de ..., e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia com todo e qualquer adquirente, incluindo com qualquer uma das Rés, enquanto a Autora não for cabalmente notificada do (novo) projecto de venda e respectivas cláusulas e condições do negócio de venda do mesmo, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 416º a 418º do Código Civil, de modo a poder eventualmente exercer a preferência que lhe assiste;

Caso à data de prolação da sentença tenha já sido realizada a referida escritura pública de compra e venda, hipótese que se coloca, sem conceder:

b) Deve a comunicação remetida pela 1ª Ré à Autora em 5 de Julho de 2017 ser declarada ineficaz e de nenhum efeito, porque equivalente à falta de notificação, e em consequência, ser declarada nula a venda do prédio em apreço, com as legais consequências;

c) Devem, ainda e em qualquer caso, as Rés serem solidariamente condenadas a pagar custas e demais encargos com o processo e procuradoria condigna.”

  2. A Ré SILCOGE – SOCIEDADE CONSTRUTORA DE OBRAS GERAIS, S.A. contestou, defendendo-se por impugnação e por excepção e deduzindo reconvenção, em que pediu: I. — o levantamento do registo; II. — a condenação da Autora a pagar-lhe uma indemnização pelos prejuízos causados; e III. — a condenação da Autora como litigante de má fé em multa e indemnização.

   3. A Ré NBALANCE – SOLUÇÕES INTEGRADAS DE EMAGRECIMENTO, S.A contestou, defendendo-se por impugnação e por excepção e deduzindo reconvenção, em que pediu

“b) Que seja julgado procedente, por provado, o pedido reconvencional, condenando-se a Autora, Reconvinda, a pagar à 3.ª Ré, Reconvinte, uma indemnização no valor de 26.679,24 Euros, pelos prejuízos já sofridos, acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal, até integral e efetivo pagamento, desde a data da citação para contestar este pedido.

c) Condenando-se ainda a Autora a indemnizar a 3ª Ré pelos prejuízos que esta venha ainda a suportar no futuro, decorrentes da atuação daquela, incluindo as rendas que deixou de receber e a mais valia que venha a perder, tudo a apurar em incidente de liquidação na própria ação ou em execução de sentença;

d) Condenar a Autora no pagamento das custas processuais.

Por mera cautela de patrocínio, e sem conceder,

e) Caso venha a julgar-se a presente acção procedente, por provada, seja a 1.ª Ré condenada no pagamento exclusivo da totalidade das custas processuais, por a elas ter dado causa.”

 4. A Ré SUMMERCITY, S.A., ainda que devidamente citada, não contestou.

  5. A Autora PLÁCIDO DE ABREU E ASSOCIADOS – SOCIEDADE DE ADVOGADOS, SP, RL, respondeu às excepções e replicou.

  6. O Tribunal de 1.ª instância proferiu sentença, em que decidiu:

1. Julgar totalmente improcedente a presente acção e, em consequência, absolver as rés Silcoge – Sociedade Construtora de Obras Gerais, S.A., Summercity, S.A., e Nbalance - Soluções Integradas de Emagrecimento, S.A., dos pedidos contra elas formulados pela autora e, consequentemente, determina-se o imediato levantamento do registo da presente acção.

2. Julgar procedente o pedido reconvencional deduzido pela ré Silcoge – Sociedade Construtora de Obras Gerais, S.A., condenando a autora a pagar-lhe a, a título de indemnização, a quantia que vier a ser liquidada após trânsito em julgado da sentença no respectivo incidente de liquidação.

3. Julgar parcialmente procedente o pedido reconvencional constante da alínea a), do pedido formulado pela ré Nbalance - Soluções Integradas de Emagrecimento, S.A condenando a autora a pagar-lhe uma indemnização no valor de 18.000 (dezoito mil) Euros, pelos prejuízos já sofridos, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a sua a notificação para replicar, até integral e efetivo pagamento.

4. Julgar procedente o pedido reconvencional constante na alínea b) do peido deduzido pela ré Nbalance - Soluções Integradas de Emagrecimento, S.A, condenando a autora a pagar-lhe uma indemnização pelos prejuízos que esta venha ainda a suportar no futuro, decorrentes da atuação daquela, incluindo as rendas que deixou de receber e a mais valia que venha a perder, quantia essa a ser liquidada após trânsito em julgado da sentença no respectivo incidente de liquidação.

5. Condenar a autora Plácido de Abreu e Associados – Sociedade de Advogados, SP, RL., como litigante de má fé na multa no valor de 80 (oitenta) Ucs e a pagar à ré Silcoge – Sociedade Construtora de Obras Gerais, S.A., uma indemnização nos termos do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 543.º, do C.P.C, competindo a esta apresentar os elementos necessários à sua fixação nos termos do disposto no n.º 3, do mesmo artigo, após audição da autora.

  7. Inconformada, a Autora PLÁCIDO DE ABREU E ASSOCIADOS – SOCIEDADE DE ADVOGADOS, SP, RL, interpôs recurso de apelação.

  8. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

“A. Da leitura da factualidade considerada provada e da respectiva fundamentação decorre que, com o devido respeito, existe uma manifesta ausência de exame crítico da prova produzida e falta de rigor na elaboração da sentença ora em crise;

B. A par da incorrecta selecção dos factos relevantes para a decisão da causa, inexiste uma análise crítica e ponderada dos documentos juntos aos autos, são desconsiderados testemunhos genuínos, credíveis e isentos e, bem assim, são desconsideradas declarações de parte suportadas e apoiadas pela restante prova produzida nos autos;

C. A redação da alínea R) dos Factos Provados deverá ser alterada para “A 3.ª Ré, no dia 18.07.2017, exerceu o seu direito de preferência na aquisição do Edifício ....” Pois isso resulta da confissão obtida em sede de declarações de parte do representante legal da 1.ª Ré, o qual, como consta da motivação da sentença ora em crise, confirmou que a carta remetida pela 3.ª Ré a exercer a preferência data de 18.07.2017;

D. Assim sendo, da conjugação dos factos constantes das alíneas Q) e R) (na redacção ora propugnada), é forçoso concluir pela caducidade do direito da 3.ª Ré no exercício da preferência, com as demais consequências daí decorrentes;

E. Na hipótese de se considerar que as declarações de parte não são suficientes para a prova do dia 18 de Julho de 2017 como a data de exercício da preferência por parte da 3.ª Ré – e perante a relevância absoluta deste facto para a boa decisão da causa, designadamente no que concerne ao pedido reconvencional deduzido pela 3.ª Ré – impunha-se que o Tribunal “a quo”, ao abrigo do princípio do inquisitório previsto no art. 411.º do CPC, determinasse a junção aos autos da carta de exercício da preferência, o que não ocorreu;

F. A caducidade do direito de preferência é uma questão de conhecimento oficioso, competindo ao Tribunal realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos que lhe é lícito conhecer;

G. Os factos considerados provados na alínea EE) dos Factos Provados estão incompletos face à prova produzida, devendo, em sua substituição, ser considerado provado que “A autora não conseguiu assegurar até ao dia 14 de Julho de 2017, data limite para o exercício do direito de preferência, o dinheiro suficiente para a compra do imóvel 6.250.000,00€”, bem como ser acrescentado um novo facto relevante para a boa decisão da causa: “Após a data limite para o exercício do direito de preferência, a autora conseguiu assegurar o dinheiro suficiente para a compra do imóvel 6.250.000,00€ até 31 de Julho de 2017”;

H. A data relevante para aferir da capacidade de pagar o preço até 31 de Julho de 2017 era o dia 14 de Julho, data em que terminava o prazo para o exercício do direito de preferência, conforme oportunamente alegado pela Recorrente, sob pena de se assumirem obrigações de forma absolutamente leviana;

I. A prova da data em que a Recorrente aferiu da sua capacidade para adquirir o Edifício ... resulta dos depoimentos das testemunhas AA, que, com base nos contactos mantidos com a Recorrente à data dos factos, confirmou que esta pretendia “garantir os meios necessários em tempo de exercer o direito de preferência”, bem como da testemunha BB, … do Banco Invest na área do crédito e autor da proposta de crédito apresentada à Recorrente por aquele banco, depoimentos estes que confirmam as declarações de parte prestadas pela Recorrente através do seu sócio CC;

J. Resulta, também, do depoimento da testemunha DD, o qual confirmou que a Recorrente não exerceu o direito de preferência porque “não tinha a certeza absoluta de conseguir o financiamento no prazo para o exercício da preferência conforme tinha sido dado” e, mais longe, confirmou também que, no final de Julho de 2019, mediante o seu financiamento, a Recorrente tinha capacidade financeira para a aquisição do imóvel em causa (entre outras, passagem 0:12:01:7 do respectivo depoimento);

K. A capacidade financeira da Recorrente para a aquisição foi, ainda, confirmada pela testemunha EE, advogado e sócio da Recorrente, e bem assim, pelas declarações de parte da Recorrente, sendo certo que nenhuma prova em sentido contrário foi feita;

L. Os factos constantes das alíneas BBB) e DDD) dos Factos Provados deverão, por falta de prova bastante e por violação do disposto nos arts. 364.º e 393.º do CC, ser considerados não provados;

M. O Tribunal “a quo” bastou-se com declarações de parte e depoimentos de testemunhas, ambos prestados de forma manifestamente vaga e imprecisa e assentes em estimativas, para considerar provados factos que necessariamente são suportados por documentos na posse das Rés e que estas, por estratégia ou inércia, não juntaram aos autos;

N. De acordo com as regras do ónus da prova, competia às Rés fazerem prova dos respectivos prejuízos e, para o efeito, sendo tais prejuízos sustentados em contratos de abertura de crédito e facturas de assessoria financeira e legal, é manifesto que a sua demonstração é feita com respectivos documentos de suporte;

O. A não junção aos autos de documentos que titulem os prejuízos e gastos reclamados pelas Rés apenas poderá ter uma consequência: a ausência de prova de tais prejuízos e danos, a qual não pode ser colmatada com a relegação para liquidação em execução de sentença;

P. Os factos relativos à suficiência dos elementos para análise do negócio (arts. 27.º e 28.º da Réplica) ficaram demonstrados, por um lado, com base na prova documental junta aos autos, designadamente o anexo da notificação para o exercício do direito de pronúncia e, por outro, pelo depoimento das testemunhas já identificadas EE, BB e AA, corroborado pelas declarações de parte da Recorrente, impondo-se que seja considerado provado que “Para o referido em XX), a Autora tinha toda a informação considerada relevante para a ponderação de investimento no negócio, designadamente, áreas das fracções do prédio, identificação dos arrendatários e prazos de vigência dos respectivos contratos de arrendamento, valores dos encargos para o Condomínio”;

Q. Quanto ao relacionamento da Recorrente com o Grupo Explorer, dos depoimentos das testemunhas FF e GG, conjugado com as declarações de parte da Recorrente – e sem qualquer prova produzida em sentido contrário – impõe que sejam considerados provados os seguintes factos:

“- A Autora, apesar de membro do Conselho Fiscal da Explorer Investments, entidade gestora do Explorer Real Estate I, nunca comentou, relatou, informou ou referiu àquela entidade, ou a qualquer entidade relacionada com mesma, qualquer facto relativo ao litígio em questão;

- E só depois da presente acção estar instaurada é que a Autora, informalmente por uma questão de transparência, informou a Explorer Investments que havia intentado uma acção contra a 2.ª Ré. “

R. Tais factos devem ser integrados na factualidade provada porque demonstram, com clareza, que a suspeita levantada pelo Tribunal “a quo” sobre a conduta da Recorrente e atentatória do seu bom nome é absolutamente infundada;

S. Mas mesmo que assim não se entendesse – o que não se concede – continuariam a ser absolutamente inadmissíveis, face à prova produzida, as considerações sobre “segundos interesses” subjacentes à actuação da Recorrente, as quais falecem desde logo pela falta de lógica;

T. A sentença em crise erra de forma profunda e grosseira na subsunção do direito aos factos, e assentou num pré-juízo que inquina todo o raciocínio jurídico subjacente à sua fundamentação: o de que a Recorrente não podia ter configurado a sua pretensão em juízo da forma como o fez, e devia ter proposto uma acção de preferência;

U. O Tribunal “a quo” fica refém do seu próprio pré-juízo, o qual tolda, prejudica e contamina a apreciação da prova e a aplicação do direito aos factos;

V. A posição do Tribunal implicaria graves distorções no comércio jurídico e uma prestação desequilibrada, com grave prejuízo para Recorrente, se fosse obrigada ao depósito do preço do prédio numa acção em que pretende – somente – a apreciação da (in)eficácia da comunicação remetida pela 1ª Ré SILCOGE para exercício do direito de preferência;

W. Tão arreigada convicção foi repercutida na desproporcionada condenação da Recorrente como litigante de má-fé, numa multa tanto de excessiva como de rara;

X. Está em causa nos presentes autos o facto de a 1ª Ré não ter comunicado, o “projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato”, conforme estatui o artigo 416º do Código Civil;

Y. Existe uma incerteza ou vaguidade quanto ao potencial comprador, mas sobretudo, a data até à qual era obrigatório o pagamento do preço deixou de o ser;

Z. O objecto do litígio não passa por saber se a Recorrente (não) exerceu o direito de preferência, e a questão controvertida consiste antes em saber se existem desconformidades que assentam sobre elementos essenciais do negócio: a identificação concreta do comprador e, em especial, a data (real) até à qual se podem reunir fundos para pagar o preço;

AA. A pretensão da Recorrente foi devidamente compreendida e delimitada no douto despacho saneador de 19 de Julho de 2018, que fixou objecto do litígio e teve o particular cuidado de fundamentar as razões dessa delimitação, no qual se lê o seguinte:

Considerando a causa de pedir invocada na petição e o pedido formulado a presente acção não se configura, manifestamente, como uma acção de preferência. A autora não pretende por via desta acção exercer o seu direito de preferência; não pretende provocar uma mudança na ordem jurídica existente; não se pretende substituir a qualquer adquirente do bem em causa. A exigência constante do art. 1410º do C. Civil no que tange ao depósito do preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção apenas tem aplicação quando está em causa uma acção de preferência. Assim sendo não será certamente o facto de a autora não ter depositado o preço devido que determinará a extinção do direito que a autora pretende fazer valer nesta. Nesta acção, considerando a causa de pedir e o pedido formulado, está em causa determinar se a comunicação que o obrigado à preferência deve dirigir, nos termos do artigo 416.º do Código Civil, ao preferente legal, e que no caso dirigiu, observou todos os requisitos legais, dado que como é sabido a comunicação levada ao conhecimento do titular da preferência deve conter todos os elementos essenciais à venda que possam influir na formação da vontade do preferente. Nesta acção pretende-se determinar se existiu ou não uma comunicação efectiva daqueles elementos ao titular da preferência, ou seja, à autora. É que se não existiu tal comunicação válida e eficaz a atitude da autora, traduzida em não ter exercido o direito de preferência no prazo que lhe foi assinalado na comunicação efectuada pela 1ª ré, não tem qualquer relevo em termos de caducidade do direito pois a comunicação não produziu efeitos. Se a comunicação for ineficaz não releva a atitude que o preferente venha a assumir, não se podendo entender que o facto de não ter exercido o direito no prazo indicado faz caducar aquele direito. É que se a comunicação para preferência não contiver todos os elementos essenciais à venda que possam influir na formação da vontade do preferente não obedece aos requisitos legais, pelo que é ineficaz. É que no fim de contas a notificação deficiente é equiparada à falta de notificação – veja-se A. Varela, RLJ ano 121, pg. 360. Em suma: os argumentos aduzidos pela 1ª ré para sustentarem a extinção do direito de preferência que a autora alega não se coadunam com a presente acção em que se pretende apurar se a notificação operada pela 1ª ré obedece ou não aos requisitos legais; se é ou não eficaz.”

BB. O entendimento plasmado na sentença, para além de profundamente errado, contraria expressa e frontalmente o douto despacho saneador, que transitou em julgado e não foi objecto de qualquer reclamação pelas partes, pelo que se impunha-se ao Tribunal “a quo” julgar a acção “à luz” daquele despacho mas, refém do seu pré-juizo, o Tribunal afasta da problemática em julgamento a questão central da ineficácia da comunicação;

CC. Está em causa apreciar se seria relevante a Recorrente ter sabido, à data em que tinha de decidir se preferia, que a data de 31 de Julho de 2017 para realização da escritura (e pagamento do preço) seria flexível ou prorrogável, ou no final do dia, não imperativa;

DD. Em audiência de julgamento, perpassou a convicção de que essa data seria flexível, e foi referido que a escritura não se realizou devido ao registo da acção sobre o prédio, e não porque as partes, nomeadamente a vendedora, apenas tivessem interesse na realização do negócio até uma determinada data;

EE. O Tribunal “a quo” demite-se da análise das questões suscitadas, e enleado na sua errónea convicção, convola os presentes autos numa acção de preferência;

FF. Ao decidir como fez, o Tribunal “a quo” interpretou e aplicou indevidamente o disposto no artigo 1410º do Código Civil, pois face ao modo como se encontra configurada a acção pela Recorrente, não tem aplicação o regime da acção para preferência.

GG. O Tribunal “a quo” violou ainda o disposto no artigo 608º, n.º 2, do CPC, pois não se pronuncia de modo fundamentado sobre a questão da eficácia da comunicação dirigida à Recorrente, atento o facto de toda a sentença assentar a sua argumentação à luz de uma lógica da acção de preferência, que não tem aplicação ao caso concreto;

HH. Resulta dos artigos 1091º, n.º 1, a) e n.º 4, e artigo 416º do CC, um complexo de poderes/deveres dos titulares do direito de preferência, v.g. o direito do arrendatário tomar conhecimento da venda de certo imóvel, e o dever do proprietário informar os arrendatários, em notificação eficaz e completa quanto aos elementos essenciais do negócio;

II. O direito ao conhecimento do negócio antecede e é autónomo do direito de preferir e o despacho saneador confirma e delimita esse direito;

JJ. Porém, o pré-juízo do Tribunal é a tal ponto acentuado que não se coíbe de qualificar a acção intentada pela Recorrente como estranha, anómala, quase que irregular, atípica, o que configura uma grave violação do direito à acção consagrado no artigo 2º, n.º 2 do CPC;

KK. É que decorre da posição do Tribunal que mesmo verificando-se violações graves nas comunicações exigidas por lei dirigidas aos titulares de direito, apenas têm «direito» a reagir em juízo aqueles que queriam preferir no negócio, por substituição do adquirente;

LL. Tal entendimento elimina o dever do proprietário de remeter uma comunicação completa relativa ao negócio, e elimina o correspectivo direito ao seu conhecimento eficaz, para além de obstaculizar e dificultar a apreciação da pretensão da Recorrente;

MM. Ao decidir como fez, a decisão recorrida interpreta e aplica erradamente o disposto no nº 4 do artigo 1091º e no artigo 416º do Código Civil, o disposto no artigo 2º, n.º 2, do CPC e o disposto no artigo 20º, n.º 1, primeira parte, da CRP que deveriam ter sido interpretados e aplicados no sentido de considerar-se que o ordenamento jurídico português consagra a possibilidade de o titular de direito de preferência ver apreciada a violação do direito ao recebimento de uma comunicação para preferir que reúna os requisitos exigidos por lei;

NN. A preferência centra-se na ideia de que, em relação a determinado negócio jurídico que o sujeito vinculado a dar preferência se proponha celebrar com terceiro, o titular do correlativo direito tem a possibilidade de chamar a si o negócio, se disposto a contratar, em substituição do terceiro, nas mesmas condições em que este o faria;

OO. O obrigado deve comunicar previamente ao titular do direito de preferência o projecto de venda e respectivas cláusulas, ou incorre em responsabilidade civil;

PP. Nos direitos reais, o complexo de poderes/deveres dos titulares do direito de preferência é imperativamente modelado pela lei, e não pode ser posto em causa por modificações objectivas ou subjectivas dos pressupostos do negócio, sob pena de ineficácia;

QQ. Com base na carta datada de 5 de Julho, a Recorrente não teve a possibilidade de conhecer, em concreto, o futuro comprador do prédio e seu futuro senhorio, porque o podia comprar qualquer sociedade, desde que controlada pelo Explorer Real Estate Fund I;

RR. Não era indiferente à Recorrente a identificação concreta e exacta do terceiro comprador, sendo certo que a expressão “projecto” utilizada no art. 416.° do Código Civil abrange a identificação do terceiro;

SS. O terceiro adquirente não pode ser anónimo, nem constituir uma abstracção não explicitada, apenas existente na mente do obrigado a dar preferência, mas a 1ª Ré «deixa em aberto» a possibilidade de toda e qualquer terceiro vir a ser comprador;

TT. O Tribunal “a quo” ignorou ostensivamente a relevância da identificação concreta do adquirente na comunicação para preferir, violando o artigo 608º, n.º 2, do CPC;

UU. São essenciais todos os elementos ou factores do negócio susceptíveis de influenciar decisivamente a formação da vontade do titular da preferência, permitindo-lhe a ponderação consciente entre preferir ou abdicar do direito de opção que lhe assiste;

VV. A melhor doutrina entende que a data de celebração da escritura de venda constitui elemento imprescindível da comunicação, pois o preferente necessita de saber quando deve estar preparado para pagar o preço;

WW. No caso concreto, a Recorrente entendeu, cautelosamente, que até dia 31 de Julho de 2017 não tinha a certeza de conseguir reunir os fundos necessários para o pagamento do preço, vendo-se forçada a fazer um juízo de prognose que, afinal, não tinha razão de ser, uma vez que se veio a constatar que dispunha de mais tempo para o efeito;

XX. É de absoluta relevância ter ficado demonstrado que a data de pagamento do preço era considerada pela 1ª Ré como flexível, móvel, ajustável;

YY. A comunicação efectuada à Recorrente não identifica cabalmente o candidato à compra do prédio dos autos, e foi alterado o prazo de realização da escritura e pagamento do preço nela referido, pelo que é ineficaz;

ZZ. Ao decidir como fez, o Tribunal “a quo” interpretou e aplicou erradamente o disposto nos artigos 416.º a 418.º do Código Civil;

AAA. Um correcto entendimento da questão controvertida nos autos determinaria que o julgamento sobre o objecto do litígio recaísse sobre a questão da ineficácia da comunicação dirigida à Recorrente em 5 de Julho de 2017, e concluindo-se pela sua ineficácia, os pedidos reconvencionais formulados pelas Rés teriam, necessariamente, de soçobrar;

BBB. Mesmo concluindo-se pela eficácia da comunicação, sem conceder, o Tribunal incorre em novo erro de julgamento ao condenar a Recorrente nos pedidos reconvencionais formulados nos autos, pois as Rés não demonstraram os prejuízos invocados;

CCC. Não se pode confundir a dificuldade em liquidar prejuízos com a não produção de prova sobre os danos já indicados em valor líquido, e o Tribunal “a quo” não soube realizar esta distinção, relegando para execução de sentença a liquidação de danos não provados;

DDD. Ainda que assim não se entendesse, verifica-se um clamoroso erro de julgamento quanto ao pedido reconvencional da 3ª Ré deduzido nas alíneas b) e c) do petitório;

EEE. A alínea R) dos Factos Provados, nos termos acima defendidos, dá como provado, por confissão/declaração de parte da 1ª Ré que a 3ª Ré exerceu o direito de preferência apenas no dia 18 de Julho de 2017;

FFF. Tendo o Tribunal “a quo” tomado conhecimento, em plena de audiência de julgamento, de um facto de crucial relevância para os presentes autos, deveria oficiosamente verificado a (in)tempestividade do exercício desse direito, pois estava munido de meios de prova que apontavam (quando não confirmavam) no sentido de a preferência ter sido exercida pela 3ª Ré de forma extemporânea;

GGG. Admitindo como meio probatório do «exercício do direito de preferência» o depoimento/declaração de parte, como fez o Tribunal “a quo, não poderia deixar de considerar provado que tal facto apenas ocorreu no dia 18 de Julho de 2017;

HHH. Ou, se o Tribunal entendesse que a “mera” declaração/confissão de parte não era meio probatório suficiente, teria de ordenar a junção aos autos de documento que o comprovasse, nomeadamente, a comunicação escrita em que a 3ª Ré, alegadamente, informou exercê-la.

III. A caducidade do direito é de conhecimento oficioso, e a inércia do Tribunal relativamente a um facto de absoluta relevância para a boa decisão da causa, constitui violação do disposto nos artigos 6º, n.º 1, 411º e 579º do CPC, e artigo 364º do Código Civil.

JJJ. A 3ª Ré alegou ter sofrido danos no montante de 26.679,24 €, mas não juntou aos autos documentos que protestou juntar, o que não impediu o Tribunal “a quo” de condenar a Recorrente apenas com base no depoimento da testemunha HH;

KKK. Ao decidir como fez, o Tribunal “a quo” interpretou e aplicou erradamente o disposto nos artigos 362º e 393º do Código Civil, e o disposto nos artigos 423º e 607º, n.º 4 e n.º 5 do CPC, que deveriam ter sido aplicados e interpretados no sentido de que a demonstração de prejuízos está sujeita a prova vinculada, nomeadamente, através de documentos, e que a prova testemunhal não é idónea ou processualmente apta à sua demonstração;

LLL. Verifica-se novo erro de julgamento quanto à condenação no pedido da alínea c) do pedido da 3ª Ré, pois resulta da decisão proferida sobre a matéria de facto que não ficou provado que “A 3.ª Ré, uma vez concretizada a aquisição do Edifício ..., pretendia proceder à sua exploração económica, quer através da manutenção e incremento dos arrendamentos, quer eventualmente pela sua alienação a terceiro”;

MMM. O Tribunal “a quo” não julgou provado um único facto donde se retire que a 3ª Ré também sofreria prejuízos em momento posterior à dedução do pedido reconvencional.

NNN. Sem conceder, ainda que o Tribunal “a quo” entendesse condenar a Recorrente naquele pedido, impunha-se excluir do âmbito da condenação as rendas que a 3ª Ré deixou alegadamente de receber e a mais valia alegadamente decorrente da eventual alienação do prédio, por não provados;

OOO. No que concerne à condenação da Recorrente como litigante de má-fé, o Tribunal “a quo” transformou os presentes autos num verdadeiro julgamento de intenções, pouco rigoroso no plano técnico-processual e totalmente contaminado por uma pré-convicção que afectou a correcta aplicação do direito à questão controvertida;

PPP. Porém, a presente acção merece a tutela do direito e nada tem de «atípico», e está a confirmá-lo o douto despacho saneador, que reveste absoluta relevância, porque proferido em apreciação da concreta pretensão da Autora, o que resulta da necessária sindicância do (anterior) juiz, que o decide positivamente, fixando de modo definitivo o objecto do litígio;

QQQ. A condenação da Recorrente assenta, em grande medida, no registo da acção sobre o prédio, mas esse registo é claramente previsto na lei, e revelava-se, no caso concreto, a única forma eficaz de impedir a violação do direito de que a Recorrente se arroga;

RRR. A Recorrente não pretendeu nunca utilizar a presente acção judicial para prosseguir um fim ou objectivo ilegal, não se verificando qualquer actuação dolosa com intenção causar danos a terceiros, a qual agiu com a diligência exigível na situação em concreto;

SSS. Se dúvidas houvesse, a prová-lo está que a Recorrente logo que recebeu a comunicação da 1ª Ré encetou diligências e contactos no sentido de reunir fundos para pagar o preço de venda, e ao contrário do que se decidiu em sede de matéria de facto, a Recorrente está hoje em condições de comprar o prédio dos autos, como eram já muito animadoras as perspectivas à data dos factos;

TTT. E logo que soube que a escritura não tinha sido realizada até 31 de Julho de 2017, comunicou à 1ª Ré que entendia ter havido uma alteração das condições essenciais do negócio, pelo que a presente acção foi intentada como último recurso;

UUU. A Recorrente não pode aceitar - e não aceita - não ter tido a mesma oportunidade de preferir nos termos e condições – afinal – concedidos à 3ª Ré, nomeadamente, a possibilidade de pagar o preço após a data de 31 de Julho de 2017, e intentou a presente acção com vista ao reconhecimento dessa igualdade de tratamento;

VVV. Ainda que se considere a pretensão da Recorrente juridicamente ousada, ela não integra o conceito de litigância de má-fé;

WWW. Em todo o caso, a 1ª Ré não alegou ou demonstrou em que medida a alegada litigância de má-fé da Recorrente causou uma atividade jurídico-processual acrescida, sendo certo que a indemnização se destina a compensá-la apenas por esse esforço acrescido;

XXX. Não resulta demonstrado que a configuração pela Recorrente da acção tal como o fez, em detrimento da acção de preferência, acompanhada do respectivo registo, acarretou para a 1ª Ré uma actividade processual acrescida que deva ser indemnizada;

YYY. Por outro lado, cumpria à 1ª Ré alegar e demonstrar os encargos acrescidos com a sua defesa na lide, mas o único putativo facto alegado nesta sede não resultou provado e, o que é mais, deu-se como não provado que a autora pretende tão só “destruir” o direito adquirido pela aqui 3ª Ré, pelo que não lhe pode ser arbitrada qualquer indemnização;

ZZZ. Ao decidir como fez, o Tribunal “a quo” interpretou o disposto no artigo 542º, n.º 2 do CPC, pelo que a sentença recorrida deve ser revogada, absolvendo-se a Recorrente do pedido de condenação como litigante de má-fé”.

  9. As Rés SILCOGE — SOCIEDADE CONSTRUTORA DE OBRAS GERAIS, S.A., e NUTRI BALANCE – SOLUÇÕES INTEGRADAS DE EMAGRECIMENTO, S.A. contra-alegaram.

  10. A Ré SILCOGE — SOCIEDADE CONSTRUTORA DE OBRAS GERAIS, S.A. finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

“i. O conteúdo das alíneas R), EE) e BBB) da sentença recorrida devem continuar a integrar a lista dos factos provados.

ii. Os factos alegados nos artigos 27.º e 28.º da réplica devem manter-se na lista dos factos não provados.

iii. Com a dedução da presente ação, a Autora, invocando ser titular de um direito legal de preferência, pretendia que a 1.ª Ré fosse proibida de proceder à venda do imóvel que lhe pertence.

iv. O interesse tutelado pela atribuição de um direito legal de preferência, do qual emergem a comunicação para preferir e todos os respetivos requisitos formais e substantivos, é apenas o de proporcionar ao preferente a celebração de certo contrato em detrimento de um terceiro.

v. Daí que a tutela que a ordem jurídica confere ao titular é a de colocá-lo na posição de adquirente, caso a alienação do bem sobre o qual incide o direito ocorra sem que ao preferente tenha sido dada oportunidade de preferir, tutela cujo exercício coercivo se encontra vinculado à ação judicial prevista no artigo 1410.º do C.C.

vi. Por isso, os pedidos formulados pela Autora nestes autos nunca poderiam proceder, uma vez que consubstanciam o exercício impróprio do direito subjacente em molde que não é admitido pela nossa ordem jurídica.

vii. A improcedência desses pedidos não se traduz em qualquer violação do direito de ação, mas tão só a rejeição do modo como foi exercido esse mesmo direito de ação, por não se encontrar de acordo com o expressamente tipificado e determinado pelo ordenamento jurídico para salvaguarda dos direitos substantivos subjacentes.

viii. Nos termos do artº 416º, nº 1, do C.C. “Querendo vender a coisa que é objeto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projeto de venda e as cláusulas do respetivo contrato.”, aqui se incluindo todas as condições objetivas que o preferente deverá respeitar se pretender exercer o seu direito.

ix. Outros elementos, mesmo que possam eventualmente ser importantes para o preferente, como seja, em alguns casos, a identidade do terceiro interessado na compra, não podem relevar nesta sede, pois, aquele tem direito a preferir em paridade de condições e não a impor ao obrigado o contrato que melhor corresponderia aos seus interesses ou às suas motivações subjetivas.

x. Ainda que se entendesse que a identificação do terceiro interessado é um elemento que deve integrar, desde o início, o conteúdo da comunicação prevista no artigo 416.º do C.C., não deixa de ser óbvio que esta exigência apenas pode respeitar e abranger os dados que são conhecidos pelo próprio obrigado à preferência, não lhe sendo exigível que informe daquilo que inexiste ou desconhece.

xi. Foi que ocorreu na presente situação, em que, tendo sido estabelecido nas negociações ocorridas entre a Summercity, S.A. e a 1.ª Ré, que poderia figurar como compradora aquela sociedade ou uma outra sociedade comercial de direito português, pertencente ao mesmo grupo económico da Summercity, S.A., controlada pelo Explorer Real Estate Fund I, não poderia ser outra a informação contida na comunicação para preferir enviada à Autora.

xii. Por isso, a comunicação efetuada, relativamente à identidade do terceiro interessado na compra do imóvel em questão, informou o preferente, com rigor, dos termos do projeto de venda, uma vez que esse projeto contempla precisamente a indeterminação que consta da comunicação enviada à Autora.

xiii. A celebração do contrato em condições diversas daquelas que constavam do projeto comunicado poderá retirar eficácia à comunicação anteriormente efetuada, desde que a alteração verificada incida sobre elementos essenciais e tenha uma tal dimensão que se possa concluir, com segurança, que se os preferentes silentes houvessem conhecido as novas condições teriam aceite a preferência e exercido o seu direito.

xiv. É necessário demonstrar que essa alteração interfere com a vontade de preferir e que, se as novas condições tivessem logo constado da comunicação efetuada, os preferentes silentes teriam aceitado a preferência e exercido o seu direito.

xv. Só nestes casos é possível afirmar que a realização do contrato sob novas condições determina a ineficácia superveniente da comunicação efetuada.

xvi. Da posição tomada pela Autora ao longo do processo e da prova produzida resultou que a vontade da Autora era a de só exercer o direito de preferência se conseguisse assegurar o imediato financiamento necessário para proceder ao pagamento do preço, uma vez que a escritura pública poderia ser agendada para o primeiro dia útil subsequente ao termo do prazo para preferir.

xvii. Daí que a circunstância do contrato objeto da preferência se realizar até ao dia 31 de Julho de 2017 ou no subsequente dia 4 de Agosto, sendo também essa a data em que o preço da venda deveria ser liquidado, se revela perfeitamente inócua para opção tomada pela Autora, como bem concluiu a sentença recorrida.

xviii. Não só não se fez prova da essencialidade da condição negocial alterada como ao invés resultou demonstrada a sua total irrelevância.

xix. Pelo que se deve concluir que a marcação da escritura para o dia 4 de Agosto de 2017 não determina a ineficácia superveniente da comunicação efetuada à Autora pela 1.ª Ré.

xx. A Autora enquanto arrendatária não habitacional de parte de um imóvel que não se encontra constituído em propriedade horizontal não é titular de um direito de preferência na venda de todo o prédio.

xxi. A comunicação para a preferência foi feita pela 1.ª Ré aos diversos arrendatários de partes do imóvel que se pretendia vender, por especial cautela, uma vez que, na altura, era bem conhecida a divisão de opiniões, quer na doutrina quer na jurisprudência, sobre a existência desse direito de preferência nas circunstâncias sobreditas.

xxii. A alteração legislativa, efetuada no artº 1091º do C.C. pela recente Lei n.º 64/2018, veio confirmar o entendimento que aquele direito de preferência não existia na nossa ordem jurídica.

xxiii. Relativamente à novidade da alegação da caducidade do direito da 3.ª Ré a preferir, não só não se provaram quaisquer factos donde se possa concluir que a 3.ª Ré tenha deixado caducar o seu direito de preferência, como não é admissível a questão ser suscitada em fase de recurso.

xxiv. Trata-se de uma questão nova que anteriormente nunca foi suscitada e que, por não ser do conhecimento oficioso do tribunal, uma vez que estamos perante a invocação de um prazo de caducidade em matéria que não escapa à livre disponibilidade das partes, não pode ser conhecida pelo tribunal de recurso.

xxv. Relativamente à impugnação da procedência do pedido reconvencional formulado pela 1.ª Ré, a prova realizada foi mais do que suficiente para demonstrar que a propositura desta ação com o seu imediato registo logrou impedir a venda do imóvel em questão e o inerente recebimento do preço que permitiria a liquidação das quantias cujo pagamento se encontrava garantido por uma hipoteca e uma consignação de rendimentos que oneravam o imóvel em causa e que, necessariamente, teriam que ser canceladas, uma vez que a venda projetada previa que o mesmo fosse transmitido livre de ónus e encargos.

xxvi. A Autora, também nesta parte das suas alegações, confunde, a necessidade de prova da existência de prejuízos, com a necessidade de demonstrar o valor desses mesmos prejuízos, de forma a que o Tribunal disponha dos elementos necessários para fixar os montantes indemnizatórios.

xxvii. É manifesto que a Autora interpôs a presente ação não só sabendo que a mesma estava condenada ao insucesso, mas em manifesto abuso do direito de litigar, visando através do seu registo impedir a 1.º Ré de vender à 3.ª Ré o imóvel em causa, razões pelas quais não podia deixar de ser condenada em multa e no pagamento de uma indemnização pelos prejuízos resultantes da pendência desta ação, nos termos dos artigos 542.º, n.º 1, e 543.º do Código de Processo Civil.”.

   11. A Ré NUTRIBALANCE – SOLUÇÕES INTEGRADAS DE EMAGRECIMENTO, S.A. finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

“1. O Tribunal a quo fez uma correcta análise das provas produzidas nos autos, fixando correctamente os factos e fazendo uma correcta interpretação e aplicação do Direito aos factos, razão pela qual a sentença deverá manter-se nos exactos termos em que foi proferida;

Em concreto:

2. Deverá manter-se como provado o facto R) da sentença, no sentido de que «A 3.º Ré, no prazo que foi conferido para o efeito, decidiu exercer o seu direito de preferência na aquisição do Edifício ...» e não ser o mesmo alterado para «A 3.º Ré, no dia 18.07.2017, decidiu exercer o seu direito de preferência na aquisição do Edifício ...», como reclama a Recorrente.

3. A alteração pretendida pela Recorrente não pode proceder, porquanto:

a. as declarações de parte do representante legal da 1.ª Ré foram gravadas e a Recorrente não indica os concretos meios probatórios constantes de registo de gravação nele realizado, omitindo as exactas passagens que impunham decisão diversa da recorrida sobre aquele ponto da matéria de facto impugnada, como exige o referido artigo 640 n.º 1 alínea b) e n.º 2 alínea a) do CPC. A falta de tal especificação determina, por si só, a rejeição do recurso nesta parte.

b. apenas foram requeridas declarações de parte do legal representante da 1.º Ré para o tema de prova 33, o qual nada tem que ver com os termos do exercício do direito de preferência pela 3.ª Ré (vide ata de audiência de julgamento, do dia 11.02.2019), pelo que nenhuma confissão existiu em relação aquele direito, nomeadamente nos termos e para os efeitos do artigo 466.º n.º 3 do CPC.

c. a Alínea R) dos factos provados na Sentença é uma decorrência da Alínea P) dos Factos Adquiridos por acordo, nos termos do artigo 574.º, n.º 2 do CPC, no Despacho Saneador, e como tal, estando já provado, com o valor de prova pleníssima, não podia ser contrariada por outras provas, como claramente resulta do que estabelece o artigo 607º, nº 5 do CPC. Nada havendo, pois, a juntar pelas Rés ou a determinar em acréscimo por parte Tribunal a quo nos termos do artigo 411.º do CPC, quanto à prova daquele facto.

d. o facto que a Recorrente pretendia agora ver considerado como provado, em vez do que consta na referida alínea R), é matéria não alegada por qualquer das partes, o que sempre obstaria à sua consideração, conforme o disposto nos artigos 5.º, 264.º e 664.º, todos do CPC.

4. Não corresponde à verdade que o facto considerado provado na alínea EE) esteja incompleto face à prova produzida e, muito menos, ficou provado que «Após a data limite para o exercício do direito de preferência, a Autora conseguiu assegurar dinheiro suficiente para a compra do imóvel 6.250.000,00 € até 31 de Julho de 2017».

5. Diga-se, aliás, que ficou provado exactamente o contrário, como a própria Recorrente confessa no ponto SSS. das suas Conclusões quando refere «(…) ao contrário do que se decidiu em sede de matéria de facto, a recorrente está hoje em condições de comprar o prédio dos autos, como eram já muito animadoras as perspectivas à data dos factos», afirmação que foi reforçada pelo depoimento do sócio da Recorrente, Dr. EE, quando, honestamente, confirmou ao Tribunal que, mesmo em 04.08.2017, a Recorrente não tinha o dinheiro para comprar o prédio.

6. Mais ficou provado, vide os depoimentos do Dr. AA e Dr. BB, que i) a ficha de informação normalizada (a designada “ficha técnica”) apenas foi emitida pelo Banco Invest em 14.08.2017 e que ii) a ficha técnica é um documento inicial, bem longe de significar qualquer aprovação ou concessão do financiamento à Recorrente.

7. De toda prova produzida, resulta que ao longo de todo o processo a Recorrente não reuniu o dinheiro para pagar o preço, nem até 14.07.2017, nem até 31.07.2017, nem em 04.08.2017, nem até Março 2018 (data da nova consulta da Recorrente ao Banco Invest), nem se provou tê-lo conseguido em qualquer data até hoje!

8. Pelo que inexiste razão ou fundamento válido, apresentado pela Recorrente, para que esse Venerando Tribunal proceda à alteração do facto constante da alínea EE), nem para introduzir o novo facto nos factos provados, nos termos peticionados pela Recorrente e descritos no ponto 4 supra.

9. Por outro lado, pretende a Recorrente que os factos BBB) e DDD) sejam dados como não provados, na medida em que a prova dos mesmos decorreu das declarações de parte e depoimentos de testemunhas, e não por via de documentos.

10. Mais uma vez, a Recorrente não tem qualquer razão!

11. No que se refere ao ponto DDD), que diz respeito ao pedido reconvencional apresentado pela 3.ª Ré, o douto Tribunal formulou a sua convicção com base no depoimento da Responsável Financeira da 3ª Ré, Cristina Lourenço, o qual se apresentou, no essencial, como um depoimento objetivo e credível e que veio corroborar os prejuízos directos já incorridos pela 3.º Ré.

12. Baseado no disposto no artigo 607.º nº 5 do Código de Processo Civil, a Meritíssima Juiz apreciou livremente as provas, segundo a sua prudente convicção, apreendendo de forma lógica o conteúdo dos factos transmitidos pela testemunha, tendo por base o enquadramento do litígio e tudo o já adquirido nos autos.

13. É também da experiência comum, que a análise e efectivação do exercício do direito de preferência, num prazo de oito dias, num negócio que envolve perto de 7 milhões de euros, reclama a participação de assessoria financeira e jurídica, pelo que as afirmações produzidas por aquela testemunha são suficientes para dar como provados aqueles prejuízos.

14. Da conjugação e ponderação de todos estes elementos, foi decido pelo Tribunal a quo, que se mostrou provado que a 3º Ré teve prejuízos directos no montante de pelo menos €18.000,00 euros, relacionados com a assessoria contratada para a operação de aquisição do Edifício .... e que virá a suportar outros danos no futuro decorrentes da actuação da Recorrente.

15. Relativamente à (in)suficiência dos elementos para a análise do negócio, andou bem o Tribunal a quo ao determinar como facto não provado que “Para o referido em XX), a Autora tinha toda a informação considerada relevante para a ponderação de investimento no negócio , designadamente, áreas das fracções do prédio, identificação dos arrendatários e prazos de vigência dos respetivos contratos de arrendamento, valores dos encargos para o Condomínio”.

16. Na verdade, as informações recolhidas pela Recorrente e enviadas para o Dr. AA (cfr. Documento 1 junto com a Réplica) dizem apenas respeito às frações por si ocupadas no imóvel, o respectivo prazo de vigência do contrato de arrendamento e dos valores que pagava a título de encargos para o condomínio.

17. O que é bem diferente do que são os elementos necessários à viabilização do negócio.

18. Contrariamente à 3.ª Ré, a Recorrente não solicitou qualquer elemento de informação à 1ª Ré.

19. Aquilo que a Recorrente considera como tendo “acesso à informação relevante” não passa de uma “mera estimativa”, que, erradamente, parte das condições do seu contrato de arrendamento, para presumir valores e factos correspondentes a outras frações e arrendatários.

20. Acresce que, como resulta da experiência comum, a realização de um negócio de cerca de 7 milhões de euros, que ainda por cima só poderia ser feito pela Recorrente com recurso a financiamento por terceiros, não se faz com base em tão parca e tão pouco rigorosa informação.

21. Julgou bem o douto Tribunal a quo quando decidiu que a Recorrente não tinha toda a informação considerada relevante para a ponderação de investimento no negócio.

22. Andou também bem o Tribunal a quo ao decidir dar como não provados os factos constantes nos artigos 151.º e 152.º da Réplica, nos termos em que constam da decisão da matéria de facto.

23. Com excepção dos depoimentos de FF e GG, não foi produzida qualquer prova sobre os contactos estabelecidos entre a Recorrente e o Grupo Explorer.

24. Ambas as testemunhas afirmaram que não participaram no processo que envolveu a venda do Edifício .... e nenhuma delas soube esclarecer o Tribunal sobre se o Dr. CC, em nome da Recorrente, lhes telefonou “antes” ou “depois” de intentar a presente ação judicial.

25. Mesmo que a Recorrente tivesse provado que aqueles telefonemas tinham sido feitos em momento posterior à propositura da ação, o que não se provou, nem se concede, tal não significaria que não o possa ter feito antes junto de qualquer outro elemento relacionado com a Explorer Investments ou entidade com ela relacionada.

26. Terá de soçobrar assim, também neste ponto, a pretensão da Recorrente.

27. A comunicação dirigida aos arrendatários em 05.07.2017 é plenamente válida e eficaz, respeitando o preceituado no artigo 416.º do Código Civil.

28. Desde que recebeu aquela carta, em 06.07.2017, até ao momento em que intentou a presente ação judicial, a Recorrente não questionou ou comunicou à 1.ª Ré qualquer desconformidade da comunicação relativamente à identificação do comprador (vide documentos 11 e 12 juntos com a p.i.).

29. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, o comprador é identificado com precisão (nome, NIPC e sede) – a sociedade Summercity S.A. – ainda que, para o efeito da aquisição, esta sociedade pudesse utilizar uma sociedade veículo, de direito português, por si detida, com é habitual em operações desta natureza.

30. A Recorrente, enquanto sociedade de advogados, tem especiais competências para compreender a formulação utilizada na carta e confirmar a existência jurídica da sociedade compradora e do “veículo” por ela a utilizar para a referida aquisição.

31. Nada na comunicação da 1.ª Ré ficou por esclarecer que pudesse influenciar decisivamente a formação da vontade da Recorrente, enquanto titular do direito de preferência.

32. A Recorrente não exerceu o direito de preferência porque até ao fim do prazo que foi dado para o efeito, não logrou reunir os fundos necessários.

33. O facto da escritura pública de compra e venda ter sido agendada para 4 dias depois da data constante da carta de 05.07.2017, não constitui uma alteração das condições essenciais do negócio.

34. Conforme lembra, e bem, o Acórdão do STJ no processo 086424 (disponível em www.dgsi.pt) a propósito da não indispensabilidade da indicação da data concreta da escritura pública «considera-se que, em rigor, ela não é indispensável, ao menos como data precisa ou determinada: em regra, a marcação da escritura não se faz antes da comunicação ao preferente, por se desconhecer a sua resposta; só depois desta é que será razoável acertar essa data com o terceiro ou o preferente, conforme o caso; e ela dependerá ainda da disponibilidade dos serviços notariais e do cumprimento prévio de diversas formalidades».

35. A essencialidade dos termos do negócio deve ser aferida no caso concreto, ou seja, haverá que determinar se outorgar a escritura pública 4 dias depois do indicado na carta era relevante para a Recorrente tomar uma decisão diferente e exercer o direito de preferência.

36. A data relevante para a Recorrente (como para qualquer arrendatário) aferir da capacidade de pagar o preço, era o termo do prazo concedido para o exercício do direito de preferência, e não uma qualquer outra data subsequente em que eventualmente viesse a ter essa capacidade.

37. Como supra se disse, ficou provado que, mesmo em 04.08.2017, a Recorrente não conseguiu ter o dinheiro para pagar o preço, pelo que era indiferente ter sido comunicada uma data ou outra para a outorga da escritura, pois sempre a Recorrente não teria exercido o direito de preferência.

38. É, pois, falso que os pressupostos do negócio comunicados para efeitos de preferência tenham sofrido alterações significativas e que por isso a posição assumida nos autos pela Recorrente Autora mereça a tutela do Direito.

39. Com o registo da acção que ora se discute, a Recorrente teve como intenção impedir a realização do negócio entre a 1ª Ré e a aqui 3ª Ré e, por essa razão, é a conduta da Recorrente susceptível de se enquadrar como um ato ilícito e culposo, causador de danos na esfera jurídica da 3ª Ré, os quais que está obrigada a indemnizar.

40. Obrigação de indemnizar que se verifica em relação aos danos patrimoniais que já sofreu e que virá a suportar no futuro em consequência da atuação ilícita da Autora ao impedir a concretização do negócio, nos termos previstos nos artigos 556.º, 1, alínea b), 358.º do Código de Processo Civil e 569.º do Código Civil. Nomeadamente, os que resultariam da aquisição do edifício, com a consequente extinção automática do contrato de arrendamento decorrente da assumpção da qualidade de proprietária (deixando de pagar as rendas), e da sua exploração económica, quer através da manutenção e incremento dos arrendamentos, quer eventualmente pela sua alienação a terceiro, inerentes à própria qualidade de proprietário.

41. Também aqui, andou bem o Tribunal a quo, ao condenar a Recorrente no pedido reconvencional apresentado pela 3.ª Ré.

42. Quanto à condenação da Recorrente como litigante de má fé, embora a 3.ª Ré não a tenha pedido, apenas se dirá que esse Venerando Tribunal saberá superiormente apreciar a censura feita pelo Tribunal a quo à conduta da Recorrente.

43. De todo o exposto resulta a improcedência in totum das conclusões do Apelante, porquanto a Douta sentença não merece reparo ou censura e deve ser integralmente mantida.

 12. O Tribunal da Relação julgou parcialmente procedente o recurso.

   13. O dispositivo do acórdão recorrido é do seguinte teor:

Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível, em:

a) Julgar prejudicado o conhecimento da impugnação da decisão da matéria de facto, atinente ao invocado pela recorrente, a respeito da alínea R) dos factos provados;

b) Modificar a decisão da matéria de facto, no tocante à redação das alíneas XX) e BBB) dos factos provados e à inclusão determinada na matéria de facto não provada, em conformidade com o supra referido;

c) Alterar o ponto 2 do dispositivo da sentença, que passa a ter o seguinte teor: “2. Julgar parcialmente procedente o pedido reconvencional deduzido pela ré Silcoge – Sociedade Construtora de Obras Gerais, S.A., condenando a autora a pagar-lhe, a título de indemnização pelos prejuízos consistentes no pagamento de juros decorrentes dos encargos bancários da 1.ª ré que ficaram por liquidar, relativos a abertura de crédito com hipoteca e consignação de rendimentos, datada de 15-01-2007, a favor de Eurohypo (hoje Commerzbank Aktiengesellschaft), a liquidar após trânsito em julgado da sentença, no respetivo incidente de liquidação, absolvendo a autora, quanto ao mais peticionado no pedido reconvencional da 1.ª ré”;

d) Revogar a decisão recorrida, na parte em que condenou a autora a pagar uma indemnização à 3.ª ré “pelos prejuízos que esta venha ainda a suportar no futuro, decorrentes da atuação daquela, incluindo as rendas que deixou de receber e a mais valia que venha a perder, quantia essa a ser liquidada após trânsito em julgado da sentença no respectivo incidente de liquidação”, mantendo-se, no mais – e no que concerne ao julgamento do pedido reconvencional deduzido pela 3.ª ré, a condenação enunciada no ponto 3 do dispositivo da sentença recorrida;

e) Revogar a condenação da autora como litigante de má fé, absolvendo-a do contra si peticionado a este título; e

f) Confirmar, quanto ao mais, a sentença recorrida.

Custas pela apelante e pelas apeladas, na proporção do decaimento havido, o qual, se fixa em 1/3 para a autora, 1/3 para a 1.ª ré e 1/3 para a 3.ª ré.

  14. Inconformada, a Ré SILCOGE – SOCIEDADE CONSTRUTORA DE OBRAS GERAIS, S.A., interpôs recurso de revista.

   15. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

i. O Acórdão recorrido incorre em nulidade, nos termos do artº 615º, nº 1, alínea c), do CPC, por contradição entre os fundamentos e a decisão respeitante à alteração da alínea BBB) dos factos provados, na medida em que mantém a fundamentação exposta na sentença da 1ª Instância, assim como a valoração dos meios de prova ali plasmada, e conclui decidindo pela alteração parcial da decisão emitida sobre a matéria de facto, sem para tanto apresentar a argumentação nesse sentido.

ii. O entendimento vertido no acórdão recorrido, no sentido de não se ter apurado que determinado facto — a realização da “sobre-amortização” de € 650.000,00 pela Ré Silcoge — tenha gerado “algum prejuízo” não justifica a desconsideração desse facto da matéria provada, ainda que o respetivo tema da prova e, consequentemente, o facto provado, se encontrasse redigido sob fórmula conclusiva.

iii. Ao confundir o facto “sobre-amortização” com o juízo conclusivo que sobre o mesmo fez incidir, relativo à ocorrência ou não de impacto financeiro desse facto, e ainda ao tomar a falta de elementos nos autos para quantificação do dano por inexistência de “algum prejuízo”, o acórdão recorrido incorre na incorreta aplicação do Direito, em concreto desrespeitando o disposto nos artigos 483.º, 562.º, 564.º e 566.º, nºs 1 e 2, e 569º do Código Civil, bem como os princípios e mecanismos processuais previstos nos artigos 358.º a 360.º, 410º, 411º, 556.º, nº 1, alínea b), 607º, nºs 3 e 4, e 609.º, nº 2, do Código de Processo Civil.

iv. Pelas razões aduzidas, o dano decorrente da realização da “sobre-amortização” de € 650.000,00 pela Ré Silcoge, em montante a determinar em incidente de liquidação, deve ser abrangido pela indemnização a pagar pela Autora, enquanto prejuízo financeiro emergente do impedimento da venda, como foi decidido em sede de 1ª Instância e em conformidade com as referidas normas.

v. O intentar de uma ação em que, contra legem, se pede que a 1.ª Ré seja proibida de proceder à alienação do seu imóvel, mediante a mera invocação de preterição de uma comunicação para preferir, sem intenção de exercer o putativo direito de preferência subjacente, e o imediato registo desta acção em oneração daquele imóvel, no exato momento em que decorria o processo da sua venda, consiste de forma flagrante não só na dedução dolosa de uma pretensão que a Autora sabia não ter fundamento, como um uso manifestamente reprovável dos meios processuais, com a finalidade de conseguir um objetivo ilegal.

vi. Não devendo a Autora desconhecer os mecanismos adequados à tutela do seu direito, praticou os atos de instaurar, registar, prosseguir e recorrer (n)a presente ação, aproveitando-se das suas competências técnicas e do fácil acesso à obrigatória constituição de mandatário, para engendrar uma iniciativa judicial que lhe permitisse «“paralisar” o negócio que as 1ª e 3ª rés se aprestavam para celebrar» sem estar vinculada ao inconveniente depósito do preço do negócio.

vii. Perante as condutas da Autora atrás descritas, e reiterando-se a justa decisão de 1ª Instância, deve aquela ser condenada como litigante de má fé, em multa a fixar por prudente arbítrio do Tribunal, em conformidade com a culpa da Autora e com o valor da ação, e no pagamento de indemnização à 1ª Ré para reembolso das despesas que esta se viu na contingência de suportar para se defender nestes autos, incluindo os honorários do seu mandatário, a liquidar no termo do processo, tudo nos termos do disposto nos artigos 542.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e d), e 543.º, todos do Código de Processo Civil.

Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogado o douto acórdão recorrido quanto às decisões atrás impugnadas, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.

  16. A Autora PLÁCIDO DE ABREU E ASSOCIADOS – SOCIEDADE DE ADVOGADOS, SP, RL, contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

  17. Finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

a) Não procede a nulidade do acórdão suscitada pela Recorrente emergente da suposta contradição entre a fundamentação e a decisão do Tribunal a quo quanto à matéria elencada nos pontos 5) e 11) do acórdão recorrido, ambos respeitantes à alínea BBB) dos factos provados;

b) Do acórdão recorrido resulta apenas que não foi atendido o recurso da Recorrida interposto para a Relação, na parte em que sustentou que a prova do facto BBB) não podia ser realizada apenas com base nas declarações prestadas pelo legal representante da 1ª Ré, ora Recorrente, e tinha de ser realizada através de prova documental;

c) Porém, refutar a argumentação da Recorrida quanto à necessidade de determinado meio de prova para dar por provado um concreto facto (ou conjunto de factos) não é dar razão à 1.ª Instância ao considerar como provados determinados factos;

d) Apesar de o Acórdão recorrido entender não ser de exigir meio de prova vinculado para a demonstração dos factos em apreço, decidiu adicionalmente que a concreta prova produzida (declarações de parte), não foi suficiente para dar por provado o dano correspondente aos “juros vencidos e vincendos do valor de capital remanescente da satisfação do encargo bancário (€650.000 x 8%/ano)”;

e) O Acórdão recorrido não corrobora a sentença ponto por ponto, para a final decidir pela eliminação de uma parte dos factos que sustentam a pretensão reconvencional, e não há qualquer contradição entre os fundamentos do acórdão e a decisão de dar por não provado o facto referido na conclusão anterior;

f) É que, percorridos todos os factos dados por provados na sentença de 1ª instância – e mesmo desconsiderando, sem conceder, a alteração da resposta dada ao facto provado BBB) realizada pelo Tribunal da Relação – não se encontra qualquer facto que consigne que aquela amortização foi efectivamente realizada;

g) A amortização da quantia de 650.000,00 € não constitui sequer um facto, mas antes um pressuposto que, de forma surpreendente, foi dado por bom ao longo de todo o processo, embora erradamente e sem prova que o sustente;

h) Em todo o caso, certo é que a alegação do putativo dano da Recorrente se refere, de modo claro e inequívoco, aos juros vencidos e vincendos, e não à questionável e obscura amortização, pelo que o Tribunal “a quo” não pôs nem nunca poderia pôr em causa o suposto facto «amortização», porque facto não é, nem faz parte do elenco dos factos dados por provados (e nem sequer, dos factos não provados);

i) Não assiste razão à Recorrente quando alega que foi ceifada dos factos provados a própria referência ao encargo bancário suportado: é que o alegado encargo bancário de 650.000 € suportado pela Recorrente nunca fez parte desse elenco;

j) Assim, o Tribunal da Relação actuou de forma acertada ao exercer o seu poder de alterar a resposta à matéria de facto, em função da prova (não) produzida em juízo;

k) A alteração da resposta à matéria de facto provada, relativamente à alínea BBB), determina necessariamente uma modificação do Acórdão quanto ao julgamento que recaiu sobre o(s) pedido(s) reconvencional(ais) deduzido(s) pela Recorrente;

l) Apesar de a Recorrente ter alegado prejuízos, não logrou demonstrá-los, quando menos, no que se refere a uma suposta amortização de 650.000,00 € e à alegada perda dos respectivos juros, e não há na sentença um qualquer facto provado que o refira;

m) Se a Recorrente pretendia ver incluído no elenco dos factos provados o facto «satisfação de encargo bancário» deveria ter recorrido da matéria de facto fixada na sentença, e não o fez, conformando-se com o pressuposto criado ao longo do processo, pelo que não pode alegar que a Relação não pôs em causa o facto «amortização», se nenhum facto (provado ou não provado) há na sentença para pôr em causa;

n) E não se diga contra, como faz a Recorrente, que foi deduzido um pedido de indemnização a liquidar em sede de execução de sentença, pois não se pode confundir a dificuldade em liquidar, isto é, indicar um valor líquido, certo, dos prejuízos sofridos, com a não produção de prova sobre os danos já indicados, ainda que não quantificados;

o) Com efeito, apesar de a Recorrente ter alegado que, para um cenário de três anos de manutenção do ónus registado pela Recorrida, tais danos seriam de valor não inferior a € 510.227,00, é no mínimo, estranho, que não lhe tenha sido possível juntar aos autos prova documental da realização dessa amortização e dos putativos danos;

p) O Tribunal de 1ª instância não soube realizar esta distinção e laborou num erro de julgamento, relegando para execução de sentença a liquidação de danos cuja verificação carecia de ser demonstrada em julgamento, mas como seria expectável, o Acórdão Recorrido corrigiu essa decisão;

q) Assim teria de ser porquanto não ficou minimamente demonstrado qual foi o montante efectivo da amortização - acaso tenha sido realizada - qual a data da sua realização, que motivo lhe esteve subjacente, numa palavra, não foi produzido o mais pequeno arremedo de prova desse alegado prejuízo;

r) A redacção do artigo 29º da contestação da Recorrente é opaca e enigmática, não permitindo perceber se os juros peticionados incidiriam sobre o valor de amortização de 650.000,00 € alegadamente realizado, se, pelo contrário, seriam calculados sobre o valor remanescente após essa alegada satisfação do encargo, e em caso afirmativo, qual o valor remanescente, estando em causa uma pretensão verdadeiramente obscura e ininteligível;

s) Não se surpreende, assim, qualquer confusão no Acórdão recorrido entre o facto e o juízo conclusivo, porque, simplesmente, não há qualquer facto (provado);

t) A acrescer, não se verifica qualquer nexo causal – nem a Recorrente o demonstra – entre a conduta da Recorrida e a necessidade da suposta amortização do encargo bancário, nem nexo causal entre a suposta amortização do encargo bancário e a não percepção de juros pela Recorrente, limitando-se esta a afirmar que a não extinção dos compromissos bancários é adequada, em abstracto, a causar danos;

u) A não percepção de juros não é em si mesma um facto público e notório, de entendimento comum, antes carece de ser demonstrado por quem os invoca, em cumprimento do ónus de alegação e prova dos factos constitutivos da pretensão, conforme decorre do princípio do dispositivo;

v) A ora Recorrida não litiga de má-fé nos presentes autos;

w) A acção proposta merece a tutela do direito e nada tem de «atípico», o que foi confirmado no douto despacho saneador, transitado em julgado e sem qualquer sinal de insurreição da Recorrente, no qual se apreciou a concreta pretensão da Recorrida e foi sindicado exaustivamente se esta era titular, em abstracto, do direito que invocou, e se decidiu positivamente, fixando de modo definitivo o objecto do litígio

x) Andou bem o Tribunal recorrido ao concluir lapidarmente que a ora Recorrida actuou “…no núcleo de exercitação admissível do direito de ação”, pois esta configurou a acção proposta da forma que considerou a mais adequada à tutela dos seus direitos, tendo por fundamento a ineficácia da comunicação feita pela 1ª Ré para preferir;

y) O registo da acção pela Recorrida não é atentatório da posição jurídica da Recorrente e da 3ª Ré no negócio entre estas ajustado, e consiste numa faculdade legal, expressamente prevista no artigo 3º, n.º 1, a) e artigo 92º, n.º 1, a), do CR Predial;

z) É a própria Recorrente a reconhecer que era necessário o registo da acção, pois revelava-se, no caso concreto, a única forma eficaz – sendo essa a sua razão de ser - de acautelar o direito de que a Recorrida se arrogou, sob pena de a sentença cuja prolacção era esperada ser destituída de qualquer efeito útil;

aa) A Recorrida não pretendeu nunca utilizar a presente acção judicial ou o registo da mesma sobre o imóvel dos autos para prosseguir um fim ou objectivo ilegal, antes recorreu aos meios judiciais para fazer valer um seu direito;

bb) Na apreciação da litigância de má-fé, não releva a circunstância de a Recorrida ser uma sociedade de advogados – ou na qual trabalham vários advogados - quando não há nenhum elemento nos autos que permita concluir, nem sequer indiciariamente, que esta agiu nessa qualidade, não sendo de considerar a especial qualidade que alguém possa ter em determinada área do saber para “agravar” a sua condenação, se ficar demonstrado que não agiu como parte investida dessa especial qualificação;

cc) Nos presentes autos, a Recorrida agiu como (mera) arrendatária, não se devendo obliterar a distinção entre a prossecução do seu objecto social e a sua qualidade de arrendatária de determinado imóvel;

dd) Ao defender a existência de um dever acrescido de cuidado, a Recorrente procede a uma inaceitável desconsideração da personalidade jurídica colectiva da Recorrida, para se centrar na circunstância de (quase) todos os colaboradores desta serem advogados, e como tal, emprestarem-lhe o tal dever acrescido a que aquela não está obrigada, por ter actuado na qualidade de pessoa colectiva de natureza civil, isto é, de arrendatária;

ee) Na apreciação da conduta processual deve-se utilizar como critério o do homem médio, tomando por padrão a diligência normal exigível a qualquer pessoa, sem valorizar especiais circunstâncias ou qualificações de modo a poder atribuir uma maior censura ao comportamento em apreço, ou seja, apreciar a conduta da Requerida à luz da que seria exigível a uma qualquer sociedade arrendatária, na sua posição e circunstâncias;

ff) A acção não foi proposta pela Recorrida com a intenção de utilizar o processo de forma ínvia, desconforme aos fins para que foi criado e com o propósito intencional de, sobretudo, prejudicar a Recorrente ou a 3ª Ré, mas apenas o de proteger os direitos de que estava convicta possuir (e que não lhe foram reconhecidos);

gg) Apesar de a actuação da Recorrida ter sido considerada ilícita, isso não gera automática e necessariamente litigância de má-fé, e não pode nunca olvidar-se que foi dado como não provado que “…por via do pedido formulado nestes autos a autora pretende tão só “destruir” o direito adquirido pela aqui 3ª Ré de comprar o Edifício ...”;

hh) A lide meramente ousada, de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio apenas por fragilidade de prova, de dificuldade em apurar os factos e de os interpretar, de diversidade de versões sobre determinados factos ou até de defesa convicta e séria de uma posição que não logrou convencer, bem como a sustentação de teses controvertidas na doutrina e a interpretação de regras de direito, ainda que especiosamente feitas, não integram litigância de má-fé;

ii) A actuação processual da Recorrida não deu causa a uma atividade jurídico-processual acrescida da Recorrente, pelo que não deve ser-lhe arbitrada uma indemnização, que visaria apenas compensá-la exclusivamente por esse esforço acrescido;

Nestes termos, e com os demais de Direito que doutamente serão supridos por V. Exas., deve o recurso da Recorrente ser julgado improcedente in totum, confirmando-se a decisão recorrida, com o que farão V. Exas., Venerandos Conselheiros, o que é de inteira JUSTIÇA!

  18. Em acórdão de conferência, o Tribunal da Relação de Lisboa pronunciou-se no sentido da improcedência da arguição das nulidades previstas nas alíneas b) e c) do art. 615.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

   19. Como objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a apreciar são as seguintes:

 I. — se o acórdão recorrido é nulo, por contradição entre os fundamentos e a decisão;

II. — se a Recorrida PLÁCIDO DE ABREU E ASSOCIADOS – SOCIEDADE DE ADVOGADOS, SP, deverá ser condenada a indemnizar a Recorrente SILCOGE – SOCIEDADE CONSTRUTORA DE OBRAS GERAIS, S.A., pelos danos correspondentes “[a]os juros vencidos e vincendos do valor de capital remanescente da satisfação do encargo bancário (€ 650.000 x 8%/ano)”;

III. — se a Recorrida PLÁCIDO DE ABREU E ASSOCIADOS – SOCIEDADE DE ADVOGADOS, SP, deverá ser condenada como litigante de má fé.

II. — FUNDAMENTAÇÃO

       OS FACTOS

  20. O Tribunal de 1.ª instância deu como provados os factos seguintes:

A) A 1ª Ré é proprietária do prédio urbano destinado a serviços sito na Rua ..., 23, em …, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º …. da freguesia de ..., e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo …. da referida freguesia.

B) Por contrato de arrendamento celebrado em ... de Maio de 2011, a 1ª Ré deu de arrendamento duas fracções autónomas que correspondem à totalidade do 2º andar e, inicialmente, 5 (cinco) lugares de estacionamento individuais sitos no Piso … do referido prédio a CC.

C) CC é ….. e …… da aqui Autora, pelo que pouco depois, em … de Julho de 2011, foi celebrado o contrato de cessão de posição contratual em aquele cede a esta a sua posição de inquilino

D) Em … de Fevereiro de 2012 foi celebrado entre a 1.ª Ré e a Autora (primeiro) aditamento ao Contrato de Arrendamento através do qual as partes acordaram alterar o mesmo na sequência da alteração do número de identificação de pessoa colectiva da Autora.

E) Em … de Outubro de 2013 foi celebrado entre a 1.ª Ré e a Autora (segundo) aditamento ao Contrato de Arrendamento, através do qual as partes acordaram a alteração de algumas das condições do mesmo, estabelecendo uma extensão da duração do contrato acompanhada da redução temporária da remuneração mensal a liquidar pela Autora.

F) Em … de Junho de 2016, foi celebrado entre a 1ª Ré e a Autora (terceiro) aditamento ao Contrato de Arrendamento, através do qual aquela deu de arrendamento a esta o espaço com a área de 225,90 m2, situado no Piso …, lado ..., do edifício supra identificado.

G) A par do Contrato de Arrendamento acima identificado, as 1.ª Ré e a Autora celebraram, ainda:

H) Em 15 de Novembro de 2012, um outro contrato de arrendamento através do qual a 1.ª Ré deu de arrendamento à Autora 1 (um) lugar de estacionamento individual (lugar …) sito no Piso …. do edifício em apreço,

I) Em … de Abril de 2013, um outro contrato de arrendamento através do qual a 1.ª Ré deu de arrendamento à Autora 1 (um) lugar de estacionamento individual (lugar ..) sito no Piso … do edifício em apreço.

J) Em … de Novembro de 2016, foi celebrado entre a 1ª Ré e a Autora (quarto) aditamento ao Contrato de Arrendamento, através do qual aquela deu de arrendamento a esta mais dois lugares de estacionamento.

L) Na presente data e por via dos contratos de arrendamento acima identificados e respectivos aditamentos, a Autora é arrendatária das seguintes fracções do prédio urbano propriedade da 1.ª Ré:

(i) Piso ..

(ii) Piso .., lado ….;

(iii) Lugares para estacionamento n.ºs .. do Piso .., .., .., .. e .. do Piso .., .., e .. do Piso .. e .. e .. Piso ..; e

(iv) Arrecadação no Piso ...

M) Por carta datada de 5 de Julho de 2017, a 1ª Ré notificou a Autora, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1091º, n.º 1, alínea a) do Código Civil, para, querendo, exercer o direito de preferência na venda da totalidade do prédio urbano identificado em A).

N) Os termos e condições da projectada venda comunicados à Autora pela 1ª Ré através da referida carta são as seguintes, que por conveniência de exposição se transcrevem na parte que releva para os presentes autos:

“Objecto de Alienação e Preferência: o Edifício ..., supra identificado;

Comprador: SUMMERCITY, S.A., sociedade comercial de direito português, com sede na Av. ..., n.º …., …, inscrita no registo comercial de …, sob o número único de pessoa coletiva e de identificação fiscal …., ou uma outra sociedade comercial de direito português pertencente ao mesmo grupo económico da Summercity, S.A., controlada pelo Explorer Real Estate Fund I;

Preço e Condições de Pagamento: O preço de alienação do Edifício ..... é de € 6.250.000,00 (seis milhões e duzentos e cinquenta mil euros). O preço será totalmente pago, com fundos imediatamente disponíveis, pelo Comprador, no ato da celebração da escritura de compra e venda;

Data da Celebração da Escritura de Compra e Venda: O contrato definitivo de compra e venda será celebrado por escritura pública, até ao dia … de julho de 2017, em dia, hora e local sito em …, ficando o respectivo agendamento a cargo do Vendedor;

Tendo em atenção o acima exposto, ficam V. Exas. notificados para, querendo, e nos termos da legislação em vigor, exercer o direito de preferência que Vos assiste, relativamente à aquisição do Edifício ..., no prazo máximo de 8 (oito) dias a contar da data de recepção da presente carta.”

O) A Autora não exerceu o direito de preferência que lhe assistia.

P) A 3ª ré é arrendatária dos Pisos .., .., lado …. e ….., e do piso .., bem como de 9 lugares de estacionamento no Edifício ..., identificado na alínea A).

Q) E na sua qualidade de arrendatária recebeu também ela da 1.ª Ré, em 06 de Julho de 2017, a carta datada de 05 de Julho de 2017 através da qual foi notificada para, querendo e nas condições ali indicadas, exercer o direito de preferência na aquisição do Edifício ... .

R) A 3ª Ré, no prazo que foi conferido para o efeito, decidiu exercer o seu direito de preferência na aquisição do Edifício ... .

S) A 1.ª Ré comunicou à 3ª ré que deveria comparecer no dia 04 de Agosto de 2017, nas instalações que aquela ocupa na Avenida ..., n.º .. – ...º andar, em …, para a outorga da escritura pública de compra e venda do Edifício ... ..

T) Em 2 de Agosto de 2017, a 3.ª Ré procedeu à publicação de alterações ao seu objecto social através da AP. 13/20170802, acrescentando “Compra e venda de imóveis e a revenda dos adquiridos para esse fim” ao respectivo objecto social de “Prestação de serviços e tratamentos de nutrição e dietética. Todas as actividades acessórias e complementares destinadas ao tratamento não cirúrgico de excesso de peso, incluindo consultas médicas.”.

U) A autora enviou à 1ª ré, que a recebeu, com a data de 2 de Agosto de 2017 a carta junta a fls. 100/100 verso e cujo teor se dá aqui por reproduzido.

V) A Sociedade Summercity, S.A. é controlada pelo Explorer Real Estate Fund.

X) O Fundo Explorer é gerido pela sociedade E.......– Sociedade de Capital de Risco, S.A.

Z) A sociedade 2.ª Ré Summercity e a sociedade E.....– Sociedade de Capital de Risco, S.A. tem sede na mesma morada.

AA) A Autora é membro do Conselho Fiscal da sociedade E....– Sociedade de Capital de Risco, S.A. encontrando-se nomeada para o quadriénio 2016/2019.

BB) A Autora é representada no Conselho Fiscal da dita sociedade, pelo Dr. CC.

CC) A autora procedeu ao registo da presente acção na Conservatória do Registo Predial respectiva.

DD) A autora não exerceu o direito de preferência no prazo que lhe foi comunicado pela vendedora – oito dias.

EE) A autora não conseguiu angariar o dinheiro suficiente para a compra do imóvel 6.250.000,00 € - e, consequentemente, exercer o direito de preferência.

FF) No dia … de Agosto de 2017, em contacto telefónico com um dos sócios da proprietária do imóvel, a autora tomou conhecimento que a escritura pública de compra e venda não tinha sido realizada no prazo fixado pela 1ª Ré para o efeito, isto é, até ao … de Julho de 2017.

GG) Nesse telefonema tal sócio da autora informou o quadro superior da 1ª Ré que, estando ultrapassado o prazo fixado pela 1ª Ré para a realização da escritura pública de compra e venda, as condições informadas na carta datada de … de Julho de 2017 deixavam de ser válidas, uma vez que, havendo novo prazo para a celebração da escritura, estar-se-ia perante novo negócio, com novas condições e pressupostos.

HH) Apesar de tal posição desse sócio da Autora, o seu interlocutor referiu que não era esse o entendimento da 1ª Ré e dos seus assessores jurídicos, indiciando deste modo que iriam prosseguir com a transacção.

II) Em face de tal posição, a autora entendeu dever comunicar formalmente à 1ª Ré a sua posição, o que fez por e-mail datado de … de Agosto de 2017, junto a fls. 99 e cujo teor se dá por reproduzido;

JJ) Pouco depois, ainda nesse mesmo dia … de Agosto de 2017, tendo a Autora tido conhecimento que a escritura pública de venda do prédio em apreço está já marcada para uma outra data, que não havia sido comunicada na carta de 5 de Julho remetida pela 1ª Ré, remeteu novo e-mail, junto a fls. 102 verso e cujo teor se dá por reproduzido.

LL) No contacto telefónico de … de agosto de 2017 foi dito à autora que a 3ª ré teria exercido o direito de preferência mas que o contrato definitivo e o pagamento do preço não teria tido ainda lugar.

MM) A Nutribalance tem vindo a ocupar vários pisos do prédio, tendo nos últimos dias solicitado à Autora autorização para visitar os 2º e 4º pisos que esta ocupa.

NN) A autora nunca manifestou perante a 1ª ré qualquer interesse em adquirir o prédio.

OO) Nunca lhe tendo solicitado quaisquer elementos ou informações sobre o prédio;

PP) Não tendo pedido autorização para visitar outros pisos do edifício por si ou através de qualquer avaliador.

QQ) O Edifício .... compunha um conjunto de bens imóveis que a 1.ª Ré Silcoge decidiu alienar.

RR) Tendo negociado a sua alienação, em bloco, à aqui 2.ª Ré, a Sociedade Summercity, S.A.;

SS) Muito embora o preço do negócio tenha sido acordado na globalidade, houve a necessidade de atribuir um preço unitário a cada um dos bens imóveis a alienar;

TT) Sendo que ao Edifício ... foi atribuído pelas Rés Silcoge e Summercity o preço de € 6.250.000,00.

UU) Assim que a Autora teve conhecimento da comunicação datada de 5 de Julho remetida pela 1ª Ré para exercício do direito de preferência iniciou diligências no sentido de reunir investidores e obter financiamento que lhe permitisse pagar o preço de venda comunicado;

VV) Por e-mails datados de … de Julho de 2017 a Autora contactou a Fund Box -Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário S.A., dando conhecimento do negócio em que poderia ser exercida a preferência.

XX) O negócio foi considerado interessante e XX) foram solicitados elementos adicionais, que nessa mesma data foram remetidos à FundBox.

ZZ) Ainda nesse mesmo dia, a FundBox, na pessoa do Administrador, Prof. Dr. AA, comunicou que já havia reunido com o Dr. II, …….. do Banco Invest, S.A., a tentar financiar a aquisição pretendida pela Autora.

AAA) A Autora contactou ainda outro investidor, a Real Vida Seguros, S.A., que igualmente se mostrou interessada em apoiar a Autora na obtenção do financiamento necessário e se propôs a analisar o mesmo.

BBB) Em consequência, a 1ª Ré sofreu, e irá sofrer por tempo indeterminado, prejuízos financeiros relacionados com o referido impedimento causado pela Autora e que se traduzem:

— Nos juros vencidos e vincendos dos encargos bancários da 1ª Ré que ficaram por liquidar, relativos à abertura de crédito com hipoteca e consignação de rendimentos datada de 15/01/2007 e actualizada em 27/03/2012 e 12/03/2015 a favor do Eurohypo (hoje Commerzabank Aktiengesellschaft) – cfr. registo predial do imóvel; e

— Nos juros vencidos e vincendos do valor de capital remanescente da satisfação do encargo bancário (€ 650.000 x 8%/ano);

CCC) A presente acção acompanhada do seu imediato registo, em oneração do imóvel da 1ª Ré e no momento em que se concretizava a respectiva venda impediu, e impedirá por tempo indeterminado, a 1ª Ré de transmitir o imóvel livre de ónus e encargos.

DDD) Para obter assessoria financeira e legal com a montagem da operação inerente à aquisição do Edifício ..., a 3.ª Ré gastou quantia de, pelo menos, 18.000 euros.

EEE) Entre Julho e Agosto de 2017, o sócio gerente da 3.ª Ré, JJ, dedicou parte do seu tempo com o planeamento e preparação da operação de aquisição do Edifício ... .

 21. Em contrapartida, o Tribunal de 1.ª instância deu como não provados os factos seguintes:

- A autora não conseguiu angariar o montante referido em EE) pelo facto de estar estabelecido o prazo de …-07-2017 para celebração da escritura de compra e venda.

- O contacto telefónico ocasional informal com um quadro superior da 1ª Ré era habitual na relação de arrendatária e senhoria.

- A autora só no dia …-08-2017 soube que a 3ª Ré teria exercido o direito de preferência.

- Nesse contacto não ficou claro para a Autora se a adquirente do prédio em causa seria a aqui 2ª Ré, SUMMERCITY, S.A., tal como foi comunicado na carta de … de Julho ou a 3ª Ré;

- Não é indiferente para a Autora ter por senhorio quem se dedica à gestão de activos imobiliários, ou quem, como é o caso da 3ª Ré, pretende adquirir o imóvel para a expansão do seu próprio negócio e não pretende ter inquilinos.

- A Autora tem interesse directo e inequívoco nesta transacção, como potencial compradora das fracções que hoje ocupa, como arrendatária, e do restante edifício, enquanto negócio puramente imobiliário;

- A autora apenas equacionou tal negócio depois de tomar conhecimento de que o novo proprietário iria a ser a NBALANCE, ora 3.ª Ré;

- O exercício do direito de preferência pela 3ª ré foi uma surpresa, e mais propriamente, um choque para a Ré Summercity e para o Fundo Explorer que a controla, uma vez que o Edifício ... era um dos imóveis que compunham o lote que acordou comprar à Ré Silcoge com maior potencial de valorização e, por conseguinte, um daqueles que mais contribuíram para o preço global que aceitou pagar pelo negócio que celebrou com a Ré Silcoge.

- Por via do pedido formulado nestes autos a autora pretende tão só “destruir” o direito adquirido pela aqui 3ª Ré de comprar o Edifício ... .

- Revertendo o projectado negócio à “estaca zero”, o que interessará também à 2.ª Ré e ao Fundo Explorer.

- O referido em XX) tinha toda a informação considerada relevante para a ponderação de investimento no negócio, designadamente, áreas das fracções de que a Autora é arrendatária, prazo de vigência do contrato de arrendamento, valores das rendas pagas, encargos, etc.;

- Foi ainda contactado o Bankinter, embora o Prof. Dr. AA tenha sido da opinião que, face ao prazo de 8 dias para pagamento do preço, não deveria ser possível conseguir aprovação da operação.

- A entidade referida em AAA) reconheceu que o espaço temporal para a decisão era muito reduzido;

- A Autora, apesar de membro do Conselho Fiscal da Explorer Investments, entidade gestora do Explorer Real Estate I, nunca comentou, relatou, informou ou referiu àquela entidade, ou a qualquer entidade relacionada com mesma, qualquer facto relativo ao litígio em questão;

- E só depois da presente acção estar instaurada é que a Autora, informalmente por uma questão de transparência, informou a a Explorer Investments que havia intentado uma acção contra a 2.ª Ré.

- A 1ª Ré não conhece nenhum interessado em adquirir o imóvel em causa com o ónus que lhe foi imposto pela autora;

- Logo que teve conhecimento da presente acção, a entidade financiadora com quem a 3.ª Ré tinha acordado o financiamento de parte do preço recusou-se a concretizar a operação.

- Para os efeitos referidos em EEE) a 3ª ré despendeu a exacta quantia de 18.450,00 Euros;

- Com a negociação do financiamento bancário, a 3.ª Ré suportou, ainda, a quantia de 4.729,24 euros em custos bancários;

- Que o sócio gerente da 3.ª Ré, JJ gastou pelo menos 100 horas nas actividades referidas em EEE) em prejuízo da atividade que normalmente presta para a 3.ª Ré, que representou um dano para a empresa de cerca de 3.500,00 Euros;

- A 3.ª Ré, uma vez concretizada a aquisição do Edifício ...., pretendia proceder à sua exploração económica, quer através da manutenção e incremento dos arrendamentos, quer eventualmente pela sua alienação a terceiro.

  22. O Tribunal da Relação

 I. — alterou o alenco dos factos dados como provados, ao modificar a redacção das alíneas XX) e BBB);

 II. — alterou o elenco dos factos dados como não provados.

  23. Em consequência da alteração, o acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes:

A) A 1ª Ré é proprietária do prédio urbano destinado a serviços sito na Rua ...., …., em ….., descrito na Conservatória do Registo Predial de .... sob o n.º … da freguesia de ...., e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia.

B) Por contrato de arrendamento celebrado em … de Maio de 2011, a 1ª Ré deu de arrendamento duas fracções autónomas que correspondem à totalidade do 2º andar e, inicialmente, 5 (cinco) lugares de estacionamento individuais sitos no Piso .. do referido prédio a CC.

C) CC é ….. e ….. da aqui Autora, pelo que pouco depois, em … de Julho de 2011, foi celebrado o contrato de cessão de posição contratual em aquele cede a esta a sua posição de inquilino

D) Em … de Fevereiro de 2012 foi celebrado entre a 1.ª Ré e a Autora (primeiro) aditamento ao Contrato de Arrendamento através do qual as partes acordaram alterar o mesmo na sequência da alteração do número de identificação de pessoa colectiva da Autora.

E) Em … de Outubro de 2013 foi celebrado entre a 1.ª Ré e a Autora (segundo) aditamento ao Contrato de Arrendamento, através do qual as partes acordaram a alteração de algumas das condições do mesmo, estabelecendo uma extensão da duração do contrato acompanhada da redução temporária da remuneração mensal a liquidar pela Autora.

F) Em … de Junho de 2016, foi celebrado entre a 1ª Ré e a Autora (terceiro) aditamento ao Contrato de Arrendamento, através do qual aquela deu de arrendamento a esta o espaço com a área de 225,90 m2, situado no Piso …, lado ..., do edifício supra identificado.

G) A par do Contrato de Arrendamento acima identificado, as 1.ª Ré e a Autora celebraram, ainda:

H) Em … de Novembro de 2012, um outro contrato de arrendamento através do qual a 1.ª Ré deu de arrendamento à Autora 1 (um) lugar de estacionamento individual (lugar …) sito no Piso ... do edifício em apreço,

I) Em … de Abril de 2013, um outro contrato de arrendamento através do qual a 1.ª Ré deu de arrendamento à Autora 1 (um) lugar de estacionamento individual (lugar ..) sito no Piso ..  do edifício em apreço.

J) Em … de Novembro de 2016, foi celebrado entre a 1ª Ré e a Autora (quarto) aditamento ao Contrato de Arrendamento, através do qual aquela deu de arrendamento a esta mais dois lugares de estacionamento.

L) Na presente data e por via dos contratos de arrendamento acima identificados e respectivos aditamentos, a Autora é arrendatária das seguintes fracções do prédio urbano propriedade da 1.ª Ré:

(i) Piso ..

(ii) Piso .., lado ...;

(iii) Lugares para estacionamento n.ºs .. do Piso .., ..,..,.. e .. do Piso .., .., e .. do Piso ..  e .. e .. Piso ..; e

(iv) Arrecadação no Piso ...

M) Por carta datada de … de Julho de 2017, a 1ª Ré notificou a Autora, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1091º, n.º 1, alínea a) do Código Civil, para, querendo, exercer o direito de preferência na venda da totalidade do prédio urbano identificado em A).

N) Os termos e condições da projectada venda comunicados à Autora pela 1ª Ré através da referida carta são as seguintes, que por conveniência de exposição se transcrevem na parte que releva para os presentes autos: “Objecto de Alienação e Preferência: o Edifício ..., supra identificado; Comprador: SUMMERCITY, S.A., sociedade comercial de direito português, com sede na Av. ..., n.º …, …., inscrita no registo comercial de …, sob o número único de pessoa coletiva e de identificação fiscal …., ou uma outra sociedade comercial de direito português pertencente ao mesmo grupo económico da Summercity, S.A., controlada pelo Explorer Real Estate Fund I; Preço e Condições de Pagamento: O preço de alienação do Edifício ... é de € 6.250.000,00 (seis milhões e duzentos e cinquenta mil euros). O preço será totalmente pago, com fundos imediatamente disponíveis, pelo Comprador, no ato da celebração da escritura de compra e venda; Data da Celebração da Escritura de Compra e Venda: O contrato definitivo de compra e venda será celebrado por escritura pública, até ao dia … de julho de 2017, em dia, hora e local sito em …, ficando o respectivo agendamento a cargo do Vendedor; Tendo em atenção o acima exposto, ficam V. Exas. notificados para, querendo, e nos termos da legislação em vigor, exercer o direito de preferência que Vos assiste, relativamente à aquisição do Edifício ..., no prazo máximo de 8 (oito) dias a contar da data de recepção da presente carta.”

O) A Autora não exerceu o direito de preferência que lhe assistia.

P) A 3ª ré é arrendatária dos Pisos .., .., lado ........ e …., e do piso .., bem como de 9 lugares de estacionamento no Edifício ..., identificado na alínea A).

Q) E na sua qualidade de arrendatária recebeu também ela da 1.ª Ré, em … de Julho de 2017, a carta datada de … de Julho de 2017 através da qual foi notificada para, querendo e nas condições ali indicadas, exercer o direito de preferência na aquisição do Edifício ... ..

R) A 3ª Ré, no prazo que foi conferido para o efeito, decidiu exercer o seu direito de preferência na aquisição do Edifício … ..

S) A 1.ª Ré comunicou à 3ª ré que deveria comparecer no dia 04 de Agosto de 2017, nas instalações que aquela ocupa na Avenida ..., n.º ..– ..º andar, em …, para a outorga da escritura pública de compra e venda do Edifício … .

T) Em … de Agosto de 2017, a 3.ª Ré procedeu à publicação de alterações ao seu objecto social através da AP. 13/20170802, acrescentando “Compra e venda de imóveis e a revenda dos adquiridos para esse fim” ao respectivo objecto social de “Prestação de serviços e tratamentos de nutrição e dietética. Todas as actividades acessórias e complementares destinadas ao tratamento não cirúrgico de excesso de peso, incluindo consultas médicas.”.

U) A autora enviou à 1ª ré, que a recebeu, com a data de 2 de Agosto de 2017 a carta junta a fls. 100/100 verso e cujo teor se dá aqui por reproduzido.

V) A Sociedade Summercity, S.A. é controlada pelo Explorer Real Estate Fund.

X) O Fundo Explorer é gerido pela sociedade E.....– Sociedade de Capital de Risco, S.A.

Z) A sociedade 2.ª Ré Summercity e a sociedade E.....– Sociedade de Capital de Risco, S.A. tem sede na mesma morada.

AA) A Autora é membro do Conselho Fiscal da sociedade E….– Sociedade de Capital de Risco, S.A. encontrando-se nomeada para o quadriénio 2016/2019.

BB) A Autora é representada no Conselho Fiscal da dita sociedade, pelo Dr. CC.

CC) A autora procedeu ao registo da presente acção na Conservatória do Registo Predial respectiva.

DD) A autora não exerceu o direito de preferência no prazo que lhe foi comunicado pela vendedora – oito dias.

EE) A autora não conseguiu angariar o dinheiro suficiente para a compra do imóvel 6.250.000,00 € - e, consequentemente, exercer o direito de preferência.

FF) No dia … de Agosto de 2017, em contacto telefónico com um dos sócios da proprietária do imóvel, a autora tomou conhecimento que a escritura pública de compra e venda não tinha sido realizada no prazo fixado pela 1ª Ré para o efeito, isto é, até ao … de Julho de 2017.

GG) Nesse telefonema tal sócio da autora informou o quadro superior da 1ª Ré que, estando ultrapassado o prazo fixado pela 1ª Ré para a realização da escritura pública de compra e venda, as condições informadas na carta datada de … de Julho de 2017 deixavam de ser válidas, uma vez que, havendo novo prazo para a celebração da escritura, estar-se-ia perante novo negócio, com novas condições e pressupostos.

HH) Apesar de tal posição desse sócio da Autora, o seu interlocutor referiu que não era esse o entendimento da 1ª Ré e dos seus assessores jurídicos, indiciando deste modo que iriam prosseguir com a transacção.

II) Em face de tal posição, a autora entendeu dever comunicar formalmente à 1ª Ré a sua posição, o que fez por e-mail datado de … de Agosto de 2017, junto a fls. 99 e cujo teor se dá por reproduzido;

JJ) Pouco depois, ainda nesse mesmo dia … de Agosto de 2017, tendo a Autora tido conhecimento que a escritura pública de venda do prédio em apreço está já marcada para uma outra data, que não havia sido comunicada na carta de … de Julho remetida pela 1ª Ré, remeteu novo e-mail, junto a fls. 102 verso e cujo teor se dá por reproduzido.

LL) No contacto telefónico de … de agosto de 2017 foi dito à autora que a 3ª ré teria exercido o direito de preferência mas que o contrato definitivo e o pagamento do preço não teria tido ainda lugar.

MM) A Nutribalance tem vindo a ocupar vários pisos do prédio, tendo nos últimos dias solicitado à Autora autorização para visitar os 2º e 4º pisos que esta ocupa.

NN) A autora nunca manifestou perante a 1ª ré qualquer interesse em adquirir o prédio.

OO) Nunca lhe tendo solicitado quaisquer elementos ou informações sobre o prédio;

PP) Não tendo pedido autorização para visitar outros pisos do edifício por si ou através de qualquer avaliador.

QQ) O Edifício ... compunha um conjunto de bens imóveis que a 1.ª Ré Silcoge decidiu alienar.

RR) Tendo negociado a sua alienação, em bloco, à aqui 2.ª Ré, a Sociedade Summercity, S.A.;

SS) Muito embora o preço do negócio tenha sido acordado na globalidade, houve a necessidade de atribuir um preço unitário a cada um dos bens imóveis a alienar;

TT) Sendo que ao Edifício ... foi atribuído pelas Rés Silcoge e Summercity o preço de € 6.250.000,00.

UU) Assim que a Autora teve conhecimento da comunicação datada de … de Julho remetida pela 1ª Ré para exercício do direito de preferência iniciou diligências no sentido de reunir investidores e obter financiamento que lhe permitisse pagar o preço de venda comunicado;

VV) Por e-mails datados de … de Julho de 2017 a Autora contactou a Fund Box -Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário S.A., dando conhecimento do negócio em que poderia ser exercida a preferência.

XX) O negócio foi considerado interessante e foram solicitados elementos adicionais, que nessa mesma data foram remetidos – áreas: ...º andar: 421,70 m2; ...º andar direito: 225,90m2; cinco lugares de estacionamento individuais números .. (piso ..), .., .., .. e .. (todos no piso ..); prazo: termo no dia … de Junho de 2019, renovável por períodos de dois anos salvo oposição à renovação com 180 dias de antecedência; renda mensal: € 12.157,92 (total), que se decompõe em € 7.508,48 (..º andar), € 3.840,30 (..º andar direito) e € 809,14 (estacionamento); comparticipação nos encargos comuns do edifício: € 1.457,10+ IVA (correspondente a € 2,25/m2 dos espaços do ..º andar e do ..º andar direito) - à FundBox.

ZZ) Ainda nesse mesmo dia, a FundBox, na pessoa do Administrador, Prof. Dr. AA, comunicou que já havia reunido com o Dr. II, Administrador do Banco Invest, S.A., a tentar financiar a aquisição pretendida pela Autora.

AAA) A Autora contactou ainda outro investidor, a Real Vida Seguros, S.A., que igualmente se mostrou interessada em apoiar a Autora na obtenção do financiamento necessário e se propôs a analisar o mesmo

BBB) Em consequência, a 1.ª Ré sofreu e irá sofrer, por tempo indeterminado, prejuízos financeiros relacionados com o referido impedimento causado pela Autora e que se traduzem no valor do pagamento de juros decorrentes dos encargos bancários da 1.ª ré que ficaram por liquidar, relativos a abertura de crédito com hipoteca e consignação de rendimentos, datada de …-01-2007, a favor de Eurohypo (hoje Commerzbank Aktiengesellschaft) – cfr. registo predial do imóvel.

CCC) A presente acção acompanhada do seu imediato registo, em oneração do imóvel da 1ª Ré e no momento em que se concretizava a respectiva venda impediu, e impedirá por tempo indeterminado, a 1ª Ré de transmitir o imóvel livre de ónus e encargos.

DDD) Para obter assessoria financeira e legal com a montagem da operação inerente à aquisição do Edifício ..., a 3.ª Ré gastou quantia de, pelo menos, 18.000 euros.

EEE) Entre Julho e Agosto de 2017, o sócio gerente da 3.ª Ré, JJ, dedicou parte do seu tempo com o planeamento e preparação da operação de aquisição do Edifício ... .

  24. Em consequência da alteração, o acórdão recorrido deu como não provados os factos seguintes:

- A autora não conseguiu angariar o montante referido em EE) pelo facto de estar estabelecido o prazo de …-07-2017 para celebração da escritura de compra e venda.

- O contacto telefónico ocasional informal com um quadro superior da 1ª Ré era habitual na relação de arrendatária e senhoria.

- A autora só no dia …-08-2017 soube que a 3ª Ré teria exercido o direito de preferência.

- Nesse contacto não ficou claro para a Autora se a adquirente do prédio em causa seria a aqui 2ª Ré, SUMMERCITY, S.A., tal como foi comunicado na carta de … de Julho ou a 3ª Ré;

- Não é indiferente para a Autora ter por senhorio quem se dedica à gestão de activos imobiliários, ou quem, como é o caso da 3ª Ré, pretende adquirir o imóvel para a expansão do seu próprio negócio e não pretende ter inquilinos.

- A Autora tem interesse directo e inequívoco nesta transacção, como potencial compradora das fracções que hoje ocupa, como arrendatária, e do restante edifício, enquanto negócio puramente imobiliário;

- A autora apenas equacionou tal negócio depois de tomar conhecimento de que o novo proprietário iria a ser a NBALANCE, ora 3.ª Ré;

- O exercício do direito de preferência pela 3ª ré foi uma surpresa, e mais propriamente, um choque para a Ré Summercity e para o Fundo Explorer que a controla, uma vez que o Edifício .... era um dos imóveis que compunham o lote que acordou comprar à Ré Silcoge com maior potencial de valorização e, por conseguinte, um daqueles que mais contribuíram para o preço global que aceitou pagar pelo negócio que celebrou com a Ré Silcoge.

- Por via do pedido formulado nestes autos a autora pretende tão só “destruir” o direito adquirido pela aqui 3ª Ré de comprar o Edifício ... ..

- Revertendo o projectado negócio à “estaca zero”, o que interessará também à 2.ª Ré e ao Fundo Explorer.

- O referido em XX) tinha toda a informação considerada relevante para a ponderação de investimento no negócio, designadamente, áreas das fracções de que a Autora é arrendatária, prazo de vigência do contrato de arrendamento, valores das rendas pagas, encargos, etc.;

- Foi ainda contactado o Bankinter, embora o Prof. Dr. AA tenha sido da opinião que, face ao prazo de 8 dias para pagamento do preço, não deveria ser possível conseguir aprovação da operação.

- A entidade referida em AAA) reconheceu que o espaço temporal para a decisão era muito reduzido;

- A Autora, apesar de membro do Conselho Fiscal da Explorer Investments, entidade gestora do Explorer Real Estate I, nunca comentou, relatou, informou ou referiu àquela entidade, ou a qualquer entidade relacionada com mesma, qualquer facto relativo ao litígio em questão;

- E só depois da presente acção estar instaurada é que a Autora, informalmente por uma questão de transparência, informou a Explorer Investments que havia intentado uma acção contra a 2.ª Ré.

- A 1ª Ré não conhece nenhum interessado em adquirir o imóvel em causa com o ónus que lhe foi imposto pela autora;

- Logo que teve conhecimento da presente acção, a entidade financiadora com quem a 3.ª Ré tinha acordado o financiamento de parte do preço recusou-se a concretizar a operação.

- Para os efeitos referidos em EEE) a 3ª ré despendeu a exacta quantia de 18.450,00 Euros;

- Com a negociação do financiamento bancário, a 3.ª Ré suportou, ainda, a quantia de 4.729,24 euros em custos bancários;

- Que o sócio gerente da 3.ª Ré, JJ gastou pelo menos 100 horas nas actividades referidas em EEE) em prejuízo da atividade que normalmente presta para a 3.ª Ré, que representou um dano para a empresa de cerca de 3.500,00 Euros;

- [Que a] 3.ª Ré, uma vez concretizada a aquisição do Edifício ...., pretendia proceder à sua exploração económica, quer através da manutenção e incremento dos arrendamentos, quer eventualmente pela sua alienação a terceiro.

- [Que a] 1.ª Ré tenha sofrido prejuízos pela actuação da autora consistentes nos juros vencidos e vincendos do valor de capital remanescente da satisfação de encargo bancário (€ 650.000,00 x 8%/ano).

O DIREITO

25. A primeira questão suscitada pela Recorrente consiste em determinar se o acórdão recorrido é nulo, por contradição entre os fundamentos e a decisão.

  26. A Recorrente alega que “… o Acórdão recorrido incorre em nulidade, nos termos do artº 615º, nº 1, alínea c), do CPC, por contradição entre os fundamentos e a decisão respeitante à alteração da alínea BBB) dos factos provados, na medida em que mantém a fundamentação exposta na sentença da 1ª Instância, assim como a valoração dos meios de prova ali plasmada, e conclui decidindo pela alteração parcial da decisão emitida sobre a matéria de facto, sem para tanto apresentar a argumentação nesse sentido”.

  27. Como decorre da alegação da Recorrente, o problema relaciona-se com a alteração da alínea BBB) dos factos dados como provados.

  28. O Tribunal da 1.ª instância deu-lhe a seguinte redacção:

BBB) Em consequência, a 1ª Ré sofreu, e irá sofrer por tempo indeterminado, prejuízos financeiros relacionados com o referido impedimento causado pela Autora e que se traduzem:

— Nos juros vencidos e vincendos dos encargos bancários da 1ª Ré que ficaram por liquidar, relativos à abertura de crédito com hipoteca e consignação de rendimentos datada de …/01/2007 e actualizada em …/03/2012 e …/03/2015 a favor do Eurohypo (hoje Commerzbank Aktiengesellschaft) – cfr. registo predial do imóvel; e

— Nos juros vencidos e vincendos do valor de capital remanescente da satisfação do encargo bancário (€ 650.000 x 8%/ano).

   29. O Tribunal da Relação alterou a redacção do Tribunal de 1.ª instância, eliminando a referência aos “juros vencidos e vincendos do valor de capital remanescente da satisfação do encargo bancário (€ 650.000 x 8%/ano)”.

BBB) Em consequência, a 1.ª Ré sofreu e irá sofrer, por tempo indeterminado, prejuízos financeiros relacionados com o referido impedimento causado pela Autora e que se traduzem no valor do pagamento de juros decorrentes dos encargos bancários da 1.ª ré que ficaram por liquidar, relativos a abertura de crédito com hipoteca e consignação de rendimentos, datada de …-01-2007, a favor de Eurohypo (hoje Commerzbank Aktiengesellschaft) – cfr. registo predial do imóvel.

   30. Explicando a alteração. o acórdão recorrido diz o seguinte:

… a vacuidade dos meios de prova produzidos não permite considerar que tenha decorrido da realização da ‘sobre-amortização’ de € 650.000,00 pela ré SILCOGE … algum prejuízo para a referida ré, mesmo que decorrente da circunstância de ‘ter ficado sem a disponibilidade do referido capital’, nem, igualmente, qual o juro que, possivelmente, poderia ter sido perdido

… deverá incluir-se na matéria de facto não provada, a seguinte referência:

(Não se provou que:) “- a 1.ª Ré tenha sofrido prejuízos pela actuação da autora consistentes nos juros vencidos e vincendos do valor de capital remanescente da satisfação de encargo bancário (€ 650.000,00 x 8%/ano)”.

   31. O texto transcrito é suficiente para que se conclua que o Tribunal da Relação não mantém a fundamentação exposta na sentença da 1ª Instância e que não há contradição alguma entre aquilo que se consta da fundamentação do acórdão recorrido (“… a vacuidade dos meios de prova produzidos não permite considerar que tenha decorrido da realização da ‘sobre-amortização’ de € 650.000,00 pela ré SILCOGE … algum prejuízo para a referida ré…”) e aquilo que consta da decisão — alteração do facto dado provado sob a alínea BBB) e da alínea n.º 2 do dispositivo da sentença proferida pelo Tribunal da 1.ª instância.

   32. A segunda questão suscitada pelos Recorrentes consiste em determinar se a Recorrida PLÁCIDO DE ABREU E ASSOCIADOS – SOCIEDADE DE ADVOGADOS, SP, deverá ser condenada a indemnizar a Recorrente SILCOGE – SOCIEDADE CONSTRUTORA DE OBRAS GERAIS, S.A., pelos danos correspondentes “[a]os juros vencidos e vincendos do valor de capital remanescente da satisfação do encargo bancário (€ 650.000 x 8%/ano)”.

33. A Recorrente alega que

ii. O entendimento vertido no acórdão recorrido, no sentido de não se ter apurado que determinado facto — a realização da “sobre-amortização” de € 650.000,00 pela Ré Silcoge — tenha gerado “algum prejuízo” não justifica a desconsideração desse facto da matéria provada, ainda que o respetivo tema da prova e, consequentemente, o facto provado, se encontrasse redigido sob fórmula conclusiva.

iii. Ao confundir o facto “sobre-amortização” com o juízo conclusivo que sobre o mesmo fez incidir, relativo à ocorrência ou não de impacto financeiro desse facto, e ainda ao tomar a falta de elementos nos autos para quantificação do dano por inexistência de “algum prejuízo”, o acórdão recorrido incorre na incorreta aplicação do Direito, em concreto desrespeitando o disposto nos artigos 483.º, 562.º, 564.º e 566.º, nºs 1 e 2, e 569º do Código Civil, bem como os princípios e mecanismos processuais previstos nos artigos 358.º a 360.º, 410º, 411º, 556.º, nº 1, alínea b), 607º, nºs 3 e 4, e 609.º, nº 2, do Código de Processo Civil.

   34. Como decorre da alegação da Recorrente, deve distinguir-se a prova de que a Recorrente SILCOGE – SOCIEDADE CONSTRUTORA DE OBRAS GERAIS, S.A., procedeu a uma sobre-amortização de 650000 euros e a prova de que a sobre-amortização de 650000 euros causou danos correspondentes “[a]os juros vencidos e vincendos do valor de capital remanescente da satisfação do encargo bancário (€ 650.000 x 8%/ano)”.

 35. O acórdão recorrido, sem colocar em causa que o Tribunal da 1.ª instância desse como provado que a Recorrente SILCOGE – SOCIEDADE CONSTRUTORA DE OBRAS GERAIS, S.A., procedeu a uma sobre-amortização de 650000 euros, deu como não provado que a sobre-amortização de 650000 euros lhe tivesse causados danos.

   36. Em consequência, condenação da Recorrida PLÁCIDO DE ABREU E ASSOCIADOS – SOCIEDADE DE ADVOGADOS, SP, a indemnizar a Recorrente SILCOGE – SOCIEDADE CONSTRUTORA DE OBRAS GERAIS, S.A., pelos danos correspondentes “[a]os juros vencidos e vincendos do valor de capital remanescente da satisfação do encargo bancário (€ 650.000 x 8%/ano)” dependeria de uma reapreciação das provas, para que os factos materiais da causa fossem fixados em termos diferentes dos decididos pelo Tribunal da Relação. 

  37. Ora o art. 674.º, n.º 3, do Código de Processo Civil é do seguinte teor:

O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

  38. Como se escreve, p. ex., nos acórdãos de 14 de Dezembro de 2016 — proferido no processo n.º 2604/13.2TBBCL.G1.S1 —, de 12 de Julho de 2018 — proferido no processo n.º 701/14.6TVLSB.L1.S1 — e de 12 de Fevereiro de 2019 — proferido no processo n.º 882/14.9TJVNF-H.G1.A1 —,

“… o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa escapa ao âmbito dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça (artigos 674º nº 3 e 682º nº 2 do Código de Processo Civil), estando-lhe interdito sindicar a convicção das instâncias pautada pelas regras da experiência e resultante de um processo intelectual e racional sobre as provas submetidas à apreciação do julgador. Só relativamente à designada prova vinculada, ou seja, aos casos em que a lei exige certa espécie de prova para a demonstração do facto ou fixa a força de determinado meio de prova, poderá exercer os seus poderes de controlo em sede de recurso de revista” [1].

“… está vedado ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer de eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, apenas lhe sendo permitido sindicar a actuação da Relação nos casos da designada prova vinculada ou tarifada, ou seja quando está em causa um erro de direito (arts. 674.º, n.º 3, e 682.º, nº 2)” [2].

  39. Face ao exposto, o Supremo Tribunal de Justiça não pode pronunciar-se sobre a segunda questão suscitada pela Recorrente SILCOGE – SOCIEDADE CONSTRUTORA DE OBRAS GERAIS, S.A.

  40. Finalmente, a terceira questão consiste em determinar se a Recorrida PLÁCIDO DE ABREU E ASSOCIADOS – SOCIEDADE DE ADVOGADOS, SP, deverá ser condenada como litigante de má fé.

  41. A Recorrente alega que

v. O intentar de uma ação em que, contra legem, se pede que a 1.ª Ré seja proibida de proceder à alienação do seu imóvel, mediante a mera invocação de preterição de uma comunicação para preferir, sem intenção de exercer o putativo direito de preferência subjacente, e o imediato registo desta acção em oneração daquele imóvel, no exato momento em que decorria o processo da sua venda, consiste de forma flagrante não só na dedução dolosa de uma pretensão que a Autora sabia não ter fundamento, como um uso manifestamente reprovável dos meios processuais, com a finalidade de conseguir um objetivo ilegal.

vi. Não devendo a Autora desconhecer os mecanismos adequados à tutela do seu direito, praticou os atos de instaurar, registar, prosseguir e recorrer (n)a presente ação, aproveitando-se das suas competências técnicas e do fácil acesso à obrigatória constituição de mandatário, para engendrar uma iniciativa judicial que lhe permitisse «“paralisar” o negócio que as 1ª e 3ª rés se aprestavam para celebrar» sem estar vinculada ao inconveniente depósito do preço do negócio.

vii. Perante as condutas da Autora atrás descritas, e reiterando-se a justa decisão de 1ª Instância, deve aquela ser condenada como litigante de má fé, em multa a fixar por prudente arbítrio do Tribunal, em conformidade com a culpa da Autora e com o valor da ação, e no pagamento de indemnização à 1ª Ré para reembolso das despesas que esta se viu na contingência de suportar para se defender nestes autos, incluindo os honorários do seu mandatário, a liquidar no termo do processo, tudo nos termos do disposto nos artigos 542.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e d), e 543.º, todos do Código de Processo Civil.

 

  42. Os pontos essenciais para a decisão são três: — se a Recorrida PLÁCIDO DE ABREU E ASSOCIADOS – SOCIEDADE DE ADVOGADOS, SP, tinha o direito de preferência sobre o imóvel; — se a Recorrida PLÁCIDO DE ABREU E ASSOCIADOS – SOCIEDADE DE ADVOGADOS, SP, poderia propor uma acção por que pedisse a condenação da Ré SILCOGE – SOCIEDADE CONSTRUTORA DE OBRAS GERAIS, S.A., a abster-se de celebrar o contrato de compra e venda de um determinado imóvel, alegando a violação de um direito legal de preferência; — se a Recorrida PLÁCIDO DE ABREU E ASSOCIADOS – SOCIEDADE DE ADVOGADOS, SP, ao propor a acção por que pediu a condenação da Ré a abster-se de celebrar o contrato de compra e venda, deduziu com dolo ou culpa grave uma pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar.

   43. Quanto ao primeiro ponto — se a Recorrida PLÁCIDO DE ABREU E ASSOCIADOS – SOCIEDADE DE ADVOGADOS, SP, tinha o direito de preferência sobre o imóvel —, deve chamar-se a atenção para os factos dados como provados sob as alíneas M) e N):

M) Por carta datada de … de Julho de 2017, a 1ª Ré notificou a Autora, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1091º, n.º 1, alínea a) do Código Civil, para, querendo, exercer o direito de preferência na venda da totalidade do prédio urbano identificado em A).

N) Os termos e condições da projectada venda comunicados à Autora pela 1ª Ré através da referida carta são as seguintes, que por conveniência de exposição se transcrevem na parte que releva para os presentes autos:

“Objecto de Alienação e Preferência: o Edifício ..., supra identificado;

Comprador: SUMMERCITY, S.A., sociedade comercial de direito português, com sede na Av. ..., n.º …, …, inscrita no registo comercial de …, sob o número único de pessoa coletiva e de identificação fiscal …, ou uma outra sociedade comercial de direito português pertencente ao mesmo grupo económico da Summercity, S.A., controlada pelo Explorer Real Estate Fund I;

Preço e Condições de Pagamento: O preço de alienação do Edifício ..... é de € 6.250.000,00 (seis milhões e duzentos e cinquenta mil euros). O preço será totalmente pago, com fundos imediatamente disponíveis, pelo Comprador, no ato da celebração da escritura de compra e venda;

Data da Celebração da Escritura de Compra e Venda: O contrato definitivo de compra e venda será celebrado por escritura pública, até ao dia 31 de julho de 2017, em dia, hora e local sito em …, ficando o respectivo agendamento a cargo do Vendedor;

Tendo em atenção o acima exposto, ficam V. Exas. notificados para, querendo, e nos termos da legislação em vigor, exercer o direito de preferência que Vos assiste, relativamente à aquisição do Edifício ..., no prazo máximo de 8 (oito) dias a contar da data de recepção da presente carta.”

   44. Ou seja: — embora a Recorrida PLÁCIDO DE ABREU E ASSOCIADOS – SOCIEDADE DE ADVOGADOS, SP, não tivesse o direito de preferência sobre a totalidade do prédio urbano, a Recorrente SILCOGE – SOCIEDADE CONSTRUTORA DE OBRAS GERAIS, S.A., notificou-a para que o exercesse, no prazo de oito dias.

  45. O texto da comunicação descrita nas alíneas M) e N) podem interpretar-se como uma proposta contratual, cujo prazo foi fixado pelo proponente [cf. art. 228.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil], em termos que determinam que deva desvalorizar-se a circunstância de a Recorrida não ter o direito de preferência cuja violação pretendia prevenir.

   46. Quando ao segundo ponto — se a Recorrida PLÁCIDO DE ABREU E ASSOCIADOS – SOCIEDADE DE ADVOGADOS, SP, poderia propor uma acção por que pedisse a condenação da Ré SILCOGE – SOCIEDADE CONSTRUTORA DE OBRAS GERAIS, S.A., a abster-se de celebrar o contrato de compra e venda de um determinado imóvel, alegando a violação de um direito legal de preferência — deverá esclarecer-se o seguinte:

  47. Em primeiro lugar, a Recorrida PLÁCIDO DE ABREU E ASSOCIADOS – SOCIEDADE DE ADVOGADOS, SP, pretendia propor a acção antes da violação do seu direito.

 48. Em segundo lugar, há algum consenso na doutrina e na jurisprudência em que o obrigado à preferência deve designar ou identificar o terceiro interessado na aquisição [3] e não era evidente que uma identificação do terceiro interessado nos termos em que foi feita — “SUMMERCITY, S.A., ou uma outra sociedade comercial de direito português pertencente ao mesmo grupo económico da Summercity, S.A., controlada pelo Explorer Real Estate Fund I” — fosse adequada ou suficiente.

  49. Em terceiro lugar, não há consenso na doutrina e na jurisprudência em que o obrigado à preferência esteja adstrito a uma prestação de facto positivo [4] ou a uma prestação de facto negativo [5] — e, desde que prevalecesse a tese de que está adstrito  a uma prestação de facto negativo, a Recorrida PLÁCIDO DE ABREU E ASSOCIADOS – SOCIEDADE DE ADVOGADOS, SP, só poderia propor a acção de preferência depois da violação do seu direito.

  50. Esclarecidas as razões por que era razoável duvidar-se de qual seria o meio processual adequado, deve subscrever-se a afirmação do acórdão recorrido de que

“… se é certo que, tipicamente, o meio para fazer efetivar o ‘seu’ direito de preferência seria a interposição de uma acção de preferência nos termos regulados no artigo 1410.º do Código Civil, certo é que… poderia ter sido configurada a instauração de uma ação que configurasse uma outra pretensão (v.g. indemnizatória), ou mesmo uma providência cautelar que visasse acautelar a mencionada ‘preferência’. A opção da autora foi, todavia, a de interposição da presente ação que, assim configurada, seguiu os seus termos até final”.

    51. Quanto ao terceiro ponto — se a Recorrida PLÁCIDO DE ABREU E ASSOCIADOS – SOCIEDADE DE ADVOGADOS, SP, ao propor a acção por que pediu a condenação da Ré a abster-se de celebrar o contrato de compra e venda, deduziu com dolo ou culpa grave uma pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar —, deve chamar-se a atenção para que não é evidente e para que, não sendo evidente, não está provado que a Recorrida conhecesse ou devesse conhecer a falta de fundamento da sua pretensão.

  52. Os factos provados sob as alíneas UU) a AAA) sugerem que a Recorrida PLÁCIDO DE ABREU E ASSOCIADOS – SOCIEDADE DE ADVOGADOS, SP, tinha a convicção de ser titular do direito de preferência, de que tinha a intenção de adquirir a totalidade do imóvel e de que só não realizou a sua intenção, adquirindo-o, por não ter conseguido “angariar o dinheiro suficiente para a compra do imóvel — 6.250.000,00 euros”; ora, como se diz no acórdão recorrido,

“[o] facto de a autora ter, ou não, o dinheiro necessário para pagar o preço de venda do imóvel, tal como lhe foi comunicado pela 1.ª Ré… não intui, nem inculca… que haja má fé na litigância havida”.

III. — DECISÃO

   Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido.

   Custas pela Recorrente SILCOGE – SOCIEDADE CONSTRUTORA DE OBRAS GERAIS, S.A.

Lisboa, 10 de Dezembro de 2020

Nuno Manuel Pinto Oliveira

José Maria Ferreira Lopes

Manuel Pires Capelo

      Nos termos do art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos Exmos. Senhores Conselheiros José Maria Ferreira Lopes e Manuel Pires Capelo.

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[1] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2016 — processo n.º 2604/13.2TBBCL.G1.S1.

[2] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 2018  — processo n.º 701/14.6TVLSB.L1.S1.
[3] Vide, p. ex., o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Janeiro de 2011 — processo n.º 4363/07.9TVLSB.L1.S1 —, cujo sumário é o seguinte: “I. — O preferente deve, na comunicação a que alude o art. 416.º do Código Civil, identificar o terceiro interessado na aquisição.II. — Se o não fizer, a comunicação é ineficaz e, por conseguinte, não releva, como renúncia, a declaração do preferente, designadamente aquela em que diz que “nas condições e preços comunicados, não pretendo exercer o direito de preferência que me assiste”.
[4] Vide, p. ex., os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 1998 — processo n.º 98A517 —; de 21 de Fevereiro de 2006 — processo n.º 05B3984 —; de 19 de Outubro de 2010 — processo n.º 155/2002.L1.S1 —; de 27 de Novembro de 2018 — processo n.º 14589/17.1T8PRT.P1.S1 —; e de 9 de Abril de 2019 — processo n.º 3094/17.6T8FNC.L1.S1.
[5] Vide, p. ex., os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Março de 2004 — processo n.º 03A4441 — e de de 8 de Janeiro de 2009 — processo n.º 08B2772.